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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito O PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO AMBIENTAL NO PROCESSO DE TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO Luciana Machado Oliveira Belo Horizonte 2007

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Page 1: O PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO AMBIENTAL NO PROCESSO DE ... · projeto de transposição do rio São Francisco vem sendo respeitada a participação popular, um dos princípios efetivadores

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Direito

O PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO AMBIENTAL NO

PROCESSO DE TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO

Luciana Machado Oliveira

Belo Horizonte 2007

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Luciana Machado Oliveira

O PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO AMBIENTAL NO

PROCESSO DE TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito

Orientador. José Adércio Leite Sampaio

Belo Horizonte 2007

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Luciana Machado Oliveira

O princípio da participação ambiental no processo de transposição do rio são

Francisco

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito

___________________________________________________ José Adércio Leite Sampaio (Orientador) - PUC Minas

____________________________________________________ José de Alfredo Baracho Júnior (Examinador) - PUC Minas

____________________________________________________ Daniel Sarmento (Examinador) - PUC Rio

Belo Horizonte, 16 de junho de 2007

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Aos meus pais, Maria e Antônio, pois sem eles esse sonho não se realizaria.

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Agradecimentos

Ao meu querido orientador Professor José Adércio Leite Sampaio, pessoa pela qual tenho grandiosa admiração e respeito, por ter me conduzido a este tema. Minha

eterna gratidão.

Ao professor Bruno Wanderley Júnior, pelo constante apoio e pela ajuda nas orientações das monografias de direito da Puc-São Gabriel.

Ao professor José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior, pelas esplendidas aulas de

direito ambiental ministradas no mestrado, durante as quais absorvi ensinamentos únicos.

À minha sempre orientadora madrinha Teo, pela revisão desta dissertação e pelos comentários felizes e oportunos.

Aos meus irmãos Lisley e Laser, por me incentivarem e sempre nos momentos

estressantes me dizerem que eu iria conseguir. Consegui!

Às minhas eternas amigas de mestrado Ana Letícia, Carlinha, Adriana e Renata, pelas dicas, pela divisão de temores e pelo ombro amigo. Valeu, viu?

A meu sobrinho, Otávio, pequenino ser, que não consigo descrever, meu

agradecimento por ter me visto tanto tempo trancada no escritório e entender.

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O Sertão é do tamanho do mundo. Agora, por aqui, o senhor já viu: rio é só o São Francisco, o Rio do Chico. O resto pequeno é vereda. E algum ribeirão. (ROSA, João Guimarães)

Quem acredita que pode realizar algo guiado exclusivamente pela razão está condenado a realizar muito raramente. (LE BOM, Gustave)

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RESUMO

O objetivo deste trabalho foi analisar e verificar se, no processo de licenciamento do

projeto de transposição do rio São Francisco vem sendo respeitada a participação

popular, um dos princípios efetivadores do Estado Democrático de Direito, com a

participação do comitê da bacia hidrográfica do rio São Francisco e com as

realizações regulares e obrigatórias das audiências públicas. Essa tarefa foi

realizada, após se analisar o conceito de meio ambiente, discutir-se a importância da

água nos tempos passados e atuais, apresentarem-se os princípios protetores do

meio ambiente centrado no princípio da participação ambiental, descrever-se o

processo de gestão participativa da água no Brasil e a Política Nacional de Recursos

Hídricos, apresentarem-se dados sobre o Rio de integração nacional e do projeto de

transposição e questionar se, realmente, a transposição vem ocorrendo com a

participação popular. A conclusão foi que o Governo Federal não tem respeitado o

que determina a Constituição Brasileira e as demais legislações, pois todo o

processo tem-se desenvolvido sem o respeito às deliberações do Comitê da Bacia

do rio São Francisco, e na inobservância da opinião da população brasileira. Ficou

comprovado, também, que, até o presente momento, a participação popular no

processo de transposição tem sido encarada pelo governo federal como mera

formalidade e não como requisito legal e obrigatório para a efetiva concretização de

um país democrático e aberto.

Palavras-Chave: Meio ambiente. Recursos hídricos. Participação popular. Gestão

participativa. Rio são Francisco. Transposição.

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ABSTRACT

This work aimed to review and check whether, during the San Francisco river transfer

license process, a basic principle of the Democratic Rule-of-Law State, that is, the

participation of the community, in connection with the San Francisco river

hydrographic basin committee, and in the regulatory mandatory public hearings has

been duly observed. This task was accomplished following a review of the concept of

environment, a discussion of the importance of the water both in the past and today,

a presentation of the protective principles of the environment focused on the principle

of environmental participation, a description of the participative water management

process in Brazil and of the National Policy of Water Resources, including data on

the River for National Integration and the transfer process, and finally investigate

whether such transfer has been implemented with the participation of the community.

The conclusion showed that the Brazilian government is not compliant with the

provisions of the Brazilian Constitution and other regulations in this respect, and the

process has been developed without accounting for the deliberations of the San

Francisco River Committee or the views of the Brazilian population. It has also been

confirmed that, to date, the engagement of the population in the process has been

viewed as mere formality and not as a legal and mandatory requirement for the

effective consolidation of an openly democratic country.

Key-words: Environment. Water resources. Popular participation. Management participation. São Francisco River. Transposition.

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LISTA DE ABREVIATURAS E DE SIGLAS

a. C- Antes de Cristo

ABRH- Associação Brasileira de Recursos Hídricos

ANA- Agência Nacional de Águas

ANATEL- Agência Nacional de Telecomunicações

ANEEL- Agência Nacional de Energia Elétrica

ANP- Agência Nacional de Petróleo

art.- Artigo

C.F/88- Constituição Federal de 1988

CBHSF- Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco

CDC- Código de Defesa do Consumidor

CEMIG- Centrais Elétricas de Minas Gerais

CHESF- Companhia Hidroelétrica do São Francisco

CNPq- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CNRH- Conselho Nacional de Recursos Hídricos

CNUMAD- Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o

Desenvolvimento

CODEVASF- Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e

Parnaíba

CONAMA- Conselho Nacional de Meio Ambiente

d. C- Depois de Cristo

DNAEE- Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica

DNOS- Departamento Nacional de Obras e Saneamento

ECO- Conferência Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento

EIA- Estudo de Impacto Ambiental

FEHIDRO - Fundo de Recursos Hídricos

FHC- Fernando Henrique Cardoso

Gn- Gêneses

IBAMA- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis

Inc.- Inciso

MINTER- Ministério do Interior

MIT- Massachusetts Institute of Technology

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MMA- Ministério de Meio Ambiente

MME- Ministério das Minas e Energia

MW- Megawatts

ONU- Organização das Nações Unidas

PAC- Plano de Aceleração do Crescimento

PFL- Partido da Frente Liberal

PGR- Procurador Geral da República

PNRH- Política Nacional de Recursos Hídricos

PPA- Plano Plurianual

PSDB- Partido da Social Democracia Brasileira

PT- Partido dos Trabalhadores

RIMA- Relatório de Impacto Ambiental

SEMA- Secretaria de Meio Ambiente

SEPLAN- Secretaria de Planejamento da Presidência da República

SISNAMA- Sistema Nacional de Meio Ambiente

SNUC- Sistema Nacional de Unidade de Conservação

SRH- Secretaria de Recursos Hídricos

STF- Supremo Tribunal Federal

T- Toneladas

WCED- World Commission on Environment and Development

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13 2 MEIO AMBIENTE ................................... ............................................................... 18 2.1 Conceito ...................................... ....................................................................... 18 2.2 Meio Ambiente - Um Direito Difuso ............ .................................................... 19 2.3 O Meio Ambiente Na Constituição Federal de 1988 - Um Direito Fundamental ....................................... ..................................................................... 21 3 ÁGUA ............................................ ......................................................................... 25 3.1 Origem ........................................ ........................................................................ 25 3.2 A Água e Sua Formação ......................... .......................................................... 26 3.3 Histórico ..................................... ........................................................................ 28 3.4 Tratados e Acordos Internacionais Relativos à Á gua .................................... 32 4 PRINCÍPIOS AMBIENTAIS ........................... ........................................................ 39 4.1 Princípio do Meio Ambiente Ecologicamente Equil ibrado ............................ 40 4.1.1 Restrições advindas do princípio fundamental ao meio ambiente equilibrado . 42 4.2 Princípio do Desenvolvimento Sustentável ...... .............................................. 44 4.3 Princípio da Prevenção ........................ ............................................................. 46 4.4 Princípio da Precaução ........................ ............................................................. 48 4.5 Princípio do Poluidor-Pagador ................. ........................................................ 49 4.6 Princípio da Função Socioambiental da Proprieda de .................................... 54 4.7 Princípio da Cooperação entre os Povos ........ ................................................ 55 5 PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO ....................... .................................................... 58 5.1 O Princípio da Participação nas Legislações Bra sileiras .............................. 60 5.2 Princípio da Informação Ambiental ............. .................................................... 64 5.3 Princípio da Educação Ambiental ............... ..................................................... 67 5.4 Audiência Pública - Efetivação do Princípio da Participação ....................... 68 6 GESTÃO HÍDRICA .................................. .............................................................. 72 6.1 Evolução da Gestão Hídrica no Brasil .......... ................................................... 72 6.2 Política Nacional de Recursos Hídricos ........ .................................................. 77 6.2.1 Princípios gerais ............................................................................................... 77 6.2.2 Objetivos da lei 9.433/97 .................................................................................. 79 6.2.3 Diretrizes gerais da lei 9.433/97 ....................................................................... 79 6.2.4 Dos instrumentos da política nacional de recursos hídricos ............................. 80 6.2.5 Sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos ............................... 82 6.2.6 Conselho nacional de recursos hídricos ........................................................... 82 6.2.7 Comitês de bacias ............................................................................................ 83 6.2.7.1 Comitê da bacia hidrográfica do rio são Francisco ........................................ 86 6.3 Agência Nacional de Águas - ANA................ ................................................... 87

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6.4 Gestão Participativa da Água .................. ......................................................... 89 7 RIO SÃO FRANCISCO ............................... ........................................................... 91 7.1 Características ............................... .................................................................... 91 7. 2 Importância Sócio-Econômica do Rio São Francis co................................... 95 7.3 O Projeto de Transposição ..................... .......................................................... 99 7.4 Análise do Projeto de Transposição ........... ................................................. 101 7.5 A Revitalização do Rio São Francisco .......... ................................................. 105 8 TRANSPOSIÇÃO E PARTICIPAÇÃO? .................... ........................................... 107 8.1 A Participação do Comitê da Bacia do Rio São Fr ancisco no Processo de Transposição ...................................... ................................................................... 107 8.2 A Não Concretização da Participação Popular nas Audiências Públicas .. 113 9 CONCLUSÃO ....................................... ............................................................... 117 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 121

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1 INTRODUÇÃO

A preocupação pelo meio ambiente intensificou-se na década de 70 com os

movimentos hippies, anti-bombas e paz e amor. Foi nessa época que as

organizações ambientalistas começaram a pressionar os governos, a fim de que o

meio ambiente fosse alçado à categoria de bem universal fundamental a todos.

Os bens ambientais naturais compreendidos, a água, o ar, o solo, a fauna e a

flora, desde os anos 80, foram legalmente protegidos pelas várias legislações

infraconstitucionais brasileiras: Lei 6.938/81, Lei da Política Nacional do Meio

Ambiente, Lei da Ação Civil Pública, Lei 7347/85 e pela Constituição Federal de

1988, a Constituição Ambientalista. Na Constituição de 1988, o meio ambiente é

considerado um bem de todos, difuso, e que tem que ser protegido pelo poder

público e pela coletividade para a presente e as futuras gerações.

E é com a Constituição Federal de 1988, democrática e cidadã, que se firma o

princípio da participação popular, um dos princípios-alicerce da proteção ambiental,

como o princípio concretizador do Estado Democrático de Direito.

Um estudo criterioso desse princípio e uma análise sobre o que acontece no

Brasil, hoje, relativo ao processo de transposição do rio São Francisco é que fez

emergir a necessidade de uma pesquisa documental e bibliográfica que, ao seu final

pretende responder se o princípio da participação vem sendo observado e

respeitado no processo de licenciamento ambiental do projeto de transposição do rio

São Francisco.

Vários foram os questionamentos feitos a respeito do porque abordar o tema

da transposição do São Francisco, rio tão distante de nós belo-horizontinos, e não

optar por trabalhar a problemática do rio das Velhas. A resposta é simples.

Primeiramente, cresci tendo o rio São Francisco como meio de diversão, pesca e

“lagoa grande” para se nadar. É minha referência de infância. Desde essa época, já

se podia observar que o “Velho Chico” não era mais o mesmo. As águas daquele

imenso rio já não transbordavam mais, a seca era constante e os peixes já não eram

mais numerosos e grandes. Alguma coisa estava e está acontecendo. O rio está

sendo degradado pela ação do homem e em beneficio deste. E, agora, querem

transpô-lo.

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O segundo motivo para a escolha por abordar a transposição do São

Francisco é que ele não é um rio distante de nós. Os problemas ambientais não

atingem apenas as comunidades ribeirinhas, locais, ou regionais. A degradação de

um ecossistema, de uma espécie ou de um recurso hídrico atinge a todos. E quando

digo todos, quero dizer toda a população mundial. O rio São Francisco está no

nosso meio ambiente e deste modo ele está em nós mesmos.

As questões que envolvem o meio ambiente são transdiciplinares e

interdisciplinares. Por isso, a presente dissertação se ateve a área jurídica do tema,

isto é, à importância do princípio da participação ambiental e a completa efetivação

desse princípio no processo de transposição.

A problemática desta dissertação é pesquisar por que, no processo de

transposição do rio São Francisco, o princípio da participação popular ambiental não

tem sido observado, conforme determina a Constituição Federal de 1988 e as

legislações ambientais.

Entre as várias hipóteses levantadas, destacamos que não existe interesse do

Governo Federal pela concretização de fato e de direito do princípio da participação

popular no processo de transposição, uma vez que este princípio contraria os

interesses econômicos dominantes que envolvem a transposição. Até o presente

momento, tudo que se desenvolveu dentro do processo de transposição do “Velho

Chico” foi realizado de forma a maquiar uma pretensa participação popular, nunca

concretizada. Isso está claro diante das manifestações negativas e de repúdio ao

referido projeto do governo federal.

Os questionamentos levantados justificam uma pesquisa bibliográfica, pois

não podemos permitir que interesses econômicos e políticos soterrem a democracia

participativa no Brasil, conquistada após tantos anos de ditadura e repressão. A

participação popular é um princípio fundamental constitucional e assim sendo, não

deve ser tratado como mera formalidade, mero preenchimento de etapas, pois se

corre o risco de se estabelecer, ainda que informalmente, a imposição da vontade de

poucos sobre a vontade de muitos, caso do projeto de transposição.

A quem interessa a transposição? Quem será beneficiado com o projeto?

Existe, realmente, a necessidade da execução do projeto de transposição do rio São

Francisco? E a revitalização do rio, não deveria ser realizada antes, de uma possível

transposição? O que falta no semi-árido nordestino é água, ou é gestão de águas?

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Em meio a tantos questionamentos, uma pergunta se destaca e exige

resposta: quando a nação brasileira se dará conta da insensatez que é a condução

deste processo de transposição de águas do rio São Francisco que, além de

desconsiderar as sérias ameaças à sustentabilidade e ao desenvolvimento futuro da

bacia do rio São Francisco, ainda é um grande desperdício de recursos públicos, um

verdadeiro estelionato das águas e uma afronta à participação popular?

Esta dissertação está dividida em nove capítulos. O Capítulo 1, compreende a

Introdução na qual delimitamos o tema, definimos os objetivos e discorremos as

razões que nos levaram à escolha do tema da transposição do Rio São Francisco e

a problemática que envolve tal transposição.

O segundo Capítulo trata da questão do meio ambiente como direito

fundamental de terceira geração abarcado pela Constituição Federal brasileira de

1988. Destacamos que o meio ambiente é um direito difuso, pois trata de interesses

ou direitos transindividuais, de natureza indivisível de que sejam titulares pessoas

indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Apresentamos, ainda, o

conceito de meio ambiente considerado como natural, artificial, cultural e do

trabalho.

O terceiro Capítulo aborda a questão da importância da água, desde os

tempos antigos, até os dias de hoje, pois não há como analisarmos a questão do rio

São Francisco, um recurso hídrico, sem percorrermos a questão da água ao longo

da história. Nesse capítulo destacamos também os tratados e acordos internacionais

nos quais a água foi de alguma forma protegida e abarcada.

O quarto Capítulo analisa os princípios ambientais que são o alicerce da

proteção do meio ambiente, apresentando, não todos os princípios consagrados

pelos doutrinadores ambientalistas, mas os relevantes para a discussão neste

trabalho.

O quinto Capítulo aborda, exclusivamente, o princípio da participação

ambiental, por ele ser a base de todo o estudo monográfico e por ser o efetivador do

estado democrático e participativo. Nesse capítulo, os princípios da informação

ambiental e da educação ambiental são desenvolvidos conjuntamente, uma vez que

a participação popular se efetiva não apenas com a devida informação, mas também

com a educação ambiental de toda a sociedade. A audiência pública é também

abordada nesse capítulo, pois ela é um dos instrumentos estabelecidos pelas leis

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ambientais que confirmam a participação democrática no processo decisório dos/nos

assuntos que envolvem os interesses de toda a coletividade.

O sexto Capítulo apresenta o modelo de gestão hídrica adotado no Brasil,

apoiado na Lei 9.433/97, na Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos e na Lei

9.984/2000, sendo que esta dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas

(ANA). Destacam-se, ainda, os princípios, objetivos, diretrizes e instrumentos da

política de recursos hídricos, bem como a criação do sistema nacional de

gerenciamento de recursos hídricos e do conselho nacional de recursos hídricos. De

grande importância para o tema central do trabalho foi a discussão sobre a criação

dos comitês de bacia responsáveis pela gestão participativa da água e um outro

caminho para a concretização da participação democrática, devido à sua

composição. Destaca-se entre eles o Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São

Francisco.

O sétimo Capítulo apresenta as características do Rio São Francisco e sua

importância sócio-econômica para a região e para o país, destaca a urgência de sua

revitalização, e analisa o projeto de transposição. Essa análise tem por finalidade:

questionar os reais objetivos do projeto, suas intenções e quem seriam seus

beneficiários. A resposta a todos esses questionamentos nos conduzirá à conclusão

de que, na verdade, o objetivo primário do projeto é o acesso da água ao

agronegócio e servir aos interesses das multinacionais cuja real intenção é acobertar

privilégios políticos e econômicos, pois os reais beneficiários não serão as

populações nordestinas mais carentes.

No oitavo Capítulo, questionamos se, até o presente momento, foi efetivada a

participação do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco (CBHSF) no

processo de transposição, uma vez que o CBHSF é o órgão consultivo e deliberativo

nas questões que envolvem o processo de licenciamento ambiental e outorga de

água na bacia do rio São Francisco. O capítulo discute, ainda, se foi devidamente

efetivada a participação popular de todos os envolvidos no projeto e se foram

observados e respondidos os questionamentos, dúvidas, opiniões, informações e

manifestações de repúdio do povo, geralmente colocados nas audiências públicas

em caráter obrigatório e não como mera formalidade administrativa.

No nono capítulo, apresentamos nossas conclusões sobre as reais intenções

que envolvem o projeto de transposição do “Velho Chico”. Com isso, apontamos

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para a confirmação da total afronta ao princípio democrático da participação popular,

resguardado na lei maior do estado, a Constituição Federal, pois o Comitê da Bacia

Hidrográfica do rio São Francisco não tem sido respeitado como órgão deliberativo e

consultivo daquela bacia; isso porque as audiências públicas não concretizaram nem

garantiram, ainda, o direito de participação, resguardado em lei, para todo o povo

brasileiro. Essas discussões nos levam à confirmação de que os interesses

econômicos e políticos ainda se arrogam o direito de esmagar e soterrar o direito de

todo um povo, impedindo, por um lado, a consolidação de um estado democrático e

legítimo e, por outro, concretiza a insatisfação de toda a sociedade civil, quando esta

vê frontalmente aviltados e desconsiderados os espaços democráticos e legítimos

construídos e conquistados passo a passo com a dimensão de cidadania, aquela

que garante ao ser humano a condição de participante do controle social e da

eleição de prioridades a serem implementadas pelo governo.

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2 MEIO AMBIENTE

2.1 Conceito

A expressão meio ambiente foi, como indicam os doutrinadores, utilizada pela

primeira vez pelo naturalista francês Étienne Geoffroy de Saint-Hilaire, em sua obra

“Études Progressives d’un Naturaliste”, em 1835. É um equívoco afirmar que a

conceituação de meio ambiente constitui tarefa fácil pois, como expressa Milaré

(2001), o meio ambiente é uma daquelas categorias cujo conteúdo é mais facilmente

intuído que definível, em virtude da riqueza e da complexidade da expressão.

A palavra meio pode indicar: a metade de um inteiro, um modo para se

alcançar algo, ou um dado físico ou social. A palavra ambiente pode representar um

espaço geográfico, físico, natural ou artificial. José Afonso da Silva (2002) entende

que a expressão meio ambiente é redundante, por possuírem as duas palavras o

mesmo significado. Já Milaré (2001) contradiz Da Silva, afirmando que não existe

redundância, pois são dois termos que se completam, e fecha a questão alegando

que a expressão meio ambiente já é consagrada na língua portuguesa, nas leis e

jurisprudências de nosso país.

Meio ambiente seria todo o conjunto de interações físico-químicas, naturais,

artificiais e culturais que propiciam a vida em toda a sua forma. Para Silva (2002),

O conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente de toda a Natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico. (SILVA José, 2002, p. 20)

Coimbra, citado por Milaré (2001), define que:

Meio ambiente é o conjunto de elementos físico-químicos, ecossistemas naturais e sociais em que se insere o Homem, individual e socialmente, num processo de interação que atenda ao desenvolvimento das atividades humanas, à preservação dos recursos naturais e das características essenciais do entorno, dentro de padrões de qualidade definidos. (COIMBRA apud MILARÁ, 2001, p. 65).

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O conceito legal de meio ambiente e, consequentemente, seu

reconhecimento como bem jurídico, está disciplinado na Lei 6.938/81, Lei da Política

Nacional do Meio Ambiente, em seu artigo 3°, I, que o definiu como: “o conjunto de

condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.” (BRASIL, 2006b, p. 851).

A Constituição Federal de 1988 não conceituou o que é meio ambiente,

apenas esboçou uma idéia da sua importância para as gerações presentes e

futuras, em seu artigo 225.

Para Machado (200, 2a), o conceito dado à expressão meio ambiente é

amplo, pois, estende seu campo de atuação tornando-o mais abrangente, já que

pode atingir tudo aquilo que permite, abriga e rege a vida. Devido a essa

abrangência, podemos entender a existência de: meio ambiente natural, que inclui

os bens naturais tais como o solo, a água, a fauna e a flora; meio ambiente artificial,

que se refere ao espaço urbano construído; meio ambiente cultural, que abrange a

cultura de um povo, através dos bens e valores artísticos, estéticos, turísticos,

paisagísticos, históricos e arqueológicos; meio ambiente do trabalho, que se refere à

qualidade de vida no ambiente de trabalho.

2.2 Meio Ambiente - Um Direito Difuso

Os interesses, ou direitos, difusos são transindividuais, de natureza indivisível,

dos quais sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de

fato. Segundo Mancuso (2004), os interesses difusos apresentam um grau de

coletivização ainda mais abrangente do que o interesse geral ou público, pois

enquanto estes têm a balizá-los os contornos de certos valores pacificamente

aceitos, os interesses difusos, ao contrário, permitem toda sorte de posicionamento.

Para Baracho Júnior (2000):

A configuração dos interesses difusos demonstra sua íntima relação com problemas que estão sendo enfrentados em épocas recentes, tais como as relações de consumo, a preservação do patrimônio histórico, artístico, estético, cultural e paisagístico, a preservação, recuperação e melhoria do meio ambiente.

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E, ainda, os direitos difusos são:

Uma manifestação da existência ou do alargamento de ‘necessidades coletivas individualmente sentidas’, traduzindo um dos entrosamentos específicos de Estado e sociedade; e implica formas complexas de relacionamento entre as pessoas e os grupos no âmbito da sociedade política. (MIRANDA apud BARACHO JÚNIOR, 2000, p. 249)

Watanabe, citado por Mazzilli (2005, p. 51), apóia a concepção tradicional de

que “à idéia de interesse ou direito está sempre ligada a de respectivo titular”.

Entretanto, quando a relação entre as pessoas se estabelece por dados de fato, há

uma indefinição do número de pessoas e entre elas inexiste uma relação-base. Têm-

se aí os interesses difusos.

As características básicas dos interesses difusos são a:

a) indeterminação dos sujeitos: pois são referíveis a um conjunto

indeterminado ou dificilmente determinável de sujeitos;

b) indivisibilidade do objeto: são insuscetíveis de partição em partes

atribuíveis a pessoas ou grupos preestabelecidos;

c) intensa conflituosidade interna: os conflitos resultantes não guardam as

características básicas dos conflitos tradicionais, como “Tício versus Caio”;

d) intensa transição no tempo e no espaço: os interesses podem aparecer e

desaparecer no tempo e, assim, devido à situação em que o interesse se encontra,

poderá reaparecer e se desenvolver, até a sua completa solução.

O meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos que

independe de raça, nacionalidade, sexo ou condição financeira, não excluindo quem

quer que seja. É direito de gozo coletivo e individual ao mesmo tempo; é, portanto,

um direito difuso.

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2.3 O Meio Ambiente Na Constituição Federal de 1988 - Um Direito

Fundamental

Direitos Fundamentais são aqueles que as pessoas reconhecem como direito

interno, delas mesmas, mas que só será direito fundamental se essas mesmas

pessoas se reconhecerem no próximo e uns nos outros; só assim serão legítimos e

democráticos.

Ao afirmamos tratar-se de direitos que os cidadãos precisam reconhecer uns aos outros, e não que o Estado precisa lhes atribuir, tocamos no próprio núcleo do Estado Democrático de Direito, que, ao contrário do Estado Liberal e do Estado Social, não possui uma regra pronta e acabada para a legitimidade de suas normas, mas reconhece que a democracia é não um estado, mas um processo que só ocorre pelo interpretação entre a autonomia privada e a autonomia pública que se manifesta na sociedade civil, guardiã de sua legitimidade.(GALUPPO, 2003, p. 237)

Sampaio (2004) afirma que os direitos ou liberdades de primeira geração têm

sua origem nos séculos XVIII e XIX, séculos de separação entre Estado e

Sociedade, introduzindo assim, os direitos civis e os direitos políticos. Os primeiros

são aqueles que asseguram uma esfera mínima de autonomia individual,

possibilitando o desenvolvimento da personalidade de cada um. Os direitos políticos

estão centrados nos direitos de votar e ser votado, de postular um emprego público,

de ser jurado ou testemunha, soldado e até contribuinte.

Os direitos de segunda geração são os direitos sociais, econômicos e

culturais, tendo o seu surgimento apoiado na Constituição Francesa de 1791 e 1848

e na Constituição Brasileira de 1824. Os direitos sociais são aqueles que conferem

ao cidadão o direito à participação na vida da sociedade, à educação, à infância, à

maternidade, à família. Os direitos econômicos compreendem garantir um nível

mínimo de vida, o direito ao trabalho, a um salário digno, à previdência, ao vestuário

e à moradia. Os direitos culturais são o incentivo e a preservação das formas de

reprodução cultural das comunidades.

Os direitos de terceira geração, segundo Sampaio, são conhecidos, também,

como direito dos povos, direitos de solidariedade, de cooperação e de fraternidade.

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A fraternidade embandeirada pela nova geração inspirou adicionalmente a idéia de que somos todos habitantes de um mesmo frágil mundo, a exigir um concerto universal, com vistas a manter as condições de habitabilidade planetária para as presentes e futuras gerações (SAMPAIO, 2004, p. 294).

Apresenta-se aí, o direito ao desenvolvimento sustentável, ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado e a proteção à saúde, tornando acessíveis os remédios

aos doentes.

O direito à integridade do meio ambiente - típico direito de terceira geração - constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) - que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais -realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) - que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas - acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. (MATO GROSSO DO SUL, STF. Ap. Rel. Min. Celso de Mello, 1995).

Meio ambiente - Direito à preservação de sua integridade (CF, art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que consagra o postulado da solidariedade - Necessidade de impedir que a transgressão a esse direito faça irromper, no seio da coletividade, conflitos intergeneracionais Os direitos básicos da pessoa humana e as sucessivas gerações (fases ou dimensões) de direitos (RTJ 164/158, 160-161) - A questão da precedência do direito à preservação do meio ambiente: uma limitação constitucional explícita à atividade econômica (CF, art. 170, VI) - Decisão não referendada - conseqüente indeferimento do pedido de medida cautelar. A preservação da integridade do meio ambiente: expressão constitucional de um direito fundamental que assiste à generalidade das pessoas. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 03 fev.2006).

Os direitos de quarta geração, segundo Sampaio (2004), estão em fase de

definição e ainda não são consenso entre os estudiosos. Para Bonavides, citado por

Sampaio (2004), são os direitos de efetiva participação cidadã , ampliando, assim,

as fronteiras democráticas e levando a um processo de efetiva participação dos

povos nas tomadas de decisão, conduzindo à democratização da sociedade.

A Constituição Federal, no artigo 225, caput, estabeleceu um verdadeiro

direito fundamental da pessoa humana, pois o direito ao ambiente ecologicamente

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equilibrado é uma extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria

existência física e saúde dos seres humanos, quer sob o aspecto da dignidade

dessa existência e qualidade de vida.

Art. 225 -Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.(BRASIL, 1988, p. 114)

A qualidade de vida só poderá ser mantida e observada se o meio ambiente

estiver ecologicamente equilibrado, sendo esse equilíbrio fundamental para a

concretização dos direitos fundamentais à vida, à dignidade da pessoa humana e da

sadia qualidade de vida. Trata-se de direito constitucional fundamental e, via de

conseqüência, indisponível. A Constituição ressalva a indisponibilidade, ao

mencionar que é de interesse das presentes e das futuras gerações a preservação

do meio ambiente. Portanto, é um dever não apenas moral, mas jurídico e

constitucional para as gerações contemporâneas transmitirem, nas melhores

condições possíveis, o patrimônio ambiental às gerações futuras. O poder público

tem também o dever, e não mera faculdade, de atuar na defesa do meio ambiente;

deve defendê-lo e preservá-lo.

Conforme preceitua Milaré:

A par dos direitos e deveres individuais e coletivos elencados no art.5º, acrescentou o legislador constituinte, no ‘caput’ do art. 225, um novo direito fundamental da pessoa humana, direcionado ao desfrute de condições de vida adequadas em um ambiente saudável ou, na dicção da lei, ‘ecologicamente equilibrado. O reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade, como extensão do direito à vida, quer sobre o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade desta existência - a qualidade de vida - que faz com que valha a pena viver (MILARÉ, 2001, p.111-112).

Segundo Mirra (1994), o direito do artigo 225, caput, da CR/88:

É um direito fundamental da pessoa humana, como forma de prescrever a ‘vida e a dignidade das pessoas’ - núcleo essencial dos direitos fundamentais, pois ninguém contesta que o quadro da destruição ambiental no mundo compromete a possibilidade de uma exigência digna para a Humanidade e põe em risco a própria vida humana. (MIRRA, 1994, p. 51).

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E, para sedimentar ainda mais o referido direito fundamental, Sampaio afirma

que:

Não bastasse a existência das condições formais de um direito fundamental, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ainda goza de relevo especial na missão de tutelar e de desenvolver o princípio da dignidade humana ou como desdobramento imediato da co-responsabilidade intergerencial. Somados assim, requisitos formais e materiais, pode-se falar no Brasil de um direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim como se pode referir a uma ordem ‘social ambiental’ que completa e condiciona a ‘ordem econômica’ e que, por topologia, integra-se na ‘ordem social. (SAMPAIO, 2003, p. 98).

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3 ÁGUA

3.1 Origem

Com o intuito de discutir a gestão participativa no processo de outorga dos

recursos hídricos, é imprescindível o conhecimento do bem ambiental, ora em

discussão, suas origens e sua importância histórica através dos séculos.

Segundo Musetti (2001), a palavra água vem do latim aqua, em espanhol-

agua, catalão-aigua, occiânico- aiga, francês-eau, inglês- water, alemão- wasser,

norueguês-vatn, sueco-vatten, dinamarquês-vand, sânscrito- udán, grego-hýdõr e

úmbrio utur (MUSETTI, 2001, p. 25. O dicionário nos informa que: “Água, s.f.

(1.aqua) é 1. Líquido formado de dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, sem

cor, cheiro ou sabor, transparente em seu estado de pureza. 2. Chuva. 3. Líquido

aquoso [...]” (DICIONÁRIO BARSA, 1982, p. 51, grifo do autor)

Segundo a teoria científica do Big Bang, o universo passou a se formar devido

a uma explosão que ocorreu há uns 15 bilhões de anos e que, até a formação do

nosso sistema solar, passaram-se outros bilhões de anos, pois o sistema solar só se

constituiu há 4,6 bilhões de anos. (MUSETTI, 2001). Segundo Souza (2004), a

explosão teria dado origem a milhares de fragmentos incandescentes, sendo que um

deles deu origem ao Sol e outros pequenos fragmentos originaram os planetas,

dentre eles a Terra.

Com o resfriamento da Terra, formaram-se a crosta e a atmosfera terrestres.

Os vapores d’agua emitidos pelo resfriamento condensaram-se e as chuvas

aconteceram, ocasionando o surgimento dos mares, oceanos e rios. E foi só após o

resfriamento da crosta terrestre e da formação de massas de água, que surgiram os

primeiros organismos vivos no planeta Terra. De acordo com o princípio da evolução

natural, alguns organismos desapareceram e os que se adaptaram melhor ao meio

ambiente evoluíram e ainda estão no planeta.

Surgem, a partir daí, os peixes, anfíbios, répteis, as aves e os mamíferos e,

destes, surge o homem. Gordani, citado por Souza (2004), afirma que:

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A característica principal do planeta Terra é seu conjunto de condições únicas e extraordinárias, que favorecem a existência e a estabilidade de muitas formas de vida, sendo que evidências de vida bacteriana abundante foram já encontradas em rochas com idade de 3.500 milhões de anos. (GORDANI apud SOUZA, 2004, p. 22).

A estreita relação entre o homem e o meio ambiente nos é confirmada desde

a teoria do Big Bang. Nesse sentido:

Quanto aos elementos que compõem o meio ambiente terrestre, em primeiro lugar, estão os constitutivos físico-químicos básicos: a água, o ar, o solo, o clima e a paisagem. Entre esses elementos já se processa uma interação, sendo determinantes uns dos outros, em modalidades e graus diferentes. A interação se produz com as variáveis presenças de gases, formação do solo, da radiação solar, ventos e umidades [...] [...] Pelas raízes telúricas e cósmicas, o homem está indissociavelmente ligado ao mundo natural, numa espécie de ligação umbilical que nunca se rompe e faz circular nele a vida do conjunto. Ao contrário da prole humana, em cujo nascimento é preciso cortar-lhe o cordão umbilical para que possa ter vida própria, o cordão umbilical que prende a espécie humana e os demais seres vivos à Terra deve ser conservado, sob pena de morte total. (CORDANI apud SOUZA, 2004, p. 23)

3.2 A Água e Sua Formação

O bem ambiental água possui valor inestimável, ímpar, e é essencial à vida

de todos os seres do planeta. Sua composição, duas moléculas de hidrogênio e uma

molécula de oxigênio, é uma fórmula tão simples e, ao mesmo tempo, vital para a

sobrevivência e a manutenção de todos os ciclos biológicos, geológicos e químicos,

e para o equilíbrio da vida de todo o ecossistema. Além da água, apenas o mercúrio

(um metal) é encontrado em estado líquido na natureza.

Uma das mais antigas afirmações a respeito da água no nosso planeta foi no

sentido de ser impossível ao ser humano imaginar o esgotamento da água, tendo

em vista que a Terra tem a maior parte de sua superfície coberta por água, o que

levou o homem a acreditar que poderia usufruir, gozar e dispor dela sem maiores

preocupações. Naquela altura, nem se cogitava pensar em sustentabilidade. Porém,

aos poucos, descobriu-se que aquela crença não se sustentaria.

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Segundo Musetti (2001), aproximadamente 97% da água do globo terrestre é

salgada e está concentrada nos mares e oceanos. Nos pólos, na forma de calotas

de gelos e geleiras, estão 2,25 %, em estado sólido. Na atmosfera, encontramos

0,03%. E somente 0,72% estão nos rios, lagos e lagoas. Destaque importante é que

desses 0,72%, 97% são constituídos de água subterrânea e somente 3% superficial.

O Brasil concentra em torno de 12% da água doce, disponível em rios e

abriga o maior rio em extensão e volume do planeta, o Amazonas. Além disso, mais

de 90% do território brasileiro recebe chuvas abundantes durante o ano e as

condições climáticas e geológicas propiciam a formação de uma extensa e densa

rede de rios, com exceção do Semi-Árido, onde os rios são pobres e temporários.

Essa água, no entanto, é distribuída de forma irregular, apesar da abundância, em

termos gerais. A Amazônia, onde estão as mais baixas concentrações

populacionais, possui 78% da água superficial, enquanto, no Sudeste, essa relação

se inverte: a maior concentração populacional do País tem disponíveis apenas 6%

do total da água, conforme relata Ricardo (2005).

O Brasil é o mais rico país do mundo em termos de reservas hídricas, pois

possui a maior área úmida continental do mundo (Pantanal), as mais extensas

florestas alagadas (Amazônia) e uma fauna aquática incrivelmente rica.

Deve-se ressaltar que, apesar disso, no Brasil, a escassez desse recurso já

causa inquietações, em função do aumento da demanda, devido ao uso na

agricultura e indústria, mas, sobretudo, ao crescimento populacional e à irregular

distribuição desse recurso no planeta. A comunidade científica já está comprometida

com essa causa e já são vários os estudos que apontam que a razão da diminuição

significativa desse valioso recurso é a degradação ambiental dos mananciais

hídricos, rios e córregos, agravada pelo uso indiscriminado que se tem feito deles

nos últimos 50 anos.

Segundo Sperling, “a deterioração das reservas de água superficiais (rios) e

subterrâneas (aqüíferos) ocorre ao mesmo tempo em que não se racionaliza o

consumo e a população aumenta. A demanda por água de boa qualidade será cada

vez maior.” (SPERLING, 1988, p. 19)

Diante do problema global da escassez e da poluição das águas, o Brasil precisa aprender com os erros da Europa e da América do Norte. Temos a oportunidade de escolher um rumo mais sustentável. Essa preocupação,

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entretanto, ainda passa longe da agenda dos candidatos à Presidência da República que comandarão a nação nos próximos 4 anos. (HAMÚ, 2006)

O relatório do Hamú (2006) intitulado “Crise da Água já Atinge Países Ricos”,

informa que, apesar de o Brasil ser o pioneiro, com o seu Plano Nacional de

Recursos Hídricos, sua situação ainda está aquém da desejada. Isso se deve à

agricultura mal planejada, ao despejo de esgotos nos rios e mares, ao

desmatamento desenfreado das matas ciliares e ao desperdício e ao pouco preparo

técnico dos órgãos ambientais.

3.3 Histórico

Desde o surgimento da civilização, os povos se fixam próximo a locais onde

há água e estão sempre em busca dela. Se, no local onde o seu leito perfazia e ela

se tornava escassa, dali se retiravam os ribeirinhos, para se fixarem onde esse bem

precioso fosse abundante. Esse movimento, apesar de nos remontar à idade antiga,

não é diferente nos dias de hoje. Os povos se locomovem constantemente em busca

desse bem ambiental, a água, que cada dia é mais disputado pelo homem.

Nesse sentido, Silva (1998) destaca que, desde a antiguidade, a água, por ser

um dos elementos vitais para todas as sociedades, era revestida de um vasto

conteúdo simbólico, o que evidenciava sua importância na organização das

primeiras civilizações situadas nas bacias de grandes rios e nas costas

mediterrâneas.

Nos tempos mais remotos, o homem vivia em pequenos bandos e dependia

da caça e da coleta de alimentos para sobreviver, pois a falta deste sempre foi fator

limitante de seu desenvolvimento social, já que chegavam até a se matar para

consegui-lo. Foi graças ao manejo da água realizado pela civilização suméria, na

Mesopotâmia, que a humanidade pôde ter excedentes de alimentos e, pela primeira

vez, se reunir para planejar e executar obras hidráulicas (BRAIDWOOD; apud

TATTON, 2004).

Souza (2004) também nos conta que, nas margens dos rios, lagos e a beira

mar, cidades se desenvolveram e viveram da exploração das riquezas dos recursos

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hídricos e que, por volta de 3.500 a.C., os primeiros povos que aproveitaram e

fizeram uma utilização racional desse recurso ambiental foram os sumérios, que,

como mencionado, se estabeleceram no sul da Mesopotâmia, nas proximidades do

Golfo Pérsico. E, como nessa região, as chuvas sempre foram escassas, desde

muito cedo, o povo sumério teve de aprender a desviar e armazenar as águas dos

rios Tigre e Eufrates, para então, cultivar alimentos variados e em grande

quantidade.

Azevedo Netto citado por Tatton (2004), relata que documentos em sânscrito,

datados de 2.000 a.C., aconselhavam o acondicionamento da água em vasos de

cobre para protegê-la da exposição ao sol, a filtragem através do carvão ou, ainda, a

imersão de barra de ferro aquecida, bem como o uso de areia e cascalho, para a

filtração da água.

Já os egípcios, ao se fixarem em terras férteis às margens do rio Nilo,

enfrentaram problemas com inundações nas áreas ribeirinhas, sendo os primeiros a

construir barragens e a represar águas que seriam utilizadas em terras mais

afastadas, isso sem esquecer a referência ao poder da água como símbolo, na

mitologia egípicia.1

A água, é oportuno destacar, tem um significado fundamental na iniciação

cristã do batismo. Ela é elemento primordial (Gn 1,2) e, embora não mencionada

entre as obras da criação, é pressuposta como tal. Evidência disso é o crescimento

da vegetação do paraíso que começa com o correr de seus quatro rios (Gn 2, 10ss),

o Fison, que rodeia toda a terra de Hévilla, o rio Geon, que rodeia a terra de Cuch, o

Tigre, que corre pelo oriente da Assíria e o Eufrates. Segundo Mackenzie (1983), no

conjunto das imagens bíblicas, a água é vida e salvação.

A primeira narrativa da criação apresenta a água como caos, em desordem e

com ausência de vida. A segunda, que se originou nos tempos dos nômades que

viviam no deserto, dizia que terra seca era ausência de vida e que, por isso, tem

como início da criação a chuva e a possibilidade de o homem encontrar água. Para

os povos nômades, a grande benção é a água.

1“Osíris era a personificação da fecundidade, a fonte total e criadora das águas. O Nilo era a fusão de Osíris, e Tifão, a sua antítese, a personificação da aridez e da fome, representando tudo o que era seco e causticante. O Nilo era originado da união entre Osíris aquático e Ísis terrena, da qual nasceu o menino-deus Hórus, que, ao eliminar Tifão, obrigou o oceano destruidor a recuar, deixando nas margens do rio Nilo o lodo aluvial que adubava as plantações” (SILVA, 1998, p. 21-24).

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Os fenícios, por volta de 3.000 a.C., estabeleceram-se em região litorânea e

se voltaram para o mar, dedicando-se à pesca e ao comércio marítimo. Já os persas

traziam, através de canais, água das montanhas para os vales, onde cultivavam

cereais. Segundo Liebmann, citado por Silva (1998, p. 30), “na Pérsia, a água era

canalizada através dos ‘jubes’(galerias subterrâneas escavadas no solo com até dez

metros de profundidade), utilizados para conduzir a água das montanhas até as

planícies habitadas”.

Segundo Tatton (2004), os especialistas no assunto descrevem que, no

decorrer da história, várias civilizações entraram em decadência, em função de

desequilíbrios ambientais. Supõe-se que a civilização acadiana tenha se extinguido,

devido à seca do Tigre e do Eufrates.

Na América, os Maias, os Astecas e os Incas, provavelmente, teriam

abandonado suas cidades, devido à contaminação e à poluição da água e do solo,

provocadas pela destruição da mata primitiva.

Os gregos, segundo Souza (2004), por possuírem um vasto litoral ─ bastante

recortado, com um grande número de baías, ilhas e excelentes portos naturais ─ e

facilmente navegável, tiveram uma extraordinária expansão da navegação e do

comércio marítimo.

Tatton (2004) acrescenta que, na antiga Grécia, desde o século VI a.C., já

havia tecnologia para captação e distribuição de água a longas distâncias. Um túnel

construído em Samos, que aplicava o princípio dos vasos comunicantes e

pressurização dos encanamentos para condução da água, foi considerado por

Heródoto como a maior obra de engenharia da Grécia, até então. Em Atenas, nessa

época, já existiam caixas d'água localizadas nas partes mais altas da cidade e

afastamento dos esgotos e das descargas em vasos sanitários. E cabe aqui, ainda,

uma referência filósofos gregos, chamados filósofos da natureza, cujos escritos

revelavam seu interessavam pela natureza e pelos processos naturais.

Homero (700 a.C.), na tentativa de descobrir leis que fossem eternas, deu os primeiros passos na direção de uma forma científica de pensar; eram capazes de elaborar conceitos e idéias abstratas, partindo apenas da observação de fenômenos naturais, como tempestades, inundações, etc; sem ter que, para isso, recorrer aos mitos. Thales de Mileto (625 - 548 a.C.), supostamente com os conhecimentos adquiridos junto aos egípcios, descobriu que a Terra era redonda e que a água fosse a origem de todas as coisas, observando como os campos inundados ficavam fecundos, depois que as águas do Nilo retornavam ao seu delta. E essa dedução pareceu-lhe

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absolutamente lógica. Tudo o que existe, seja humano, animal ou vegetal, o é por ser ou conter o úmido. Quando a umidade desaparece o ser deixa de existir. Logo, o elemento que se encontra constantemente presente na vida (bios) é a água. (TATTON, 2004)

Hipócrates (460 a. C), considerado o “pai da medicina”, recomendava ferver e

filtrar a água para beber. Sócrates (470 - 399 a. C) descobriu que a falta de iodo na

água ocasionava o bócio e, assim, o aumento da tireóide. E Platão (426 -3 48 a. C),

discípulo de Sócrates, afirma que “o ouro tem muito valor e pouca utilidade,

comparado à água, que é a coisa mais útil do mundo, e não lhes dão valor”. Essa

afirmação, verdadeira no tempo de Platão, ainda vale nos dias atuais. (AGUA -

Associação Guardiã da Água, 2004).

Já os romanos aproveitaram esse bem ambiental para a prática da agricultura

e do pastoreio, bem como fonte de lazer, usufruindo das termas existentes. Tem-se

notícia de que:

Além de desenvolveram dispositivos especiais de outorga para disciplinar os usos da água, os romanos também criaram hidrômetros para medição do consumo de água, cujo controle era feito por administradores públicos, que promoviam, já nessa época, o uso racional da água e práticas de reuso, ao utilizarem água dos banhos públicos nas descargas das latrinas. (TATTON, 2004)

Souza (2004) relata que, no auge do Império Romano, havia abundância de

água transportada por adutoras e distribuída em fontes públicas e nas casas de

banho. Segundo Costa, citado por Souza (2004), Roma era abastecida por um

sistema constituído por onze aquedutos, contando com uma distribuição diária de

cerca de 1000 litros por habitante, muito além do necessário para o consumo

humano da época2. A preocupação com relação à distribuição e à quantidade de

água parece ter sido reduzida durante a época medieval, havendo, em função disso,

e de maneira geral, um declínio das condições sanitárias, bem como um avanço das

epidemias. Hoje, para analisar o nível de desenvolvimento de um país, um dos

fatores é o consumo de água por habitante.

2 No século XVIII, estima-se em 20 litros diários de água por pessoa para atender as suas necessidades básicas. No século XIX, esse valor chega a 100 litros e, ao fim do século XX, essa quantidade varia de 300 a 1.000 litros por habitante por dia, dependendo, entre outros, do nível de desenvolvimento e do padrão cultural de casa país, além do porte da cidade e dos tipos de atividades econômicas exercidas. (GOUBERT apud SOUZA, 2004, p. 31-32)

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Como destaca Souza (2004), a água se tornou tão importante na Idade

Média, que ela foi considerada a Idade da Água, tornando-se, devido ao meio de

transporte hídrico, o “pulmão” da economia. Mas Souza (2004) afirma que isso não

acontecia em todas as cidades, já que em algumas, o consumo de água por

habitante não chegava a um litro diário, o que trazia vários problemas de saúde à

população. Acredita-se que, na Idade Média, não se tenha tomado banho por um

século.

O imperador Adriano (76-138 d.C.) afirma ser a “água a bebida primordial,

superando em deleite os mais nobres vinhos” (MUSETTI, 2001, p. 32).

Na segunda metade do século III, devido à grande crise econômica, as

cidades e os castelos foram se desenvolvendo no interior das muralhas e eram

abastecidos com água dos rios, passando esse bem a ter um caráter sagrado de

proteção.

E assim vem caminhando a humanidade, sempre em busca e, podemos até

dizer, perto desse bem precioso para todos os povos. Podemos ainda destacar que

muitas das grandes cidades do mundo se desenvolveram perto desse recurso

hídrico, seja ele salgado ou doce: Londres, às margens do Tâmisa; Paris, do rio

Sena; São Paulo, à beira do moribundo rio Tietê; Belo Horizonte, à beira dos

Ribeirões Arruda e Onça; Recife, cortada pelos Rios Capibaribe e Beberibe; e, à

beira-mar, as capitais e cidades no litoral.

3.4 Tratados e Acordos Internacionais Relativos à Á gua

Dando um salto na história, passamos para a Carta Européia da Água,

proclamada pelo Conselho da Europa, em Estrasburgo, em 6 de maio de 1968, que

representa um dos marcos da questão hídrica. Segundo Granziera (2001), nessa

Carta encontramos o que significa esse recurso ambiental, pois, desde o início, ela

deixa claro que sem água não há vida possível. O mesmo já diziam os nômades no

tempo de Salomão, ao defini-la como um bem precioso, indispensável a todas as

atividades humanas. Além disso, essa Carta esclarece que a disponibilidade de

água doce não é ilimitada e, para tanto, é indispensável preservá-la, controlá-la e

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acrescê-la, na medida do possível.3

Em seguida, ocorre o Tratado da Bacia do Prata, em 1969, engendrado em

Brasília, do qual foram signatários Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai, e

cuja ratificação pelo Brasil, deu-se através do Decreto - Lei 682 -, objetivando o

desenvolvimento harmônico e equilibrado e o aproveitamento dos recursos da região

e assegurando a preservação dos recursos hídricos para as gerações futuras.

A Convenção de Ramsar, no Irã - sobre Zonas Úmidas de Importância

Internacional - foi reunida em 2 de fevereiro de 1971, e o tratado entrou em vigor em

1975. Ele visa à proteção das terras úmidas e de seus recursos, seja por

regulamentação nacional, seja por projetos de cooperação para a preservação das

áreas de reprodução das aves. Até julho de 2006, a Convenção já havia sido

ratificada por 152 países, com 1.610 sítios incluídos na lista das terras úmidas de

importância internacional, totalizando 145.241.652 milhões de hectares. Destaca-se

que a Convenção foi promulgada no Brasil em 16 de maio de 1996. Nesse

momento, fica evidenciada a preocupação com a preservação das wetlands , as

áreas úmidas, como pântamos, manguezais, brejos, baixadões alagados e áreas

semelhantes. (GRANZIERA, 2001, p. 23, grifo do autor).

Um dos primeiros sinais de reconhecimento de que as questões relativas ao

meio ambiente e aos recursos hídricos transcendem as fronteiras nacionais foi a

realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em

Estocolmo, no ano de 1972. O documento final dessa conferência faz pouca menção

específica à água, mas indica a necessidade de proteção dos recursos naturais

como indispensáveis ao bem-estar humano.

Em 1973, o decreto-lei n° 23 ratifica o Tratado ent re o Brasil e o Paraguai

para o aproveitamento hidrelétrico dos recursos hídricos do Rio Paraná.

3 Na Carta Européia da Água, ficou estabelecido, ainda, que alterar a qualidade da água é prejudicar a vida do homem e dos outros seres vivos que dependem dela; a qualidade da água deve ser mantida a níveis adaptados à utilização para que está prevista e deve, designadamente, satisfazer as exigências da saúde pública.; Quando a água, depois de utilizada, volta ao meio natural, não deve comprometer as utilizações ulteriores que dela se farão, quer públicas quer privadas; A manutenção de uma cobertura vegetal adequada, de preferência florestal, é essencial para a conservação dos recursos de água. Os recursos aqüíferos devem ser inventariados; A boa gestão da água deve ser objeto de um plano promulgado pelas autoridades competentes; A salvaguarda da água implica um esforço crescente de investigação, formação de especialistas e de informação pública; A água é um patrimônio comum, cujo valor deve ser reconhecido por todos. Cada um tem o dever de a economizar e de a utilizar com cuidado; A gestão dos recursos de água deve inscrever-se no quadro da bacia natural, de preferência a ser inserida no das fronteiras administrativas e políticas; A água não tem fronteiras. É um recurso comum que necessita de uma cooperação internacional.

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Na Conferência Internacional das Nações Unidas sobre a Água, em Mar Del

Plata, Argentina, em 1977, ficou expresso que todos os povos têm direito ao acesso

à água potável, necessária para satisfazer as suas necessidades essenciais. Ela

recomendou, também, que cada país deve formular e analisar uma declaração geral

de políticas em relação ao uso, à ordenação e à conservação da água, como marco

de planejamento e execução de medidas concretas para a eficiente aplicação dos

diversos planos setoriais. O Plano de Ação resultante dessa conferência mostra uma

grande preocupação com os aspectos técnicos, institucionais, legais e econômicos

da gestão de recursos hídricos (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, 2002a). O

documento menciona, ainda, a necessidade de participação dos usuários no

processo decisório e a adoção de medidas de capacitação do público quanto aos

problemas da água.

É oportuno destacar o princípio da participação ambiental já evidente em

1977, que nos leva a imaginar o quão importante é o processo decisório

participativo, no que tange ao destino e à utilização dos recursos hídricos, no Brasil e

no mundo. A água, bem finito, bem e propriedade de todos e essencial a todos, não

pode ter sua gestão concentrada na mão do poder público apenas, como se seu

controle fosse um ato meramente administrativo, mas sim deve ter uma gestão

democrática, participativa e atuante de todos os diretamente atingidos.

Já o Tratado de Cooperação Amazônica (2006), aprovado pelo congresso

Nacional em 18 de outubro de 1978, através do Decreto Legislativo n° 79, e

promulgado através do Decreto 85.050, de 1980, e que tem como signatários a

Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, possui,

como alicerce, a preservação e o uso racional do patrimônio natural da Amazônia,

através dos princípios do desenvolvimento sustentável. Esse tratado, em seu artigo

V, estabelece que:

Tendo em vista a importância e multiplicidade de funções que os rios amazônicos desempenham no processo de desenvolvimento econômico social da região, as partes contratantes procurarão envidar esforços com vistas à utilização racional dos recursos hídricos. (TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA, 2006).

Em 1982, baixou-se o Decreto Legislativo n° 82, apr ovando o Tratado entre

Brasil e Argentina, para o aproveitamento dos recursos hídricos compartilhados dos

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trechos limítrofes do rio Uruguai e de seus afluentes, o rio Pepiri-Guaçu (AGÊNCIA

NACIONAL DE ÁGUAS, 2002b).

A degradação cada vez mais acelerada do meio ambiente, o crescimento sem

precedentes da população e o aumento da miséria, o despejo dos efluentes

industriais e domésticos, o assoreamento do leito de rios e dos cursos d’água em

todos os continentes resultou numa sensível mudança de enfoque de preocupação.

A escassez e o desperdício de água doce representam uma séria e crescente ameaça para o desenvolvimento sustentável e a proteção do meio ambiente. A saúde pública e o bem-estar, a produção de alimentos, o desenvolvimento industrial e os ecossistemas dos quais eles dependem estão em risco, caso os recursos hídricos e o aproveitamento do solo não tenham um gerenciamento mais eficiente nesta década e nas próximas (NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL, 2004).

Essa preocupação estava visível na Declaração de Dublin, considerada um

marco na questão ambiental, pois, na realidade, foi uma pré-conferência das Nações

Unidas, preparatória para a Rio/92.

A Declaração de Dublin, em seu Primeiro Princípio, afirma que: “A água doce

é um recurso finito e vulnerável, essencial para sustentar a vida, o desenvolvimento

e o meio ambiente.” (SILVA, Geraldo, 2002, p. 2). É considerada a segunda grande

conferência da água, realizada na Irlanda, em janeiro de 1992. A Declaração de

Dublin registra, de forma inovadora, um enfoque radicalmente novo sobre a

avaliação, o aproveitamento e a gestão dos recursos hídricos, principalmente da

água doce. Nela, afirma-se que essa otimização somente pode ser obtida mediante

um compromisso político e a participação dos mais altos níveis dos governos, em

conjunto com a sociedade civil e com as comunidades envolvidas. Os participantes

da Conferência de Dublin produziram recomendações e um programa de ação sob o

título de “A Água e o Desenvolvimento Sustentável” (CAPRILES, 2003).

Observamos, aqui, um maior amadurecimento da questão da participação na gestão

dos recursos hídricos, quando associa poder público, sociedade civil e comunidade,

todos diretamente envolvidos com as questões do recurso hídrico, no processo

decisório.

Os termos dessa Declaração revelam, também, grande preocupação com a

qualidade do desenvolvimento e do progresso e com seus impactos no meio hídrico.

Diferentemente da Conferência de Mar del Plata, seu enfoque é mais centrado nos

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instrumentos econômicos, na proteção do meio ambiente e no processo participativo

na tomada de decisão. Indica a bacia hidrográfica como a entidade geográfica mais

apropriada para o planejamento e a gestão dos recursos hídricos (AGÊNCIA

NACIONAL DE ÁGUAS, 2002a).

Na Declaração de Dublin, foram recomendadas ações nos níveis local,

estadual, nacional e internacional de proteção, com enfoque participativo entre

usuários, planejadores e governos de todos os níveis. Nesse encontro, explicitou-se

muito claramente a relação entre a água e a diminuição da pobreza e das doenças,

apontaram-se medidas de proteção contra os desastres naturais para a conservação

e o reaproveitamento da água, para o desenvolvimento urbano sustentável, a

produção agrícola e o fornecimento de água potável ao meio rural, a proteção dos

sistemas aquáticos e as questões transfronteiriças. Finalmente, reconheceu-se a

existência de conflitos geopolíticos derivados da posse das bacias hidrográficas

(CAPRILES, 2003).

Como mencionado, a Conferência de Dublin (1992) foi preparatória para a

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento –

Cnumad - realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1992, evento mais conhecido

como Rio-92. A Agenda 21, importante documento gerado na Rio-92, a partir dos

debates sobre meio ambiente e desenvolvimento, estabelece um conjunto de

diretrizes voltadas ao desenvolvimento sustentável, tanto do ponto de vista

ambiental como do social, e dedica um de seus 40 capítulos, o de número 18, à

proteção da qualidade e do abastecimento dos recursos hídricos, enfocando a busca

da sustentabilidade no uso desse bem e dando grande ênfase à necessidade do

planejamento participativo para o melhor aproveitamento dos recursos hídricos,

incluindo, entre os usos, a manutenção dos ecossistemas. (SILVA, Geraldo, 2002).

O referido capítulo 18, dedicado especialmente à questão da água, destaca

que as prioridades são os recursos de água doce, a mudança climática global e a

poluição atmosférica; assegura a oferta de água de boa qualidade, o planejamento e

os manejos integrados dos recursos hídricos, reconhece os usos múltiplos do

desenvolvimento dos recursos hídricos no contexto do desenvolvimento

socioeconômico e advoga a cooperação entre os Estados, no que tange aos

recursos hídricos transfronteiriços.

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Em 1997, aconteceu, em Marrakech, Marrocos, o I Fórum Mundial da Água,

organizado pelo Conselho Mundial da Água, no qual ela foi considerada recurso de

relevância maior. Foi nesse encontro que, por decisão da ONU, o dia 22 de março

passou a ser considerado o Dia Mundial da Água.

Em março de 1998, reuniram-se, em Paris, ministros e chefes de delegações

para a Conferência Internacional sobre Água e Desenvolvimento Sustentável, que

resultou na Declaração de Paris. Orientados pelas conclusões atingidas na Rio 92

(Agenda 21- capítulo 18, que trata especificamente dos recursos hídricos),

reafirmaram que a água doce é essencial ao desenvolvimento sustentável, assim

como é para a vida, e que a água possui valores sociais, econômicos e ambientais

que estão totalmente interligados e dependentes entre si. (BRASIL, 2007b).

Chegaram a essa conclusões, também, apoiados no cenário mundial que se

apresentava no momento em que um quarto da população mundial não tinha acesso

à água potável, que mais da metade da humanidade não dispunha de saneamento

adequado e que a má qualidade da água e a falta de higiene eram as causas

primárias de morte e doença. E, ainda, que a escassez de água, as enchentes e

secas, a pobreza, poluição, o tratamento inadequado de resíduos e a falta de infra-

estrutura constituíam sérias ameaças ao desenvolvimento social e econômico, à

saúde humana, à segurança alimentar global e ao meio ambiente. Mostraram-se

ainda preocupados com o fato de que as restrições de acesso à água, em termos de

quantidade e qualidade, podem se tornar fatores limitantes ao desenvolvimento

sustentável. Ficou evidenciado pelo panorama apresentado que medidas urgentes

se faziam necessárias. (SILVA, Geraldo, 2002).

Logo, em 2000, ocorreu o II Fórum Mundial da Água, realizado em Haia, na

Holanda, o qual considerou que:

A água é vital para a vida e a saúde das pessoas e ecossistemas e é um requisito básico para o desenvolvimento das nações, embora, em todo o mundo, mulheres, homens e crianças ainda sofram com a falta de acesso a água segura e adequada para atender suas necessidades básicas [...] (JOHN, 2000).

Moreira Júnior (2006) informa que, na declaração, os países presentes ao

fórum comprometeram-se a buscar alternativas e promover mudanças em suas

políticas de recursos hídricos, de forma a manter a segurança da água para o século

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XXI.

Em 2002, ocorreu a Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, na

África do Sul, conhecida como Rio + 10, em Johanesburgo, onde, desde 1992, as

Nações Unidas, em associação com as organizações do Acordo de Bretton Woods,

reafirmaram os compromissos assumidos no Rio de Janeiro e manifestaram suas

preocupações com o desenvolvimento sustentável.

Segundo Silva (2002, p. 83), na cúpula de Johanesburgo:

Ficou reafirmado que atores da cena internacional não são somente os estados, os organismos internacionais, mas representantes do setor produtivo e mercado financeiro, as organizações não-governamentais, corporações profissionais e gênero, em especial a mulher e o jovem, em igual oportunidade de escolha e decisão

A água é considerada o ouro azul do século XXI, sendo o Brasil um ator

estratégico na preservação, fiscalização e no controle dos recursos hídricos, pois

detém uma das maiores reservas de água doce do planeta, recurso este finito e

frágil.

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4 PRINCÍPIOS AMBIENTAIS

Para que uma disciplina jurídica ganhe formato, são necessários princípios e

normas jurídicas para dar-lhe embasamento e sustentação. Os princípios são o

alicerce, a base de qualquer caminho jurídico. Sem eles, os princípios, o mundo

jurídico, bem como a área do direito em questão ficam sem apoio, sem rumo para o

desafio que os espera e cujo enfrentamento a sociedade anseia.

O Dicionário Barsa (1982) informa que: ”princípio, s.m. pode ser: 1. Momento

em que uma coisa tem origem; começo; 2. Causa primária; razão, base; 3. Momento

em que se faz alguma coisa pela primeira vez; 4. Regra, lei, preceito; 5. Ditame

moral, sentença, máxima”. Assim, a palavra princípio, em sua raiz latina, significa

aquilo que se torna primeiro (primum capere), designando início, começo, ponto-de-

partida.

Cretella Júnior, citado por Milaré (2001, p 111), nos informa que princípios de

uma ciência “são proposições básicas, fundamentais, típicas, que condicionam todas

as estruturas subseqüentes.” Correspondem, mutatis mutandis, aos axiomas,

teoremas e leis em outras determinadas ciências (CRETELLA JÚNIOR apud

MILARÉ, 2001, p. 111.).

Para Mello (2002):

Princípio é mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (MELLO, 2002, p. 57).

Milaré (2001) destaca que um princípio não pode ser exclusivo de uma

ciência, deve ter sua fundamentação ampliada a outras ciências, mas isso só ocorre

quando os princípios são mais gerais e menos específicos. Nessa linha de

pensamento, os princípios ambientais visam a proporcionar, para as presentes e

futuras gerações, as garantias de preservação da qualidade de vida, conciliando

elementos sociais e econômicos.

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4.1 Princípio do Meio Ambiente Ecologicamente Equil ibrado

O princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado não é contemplado

no artigo 5°da Constituição Federal de 1988, que tr ata dos direitos fundamentais,

mas nem por isso deixa de figurar dentro dos vários direitos fundamentais que estão

dispersos no texto constitucional de 1988.

Esse princípio foi reconhecido, primeiramente, na Conferência das Nações

Unidas sobre o Meio Ambiente, de 19724, e, posteriormente, devidamente

reconhecido pela Constituição Brasileira de 1988, em seu capítulo VI - do Meio

Ambiente, artigo 225 -, como norma efetiva:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 2006a)

Esse princípio também se destaca na Declaração do Rio sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento5- Rio 92 e pela Carta da Terra6.

Preceitua Antunes que “em termos constitucionais, o princípio da dignidade

da pessoa humana é a base capaz de dar sustentação ao caput do artigo 225 da

Constituição Federal que, do primeiro, recebe toda a sua inspiração.” (ANTUNES,

2006, p. 25).

Para Trindade, citado por Milaré (2001),

O reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade, como extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade desta existência, que faz com que valha a pena viver. (TRINDADE apud MILARÉ, 2001, p. 112)

4 “Princípio 1: O homem tem direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequada, em um meio cuja qualidade lhe permite levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras.”(BRASIL, 2006c) 5 “Princípio 1: Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direitos a uma vida saudável e produtiva em harmonia com o meio ambiente.” (CENTRO DE DIREITO INTERNACIONAL, 2006) 6 “Princípio 4: Estabelecer justiça e defender sem discriminação o direito de todas as pessoas à vida, à liberdade e à segurança, dentro de um ambiente adequado à saúde humana e ao bem-estar espiritual.” (GONÇALVES, 2007)

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Nesse sentido, Sampaio (2003a) informa que existe uma relação sinérgica e

convergente entre o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado e outros

direitos, como o direito à vida e à saúde, pois um meio ambiente equilibrado é

essencial para a qualidade de vida e para a saúde física e mental do homem. E

acrescenta, ainda, o direito à igualdade, quando afirma que todos, independente de

condições sociais, têm o direito de usufruir o meio ambiente, por ser um direito

comum e intergeracional.

Acresçam-se ainda a esses direitos outros tais como: o de propriedade,

associado com o meio ambiente, e que não se configura como um direito privatista e

monopolista, mas, sim, um direito de patrimônio comum da humanidade; o

desenvolvimento, que não é somente de alguns países ou de algumas classes, é,

sim, um projeto de uso eqüitativo dos recursos ambientais por todos os povos e,

finalmente, os direitos à intimidade, para a proteção contra os possíveis tipos de

poluição: sonora, atmosférica e visual, e o direito ao trabalho, com condições dignas

e salubres, associado ao meio ambiente sadio e com qualidade de vida (SAMPAIO,

2003a, p. 103).

Uma das mais importantes associações do direito ao meio ambiente

equilibrado é feita com o direito à democracia: “o direito ao ambiente reforça e exige

a liberdade de associação, o direito à participação e à informação, dando coloração

ecológica à democracia e afirmando a ‘cidadania verde’” (SAMPAIO, 2003a, p. 104)

Machado (2002a) apresenta decisão do Tribunal Europeu de Direitos

Humanos, com sede em Estrasburgo, que decidiu, em 09.12.1994, no caso López

Ostra, que crimes contra o meio ambiente podem afetar a vida privada e familiar do

ser humano.7

Ramón citado por Machado (2002a, p 46), destaca, ainda, que: “a qualidade

de vida é um elemento finalista do Poder Público, onde se unem a felicidade do

indivíduo e o bem comum, com o fim de superar a estreita visão quantitativa, antes

expressa no conceito de nível de vida.”

7 “Los hechos del caso López Ostra pueden ser resumidos destacando la producción, por uma depuradora de propiedad privada construída en Lorca (Murcia), de molestias y perjuicios (emanaciones de gas, olores pestilentes y contaminación), que afectaron especialmente a la vivienda de la demandante, situada a 12 metros de la depuradora. El tribunal establece la responsabilidad de las autoridades españolas por falta de reacción y aún por colaboración con la empresa privada, puesto que el Municipio no adoptó las medidas adecuadas para el cese de la actividad” (RAMÓN, apud MACHADO, 2002a p. 47)

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Assim, não basta conservar ou viver a vida. É justo buscar e conseguir a

qualidade dessa vida, totalmente associada ao direito à vida digna e sadia, com o

meio ambiente equilibrado, o direito à intimidade, à propriedade, ao

desenvolvimento, ao trabalho e à democracia participativa.

4.1.1 Restrições advindas do princípio fundamental ao meio ambiente equilibrado

Existe uma série de questões que se chocam diretamente com o direito ao

meio ambiente equilibrado.

O seu caráter de tutela expansiva, dado pela titularidade difusa e pelo objeto elevado à condição de bem de todos ou, como diz a Constituição Brasileira, ‘bem comum do povo’, torna-o latente adversário de outros interesses, além de pôr em relevo a sua dimensão uti socius . (SAMPAIO, 2003a, p. 105).

Assim, resta somente a intervenção legislativa conciliadora, devido à

convivência conflituosa entre os interesses coletivos e os demais direitos

fundamentais e, quando da existência de conflitos nos casos concretos, a decisão

equilibrada do poder judiciário.

Sampaio (2003a) competentemente, apresenta exemplos extraídos da

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pelos quais fica evidente o conflito

entre o meio ambiente equilibrado e outros ramos do direito.

No conflito de existência entre o direito cultural e o direito ao meio ambiente,

citamos como exemplo, a decisão proferida pela 2ª Turma do Superior Tribunal

Federal, a qual entendeu que o direito cultural (farra do boi) não exime e não se

sobrepõe ao meio ambiente digno e sadio.

COSTUME - MANIFESTAÇÃO CULTURAL - ESTÍMULO - RAZOABILIDADE - PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA - ANIMAIS - CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado "farra do boi” (NARDY, 2003, p. 124).

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A referência é em relação aos conflitos entre o direito econômico e o direito

ao meio ambiente equilibrado, pois a atividade econômica, qualquer que seja ela,

não pode ser empreendida levando ao desequilíbrio do meio ambiente.

E M E N T A: MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS -ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (CF, ART. 225, § 1º,III) -ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE - Medidas sujeitas ao princípio constitucional da reserva de lei - Supressão de vegetação em área de preservação permanente - Possibilidade de a administração pública, cumpridas as exigências legais, autorizar, licenciar ou permitir obras e/ou atividades nos espaços territoriais protegidos, desde que respeitada, quanto a estes, a integridade dos atributos justificadores do regime de proteção especial - Relações entre economia (CF, Art. 3º, II, C/C o Art. 170, VI) e ,ecologia (CF, Art). 225) - Colisão de direitos fundamentais - Critérios de superação desse estado de tensão entre valores constitucionais relevantes - Os direitos básicos da pessoa humana e as sucessivas gerações (fases ou dimensões) de direitos (RTJ 164/158, 160-161) - A questão da precedência do direito à preservação do meio ambiente: uma limitação constitucional explícita à atividade econômica (CF, Art. 170, VI) - Decisão não referendada -Conseqüente indeferimento do pedido de medida cautelar. (DISTRITO FEDERAL, STJ. Ap. 3.540-MC. Relator Min. Celso de Mello, 2005).

Ocorrem conflitos entre o princípio do meio ambiente ecologicamente

equilibrado e o princípio da repartição de competência. Sabe-se que, na esfera da

competência legislativa, a União edita normas gerais e os Estados e o Distrito

Federal editam normas específicas e peculiares de cada Estado. Entretanto, essa

separação de competência legislativa não é tão simples quanto parece. No caso de

dúvida sobre de quem é a competência, usa-se o princípio da interpretação não

expresso, ou seja, a favor da União, conforme preceitua Sampaio (2003).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. LEI N. 64, DE 01.04.1993, DO ESTADO DO AMAPÁ, QUE DISPÕE SOBRE A PESCA INDUSTRIAL DE ARRASTO DE CAMARÕES E APROVEITAMENTO COMPULSÓRIO DA FAUNA ACOMPANHANTE DESSA PESCA NA COSTA DO ESTADO DO AMAPÁ. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE. CONSTITUIÇÃO, ART. 24, VI, E PARS. 1. E 2.; ART. 225, PAR. 1., INCISOS V E VII, E PAR. 4., E ART. 178, IV. Relevância dos fundamentos da inicial, no que concerne ao inciso III do art. 1 e par. 2 do mesmo artigo, quanto aos pars, 1 e 2 do art. 2, bem assim de referencia ao art. 3 e seus parágrafos e ao art. 4, todos da Lei n. 64, de 01.04.1993, do Estado do Amapá, sendo, além disso, conveniente a suspensão de sua vigência, até o julgamento final da ação. Não cabe ter,

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desde logo, o Estado-Membro como sem competência legislativa para dispor sobre a fiscalização da pesca, com vistas a diminuição da pesca predatória e ao maior aproveitamento da "Fauna Acompanhante" e ao controle de seu desperdício. Previsão de ação conjunta com o órgão federal competente. São relevantes os fundamentos da inicial, quando sustenta que há incompetência legislativa do Estado para dispor sobre barcos estrangeiros e nacionais, quanto a capacidade de carga e ao percentual mínimo de desembarque em pescado aproveitável. Ao consumo humano da “fauna acompanhante”, por viagem não pode, além disso, o Estado não pode fazer discriminações entre empresas, tendo em conta o Estado de origem. Deferimento, em parte, da medida cautelar, para suspender a vigência dos dispositivos acima referidos, até o julgamento da ação. (AMAPÁ, STF. ADI-MC 861. Relator Min. Néri da Silveira. 1993).

4.2 Princípio do Desenvolvimento Sustentável

O princípio do desenvolvimento sustentável, também conhecido por

ecodesenvolvimento, tem bases assentadas na inclusão social, no desenvolvimento

econômico e na preservação do meio ambiente. Só com a concretização desse tripé

é que podemos começar a discutir o desenvolvimento sustentável.

Segundo Antunes (2006), os maiores problemas ambientais se concentram

nas áreas mais pobres e as maiores vítimas do descontrole ambiental são os

chamados setores vulneráveis da sociedade. Assim, fica claro que, somente uma

distribuição de renda equitativa, adequada, ou seja, uma inclusão social dos

desfavorecidos, poderá levar a uma melhor condição do meio ambiente.

Silva (2002, p. 27) informa que: “se o desenvolvimento não elimina a pobreza

absoluta, não propicia um nível de vida que satisfaça as necessidades essenciais da

população em geral, ele não pode ser qualificado de [sic] sustentável”

Relata Carneiro (2003) que, em 1972, um grupo de cientistas, economistas e

industriais (Clube de Roma) reuniu-se para discutir os grandes problemas

internacionais, através de estudos solicitados ao Massachusetts Institute of

Technology (MIT). Um desses estudos teve como alvo as conseqüências ambientais

da evolução exponencial dos padrões de crescimento demográfico e da atividade

industrial, e concluiu que, diante da iminência de esgotamento das reservas de

recursos naturais da Terra, podia-se prever o colapso da economia mundial.

Em 1984, a ONU constitui a World Commission on Environment and

Development (WCED) e, após três anos de estudos, a Comissão, presidida pela

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política e médica norueguesa Gro Harlem Brundland, publicou o Relatório

Brundland, intitulado Our Common Future que conclui ser a degradação ambiental o

resultado de forças que conduzem à desigualdade social e à pobreza e que as

questões associadas ao meio ambiente e ao desenvolvimento devem ser analisadas

de forma integrada (CARNEIRO, 2003, p. 54). O mesmo Relatório apresentou a

mais famosa definição do que é desenvolvimento sustentável:

Desenvolvimento sustentável pode ser entendido como a forma de desenvolvimento que satisfaz as necessidades das gerações presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de alcançar a satisfação de seus próprios interesses. Essa idéia contém dois conceitos chaves: a) o conceito de necessidade, em particular as necessidades essenciais dos países pobres, para os quais deve ser dada prioridade absoluta; b) a idéia da existência de limitações à capacidade do meio ambiente de satisfazer as necessidades atuais e futuras impostas pelo estágio atual da tecnologia e da organização social (RELATÓRIO BRUNDLAND apud CARNEIRO, 2003, p. 54).

O princípio do desenvolvimento sustentável foi adotado também na

Declaração do Rio -928 e na Agenda 219 e em vários outros marcos referenciais

sobre a questão ambiental, com o basilar objetivo de que o desenvolvimento

sustentável seja uma meta respeitada por todos os países

Derani (1997) afirma que:

O desenvolvimento sustentável implica, então, o ideal de um desenvolvimento harmônico da economia e ecologia, que devem ser ajustadas numa correlação de valores em que o máximo econômico reflita igualmente um máximo ecológico. Na tentativa de conciliar a limitação dos recursos naturais com o ilimitado crescimento econômico, são condicionantes à consecução do desenvolvimento sustentável mudanças no estado da técnica em organização social. (DERANI, 1997, p. 128).

Pensar em desenvolvimento sustentável no modelo econômico adotado na

maioria dos países, nos dias de hoje, é muito difícil. Prevalece um modelo capitalista

8 “Princípio 4: Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente em relação a ele.” (CENTRO DE DIREITO INTERNACIONAL, 2006) 9 “Agenda 21 é um plano de ação para ser adotado global, nacional e localmente, por organizações do sistema das Nações Unidas, governos e pela sociedade civil, em todas as áreas em que a ação humana impacta o meio ambiente. Constitui a mais abrangente tentativa já realizada de orientar para um novo padrão de desenvolvimento para o século XXI, cujo alicerce é a sinergia da sustentabilidade ambiental, social e econômica, perpassando em todas as suas ações propostas.” (BRASIL, 2007b)

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que privilegia a livre concorrência, o emprego de recursos naturais sem medidas,

associado a uma constante pressão por modernização e avanços tecnológicos, sem

o mínimo de consciência ambiental, ética e moral.

Para se chegar ao tão desejado e sonhado desenvolvimento sustentável, será

necessária uma mudança radical no modo de pensar de todos os países, com uma

nova concepção de ordem econômica, humana e ambientalmente mais justa,

apoiada em princípios, direitos, diretrizes e normas humanas e ambientais.

4.3 Princípio da Prevenção

Prevenir, de acordo com o Barsa é

v. 1. Tr. dir. dispor com antecedência; preparar; 2. chegar antes de; antecipar-se. 3. Tr. dir. dizer ou fazer antecipadamente ou antes que outro diga ou faça. 4. Tr. dir. Avisar antecipadamente. 5. Tr. dir. Impedir que se execute ou que aconteça; evitar (DICIONÁRO BARSA, 1982, p. 894).

Segundo Machado:

Prevenir, em português, prévenir, em francês, prevenir, em espanhol, prevenire, em italiano, e to prevent, em inglês - todos têm a mesma raiz latina, praevenire, e têm a mesma significação: agir antecipadamente. Contudo, para que haja ação, é preciso que se forme conhecimento sobre o que prevenir. Com razão, o biologista francês Jean Dausset- prêmio Nobel da Medicina de 1980 afirma que para ‘prevenir é preciso predizer’. (MACHADO, 2002a, p. 71)

Segundo a maioria dos doutrinadores, como Rodrigues (2005), Fiorillo (2005),

Antunes (2006) e Machado (2002a), o princípio da prevenção se diferencia do

princípio da precaução. Antunes (2006), por exemplo postula que o princípio da

prevenção aplica-se a impactos ambientais já conhecidos e dos quais se possa, com

segurança, estabelecer um conjunto de nexos de causalidade que seja suficiente

para a identificação dos impactos futuros mais prováveis. Assim, o princípio da

prevenção é muito semelhante ao da precaução, mas com este não se confunde, e,

embora estejam intimamente (inter)ligados, há algumas diferenças.

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Prieur, por sua vez, citado por Sampaio, informa que “a prevenção deve guiar

as ações administrativas nos exames de autorizações e licenças de atividades que

possam afetar o meio ambiente, bem como para exigências do estudo de impactos

ambientais”. (SAMPAIO, 2003b, p. 71). O princípio da prevenção é considerado um

megaprincípio ambiental. Para Milaré:

O princípio da prevenção é basilar no Direito Ambiental, concernindo à prioridade que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de atentados ao ambiente, de molde a reduzir ou eliminar as causas de ações suscetíveis de alterar a sua qualidade. (MILARÉ, 2001, p. 114).

Apoiado no mesmo pensamento, Fiorillo postula que:

Diante da impotência do sistema jurídico, incapaz de restabelecer, em igualdade de condições, uma situação idêntica à anterior, adota-se o princípio da prevenção do dano ao meio ambiente como sustentáculo do direito ambiental, consubstanciado-se como seu objetivo fundamental . (FIORILLO, 2005, p. 39,)

Sampaio (2003b, p. 70) informa que a Convenção da Diversidade Biológica,

logo em seu preâmbulo, dispõe que é vital prever, prevenir e combater na origem as

causas da sensível redução ou perda da diversidade biológica.

O princípio 1510, da Declaração do Rio de Janeiro, de 1992, aborda o princípio

da prevenção em suas linhas. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225,

caput, segundo Fiorillo (2005), expressamente adotou o princípio da prevenção,

quando preceituou que é dever do Poder Público e da coletividade proteger e

preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. O instrumento

adotado por nossa legislação para a adoção prática do princípio foi o estudo sobre

impacto ambiental e o relatório de impacto ambiental, Estudo de Impacto Ambiental

(EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), o manejo ecológico, o

tombamento, as liminares, as sanções administrativas.

A importância do princípio da prevenção se apóia no fato de que, se ocorrido

o dano ambiental, a reconstituição é quase impossível e, assim, a palavra proteção,

disposta no artigo 225, caput, da Constituição Federal, não pode ser tomada no

10 “De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo, com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza cientifica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.

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sentido reparatório, reparação de um dano ambiental e, sim, preventivamente, antes

da ocorrência do dano, com o pensamento voltado para a nossa geração e,

principalmente, para as gerações futuras.

4.4 Princípio da Precaução

Precaução é substantivo originado do verbo precaver-se, do latim praecavere,

tomar cuidado antes, e sugere cuidados antecipados, cautela para que uma atitude

ou ação não venha a resultar em efeitos indesejáveis.

O princípio da precaução teve sua essência no direito alemão, em

decorrência das crises fitossanitárias da encefalopatia espongiforme bovina, mais

conhecida como o “mal da vaca louca” e, posteriormente, devido ao

desconhecimento sobre os organismos geneticamente modificados.

O artigo 225, §1°, II, IV e V da Constituição Feder al de 1988 abarcou o

princípio da precaução quando, no inciso II, incumbe os órgãos estatais de fiscalizar

as entidades de pesquisa e manipulação de material genético. O inciso IV disciplina

o estudo prévio de impacto ambiental que será adotado para controlar a produção, a

comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem

risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente. Conjuntamente, deverá ser

realizado o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), contendo as informações

daquele estudo, no entanto, em uma linguagem acessível à população, sem uso de

termos demasiadamente técnicos. Esse relatório é uma expressão dos princípios da

informação e da participação ambiental, facilitando à coletividade participar dos

processos de tomada de decisão e legitimar o princípio da precaução. E o inciso V

impõe o dever de controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,

métodos e substâncias que comportem risco de vida, à qualidade de vida e ao meio

ambiente. (BRASIL, 2006a).

A Declaração do Rio de Janeiro, de 1992- ECO/92, em seu princípio 15, já

retro mencionado, adotou, também, o princípio da precaução, conduta também

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adotada pela Conferência sobre Mudanças Climáticas, em seu artigo 3°. 3. 11

Em 1998, em Wingspread, no estado do Wisconsin, nos Estados Unidos,

cientistas, ambientalistas, legisladores e advogados dos Estados Unidos, Canadá,

Alemanha, Inglaterra e Suécia se reuniram e formularam uma definição para o

princípio da precaução, que segundo eles é:

Quando uma atividade gera ameaças de dano à saúde humana ou ao meio ambiente, medidas de precaução devem ser tomadas, mesmo se algumas relações de causa e efeito não são completamente estabelecidas cientificamente. Nesse contexto, o proponente de uma atividade, mais do que o público, deve ter o ônus da prova. (CUNHA, 2006).

Novamente Prieur, citado por Sampaio (2003b), informa que a precaução se

acha relacionada aos danos ambientais irreversíveis ou a incertezas científicas,

forçando a realização de, pelo menos, duas perícias antes da liberação ou

autorização de uma atividade ou prática. E a precaução não se aplica apenas às

ações sob condições de incerteza, mas tem implicação, inclusive, quando a

autoridade que irá decidir não se encontrar diante de uma considerável dúvida.

O princípio da precaução, ou abordagem da precaução, reflete a necessidade de tomar decisões relacionadas ao meio ambiente, diante da incerteza científica sobre o potencial dano futuro de determinada atividade. Requer, assim, que as respectivas decisões sejam tomadas com cautela e que as contra-ações ou a interrupção das atividades potencialmente prejudiciais não sejam adiadas somente pela razão de não haver prova científica de que tal dano ambiental possível ou degradação se materialize. (WOLFRUM, 2004, p. 25)

4.5 Princípio do Poluidor-Pagador

O princípio do poluidor-pagador é inspirado na teoria econômica segundo a

qual os custos externos que acompanham a produção industrial, notadamente

aqueles relativos à poluição dela resultante, devem ser internalizados, ou seja,

devem ser contabilizados ou levados em conta pelos agentes econômicos em seus

11 “As partes devem adotar medidas de precaução para prever, evitar ou minimizar as causas da mudança do clima e mitigar seus efeitos negativos. Quando surgirem ameaças de danos sérios e irreversíveis, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar essas medidas [....]” (NAÇOES UNIDAS NO BRASIL, 2004).

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custos de produção.

A denominação do princípio, embora já consagrada, não reflete exatamente

todo o seu alcance, pois não se trata simplesmente de se admitir a poluição

mediante o pagamento de um preço (BENJAMIN, 1993, p. 226). A essência desse

princípio consiste em impor ao poluidor o dever de arcar, total ou parcialmente, com

as despesas de prevenção, reparação e repressão da poluição, motivo pelo qual

alguns doutrinadores ambientalistas preferem adotar a denominação de “usuário-

pagador”.

Segundo Wold (2003), o princípio do poluidor-pagador pode ser

compreendido como um mecanismo de alocação da responsabilidade pelos custos

ambientais associados à atividade econômica. Esse princípio fornece o fundamento

dos instrumentos de política ambiental de que os Estados lançam mão para

promover a internalização dos custos vinculados à produção e à comercialização de

bens e serviços.

Para Pigou, citado por Benjamin (1993), o mercado deveria internalizar esse

custo e, para isso, o Estado deveria intervir na relação, para promover o Wellfare

State, impondo ao causador uma taxação em valor equivalente ao custo da

externalidade gerada.

Trata-se de um recurso econômico utilizado para que a atividade poluidora

arque com os custos da atividade, ou seja, haja a internalização dos efeitos externos

(externalidades), passando assim, a repercutir nos custos finais dos produtos e

serviços oriundos da atividade. Por outro ângulo, busca-se fazer com que os agentes

que originaram as externalidades assumam os custos impostos a outros agentes,

produtores e/ou consumidores (BENJAMIN, 1993).

Pode-se dizer que, atualmente, a internalização dos custos de abatimento da

poluição é fator primordial na abordagem econômica ambiental. A empresa geradora

da poluição deve absorver todos os custos inerentes à atividade, abrangendo a

mitigação, a compensação e a recuperação do dano causado. Também é importante

salientar que esses custos têm natureza cumulativa, ou seja, quanto mais tarde são

implantadas as medidas, maior será o dispêndio da empresa.

Se a internalização dos custos for insuportável para a sociedade, a atividade

não poderá ser permitida. Vale ainda, ressaltar que o princípio não significa que, se

(o agente poluidor) pagar, pode poluir. Quando for possível suportar o desgaste

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ambiental decorrente de atividade poluidora, “deve ser internalizado por aquele que

usa do meio ambiente em seu proveito” (RODRIGUES, 2005, p.195).

Fala-se em externalizar os custos ambientais porque, embora resultantes da

produção, são recepcionados pela coletividade, em oposição ao que ocorre com o

lucro, que é recebido tão somente pelo produtor privado. O princípio do poluidor-

pagador tem como objetivo corrigir esses custos adicionados à sociedade, impondo

sua internalização. Outro conceito sobre a figura do poluidor-pagador é dado por

Tôrres:

O princípio do poluidor-pagador sinaliza no sentido de que os potencias poluidores devem arcar com a responsabilidade pelo pagamento de despesas estatais relacionadas com a precaução e a preservação dos riscos ambientais. É princípio de justiça porque busca evitar que repercuta sobre a sociedade a obrigação de suportar os custos da sustentação do meio ambiente sadio (TÔRRES, 2005, p.27).

Assim, deve-se observar que as regras de responsabilidade civil pela

reparação de danos ambientais não são eficientes para promover uma completa

internalização dos custos de reparação do meio ambiente degradado, pois, em

vários casos concretos, a aplicação dessas regras sugere que o poluidor se torne

responsável por arcar tão somente com uma parcela dos custos associados à

reparação do dano ambiental. Os casos de acidentes de derramamento de petróleo

são exemplos disso. Fato típico ocorreu no caso Exxon Valdez, navio do qual

vazaram, em 1989, toneladas de petróleo na costa do Alaska. Porém, 16 anos

depois, o valor dos custos da reparação já ultrapassara a casa dos dois milhões de

dólares, sem que a empresa tivesse se responsabilizado pela integralidade da

reparação dos danos causados, fazendo com que grande parte desses custos fosse

externalizada. Nesse caso, o princípio do poluidor-pagador funciona como um meio

que permite ao Estado responsabilizar os atores econômicos pelos custos dos

impactos negativos da produção de bens e serviços, mesmo antes que esses

venham a ocorrer.

O princípio do poluidor-pagador em questão pode gerar três tipos potenciais

de custos: de prevenção , que estão associados às medidas de prevenção dos

impactos negativos decorrentes do desenvolvimento de determinada atividade

econômica; de controle , que estão associados aos sistemas de controle e

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monitoramento ambiental, cuja adoção é exigida como requisito para implantação e

operação de empreendimentos potencialmente poluidores. Esses custos asseguram

que os equipamentos industriais operem dentro dos padrões ambientais. Os dois

primeiros custos são colocados antes da ocorrência propriamente dita da

degradação ambiental. O terceiro tipo de custo é o de reparação , que está

associado à adoção de medidas de recuperação ou reabilitação ambiental, que são

discutidas nas ações de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente e sua

imposição ocorre após o advento de eventos específicos de degradação ambiental.

Atualmente, o modelo capitalista, com considerações puramente econômicas,

fixado no individualismo e no mercantilismo, é agressivo ao meio ambiente (LEITE,

2003). Assim sendo, nada mais adequado que os riscos criados por determinada

atividade sejam assumidos pelo usuário, de modo a recompor os danos

eventualmente causados.

Vale observar que não se pode interpretar o referido princípio com a idéia de

que as atividades nocivas ao meio ambiente são permitidas, desde que o poluidor

indenize os danos que cause ao ecossistema, posto que a idéia central do direito

ambiental consiste na preservação da vida. O investimento efetuado para prevenir o

dano ou o pagamento do tributo, da tarefa ou do preço público não isenta o poluidor

ou predador de ter examinada e aferida sua responsabilidade residual de reparar o

dano (MACHADO, 2002a).

Basicamente, podem-se identificar duas esferas de ação desse princípio:

primeiro, a que busca evitar a ocorrência do dano ambiental, impondo ao poluidor o

dever de arcar com as despesas de preservação dos danos ao meio ambiente que a

sua atividade possa ocasionar, cabendo ao poluidor utilizar instrumentos

necessários à preservação dos danos (caráter preventivo); segundo, a que visa,

ocorrido o dano, à sua recuperação (caráter repressivo), sendo que o poluidor deve

reparar o dano que causou e indenizar os prejuízos, além de responder,

administrativamente, pelo descumprimento da norma e, penalmente, por ter

cometido crime ambiental.

Em relação ao caráter repressivo do princípio do poluidor pagador, percebe-

se que há incidência da responsabilidade civil, sendo que o próprio pagamento

resultante da poluição não possui caráter de pena, nem de sujeição à infração

administrativa, o que, não exclui a cumulatividade dessas.

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Assim, pode-se afirmar que o princípio do poluidor pagador determina a

incidência e a aplicação de alguns aspectos do regime jurídico da responsabilidade

civil aos danos ambientais, quais sejam a responsabilidade civil objetiva, a prioridade

da reparação do dano ambiental e a solidariedade para suportar os danos causados

ao meio ambiente.

A Constituição de 1988 firma o princípio do poluidor pagador como

conformador da ordem econômica à defesa do meio ambiente (art. 170, VI). Assim, o

uso sustentável dos recursos naturais é um princípio da atividade econômica,

estando expressamente previsto na Constituição, tanto no art. 170, VI quanto no art.

225, §1º, IV.

A CF/88 mantém, de forma expressa, dois princípios antagônicos, pois

intervenção econômica é contraditória à livre iniciativa (art. 170, caput). Não há livre

iniciativa, se o Estado exercitar o seu poder de fiscalização e agir na ordem

econômica, para que haja preservação dos bens ambientais. “É pertinente observar

que a livre iniciativa não pressupõe irresponsabilidade por prejuízos causados à

natureza e à comunidade” (RIBEIRO; FERREIRA, 2005, p. 656).

Segundo Antunes (2006), a intervenção econômica consiste, hoje em dia, em

estabelecer mecanismos de intervenção que respeitem realidades existentes no

mercado, sem que isso implique que o mercado reine soberano sobre as angústias e

necessidades sociais. A economia social de mercado é um conceito que precisa ser

desenvolvido de forma que a miséria e a degradação ambiental acabem. Não se

pode conceber um regime econômico que se estruture em órgãos estatais que

tenham papel importante em todo o ordenamento econômico.

A intervenção do Estado no domínio econômico deve ter por objetivos a garantia do equilíbrio econômico, do desenvolvimento econômico, que deve ser sustentável, em face de determinações lançadas nos artigos 225 e 170 da Constituição Federal de 1988, bem como a prevenção ou redução das tensões sociais e a redução das desigualdades regionais e sociais (MODÉ, 2005. p. 40).

Assim, enquanto a economia se preocupa com a lei da oferta e da procura,

com a busca de novos mercados, o meio ambiente se concentra no comportamento

humano que, muitas vezes, pode gerar impactos ambientais, provocados pelo

desenvolvimento de determinada atividade econômica, se não forem observados os

cuidados com a proteção ambiental.

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4.6 Princípio da Função Socioambiental da Proprieda de

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a propriedade passou a ter

seu uso condicionado ao bem-estar social, passando a se encarregar das funções

social e ambiental, tratadas conjuntamente. A Constituição, em seu artigo 5°, XXII e

XXIII, nos diz que é garantido o direito de propriedade a todos, mas que ela, a

propriedade, deverá atender à sua função social. É oportuno ressaltar que a

propriedade privada não possui mais apenas o caráter individualista e privatista, mas

também a condição de inatingível e ilimitada conferida pelo Código Civil de 1916.

Nas palavras de Carvalho, “a propriedade, sem deixar de ser privada, se socializou,

com isso, significando que deve oferecer à coletividade uma maior utilidade, dentro

da concepção de que o social orienta o individual.” (CARVALHO, 1997, p. 217)

A Constituição Federal de 1988, no artigo 5°, além de tratar da função

socioambiental, retro mencionada, também, abarcou o assunto, nos artigos 182, inc.

II12, 18413 e 186, inc. II14.

É importante destacar que a Constituição de 1988, ao tratar da função social,

legislou sobre a propriedade urbana e rural.

Com a aprovação do Novo Código Civil de 2002, em seu artigo 1.228, §1°15

foi contemplada a função social da propriedade, em conformidade com as leis de

proteção ambiental. Nesse sentido, Mirra, citado por Milaré (2001, p. 12), afirma que:

12 Art. 182: A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes: II- A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas pelo plano diretor [...]” (BRASIL, 1988) 13 “Art. 184: Compete à União desapropriar, por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social [...]” (BRASIL, 1988) 14 “Art. 186, II: A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: II- utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente [...]” (BRASIL, 1988) 15 “Art. 1.228, § 1°: o direito de propriedade deve s er exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade como estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.” (BRASIL, 2003)

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A função social e ambiental não constitui um simples limite ao exercício de direito de propriedade, como aquela restrição tradicional, por meio da qual se permite ao proprietário, no exercício de seu direito, fazer tudo que não prejudique a coletividade e o meio ambiente. Diversamente, a função social e ambiental vai mais longe e autoriza até que se imponha ao proprietário comportamentos positivos , no exercício de seu direito, para que a sua propriedade concretamente se adeque à preservação do meio ambiente.

Destaca, ainda, Milaré (2001) que é nesse caminho que se tem exigido do

proprietário de propriedade rural o dever de recomposição de área de preservação

permanente e de reserva legal, mesmo não tendo sido ele o autor do

desmatamento, pois a obrigação está vinculada ao titular do direito real.

O Tribunal conheceu em parte de ação direta ajuizada pela Confederação Nacional da Agricultura - CNA, mas indeferiu o pedido de medida liminar contra os § 1º a 3º do art. 16 do Código Florestal (Lei nº 4.771/65), na redação dada pela Lei 7.803/89, que estabelecem restrições quanto à exploração de florestas de domínio privado, determinando uma área de reserva legal de, no mínimo, 20% de cada propriedade rural, com a devida averbação na inscrição de matrícula do imóvel. O Tribunal entendeu que a tese sustentada pela autora da ação - ofensa ao direito de propriedade e aos princípios da liberdade de ofício, da função social da propriedade, do direito adquirido, do devido processo legal, da proporcionalidade, da livre iniciativa, da função social da propriedade rural - não possuiria a relevância jurídica suficiente para ensejar o deferimento da liminar. Ponderou-se que o art. 225, da CF, impõe ao poder público o dever de defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, incumbindo-lhe, para tanto, definir espaços territoriais a serem especialmente protegidos e, também, proteger a fauna e a flora, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica (CF, art. 225, § 1º, III e VII). Considerou-se, ainda, inocorrente o periculum in mora, porquanto os dispositivos atacados entraram em vigor há aproximadamente 10 anos e sua suspensão permitiria a prática de atos de difícil reparação, caso a ação seja julgada improcedente. (DISTRITO FEDERAL. TF. ADInMC 1.952-DF, Rel. Min. Moreira Alves, 1999)

Assim, fica claro que, para que a propriedade rural e a urbana atinjam sua

função socioambiental, devem utilizar de maneira adequada os recursos naturais

disponíveis a toda a coletividade, bem como preservar o meio ambiente.

4.7 Princípio da Cooperação entre os Povos

O princípio da cooperação entre os povos deixa claro que a preocupação com

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o meio ambiente e o dano ambiental não se restringem ao espaço físico de um país

ou continente. Os reflexos de uma degradação no meio ambiente não respeitam

fronteiras e suas conseqüências serão sentidas por todos os habitantes do planeta

Terra. Apoiadas nesse princípio é que se irmanam várias nações em torno de um

tratado, convenção ou conferência, a fim de prevenirem ou minimizarem a

ocorrência da devastação ambiental no mundo.

Uma degradação ambiental ocorrida em um país será sentida em todo o

globo terrestre, como já vem ocorrendo com o aquecimento global, com o efeito

estufa, o buraco na camada de ozônio e a poluição marinha. Apoiado nesse

entendimento, desde a Conferência de Estocolmo, o princípio da cooperação entre

os povos é registrado em tratados e convenções internacionais. “Entende-se de [sic]

dimensão transfronteiriça e global as atividades degradadoras exercidas no âmbito

das jurisdições nacionais” (MIRRA apud MILARÉ, 2001, p. 124).

A Conferência de Estocolmo, de 1972, destacou a importância da cooperação

entre os povos para a preservação do meio ambiente no planeta Terra16. Em 1988, a

Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 4°, i nc. IX, proclamou a cooperação

entre os povos para o progresso da humanidade, dentre os princípios internacionais,

que foram reafirmados na ECO 9217, na Agenda 2118, confirmando a importância da

integração dos países na busca do desenvolvimento sustentável que prima pela

preservação do meio ambiente. (BRASIL, 1988)

Em nossa legislação infraconstitucional, o princípio da cooperação entre os

povos foi abraçado na Lei 9.605/98, Lei de Crimes Ambientais, que dedicou o

Capítulo VII à Cooperação Internacional para a Preservação do Meio Ambiente.

É importante destacar que o princípio da cooperação entre os povos não quer

dizer renúncia à soberania do estado, pois “a implementação do princípio não

importa em renuncia à soberania do Estado ou à autodeterminação dos povos, em

16 “Princípio 20: Devem ser fomentadas, em todos os países, especialmente naqueles em desenvolvimento, a investigação científica e medidas desenvolvimentistas, no sentido dos problemas ambientais, tanto nacionais como multinacionais. A esse respeito, o livre intercâmbio de informação e de experiências científicas atualizadas deve constituir objeto de apoio e assistência, a fim de facilitar a solução dos problemas ambientais; as tecnologias ambientais devem ser postas à disposição dos países em desenvolvimento, em condições que favoreçam sua ampla difusão, sem que constituam carga econômica excessiva para esses países.” (SILVA, Geraldo, 2002, p. 325). 17 Os princípios 7, 9, 12, 13, 14, 18 e 28, do Rio 92, também abordam a cooperação internacional 18 Capítulo 2, Seção I.

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alinhamento, aliás, com o disposto no Princípio 219 da Declaração do Rio [...]”

(MILARÉ, 2001, p. 125).

A cooperação entre os povos, como um princípio ambiental se apresenta para

conjugar forças entre os diversos países do nosso planeta, com o único objetivo de

lutar pela preservação, conservação e reestruturação do meio ambiente global, pois

este não possui fronteiras.

19 “Os Estados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de Direito Internacional, têm direito soberano de explorar seus próprios recursos, segundo suas próprias políticas de meio ambiente e desenvolvimento, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional.” (SILVA, Geraldo, 2002, p. 329).

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5 PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO

O princípio da participação será tratado em um capítulo à parte, devido à sua

importância na condução da presente dissertação e por ser o princípio alicerce no

processo democrático da concessão de outorga de água e para o licenciamento

ambiental. O termo participação se origina do verbo “Participar, v. 1. Tr. dir.

Comunicar, fazer saber, informar. 2. Tr. ind. Ter ou tomar parte em” (DICIONÁRIO,

1982, p. 828).

Com a Constituição Federal de 1988, o regime democrático foi restabelecido

no Brasil, após anos de ditadura militar. A nova Constituição efetivou, no nosso país,

a tão sonhada democracia participativa, fundada no princípio da soberania popular e

no Estado Democrático de Direito. A Constituição de 1988:

Assegurou o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a igualdade e a justiça que têm como fundamento a cidadania e a dignidade da pessoa humana e, como objetivo, construir uma sociedade livre, justa e solidária, eliminando a marginalização e reduzindo as desigualdades sociais (SAULE JUNIOR, 1998, p 61).

Saule Junior (1998) prossegue informando que a participação popular propicia

uma nova relação entre os cidadãos e o Estado, fazendo surgir uma cidadania ativa,

consciente, que se transforma no elemento essencial para a defesa do meio

ambiente, dos interesses difusos e coletivos e de todos os mecanismos para a

administração de um estado.

Baracho citado por Baracho Júnior (2000, p. 155), informa que o conceito de

cidadão e de cidadania vem adquirindo particularidades que não se esgotam na

compreensão de cidadão como aquele que participa dos negócios da cidade. A

participação do cidadão no poder surge como uma característica da democracia e

configura-se pela tomada de posição concreta na gestão dos negócios da cidade,

isto é, no poder.

Brito citado por Saule Junior, (1998), afirma que a participação popular só

pode existir com a pessoa privada (individual ou associadamente), exercendo o

poder de criar norma jurídica estatal, que é norma imputável à autoria e ao dever de

acatamento de toda a coletividade. “Ou seja, pessoa privada agindo na formação da

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vontade normativa do Estado”. (BRITO apud SAULE JÚNIOR, 1998, p. 40)

A parceria formada entre Estado e particulares (indivíduo e coletividade) para

a tomada conjunta de decisões é que configura o tão almejado Estado Democrático

Participativo (grifo nosso). Para Canotilho (1999),

Em primeiro lugar, o princípio democrático acolhe os mais importantes postulados da teoria democrática - órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação de poderes. Em segundo lugar, o princípio democrático implica democracia participativa, isto é, estruturação de processos que ofereçam aos cidadãos efetivas possibilidades de aprender a democracia, participar nos processos de decisão, exercer controle crítico na divergência de opiniões, produzir inputs políticos democráticos. (CANOTILHO, 1999, p. 282).

Machado (2002a) ensina que o princípio da participação ocorre em quatro

momentos determinados pela Constituição de 1988 e reafirmados por legislações

infraconstitucionais. A participação pode ocorrer na formação das decisões

administrativas ambientais, quando estas dependem não só do Estado, mas sim de

conselhos compostos pela sociedade civil e de organizações não-governamentais,

com direito a voto. A participação ocorre também nos recursos administrativos e nos

julgamentos administrativos, através dos quais a sociedade reivindica do Estado a

revisão dos seus atos irregulares.

As associações de defesa do meio ambiente sempre reclamaram a introdução do referendo de iniciativa popular em nível local, com o fim de levar os poderes locais a instaurar um debate democrático sobre as opções de ordenamento do meio ambiente de um município. Essa reivindicação choca-se com a posição dos eleitos locais, inquietos de serem despojados de seus poderes (PRIEUR apud MACHADO, 2002a, p. 80).

Essa possibilidade de participação nas ações judiciais ambientais, de

organizações não-governamentais, de sociedades civis e órgãos de classe garantiu-

lhes o direito de, diante do Poder Judiciário, agir em defesa do meio ambiente, pois

se trata de um interesse difuso e coletivo.

Segundo Viegas (2003), a participação pode se dar diretamente, através da

chamada democracia direta, com a utilização de instrumentos como o referendo, o

plebiscito ou a iniciativa popular, como também pode ser proposta a partir de meios

que, juntamente com a administração pública, pretendem cooperar para uma

administração participativa, que pode se dar através de subprefeituras ou com a

participação de cidadãos em conselhos públicos municipais, ou, ainda, pelos

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chamados conselhos autônomos, que, apesar de não pertencerem, nem serem

subordinados à administração pública, podem fiscalizar e até mesmo participar da

administração nos assuntos que forem pertinentes à coletividade.

A cidadania exige um elo de liderança diferente, um sentimento de direito de participação numa comunidade baseado numa lealdade a uma civilização que é um patrimônio comum. Compreende a lealdade de homens livres, imbuídos de direitos e protegidos por uma lei comum. Seu desenvolvimento é estimulado tanto pela luta para adquirir tais direitos quanto pelo gozo dos mesmos, uma vez adquiridos (MARSHAL apud VIEGAS, 2003).

5.1 O Princípio da Participação nas Legislações Bra sileiras

A Constituição Federal de 1988, no artigo 225, caput, diz que é dever do

poder público e da coletividade a proteção do meio ambiente, ou seja, ela é dever de

todos, ou seja, as organizações não-governamentais, os sindicatos, as indústrias,

os comerciantes, os agricultores, cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no

país e o poder público. O meio ambiente é, ao mesmo tempo, um bem e um dever

de todos.

A declaração do Rio, de 1992, tratou expressamente, em seu princípio 10, do

princípio da participação quando afirmou que:

A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processos de tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, colocando a informação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito à compensação e reparação de danos. (SILVA, Geraldo, 2002, p. 330)

A Agenda 21 também abarcou o princípio da participação com a noção de

gestão participativa, pois, no seu dizer, um projeto deve abranger planejamento e

ações, buscando incessantemente o desenvolvimento sustentável, social, ambiental

e econômico, com ampla discussão e gestão participativa.

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A Lei 6.938/81, da Política Nacional do Meio Ambiente, desde a sua

promulgação, no artigo 2°, inciso X 20 já tratava do princípio da participação, quando

afirmou que, através da educação ambiental, em todos os seus níveis, levaria

efetivamente o cidadão a participar das decisões que envolvem o meio ambiente. A

participação é novamente recomendada pela Lei 6.938/81, quando se analisa a

composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), do qual são

membros integrantes o poder público, a sociedade civil organizada, os órgãos de

classe e as organizações não-governamentais. É oportuno destacar que a referida

lei foi precursora na adoção do princípio da participação nos processos de decisões

que envolvem o meio ambiente, que a sua promulgação ocorreu durante o governo

militar, período em que a liberdade de expressão, participação e as igualdades foram

totalmente ceifadas.

Em seguida, a Lei 7347/85, da Ação Civil Pública, em seu artigo 5°, I e II

conferiu o poder de propor ação civil pública contra danos praticados contra o meio

ambiente, à sociedade civil, constituída há pelo menos um ano e meio, e que inclua

dentro de suas finalidades a proteção do meio ambiente natural, do consumidor, do

patrimônio artístico, cultural, histórico e paisagístico. Entretanto, o requisito de pré-

constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando for evidente o interesse pela

dimensão e característica do dano, bem como a relevância do bem a ser protegido

(art. 5°, § 4° da Lei 7347/85).

O artigo 5°, inciso LXXIII 21, da Constituição Federal de 1988, prevê a

interposição de ação popular por qualquer cidadão que tenha por objetivo anular ato

lesivo ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

O artigo 216, § 1°22 da Constituição Brasileira, determina que o poder público,

conjuntamente com comunidade, deve proteger o patrimônio cultural dos cidadãos.

20 “Art. 2°, inc. X: educação ambiental a todos os ní veis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.” (BRASIL, 2006b). 21 “Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.” (BRASIL, 1988) 22 “Art. 216, § 1°: O poder público, com a colaboraçã o da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.” (BRASIL, 1988)

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62

A Resolução Conama n° 001/86 instituiu o Estudo de Impacto Ambiental, que

é um instrumento de prevenção através do qual o empreendimento informa que

impactos serão causados ao meio ambiente quando de sua instalação, propondo

medidas mitigatórias e compensatórias. A competência para analisar e emitir parecer

sobre o Estudo de Impacto Ambiental cabe aos órgãos colegiados de cada esfera

administrativa, na qual têm assento representantes da sociedade civil ambientalista

e das organizações não-governamentais. A mesma resolução, em seu art. 11, §2°,

previu a realização de audiências públicas, que, indiscutivelmente, efetivam o

princípio da participação popular e da informação ambiental, pois é nesse momento

que a população diretamente atingida pelo novo empreendimento poderá ter ciência

do seu objetivo, como ele vai se instalar e as conseqüências potenciais para o meio

ambiente e para a saúde da população. Destaca-se que, para a realização de uma

audiência pública, basta uma solicitação do Ministério Público ou da sociedade civil,

do órgão público licenciador, ou da assinatura de cinqüenta ou mais cidadãos

(BRASIL, 2006b).

Para os recursos hídricos, a Lei 9.433/97, da Política Nacional de Recursos

Hídricos, enfatizou o princípio da participação popular, ao ofertar assento aos

usuários e às organizações civis no Conselho Nacional de Recursos Hídricos (art.

34, incisos III e IV)23 e nos comitês de bacias hidrográficas (art. 39, incisos IV e V)24.

Por ser o princípio da participação, conjuntamente com o processo de outorga dos

recursos hídricos, o ponto central deste trabalho, faremos, mais à frente, o

detalhamento da importância desses comitês para a efetiva concretização do

princípio democrático da participação. (BRASIL, 2006c).

Outra legislação que abarcou o princípio da participação foi a Lei 9985/2000,

que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), que, em seu

artigo 29, dispõe sobre a composição dos Conselhos Consultivos ou Deliberativos de

cada unidade de conservação, confere poderes aos representantes de organizações

da sociedade civil e de representantes das populações tradicionais, inclusive, na

hipótese de criação de uma unidade de conservação que passa a depender de

23 “Art. 34- O Conselho Nacional de Recursos Hídricos é composto por: III- representantes dos usuários dos recursos hídricos; IV- representantes das organizações civis de recursos hídricos.” 24 “Art. 39- Os comitês de Bacia Hidrográfica são compostos por representantes: IV- dos usuários das águas de sua área de atuação; V- das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia.”

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consulta pública e da participação efetiva da sociedade.

E, finalmente, um diploma legal que abraçou o princípio da participação em

toda sua redação foi a Lei 10.257/2001, o Estatuto da Cidade. Segundo Dexheimer

(2004),

O valor democrático que traz o Estatuto da Cidade estabelece regras para a participação popular na formulação e implementação do plano diretor: promoção de audiências públicas e de debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade (art. 40, inc. I, § 4°), bem como public idade (inc.II) e o acesso de qualquer interessado às informações e aos documentos produzidos (inc. III). Os dois últimos incisos são, de certa forma, instrumentos do primeiro. A publicidade e o acesso à informação possibilitam e qualificam a participação popular. (DEXHEIMER, 2004, p. 439)

E não é somente no artigo 40, da Lei 10.257/2201, que o princípio da

participação se faz presente, mas, também, nos artigos 2°, 4°, 12, 43, 44, 45 e 52. O

Estatuto da Cidade regulamenta o que determina o artigo 182 da Constituição

Federal, ao envolver os entes públicos, a sociedade civil organizada, os órgãos de

classe, as organizações não-governamentais e os cidadãos do município para uma

gestão municipal participativa e democrática. (MEDAUR, 2002).

Entretanto, destaca Rodrigues que não se pode esquecer que a participação

popular implica redução do poder decisório dos governantes. “Isto nem sempre é

bem aceito, na medida em que a centralização decisória e o autoritarismo ainda são

valores por demais arraigados na classe política brasileira, desde os tempos dos

régulos coloniais”. O autor, ainda acrescenta que “muitas vezes, um arremedo de

participação é tão somente utilizado para justificar e legitimar medidas de interesse

exclusivo de governantes de plantão, como, por exemplo, na manipulação de

decisões de órgãos colegiados”. (RODRIGUES, 2004, p. 418).

Entretanto, hoje em dia, não há como se pensar a preservação do meio

ambiente distanciada da participação popular, porque ele faz cumprir o que

determina o artigo 225 da Constituição Federal de 1988, pois todos têm o direito e a

obrigação de preservar um bem ambiental que não é só nosso, mas também das

gerações futuras.

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5.2 Princípio da Informação Ambiental

O direito à participação pressupõe o direito à informação, um dos princípios

ambientais. Efetivamente, os cidadãos só têm condições de participar das decisões

que envolvem o meio ambiente, em todas as suas esferas, se esses mesmos

cidadãos têm educação ambiental e acesso à informação ambiental. Nesse sentido,

como corretamente expressa Leite,

a participação popular completa-se com a informação e a educação ambiental. A participação sem informação adequada não é credível nem eficaz, mas um mero ritual. A informação e, conseqüentemente, a participação só se completam com a educação ambiental, de forma a ampliar a consciência e estimulá-la, no que diz respeito aos valores ambientais. Em uma rede interligada de informação, participação e educação, essa última é a base das demais, pois só munido de educação pertinente é que o cidadão exerce seu papel ativo, com plenitude. (LEITE, 2003, p. 40)

Milaré (2001), comungando a mesma opinião, afirma que

o direito à participação pressupõe o direito de informação e está intimamente ligado ao mesmo. É que o cidadão com acesso à informação tem melhores condições de atuar sobre a sociedade, de articular mais eficazmente desejos e idéias e de tomar parte ativa nas decisões que lhes interessam diretamente. (MILARÁ, 2001, p. 115)

A informação e a educação ambiental estão previstas nos instrumentos internacionais de proteção ambiental, constituem princípios norteadores do direito ambiental e são pressupostos lógicos do princípio da participação, previsto no caput do artigo 225 da Constituição [...] (FIORILLO; RODRIGUES, 1997, p. 146).

Destaca Machado (2006, p. 32), “não se põe em dúvida o valor da liberdade

de expressão e de opinião , inclusive com a necessária consequência da liberdade

de informação. Contudo, essa liberdade fica incompleta se não desembocar na

liberdade de participação”.

Para Machado, “a informação serve para o processo de educação de cada

pessoa da comunidade. Mas a informação visa, também, a dar chance à pessoa

informada de tomar posição ou pronunciar-se sobre a matéria informada”.

(MACHADO, 2002 a, p. 75).

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A informação ambiental exige quatro características essenciais, segundo

Milaré e Benjamin citados por Sampaio (2004, p. 77), que são: veracidade,

amplitude, tempestividade e acessibilidade. Dados incompletos ou falsos, tanto

quanto defasados ou pouco acessíveis, não cumprem as determinações do

princípio. Se essas características não se encontram presentes no processo de

fornecimento da informação ao cidadão, não se atingirá a tão sonhada democracia

participativa e a informação cidadã.

As informações ambientais recebidas pelos órgãos públicos devem ser transmitidas à sociedade civil, excetuando-se as matérias que envolvam comprovadamente segredo industrial ou de Estado. A informação ambiental deve ser transmitida sistematicamente, e não só nos chamados acidentes ambientais (MACHADO, 2002a, p. 77).

O direito de informação [...] integra três níveis: o direito ‘de informar’, o direito ‘de se informar’ e o direito ‘de ser informado’. O primeiro consiste, desde logo, na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem impedimentos, mas pode também revestir uma forma positiva, enquanto direito a informar, ou seja, direito a meios para informar. O direito de se informar consiste designadamente na liberdade de recolha de informação, de procura de fontes de informação, isto é, no direito de não ser impedido de se informar. Finalmente, o direito a ser informado é a versão positiva do direito de se informar, consistindo num direito a ser mantido adequadamente e verdadeiramente informado, desde logo, pelos meios de comunicação e pelos poderes públicos [...] (CANOTILHO apud GRAF, 2003, p. 17)

Silva, citado por Graf (2003), faz distinção entre liberdade de informação,

que é a liberdade de manifestação de pensamento pela palavra, que está

regulamentada nos artigos 220- 224 e artigo 5°, inc iso IV, da Constituição Federal de

1988, e o direito à informação, que abriga interesses de toda a coletividade a uma

informação, e está disposto no artigo 5°, incisos X IV e XXXIII, da Constituição de

1988.

O princípio da informação ambiental foi abarcado pela Conferência de

Estocolmo, em 1972, nos princípios 1925 e 2026, os quais declararam que os veículos

25 “É indispensável um trabalho de educação em questões ambientais, visando tanto às gerações jovens como os adultos, dispensando a devida atenção ao setor das populações menos privilegiadas, para assentar as bases de uma opinião pública bem informada e de uma conduta responsável dos indivíduos, das empresas e das comunidades, inspirada no sentido de sua responsabilidade, relativamente à proteção e melhoramento do meio ambiente, em toda a sua dimensão humana.” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2006) 26“Deve ser fomentada, em todos os países, especialmente naqueles em desenvolvimento, a investigação científica e medidas desenvolvimentistas, no sentido dos problemas ambientais, tanto

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de comunicação de massa têm de contribuir para a disseminação de informações

ambientais de caráter amplamente educativo e para o incentivo à pesquisa científica,

fornecendo, para isso, a informação ambiental, a fim de que todos os cidadãos

possam efetivamente se envolver, com conhecimento, para a preservação do meio

ambiente.

Esse princípio, também está mencionado na Conferência Rio-92, em seu

princípio 10, já retro mencionado. Segundo Graf (2003, p. 20)

a Carta da Terra contém vários princípios centrados na informação ambiental, como os princípios 18 e 19, os quais estabelecem que os Estados devem manter contato permanente entre si, pois a ocorrência de um grave dano ambiental em um Estado e que, porventura, venha a se estender a outro, deve ser comunicada imediatamente, e esses devem comungar esforços na solução dos efeitos devastadores da poluição ambiental, estamos falando de dano ambiental transfronteiriço.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, i nc XIV, estabelece que “é

assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando

necessário ao exercício profissional”. No inciso XXXIII, do retro mencionado artigo,

há a referência do livre acesso a todos os cidadãos aos documentos públicos,

apoiado no princípio da publicidade, previsto no artigo 37, caput, da Constituição

Federal de 1988. O artigo 225, caput e § 1°, incisos IV e VI 27, da Constituição de

1998, faz referência, não expressa, ao princípio da informação, conjugado com o

princípio da educação ambiental. (BRASIL, 1988)

Analisando as legislações ambientais que abordam o princípio da informação,

detectamos a Lei 6.938/81, da Política Nacional do Meio Ambiente, que prevê, em

seu artigo 4°, inciso V, como objetivo: a difusão d e tecnologias de manejo do meio

ambiente, a divulgação de dados e informações ambientais e a formação de uma

consciência pública sobre a necessidade de preservação do meio ambiente. Em seu

nacionais como multinacionais. A esse respeito, o livre intercâmbio de informação e de experiências científicas atualizadas [...].”(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2006). 27 “Art. 225: § 1° Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] IV-exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade ; [...] VI promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; [...]” (BRASIL, 1988, grifo nosso)

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artigo 6°, § 3°, consta que todos os órgãos do SISN AMA deverão fornecer os

resultados das análises efetuadas e sua fundamentação referentes a um

determinado empreendimento. No artigo 9°, inciso VI I, institui, como instrumento da

Política Nacional do Meio Ambiente, o sistema nacional de informações ambientais.

O artigo 10, § 1°, determina a publicação, em Diári o Oficial do Estado, dos pedidos

de licenciamento de obras ou atividades potencialmente poluidoras e as renovações

de licenças concedidas.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei 8.078/90, em seu artigo 4°,

informa que os objetivos da lei são: a transparência e harmonia das relações de

consumo, entendidos aí, os princípios da informação e da educação ambiental. No

artigo 6° dessa mesma lei, enumeram-se, dentre os d ireitos básicos do consumidor,

a educação e a divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços (II) e

a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços (III).

A qualidade e a quantidade da informação irão traduzir o tipo e a intensidade da participação na vida social e política. Quem estiver mal informado nem por isso estará impedido de participar, mas a qualidade de sua participação será prejudicada. A ignorância gera apatia ou inércia dos que teriam legitimidade para participar. (MACHADO, 2006, p. 34)

A Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei 9.433/97, estabelece

como um de seus instrumentos (art. 5°, VI) o sistem a de informações sobre os

recursos hídricos e tem como objetivo (art. 27, II) ”reunir, dar consistência e divulgar

os dados e as informações sobre a situação qualitativa e quantitativa dos recursos

hídricos no Brasil” (BRASIL, 2006c, grifo nosso).

A importância do princípio da informação é grandiosa, uma vez que a

ausência, a limitação, a desatualização ou mesmo a imprecisão dos dados relativos

às variáveis ambientais constituem fatores limitativos do planejamento das ações do

Poder Público (CARNEIRO, 2003).

5.3 Princípio da Educação Ambiental

A educação ambiental tem como objetivo essencial a efetiva conscientização

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dos cidadãos para o despertar ecológico, pois são esses cidadãos que representam

o todos, destacado no artigo 225, §1°, VI, da Constituição Federal, permitindo a

efetivação do princípio da participação ambiental para a proteção do meio ambiente.

O princípio da educação ambiental encontra-se disciplinado na Lei de

Proteção à Fauna, Lei 5.197/67, em seu artigo 3528; no Código Florestal- Lei

4.771/65, em seu artigo 42,29 e na Lei da Política Nacional do Meio Ambiental, Lei

6.938/81, em seu artigo 4°, inciso V 30. Nessa trilha, para Fiorillo:

Educar ambientalmente significa: a) reduzir os custos ambientais, à medida que a população atuará como guardiã do meio ambiente; b) efetivar o princípio da prevenção; c) fixar a idéia de consciência ecológica, que buscará sempre a utilização de tecnologias limpas; d) incentivar a realização do princípio da solidariedade, no sentido exato que perceberá que o meio ambiente é único, indivisível e de titulares indeterminados, devendo ser justa e distributivamente acessível a todos; e) efetivar o princípio da participação, entre outras finalidades. (FIORILLO, 2005, p. 43)

O princípio da educação ambiental foi confirmado com a promulgação da Lei

9.795/99, Lei da Política Nacional de Educação Ambiental, a qual veio reforçar a

idéia de que o meio ambiente é responsabilidade de todos e um bem de uso comum

do povo, devendo, como preceitua o caput do artigo 225 da Constituição Federal de

1988, ser defendido e preservado pelo Poder Público e por toda a coletividade,

pessoas físicas e jurídicas, buscando a construção de valores ambientais e sociais,

através da efetiva implementação da educação ambiental.

5.4 Audiência Pública - Efetivação do Princípio da Participação

A audiência pública é uma das formas de efetivação da participação e de

28 “Dentro de dois anos a partir da promulgação desta lei, nenhuma autoridade poderá permitir a adoção de livros escolares de leitura que não contenham textos sobre a proteção da fauna, aprovados pelo Conselho Federal de Educação.” (BRASIL, 2006c) 29 “Dois anos depois da promulgação dessa Lei, nenhuma autoridade poderá permitir a adoção de livros escolares de leitura que não contenham textos sobre de educação florestal, previamente aprovados pelo Conselho Federal de Educação, ouvido o órgão competente.” (BRASIL, 2006c) 30 “À difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública, sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico”. (BRASIL, 2006c)

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controle popular da Administração Pública no Estado Democrático de Direito. É a

forma de se obter publicidade e participação popular, diretamente ou através de

entidades representativas, no processo de tomada de decisão.

A audiência pública é um instrumento que leva a uma decisão política ou legal

com legitimidade e transparência. Cuida-se de uma instância no processo de tomada

da decisão administrativa ou legislativa, através da qual a autoridade competente

abre espaço, conforme determina a lei, para que todas as pessoas que possam

sofrer os reflexos dessa decisão tenham a oportunidade de se manifestarem,

exporem as suas opiniões e aflições, antes da conclusão do processo. Segundo

Soares (2002), é através da audiência pública que o órgão responsável pela decisão

tem acesso, simultaneamente e em igualdade de condições, às mais variadas

opiniões sobre a matéria, em contato direto com os interessados. Ressalte-se,

oportunamente, que as opiniões expressas não vinculam a decisão, sendo a

audiência pública meramente de caráter consultivo, podendo o órgão responsável

acatá-las ou não.

Indiscutivelmente, a audiência pública está associada à prática da

democracia. Juntamente com a consulta popular, representa a democratização das

relações do Estado para com o cidadão, um parceiro do administrador público,

concretizando a participação popular externa na Administração Pública (SOARES

apud SOARES, 2002).

Soares, citado por Evanna Soares, ainda acrescenta:

O exercício do poder pelo povo e para o povo é assegurado pelo princípio democrático , que gera, além dos direitos de elaboração legislativa, os direitos participativos , que fundamentam pretensões à satisfação dos fins sociais, culturais e ecológicos da igualdade de gozo das liberdades privadas e dos direitos de participação política, de sorte que o próprio conceito de democracia se assenta no princípio participativo , o qual integra o conceito de Democracia Social (SOARES apud SOARES, 2002)

A audiência pública deverá obrigatoriamente ser realizada antes de ser

adotada uma decisão de caráter geral, como a aprovação de projetos de grande

impacto ambiental, pois possui o caráter prévio, anterior a qualquer tomada de

decisão. Em matéria ambiental, que é o destaque deste trabalho, a audiência pública

constitui um procedimento de consulta à sociedade ou a grupos diretamente

atingidos por determinado empreendimento, a respeito de seus interesses

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70

específicos e da qualidade ambiental por eles desejada.

Outro requisito essencial é a efetiva participação dos cidadãos, que deverá ter

a manifestação ativa e constante dos presentes, com respeito aos procedimentos

formais e previamente estabelecidos. São três os procedimentos a serem

respeitados para que uma audiência pública se caracterize como tal, a saber: forma

de convocação e prazos para informação prévia sobre o assunto a ser abordado na

audiência; preestabelecimento da ordem ou roteiro da audiência por seus

organizadores, contendo a relação, a seqüência e o tempo das pessoas que se

utilizarão da palavra, de réplicas ou outras manifestações; ampla divulgação ao

público da convocação da audiência; realização, quando necessário, de uma pré-

audiência, visando à ordenação ou simplificação do temário.

Os participantes da audiência podem ser um particular, que apresenta as

suas opiniões e razões acerca do objeto da audiência, ou pode ser uma associação

legalmente constituída, associações, fundações ou sociedade civil, cujo direito de

participação está intimamente relacionado com o interesse que elas ali representam.

Denominam-se partes , em sentido amplo, os participantes da audiência pública, admitindo-se todos aqueles que tenham interesse legítimo ou direito subjetivo, bem assim interesse coletivo, inclusive pessoas públicas supranacionais, internacionais ou estrangeiras, bem como as privadas, conforme o caso. Enfim, quaisquer pessoas, ONGs, partidos políticos etc., que discutam previamente as decisões a serem tomados pelos órgãos da administração pública. (GORDILLO apud SOUZA, 2004)

Segundo Milaré (2001, p. 346), existem três tipos de mecanismos de controle

feitos pelo Estado e pela sociedade, que são: o comunitário, exercido pelo público,

através das audiências públicas ou de manifestações, denúncias e outros meios; o

administrativo, exercido pelo órgão ambiental licenciador, determinando diretrizes e

caminhos a serem percorridos pelo empreendimento; o judicial, que é o julgamento,

pelo Poder Judiciário, das ações de proteção do meio ambiente, ação civil pública ou

ação popular.

A Resolução Conama n° 01/1986, em seu artigo 11, §2 °, determina a

realização de audiência pública para informação sobre o projeto e seus impactos

ambientais e discussão do RIMA (relatório de impacto ambiental), sempre que julgar

necessária, pelo órgão estadual competente, IBAMA, ou pelo município, que

determine a execução do estudo de impacto ambiental e a apresentação do RIMA,

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71

contemplando prazo para recebimento de comentários a serem feitos por órgãos

públicos e demais interessados.

A audiência pública mereceu detalhamento na Resolução Conama 09/1987,

que dispõe sobre questões a ela referentes,/da audiência pública como finalidade,

solicitantes, prazo para publicação, local e nulidades. Sua finalidade é expor aos

interessados o conteúdo do empreendimento em análise e do seu RIMA, dirimindo

dúvidas e recolhendo críticas e sugestões.

A realização de audiência pública poderá ser requerida ao órgão ambiental

responsável pelo licenciamento do empreendimento, pelo Ministério Público, por

entidade civil, por cinqüenta ou mais cidadãos e sempre que se julgar necessário. Ressalte-se que a não realização da audiência, quando requerida, leva à nulidade

da licença concedida (artigo 2°, §§ 1° e 2°). Uma a udiência pública será

obrigatoriamente realizada em local acessível e, se for necessário, poderá ser

realizada mais de uma sobre o mesmo empreendimento, devido à complexidade do

tema e à localização geográfica dos solicitantes (artigo 2°, §§ 3° e 4°).

A audiência pública é reafirmada na Resolução Conama 237/1997, em seu

artigo 10, V, a qual diz que o procedimento de licenciamento ambiental obedecerá à

etapa de audiência pública, quando couber, de acordo com a regulamentação

pertinente.

A realização de audiência pública para análise do RIMA e também do Estudo

de Impacto Ambiental (EIA) já estava normatizada na Constituição Federal de 1988,

no artigo 225, §1°, IV, assim como também a publici dade dos empreendimentos com

significativo impacto ambiental, a fim de que a população participe do licenciamento

e os órgãos ambientais informem à população sobre o procedimento. Caracteriza-se

uma troca: a administração pública informa, o cidadão se sente informado, participa

do debate, critica, sugere e efetiva o estado democrático.

Vale ressaltar que, sempre que interesses difusos e coletivos estiverem em

jogo, haverá espaço para a realização da audiência pública, que deve zelar pelo

efetivo cumprimento dos princípios da informação, participação, publicidade e

oralidade, para a construção e manutenção do Estado Democrático Participativo.

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72

6 GESTÃO HÍDRICA

6.1 Evolução da Gestão Hídrica no Brasil

A questão hídrica remonta ao período romano, quando já existia uma

preocupação com a gestão das águas, o que se comprova por sua classificação

como públicas e privadas. Os bens particulares (res singulorum) se opunham aos

bens (às coisas) comuns a todos (res comunes omnium), aos bens públicos (res

publicae) e aos bens universais (às res universitatum) Masagão, citado por Souza

(2004, p. 76), ensina que as coisas (bens) comuns eram as de abundância

incalculável e destinadas ao uso indiscriminado de qualquer pessoa, como o ar, a

água corrente e o mar. As coisas (bens) públicas eram as que pertenciam ao povo

romano, embora, natural ou civilmente, pudessem estar franqueadas ao uso de

todos, como os portos, os rios e os caminhos públicos.

As Ordenações Filipinas (1595), em seu Livro V, Título LXXXVIII, §7°,

proibiam a qualquer pessoa jogar material que pudesse matar os peixes e sua cria

ou sujar as águas dos rios e das lagoas. Já o Brasil conta com dispositivos legais

referentes à água desde o período colonial. Naquela época, esses dispositivos

constituíam parte de normas relativas à saúde pública ou ao direito de propriedade.

No período do domínio holandês na Bahia (1624), as legislações determinavam o

cuidado com a poluição das águas e os holandeses proibiram o lançamento do

bagaço da cana nos rios e açudes, a fim de proteger as populações pobres que se

alimentavam dos peixes de água doce, norma esta bem semelhante à constante nas

Ordenações Filipinas (WAINER, 1999, p.27).

Segundo Granziera:

O domínio dos rios foi objeto das Ordenações, Livro II, Título XXVI, §8°. A Resolução de 17/08/1775 declarou que o domínio e a posse das águas particulares pertenciam ao dono do prédio em que nasceu. E estabelecia sobre as águas supérfluas uma servidão legal em favor dos prédios inferiores. O Alvará de 1804, aplicado no Brasil pelo Alvará do 1819, criou a servidão legal de aqueduto para a agricultura e permitia que as águas dos rios e ribeiros pudessem ser ocupadas por particulares e derivadas, em benefício

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da agricultura e da indústria. (GRANZIERA, 2001, p. 85).

Souza (2004) analisa a preocupação com as águas desde a primeira

constituição brasileira e informa que, na Constituição do Império, 1824, as águas

não receberam tratamento especial, pertencendo todos os rios à Coroa. Na de 1891,

as águas continuaram a não ser contempladas com disposição legal específica,

exceto no tocante à competência privativa do Congresso para legislar sobre a

navegação dos rios. A de 1934 conferiu competência privativa da União para legislar

não só sobre a exploração das águas, florestas e da energia elétrica e o controle da

caça e pesca, mas também sobre a utilização dos recursos hídricos na região Norte,

devido à seca.

O Código Civil de 1916, em seus artigos 563 a 568, dispunha sobre o uso da

água, visando a garantir suas qualidades naturais, com previsão de pena de

indenização a quem lhe provocasse alteração.

Em 1934, foi promulgado o Código de Águas, em tramitação no Congresso

desde 1907, inaugurando uma legislação específica para os recursos hídricos que,

segundo o preâmbulo, enunciava que o código “[...] permita ao poder público

controlar e incentivar o aproveitamento industrial das águas.” Ficou evidenciado que

o legislador autorizara ao governo a criação da infra-estrutura, principalmente

energética, necessária ao projeto de industrialização do país. (BRASIL, 2007a.)

Destaca-se que o Código de Águas classificou as águas em públicas (uso

comum e dominical), comuns e particulares.

Sem embargos dos seus inúmeros defeitos, o Código de Águas inova beneficamente o direito das águas, ao introduzir um capítulo sobre energia hidráulica. Tão importante e valioso é esse capítulo, sua parte fundamental, que o faz sobreviver aos próprios insucessos de ordem material e adjetiva (CARVALHO apud FREITAS, 2002, p. 19).

O Código de Águas assegurava o uso gratuito de qualquer corrente ou

nascente d’água para as primeiras necessidades da vida e o uso de qualquer água

pública a todos, em conformidade com os regulamentos administrativos. Estabelecia,

ainda, que “o uso comum das águas pode ser gratuito ou retribuído, conforme as leis

e regulamentos da circunscrição administrativa a que pertencem.” (BRASIL, 2007a,

p. 269). Verificou-se, com o Código de Águas, uma mudança do enfoque do direito

privado para o direito público.

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Granziera (2001) afirma que:

O Código de Águas dispõe sobre a classificação e utilização, dando bastante ênfase ao aproveitamento do potencial hidráulico que, na década de 30, representava uma condicionante do progresso industrial que o Brasil buscava. Contudo, a evolução da legislação ambiental no Brasil veio a demonstrar a necessidade de revisão do Código de Águas. (GRANZIERA, 2001, p. 16)

A Constituição de 1937 não trouxe inovação em relação aos recursos

hídricos. Já a de 1946 retirou dos municípios o domínio sobre as águas locais e

atribuiu à União o domínio sobre os lagos e quaisquer correntes de água em

terrenos sob seu domínio, ou que banhassem mais de um Estado ou servissem de

limite com outro país, ainda que se estendessem a territórios estrangeiros, bem

como as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países.

A Constituição de 1967, bem como a Emenda n° I, de 1969, nada alteraram

em relação ao domínio da água e no que diz respeito aos recursos hídricos.

A intenção de reformar o sistema de gestão de recursos hídricos brasileiro

começou a tomar corpo ao longo da década de 80, com o reconhecimento, por parte

de setores técnicos do governo, de que era chegado o momento de se proceder à

modernização do setor, o qual vinha funcionando com base no Código de Águas de

1934. Não obstante ser esse Código um importante marco jurídico para o país,

inclusive tendo permitido a notável expansão do sistema hidroelétrico brasileiro, sua

efetiva implementação nunca se realizou. As ações que o seguiram tiveram objetivos

exclusivamente setoriais e nunca foram regulamentadas, a exemplo dos artigos que

se referiam ao uso múltiplo e à conservação da qualidade da água.

Ao mesmo tempo, os setores técnicos do governo, em grande parte

localizados no Ministério de Minas e Energia, contribuíram para que, dentre as

diretrizes estabelecidas no III Plano Nacional de Desenvolvimento para os exercícios

de 1980 a 1985, fosse incluída a decisão de que o governo deveria patrocinar o

estabelecimento de uma Política Nacional de Recursos Hídricos.

Em 1983, foi realizado, em Brasília, o Seminário Internacional sobre Gestão

de Recursos Hídricos, promovido pelo Departamento Nacional de Águas e Energia

Elétrica, do Ministério de Minas e Energia (DNAEE/MME), pela Secretaria Especial

do Meio Ambiente do então Ministério do Interior (SEMA/MINTER) e pelo Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, da então Secretaria de

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Planejamento da Presidência da República (CNPq/SEPLAN), Suas conclusões

tiveram um efeito importante: o desencadeamento do debate sobre o gerenciamento

de recursos hídricos em âmbito nacional, que se deu com a realização de encontros

nacionais de órgãos gestores, em seis capitais brasileiras (AGÊNCIA NACIONAL DE

ÁGUAS, 2002a).

Em 18 de junho de 1986, foi editada a Resolução n° 20 do Conselho Nacional

de Meio Ambiente (CONAMA), estabelecendo os padrões de qualidade de água dos

corpos hídricos brasileiros. As águas foram divididas em doces, salobras e salinas e

caracterizadas por nove classes de qualidades. Para cada classe são definidos

limites e/ou condições de qualidade a serem respeitados, de modo a assegurar seus

usos preponderantes, sendo aqueles limites mais restritivos.

O debate começou, então, a se ampliar. Reconheceu-se a necessidade de se

agregarem segmentos sociais com os setores técnicos do governo e extrapolar tal

discussão para a área política. A participação de outros setores nas decisões tornou

o ano de 1987 um marco na modernização do setor de recursos hídricos. Decorridos

dez anos desde a Conferência de Mar Del Plata, o Brasil começava a pôr em prática

uma de suas recomendações fundamentais, isto é, a questão do debate sobre a

gestão participativa dos recursos hídricos. Nesse mesmo ano, a Associação

Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH) manifestou-se, através da Carta de

Salvador, aprovada durante a realização do VII Simpósio Brasileiro de Recursos

Hídricos, sobre a necessidade premente da criação de um sistema nacional de

recursos hídricos e do aperfeiçoamento da legislação pertinente, de modo a

contemplar o uso múltiplo dos recursos hídricos, uma gestão descentralizada e

participativa, a criação do sistema nacional de informações de recursos hídricos, o

desenvolvimento tecnológico e a capacitação do setor.

Em decorrência disso, ocorre a inclusão, na Constituição Federal de 1988, do

artigo 21, XIX: “compete à União instituir Sistema Nacional de Gerenciamento de

Recursos Hídricos e definir critérios de outorga de direito de uso [...]”. (BRASIL,

1988, p. 23). A partir desses episódios, tem início a movimentação social e

governamental para a efetivação do princípio constitucional. A convergência de uma

série de fatos que se sucederam permitiu uma rápida evolução do setor.

Ressaltamos iniciativas locais, regionais e nacionais no ambiente de entidades

públicas e privadas e nas associações técnico-científicas.

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76

No âmbito dos estados-membros da federação, as constituições promulgadas

em 1989 refletiram a mesma sensibilidade presente na Constituição Federal em

relação aos recursos hídricos, incluindo entre seus preceitos artigos, e até capítulos,

direta ou indiretamente associados à problemática da água, a seus usos e suas

prioridades e a importância da participação popular na gestão dos recursos naturais

e do meio ambiente. Em geral, as normas estaduais, de acordo com suas próprias

Constituições, têm por objetivo assegurar que a água, recurso natural essencial à

vida, ao desenvolvimento econômico e ao bem-estar social, possa ser controlada e

utilizada, em padrões de qualidade satisfatórios, por seus atuais e futuros usuários.

Dentre as primeiras ações efetivas no caminho da modernização do setor,

registra-se a decisão do governo do Estado de São Paulo de encaminhar à

Assembléia Legislativa, em 1990, Projeto de Lei que instituía a Política Estadual de

Recursos Hídricos e criava o Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos

Hídricos. Tal projeto, convertido em Lei em 1991, consolidou a participação da

sociedade civil no processo decisório, criou a cobrança pelo uso da água e

determinou que os recursos daí advindos fossem administrados pelo Fundo de

Recursos Hídricos (FEHIDRO) para a utilização direta nos Comitês de Bacia. O

Fehidro passou a se constituir numa das mais importantes inovações do setor, ao

garantir recursos diretamente voltados ao sistema de recursos hídricos, livres de

interferências políticas típicas do processo de alocação de recursos (AGÊNCIA

NACIONAL DE ÁGUAS, 2002a).

Ainda em 1991, o Governo Federal encaminhou ao Congresso Nacional o

primeiro Projeto de Lei criando o Sistema Nacional de Recursos Hídricos e definindo

a Política Nacional de Recursos Hídricos. Foi designado como relator o Deputado

Fábio Feldmann.

Em contraponto com a demora da aprovação da legislação federal, as

unidades federativas começaram a instituir seus sistemas estaduais de

gerenciamento de recursos hídricos. Assim, São Paulo em 1991, Ceará, em 1992,

Santa Catarina e o Distrito Federal, em 1993, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, em

1994, Sergipe e Bahia, em 1995, promulgaram leis sobre recursos hídricos.

Segundo Machado (2003, p. 124), alguns estados adiantaram-se à

regulamentação federal e instituíram os seus primeiros planos estaduais de recursos

hídricos. Para citar dois exemplos, São Paulo e Ceará, por intermédio da

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promulgação, respectivamente, das Leis Estaduais no 7.663/91 e 11.996/92,

institucionalizaram o Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos de São Paulo

e o Sistema Integrado de Gestão de Recursos Hídricos do Ceará. Outros estados,

por razões diversas, mas, sobretudo, de ordem político-partidária, só começaram a

regulamentar dispositivos constitucionais mais recentemente.

Em 8 de janeiro de 1997, o Presidente Fernando Henrique Cardoso

sancionou a Lei 9.433, que definiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o

Sistema Nacional de Gerenciamento desses Recursos. Desde então, o país dispõe

de um instrumento legal que pretende garantir às gerações futuras a disponibilidade

de água em condições adequadas.

A preocupação com os recursos hídricos era tratada mais sobre o enfoque do

direito privado do que do público. Quando reformado pela Lei 10.406, de 10/01/2002,

o Código Civil de 2002 continuou a tratar a água como simples tema adaptado ao

direito de vizinhança, vinculado ao direito de propriedade. Nesse contexto, os artigos

1.288 a 1.296 e 1.309 e 1.310 são incompatíveis com o que determina a

Constituição Federal de 1988. (HENKES 2003; POMPEU, 2002)

Em relação à institucionalização, por exemplo, de comitês de bacias

hidrográficas, o Estado fluminense caminha para a formação de seus dois primeiros

comitês, enquanto o Rio Grande do Sul (Lei nº 10.350/94) já conta com treze e

Minas Gerais (Lei nº 11.504/94), com quatorze.

6.2 Política Nacional de Recursos Hídricos

6.2.1 Princípios gerais

Os princípios basilares da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei

9.433/97, estão no artigo 1° e seus incisos. O prim eiro princípio é que a água é um

bem de domínio público, significando que todas as águas são consideradas bem de

uso comum do povo, um patrimônio coletivo e não mais um bem privado (art. 1°, I).

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O segundo princípio (art. 1°, II) é o que atribui à água valor econômico e a

define como recurso natural limitado, pois, como já retro mencionado, ficando extinta

a noção de que a água, devido à sua abundância no planeta Terra, seria ilimitada. E,

apoiada no conceito de recurso limitado, a água passa a ter valor econômico,

levando em conta o preço da conservação, da recuperação e da distribuição desse

bem ambiental. É a efetiva concretização do princípio ambiental do usuário-pagador,

pois, no artigo 19, I, da Lei 9.433/97, reconhece-se a água como um bem econômico

que dá ao usuário uma indicação real do seu valor. (MACHADO, 2002b)

O terceiro princípio (Art. 1°, III) da Lei é pautad o no uso prioritário das águas,

que, em situações de emergência, vão atender o consumo humano e a

dessedentação de animais. Quando ocorrer a situação de escassez de água, o

órgão federal ou estadual outorgante da água suspenderá total ou parcialmente, em

definitivo ou por prazo determinado, o fornecimento da água à concessionária (artigo

15, V, da Lei 9.433/97).

O quarto princípio é o da gestão dos recursos hídricos, que incluiu os usos

múltiplos que podem ser o consumo humano, a dessedentação de animais, o

abastecimento público, o lançamento de esgotos e demais resíduos, o

aproveitamento dos potenciais hidrelétricos, o transporte aquaviário, a irrigação, a

piscicultura, o esporte e o lazer (art. 1°, IV). (M ACHADO, 2002b)

O quinto princípio estabelece a bacia hidrográfica como unidade territorial

para implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema

Nacional de Recursos Hídricos (art. 1°, V). Machado (2002b, p.34) informa que a Lei

9.433/97 não conceituou a expressão bacia hidrográfica, que é definida pelos

glossários científicos como a área “de drenagem de um curso de água ou lago”.

Assim, ainda conforme Machado (2002b), os comitês de bacia hidrográfica irão atuar

abrangendo uma bacia hidrográfica, um grupo de bacias hidrográficas contíguas ou

através de um conjunto misto.

O sexto princípio (art. 1°, VI) estabelece que a ge stão dos recursos hídricos

seja descentralizada, admitindo-se a participação do poder público, mas em co-

participação com os usuários e a comunidade. Mais à frente, dedicaremos um tópico

para tratar especificamente desse assunto.

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6.2.2 Objetivos da lei 9.433/97

O artigo 2° da Lei 9.433/97 trata dos objetivos da Política Nacional do Meio

Ambiente que evidencia, nos seus dois primeiros incisos, a importância do

desenvolvimento sustentável como forma de preservação do bem ambiental água,

em três aspectos:

a) disponibilidade de água, que quer dizer de boa qualidade, em quantidade

suficiente a todas as pessoas das gerações presente e futura;

b) utilização racional, que deverá ser verificada no processo de outorga dos

direitos de uso e nos planos de recursos hídricos;

c) utilização integrada, que será efetivamente aplicada no sistema de gestão,

constantes das diretrizes gerais de ação, especificadas no artigo 3° da referida Lei.

(BRASIL, 2006c).

O inciso III, do artigo 2°, da mesma lei, acrescent a como objetivo da Política

Nacional de Recursos Hídricos “a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos

de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais”.

(BRASIL, 2007c). É tema cediço que as enchentes e inundações são, na maioria

das vezes, causadas pela ação humana, devido às suas intervenções na vegetação

protetora das margens dos cursos de água e ao assoreamento contínuo e

degradante dos rios.

6.2.3 Diretrizes gerais da lei 9.433/97

O artigo 3° da Lei 9.433/97 apresenta as diretrizes gerais a serem observadas

na implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos. Oportunamente,

Machado (2002b, p 41) destaca que “os organismos públicos e privados, que vão

gerir ou administrar as águas, devem seguir essas diretrizes”.

A gestão dos recursos hídricos tem de estar atrelada à quantidade e à

qualidade desses recursos, levando-se em conta as diferenças físicas, bióticas,

demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País. Dentre

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as diretrizes gerais, deve ser considerado que os recursos hídricos não podem ser

administrados de forma isolada dos demais bens ambientais. Água, solo, ar, fauna e

flora, além dos fatores externos, como as indústrias, a agricultura e o

desenvolvimento urbano formam o meio ambiente e ele deve ser considerado no

todo. E também, a gestão dos recursos hídricos deve ocorrer de forma articulada

com o planejamento nacional, regional e estadual e apoiada no interesse comum de

toda a coletividade.

6.2.4 Dos instrumentos da política nacional de recursos hídricos

Os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos têm influenciado o

comportamento da sociedade, aumentando a consciência de que a água é um bem

precioso e tem valor econômico. Além de promover a proteção do meio ambiente e

do capital natural, tais instrumentos mitigam os conflitos pelo uso da água e

promovem o desenvolvimento sustentável no âmbito da bacia hidrográfica.

O Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) (art. 5°, I) e a decisão

governamental de promover sua elaboração, a partir de 2000, resultaram na

aprovação de resoluções, pelo CNRH que estabelecem as diretrizes para o seu

desenvolvimento. (BRASIL, 2001).

Além do Plano Nacional de Recursos Hídricos, foram elaborados, até o ano

de 2000, os seguintes planos de bacias de rios de domínio da União: afluentes do

São Francisco, em Pernambuco; afluentes do São Francisco, em Alagoas; afluentes

do São Francisco, em Sergipe; bacia hidrográfica do rio Paracatu; bacia hidrográfica

dos rios Jequitinhonha e Pardo; bacia hidrográfica dos rios Jucu e Santa Maria da

Vitória; bacia hidrográfica dos rios Jacu e Curimataú; bacia hidrográfica do rio

Canindé - PI; bacia hidrográfica do rio Tubarão e Complexo Lagunar. (AGÊNCIA

NACIONAL DE ÁGUAS, 2002a)

O art. 5°, II apresenta como instrumento o enquadra mento dos corpos de

água. Até o ano de 2002, haviam sido enquadrados três rios de domínio federal:

Paranapanema, Paraíba do Sul e São Francisco. O rio São Francisco foi o único

enquadrado nos moldes da Resolução Conama nº 20/86, sendo necessário o

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reenquadramento dos demais (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, 2002b).

Leeuwestein, citado pela Agencia Nacional de Água (2002b), afirma que a

implementação e a aplicação desse instrumento são ainda tecnocráticas, pouco

participativas e não levam em conta os aspectos econômicos. Entretanto, alguns

estados desenvolveram metodologias avançadas e acumularam experiências que

contam com a participação de comitês de bacia hidrográfica no processo decisório.

Com a Resolução nº 12/00 do CNRH, que estabelece procedimentos para o

enquadramento, procurou-se encontrar solução para as questões mencionadas, com

o enquadramento sendo proposto no processo de elaboração dos planos de bacias

hidrográficas.

A outorga do direito de uso dos recursos hídricos, como um dos instrumentos

da Lei 9.433/97, em seu artigo 5°, III, apoiou-se n a aprovação da Resolução CNRH

N° 16/01, que estabelece os critérios gerais para a outorga de direito de uso de

recursos hídricos. Até 2002, esse instrumento foi implantado em quatorze estados e

no Distrito Federal.

O inciso IV, do artigo 5°, apresenta, como instrume nto da Política Nacional de

Recursos Hídricos, a cobrança pelo uso de recursos hídricos, que possui certo grau

de dificuldade para a sua implementação, dada a sua complexidade. Isso fica

evidenciado pelo fato de que somente o Estado de Ceará, até o ano de 2002, havia

implementado a cobrança, apesar de o instrumento estar previsto em todas as leis

estaduais e a lei federal ser de 1997 (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, 2002b).

Entretanto, a compensação financeira pela utilização de recursos hídricos

para geração de energia elétrica é uma forma de cobrança já em vigor (Lei 9.984, de

17 de julho de 2000) e tem se constituído como fonte de recursos. Parte desses

recursos recolhidos é aplicada no monitoramento hidrológico, na gestão de recursos

hídricos e na capacitação profissional na área.

O sistema de informações sobre recursos hídricos (art. 5, VI) teve início na

esfera federal em 1988, sob a responsabilidade da Secretaria de Recursos Hídricos

(SRH/MMA), que procurou estruturar as informações oriundas dos órgãos estaduais

de recursos hídricos, relativas aos planos de recursos hídricos e às outorgas de uso

de recursos hídricos em rios de domínio da União.

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82

6.2.5 Sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos

O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, Título II, da Lei

9.433/97, compreende todos os órgãos e entidades que atuam na gestão dos

recursos hídricos no Brasil. Possui objetivos fixados pela Lei 9.433/97, art. 32, que

são: coordenar a gestão integrada das águas; arbitrar administrativamente os

conflitos relacionados com os recursos hídricos; implementar a Política Nacional de

Recursos Hídricos; planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a

recuperação dos recursos hídricos; promover a cobrança pelo uso de recursos

hídricos. (MACHADO, 2002b)

Segundo Machado (2002b), a gestão das águas é descentralizada no Sistema

Nacional de Recursos Hídricos, mas não pode ser antagônica e descoordenada. As

agências de água, os comitês de bacia hidrográfica, os conselhos estaduais de

recursos hídricos e o Conselho Nacional de Recursos Hídricos são ligados

hierarquicamente, em cooperação mútua. As controvérsias serão resolvidas, em

instâncias administrativas, no próprio Sistema de Gerenciamento de Recursos

Hídricos e, se não houver acordo, aí sim, a questão será resolvida no âmbito do

poder judiciário.

6.2.6 Conselho nacional de recursos hídricos

O Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) é o órgão máximo

integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, tendo sido

criado pela Lei nº 9.433/97 e instalado em julho de 1998, após sua regulamentação,

pelo Decreto nº 2.612, de 3 de junho de 1998.

Ao CNRH compete:

- promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com os

planejamentos nacional, regional, estadual e dos setores usuários;

- arbitrar, em última instância administrativa, os conflitos existentes entre

conselhos estaduais de recursos hídricos;

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- deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos cujas

repercussões extrapolem o âmbito dos Estados em que serão implantados;

- analisar as propostas de alteração da legislação pertinente a recursos

hídricos;

- aprovar propostas de instituição de Comitês de Bacias Hidrográficas e

estabelecer critérios gerais para a elaboração de seus regimentos;

- acompanhar a execução e aprovar o Plano Nacional de Recursos Hídricos e

determinar as providências necessárias ao cumprimento de suas metas;

- estabelecer critérios gerais para a outorga de direitos de uso de recursos

hídricos e para a cobrança do seu uso. (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, 2002b).

O Conselho é composto por representantes de ministérios e de secretarias da

Presidência da República com atuação no gerenciamento ou no uso de recursos

hídricos, de conselhos estaduais de recursos hídricos, de usuários de recursos

hídricos, e de organizações civis. Hoje, conta com 29 conselheiros, sendo que o

número de representantes do poder executivo federal não pode exceder à metade

mais um do total de membros, conforme determina a legislação.

6.2.7 Comitês de bacias

Os comitês de bacia constituem a base do Sistema de Gerenciamento de

Recursos Hídricos nos quais são promovidos os debates sobre as questões

relacionadas à gestão das águas, sendo, por essa razão, também denominados

parlamentos das águas, dadas as suas atribuições normativas, consultivas e

deliberativas. A área de atuação desses comitês é a totalidade de uma bacia

hidrográfica, sub-bacia hidrográfica do curso de água principal da bacia e grupo de

bacias ou sub-bacias contíguas.

Segundo Quermes (2006), os comitês de bacias são estruturas pensadas e

estruturadas visando à participação e ao controle social no planejamento e na

implementação da política de água, no Brasil. Essa experiência garante a efetiva

participação e o controle pela sociedade

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Os comitês são constituídos por representantes dos poderes públicos (União,

estados e Distrito Federal e municípios cujos territórios se situem, ainda que

parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação), dos usuários das águas e das

organizações civis com ações desenvolvidas para a recuperação e a conservação

do meio ambiente e dos recursos hídricos em uma determinada bacia hidrográfica.

Dentre as competências dos comitês de bacia, estão:

- arbitrar os conflitos relacionados aos recursos hídricos na bacia que

representam;

- aprovar o Plano de Recursos Hídricos;

- acompanhar a execução do referido plano e sugerir as providências

necessárias ao cumprimento de suas metas;

- estimular e apoiar as iniciativas voltadas para a criação de comitês de bacia

hidrográfica;

- estabelecer mecanismos de cobrança pelo uso da água e sugerir os valores

a serem cobrados e definir os investimentos a serem implementados com a

aplicação dos recursos da cobrança, que têm que ser prioritariamente

implementados na bacia de uso. (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, 2002b).

A criação de um comitê de bacia depende de autorização do Conselho

Nacional de Recursos Hídricos, que editou a Resolução nº 5/2000, a qual estabelece

as diretrizes gerais para a sua formação e o seu funcionamento, e de posterior

decreto do Presidente da República. Os comitês de bacia já criados desde a

publicação do decreto são:

- Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, no ano de 2001;

- Comitê das Sub-Bacias Hidrográficas dos Rios Pomba e Muriaé, nos

Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, em 2001;

- o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, nos Estados de Minas Gerais e

Espírito Santo, em 2002;

- o Comitê da Bacia Hidrográfica dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, nos

Estados de Minas Gerais e São Paulo, em 2002;

- o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paranaíba, nos Estados de Goiás,

Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal, no ano de 2002;

- o Comitê da Sub-Bacia Hidrográfica do Rio Verde Grande, nos Estados de

Minas Gerais e Bahia, em 2003; e

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- o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Piranha-Açu, nos Estados do Rio

Grande do Norte e Paraíba, em novembro de 2006. (AGÊNCIA NACIONAL DE

ÁGUAS, 2002a).

Os Comitês de Bacia Hidrográfica têm como objetivo a gestão participativa e

descentralizada dos recursos hídricos naquele território, utilizando-se da

implementação dos instrumentos técnicos de gestão, harmonizando os conflitos e

promovendo a multiplicidade dos usos da água, respeitando a dominialidade das

águas, integrando as ações de todos os governos, no âmbito dos municípios, dos

estados e da União, propiciando o respeito aos diversos ecossistemas naturais,

promovendo a conservação e recuperação dos corpos d'água e garantindo a

utilização racional e sustentável dos recursos para a manutenção da boa qualidade

de vida da sociedade local.

Conforme explicitam Abers e Keck citados por Querme (2006),

Os comitês de bacia constituem componente central da reforma. Sua principal especificidade é de constituir-se uma organização institucional moldada por uma territorialidade ‘natural’ - a bacia hidrográfica - ao invés de corresponder às tradicionais fronteiras político-administrativas dos municípios, estados e União. De acordo com as leis das águas, os comitês devem ser amplamente representativos, incorporados os ‘stakeholders’ mais importantes, ou seja, estado, usuários e sociedade. (ABERS; KECK apud QUERMES, 2006, p. 184)

Destaque-se que os comitês de bacias são órgãos de gestão participativa que

reduzem os riscos de corrupção do funcionário que toma uma decisão individual a

partir de interesses privados; limita o grau de liberdade de condutas abusivas e

arbítrio e de exercício discricionário do poder por parte do executivo. Os comitês

reduzem, ainda, os riscos de captura da instituição pelo técnico ou pelo funcionário,

de modo que o recurso institucional seja apropriado para atender a interesses

específicos e não às finalidades públicas e coletivas. O comitê, portanto, previne e

reduz riscos de que o aparato público seja apropriado por interesses imediatistas,

orientando as políticas públicas e formulando planos de desenvolvimento integrado.

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6.2.7.1 Comitê da bacia hidrográfica do rio são Fra ncisco

O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) é órgão

colegiado de natureza consultiva, deliberativa e normativa, integrante do Sistema

Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e vinculado ao Conselho Nacional

de Recursos Hídricos, nos termos previstos na Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997,

no Decreto de 5 de junho de 200131 e na Resolução nº 05, de 10 de abril de 2000,

do Conselho Nacional de Recursos Hídricos-CNRH.

O CBHSF tem como área de atuação a totalidade da Bacia Hidrográfica do

Rio São Francisco, localizada nos Estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia,

Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Distrito Federal, delimitada por sua área de

drenagem, sua foz, nas coordenadas 36º 24' longitude oeste e 10º 30' latitude sul

(COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, 2001).

O Comitê da Bacia do Rio São Francisco é composto por 18 (dezoito)

membros do Estado de Minas Gerais; 1 (um) membro do Estado de Goiás; 12 (doze)

membros do Estado da Bahia; 8 (oito) do Estado de Pernambuco; 6 (seis) do Estado

de Sergipe; 6 (seis) do Estado do Alagoas; 1 (um) membro do Distrito Federal; 5

(cinco) membros representantes da União; 2 (dois) da empresas concessionárias e

autorizadas de geração de hidrelétrica; e 1 (um) da comunidade indígena, 31“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997, e na Lei no 9.984, de 17 de julho de 2000, DECRETA: Art. 1o Fica instituído o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, órgão colegiado, com atribuições normativas, deliberativas e consultivas, no âmbito da respectiva bacia hidrográfica, vinculado ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos - CNRH, nos termos da Resolução do CNRH no 5, de 10 de abril de 2000. Art. 2o O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco será composto por representantes: I - da União; II - dos Estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe; III - do Distrito Federal; IV - dos Municípios situados, no todo ou em parte, nessa bacia; V - dos usuários das águas de sua área de atuação; VI - das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada nessa bacia. § 1o O número de representantes, titulares e suplentes, de cada setor mencionado neste artigo, bem como os critérios para sua escolha e indicação, serão estabelecidos no Regimento Interno do Comitê. § 2o O processo de escolha dos integrantes do Comitê será público, com ampla e prévia divulgação. Art. 3o O funcionamento do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco será regido por seu Regimento Interno, em conformidade com os preceitos da Lei no 9.433, de 1997, e da Resolução do CNRH no 5, de 2000. Art. 4o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 5 de junho de 2001; 180º da Independência e 113º da República. (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, 2001).

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totalizando 60 membros responsáveis pela gestão da Bacia do Rio São Francisco.

(COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, 2001).

A diretoria definitiva foi eleita em 10 de maio de 2003 e suas primeiras

atividades foram a realização de uma Oficina de Planejamento Estratégico,

organizada para subsidiar a estruturação e o funcionamento do Comitê, a eleição de

sua diretoria e a realização da primeira reunião ordinária do Comitê.

O CBHSF é atualmente presidido pelo Secretário Estadual de Meio Ambiente

e Desenvolvimento Sustentável do Estado de Minas Gerais, José Carlos Carvalho,

que, à frente da instituição, já se declarou totalmente contrário ao processo de

transposição do Rio São Francisco nos moldes em que prevê o processo de

licenciamento ambiental. Um pronunciamento feito pelo Secretário de Meio Ambiente

do Estado de Minas Gerais, na Câmara dos Deputados, registra fielmente a posição

do CBHSF:

Fiel à sua história e à cultura do seu povo, Minas não tem posição dogmática e sectária contra a transposição do Rio São Francisco para saciar a sede dos brasileiros, onde quer que eles estejam. Todavia, como está demonstrado, o Projeto de Transposição, com sua concepção atual, não atende as finalidades anunciadas pelo Ministério da Integração Nacional. Sintonizado com as decisões do Comitê da Bacia e com documentos absolutamente isentos de instituições, como a SBPC e Banco Mundial, o Governo de Minas entende que o tema exige debate mais amplo, na convicção de que há políticas públicas mais eficazes e menos onerosas capazes de atender à demanda de água para abastecimento público do Nordeste Setentrional e da população que, mesmo vivendo dentro da bacia hidrográfica, sofre os mesmos problemas, com o agravante de sentir sede à beira do rio. É o que ocorre em muitos municípios às margens do Velho Chico, desde Pirapora, em Minas, e, a partir daí, por toda extensão do semi-árido norte-mineiro, baiano, pernambucano, alagoano e sergipano. Minas quer contribuir para que uma solução sustentável possa ser encontrada (CARVALHO FILHO apud COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, 2005).

6.3 Agência Nacional de Águas - ANA

Em 1999, começou a se falar na criação da Agência Nacional de Águas

(ANA), que acabou sendo instituída em 17/07/2000, pela Lei 9.984. A ANA é uma

autarquia, com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério de

Meio Ambiente. Possui competência executiva, entretanto, não está organizada

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administrativamente como as demais agências criadas após os processos de

privatizações e concessões de outorga. A ANA é o braço executivo do Conselho

Nacional de Recursos Hídricos.

A Agência Nacional de Águas - ANA, diferentemente da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL e Agência Nacional do Petróleo - ANP, não possui autonomia administrativa frente à Administração, pois é organizada sob a forma de autarquia, sob regime especial, com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério de Meio Ambiente, com a finalidade de implementar, em sua esfera de atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos, integrando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (ANTUNES, 2006, p. 723).

A missão da ANA é supervisionar e controlar o cumprimento da legislação

federal de águas, em atribuição decorrente do artigo 22, IV, da Constituição Federal

de 1988, a qual fixa que compete privativamente à União legislar sobre águas,

energia, informática, telecomunicações e radiodifusão.

A Agência, segundo Machado (2002b, p 101), possui, ainda, a competência

concernente à Política Nacional de Recursos Hídricos, que é de supervisionar,

controlar e avaliar as ações e atividades decorrentes do cumprimento da legislação

federal pertinente aos recursos hídricos; disciplinar, em caráter normativo, todos os

instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos; mobilizar e promover ações

destinadas a prevenir e minimizar os efeitos da seca e inundações, em articulação

com o Sistema Nacional de Defesa Civil, e demais atribuições dispostas no artigo 4°

da Lei 9.984/2000.

Destaca-se, oportunamente, o poder que a ANA possui de outorga de direito

de uso das águas federais, pois, além de cuidar das águas da União, ela também

confere outorga de uso. E toda arrecadação das receitas advindas da cobrança pelo

uso da água deverá, obrigatoriamente, ser destinada à bacia em que foi gerada.

E, por fim, a outorga concedida para captação, derivação e lançamento de

efluentes em águas federais tem de ser publicada antes da concessão e, após essa,

para a efetivação e consolidação do princípio ambiental da informação e

conseqüente participação.

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6.4 Gestão Participativa da Água

A gestão participativa da água surge em um cenário em que ocorre a

escassez desse bem ambiental imprescindível à vida. A água passou da concepção

de bem ilimitado para um bem limitado, com valor econômico e essencial à sadia

qualidade de vida. Assim, necessária se faz a participação cidadã na gestão dos

recursos hídricos. Entretanto, existem diversos tipos de participação cidadã, pois,

Poderíamos dizer que a igualdade política exige que todos tenham a mesma oportunidade de influenciar as decisões políticas, de modo que quaisquer impedimentos jurídicos se apliquem a todos, deixando de lado a questão de se a igualdade política também exige que as oportunidades de todos tenham o mesmo valor que cada um deles (DWORKIN, apud CAUBET, 2004, p. 104).

Um dos maiores desafios no campo da Política Nacional de Recursos

Hídricos é a concretização, através dos comitês de bacia e demais órgãos

colegiados, da gestão participativa da água, pois tal gestão se contrapõe

historicamente a todas as estratégias já estabelecidas, como as decisões

governamentais de forma centralizada, o total desinteresse dos usuários e da

sociedade civil nos processos de outorga de água e na busca de soluções para a

gestão sustentável desse bem ambiental e a construção de obras de grande impacto

sem a anuência dos órgãos ambientais.

É óbvio o interesse do legislador por uma gestão pública colegiada e

participativa. Gerir uma bacia hidrográfica ou um conjunto de microbacias numa

perspectiva integrada, como determina a lei, é administrá-la de modo a evitar sua

deterioração, conservando suas características desejáveis e aprimorando aquelas

que necessitam de melhorias.

O gerenciamento ambiental dessa unidade territorial depende de haver entendimento, da parte de cada agente, sobre seu papel, responsabilidades e atribuições, bem como adequados canais de comunicação com os demais agentes para que se evitem ações mutuamente neutralizadoras, confrontos e desgastes. O pressuposto a defender é a prevalência dos interesses da coletividade sobre o particular. (MACHADO, 2003, p. 127).

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Para Machado (2003), é relevante destacar que o princípio da gestão

colegiada, integrada, descentralizada e participativa, no Brasil, é fundamental para a

compreensão da lei como instrumento de mudança do paradigma de política pública.

Contudo, o princípio em questão é motivo para alguns conflitos entre a sociedade

civil e o poder público, uma vez que há uma cultura administrativa de forte tradição

centralizadora e tecnocrática ainda bastante arraigada, no Brasil.

No caso dos recursos hídricos, essa cultura sobrevive através de toda uma geração de especialistas das mais variadas formações, que ocupam cargos decisórios em órgãos do Poder Público, detentores de conhecimentos sobre as bacias hidrográficas e agindo com base em extensas redes de relações sócio-profissionais (MACHADO, 2003, p.130).

Destaque-se que a esperada e pretendida participação, disposta na Lei

9.433/97, é a participação da sociedade, dos usuários e das comunidades em geral,

garantida por meio de sua representação equitativa nos comitês e demais órgãos

das bacias hidrográficas. E, ainda, para uma gestão participativa, é imprescindível a

participação ativa dos municípios nos comitês de bacias hidrográficas, de acordo

com a competência administrativa comum que lhes é reservada junto à União, aos

estados e ao Distrito Federal pela Constituição Federal, artigo 23, VI, pois cabe aos

municípios o exercício de policiamento das águas, inclusive em relação aos bens

federais e estaduais. (BRASIL, 1988).

A efetividade da gestão hídrica participativa é crucial para aqueles que

escolheram o caminho da democracia direta e constitucional, tanto do ponto de vista

político quanto do profissional. Sendo, assim, torna-se imprescindível um estímulo

ao compromisso de todos a agirem sempre em defesa do meio ambiente para a

presente e as futuras gerações, de forma inequívoca. Tal escolha envolve princípios

e direitos fundamentais, como a defesa da democracia e o combate à arbitrariedade

e imposição política, remediando, conseqüentemente, os problemas ambientais e

sociais causados pelos padrões atuais de desenvolvimento econômico e de

utilização dos recursos naturais.

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7 RIO SÃO FRANCISCO

7.1 Características

Nos seus 2.624 quilômetros de extensão, cerca de 1.130 em terras mineiras,

o “Velho Chico”, como é chamado na intimidade, tem, para Minas e para o Brasil,

importância estratégica, como fonte de energia, meio de transporte, atração turística

e outras atividades econômicas, bem como profunda influência artística, cultural e

social.

“Nas memórias do tempo, de todas as memórias da infância, a que me é mais

grata é a do rio, o São Francisco, a transbordar e desbordar as águas barrentas pra

deixar nas vazantes a terra enriquecida para os ribeirinhos” (COELHO apud

FERNANDES NETO, 2003, p. 85).

O Rio São Francisco tem esse nome, porque foi descoberto em 4 de outubro

de 1501, pela frota exploradora de que participava Américo Vespúcio, sendo esse o

dia dedicado a São Francisco de Assis. Segundo Fernandes Neto (2003),

desde 1501, com o seu descobrimento, o rio São Francisco não apenas fascina a todos, mas também constitui fonte de conhecimento, inspiração e lenda. Conhecido pela sua importância e grandiosidade, como celeiro de riquezas, rio da integração nacional ou simplesmente, como é carinhosamente chamado, ‘Velho Chico. (FERNANDES NETO, 2003, p. 37)

É conhecido também por outros nomes, como Rio dos Currais, por ter servido

de trilha para transporte e criação de gado na época colonial, ligando a região

Nordeste às regiões Centro-Oeste e Sudeste, e como Rio da Integração Nacional,

porque liga as duas áreas de maior densidade demográfica do país: o Sudeste e a

Zona da Mata nordestina.

A área da bacia sanfranciscana é de 631.666 km². Com seus 2.624 km de

comprimento, o São Francisco é o maior rio genuinamente brasileiro, assim

considerado porque, da nascente à foz, banha terras exclusivamente do Brasil.

Nasce na serra da Canastra, em Minas Gerais, passando pelos estados da Bahia,

Pernambuco, Alagoas e Sergipe (ENCICLOPÉDIA MIRADOR, 1986). Quando ele

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nasce, no Chapadão do Zagaia, município de São Roque de Minas, no Estado de

Minas Gerais, o que se vê são:

Dois pequenos olhos d’água que brotam do chão, distanciados um do outro não mais do que quinze metros, e se juntam, formando, inicialmente, uma pequena poça com cerca de quatro metros de diâmetro, de onde sai um pequeno ribeirão. Neste ponto, a serra é abrupta, como uma parede, e cortada na vertical, e o São Francisco se atira em queda livre, formando uma linda cascata de noventa e cinco metros de altura, a Cachoeira de Casca D’Anta (VALE DO SÃO FRANCISCO, 2003).

Sua nascente e a cachoeira estão dentro de uma área de preservação

denominada Parque Nacional da Serra da Canastra, administrada pelo Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

Daí, segue no rumo norte, atravessando o Estado de Minas Gerais e ainda o

da Bahia, até que, na altura da cidade de Remanso, no Lago de Sobradinho, sofre

uma inflexão e toma o rumo leste, separando Pernambuco da Bahia e Sergipe de

Alagoas, onde desemboca no oceano, nos municípios de Brejo Grande, em Sergipe,

e Piassabuçu, em Alagoas.

Sua bacia recolhe as águas de uma área de aproximadamente 640.000 km²,

formando uma das mais importantes bacias hidrográficas do Brasil, onde habitam 13

milhões de pessoas, distribuídas em 464 municípios.

Essa bacia estende-se por três zonas biogeográficas distintas: a mata, a

caatinga e os cerrados. Pela sua diversidade climática, extensão e características

topográficas, a bacia é dividida em quatro regiões: o Alto, o Médio, o Submédio e o

Baixo São Francisco. O Alto São Francisco começa na nascente e vai até a cidade

de Pirapora, MG; o Médio São Francisco vai de Pirapora até a barragem de

Sobradinho; o Submédio São Francisco, da barragem de Sobradinho até a barragem

de Xingó e o Baixo São Francisco vai de Xingó ao Atlântico. (FERNANDES NETO,

2003).

Os principais afluentes do “Velho Chico” no estado de Minas Gerais são

Paracatu, Pardo e Carinhanha, pela margem esquerda, Velhas e Verde Grande,

pela margem direita. Pirapora e Januária são as principais cidades ribeirinhas, mas,

nos altos vales dos tributários da margem direita, situam-se Belo Horizonte, a capital

estadual, e Montes Claros - a capital regional, sem contar outros núcleos

importantes do vale do Velhas, como Sete Lagoas e Curvelo, acessos ferroviários, e

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Corinto, entroncamento rodoferroviário. (FERNANDES NETO, 2003).

A população do Vale do São Francisco cresce graças à presença de cidades

como: Belo Horizonte, Montes Claros, Contagem, Sete Lagoas Conselheiro Lafaiete

e Divinópolis, em Minas Gerais; Juazeiro, na Bahia; Petrolina, em Pernambuco;

Propriá, em Sergipe e Penedo, em Alagoas.

O “Velho Chico”, em toda a sua extensão, oportuniza todos os tipos de usos

hídricos possíveis. Doa-se, promovendo milagres pelo sertão, saciando a sede,

matando a fome. Em 2003, potencializou 17% da eletricidade e 11% das irrigações

do país, além de servir de maternidade de peixes.

A grande preocupação com o “Velho Chico” nasce do estado de degradação

ambiental em que se encontra toda a bacia, devido à exploração inadequada e

predatória. Há alguns anos, vários problemas de natureza social e econômica vêm

afetando o percurso natural do rio, como o assoreamento, o desmatamento de suas

várzeas, a poluição, a pesca predatória, as queimadas, o garimpo e a irrigação.

O Vale do São Francisco contempla fragmentos dos biomas: floresta

Atlântica, cerrado, caatinga, costeiros e insulares. O cerrado cobre praticamente

metade da área da bacia - de Minas Gerais ao oeste e sul da Bahia -, enquanto a

caatinga predomina no nordeste da Bahia, onde as condições climáticas são mais

severas. Um exemplar da devastação da floresta Atlântica pelo uso agrícola e pelas

pastagens é o que ocorre no Alto São Francisco. (FERNANDES NETO, 2003)

Segundo o Comitê do Rio São Francisco (2001), em termos quantitativos,

pode-se estimar que a ação antrópica já atingia, em 1985, 24,8% da área da região.

Desse total, as pastagens ocupavam 16,6%, a agricultura, 7%, o reflorestamento,

0,9%, e usos diversos, 0,3%. Localizado em parte da região, o polígono das secas é

um território reconhecido pela legislação como sujeito a períodos críticos de

prolongadas estiagens, com várias zonas geográficas e diferentes índices de aridez.

Situa-se majoritariamente na região Nordeste, porém, estende-se até o norte de

Minas Gerais. A Bacia do São Francisco possui 58% da área do polígono, além de

270 dos municípios ali inscritos.

Hoje, o estado de degradação em que o rio se encontra é um retrato de como o país vem administrando seus recursos naturais. Dentre os principais agentes poluidores do São Francisco destacam-se as ações desordenadas de mineradoras, a erosão do solo, o uso indiscriminado de agrotóxicos. Mas o grande vilão é a região metropolitana de Belo

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Horizonte, capital de Minas Gerais, que polui seu maior afluente, o Rio das Velhas (AMBIENTE BRASIL, 2003).

O rio São Francisco é vítima constante do desmatamento e de queimadas na

sua nascente, na Serra da Canastra, em Minas Gerais, além de sofrer com a

poluição em forma de agrotóxicos, esgotos domésticos e industriais, e em função do

desvio de água, cada vez maior, para projetos de irrigação mal-planejados e

executados.

O Velho Chico, vem, a cada ano, diminuindo perigosamente seu volume de

água e, por isso, a navegação já não se faz em determinados trechos e em

determinadas épocas.

Ambiente Brasil (2003) ainda acrescenta que o rio é vítima do desprezo e da

irresponsabilidade de sucessivos governantes, seja em nível federal ou estadual,

insensíveis e incapazes de adotar medidas para impedir sua morte lenta. As

derrubadas e queimadas de árvores, seja na nascente ou ao longo do seu percurso,

são cada vez mais frequentes. As cidades ribeirinhas (mais de 150) e as indústrias

não possuem sistema de tratamento de esgoto e, por essa razão, despejam toda

sua sujeira no leito do rio. Agricultores, uns sem escrúpulos, outros por falta de

orientação, usam e abusam de agrotóxicos em plantações, nas margens do rio,

conduta que leva esses venenos para o Velho Chico.

O desmatamento, além de contribuir para secas constantes nas nascentes do

São Francisco e de seus afluentes, provoca a queda de barrancas e,

consequentemente, o assoreamento do rio (acúmulo de terra no leito). O resultado

disso é o perigo e a dificuldade de navegação, pois muitas ilhas já estão formadas

em seu percurso.

Com base nos vários problemas por que passa o “Velho Chico”, é

necessidade premente a sua revitalização, absolutamente viável e prioritária para a

sustentabilidade ambiental do grande rio de integração nacional, que, além de ser

dotado de valor econômico, social e cultural, é um rio em torno do qual lendas e

mitos se criaram. O rio serve também de fonte de inspiração para vários escritores e

poetas brasileiros, como se vê no exemplo a seguir:

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O São Francisco Longe, bem longe, dos cantões bravios, Abrindo em alas os barrancos fundos, Dourando o colo aos perenais estios, Que o sol atira nos modernos mundos; Por entre a grita dos ferais gentios Que acampam sob os palmeirais profundos Léguas e léguas triunfante alaga! Antemanhã, sob o sendal da bruma, Ele vagia na vertente ainda, Linfa amorosa co’a nitente espuma Orlava o seio da mineira linda; Ao meio-dia, quando o solo fuma Ao bafo morno de u’a calma infinda, Viram-no aos beijos, delamber demente As rijas formas da cabocla ardente. Insano amante! Não lhe mata o fogo O deleite da indígena lasciva... Vem à busca talvez de desafogo Bater à porta da baiana altiva. Nas verdes canas o gemente rogo Ouve-lhes à tarde a tabaroa esquiva... E talvez por magia... à luz da lua Mole a criança na caudal flutua. Rio soberbo! Tuas águas turvas Por isso descem lentas, peregrinas... Adormeces ao pé das palmas curvas, Ao músico chorar das casuarinas! Os poldros soltos retesando as curvas, Ao galope agitando as longas crinas, Rasgam alegres relinchando aos ventos De tua vaga os turbilhões barrentos. E tu desces, ó Nilo brasileiro, As largas ipueiras alagando, E das aves o coro alvissareiro Vai nas balsas teu hino modilhando! Como pontes aéreas do coqueiro Os cipós escarlates se atirando, De grinalda em flor tecendo a arcada São arcos triunfais de tua estrada!...

(ALVES apud FERNANDES NETO, 2003, p. 52)

7. 2 Importância Sócio-Econômica do Rio São Francis co

A bacia do São Francisco tem 64 milhões de hectares, dos quais 40% são

aproveitáveis em agricultura, portanto, 25,6 milhões de hectares. A agricultura de

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sequeiro é praticada em todo o Vale, principalmente no Alto e Médio São Francisco,

onde as chuvas são mais abundantes e regulares. O Submédio São Francisco é o

mais limitado para esse tipo de atividade por estar toda a região incluída no sem-

árido. A parte inferior do Médio São Francisco já penetra no semi-árido, passando

por problemas idênticos aos do Submédio. (VALE DO SÃO FRANCISCO, 2003).

O Vale do São Francisco se destaca pela geração de energia, pelas riquezas

minerais, pela irrigação, agricultura, pelo turismo e lazer. O Vale detém vários,

recordes como o de maior produtor de feijão do Nordeste, o primeiro produtor de

algodão, cultivado desde o Norte de Minas até a Bahia, o maior produtor de soja do

Nordeste, responsável por 2,5 % da produção nacional de grãos e, com o advento

da soja e a consequente expansão da fronteira agrícola, triplicou a safra de milho;

são plantados de 300 a 400 mil hectares de arroz cuja produção anual fica entre 300

e 1.200 toneladas.

A agricultura de subsistência na região se destaca pela produção da

mandioca e cana-de-açúcar. A mandioca, para produção de farinha, está presente

em todo pequeno estabelecimento agrícola do Nordeste, especialmente do Vale do

São Francisco. A cana-de-açúcar foi uma das mais importantes lavouras do São

Francisco, para a produção de aguardente e rapadura.

A partir de 1960, a lavoura com irrigação tomou impulso no Vale, graças ao

trabalho do Governo Federal, iniciado pela Comissão do Vale do São Francisco e

continuado pela Suvale e pela Codevasf. A irrigação pública, entretanto, não tem

tanto significado hoje, pois a grande área irrigada na bacia é esforço da iniciativa

privada. São 300 mil hectares de lavoura irrigada em todo o Vale, sendo que,

desses, apenas 83 mil são de irrigação pública e, portanto, em torno de 217 mil da

iniciativa privada, que inclui grandes e médios investidores. A irrigação privada vem

impulsionando o São Francisco, principalmente através da produção de vinhos finos,

da exportação de manga, uva, aspargos e outras frutas e verduras. (VALE DO SÃO

FRANCISCO, 2003).

A pecuária contínua sendo a principal atividade do Vale do São Francisco,

como o foi no passado colonial. No Alto São Francisco, desenvolveu-se a grande

bacia leiteira que promoveu a instalação de indústrias de laticínio. Quanto à

silvicultura, o Vale do São Francisco possui vastas áreas cultivadas com eucalipto,

principalmente no cerrado mineiro.

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A Bacia do São Francisco é rica em minerais, dispondo de jazidas de ouro,

calcário, minério de ferro, entre outros. A região de minério de ferro do Estado de

Minas Gerais se acha nos vales dos rios das Velhas e do Paraopeba, dois afluentes

do São Francisco. O vale do Paracatu dispõe de minas de ouro, cuja exploração é

feita por uma empresa multinacional inglesa. No município de Vargem Bonita,

próximo ao Parque Nacional da Serra da Canastra, ocorre a extração de diamantes.

(VALE DO SÃO FRANCISCO, 2003).

Grande parte da gipsita (gesso), para a indústria de cimento, sai dos

municípios do Vale do Rio São Francisco, como os do Espírito Santo, Pernambuco,

e as cidades de Montes Claros, em Minas Gerais e Campo Formoso, na Bahia. O rio

das Velhas, o Abaeté e o Indaiá são ricos em ouro e diamantes.

O Vale do São Francisco ainda apresenta jazidas dos seguintes minérios

metálicos: prata, ouro, cromo, cobre, ferro, manganês, chumbo, titânio e zinco; e dos

não-metálicos: algamatolito, amianto, ardósia, argila, calcário, granita, diamante,

dolomita, gipsita, mármore, ocre, fósforo, quartzo, enxofre, talco e grafita.

Por tudo isso, o Vale do Rio São Francisco é muito importante na questão

minerária, pois detém 100% das reservas nacionais de zinco, enxofre, algamatolito;

Quanto ao chumbo, detém de 40% a 60% das reservas nacionais de cromo, ardósia

e diamante, de 20% a 40% das reservas nacionais de ferro, calcário, gipsita, ocre,

quartzo, ouro e mármore, 10% a 20% das reservas nacionais de cobre, manganês,

fertilizantes fosfatados e argila, e de 5% a 10% das reservas nacionais de titânio,

amianto, cianita, magnésio, dolomita e sílex. (VALE DO SÃO FRANCISCO, 2003).

A qualidade da água do São Francisco é considerada boa. Há um grande

volume que ainda contribui para diluir os poluentes que são despejados pelos

afluentes, principalmente em Minas Gerais. Praticamente todo o curso da calha

principal é considerado de água potável, necessitando apenas de tratamento

primário.

Quanto ao solo, segundo levantamento feito pelo Governo, a Bacia do São

Francisco dispõe de 3.000.000 (três milhões) de hectares de solos que podem ser

irrigados, área considerada bastante extensa, quando se trata de irrigação. Embora

rico em água, o Brasil ainda é um país que irriga pouco. Não se sabe exatamente,

porém, grosso modo, o São Francisco dispõe de 300.000 (trezentos mil) hectares

irrigados, o que significa apenas 10% do potencial de solos para irrigação. Isto é,

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das terras onde é possível colocar água, apenas a décima parte está aproveitada.

Dessa área irrigada, apenas 74.000 (setenta e quatro mil) hectares, ou seja, em

torno de 2,5% do total, ou 2,5% do que já está irrigado, é iniciativa do governo. A

grande força vem, como mencionado, do empresariado, dos médios e pequenos

irrigantes. Apesar da abundância de águas do São Francisco, 63% da Bacia

encontram-se no polígono das secas, onde a população sofre por falta de produção

e de água. (VALE DO SÃO FRANCISCO, 2003).

O rio São Francisco tem um grande potencial hidroelétrico, cerca de 20.000

MW. Atualmente, 9.000 MW são aproveitados na calha principal e cerca de 50 MW

nos afluentes. Estão no São Francisco as mais importantes usinas hidrelétricas do

Brasil: Três Marias, MG; Sobradinho, BA; Itaparica PE/BA e Paulo Afonso I, II, III e

IV. (VALE DO SÃO FRANCISCO, 2003).

O São Francisco é responsável pelo abastecimento de energia elétrica de

todo o Nordeste. Duas geradoras de energia são responsáveis por esse setor no

São Francisco: a Centrais Elétricas de Minas Gerais (CEMIG) e a Companhia

Hidroelétrica do São Francisco (CHESF).

O Vale do Rio São Francisco é uma importante área de escoamento de

produtos, pois já contava, em 1985, com uma rede de 20.812 km, sendo 10.498 km

de rodovias pavimentadas e 10.314 km com revestimento primário e leito natural. As

principais rodovias pavimentadas que cruzam o Vale e fazem conexão com as

demais regiões do País são: BR020/242; BR040; BR316/232/122/407; BR365;

BR251; BR135; BR-101 (principal conexão com o litoral). (VALE DO SÃO

FRANCISCO, 2003).

Quanto à malha ferroviária, o Vale possui cerca de 1.900 km de ferrovias,

sendo que diversos trechos foram construídos a partir das últimas décadas do

século passado. Belo Horizonte é um importante terminal ferroviário, conectando-se

com São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador e Vitória. A ferrovia Belo

Horizonte-Salvador, incluído o ramal Corinto-Pirapora, percorre quase 1.000 km

dentro do Vale, ligando a capital mineira a Sete Lagoas, Montes Claros, Janaúba e

Monte Azul. Seguem em importância a ferrovia Salvador-Senhor do Bonfim-Petrolina

e a ferrovia Salvador-Recife, que corta o Vale próximo à foz do São Francisco,

ligando ambas as capitais a Aracaju, Propriá, Arapiraca, Palmeira dos Índios e

Maceió. De Recife, sai outra linha em direção oeste, que percorre 400 km dentro do

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Vale, até as cidades de Arcoverde, Serra Talhada e Salgueiro, no próprio Estado de

Pernambuco. Existem ainda, o plano federal de implantação da Transnordestina

(Petrolina-Salgueiro-Missão Velha) e o da ligação Brasília-Unaí-Pirapora. (VALE DO

SÃO FRANCISCO, 2003).

Na rede hidroviária do Vale, existem 2.130 km de vias navegáveis, que são:

a) no São Francisco: trecho de 1.312 km entre Pirapora e Juazeiro/Petrolina,

alcançando a barragem de Sobradinho; b) no Paracatu: trecho de 104 km entre

Porto Cavalo e a foz; c) no Corrente: trecho de 155 km entre Santa Maria da Vitória

e a foz; no Grande: trecho de 351 km entre Barreiras e a foz.

Os principais portos são Pirapora, Itacarambi, Ibotirama, Petrolina e Juazeiro.

Em 1987, foram transportados 120 mil toneladas de mercadoria, número que em

1994 caiu para 26 mil. A gipsita, até 1985, era o produto com volume mais

expressivo. Todavia, a soja produzida no oeste da Bahia tende a predominar em

termos de toneladas transportadas pela hidrovia. Em 1988, os principais produtos

transportados foram: soja (61.900 t), gipsita (53.400 t), carvão vegetal (3.400 t) e

arroz (12.500 t). (VALE DO SÃO FRANCISCO, 2003).

A transformação da via navegável em uma verdadeira hidrovia - a hidrovia do

São Francisco - conectando o Nordeste ao Sudeste (Pirapora-Petrolina/Juazeiro), é

presença constante nos planos federais de desenvolvimento hidroviário. Os

investimentos, da ordem de R$ 10 milhões, podem gerar substancial economia no

transporte de grãos do oeste baiano e do noroeste mineiro, para o abastecimento da

região Nordeste e mesmo para a exportação, pelos portos de Suape e Aratu.

Quanto ao turismo, o Vale do São Francisco se destaca pela gastronomia,

pelas cidades turísticas, pelo artesanato e folclore.

Como se pode ver, a riqueza do rio São Francisco, de sua bacia e de seu vale

é inestimável.

7.3 O Projeto de Transposição

O projeto de transposição das águas do rio São Francisco consiste na desvio

de águas desse rio para aumentar o volume da água de pequenos rios e açudes da

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região Nordestina com déficit hídrico durante o longo período de estiagem. As obras

são prioritárias para o governo no setor de infra-estrutura e, para o ano de 2007,

estavam previstos, para a execução do projeto, R$ 2 bilhões do governo.

A transposição do rio São Francisco é uma discussão antiga no governo federal. O projeto foi concebido inicialmente em 1985, ainda no âmbito do extinto DNOS - Departamento Nacional de Obras e Saneamento. Em 1999, o projeto foi transferido para o âmbito do Ministério da Integração Nacional. Atualmente, vários ministérios acompanham as ações do projeto, assim como o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (AMBIENTE BRASIL, 2004).

Segundo informações do Ministério da Integração Nacional,

O projeto em discussão pelo Governo Federal vai além da transposição das águas do Velho Chico. A transferência de água está incluída no Programa de Desenvolvimento Sustentável para o Semi-Árido e a Bacia do Rio São Francisco. A prioridade, é melhorar as condições de vida da população que vive às margens do rio ou têm no São Francisco o seu meio de sobrevivência. (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, 2005)

Pela proposta de transposição em estudo pelo governo, o rio São Francisco

doaria cerca de 60 metros cúbicos por segundo de vazão aos açudes e pequenos

rios da região e, assim, a água armazenada permitiria a interligação de açudes e

manteria o nível de água em cada um deles, garantindo o sustento de famílias que

vivem na região.

Entretanto, o próprio Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco

(2005) admite que houve uma evolução na concepção do projeto de transposição do

rio. Em 2000, o projeto de transposição era entendido como de engenharia, e a

revitalização do rio destacada secundariamente. Era um projeto planejado sem o

envolvimento do Ministério do Meio Ambiente, com a duração de dois anos, com

uma vazão média de 63,5 m³/s, na inexistência de comitê de bacia, EIA/RIMA

incompletos e obscuros e sem o devido plano da bacia hidrográfica do rio São

Francisco. (AMBIENTE BRASIL, 2004)

Já no ano de 2004, observa-se uma mudança de pensamento do Governo

Federal, não apenas no modo de execução e entendimento do projeto de

transposição, mas também na preocupação com a revitalização do rio. Destaca-se,

neste período, a premissa da revitalização do “Velho Chico” associada a um

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programa de desenvolvimento sustentável do semi-árido e da bacia do rio e o

combate à desertificação; um programa integrando o Ministério do Meio Ambiente, o

da Integração Nacional e mais dez outros ministérios, com a duração mínima de

vinte anos. A vazão contínua seria de 26 m³/s.

O governo, então, muda o foco de preocupação do projeto: o INCRA passa a

se preocupar com a estrutura fundiária para fins de reforma agrária ao longo dos

canais, instala-se o comitê de bacia participante, procede-se a um novo EIA/RIMA,

considerando a bacia do São Francisco no todo, inclusive a sua área de influência e

implanta-se um plano de bacia. O projeto volta-se para o abastecimento humano,

devendo beneficiar 12 milhões de pessoas que vivem na região do semi-árido

setentrional nordestino. Afirma-se que os 26 m³/s de água serão bombeados

incondicionalmente, através de dois eixos - Norte e Leste - para atender esses 12

milhões de pessoas. Em um segundo momento, quando a barragem de Sobradinho,

no rio São Francisco, estiver vertendo água para o mar, fato que ocorre no período

de cheia do rio e água que o Ministério da Integração Nacional considera um

desperdício, pois ela não pode ser usada sequer para a geração de energia elétrica.

Por isso, neste momento, o projeto poderá bombear até 127 metros cúbicos por

segundo. E essa água, fruto dos excedentes de água do São Francisco será

aproveitada; vai ter uso comercial. (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO

SÃO FRANCISCO, 2005)

O Ministério da Integração Nacional (2005) afirma que o projeto de

transposição do rio São Francisco, almejado pelo Governo Federal, possui um

objetivo primário e maior de levar água ao sertão nordestino, beneficiando, assim,

mais de 12 milhões de pessoas, e ainda, um secundário: desenvolver a agricultura,

a pecuária, o agronegócio e toda a região Nordeste de país.

7.4 Análise do Projeto de Transposição

Desde o século XIX, a transposição das águas do Rio São Francisco sempre

esteve na pauta política nacional. A transposição sempre foi apresentada como uma

possibilidade real de eliminar a “indústria da seca”, principalmente, na região do

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semi-árido nordestino.

Segundo Quemer (2006), a nova promessa de transposição das águas do rio

São Francisco aparece no governo do presidente Itamar Franco, apoiado por seu

ministro da fazenda, o futuro presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso -

FHC -, que esteve no poder de 1994 a 2002.

No primeiro mandato de FHC, essa temática não ganhou força por causa da

reforma do Estado. O governo esteve concentrado no processo da reforma e, por

isso, “algumas agências criadas especificamente para tratar do problema da seca

foram suprimidas ou anexadas a outros órgãos do governo de Fernando Henrique

Cardoso”. (CHRISTOFIDIS apud QUEMER, 2006, p. 228).

Ainda segundo Quemer (2006), a proposição política de transposição das

águas do São Francisco volta com força na disputa eleitoral do ano de 2002. O

governo de FHC (PSDB), por necessidade de ampliar suas bases na região

Nordeste, e porque novamente apresentava mais um intelectual paulista como

candidato à presidência da república, viu nessa proposta formas de sedimentar a

candidatura de José Serra e criar alianças com governadores de outros Estados não

governados pelo PSDB ou PFL (Partido da Frente Liberal), esse último pertencente

à base de sustentação do governo Fernando Henrique. Se o discurso acerca da

transposição fazia parte do programa dos partidos que estavam no poder, na

oposição, o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Luis Inácio Lula da Silva,

um retirante da seca e da fome nordestina, que se fez operário, líder sindical e

político em São Paulo, levantava a mesma bandeira como forma de redenção,

eliminação da seca e desenvolvimento para o agreste nordestino, o semi-árido, onde

imperava e impera a indústria da seca.

No ano de 2001, o então presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso,

sanciona o decreto de criação do CBHSF, tomando por base a portaria do Conselho

Nacional de Recursos Hídricos, de 5 de outubro de 2001 (decreto já mencionado),

que tinha como responsabilidade coordenar o processo de articulação, estruturação

e efetivação do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. A diretoria

provisória incumbiu à recém-criada Agência Nacional de Águas (ANA), para gestar

um processo de mobilização e articulação de todos os setores do Estado, da

sociedade civil e dos usuários que atuavam ou tinham interesses na bacia do São

Francisco, visando a dar sedimentação ao comitê de bacia que seria criado e

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instituído futuramente.

Em 2002, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, já no final do seu

mandato, deu posse à diretoria eleita do CBHSF. Em maio de 2003, o CBHSF iniciou

suas atividades, tendo como desafio enfrentar a degradação ambiental na bacia, que

estava levando o rio à morte. Havia a urgência de se estruturar um plano de

revitalização para a bacia do São Francisco.

Recheada de debates acalorados e polêmicos, a transposição do rio São

Francisco no semi-árido nordestino para dar fim à seca, é uma das obras principais

da campanha presidencial de Lula. O projeto, hoje intitulado Revitalização e

Integração do São Francisco, já foi remodelado inúmeras vezes, passando pelas

mãos do Ministério de Meio Ambiente, do IBAMA e da Agência Nacional de Águas, a

fim de justificar o orçamento bilionário de suas obras, em prol do maior número de

habitantes. (AMBIENTE BRASIL, 2004)

Transpor um rio de quase três mil quilômetros de extensão, nascido no

Estado de Minas Gerais, que deságua no oceano Atlântico, depois de percorrer os

Estados de Sergipe e Alagoas, e que está envolvido diretamente com a vida de

milhões de nordestinos - cerca de 20% da população - é uma obra que precisa dar

certo. O São Francisco é um rio sobrevivente, como seu povo; já passou e ainda

passa por inúmeros percalços, como a degradação constante, o assoreamento, a

poluição por efluentes domésticos e indústrias, e, assim como qualquer ser vivo, tem

seus limites.

Uma análise mais detalhada do projeto evidencia o beneficiamento da agroindústria de capital e não a familiar de uma das regiões mais cobiçadas do planeta pois suas várzeas são ricas em nutrientes e propícias ao cultivo de peixes, camarões e frutas, lembrando o rio Nilo dos tempos Egípcios. Com a crescente degradação de outras áreas férteis do planeta, a América Latina em desenvolvimento é a próxima parada da agroindústria de grande capital (TAGUCHI, 2006).

Fazendo uma análise objetiva do que propõem os idealizadores do projeto,

observa-se que, parte das águas do rio São Francisco a ser transposta funcionará

como fonte alternativa de água estável, reduzindo a problemática hídrica, facilitando

o planejamento e incentivando o investimento privado na região. Outra vertente

positiva do projeto é o aumento da infra-estrutura hídrica dos estados nordestinos,

aperfeiçoando a gestão e a administração do uso da água, tão escassa na região,

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com a instalação de cisternas que têm como função ajudar famílias pequenas,

durante o período da seca e atender suas necessidades básicas.

O projeto de transposição tem dois pontos de captação, ambos em

Pernambuco, sendo o eixo norte em Cabrobó e o eixo leste no reservatório de

Itaparica. Os dois eixos levarão a água para grandes açudes, que atuando como

depósitos, distribuirão a água aos usuários finais. O eixo norte responderá por dois

terços da transposição, com 400 km de canais, e abastecerá açudes em

Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. O eixo leste, com mais de 200

km, atenderá Pernambuco e Paraíba. (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO

RIO SÃO FRANCISCO, 2005)

Essenciais para que as águas possam transpor todas as barreiras

geográficas existentes, a fim de que cheguem aos açudes, são beneficiamentos

como a construção das estações de bombeamento, dos aquedutos, canais e túneis,

com um orçamento inicial de US$ 1,5 bilhão, no eixo norte, e US$ 0,5 bilhão, no

eixo leste.

Todo o custo da obra está inicialmente orçado em US$ 4,5 bilhões, para uma

obra que tem a pretensão de matar a sede do povo brasileiro do semi-árido

nordestino. No entanto, não há como negar que o projeto também possui, como

finalidade, que se não for primordial, é pelo menos sub-reptícia: o favorecimento das

empresas multinacionais para o agronegócio, ou seja, acelerar o incentivo à

agricultura, à criação de camarão, à indústria, o acesso ao poder econômico, e não o

atendimento dos interesses do sofrido povo nordestino. (COMITÊ DA BACIA

HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO,2005)

O projeto do governo de fazer a transposição, marcado por contradições em

seus fundamentos técnicos e políticos, traz novos desafios à sociedade civil

organizada e indica uma predileção por políticas públicas fundadas em grandes

obras, que beneficiam empreiteiras, grandes fazendeiros e produtores da região por

onde passará o canal de transposição, com total alijamento da sociedade, quando

essa se coloca em uma postura crítica, inclusive, passando o governo até a ignorar a

decisão do órgão máximo de gestão da bacia hidrográfica, o Comitê de Bacia do Rio

São Francisco.

Hoje, o rio São Francisco fornece 335 m³/s, a todos os projetos de irrigação

instalados, e apenas à Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco

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e Parnaíba (CODEVASF) tem uma outorga de água de 80 m³/s, para o projeto

Jaíba, na Minas Gerais. O projeto de transposição prevê uma vazão alocável de 360

m³/s, com uma mínima anual de 26 m³/s, média anual de 63 m³/s e máxima anual

de 127 m³/s. Ressalte-se que, se a vazão alocável do projeto será de 360 m³/s e já

existem outorgados 335 m³/s, todo o custo da transposição seria para outorgar

apenas 25 m³/s. A esta altura, algumas questões se postam: seria a transposição do

Rio São Francisco um projeto economicamente, social mente e ambientalmente

realmente viável? Não existiriam soluções a custos mais baixos, mas igualmente

eficientes, como a construção de cisternas e de pequenas barragens, a recuperação

de poços, a construção de adutoras e um competente, contínuo e progressivo

trabalho de educação ambiental com as populações da região, visando ao uso,

consumo, cuidados e manutenção adequados para o melhor aproveitamento e

preservação da água, recurso e bem, hoje, limitados?

O projeto de transposição parece difundir a idéia de água fácil e farta para

todos, o que é uma inverdade, talvez um crime, pois joga por terra todo o esforço em

se educar as populações, que vivem na bacia do São Francisco, com o objetivo de

que elas cuidem da água. Cremos que todos os estados do Nordeste têm água

suficiente para abastecer suas populações; o problema é que essa água é mal

usada, consumida e aproveitada. Resumindo, o que falta no Sertão, em nossa

opinião, não é água e, sim, uma gestão competente de águas. (VALE DO SÃO

FRANCISCO, 2003).

7.5 A Revitalização do Rio São Francisco

Antes de se ouvir falar em revitalização do “Velho Chico”, o que estava em

pauta era um assunto muito menos consensual: a transposição do rio São

Francisco. A transposição acabou se mesclando, se fundindo à revitalização, devido

à grande pressão exercida sobre o governo federal, idealizador do projeto, pois se

almeja tirar água de um rio assoreado, que recebe lixo e esgotos diariamente

despejados em suas margens, e já com escassez de água e peixes.

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O Projeto de Conservação e Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São

Francisco, num decreto assinado pelo Presidente da República, em junho de 2003,

destaca que a revitalização é o tema central da obra. Entre os programas do projeto

de revitalização estão: a regularização do rio, com barragens, o repovoamento de

peixes, a despoluição e o tratamento de esgoto em todas as regiões, a recuperação

de áreas degradadas, reflorestamentos e ações de educação ambiental.

Nos últimos três anos, foram investidos 200 milhões de reais com o objetivo

de corrigir a degradação por que passa o “Velho Chico”. Segundo Neres (2006),

para o ano de 2007, o orçamento consignado em favor da Codevasf era de 116

milhões de reais, afirma Neres (2006, p. 8).

Para a revitalização, o objetivo do governo federal, neste momento, é

concentrar as ações da Codevasf no saneamento, com a função de despoluir o rio,

recuperar os corpos d’água, promover o reflorestamento da vegetação das áreas de

nascentes e de matas ciliares, a revegetação das áreas degradadas e a retomada

da navegação fluvial, paralisada devido ao avançado processo de assoreamento do

rio São Francisco.

Destaca-se que o processo de revitalização deverá ser monitorado pelos

próximos 20 anos, pois não só o rio São Francisco tem de ser revitalizado, como

também todos os seus afluentes, como o rio das Velhas, MG, e os rios Grande e

Corrente, BA.

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8 TRANSPOSIÇÃO E PARTICIPAÇÃO?

Chegamos ao ponto central, objeto deste trabalho, que é comprovar que, até

o presente momento, o princípio constitucional da participação popular, que

concretiza o Estado Democrático de Direito, não tem sido respeitado, podendo-se

até afirmar que foi alijado pelos idealizadores do projeto de transposição do rio São

Francisco, o que comprova o pensamento do governo federal de que este princípio

é meramente idealizatório e não direito fundamental.

Demonstraremos que o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco,

comitê deliberativo e consultivo, não viu respeitadas ou acatadas as suas decisões,

quanto ao processo de transposição do rio São Francisco. Como se isso não

bastasse, os comitês e conselhos estaduais não foram ouvidos ou consultados, pois

as decisões que envolvem o projeto de transposição, foram tomadas na esfera

Federal, confirmando, assim, a clara existência de um processo autoritário e

imposto, ou seja, na ausência total do diálogo.

E, ainda, as audiências públicas, obrigatórias para a validação do processo

de licenciamento ambiental do projeto de transposição, não foram totalmente

realizadas mas, mesmo assim, o licenciamento ambiental continua em andamento,

gerido pelo Governo Federal e pelos órgãos ambientais licenciadores, outro

flagrante descaso e desrespeito ao princípio da participação popular que vem

confirmar um processo centralizado, autoritário e ditatorial.

8.1 A Participação do Comitê da Bacia do Rio São Fr ancisco no Processo de

Transposição

Já foi comentado neste trabalho, que os comitês de bacia têm como objetivo

a gestão participativa e descentralizada dos recursos hídricos, bem como garantir o

uso racional e sustentável dos recursos hídricos. Entretanto, o que se observa, após

analise de todo o processo de licenciamento do projeto de transposição do rio São

Francisco, é que o CBHSF não tem exercido suas competências e nem atingido

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seus objetivos.

Quermer (2006) afirma que o papel dos comitês de bacias hidrográficas é

crucial/central para que, na gestão, sejam validados os processos de

democratização e de controle social, no que se refere ao bem água e à Política

Nacional de Recursos Hídricos. As deliberações desse órgão podem ser

contestadas nos conselhos, mas isso não retira a realidade das bacias, isto é, que

elas são clivadas por interesses distintos, que muitas vezes se opõem ao interesse

público.

O projeto de transposição foi ratificado pelo Conselho Nacional de Recursos

Hídricos, sem uma consulta e oitiva do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São

Francisco, tanto por parte do governo, quanto pelo conselho nacional. Isso constitui,

claramente, uma afronta ao que está preceituado na legislação brasileira, que

determina a descentralização da política de água e mediante a experiência de

democracia participativa que vem sendo construída no Brasil, e que têm os comitês

de bacia como órgãos públicos responsáveis pela formulação e controle da

implementação de todo projeto desenvolvido na bacia. Como consequência, surge a

reação imediata contra o projeto, por parte do CBHSF, dos estados de Minas Gerais,

Bahia, Sergipe e da sociedade civil em todo o Brasil. (SOCIEDADE BRASILEIRA

PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA, 2005)

Destacam-se, também, algumas reações políticas, jurídicas e técnicas de

repúdio ao projeto de transposição do rio São Francisco. Nesse sentido, foram

impetradas três ações judiciais, duas pelos governos de Minas Gerais e Bahia e

outra pela Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA). O embasamento

legal para as ações impetradas referenciava o descumprimento do estabelecido na

Lei 9433, de 1997, que fundamenta a primazia ao Comitê da Bacia Hidrográfica do

Rio São Francisco. Até o mês de junho de 2006, o governo federal havia conseguido

revogar as ações impetradas na justiça, permanecendo apenas uma liminar que

impedia o início das obras. Essa liminar foi concedida pela Justiça Federal em

Sergipe.

Um estudo detalhado sobre a transposição do rio São Francisco realizado

pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), reunida em outubro

de 2004, reforçou o posicionamento do CBHSF de que o projeto de transposição

apresentava falhas técnicas e políticas. O estudo foi elaborado por pesquisadores e

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cientistas com notório saber, do Brasil e do exterior, caracterizando-se, assim, um

estudo técnico-científico.

As considerações apresentadas pela SBPC (2005) para o processo de

transposição reforçam o pensamento e o posicionamento contrário do CBHSF, dos

Ministérios Públicos Estaduais e Federal, bem como das associações ambientalistas

e de vários outros setores brasileiros, de que o projeto apresenta falhas, espaços em

branco e ínfimo objetivo social.

O primeiro ponto positivo apresentado pela SBPC (2005) é que os dados

fornecidos pelo projeto destacam que a transposição proposta aumentará,

significativamente, as garantias de fornecimento de água. Contudo, os estudos

apresentados não identificam os beneficiários dos projetos de irrigação, o que leva à

preocupação natural quanto à distribuição dos benefícios sociais que venham a ser

gerados. No tocante à determinação das necessidades hídricas para a região

receptora, não foram considerados no projeto os possíveis cenários de evolução das

demandas. A demanda para irrigação, por exemplo, pode estar superdimensionada,

fato que antecipa injustificadamente a necessidade da implantação do projeto da

transposição; quanto à taxa de crescimento adotada na região receptora para as

novas demandas, ela é consideravelmente maior do que a taxa histórica. Se a

demanda adotada não for alcançada, grande parte do investimento ficará ociosa e a

operação não será sustentável.

Os aspectos socioeconômicos destacados pelo estudo da SBPC (2005)

demonstram que projetos como o da transposição das águas do rio São Francisco

sinalizam para a necessidade de ações mais integradas e abrangentes que possam,

realmente, promover o desenvolvimento regional. É vital observar que água, por si

só, não gera desenvolvimento. É preciso produzir racionalmente, implantar sistemas

de escoamento da produção, capacitar e educar as pessoas, entre outras ações.

A viabilidade econômica do projeto foi criteriosamente analisada pela SBPC

(2005), pois um projeto dessa magnitude deve ser planejado, avaliando-se custos e

benefícios sociais e privados, com base na determinação apriori desses custos e

benefícios, para se aquilatar o real benefício do empreendimento.

Não se pode esquecer que qualquer projeto de transferência de água entre

bacias deve buscar a adesão à legislação e ao que determinam as diretrizes

políticas e institucionais dos estados, respeitando, portanto, o que está estabelecido

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nos planos de bacia. A adesão aos planos de recursos hídricos garantiria os direitos

dos usuários, o atendimento aos critérios de gestão e as necessidades e prioridades

das bacias receptoras e exportadoras envolvidas no projeto.

O relatório da SBPC (2005) destaca ainda que:

A participação é a chave para a definição das principais dimensões da aceitabilidade social do Projeto. O envolvimento da sociedade, nas discussões e negociações, ajuda a incorporar, na análise dos conflitos de uso da água, aspectos sociais e ambientais. Os comitês de bacias hidrográficas são o lócus institucional, legal e legítimo para dirimir conflitos, consensuar pactos, devendo ter como diretrizes básicas a comunicação direta, a transferência e o respeito mútuo entre todos os envolvidos. Os conflitos associados ao uso da água na bacia do rio São Francisco devem ser mediados pelos comitês envolvidos, contribuindo para a solução dos problemas relacionados com as questões sócio-ambientais, que considerem a sustentabilidade do Semi-Árido, a exclusão social e hídrica, a assistência às comunidades ribeirinhas, a degradação ambiental e à revitalização da bacia (SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA, 2005, p. 05).

Reforçando o que apresentou o relatório da SBPC (2005), Guimarães Filho,

citado por Quemer ,afirma que:

O Governo Federal em nenhum momento levou a sério os comitês, as instituições de pesquisas, pois seus dados não condizem com a realidade. O próprio EIA/RIMA apresentado pelo Ministério da Integração Nacional prevê uma demanda de consumo prioritário – humano, animal e industrial - para o ano de 2025 na ordem de 43,8 metros cúbicos por segundo. Esse volume pode ser atendido perfeitamente com os recursos hídricos disponíveis nas bacias locais existentes. Hoje, o Ceará, com uma população de 7,5 milhões de habitantes, apresenta uma oferta potencial de 215 metros cúbicos por segundo para atender um consumo de mais ou menos 54 metros cúbicos por segundo; o Rio Grande do Norte, com uma população 2,7 milhões de habitantes dispõe de uma vazão garantida de 70 metros cúbicos por segundo para atender uma demanda de 33 metros cúbicos por segundo; o caso mais grave é da Paraíba, o estado menos dotado de recursos hídricos da região, mas que mesmo assim apresenta um superávit significativo, pois sua disponibilidade é de 32 metros cúbicos para uma demanda de 21. Soluções locais são muito mais eficientes nesse caso. Por outro lado as regiões mais secas do Semi-Árido setentrional não serão atendidas. A quantidade de água requerida pelo governo se for utilizada amplamente para irrigar os 20 mil hectares que estão nas laterais do canal não sobrará água para manter a base dos reservatórios, conforme argumenta o projeto. As reais intenções ainda não foram apresentadas aos interessados e ao conjunto da sociedade. (QUEMER, 2006, p. 251)

Outro ponto que afronta claramente o poder deliberativo e consultivo dos

comitês de bacia, no caso em estudo, é que a CBHSF impediu a efetivação do

princípio da participação popular e reforçou a unilateralidade da decisão do governo

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federal. Trata-se da aprovação, em 2005, da outorga preventiva por parte da

Agência Nacional de Água (ANA), por meio da resolução 029, de 18 de janeiro 2005.

A decisão tomada por unanimidade na diretoria dessa agência acolhia os indicativos

anteriormente determinados no EIA/RIMA e nas decisões do Conselho Nacional de

Recursos Hídricos que, à revelia do Plano de Bacia, havia autorizado a execução do

projeto.

Outro golpe dado ao processo de debate e discussão foi a publicação da

Licença Prévia de nº 200/2005, de 29 de abril, concedida pelo Instituto Brasileiro do

Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). A aprovação foi efetivada

sem nenhuma garantia dada pelo propositor da obra de que ações concretas seriam

feitas, com orçamento garantido para sanar os problemas impeditivos da obra

contidos no relatório. (QUEMER, 2006)

E, após ter garantido a outorga prévia, a ANA aprova a outorga definitiva do

uso da água para o Projeto de transposição das águas do São Francisco às Bacias

do Nordeste Setentrional e concede o certificado de sustentabilidade hídrica da obra.

A partir desse momento, o Governo Federal afirma que o projeto de transposição já

tinha a sua execução como certa.

Após tudo que foi analisado, fica claro que todo o processo de tomada de

decisão envolvendo a transposição do rio São Francisco foi um processo autoritário

e imposto, afrontando abertamente o principio da participação popular e arranhando

a efetivação do estado democrático de direito.

Um confronto direto entre Estado e sociedade civil se deu, já no final de 2005,

com a greve de fome do bispo Dom Luis Cappio. A atitude do clérigo trouxe ao

cenário publico no Brasil e no exterior diversas manifestações contrárias, ou a favor,

do ato extremado de Dom Luis Cappio, fazendo com que a sociedade brasileira

discutisse o tema, e assim, participasse ativamente.

Assim, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF)

apresentou nota reafirmando o processo descentralizado e participativo

consolidando a Lei 9.433/97:

Fazendo uso de suas prerrogativas legais, definidas na "Lei das Águas" (Lei 9.433/97), o Comitê definiu que as prioridades de uso das águas do rio São Francisco, como insumo produtivo, é o atendimento às demandas internas da bacia, não autorizando o seu uso para transposições com fins econômicos, como é o caso do atual projeto do Governo Federal, em

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particular, no que se refere ao eixo norte... Solidário com o povo nordestino que sofre com a seca no semi-árido, o Comitê aprovou o uso externo das águas do rio São Francisco para abastecimento humano e dessedentação animal, em situações de escassez comprovada. O Plano de Recursos Hídricos da Bacia, ao contrário do que divulga o Ministério, deixa claro que o atual projeto de transposição trará prejuízos e sérias restrições ao desenvolvimento futuro da bacia, com perspectiva de esgotamento da disponibilidade hídrica para usos consuntivos (vazão que pode ser retirada do rio) em um horizonte de 20 anos, constituindo-se, portanto, em um projeto de transferência de emprego e renda [...].

A Diretoria do CBHSF informa à Nação Brasileira que, longe de agir de forma democrática e legal, o Governo Federal tem atropelado os princípios do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e as competências legais do Comitê e o Plano de Recursos Hídricos da Bacia, definidas na Lei da Águas (Lei 9433/97), contando para isso com a aquiescência de todas as instâncias do MMA relacionadas à gestão dos recursos hídricos e ao licenciamento ambiental do empreendimento. Apesar da Lei 9433/97 e das Resoluções do CNRH serem claras ao definir que a concessão de outorgas deve respeitar as prioridades e critérios definidos nos Planos de Recursos Hídricos da Bacia (Art.13 da Lei da Águas), a Agência Nacional de Águas concedeu outorga para o atual projeto de transposição, em franco desrespeito às decisões contidas no Plano da Bacia do rio São Francisco [...] (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, 2005).

A declaração apresentada pelo CBHSF ainda destaca que o Banco Mundial, a

SBPC e a sociedade civil são totalmente contrários ao projeto em questão.

Seria de se esperar que houvesse maior diálogo na condução de um projeto que pretende privilegiar uma região, cujos responsáveis estão sendo alertados pelas maiores autoridades de diferentes áreas de conhecimento afins de que isto será feito em detrimento da segurança hídrico-ambiental e do desenvolvimento de outra (na qual as condições climáticas e sociais são semelhantes). Tampouco os defensores do projeto de transposição não conseguiram demonstrar ser ele urgente e necessário e quais os seus reais benefícios e beneficiários. No entender do Comitê, da SBPC, do Banco Mundial e de inúmeros cientistas, a transposição nunca poderia ser o ato inicial de uma solução integrada para o semi-árido, mas a última etapa de um conjunto de ações que deveria começar por uma efetiva democratização do acesso à água, através da distribuição do estoque de água já existente, tanto na região receptora como doadora, pela revitalização da bacia do rio São Francisco e pelo investimento maciço em soluções de convivência com a seca para a população dispersa do semi-árido brasileiro, quase metade dele contido na própria bacia do rio São Francisco. Transposições envolvem questões complexas, comprometem toda a gestão das bacias envolvidas, despertam e acirram conflitos que tendem a se perpetuar e agravar-se [...](COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, 2005). Por isso mesmo, não podem ser iniciadas sem ser precedidas da necessária pactuação, de preferência no âmbito do Congresso Nacional, a exemplo de outras experiências internacionais. Com estas convicções, e sempre aberto ao diálogo que é a essência da gestão democrática do Estado, o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco lamenta que o

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Governo Federal tenha iniciado o processo licitatório das obras de transposição do rio São Francisco sem construir, no âmbito do pacto federativo, um amplo entendimento que possa reunir em torno dos mesmos objetivos os Estados Federados que compõem a Bacia doadora e as bacias receptoras (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, 2005).

O que se deduz, após tudo que foi apresentado sobre o projeto de

transposição do rio São Francisco é que não há interesse do governo federal em

que se efetive um processo amplo de democracia, com efetiva participação da

sociedade organizada, independente dos interesses defendidos. A implementação

da Política Nacional de Recursos Hídricos e a concretização da experiência do

Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco nos mostram que a democracia

participativa se desenvolve em uma esfera complexa, que apesar de interesses

diferenciados, políticos e econômicos, estamos tentando efetivar o princípio da

participação popular, esperando assim consolidar o estado democrático de direito,

enfrentando posturas autoritárias, ditatoriais e hegemônicas.

8.2 A Não Concretização da Participação Popular nas Audiências Públicas

Já mencionamos neste trabalho que a efetivação da participação popular com

vistas à concretização de uma democracia participativa pode se confirmar de várias

formas. Uma delas é a realização de audiências públicas. No processo de análise do

projeto de transposição do rio São Francisco, as realizações de audiências públicas

são obrigatórias, devido à abrangência e ao porte do empreendimento, e por ele

estar ligado ao interesse de todo cidadão brasileiro.

Em 2001, várias audiências públicas foram programadas para a discussão do

projeto de transposição em todos os Estados usuários do rio São Francisco. Em 19,

21 e 23 de março de 2001 foram realizadas, respectivamente, audiências públicas

em Souza, na Paraíba, Natal, no Rio Grande do Norte e Fortaleza, no Ceará,

durante as quais as manifestações de oposição e indignação ao projeto já se faziam

ouvir. Em 26, 28 e 30 de março de 2001, as audiências públicas de Aracaju, em

Sergipe, Penedo, em Alagoas e Belo Horizonte, Minas Gerais, tiveram de ser

suspensas, devido à falta de segurança dos representantes do Ministério do Meio

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Ambiente e por causa da obstrução de acesso dos manifestantes aos locais de

realização. As audiências públicas previstas para os dias seguintes nas cidades de

Salgueiro em Pernambuco, Juazeiro e Salvador na Bahia foram suspensas pelo

Ministério do Meio Ambiente.

Em 2005, o IBAMA realizou novas audiências públicas para a discussão do

projeto de transposição do rio São Francisco. Em 15 de janeiro, foi realizada a

audiência pública em Fortaleza, com a presença de mais de cento e sessenta

participantes. E em Natal, Campina Grande, na Paraíba e Salgueiro em

Pernambuco, o mesmo ocorreu, com a realização plena das audiências públicas.

Em janeiro de 2005, estava prevista a realização da audiência pública sobre o

Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima),

referentes ao projeto de transposição da bacia do Rio São Francisco em Belo

Horizonte, Minas Gerais. A audiência teve de ser interrompida pois, os

representantes do IBAMA não conseguiram impedir que um grupo de manifestantes

invadisse o local de realização da audiência e obstruísse o debate. Uma das

reivindicações dos manifestantes era que o governo federal incluísse no projeto o

resultado de um estudo de impacto ambiental mais detalhado, contendo a previsão

dos impactos da obra e, consequentemente, das ações para minimizar esses

impactos.

Em 27 de janeiro de 2005, a audiência estava prevista para se realizar em

Salvador, entretanto, a forte manifestação dos contrários ao processo impossibilitou

sua realização.

Em 31 de janeiro de 2005, era a vez da realização da audiência pública em

Aracaju, Sergipe, que foi cancelada pelo IBAMA. O povo sergipano foi às ruas, pela

segunda vez, inviabilizando a apresentação do estudo de impacto ambiental do

projeto de transposição que seria coordenada pelo IBAMA. Dentre as entidades que

apoiaram essas manifestações está o Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São

Francisco que afirma que o projeto de transposição não pode ser discutido em uma

audiência pública, cuja finalidade era a apresentação do projeto de revitalização do

rio São Francisco. O ponto de destaque é que o governo federal, através do

Ministério da Integração Nacional, deseja realizar audiências públicas para o projeto

de revitalização, mas englobando o projeto de transposição, como se um conjunto

os dois fossem. Fica manifesta e clara, então, a vontade do governo de ludibriar e

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enganar a população no tocante a tão importante projeto.

Em 2 de fevereiro de 2005, ocorreu, também, o cancelamento da audiência

pública que seria realizada pelo IBAMA, em Maceió, Alagoas, com o argumento de

que não havia segurança para os técnicos do órgão licenciador para a apresentação

do estudo de impacto ambiental. Assim, verificamos que a discussão com os órgãos

ambientais conjuntamente com a sociedade e os cidadãos, a respeito do projeto de

transposição do rio São Francisco, não se concretizou.

Não se pode falar em democracia participativa, e em participação popular,

nas audiências públicas realizadas pelo IBAMA, pelo simples fato de o órgão

ambiental ter, formalmente, realizado cada uma delas nos estados que abraçam o

rio São Francisco. A abertura e o encerramento meros e simbólicos das audiências

não bastam para configurar sua efetiva realização. Porém, por estranho que possa

parecer, para o IBAMA, do ponto de vista formal, as audiências públicas, mesmo as

canceladas, foram realizadas, posicionamento.totalmente questionável

A realização das audiências públicas para a discussão dos impactos

socioambientais do projeto de transposição é condição necessária para o

licenciamento ambiental da obra. Sendo assim, é obrigatória, tem de existir, tem de

ser realizada, não como mera formalidade para configurar uma pseudo participação

popular e assim, o órgão ambiental poder aprovar o projeto com a anuência da

população. A participação popular não pode ser maquiada para parecer uma

possível participação formal. As audiências públicas que não foram realizadas no

processo de transposição do rio São Francisco ocorreram assim, mascaradamente,

pois, as entidades ambientalistas, o Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São

Francisco e a sociedade verificaram que o governo federal queria, apenas, cumprir o

que determinavam as legislações ambientais relativas à participação popular no

processo decisório das questões envolvendo os recursos hídricos, que colocam

como premissa maior a analise do projeto de revitalização do “Velho Chico”, mas

cujo objetivo, e ambição maior do governo, na realidade, é a transposição do rio.

É importante destacar as ações civis públicas impetradas pelos estados de

Minas Gerais, Sergipe e Bahia contra a não realização das audiências públicas, e

ainda assim, o IBAMA ter concedido a licença prévia ao projeto de transposição. A

Resolução Conama 09/87, em seu artigo 2°, §§ 1° e 2 °, ressalta que a não

realização da audiência, quando requerida, leva à nulidade da licença concedida.

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Esse é o dispositivo legal questionado pelo Ministério Público Federal e Estadual e

pelas organizações não-governamentais ambientalistas que levantam a questão de

como o órgão ambiental federal licenciador poderia ter concedido licença ambiental

prévia ao projeto de transposição do rio São Francisco, sem o preenchimento legal

de realização de audiências públicas, conforme determina a legislação pátria? Aqui,

mais um aspecto confirmando que o governo federal adotou o princípio da

participação como mera formalidade, levando assim, à não concretização, de fato,

do princípio democrático da participação popular.

Também, como já discutido, o artigo 1°, VI, da Lei 9.433/97 determina que “a

gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação

do poder público, dos usuários e das comunidades ”, o que nos conduz à

conclusão de que o princípio da participação popular está expressamente

consagrado nesse texto (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 2002,

grifo nosso). E ainda, queremos novamente ressaltar que o direito a um meio

ambiente ecologicamente equilibrado configura um direito difuso. Em virtude da sua

natureza essencialmente comunitária e do risco que representa a atribuição

exclusiva da tutela do meio ambiente para os agentes estatais, a participação direta

da população, em matéria de meio ambiente, é fundamental, tanto para a sua

preservação quanto para a garantia dos interesses das futuras gerações.

E, finalmente, para que a participação popular seja efetiva e eficiente, é

indispensável que ela não se limite à fiscalização dos procedimentos ambientais. A

população deve participar da própria formação da vontade decisória, tanto no nível

administrativo quanto no legislativo e no judiciário.

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9 CONCLUSÃO

O desenvolvimento deste trabalho nos forneceu bases e argumentos para

respondermos às questões levantadas e concluir que o desenrolar de todo o

processo de transposição do rio São Francisco é repleto de falhas, dúvidas,

questionamentos e aponta para o favorecimento econômico e político.

Uma primeira argumentação seria que, até o momento, todo o

desenvolvimento do licenciamento ambiental do projeto de transposição do rio São

Francisco transgrediu, frontalmente o que determina a democracia participativa de

tomada de decisões, através de consulta popular, mediante audiências públicas, e o

consequente respeito às decisões dos comitês de bacia.

O artigo 225 da Constituição Federal, ao preceituar a publicidade e a

participação de todos os cidadãos nos processos de licenciamento ambiental, o fez

por ser o meio ambiente um bem de toda a coletividade, do qual todos têm o direito

de usufruir e o dever de preservar, guardar e lutar para garantir sua permanência na

Terra. Por isso, a questão ambiental não deve ser tratada de forma privatista,

individual, através da qual o interesse de um, ou de uns, se sobrepõe ao interesse

de toda uma coletividade. Não pode existir interesse privado onde a questão

ambiental se faz presente.

Entretanto, assim vem sendo tratado o projeto de transposição do rio São

Francisco. O Governo Federal age de forma privatista, conjuntamente com os

órgãos ambientais federais, empunhando uma bandeira política, talvez de caráter

eleitoreiro, cujo objetivo seria saciar a sede, matar a fome, erradicar doenças e a

miséria da população do semi-árido nordestino.

Uma análise criteriosa do projeto apoiada nos pareceres de entidades

técnico-científicas nos alertam que a transposição não atingirá o fim humanitário a

que se propõe. Afinal, a transposição interessa, sim, a uma pequena parcela da

sociedade que tem interesse em movimentar a máquina pública que vai contar com

um orçamento inicial de US$ 4,5 bilhões que, provavelmente, se prestarão para

favorecimento político e econômico.

Desse modo, revela-se o retrato dos possíveis e reais beneficiários, que são

as elites agroindústrias de grande capital, com o cultivo de peixes, camarões e frutas

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tropicais preparados para exportação. O projeto privilegia também as multinacionais,

a agricultura de grande porte, o agronegócio. Uma das propostas do projeto do

governo é saciar a sede do povo nordestino e dos animais, entretanto, com um

investimento de pequeno porte financeiro, sem destaque, sem prioridade.

A bandeira da revitalização do rio São Francisco, pelo Governo Federal, só foi

desfraldada, devido à pressão exercida pela população que vive nas vizinhanças do

rio da integração nacional, pelas entidades ambientalistas e pelos comitês de bacia.

É descabido discutir uma transposição, sem ao menos, considerar apriori a

revitalização de um rio já moribundo. É totalmente inconcebível transpor águas, na

quantidade que o projeto propõe, quando se trata de um rio perene, assoreado, com

alto índice de desmatamento e poluição de suas águas. Se o governo federal

investisse na revitalização do rio São Francisco, essa sim, bandeira que deveria ser

empunhada e defendida, a transposição não se faria necessária.

Nunca, anteriormente, o governo federal demonstrou preocupação com a

recuperação do, ou o salvamento, rio São Francisco; mas agora, sim. Por quê?

O coordenador do Programa Nacional de Revitalização de Bacias

Hidrográficas do Ministério do Meio Ambiente, Maurício Laxe, informou, no dia 16 de

fevereiro de 2007, que os recursos para a revitalização, que compreenderá

saneamento básico para as cidades que despejam esgoto no rio, replantio da mata

ciliar e recuperação das nascentes em Minas Gerais, serão de R$ 260 milhões, e

que essa verba sairá do Plano Plurianual (PPA) e do Plano de Aceleração do

Crescimento (PAC). No entanto, todo esse empenho para a revitalização, que não é

a prioridade do projeto do governo, se deve às inúmeras reivindicações de toda a

sociedade, porque o governo e as elites querem revitalizar e transpor ao mesmo

tempo.

Destaque-se que todo esse processo de revitalização do rio São Francisco

deve ser executado a longo prazo e só surtirá efeito nas próximas décadas.

Totalmente inconcebível esse posicionamento privatista.

E ainda, apesar de haver polêmica, discussões, divergências, debates e

dúvidas sobre o projeto de transposição, o Ministério da Integração Nacional

anunciou, no dia catorze de fevereiro de 2007, o investimento de R$ 483 milhões

nas obras de transposição do São Francisco. Querem investir, iniciar todas as obras

da transposição, sem a adoção de todos os procedimentos coerentes e legais para a

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concessão das licenças ambientais.

No dia doze de fevereiro de 2007, o procurador-geral da República, Antonio

Fernando Souza, entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal pedindo a

suspensão da licença ambiental para a obra de transposição da bacia do rio São

Francisco. Na mesma ação, ele pede a cassação da licença prévia concedida pelo

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.

De acordo com a Procuradoria Geral da República, no recurso, o procurador-

geral faz outras exigências, dentre elas a de que as populações indígenas da região

e o Congresso Nacional sejam consultados. No recurso encaminhado ao Supremo

Tribunal Federal, o procurador observa que são várias as violações das normas

sobre o licenciamento e o uso dos recursos hídricos apontadas nas diversas ações,

reveladas em omissões, insuficiências e inconsistências existentes no projeto.

Todo esse processo de discussão que envolve o projeto de transposição, nos

remonta à celebre frase do General Mourão Filho, representante do Brasil, em 1972,

na Conferência de Estocolmo, na qual afirmou: “Para o Brasil o que importa é o

desenvolvimento a qualquer preço”. Corroborando esse postulado, e o seguindo de

perto, o Governo Federal, através do Ministério da Integração Nacional e com a

anuência dos órgãos ambientais, IBAMA e ANA, deixa desenrolar o processo, sem o

respeito à Constituição Federal de 1988, às legislações ambientais, ao meio

ambiente, principalmente aos recursos hídricos, ao Comitê de Bacia e a vontade de

toda uma nação. O general estava certo: o que realmente importa é a transposição

do rio São Francisco a qualquer preço e com o enriquecimento cada vez mais

crescente de uma minoria abastada.

Deve-se, de forma contundente e participativa, se exigir dos cidadãos de toda

a sociedade brasileira, das entidades ambientalistas, do Comitê da Bacia

Hidrográfica do rio São Francisco e dos sub-comitês que são afluentes do rio São

Francisco, o cumprimento, por parte do governo federal, de todos os dispositivos

legais para a discussão do projeto de transposição.

O projeto, nos moldes em que está sendo apresentado à sociedade, levará à

morte do “Velho Chico” e ao favorecimento de poucos, em detrimento de muitos. As

conseqüências disso serão sofridas por todo o cidadão brasileiro e se refletirão por

todo o ecossistema do planeta, pois os desastres resultantes da degradação

ambiental no Brasil não encontrarão fronteiras, nem limites.

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O poder deliberativo e consultivo do Comitê de Bacia do rio São Francisco

tem de ser respeitado, pois assim determina a legislação pátria. A população tem o

direito de suscitar questionamentos, dúvidas e solicitar informações que devem ser

dadas nas audiências públicas que deverão ser realizadas por todo o Brasil.

A participação democrática no processo de tomada de decisões tem de

acontecer como determina nossa Constituição cidadã, e não como têm procedido os

órgãos ambientais, o Ministério do Meio Ambiente, que se utilizam da maquiagem

formal para o cumprimento de exigências legais, e na inobservância dos preceitos de

fato e de direito.

O princípio da participação ambiental não vem sendo observado e respeitado

no processo de transposição do rio São Francisco. Uma afronta privatista clara

apoiada nos interesses políticos e econômicos do governo federal, e das classes

abastadas, que podem levar a morte do “Velho Chico”. A democracia participativa

tem de ser respeitada pelos governantes no momento da tomada de decisões, sob

pena de toda a sociedade arcar com as conseqüências ambientais e fazer surgir

onde hoje existe um rio de integração nacional um grande deserto brasileiro.

Esperamos que, de alguma forma, tenhamos suscitado o aparecimento de

mais discussões e debates sobre o tema em questão, para que realmente possamos

exercer nosso direito de cidadãos, ao opinarmos sobre questões tão importantes

que nos afetam, não somente em âmbito nacional, mas também no internacional.

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