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O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA E A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Patricia Martinez Almeida1
RESUMO
O presente estudo busca demonstrar a evolução da atividade advocatícia como imprescindível à administração da justiça por sua finalidade protetiva que, desde seu nascedouro, viabiliza a defesa dos interesses supremos que inerentes aos homens pelo imperativo moral da supremacia da dignidade da pessoa humana, com intuito de dar efetividade aos direitos do homem, como um fim em si mesmo na aplicação dos direitos humanos. PALAVRAS CHAVE Advogado; Direitos Humanos; Efetividade. RÉSUMÉ Cette étude cherche à montrer l'évolution de l'activité de plaidoyer comme essentielle à l'administration de la justice par son objectif de protection, depuis ses débuts, il permet une défense des intérêts suprêmes aux hommes par lequel inhérents impératif moral de la suprématie de la dignité humaine, afin de faire respecter les droits de l'homme comme une fin en soi dans la mise en œuvre des droits de l'homme.
MOTS-CLÉS Avocat, droits de l'homme; l'efficacité.
Ao nos debruçarmos sobre a questão da atividade da advocacia
na aplicação dos direitos humanos, cumpre, primeiramente, fazer uma
análise histórica para, assim, entendermos a evolução e a necessidade da
atuação do profissional do direito na dinâmica da sociedade em que se
insere.
O ramo de atividade do profissional do Direito está umbilicalmente
relacionado à dialética, ou seja, à arte do dialogo em que os indivíduos
1 Advogada, professora de ensino superior, foi servidora pública do município de São Paulo.
Graduada pela Universidade Nove de Julho especialista em Direito Constitucional com ênfase em
Direitos Humanos e mestranda em Direito pela mesma Instituição de Ensino.
2
empregam o uso de suas faculdades mentais para debaterem as
perspectivas que possuem sobre um mesmo tema2.
Consonante à origem etimológica da palavra advogar do latim do
verbo ad vocare falar em nome de alguém: refere-se ao chamamento de
alguém, para de alguma maneira, auxiliar numa atividade.
Advocatio por sua vez surge como termo técnico inequívoco para
designar o apelativo derivado do advocare: ofício, o exercício de advogar ou
patrocinar causas; a corporação, a ordem dos advogados de uma cidade.3
Do Livro III do Digesto, do título De Postulando, os compiladores
de Justiniano procuraram disciplinar a matéria seguindo certa ordem:
enunciando a finalidade, segundo o edito do Pretor; definindo a atividade de
postular e determinando a ordem da capacidade postulatória:
D. 3,1,1,2 (Ulpianus, 6 ad. ed.) Postulare autem est desiderium suum vel amici sui in iure apud eum, qui iurisdictioni praeest, exponere: vel alterius desiderio contradicere. Mas postular é expor a pretensão própria ou o de seu amigo in iure diante daquele que exerce jurisdição: ou contradizer a pretensão de outro. D. 3,1,6 pr. (Ulpianus, 6 ad. ed.) Puto autem omnes, qui non sponte, sed necessario officio funguntur, posse sine offensa edicti postulare, etiamsi hi sint, qui non nisi pro se postulare possunt. Mas creio que podem sem ofensa ao edito postular todos aqueles que assim o fazem não por gosto, mas por necessidade de seu ofício, ainda que sejam os que podem postular apenas por si.
A indispensabilidade da atuação do advogado na administração
da justiça, do munus publicus, remonta desta época, não só nas causas
excepcionais em que se necessitava de representante na defesa, por suas
2 SOUSA, Rainer. Dialética. Disponível em http://www.brasilescola.com/filosofia/dialetica.htm.
Acesso em 13 out 2010. 3 MADEIRA, Hélcio Maciel França. História da advocacia: origens da profissão do advogado no
direito romano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. pp. 20/21.
3
particularidades como as dos menores e surdos, mas também, a quem de
defesa necessitasse:
D. 3,1,1,4 (Ulpianus, 6 ad. Ed.) Ait praetor: si non habebunt advocatum, ego dabo. Nec solum his personis hanc humanitatem praetor solet exhibere, verum et si quis alius sit, qui certis ex causis vel ambitione adversarii vel metu patronum non invenit. Diz o pretor: se não tiverem advogado eu darei. O pretor costuma demonstrar humanidade não só com estas pessoas (o menor de dezessete anos e o surdo), mas também se for alguma outra pessoa que por certas causas, ou pela ambição do adversário, ou por medo, não encontra patrono.
Na Roma antiga, no período de transição da Realeza à República
- não obstante o nascimento de vários órgãos jurisdicionais como o
Consulado, os Comícios com função jurisdicional, a pretura e edilidade - o
campo de atuação dos advogados era restrita à assistência nos petrechos
ritualísticos, sendo todos estes atos realizados pela própria parte.
Depois da in ius vocatio – o chamamento do réu a juízo, o
magistrado ouvia das partes a recitação das formulas solenes das ações da
lei para depois nomear um iudex4. Fórmulas que deveriam ser declamadas
de forma escorreita e de pronuncia corretíssima no sistema Lex actiones.
Ainda na República surge uma segunda espécie de advogado: o
jurisconsulto, aquele que além do conhecimento do direito, assiste o cliente
e atua diretamente com o magistrado – atividade esta mais tarde chamada
por Cícero de agere5.
Surge um novo sistema o per formulas, pois pelo rigor das
formalidades das ações da lei (Lex actiones), que se tornou procedimento
odioso, o povo em comício aprovou a Lex Aebutia – que fez com que os
processos se realizassem em parte por escrito, em parte oralmente, mas
sem as antigas formalidades, dando origem ao procedimento formulário.
4 MADEIRA, Hélcio Maciel França. História da advocacia: origens da profissão do advogado no
direito romano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 5 MADEIRA. Ibidem.
4
O desenvolvimento da classe dos jurisconsultos – que coincide
com a abolição do formalismo exacerbado do sistema Lex actiones, se deve
a atuação na interpretatio prudentium, vez que estudavam, sistematizavam e
davam consultas sobre o direito, atuando como advogados da parte e na
segunda parte do processo das quaestiones perpetuae, as partes, por seus
advogados travavam verdadeiros duelos verbais.
Assim, conhecer o que ocorreu neste período, aclamado como
“século do patronato judiciário” – a partir dos estudos de DAVID6, que abalou
a constituição republicana de Roma, diz GRELLET-DUMAZEAU:
est très-utile pour l’étudie de l'histoire politique de ce siècle, et indispensable pour l'intelligence des plaidoyers de Cicéron7 É muito útil para o estudo da história política deste século, e indispensável para compreender os argumentos de Cícero (Tradução livre)
O quadro histórico do período em que, nos dizeres de GRELLET-
DUMAZEAU, consubstanciou “les avocats gouvernaient le monde”,
despontou duas espécies de advogados: uns para os iudicia publica, em
favor de sua carreira política ou dos políticos, que conhecidos por suas
acusações vitoriosas; outros para os iudicia privata, na defesa dos cidadãos
comuns sem pretensões políticas, principalmente nas quaestiones, que,
notadamente, pela retórica helênica que originou a advocacia romana, deu
inicio a um conflito inevitável dos advogados habilitados na oratória versus
os advogados iuris prudentes.
O advogado que, nomeado pelo magistrado, ao advogar cumpria
seu dever decorrente da fides patroni, ou seja, do dever de fidelidade da
pequena classe protetora à grande massa protegida com caráter de
imperativo moral da arte (técnica) do bom e do equitativo (direito).
6 DAVID, Le patronat judiciaire au dernier siècle de La republique romaine. Apud MADEIRA,
Hélcio Maciel França. História da advocacia: origens da profissão do advogado no direito
romano.
7 GRELLET-DUMAZEAU, Le barreau romain. Paris, Durand, 1858, apud MADEIRA. ibidem.
5
Pois bem. Consonante o histórico da origem Romana da atividade
da advocacia depreende-se que a arte de falar por alguém (ad vocare)
emana da necessidade de proteger certos interesses que inerentes aos
homens e que não podem ficar ao arbítrio ou sofrer o vilipendio por quem
quer que seja ensejando, assim, o imperativo moral da Justiça.
Justiça que para Platão revela a virtude suprema que só existe no
mundo das idéias perfeitas, que só conheceremos ao morrer e que no
mundo da matéria conhecemos apenas seus reflexos: busca humana pela
perfeição e a virtude que convola na felicidade; para Aristóteles temos a
justiça como proporcionalidade do meio termo entre dois extremos, bom
senso; já para os Jurisconsultos Romanos a justiça se manifesta no critério
prático de dar a cada qual o que de direito, ou seja, anseio eterno e imutável
de dar a cada um o que é seu.
Denota-se, pois, que da atividade da defesa do direito, com vistas
a alcançar a justiça, o advogado torna-se instrumento de efetivação dos
Direitos Humanos, direitos estes que inerentes ao homem, pois universais,
irrenunciáveis, inalienáveis, imprescritíveis, razão pela qual devem ser
defendidos com boa técnica e de forma proba.
Na mesma esteira os ensinamentos de IHERING concluí-se que a
defesa dos interesses do litigante são se limita ao objeto mediato da lide
(direito subjetivo pleiteado), mas na repercussão da definição e solução do
conflito na sociedade, pois, com efeito, gerará precedente que servirá de
norte para resolução de casos análogos.
Denota-se que “a paz é o fim que o direito tem em vista, a luta é o
meio de que se serve para consegui-lo”. “Sem o direito desce ao nível do
animal”8. Assim, a atuação do interprete, detentor da técnica, em suas teses
de defesa de interesse se torna imprescindível para o alcance e extensão
dos direitos protegidos.
8 IHERING. Rudolf Von. A luta pelo Direito. Forense: Rio de Janeiro, 1987.
6
O litigante não luta pelo miserável objeto do litígio, mas por um fim ideal: a defesa da sua própria pessoa e do sentimento do direito, que em seu intimo não se trata apenas de um objeto (em sentido lato), mas da sua personalidade, da sua honra, do seu sentimento de direito, do respeito a si próprio, ou seja, deixa de ser uma questão de interesse para se transformar numa questão de dignidade.9
A violência com que o sentimento reage contra a lesão que lhe é
causada é a pedra de toque de seu vigor. A dor moral que causa a injustiça
intencional que se equipara à dor física, ou seja, sinal de perturbação no
organismo, da influência inimiga; abre-nos os olhos sobre o perigo que nos
ameaça e pelo mal que essa dor nos causa adverte-nos da necessidade de
tratamento.10
Depreende-se, portanto, que a atividade da advocacia como
instrumento a dar efetividade aos direitos humanos, que, notadamente, ao
agir nos interesses de seus protegidos, o advogado, em sua atuação, inibe
ou ao menos ameniza a dor da lesão aos direitos da personalidade, na
defesa da dignidade da pessoa humana e os demais inerentes ao homem,
tutelados jurisdicionalmente por sua essência principiológica.
Dada a natureza das defesas realizadas, ou seja, tutela dos
interesses inerentes aos homens, o advogado em seu mister deve guardar
estreita relação com os princípios éticos e morais da sociedade em que atua
o interprete do direito, para, desta maneira, alcançar as searas de justiça e
equidade no caso concreto.
Notadamente, os princípios que regem a vida em sociedade são
indissociáveis da atuação advocatícia, uma vez que são as bases
norteadoras, de quaisquer atividades jurídicas: quer sejam elas no campo
zeetético, na atividade do intérprete ou no campo dogmático, no ato de
poder decisionista do julgador.
Conceitua a melhor doutrina, princípio como:
9 IHERING. Ibidem.
10 IHERING. Ibidem.
7
(...) mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério de sua compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico11.
Assim como no estoicismo, a defesa dos interesses da massa
protegida pelos protetores se organizou em torno de algumas idéias centrais
como a unidade humana e a dignidade do homem em consonância com o
imperativo categórico festejado por Kant em atividades socialmente aceitas
como universais, e é esse o núcleo do conceito de Direitos Humanos:
Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir12”.
Desta forma, entende-se por Direitos Humanos, aqueles direitos
inerentes à pessoa humana, que visam resguardar a sua integridade física e
psicológica perante seus semelhantes e perante o Estado em geral. De
forma a limitar os poderes das autoridades, garantindo, assim, o bem estar
social através da igualdade, fraternidade e da proibição de qualquer espécie
de discriminação13.
Neste sentido, corrobora o entendimento nos ensinamentos de
Kant sobre a dignidade da pessoa humana: “Por conter essa dignidade, esse
valor intrínseco, sem preço e acima de qualquer preço, que faz dele pessoa,
11
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros,
1997. 12
Herkenhoff, João Baptista. Gênese dos Direitos Humanos. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/herkenhoff/livro1/conceito.html. Acesso em: 13 out. 2010. 13
Conceito de Direitos Humanos. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/dh_utopia/2conceito.html. Acesso em: 13 out. 2010.
8
ou seja, um ser dotado de consciência racional e moral, e por isso mesmo
capaz de responsabilidade e liberdade” 14.
Imperativo consignar que a compreensão da dignidade da pessoa
humana e de seus direitos e efetiva proteção, no decorrer da História, tem se
dado em conseqüência e sob a ótica dos oprimidos, ou seja, fruto da dor
física e do sofrimento moral que fere sobremaneira a sociedade instando a
necessidade de positivação e efetivação dos direitos naturais por inerentes
que os são da humanidade.
O relatório histórico mostra que os direitos fundamentais não são
a expressão ou o resultado de um desenvolvimento sistemático de caráter
sólido e abstrato, mas concretas respostas políticas às experiências
históricas insuportáveis e limitação de riscos da liberdade.
Esse sentido ético foi bem marcado por Montesquieu em sua obra
Mes Pensées:
“Se soubesse de algo que fosse útil a mim, mas prejudicial à minha família, eu rejeitaria de meu espírito. Se soubesse de algo útil à minha família, mas não á minha pátria, procuraria esquecê-lo. Se soubesse de algo útil à minha pátria, mas prejudicial à Europa, ou então útil à Europa, mas prejudicial
ao gênero humano, consideraria isto como um crime” 15.
Esta necessidade de proteção e positivação aos direitos humanos
é historicamente explicada em três gerações, na primeira geração, do pós
Revolução Francesa de 1789, temos a proteção dos direitos básicos, dos
quais decorre a preservação da dignidade da pessoa humana a liberdade do
homem, garantindo, assim, os direitos individuais.
Os indivíduos contavam com a proteção frente ao Estado, ou seja,
o Estado com limites dentro da esfera individual, um de dever de abstenção
14
KANT apud TELLES e COLTRO. O Estatuto da Criança e do Adolescente: uma lei de gente grande. Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente: o “cuidado”. Revista do Advogado nº 101. São Paulo: AASP, 2008. 15
MONTESQUIEU apud COMPARATO. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo:
Saraiva, 2005.
9
em que o Estado só poderá atuar quando houver violação aos direitos
individuais, preconizada na Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, em seu art. 1º, in verbis: “Os homens nascem e permanecem livres
e iguais em direito”.
Na segunda geração temos como marco importante a Revolução
Industrial, nesta geração ainda havia a preservação do individuo, porém de
forma coletiva, pois são vistos como pertencentes a um grupo com seus
direitos violados pelo capitalismo exacerbado, quais sejam: trabalhadores,
idosos, portadores de necessidade especiais, etc. envolvem as pessoas
pertencentes a tais categorias.
Nesta geração o Estado detem o poder-dever de fazer e não
apenas observar como na primeira geração, pois de nada adiantaria falar em
direitos fundamentais, se não houvesse mecanismos para preservar tais
direitos. O Estado deve agir, deve fazer algo através de políticas públicas
para garantir o mínimo existencial.
A terceira geração diz respeito à geração dos direitos difusos e
coletivos, a preocupação será sempre com a coletividade latu sensu e não
mais se destinando às pessoas ou grupos específicos, o exercício será de
forma coletiva. Temos como exemplo a defesa ao meio ambiente, em que a
obrigação de preservar é do Estado e dos indivíduos, para preservar um
meio ambiente saudável para a presente e as futuras gerações, nos termos
do artigo 225 da Constituição Federal.
Disso decorre a necessidade da atuação do profissional do Direito
em sua atividade zeetética, através da habilidade hermenêutica, para, na
subsunção da norma ao caso concreto, com vistas a efetivar os direitos
inerentes ao homem no campo dogmático e alcançar as searas da justiça
distributiva do munus publicus.
Notadamente, conforme inteligência do art. 133 da Constituição
Federal de 1988, positiva esse entendimento, in verbis: “O advogado é
10
indispensável à administração da justiça, sendo invioláveis por seus atos e
manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Com efeito, a atividade da advocacia elevada à função pública,
com instrumento indispensável à conservação e garantia do Estado
Democrático de Direito, demonstra que a aplicação dos princípios
norteadores da atividade advocatícia se consubstancia em observação aos
fundamentos preconizados na proteção aos direitos humanos, pois senão
vejamos:
No plano internacional a Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948, em seu preâmbulo invoca o principio da cooperação
mútua entre os Estados Membros para a proteção, respeito e efetivação dos
Direitos Humanos, e, em seu artigo 8º assegura o direito de todas as
pessoas recorrerem ao judiciário no caso de violação de seus direitos
fundamentais:
Toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei (Artigo VIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948)
No plano interno, a Constituição Federal de 1988 em seu artigo
1º, III, preconiza a dignidade da pessoa humana como principio e
fundamento do Estado Democrático, e, no artigo 4º, II, vincula a prevalência
dos Direitos Humanos a reger as relações internacionais.
Com efeito, no artigo 5° do Texto Constitucional estão elencados
os direitos fundamentais da pessoa humana e a consagração da prevalência
dos Direitos Humanos na observância aos tratados internacionais desta
matéria que se incorporam ao nosso ordenamento interno com força de
norma constitucional.
O advogado em seu indispensável mister à administração na
justiça, se vale dos dispositivos protetivos, como os dos direitos à
personalidade disposto no artigo 2° do Código Civil, na defesa da dignidade
11
da pessoa humana, que, com efeito, é a pedra de toque do nascedouro da
positivação dos Direitos Humanos, nas ações indenizatórias, obrigação de
fazer ou não fazer, na defesa dos direitos sucessórios, direito de filiação,
entre outras.
Que, para dar efetividade de suas garantias abarcadas na
Constituição Federal, nos Tratados Internacionais, bem como nas leis
especiais, tais como as de Investigação de Paternidade Lei 8560/1992,
Adoção Lei 12010/2009, Alimentos Lei 5484/1968, Alimentos Gravídicos Lei
11804/2008, dentre outras para a consecução dos direitos humanos
fundamentais, se valem do judiciário por meio da justiça corretiva de sua
atividade típica, para, assim, alcançar a justiça distributiva no caso concreto.
Pois, na eterna e imutável busca de dar a cada qual o que é seu,
imprescindível a atuação do profissional da advocacia, como
instrumentalizador e interprete dos dispositivos protetivos dos Direitos
inerentes aos Homens a gerar segurança jurídica nas relações.
Os mecanismos internacionais, como os julgamentos da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, têm se consubstanciado em poderosos
subsídios da advocacia, pois, diante de sua efetividade inibe a violação
pelos Estados Membros dos interesses tutelados, sob pena de enfrentarem
pública e mundialmente o constrangimento político, econômico e moral.16
Para ilustrar a repercussão e a força dos mecanismos
internacionais, elencamos alguns dos sucessos julgados pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos:
(a) a proibição do recrutamento de adolescentes pelas forças armadas do Paraguai (caso “Vitor Hugo Maciel”); (b) a condenação do Estado de Honduras devido à prática de detenção de adolescentes nos mesmos centros em que se mantinham detidos os prisioneiros adultos (caso “Menores em Centros de Detenção”);
16
GOUVÊA, et e tal Organizadores. Inovações na Advocacia em Direitos Humanos. CDH: São
Paulo, 2003.
12
(c) a declaração, pela Corte Interamericana, do dever dos Estados membros da OEA de prover proteção especial para crianças e adolescentes (caso “Villagran Moralles”); (d) a derrogação e modificação de dispositivos discriminatórios contra as mulheres do Código Civil da Guatemala (caso “Maria Eugenia Morales”); (e) a responsabilização do Estado brasileiro pela impunidade e falta de medidas preventivas em um caso de violência doméstica contra as mulheres (caso “Maria da Penha”).17
Vale ressaltar que a advocacia em Direitos Humanos,
inicialmente, é exercida pelas instituições e entidades, poucas são as
exclusivamente voltadas para o âmbito jurídico.
A atuação jurídica adotada vai da elaboração de pareceres,
provocação dos órgãos competentes ao ajuizamento das ações, quer sejam
individuais, quer sejam coletivas.
A tendência brasileira aponta para novas formas de advogar os
Direitos Humanos tais como na proteção integral e tutela dos interesses
difusos e coletivos da criança e do adolescente, meio ambiente, direito
internacional, direitos da mulher, com a incorporação dos Tratados
Internacionais ao ordenamento interno.
Percebe-se que não há, todavia, instituições que advoguem
Direitos Humanos em sentido estrito, mas sim atuações em casos de
violação individual ou coletiva das liberdades fundamentais, que repercutem
na esfera internacional, ensejando a famigerada defesa aos Direitos
Humanos.
No tocante ao ajuizamento de ações, destacamos como
instrumento de efetivação, a intervenção na propositura de ações civis
públicas, ação de obrigação de fazer por descumprimento de interesse
difuso e coletivo contra as Fazendas Públicas ou aos Órgãos
compromissados com a instituição e implementação das Políticas Públicas
por atribuição; das ações coletivas de interesses transindividuais.
17
Ibidem.
13
Da interpretação e aplicação das legislações referentes aos
crimes de tortura e racismo, a tutela dos direitos das crianças e dos
adolescentes, questões de gênero, desenvolvimento institucional de
organizações da sociedade civil e controle de políticas públicas.
Difundindo, assim, os resultados, ou ao menos as tentativas, de
defesa da dignidade da pessoa humana, pelas vias judiciais internas e
internacionais, para, desta maneira, modificar a leitura do Direito com vistas
a dar efetividade aos Direitos Humanos, pois inerentes à humanidade por
sua universalidade, indisponibilidade, irrenunciabilidade, imprescritibilidade,
inalienabilidade e caráter erga omnes.
Conclui-se, portanto, que toda a atividade advocatícia se encontra
permeada pela finalidade suprema de dar efetividade aos Direitos Humanos,
quer seja na esfera privada das relações, quer seja na esfera pública, e,
principalmente na defesa dos intereses difusos e coletivos, pela própria
natureza da instituição de sua atividade, qual seja: ad vocare – falar em
nome de alguém – na arte do bom e do equitativo.
Corrobora o entendimento nos ensinamentos de Gladston
Mamede:
Vê-se, por esse ângulo, que a importância da atuação do advogado para a manutenção de um Estado Democrático de Direito, fundado na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, bem como no pluralismo político, foi formalmente reconhecida pelo Direito brasileiro. Vale dizer, foi afirmado, normativamente, o seu papel indispensável para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que objetiva desenvolver-se, erradicando a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais, além de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.18
É possível, através do jogo hermenêutico, influenciar a maneira
de como os Direitos Humanos são interpretados e aplicados pelos tribunais,
18
MAMEDE, Gladston. Defensor de Seres Humanos, da Justiça e do Direito. In: Revista de
Estudos & Informações, novembro de 2003. p. 45
14
pois, notadamente, é a boa técnica do advogado que enseja a jurisprudência
na criação de precedentes jurídicos.
A evolução da atividade advocatícia se mostra imprescindível à
administração da justiça por sua finalidade protetiva, pois desde seu
nascedouro, viabiliza a defesa dos interesses supremos que inerentes aos
homens pelo imperativo moral da supremacia da dignidade da pessoa
humana.
A indispensabilidade da atuação do advogado na consecução dos
direitos inerentes ao homem, aclamada em nosso Texto Constitucional, além
de sua justificativa histórica e lógica da assistência técnica, é de salutar
importância por refletir diretamente na atuação do poder decisionista, na
atividade dogmática do julgador revestida do poder-dever do Estado-Juiz.
Atividade esta, com intuito de dar efetividade aos direitos do
homem, como um fim em si mesmo, na aplicação dos direitos humanos que
repercute diretamente nas decisões judiciais como fundamento jurídico
delas, quando do convencimento do julgador, gerando precedentes e
consolidando o entendimento dos Tribunais.
Com efeito, os julgadores, ao dirimirem os conflitos e prestarem
jurisdição aos casos concretos, da analise das teses elaboradas pelos
advogados na defesa dos interesses de seus constituintes, delas se valem
para formar convencimento ao fundamentar suas decisões.
Tal atuação se percebe na prática reiterada e espelhada nas
sentenças e acórdãos publicados, que mesmo sem qualquer menção ao
interlocutor mental da tese ventilada, ou seja, ao advogado, reflete o
comprometimento do interprete do direito com o eterno trabalho em prol do
bom e do equitativo.
Nos dizeres do Professor e Doutrinador Arnold Wald:
Não se pode contar nem entender a história de um país sem destacar o papel desempenhado pelos advogados. Se não
15
eles que, necessariamente, criam todas as técnicas de controle social, cabe-lhes sempre fazer com que tais técnicas funcionem no interesse social. Assim, as idéias gerais lançadas pelos filósofos ou pelos políticos só se transformam em realidades concretas em virtude do trabalho do advogado em prol dos interesses individuais ou coletivos.19
Diante da percepção do grau de repercussão da atividade
zeetética advocatícia, através do jogo hermenêutico, nos atos de poder-
dever da dogmática decisionista do julgador, demonstra a real importância
da atuação do advogado na sociedade e na criação da jurisprudência que
norteara as demais decisões referentes à mesma matéria.
Em outras palavras, urge consignar a efetiva responsabilidade
dos interpretes do Direito em seu mister, pois, a atuação do profissional do
direito interfere e modifica a leitura e a aplicação dos Direitos declarados no
ordenamento jurídico, alterando a sociedade e sua condução.
Neste sentido, a ética profissional20 e a imunidade judiciária21 do
causídico exercem papel preponderante e inafastável do exercício da
advocacia para a consecução da defesa, conservação e efetivação dos
Direitos Humanos.
Pois somente um profissional ético e sem amarras detém
condições de exercer sem vícios ou desvios a imprescindível atuação na
defesa e consecução dos direitos inerentes ao homem, quer seja no
resultado prático do caso concreto em que atua, quer seja no reflexo da
decisão que sua atividade direcionou.
19
WALD, Arnoldo. A Advocacia de Empresa. In: Estudos e pareceres de Direito Comercial. São
Paulo: Forense, 1999. p. 390. 20
Deontologia jurídica, ou seja, ética profissional. Atendimento ao Estatuto dos Advogados e aos
valores da sociedade. 21
Os advogados prestam importante serviço e contribuição para o bom exercício da Justiça, sendo
natural que, no exercício regular da atividade, o façam, até, com ardor e veemência. Nunca, porém,
deixando de lado o essencial, que é a defesa da causa, para uma luta contra o colega adverso, ou
contra o representante do Ministério Público, ou ofendendo a honra, desabusada e
desnecessariamente, fora dos limites da causa ou da defesa de direitos e prerrogativas de que
desfrutam. (STJ – 5ª T.; HC nº 4.539-RO; Rel. Min. Jesus Costa Lima; j. 2-8-95; v.u.)
16
Nesta toada, se a atuação advocatícia é indispensável à
conservação e efetivação do Estado Democrático de Direito, por defender os
valores da sociedade em que se insere, pelo fundamento da dignidade da
pessoa humana e repercute diretamente nos atos decisionista do Estado
Juiz na formação de convencimento, temos o advogado como principal
colaborador na fixação da jurisprudência.
O entendimento reiterado sobre determinado assunto por nossos
tribunais, só fixado e modificado, pela formação de entendimento dos
julgadores, entendimento este alcançado pela analise dos casos concretos e
a das teses de defesa de direitos apresentadas pelos advogados, diante
dinâmica da sociedade.
Cabe ao advogado, à luz do ordenamento jurídico com vistas a
alcançar a finalidade precípua dos direitos tutelados, direcionarem a
percepção da defesa e decisão no caso concreto, para, desta maneira, dar
efetividade aos direitos mínimos consagrados como indispensável à
dignidade humana.
17
REFERENCIAS
COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos Direitos
Humanos. 4. Ed. Ver. Atual. São Paulo: Saraiva, 2005.
DESCONHECIDO. Conceito de Direitos Humanos. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/dh_utopia/2conceito.html. Acesso em:
13 out. 2010.
GOUVÊA, et e tal Organizadores. Inovações na Advocacia em Direitos
Humanos. CDH: São Paulo, 2003. Disponível em:
http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/286_Pesquisa%20sobre%20inovac
oes%20na%20advocacia%20em%20direitos%20humanos.pdf. Acesso em:
14 out. 2010.
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