TENTAES E DESAFIOS DO MINISTRIO PASTORAL

TENTAES E DESAFIOS DO MINISTRIO PASTORALHenri J. M. Nouwen, O Perfil do Lder Cristo do Sculo XXI, trad. Wilson Rosa Filho, Ed. Atos. So Paulo. 2002. p.64.

Abordando o tema Liderana crist sob perspectivas no muito convencionais, Henri J. M. Nouwen, nos traz um livro fruto de suas experincias trabalhando como capelo na Comunidade Daybreak, perto de Toronto ( Canad), depois de ter abandonado uma brilhante carreira que seus 20 anos em Notre Dame, Yale e Havard lhe asseguravam.A idia de escrever o livro surgiu de um convite de Murray Mcdonnell para que Henri falasse sobre Liderana Crist no Sculo XXI, no 15 aniversrio do Centro de Desenvolvimento Humano, em Washington D.C. E tambm de um desejo de disponibilizar seus pensamentos sobre o ministrio para outras pessoas.Na introduo, o autor demonstra profunda convico de que Deus estava trabalhando nele; e sensibilidade para reconhecer que a maneira como Deus o conduziu a novos posicionamentos interiores e exteriores, faz parte de um mover muito maior do qual ele apenas era parte. Fala de sua crise ministerial que o levara a compreender que mesmo depois de vinte e cinco anos de ministrio e uma preparao intelectual invejvel, sua vida espiritual no ia bem. E tambm de como se sentiu chamado por Deus para trabalhar com os deficientes mentais de LArche, o qual ele traduz na seguinte frase: v e viva entre os pobres de esprito e eles o curaro (p.12).O livro est organizado em trs partes. Cada parte tem um tema e desenvolvido por meio de trs captulos. Os textos usados como base para o contedo de todo o livro so os da Tentao de Jesus (Mateus 4:1-11) e o que registra a trplice pergunta de Jesus a Pedro depois da ressurreio (Joo 21:15-19).A primeira parte desenvolve o tema Da Relevncia Orao. No primeiro captulo desta parte, o autor fala sobre a tentao de Causar Impacto. Aqui ele cita sua experincia de se sentir irrelevante diante do fato de que para os deficientes mentais que ele pastoreava, o que ele havia feito, os livros que havia escrito, seus vinte anos em Notre Dame, Yale e Havard, no representava nada para eles. Era impossvel usar as habilidades que sua instruo lhe proporcionara no seminrio. Diante disto, ele entendeu que estas pessoas o foravam a abandonar o seu ego revelante que pretendia realizar coisas, mostrar coisas, provar coisas e construir coisas. E construir um ego sem enfeite que nos torna abertos para dar e receber amor indiferente de quaisquer realizaes. A primeira tentao de Jesus era ser relevante: transformar pedras em po (p. 18). Segundo o autor, muitos lderes hoje esto preocupados por no estarem conseguindo causar impacto; com seus esforos que parecem infrutferos; com o nmero decrescente de pessoas nas reunies da igreja; alguns, j esto at abandonando o ministrio porque no se sentem mais relevantes. Ele mostra tambm que se sentir irrelevante uma realidade muito comum na experincia dos indivduos de nossa sociedade, muito embora paream autoconfiantes. Assim ele prope que o lder do futuro deve afirmar sua irrelevncia no mundo como uma vocao divina.No segundo captulo ele comea com a pergunta de Jesus a Pedro: Voc me ama?. Aqui o autor mostra que esta pergunta (Joo 21: 15), permite-nos viver ao mesmo tempo, irrelevantes e realmente autoconfiantes. O lder cristo do futuro verdadeiramente conhece o corao de Deus que se tornou carne, um corao de carne em Jesus (p.24). Ensina que conhecer o corao de Jesus equivale am-lo e conhecer tambm o corao do homem. E este tipo de conhecimento traz cura, reconciliao, vida nova e esperana onde que estejamos. Far com que o desejo de ser relevante e bem-sucedido, gradativamente desaparea e nos tornemos livres para falar deste amor aos homens.No captulo trs o autor trata da Orao como uma disciplina a ser includa na preparao do lder do futuro e a prope como fonte da espiritualidade que nos livra de uma vida dominada pelo desejo de ser relevante. Ele aponta a orao no s como caminho para nos tornar ntimos de Deus, mas do nosso prprio corao. Afirma que o corao da liderana do futuro o desejo ardente de ter comunho com Deus. Segundo ele, a preparao seja moral, intelectual ou para dar respostas s questes polmicas de nosso tempo, no subsistir sem um relacionamento ntimo com Jesus. E aponta a disciplina da orao como forma de ouvir a voz do amor e encontrar sabedoria e coragem para tratar quaisquer questes que aparecerem. A segunda parte do livro prope o tema Da Popularidade ao Ministrio. No captulo um, ele fala sobre a tentao de querer Ser Espetacular. Compartilhando-nos sua experincia em dividir com outros seu ministrio, o autor mostra que toda a educao teolgica que recebeu o preparou para desenvolver o ministrio de forma individual, mas que diante das necessidades e realidades de LArche, seu individualismo foi desafiado radicalmente. Afinal, como capelo de uma comunidade de deficientes mentais, ele no tinha a liberdade de fazer as coisas a sua prpria maneira e tinha que dar satisfao de tudo que fazia. Assim, ele percebeu que boa parte de sua vida foi vivida buscando ser espetacular.E mostra que a segunda tentao qual Jesus foi exposto foi justamente a tentao de fazer algo espetacular, algo que pudesse lhe render elogios, aplausos e reconhecimento. Aqui o autor aponta para a igreja atual demonstrando a predominncia do individualismo na vida de muitos de seus lideres e afirma que o desejo de ser uma estrela ou um heri individual to comum nossa sociedade, no estranho igreja.No captulo dois, desta segunda parte, ele reflete a tarefa que Jesus deu a Pedro: Apascenta as Minhas Ovelhas. Segundo o autor, a tarefa que Jesus deu a Pedro no foi uma misso herica, mas um ministrio. E que ministrar, ao contrrio do que se pensa, uma experincia coletiva e mtua. Cita tambm o texto de Joo 10:14, onde Jesus se apresenta como o Bom Pastor que conhece e conhecido de suas ovelhas conceituando, portanto, o ministrio como uma experincia mtua.Henri aqui faz contribuies conceituais enormes para a teologia pastoral quando mostra que o lder cristo no pode estar distante de quem lidera e mostra que Deus no quer pastores que pastoreiem como um profissional que conhece os problemas de seus clientes e os resolve, mas como algum que se abre para um profundo relacionamento pessoal com suas ovelhas. No captulo trs, finalizando a segunda parte do livro, Henri prope a Confisso e Perdo como outras disciplinas a serem includas no currculo dos lderes do futuro. Aqui ele aponta a confisso da fragilidade e a humildade para pedir perdo, como meios de se vencer a tentao de ser espetacular. Levanta a questo da dificuldade que o lder tem de se sentir amado e seguro tendo que esconder seus pecados e falhas das pessoas para quem ministra. Mostra que isto faz com que a espiritualidade se torne espiritualizao e que a vida do corpo se torne vida carnal.A confisso e o perdo so disciplinas capazes de evitar a espiritualizao e a carnalidade. Atravs da confisso, os poderes das trevas so desarmados e dissipados, e uma nova integrao entre o corpo e o esprito se torna possvel (p.42).Assim, o autor encoraja os ministros a liderarem como membros completos de suas comunidades, prestando conta a elas e recebendo seu carinho e apoio.Na terceira parte do livro, o tema desenvolvido : De Lder a Liderado. E no captulo um ele discorre sobre a tentao de Ser Poderoso. Aqui ele inicia o captulo contando sua experincia de mudar de lder para liderado.Lembra que seu ministrio naquela comunidade de deficientes mentais fizera-lhe perder o senso de direo; suas proposies por mais lgicas que fossem, no recebiam respostas lgicas; aquilo que ele falava parecia no ter nada a ver com o que aquelas pessoas sentiam. Isto o fez aprender mais, no s sobre dores e lutas das pessoas feridas, mas tambm sobre seus dons e graas especiais.Assim ele apresenta a terceira tentao de Jesus que foi a tentao do poder. O diabo promete a Jesus todos os reinos do mundo e a sua glria. E aponta para tentao do poder como umas das maiores ironias da histria do cristianismo que se fundamenta sobre o Jesus que, no se apegando a seus direitos divinos, se esvaziou por amor de ns.Ei tambm demonstra que a tentao do poder atraente, pois o poder um fcil substituto para a difcil tarefa de amar. Ns achamos mais fcil ser Deus do que amar a Deus. Que muitos na histria da igreja foram tentados a escolher o poder no lugar do amor; para controlar ao invs de aceitar a cruz e para ser um lder ao invs de ser liderado.No captulo dois, Henri nos faz um desafio: deixar Outro o Conduzir. Cita Joo 21:18, e diz que a maturidade crist consiste na habilidade e disposio de ser guiado para onde voc preferira no ir. Afinal, o caminho do lder cristo no o caminho da ascenso, mas o caminho que termina na cruz. Aqui ele apresenta a caracterstica, segundo diz, mais importante da liderana crist do futuro: exercer a liderana da fraqueza e da humildade e no do poder e do domnio, porque atravs dela o Servo Sofredor de Deus, Jesus Cristo, se manifesta. Assim o autor entende liderana espiritual.Em seu terceiro e ltimo captulo, o autor fala da terceira disciplina que prope: a Reflexo Teolgica. Ele prope uma intensa reflexo teolgica para discernirmos, com senso critico, para onde estamos sendo guiados. Afirma que poucos ministros e lideres pensam teologicamente e define a reflexo teolgica a que se refere, como pensar com a mente de Cristo. Assim, o lder poder discernir como Deus esta agindo na histria humana e como isto contribui para nos levar ao mago de seu propsito para ns.Ensina que os lderes cristos tm a tarefa de responder a todo tipo de vicissitudes humanas com uma f clara e declarada na presena real de Deus. Precisam ser telogos, o que na concepo do autor significa conhecer o corao de Deus e... manifestar o supremo evento da obra redentora de Deus no meio dos inmeros eventos aparentemente casuais da sua poca (p. 57).Na concepo do autor, refletir teologicamente significa pensar sobre as dolorosas realidades de todo o dia, com a mente de Jesus, para assim despertar a conscincia humana para a percepo da suave orientao de Deus em nosso interior.Na sua opinio a liderana do futuro precisa ser uma liderana teolgica; e o treinamento que cada um vai receber no pode ser apenas intelectual. Pois ainda nem percebemos o quanto nossas escolas teolgicas se tornaram seculares muito se tem que mudar para que os seminrios e institutos de teologia ofeream tambm uma formao espiritual que forme pessoas capazes de discernir corretamente os sinais de sua poca.O autor termina considerando que ser relevante, ser popular, ter poder, so na verdade tentaes e no parte da vocao ao ministrio. E nos diz que Jesus nos pede para trocarmos nossa preocupao pela relevncia por uma vida de orao; nossa empolgao com a popularidade por um ministrio recproco; uma liderana edificada sobre o poder, por uma conscincia dos rumos para os quais Deus esta guiando tanto a ns quanto seu povo.A obra foi editada originalmente nos Estados Unidos com o ttulo In The Name of Jesus: Reflections on Christian Leadership, em 1989. Traduzida por Wilson Rosa Filho e publicada no Brasil pela editora Atos, BH MG. O livro esta muito bem distribudo com pouqussimos erros na grafia das palavras, mas faltou a bibliografia.O autor apresenta suas idias de forma clara, apaixonada e, sobretudo, concatenadas. Consegue muito bem transmitir a proposta do tema e d a eles muitos outros delineamentos possveis sem se afastar da idia original. O autor no se preocupa em ser teolgico e suas reflexes so devocinais baseadas em suas experincias ministeriais; redefine o sentido do que vem a ser um telogo e prope a reflexo teolgica como pensar com a mente de Cristo. Ao que parece, sua teologia boa, profundamente arraigada na viso da Soberania de Deus. Sua piedade e experincia ministerial so muito inspiradoras e seu estilo bem pastoral.Conquanto saibamos que a experincia pessoal de um pastor no sirva como regra de f e prtica para outros, a experincia pastoral do autor relevante para uma reflexo sobre o modelo de liderana que hoje aspiramos e para nos advertir dos perigos presentes ao cotidiano de cada lder. Recomendo, portanto, leitura do livro a todos os que atuam na liderana crist da igreja.Wemerson Marinho