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Revista Brasileira de Ensino de F´ ısica, v. 32, n. 2, 2501 (2010) www.sbfisica.org.br Produtos e Materiais Did´ aticos O plano inclinado de Galileu: uma medida manual e uma medida com aquisi¸c˜aoautom´aticadedados (The Galileo’s inclined plane: a hands on measure and a computer assisted measure) Reginaldo R. Soares e Paulo de F. Borges 1 1 Col´ egio Agr´ ıcola Nilo Pe¸canha, Universidade Federal Fluminense, Pinheiral, RJ, Brasil 2 Centro Federal de Educa¸c˜ ao Tecnol´ ogica Celso Suckow da Fonseca, Rio de Janeiro, RJ, Brasil Recebido em 16/3/2009; Revisado em 13/5/2009; Aceito em 4/6/2009; Publicado em 17/1/2011 Neste trabalho apresentamos a uma discuss˜ao sobre o trabalho em laborat´orio realizado em um projeto de ensino em que a hist´oria da ciˆ encia foi usada como mediador na constru¸c˜ ao de ´areas de desenvolvimento cognitivo para a aprendizagem de conceitos de movimento. Ap´os a discuss˜ao dos aspectos hist´oricos e da evolu¸ ao das id´ eias sobre movimento, os estudantes foram levados ao laborat´orio e estimulados a comparar as id´ eias discutidas previamente com os resultados de medidas tomadas manualmente em um primeiro momento e com o aux´ ılio de um microcomputador e sensores de luz para aquisi¸c˜ ao autom´atica de dados em um segundo momento. A constru¸c˜ ao do experimento foi realizada com materiais de baixo custo e o software utilizado na aquisi¸c˜ ao de dados ´ e software livre LOGO. Os estudantes realizaram as medidas com um tubo de PVC colocado primeira- mente na horizontal com a finalidade de investigar o conceito de in´ ercia galileano, a seguir com o tubo inclinado investigaram se havia mudan¸cas no valor da velocidade durante o deslocamento de queda. Os recursos utilizados e o experimento s˜ao descritos em detalhe, e uma avalia¸ ao do resultado ´ e apresentada. Palavras-chave: laborat´orio de ensino, t´ ecnicas de ensino, aquisi¸c˜ ao autom´atica de dados, materiais de baixo custo, plano inclinado de Galileu. We are going to do a discussion about the lab activities in a learning Physics project. The project’s first part has used History of Science to introduce Aristotelian and Galilean concepts of movement. Project’s second part has used open lab activities and low cost materials to reproduce the Galileo’s inclined plane experiment. The experiment was developed to hands on and shows the extremely hard work to measure time manually. We have used a PVC tube with holes 20 cm separated, a small ball and a chronometer to manual measures. After this very imprecise measure it was introduced a microcomputer and LDR sensors to acquire data, make position versus time tables and draw the respective graphics. The experimental activity is open so that the students can explore, test and discuss solutions for all the process of measure, since the sensors LDR still the graphics drawing using spreadsheet. We have used LOGO free software to acquire data and process control. The tube was placed horizontally to investigate Galilean inertial behavior and inclined to investigate the free fall acceleration. An evaluation process is made. Keywords: learning lab, learning practice, real time measures, low cost materials, Galileo’s inclined plane. 1. Introdu¸c˜ ao A hist´oria da ciˆ encia pode oferecer ricas contribui¸c˜ oes ao ensino de ciˆ encias, pois possibilita conhecer sobre a vida dos f´ ısicos, sobre a f´ ısica e o fazer ciˆ encias, trazendo como complementos os aspectos humanos, sociais e cul- turais as caracter´ ısticas t´ ecnicas do conhecimento, res- gatando a evolu¸c˜ ao de conceitos e institui¸c˜ oes e, mais recentemente, trazendo concep¸c˜ oes que permearam de- terminadas ´ epocas e que hoje s˜ao vistas como alterna- tivas ou do senso comum. Deste modo a hist´oria da ciˆ encia parece ir ao encontro da necessidade de des- pertar a reflex˜ao do estudante sobre o universo f´ ısico e sobre um universo al´ em do f´ ısico, com problemas soci- ais, culturais e ´ eticos, dando a ele condi¸c˜ oes de intera- gir com esta realidade e tentar mud´ a-la. O professor pode colocar em discuss˜ao com os estudantes quest˜oes do tipo: como foram se construindo e se modificando os paradigmas da f´ ısica? Como foram superados e subs- titu´ ıdos? Quanto tempo ´ e necess´ario para que uma revolu¸ ao cient´ ıficaaconte¸ca? Essa abordagem hist´orica ´ e necess´aria para que o estudante compreenda como a ciˆ encia evolui e se desen- volve, e tenha consciˆ encia de que este desenvolvimento 1 E-mail: [email protected]. Copyright by the Sociedade Brasileira de F´ ısica. Printed in Brazil.

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Revista Brasileira de Ensino de Fısica, v. 32, n. 2, 2501 (2010)www.sbfisica.org.br

Produtos e Materiais Didaticos

O plano inclinado de Galileu: uma medida manual e uma medida com

aquisicao automatica de dados(The Galileo’s inclined plane: a hands on measure and a computer assisted measure)

Reginaldo R. Soares e Paulo de F. Borges1

1Colegio Agrıcola Nilo Pecanha, Universidade Federal Fluminense, Pinheiral, RJ, Brasil2Centro Federal de Educacao Tecnologica Celso Suckow da Fonseca, Rio de Janeiro, RJ, BrasilRecebido em 16/3/2009; Revisado em 13/5/2009; Aceito em 4/6/2009; Publicado em 17/1/2011

Neste trabalho apresentamos a uma discussao sobre o trabalho em laboratorio realizado em um projeto deensino em que a historia da ciencia foi usada como mediador na construcao de areas de desenvolvimento cognitivopara a aprendizagem de conceitos de movimento. Apos a discussao dos aspectos historicos e da evolucao dasideias sobre movimento, os estudantes foram levados ao laboratorio e estimulados a comparar as ideias discutidaspreviamente com os resultados de medidas tomadas manualmente em um primeiro momento e com o auxıliode um microcomputador e sensores de luz para aquisicao automatica de dados em um segundo momento. Aconstrucao do experimento foi realizada com materiais de baixo custo e o software utilizado na aquisicao dedados e software livre LOGO. Os estudantes realizaram as medidas com um tubo de PVC colocado primeira-mente na horizontal com a finalidade de investigar o conceito de inercia galileano, a seguir com o tubo inclinadoinvestigaram se havia mudancas no valor da velocidade durante o deslocamento de queda. Os recursos utilizadose o experimento sao descritos em detalhe, e uma avaliacao do resultado e apresentada.Palavras-chave: laboratorio de ensino, tecnicas de ensino, aquisicao automatica de dados, materiais de baixocusto, plano inclinado de Galileu.

We are going to do a discussion about the lab activities in a learning Physics project. The project’s firstpart has used History of Science to introduce Aristotelian and Galilean concepts of movement. Project’s secondpart has used open lab activities and low cost materials to reproduce the Galileo’s inclined plane experiment.The experiment was developed to hands on and shows the extremely hard work to measure time manually. Wehave used a PVC tube with holes 20 cm separated, a small ball and a chronometer to manual measures. Afterthis very imprecise measure it was introduced a microcomputer and LDR sensors to acquire data, make positionversus time tables and draw the respective graphics. The experimental activity is open so that the students canexplore, test and discuss solutions for all the process of measure, since the sensors LDR still the graphics drawingusing spreadsheet. We have used LOGO free software to acquire data and process control. The tube was placedhorizontally to investigate Galilean inertial behavior and inclined to investigate the free fall acceleration. Anevaluation process is made.Keywords: learning lab, learning practice, real time measures, low cost materials, Galileo’s inclined plane.

1. Introducao

A historia da ciencia pode oferecer ricas contribuicoesao ensino de ciencias, pois possibilita conhecer sobre avida dos fısicos, sobre a fısica e o fazer ciencias, trazendocomo complementos os aspectos humanos, sociais e cul-turais as caracterısticas tecnicas do conhecimento, res-gatando a evolucao de conceitos e instituicoes e, maisrecentemente, trazendo concepcoes que permearam de-terminadas epocas e que hoje sao vistas como alterna-tivas ou do senso comum. Deste modo a historia daciencia parece ir ao encontro da necessidade de des-

pertar a reflexao do estudante sobre o universo fısico esobre um universo alem do fısico, com problemas soci-ais, culturais e eticos, dando a ele condicoes de intera-gir com esta realidade e tentar muda-la. O professorpode colocar em discussao com os estudantes questoesdo tipo: como foram se construindo e se modificando osparadigmas da fısica? Como foram superados e subs-tituıdos? Quanto tempo e necessario para que umarevolucao cientıfica aconteca?

Essa abordagem historica e necessaria para que oestudante compreenda como a ciencia evolui e se desen-volve, e tenha consciencia de que este desenvolvimento

1E-mail: [email protected].

Copyright by the Sociedade Brasileira de Fısica. Printed in Brazil.

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nao e linear, isto e, tem idas e vindas. Aprender cienciae tambem ter um conhecimento ainda que mınimo, dasquestoes envolvidas no fazer ciencia. Outra abordagemque merece nossa atencao diz respeito ao uso de novastecnologias no ensino de ciencias, especificamente o usodo microcomputador no ensino de fısica. Varias temsido as tentativas de possibilitar essa nova abordagem,apontando para a utilizacao das novas tecnologias de in-formacao e comunicacao no ensino de ciencias, ja que ocomputador e a Internet estao cada vez mais presentesem quase todas as areas. Neste trabalho, realizamoscom estudantes de uma escola publica rural, uma abor-dagem historica dos conceitos principais sobre o movi-mento a partir da discussao destes conceitos desdeAristoteles ate Galileu e Kepler [1]. Nosso objetivo eutilizar a historia da ciencia como um mediador no sen-tido de Vigotskii, capaz de facilitar a criacao de areas dedesenvolvimento cognitivo nos estudantes. Uma apre-sentacao dos textos historicos e sua discussao com osestudantes divididos em grupos e realizada primeiro. Aseguir, uma atividade de laboratorio e proposta parainduzir uma discussao dos fenomenos observaveis. Aevolucao das ideias e o conceito de revolucao cientıficasao expostos e aos estudantes e dada uma ideia de comose faz a ciencia

2. A importancia do laboratorio no en-sino de ciencias

Desde a decada de 60 que o ensino de ciencias em gerale de fısica em particular passou a valorizar as ativi-dades de laboratorio como um recurso didatico capazde estimular e desenvolver no estudante o interesse pelaciencia. Varios projetos foram desenvolvidos por uni-versidades americanas, cujos efeitos foram posterior-mente sentidos, com maior ou menor intensidade, emoutros paıses, inclusive no Brasil, como PSSC (PhysicalScience Study Committee) na fısica, CBA (ChemicalBond Approach) na quımica e BSCS (Biological Sci-ence Cirriculum Study) na biologia. Apesar de um altoinvestimento de recursos e esforcos ter-se concentradona disseminacao daqueles projetos, o seu uso nas esco-las nao ocorreu no nıvel esperado. Uma caracterısticabasica desses projetos foi a grande importancia alo-cada a estrutura das disciplinas com escassa atencaosendo dada as aplicacoes tecnologicas e aos aspectospessoais e sociais. A visao predominante era que oseducadores deveriam ensinar aos estudantes o mundovisto, conhecido e experimentado pelos cientistas, semdeixar espaco para as questoes dos estudantes, para assuas concepcoes e para suas perspectivas. Com essaimagem fechada de ciencia, essa concepcao empirista -indutivista da ciencia, a qual Chalmers [2] denominade indutivismo ingenuo, assume-se que o conhecimentocientıfico e a verdade provada e descoberta e que temorigem no acumulo de observacoes cuidadosas de algumfenomeno por uma mente livre de pre-concepcoes e sen-

timentos que aplica o metodo cientıfico para chegar ageneralizacoes cientificamente validas. Essa concepcaode ciencia acaba por conferir um peso excessivo a ob-servacao, em detrimento das ideias previas e da imagi-nacao dos estudantes. Em Araujo e Abib [3], os autoresfazem uma analise das publicacoes envolvendo ativi-dades experimentais entre 1992 e 2001 em periodicosnacionais. Nesta pesquisa foram utilizados a RevistaBrasileira de Ensino de Fısica, a Revista Fısica na Es-cola e o Caderno Brasileiro de Ensino de Fısica e, se-gundo os autores, seu resultado mostra que a experi-mentacao continua sendo um assunto de grande inte-resse de pesquisadores da area, apresentando uma am-pla gama de enfoques e finalidades no ensino de fısica.Pode-se verificar a importancia do uso de atividades ex-perimentais, constatada nesta pesquisa, em que, inde-pendente da linha ou modalidade adotada, que todos osautores sao unanimes em defender o uso de atividadesexperimentais, considerando que sao fundamentais paraestimular a participacao ativa dos estudantes, desper-tar sua curiosidade e interesse e propiciar um ambientemotivador e agradavel, rico em situacoes novas e de-safiadoras [3]. Em geral, existem tres objetivos para oensino de laboratorio: a aprendizagem de habilidades,habitos, tecnicas e manuseio de aparelhos; a aprendiza-gem de conceitos, relacoes, leis e princıpios e a apren-dizagem da experimentacao [4]. Trumper [5] acres-centa um quarto objetivo: atitudes (curiosidade, fran-queza, realidade, objetividade, precisao, e cooperacaoem trabalho de equipe). No laboratorio tradicional,o estudante realiza atividades praticas envolvendo ob-servacoes e medidas, acerca de fenomenos previamentedeterminados pelo professor. Muitas destas atividadesnao sao relevantes do ponto de vista dos estudantes,ja que tanto o problema como o procedimento para re-solve-lo estao previamente determinados como ”livrode receitas”pelo professor. Alem disso, no laboratoriotradicional, estruturado, as operacoes de montagem nolab, as atividades de coleta de dados e os calculos paraobter respostas esperadas consomem muito, senao todoo tempo disponıvel restando pouco tempo para queos estudantes analisem e interpretem os resultados eo proprio significado da atividade realizada. SegundoBorges

A questao que se coloca e: o laborato-rio pode ter um papel mais relevante paraaprendizagem escolar? Se pode, de que ma-neira ele deve ser organizado? [6]

Sim, o laboratorio pode, e deve ter um papel maisrelevante para a aprendizagem de fısica em particular ede ciencias em geral, o que precisamos e encontrar novasmaneiras de usar as atividades pratico-experimentaismais criativas e eficientes e com propositos bemdefinidos, mesmo sabendo que isso apenas nao e solucaopara os problemas relacionados com a aprendizagem de

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ciencias. Entretanto, as deficiencias formativas obser-vadas nos estudantes poderiam implicar na necessidadede uso da experimentacao baseada em um modelo es-truturado nas etapas iniciais, enquanto em uma etapaposterior, quando os estudantes ja estariam familiari-zados com o laboratorio, poderiam ser utilizadas abor-dagens nao estruturadas. O laboratorio estruturadotalvez seja mais apropriado para facilitar a aprendiza-gem de conceitos, relacoes, leis e princıpios de conheci-mentos ja ensinados em aula teorica, mas que carecemde ilustracao ou comprovacao, a fim de que sejam as-similados pelos estudantes [7]. Por outro lado, o labo-ratorio nao estruturado parece igualmente apropriadopara facilitar a aprendizagem de conceitos, relacoes,leis e princıpios, porem parece igualmente adequadopara facilitar a aprendizagem da experimentacao, poisos estudantes tem que tomar decisoes de como realizaras experiencias para alcancar os objetivos pretendidos.Este tipo de laboratorio possibilita aos estudantes o de-senvolvimento da capacidade de observacao, da descri-cao de fenomenos, do teste de hipoteses e ate de re-elaboracao de explicacoes causais, aspectos que contri-buiriam para facilitar a reflexao e o progresso intelectualdos estudantes. Segundo Barbosa,

Empregando-se a experimentacao comlaboratorio nao estruturado verifica-se queha uma maior eficiencia quanto a ocorrenciade mudanca conceitual nos estudantese, consequentemente, maior facilidadede aprendizagem de conceitos cientıficosquando se utiliza um ensino experimentalbaseado em uma abordagem que exploraeste tipo de atividade em comparacao como ensino tradicional. [8]

Moreira e Levandowski classificam as atividades delaboratorio em tres abordagens distintas: o laboratorioprogramado, o laboratorio com enfase na estrutura doexperimento e o laboratorio sob um enfoque episte-mologico [4]. A primeira abordagem das atividadesexperimentais, do laboratorio programado ou estrutu-rado, onde o professor ou instrutor da ao estudanteinstrucoes detalhadas que o guiam atraves de um pro-cedimento destinado a produzir certos resultados es-pecıficos. A segunda abordagem das atividades ex-perimentais tenta fazer com que o estudante identi-fique a ”estrutura do experimento”em si e a relacaoentre experimentacao e teoria. Segundo Moreira eLevandowski [4] ”identificacao da estrutura de um ex-perimento e a identificacao do fenomeno (evento) fısicobasico envolvido no experimento, da questao basica sobinvestigacao, dos conceitos fısicos relevantes (conceitos-chave) e seus relacionamentos, do metodo (sequencia depassos do procedimento experimental), dos resultadose da importancia desses resultados. A terceira abor-dagem, o laboratorio sob um enfoque epistemologico,e uma extensao da segunda, pois entra mais a fundo

na questao da analise da estrutura de um experimentode laboratorio, ou seja, vai alem da identificacao dofenomeno (evento) de interesse, da questao basica, dosconceitos-chave, do metodo, dos resultados e do valordesses resultados, pois procura relacionar todos essesaspectos sob um enfoque epistemologico, isto e, procuraentrar na questao da natureza do conhecimento e decomo ele e produzido. Tamir [9] propoe um sistemade classificacao das atividades investigativas entre labo-ratorio estruturado e nao estruturado dividido em qua-tro nıveis: No nıvel 0, o qual corresponde aproximada-mente ao extremo de ”laboratorio estruturado”, sao da-dos o problema, os procedimentos e aquilo que se desejaobservar/verificar, ficando a cargo dos estudantes cole-tar dados e confirmar ou nao as conclusoes. No nıvel 1,o problema e os procedimentos sao definidos pelo pro-fessor, atraves de um roteiro, ficando a cargo dos estu-dantes coletar os dados indicados e obter as conclusoes.No nıvel 2, apenas a situacao-problema e dada, ficandopara os estudantes decidir como e que dados coletar,fazer as medicoes necessarias e obter conclusoes. Fi-nalmente, no nıvel 3, o mais aberto de investigacao, oestudante deve fazer tudo, desde a formulacao do pro-blema ate chegar as conclusoes. Atraves de relatos queincentivam o uso de atividades experimentais no ensinode fısica, estas sao vistas como uma das maneiras detentar amenizar as dificuldades encontradas e tornar aaprendizagem desta disciplina mais eficaz. Entretanto,sabe-se que a pratica de atividades experimentais naoe comum na maioria das escolas de nıvel basico.

Ha ainda evidencias de pesquisas [10–14] sugerindoque o uso de computadores como ferramentas de labo-ratorio possibilitam novas maneiras de desenvolver con-ceitos fısicos nos estudantes e permitem que os mes-mos planejem seus experimentos, proponham questoes,facam e testem previsoes, coletem e analisem dados,alem de contribuir para reforcar a habilidade em in-terpretar graficos e resultados. Pelo fato de permi-tir interatividade e uma experiencia concreta de coletade dados em tempo real, os laboratorios baseados emcomputadores deixam mais tempo para os estudantesse dedicarem a atividades mais centrais para o pensa-mento crıtico, para a solucao de problemas e para con-strucao de conceitos cientıficos [10]. Segundo Borges,

Alternativas que tem o potencial depropiciar aos estudantes atividades rele-vantes e motivadoras, que os desafiem autilizar suas habilidades cognitivas paraconstruırem modelos mais robustos, ca-pazes de dar sentido as suas experienciascom o mundo, envolve o uso de simulacoesem computador e os laboratorios investiga-tivos baseados em computadores combina-dos com sensores de varios tipos. [6]

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3. O computador no laboratorio

No ensino de ciencias, Hagg e cols. [12–14] afirmamque: ”Nas ciencias em geral e na fısica em particular,o computador vem sendo macicamente utilizado para acriacao de complexos modelos cientıficos que nao pode-riam ser realizados sem o seu auxılio”. Entretanto, naescola, o computador tem sido usado como simples fontede consulta, geralmente utilizando sıtios de busca pararealizar ’pesquisas’ e apresentacao de trabalhos, sejaatraves de textos ou apresentacoes tipo slides. Hagg ecols. [12–14] apontam tres fatores para que o computa-dor seja utilizado desta forma: somente nos ultimosanos computadores estao sendo introduzidos nas esco-las, porem com crescimento consideravel, o que indicaque em pouco tempo sera universalizado; o desconheci-mento por parte da maioria dos professores da possibili-dade de confeccao de sistemas de aquisicao automaticade baixo custo e facil desenvolvimento, o que de certaforma vem sendo combatido com o aumento dos cursosde formacao continuada e de cursos de pos-graduacaoem ensino de ciencias; e, ate recentemente os sistemasde aquisicao de dados disponıveis requeriam interfacesexternas ao computador, importadas e caras (so muitorecentemente surgiram ofertas nacionais). Os primeirosfabricantes de interfaces comerciais foram a Pico [15],Pasco [16], Phywe [17], etc. em que geralmente o hard-ware utilizado para a automatizacao das medidas e uma“caixa-preta”, cujo funcionamento e considerado irrele-vante nas atividades experimentais.

Os softwares de aquisicao de dados sao em geralsofisticados, fornecendo graficos, tabelas e possibilidadede tratamentos estatısticos, mas sao sistemas fechados,nao acessıveis ao usuario, alem de caros. No Brasil, so-mente ha poucos anos algumas empresas, como Cidepe[18], Impac [19] e Maxwell Metalurgia e EquipamentosCientıficos [20], comecaram a produzir equipamentos delaboratorio que utilizam o microcomputador. Algunsartigos publicados demonstram a utilizacao de inter-faces comerciais em diversas areas do ensino de fısica.Como por exemplo, Cavalcante e Tavolaro [21] fazemmedidas da aceleracao da gravidade, de coeficientes deatrito e de temperatura com sistemas da Pasco, Verniere Phywe, assim como discutem as possibilidades de uti-lizacao dessas interfaces como os cuidados que devemser tomados quando se usam estes sistemas comerciais.Todo sistema de aquisicao de dados necessita de um sen-sor para converter alguma grandeza fısica em um sinaleletrico que posteriormente e enviado ao microcom-putador para a coleta e analise dos dados. Atualmenteha no mercado uma enorme quantidade de componenteseletronicos de baixo custo que podem ser utilizadospara este fim, sensores simples como LDR (Figs. 1 e2) (Light Dependent Resistor) para medidas de tempoe posicao, NTC (Figs. 3 e 4) (Negative TemperatureCoefficient) ou PTC (Fig. 5) (Positive TemperatureCoefficient) para medidas de temperatura, ‘reed-switch’

como chave magnetica, potenciometros, fotodiodos, mi-crofones etc. Estes sensores podem ser conectados asportas serial, paralela e USB do microcomputador, de-pendendo do que se pretende medir e do aparato expe-rimental, se a medida e analogica (contınua) ou digital(ligado ou desligado).

Figura 1 - LDR.

Figura 2 - Esquema em que um LED ilumina um LDR mostrandoo efeito de inserir um obstaculo opaco.

Figura 3 - NTC.

Figura 4 - NTC1.

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Figura 5 - PTC. http://www.arquimedes.tv/sens/temperatur.htm, 12/1/2006.

Figura 6 - Fotografia da porta de som e funcao dos pinos decontato.

A utilizacao da placa de som como interface entre omicrocomputador e o mundo externo e muito facil de serimplementada, pois dispensa o uso de circuitos exter-nos. Alem disto, a maior parte dos microcomputadoresatuais ja possui placa de som ou elas podem ser adquiri-das por baixos valores, nao sendo necessario alterar aconfiguracao do microcomputador para sua instalacaoe uso. Dentre as varias medidas via placa de som desta-camos a apresentada por Cavalcante e cols. [22,23] queestudam colisoes mecanicas atraves do som e fazem me-didas da velocidade do som no ar; Aguiar e cols. [24,25]determinam o valor da aceleracao da gravidade a par-tir do estudo do coeficiente de restituicao em colisoesmecanicas e tambem medem o perıodo de um pendulocomo funcao da amplitude; Montarroyos e cols. [26]apresentam um sistema de geracao e aquisicao de sinaiseletronicos que simula um gerador de funcoes e um os-ciloscopio, comparando o sinal observado em um os-ciloscopio comercial com o detectado pela placa de som;Montarroyos e cols. [27] discutem a decodificacao dasfuncoes de um controle remoto de TV. O esquema daporta de jogos esta mostrado abaixo, conforme descritopor Aguiar e Laudares [28].

Esta porta e constituıda de um soquete de 15 pinoscomo mostrado na Fig. 6, geralmente colocada na placade som, sendo que neste caso, dois de seus 15 pinos saodedicados a porta MIDI (Musical Instruments DigitalInterface). Os pinos 1, 2, 8 e 10 sao utilizados para as

medidas, Tabela 1. O principal motivo para se usar estaporta para coleta de dados em um laboratorio didatico ea seguranca e facilidade com que podemos conectar sen-sores, que devem ter como caracterıstica a variacao daresistencia em funcao da grandeza fısica que se pretendemedir. Assim, e possıvel monitorar esta grandeza, re-gistrar a sua evolucao temporal em intervalos de tempomuito pequenos, da ordem de 3 a 15 milisegundos, emanipular dados que dificilmente seriam alcancaveis emum laboratorio didatico convencional. Uma outra pos-sibilidade de realizar a coleta de dados e usar o propriomouse como sensor (Figs. 7 e 8), dependendo do experi-mento e necessario fazer algumas pequenas alteracoes.Para fazer as alteracoes no mouse para as atividadesde medidas de tempo, e necessario entender como e ofuncionamento do mesmo. O movimento da mao dousuario e transmitido, atraves de uma bolinha embor-rachada, a dois eixos perpendiculares que possuem emuma de suas extremidades, uma roda com cerca de 50 a80 aberturas radiais que permitem a passagem de luz.Cada uma dessas rodas fica situada entre um emissorde luz infravermelho (LED) e um receptor sensıvel a luz(fototransistor). Numa dada posicao do mouse (conse-quentemente da bolinha e das rodas) e possıvel ocorreras seguintes situacoes: os dois sensores recebem luz,um dos sensores recebe luz e nenhum dos sensores re-cebe luz. a medida que movimentamos o mouse altera-mos essas configuracoes, mudando as condicoes de luze sombra no conjunto dos dois receptores (fototransis-tor), ocorrendo mudanca na direcao e na velocidade docursor na tela do computador. Para transformar ummouse em um sensor de coleta de dados como tempo, enecessario somente soltar os receptores (fototransistor)e liga-los novamente, mas com um fio (de 30 a 50 cm)para que possamos coloca-los no experimento. Nasatividades propostas e desenvolvidas nesta pesquisa uti-lizamos dois fototransistores do tipo LDR conectadoscom o pino 5,0 V da porta de jogos. Estes sensores(foto-transistor) foram colados em dois pontos diferen-tes em um tubo de PVC por onde passa uma bolinhade ping-pong, ou uma bolinha de mouse. Quando estesos valores para estes pontos estao registrados passa-separa os seguintes. Um aspecto importante e o soft-ware necessario para a coleta e analise de dados, quepode ser livre (freeware) ou parcialmente livre (share-ware) e podem ser obtidos na Internet. Alguns exem-plos sao linguagens de programacao como Pascal, Visu-alBasic, Delphi, C++, LOGO e planilhas eletronicascomo Excel. Aguiar (2001) [28] utiliza a linguagemLOGO para aquisicao e analise dos dados. Aguiar eLaudares [28] destacam ainda dois pontos em que aaquisicao automatica de dados pode ser fundamental:indispensavel no estudo de eventos que requeiram medi-das muito frequentes ou em experimentos que envolvemmedicoes de tempo em fracoes de segundos e a coletamanual e impossıvel; desejavel para medidas de eventosque se estendem por longos intervalos de tempo, maior

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precisao nas medidas e para se dispor de um grandenumero de medidas ja digitalizadas. Nestes casos, oregistro de dados pode ser possıvel manualmente, mastorna-se tedioso. Dentre os softwares que podem serutilizados para coleta automatica de dados foi escolhi-do a linguagem de programacao LOGO por ser facil aaprendizagem e o entendimento e possibilita algumasalteracoes pelos proprios estudantes, alem de ter os co-mandos em portugues. Imagens do mouse podem servistas em [29]

Tabela 1 - Valor dos pinos da porta de jogos

Pino II Funcao

01 I +5 Volts02 botao A103 potenciometro X104 terra05 terra06 potenciometro Y107 botao B108 +5 Volts (ou sem uso)09 +5 Volts10 botao A211 potenciometro X212 terra (ou porta MIDI)13 potenciometro Y214 botao B215 +5 Volts (ou porta MIDI)

Figura 7 - (a) Mouse mostrando os sensores e a conexao aos fios.(b)

4. O plano inclinado: os recursos paracoleta de dados

Para realizar a experiencia, vamos utilizar um tubo dePVC (de 40 mm) de 1,5 m de comprimento, com pe-quenos furos colocados em pares e cada par separado

de 20 cm em 20 cm (Figs. 9 e 10). Para o procedimentomanual foi utilizado um apoio para o tubo permanecerinclinado e uma rampa para o lancamento horizontal.As medidas foram feitas com regua e cronometro. Otempo de resposta dos estudantes a um estımulo ex-terno influenciou bastante na qualidade das medidas.Para o procedimento auxiliado por computador os pas-sos a seguir foram realizados: Em um dos furos foramcolocados sensores (foto-celulas, LDR) e pelo outro furoa luz ambiente incide no interior do tubo. As boli-nhas do mouse ou de vidro sao soltas na extremidadedo tubo e o atravessam. Quando as bolinhas passampela posicao onde o tubo esta furado, impedem a luzde alcancar o sensor, permitindo a passagem de cor-rente no circuito. Este sinal e coletado na porta de da-dos do microcomputador. Para realizar as medidas detempo com o auxilio do microcomputador, e necessariofixar os sensores LDRs (Resistencia Dependente de Luz- Figs. 1 e 2) nos furos do cano de PVC, e conecta-los aporta de som (joystick) do microcomputador (Fig. 6).O software de aquisicao automatica de dados foi escritoem linguagem LOGO, e foi configurado para armazenaros dados no formato XLS, que pode ser lido em umaplanilha EXCEL. Quando deixamos a bolinha descerpelo cano de PVC, a luz e impedida de iluminar o sensorLDR, ocorre uma diminuicao da incidencia de luz sobreo mesmo suficiente para mudar a sua resistencia, al-terando a tensao e a corrente. Essa alteracao na tensaoe suficiente para ser detectada pela porta de som domicrocomputador, que e lida pelo programa em LOGOe associada a medida de tempo, Figs. 11 a 13. Os gra-ficos relativos ao movimento serao construıdos com oauxılio da planilha EXCEL.

Figura 8 - Tubo de PVC exibindo a furacao. Quando a bolinhapassa bloqueia a luz sobre o sensor e o sinal e registrado.

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Figura 9 - Conexao dos cabos do sensor ao computador.

Figura 10 - Os sensores conectados ao computador sao fixadosem um dos furos do tubo de PVC.

Figura 11 - LDR que recebe luz apenas em uma face. Estessao colados fechando um dos furos e sendo iluminado pelo outro.Uma perna conecta em 5 V e a outra no respectivo botao.

4.1. Coleta manual

Procedimento

Os recursos mostrados acima foram utilizados de duasformas diferentes: na primeira o movimento da bolinhafoi visto com os olhos dos estudantes, registros dotempo marcado em um cronometro eram feitos pe-los alunos quando a bolinha passava pelos buracos notubo. Esta aula foi realizada no laboratorio didaticono dia de aula da disciplina Laboratorio Interdiscipli-nar. O professor iniciava a aula dizendo que o obje-tivo era verificar se Galileu tinha razao em relacaoas suas conclusoes que contestavam as concepcoes deAristoteles, como haviam estudado na aula anteriora partir da abordagem historica. Ele apresentava omaterial disponıvel para realizar a experiencia, con-tendo um tubo de PVC com cinco furos, uma regua,uma balanca, um cronometro e algumas bolinhas degude, do mouse e de ping-pong. Continuava questio-nando o que se deveria medir e como fazer para realizartais medidas, para comprovar ou nao as afirmacoes deGalileu? Em seguida sugeria que, depois de resolvi-das as questoes anteriores, realizassem a experienciaquantas vezes achassem necessarias e anotassem osdados medidos em tabelas, que poderiam ser repre-sentadas atraves de graficos. Durante aproximada-mente quinze minutos os grupos fizeram uma releiturado ultimo texto fornecido pelo professor, onde haviauma descricao resumida da experiencia realizada porGalileu, discutiram as questoes sugeridas pelo profes-sor e comecaram a realizar a experiencia. Todos osgrupos decidiram, depois da discussao, que se deve-ria medir a massa da bolinha, as distancias entre osfuros no tubo de PVC e os respectivos tempos que abolinha gastava para passar pelos furos, que eram fixoscom uma distancia de 20 cm entre eles. Nenhum dostres grupos das tres turmas propos medir e realizar amesma experiencia com bolinhas diferentes, isto e, com

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bolinhas de massas e tamanhos diferentes. Todos osgrupos realizaram primeiro a experiencia com o planoum pouco inclinado, apoiando o tubo de PVC sobre al-guns cadernos e mantendo-o com uma inclinacao fixa ebem definida. Escolher uma bolinha e deixa-la descer,medindo o tempo gasto entre os dois primeiros furose anotar na tabela. Repetir o processo ate o ultimofuro do cano de PVC. Na horizontal o tubo e fixado nabancada com fita adesiva. Em uma de suas extremi-dades, colocar um livro, caderno ou revista um poucoinclinado, fixando-o a bancada, para fixar uma alturade lancamento e garantir que a bolinha sempre entra notubo com a mesma velocidade. Soltar a bolinha destaaltura fixa a cada vez que as medidas eram repetidas.Com os resultados do plano na horizontal fazer a com-paracao entre os dois conjuntos de medidas e verificarse em ambas a velocidade era constante, como afirmavaAristoteles, ou diferente e com aceleracao no plano incli-nado como afirmava Galileu. Todos os grupos tiverammuita dificuldade em realizar as medidas de tempo, poise muito rapida a passagem da bolinha pelos buracos, oque fez com que os grupos adotassem estrategias dife-rentes para realiza-las. Os grupos montaram as tabelaspara anotar os valores medidos das posicoes e dos res-pectivos tempos, e em seguida realizaram as medidasentre os furos. Os grupos comecaram a fazer as medi-das de tempo a partir do primeiro furo no tubo de PVCde cima para baixo, mas como era muito rapido naoconseguiram, e passaram a desprezar este primeiro furotentando fazer as medidas nos furos seguintes. Mesmoassim as dificuldades de se conseguir realizar as me-didas continuaram. Quando resolveram trocar o estu-dante que estava cronometrando, a diferenca entre ostempos de resposta individuais se tornou crıtica, sendonecessario duas ou mais trocas. Realizadas as medi-das dos tempos e anotados na tabela os dados para oplano inclinado, passaram para a segunda parte da ex-periencia, ou seja, repetir todo o processo, mas como plano na horizontal. Os grupos foram orientadospelo professor a colocar um suporte, um caderno oulivro inclinado, na entrada do tubo de PVC e deixara bolinha descer sempre de um mesmo ponto. Pas-saram rapidamente a realizar as medidas onde nova-mente foi impossıvel medir o tempo para o primeirofuro, sendo este desprezado, considerando os cinco furosseguintes. As medidas foram feitas e anotadas na tabelaa qual utilizaram para construir graficos de posicao xtempo. Nenhum componente desses grupos fez a pro-posta de realizar a experiencia com outra(s) bolinha(s)de massa(s) diferente(s), o que poderia comprovar queas massas nao interferem no movimento de queda doscorpos, como afirmava Galileu. Com as tabelas devida-mente anotadas o professor orientou a construcao dosgraficos e sugeriu que, se em algum deles nao fosse en-contrada uma reta, que se tentasse refazer o grafico,mas da posicao x tempo ao quadrado, o que acabousendo necessario. Novamente as dificuldades encon-

tradas para a construcao dos graficos foram motivo demuita discussao entre os estudantes.

4.2. O plano inclinado: coleta automatica

O professor repetiu os processos iniciais como na co-leta manual e quando se aproximou o momento derealizar as medicoes pediu um minuto de atencaopara mostrar uma maneira diferente de fazer as me-didas, isto e, realizar as medidas de tempo sem usaro cronometro. Proximo a cada grupo ja havia umalampada de emergencia conectada a uma tomada e queestava apagada, quando o professor pediu para que umestudante de cada grupo pegasse um pedaco de pa-pel e colocasse na frente da lampada, bem proximodo vidro. O que foi prontamente atendido pelos estu-dantes e que puderam verificar que a lampada acendeu,ou seja, enquanto havia luz sobre o vidro da lampadade emergencia esta continuava apagada, mas quandoa luz era interrompida, a lampada acendia. O profes-sor chamou atencao para o sensor de luz, LDR (Re-sistencia Dependente de Luz), que se encontra logoapos o vidro, mostrando uma lampada de emergenciadesmontada, fazendo uma breve descricao de seu fun-cionamento tendo um LDR em suas maos. Em seguidadistribuiu LDRs ligados por um fio e explicou onde de-veriam ser ligados, apontando para o quadro onde haviaum desenho da porta de som (joystick) do microcom-putador. Pediu para que os grupos identificassem essaporta no microcomputador que estava no laboratorio,o que foi atendido com muita facilidade. Continuando,explicou cada pino da porta de som, a diferenca en-tre sinal digital e analogico, e em quais pinos eles de-veriam ligar os fios conectados aos LDRs. Uma des-cricao precisa das ligacoes com os codigos em LOGOpode ser encontrada em Aguiar e Laudares (2001) [28].Como os computadores ja estavam ligados e o pro-grama aberto e minimizado, o professor pediu que osestudantes ligassem os fios nos pinos indicados e ini-ciassem o programa para aquisicao de dados, o qualpedia algumas informacoes para iniciar as medidas detempo. Em seguida o professor sugeriu que os estu-dantes fizessem sombra e luz bem proxima dos sensoresLDRs para que pudessem verificar o seu funcionamentoe a velocidade com que respondiam a presenca ou faltade luz. Os grupos realizaram esta atividade com entu-siasmo e com certa admiracao do que estavam presen-ciando durante dez a quinze minutos. Depois que osgrupos ja estavam familiarizados com o novo aparelhopara medida de tempo o professor sugeriu que voltassemsuas atencoes para o plano inclinado de Galileu e quefizessem as medidas necessarias. Todos os grupos mon-taram primeiro o plano um pouco inclinado, colocandolivros e / ou cadernos embaixo de uma extremidadedo tubo de PVC, soltando a bolinha para verificar seela descia sem agarrar no meio do cano. Em seguida,colocaram um sensor LDR no primeiro furo no tubo de

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PVC bem proximo a extremidade onde a bolinha erasolta, e o outro sensor no ultimo furo, bem proximo abase de apoio do tubo. Soltando a bolinha os sensoresregistravam a passagem da mesma e salvava em um ar-quivo especıfico (.XLS), mostrando os valores na tela docomputador, mesmo assim todos os grupos registraramos valores em uma tabela montada por eles no caderno.Repetiram o processo para todos os furos existentes notubo sem que houvesse necessidade de trocas de estu-dantes para realizar as tarefas. A medida e relativa aum sinal de referencia e os estudantes so dispunhamde 2 LDR‘s, por isso o procedimento foi repetido paracada furo no cano de PVC, mantendo um sensor LDRno primeiro e o outro acompanhando os furos seguintes.Como as distancias entre os furos no cano eram fixascom 20 cm de distancia entre eles, fizeram as medidasde tempo necessario para bolinha atingir cada furo, apartir do ponto onde a bolinha entrou no cano (posicaozero). Ao final desta primeira atividade o professorsugeriu que eles abrissem o arquivo onde as medidashaviam sido salvas, mudassem o nome do arquivo e apasta para poder localizar com mais facilidade posteri-ormente. Como o arquivo foi salvo com a extensao.XLS,para abrir era necessario uma planilha eletronica, sendoutilizada Microsoft Excel, inclusive para construcao dosgraficos sugeridos pelo professor, Figs. 14 a 19. Com osrespectivos graficos entre os planos inclinado e horizon-tal, os grupos puderam verificar e discutir a diferencaentre eles, pois ja haviam estudado funcoes do 1 edo 2 graus em matematica, concluindo que no planohorizontal a velocidade da bolinha era constante e queno plano inclinado a velocidade aumentava conforme abolinha descia, isto e, a bolinha sofria um acrescimode velocidade com o passar do tempo, ou seja, umaaceleracao. Assim os grupos verificaram os resulta-dos da experiencia de Galileu com o plano inclinadoe constataram que a velocidade de um corpo proximoa superfıcie da Terra cai em direcao a ela com acele-racao e nao com velocidade constante como afirmavaAristoteles. Com a realizacao da experiencia utilizandocoleta automatica de dados e a construcao de tabelas egraficos usando o computador, o que tornou mais facil erapido fazer as medidas e construir os graficos, possibi-litou a realizacao desta atividade em um menor tempo.Assim sendo, foi possıvel a discussao e a analise dosresultados obtidos para se concluir que Galileu tinharazao sobre os movimentos terrestres. No entanto, osestudantes duvidaram que Galileu tenha realmente con-seguido realizar boas medidas de tempo com os relogiosde agua construıdos por ele, pois na aula anterior ti-nham realizado a coleta manual utilizando cronometrodigital e a dificuldade de efetuar as medidas foi enorme.A seguir incluımos os graficos obtidos no processo decoleta automatica e aqueles obtidos na coleta manualpara comparacao dos resultados. Como esperado, e nosbaixos valores de posicao e tempo que as discrepanciassao maiores. A extrapolacao destes graficos para t = 0

nao altera significativamente o seu formato. Enquantoque para os graficos obtidos na coleta manual a formado grafico sofre uma alteracao mensuravel. A ordem emque os graficos estao e plano horizontal, coleta manual -coleta automatica, a seguir temos plano inclinado coletamanual - coleta automatica e por fim plano inclinado,posicao versus tempo ao quadrado, coleta manual - co-leta automatica.

Figura 12 - Movimento horizontal em coleta manual.

Figura 13 - ovimento horizontal em coleta automatica.

Figura 14 - Plano inclinado em coleta manual.

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Figura 15 - Plano inclinado em coleta automatica.

Figura 16 - Plano inclinado em coleta manual linearizado.

Figura 17 - Plano inclinado em coleta automatica linearizado.

5. Conclusoes

Ao observarmos o envolvimento de nossos alunos emtodas as atividades desenvolvidas, concluımos que estaproposta de trabalho proporcionou um ambiente deestımulo, motivacao e empenho desses alunos, propor-cionando o desenvolvimento e apropriacao de conheci-mentos de forma coletiva. Acreditamos que a mediacaoda historia da ciencia e a utilizacao de novas tecnologiasde ensino - recursos de informatica como simuladores,Internet etc. em aulas de fısica no Ensino Medio, devaser feita como uma ferramenta integrada aos demais re-cursos utilizados no processo de ensino-aprendizagem,nunca de forma unica, cabendo ao professor a respon-sabilidade de dosar o tempo de uso de cada recurso,e o da criacao de um ambiente onde o aluno seja ofoco, onde possa perguntar, refletir, debater, duvidar,pesquisar, e ambos possam se sentir responsaveis pelo

processo ensino-aprendizagem. O professor da disci-plina de informatica abriu uma excecao em seu planeja-mento para mostrar como construir graficos utilizandouma planilha eletronica. Este recurso foi muito bemaceito pelos alunos que estavam estudando funcoes econstrucao de graficos na disciplina de matematica.

Referencias

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[15] Pico Technology Limited, disponıvel em: http://www.picotech.com. Acesso em 10/7/2005.

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[28] C.E. Aguiar e F. Laudares, Revista Brasileira de En-sino de Fısica 23, 371 (2001).

[29] Imagens do mouse podem ser vistas emhttp://omnis.if.ufrj.br/$\sim$carlos/infoenci/estudantes/andre/usodomouse.htm