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O papel do ensino superior na formação para o ensino e pesquisa VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 1 O PAPEL DO ENSINO SUPE- RIOR NA FORMAÇÃO PARA O ENSINO E PESQUISA

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O papel do ensino superior na formação para o ensino e pesquisa

VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO

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O PAPEL DO ENSINO SUPE-RIOR NA FORMAÇÃO PARA

O ENSINO E PESQUISA

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SUMÁRIO

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A queixa generalizada de professores universitários de que seus alunos sãodesinteressados e não estudam o suficiente e dos alunos que se dizem interessados mas, semtempo para se dedicarem suficientemente aos estudos, além das dificuldades que relatam existiremfrente aos novos conteúdos e novos métodos de ensino, muito diferentes dos graus anteriores,constitui-se em indicador bastante forte de que para se operar uma mudança na educação, comvistas a atender as novas exigências sociais é preciso muito mais que boa vontade de alguns. Faz-se urgente a necessidade de pensar a formação universitária de forma mais ampla visando oatendimento deste grau de ensino de seu papel de formador de cidadãos conscientes de suasresponsabilidades.

A aprendizagem significativa, postulada por Ausubel nos anos 60 tem sido resgatadapor educadores preocupados, entre outras questões, com essa nova perspectiva da formação dopensamento crítico e criativo, da responsabilidade do aprendiz em construir seu conhecimento, daimportância e valor atribuídos ao aprender a aprender e da urgência em se formar cidadãosresponsáveis e independentes. Nesse contexto, Pontes Neto (2001) e Noguerol (1999), entre outrospesquisadores, chamam a atenção para a importância do domínio, por parte dos alunos, dasestratégias de aprendizagem com vistas a uma aprendizagem mais significativa.

Se a aprendizagem pressupõe o protagonismo dos sujeitos e o objeto doconhecimento como um organizador do diálogo entre quem aprende e quem ensina, a docênciapressupõe o reconhecimento de que existem saberes docentes, distintos dos saberes dos alunos.

O fato de o professor ser “aquele que pensa com o outro” a prática pedagógica,exige dar a palavra aos alunos, perguntar, ouvi-los e, assim, criar um espaço em que eles possamtrazer e explicitar esses conhecimentos prévios, uma vez que é a partir deles que se iniciam novasaprendizagens.

Se a aprendizagem é “um jogo de equilíbrios e desequilíbrios”, a necessidade dereorganização frente ao impacto do novo conhecimento é tanto do grupo quanto do indivíduo.Aliás, as demandas do grupo que aprende não anulam aquelas do sujeito que aprende no grupo.

O uso adequado de estratégias de aprendizagem pode contribuir para evitar-se aperspectiva homogeneizante e a passividade e ampliar as possibilidades de diálogo no grupo, namedida em que a utilização de estratégias cognitivas promove o que se denomina processamentode profundidade da informação, em oposição às formas de processamento de superfície (CRAIKe LOCKART, 1972; ENTWISTLE e WATERSON, 1988). Assim, a qualidade dos resultados deaprendizagem é diretamente proporcional ao uso de estratégias cognitivas, por promoverem

A CONTRIBUIÇÃO DAS ESTRATÉGIAS DEAPRENDIZAGEM PARA UMA FORMAÇÃO

UNIVERSITÁRIA MAIS SIGNIFICATIVA

BARTALO, Linete (Universidade Estadual de Londrina); NETO, José Augusto da SilvaPontes (UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- Marília-SP)

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processamento de profundidade.Um aprendiz ao realizar uma atividade de aprendizagem, raras vezes define antes

as estratégias que utilizará. Não se preocupa quanto ao tempo que gastará naquela atividade, nãoprepara o ambiente de aprendizagem, não seleciona os materiais que necessitará, não tem clarezasobre os objetivos que deseja alcançar, enfim, não planeja a sua aprendizagem. Pensa no objetivoem si, apropriar-se daquele conhecimento, realizar a tarefa, dialogar com o grupo, mas o como, omeio, as formas não são pensadas ou quando o são, via de regra, o são assistematicamente.Antonijevic e Chadwick (1982) entendem que para a maioria das pessoas muita aprendizagem équase inconsciente, porém assinalam que os melhores aprendizes são justamente aqueles quetem um nível mais alto de consciência.

Há de se ressaltar que as estratégias de aprendizagem são sempre conscientes eintencionais, utilizadas como meios para atingirem os objetivos de aprendizagem. Elas são porisso mesmo chamadas de estratégias cognitivas de aprendizagem, por realizarem-se através dosprocessos mentais. Quando metacognitivas referem-se ao conhecimento e consciência dessesprocessos mentais, o que permite seu monitoramento, avaliação e regulação.

Alguns autores (VEIGA SIMÃO, 2001; Pozo Municio, citado por PORTILHO, 2004;ANTONIJEVIC E CHADWICK, 1982) fazem a diferenciação entre estratégias de aprendizagem etécnicas de estudo. Para eles as técnicas são procedimentos que se aplicam de modo nãocontrolado, não planejado e rotineiro, ao passo que as estratégias devem ser planejadas e controladaspara serem executadas. Já Noguerol (1999) utiliza ambos os termos como sinônimos. Azevedo(1993) refere-se a “táticas”, esclarecendo que é um termo de alcance menos geral que estratégias,podendo uma estratégia implicar no uso de táticas diversas.

Dessa forma conceitua-se estratégias de aprendizagem como sendo seqüênciasintegradas de procedimentos ou atividades que o indivíduo escolhe com o propósito de facilitar aaquisição, o armazenamento e/ou a utilização da informação ou conhecimento (PORTILHO, 2004).Para Boruchovitch (2001) as estratégias de aprendizagem consistem num conjunto deprocedimentos que objetivam facilitar a aprendizagem.

As estratégias de aprendizagem podem ser vistas como um conjunto mental deoperações interdependentes que são trocáveis entre si e que podem ser modificadas em respostaa diferentes situações (Duffy e Jonassen, citados por STEDILE, 2004).

Com o objetivo de identificar e comparar estratégias de aprendizagem adotadas poralunos do curso de Pedagogia de duas universidades públicas localizadas em cidades do interiordo estado do Paraná, delineou-se uma pesquisa que teve como participantes 19 alunos do terceiroano do curso de Pedagogia da Universidade A com idades entre 19 e 44 anos, com uma média de27 anos aproximadamente, sendo em sua totalidade do sexo feminino e 32 alunos do terceiro anodo curso de Pedagogia da universidade B com idades entre 19 e 44 anos, com uma média de 26anos aproximadamente, sendo 94% do sexo feminino e 6% do sexo masculino. Utilizou-se comoinstrumento de coleta de dados um questionário originariamente desenvolvido na Universidade doTexas (WEINSTEIN & PALMER, 1990), traduzido e adaptado por Figueira (1994) e de uso corrente,o LASSI (Learning and Study Strategies Inventory). Constituindo-se em um inventário de estratégias

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de estudo e aprendizagem, este instrumento foi adaptado e reformulado a fim de ser validadocomo trabalho de uma tese de doutorado em educação em andamento. Ele é composto por 88itens em escala likert de 5 pontos desde 1 “nada característico” até 5 “totalmente característico” econtempla 10 subcategorias, são elas:

1) Atitude: refere-se aos valores que estudantes atribuem à escola bem como ointeresse que têm pelo sucesso acadêmico, com vistas a que esse sucesso possa ajudá-los aarrumar um bom emprego (p. ex. não me importa concluir este curso, desde que consiga arranjarum bom emprego). Estudantes com baixos escores nesta categoria podem não acreditar que afaculdade ou o curso que estão fazendo seja pertinente ou importante a eles e pode precisardesenvolver um entendimento melhor de como a escola e o seu desempenho acadêmico relaciona-se às suas metas de vida futura.

2) Motivação: avalia a diligência de estudantes, a autodisciplina e a força de vontadepara trabalhar com afinco e a disponibilidade para assumir exigências acadêmicas completas (p.ex. Quando a matéria é difícil desisto de estudar ou só estudo as partes fáceis). Estudantes combaixos escores nesta categoria devem aprender como fixar e usar metas para tornarem-se capazesde realizar tarefas específicas.

3) Organização do tempo: avalia a aplicação de princípios de administração detempo a situações acadêmicas (p. ex. Acho difícil cumprir um horário de estudo). Estudantes combaixos escores nesta categoria podem precisar desenvolver programação efetiva e técnicas demonitoração do tempo para assegurar a conclusão de tarefas acadêmicas e evitar procrastinação,inclusive para atividades não acadêmicas.

4) Ansiedade: mede o grau de preocupação com a escola e com seu desempenhoacadêmico (p. ex. Fico tão nervoso e confuso quando faço uma prova que as respostas que dounão são as melhores que a minha capacidade permite). Estudantes com baixos escores nestacategoria estão experimentando níveis altos de ansiedade associados com a escola e com seudesempenho e podem precisar desenvolver técnicas para controle da ansiedade e redução dapreocupação de forma que a atenção possa ser focalizada para as tarefas.

5) Concentração: avalia a habilidade para dirigir e manter atenção em tarefasacadêmicas (p. ex. A minha imaginação divaga muito quando estou fazendo trabalhos escolares).Baixos escores nesta categoria podem estar indicando necessidade de aprender a monitorar onível de concentração e desenvolver técnicas para redirecionar a atenção e eliminar pensamentosou sentimentos que estejam interferindo de forma a dificultar a concentração.

6) Processamento da informação: avalia a utilização de elaboração imagética everbal, monitoração da compreensão e raciocínio e de modo geral a criação de pontes entre o quejá sabem e o que estão tentando aprender e se lembrar, i.e., aquisição de conhecimento, retençãoe aplicação futura (p. ex. Tento encontrar ligações entre o que estou estudando e as minhaspróprias experiências). Estudantes com baixos escores nesta categoria necessitam aprendermétodos que o auxiliem a tornar a aprendizagem mais significativa e organizada. Tais métodospodem ir desde o simples parafrasear e sumarizar até à criação de analogias, de esquemas e de

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notas, bem como a utilização de raciocínio inferencial, analítico e sintético.7) Seleção de Idéias Principais: avalia a habilidade de identificar informação

importante entre informações menos importantes e detalhes tanto em sala de aula como emestudos autônomos, para posterior utilização (p. ex. Acho difícil saber o que é importante recordarde um texto de estudo). Estudantes com baixa pontuação nesta categoria podem precisardesenvolver a habilidade de separar informação relevante na qual focalizar a atenção e as estratégiasde processamento da informação.

8) Auxiliares de Estudo: Examina o grau de utilização bem como de criação detécnicas de suporte ou materiais que possam auxiliar o estudante a aprender e a recordar a novainformação (p. ex. Uso meios auxiliares para estudar como grifar as partes mais importantes dotexto, escrever palavras chave ao lado dos parágrafos, fazer resumos, etc.). Alunos que obtêmbaixos escores nesta categoria necessitam aprender mais sobre auxiliares de estudo e qual a suautilidade prática e também a criar seus próprios métodos de estudo e aprendizagem.

9) Auto Verificação: Mede a habilidade do estudante em fazer revisões do materiala ser aprendido e monitorar a sua compreensão (p. ex. Paro muitas vezes enquanto estou lendo erevejo ou penso sobre o que li). Estudantes com baixos escores nesta categoria necessitam aprendermais acerca da importância da auto avaliação e também métodos específicos de aprendizagempara rever o material, bem como monitorar sua atenção.

10) Estratégias de Verificação: Refletem a utilização de estratégias de preparaçãoe de estratégias adotadas face ao próprio teste (p. ex. Tenho dificuldade em saber como estudarpara as diferentes disciplinas). Baixos escores nesta categoria podem significar a necessidade deaprender mais acerca de como se preparar para os testes, as características dos diferentes tiposde testes, bem como a forma de responder as questões.

Os dados foram tabulados e processados utilizando o programa Statistica6.0 e os resultados estão apresentados no quadro abaixo. As porcentagens referem-se ao alcançadopelos participantes em relação ao máximo que o inventário apresenta na categoria, p. ex., nacategoria atitude, onde observa-se uma pontuação mínima de 77,1% na Universidade A, refere-sea 27 pontos do máximo de 35 que o inventário possui nesta categoria.

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Na análise dos resultados observa-se que no conjunto (geral) de todas as categoriasde estratégias de aprendizagem investigadas, os alunos da Universidade A alcançaram escoremais elevado (78,4%) que os da Universidade B (71,5%), sendo estes resultados significativosestatisticamente quando correlacionados (p<0,05). Isto indica que aqueles alunos adotam melhoresestratégias de ensino e aprendizagem que estes.

No que diz respeito à motivação, também apresentando um nível de significânciaestatística alto ao correlacionar-se os resultados dos dois grupos (p=0,0001), os alunos daUniversidade A apresentaram um escore bem mais alto (88,9%) que os da Universidade B (72,5%).A autodisciplina, a diligência e a força de vontade, elementos que emergem do grau de motivaçãodo aprendiz e que contribuem na canalização de recursos próprios e ambientais a fim de assumirexigências acadêmicas conducentes à uma melhor aprendizagem, com certeza devem estar maispresentes nos alunos que obtiveram escores mais altos nesta categoria.

Habilidade imprescindível a uma boa aprendizagem, a categoria concentraçãoapresentou alto nível de significância estatística (p=0,006) quando da correlação entre os dadosdos dois grupos, os escores obtidos pelos alunos da universidade A apresentam-se superiores(82,9%) aos obtidos pelos alunos da universidade B (72,2%).

Criar os próprios métodos de estudo e conscientizar-se de sua importância parauma melhor aprendizagem é um dos requisitos com vistas à autonomia que se busca no aprendera aprender. A categoria auxiliares de estudo que investiga essa habilidade apresentou elevadonível de significância estatística (p=0,0003) quando da correlação entre os resultados obtidospelos alunos das duas universidades, sendo que os alunos da universidade A apresentaram uma

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média de 77,1% e os da universidade B de 63%.A categoria Auto verificação mede a habilidade do aprendiz em fazer revisões do

material a ser aprendido e monitorar a sua compreensão. Tendo apresentado um nível de significânciaestatística bastante elevado ao correlacionar-se os resultados obtidos pelos alunos das duasuniversidades (p=0,0008), observa-se uma pontuação média de 74,9% obtida pelos alunos dauniversidade A e de 62,7% obtida pelos alunos da Universidade B.

Em síntese, constata-se, pela análise dos resultados, que tanto no conjunto detodas as categorias como em cada uma delas, os alunos da universidade A aparecem adotandomelhores estratégias de estudo e aprendizagem que os da universidade B, exceto na categoriaestratégias de verificação, que, apesar de não ter apresentado significância estatística na correlaçãodos resultados, revela uma tendência de que esses alunos adotam melhores estratégias depreparação para os testes e provas que aqueles.

Se existem diferenças na forma de estudar e aprender entre alunos de um mesmocurso de duas universidades, e este estudo constatou que existem, elas são inerentes a que tipode fator? Qual a natureza dessas diferenças? Mais urgente que buscar essas respostas é anecessidade de refletir a respeito da essência da formação desses futuros professores. Eles estãopreparados, ou estarão daqui a um ano, quando concluírem seus cursos de graduação, paraassumirem o papel de educadores? O que a universidade está fazendo para cumprir seu papel deformadora do “educador aprendedor” (Périssé, 2004)?

As recomendações que os resultados deste estudo podem estar sugerindo paracontribuir na reflexão do papel do ensino superior na formação de um educador mais preparadosão no sentido de que se faz urgente investir na formação do educador autônomo e consciente deseu papel na sociedade, capacitado a pensar criticamente e propor soluções para os problemasque se cdocam.

A saída do círculo vicioso em que a educação brasileira emergiu, de que a universidadeforma mal, porisso os professores estão despreparados para as novas demandas da sociedade, talvezesteja em refletir sobre a capacitação do universitário com vistas ao aprender a aprender e nessesentido as estratégias de aprendizagem podem desempenhar papel fundamental.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BORUCHOVITCH, E. Dificuldades de aprendizagem, problemas motivacionais e estratégias deaprendizagem. In: SISTO, F. F. et. al. (orgs.) Dificuldades de aprendizagem no contextopsicopedagógico. 2.ed. Petrópolis : Vozes, 2001. 235p. cap. 2, p. 40-59.

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CRAIK, F. I. M. ; LOCKART, R. S. Levels of processing : a framework for memory research.Journal of verbal learning and verbal behavior. 1972, v. 11, p. 671 – 684.

ENTWISTLE, N. ; WATERSON, S. Approaches to studying and levels of processing in Universitystudents. British Journal of Educational Psychology, 1988, v. 58, p. 258– 265.

FIGUEIRA, A. P . C. Inventário de Estratégias de Estudo e de Aprendizagem - Learning andStudy Strategies Inventory - LASSI (Weinstein e Palmer, 1990) - Estudos de validação e adaptação.Psychologica. 1994, n. 12, p. 79 - 114.

NOGUEROL, A. Aprender na escola : técnicas de estudo e aprendizagem. Tradução JussaraHaubert Rodrigues. Porto Alegre : Artes Médicas, 1999. 168 p. Título original: Técnicas deaprendizaje y estudio : aprender en la escuela.

PÉRISSÉ, P. M. O educador aprendedor. São Paulo : Cortez, 2004 (Coleção Questões de nossaépoca)

PONTES NETO, J. A. da S. Sobre a aprendizagem significativa na escola. In: MARTINS, E. J. S.et. al. Diferentes faces da educação. São Paulo : Arte & Ciência Villipress, 2001. 134 p. p. 13-37.

PORTILHO, E.M.L. Como os alunos universitários gostam de aprender. Disponível em: http://www.aprendervirtual.com/ver_noticia.php?codigo=107. Acesso em: 20 abr 2004.

STEDILE, N. L. R. Estratégias metacognitivas utilizadas para prevenir problemas de saúde. In:SEMINÁRIO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO DA REGIÃO SUL (ANPEDsul), 5., 2004. Anais...Curitiba : ANPED, 2004. CD-ROM.

VEIGA SIMÃO, A. M. Integrar os princípios da aprendizagem estratégica no processo formativodos professores. Universidade de Lisboa, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação.Seminário de Modelos e Práticas de Formação Inicial de Professores. 13 p. out. 2001. Disponívelem http://www.educ.fc.ul.pt/recentes/mpfip/pdfs. Acesso em: 19 mar 2004.

WEINSTEIN, C. E. ; PALMER, D. R. LASSI : Learning and study strategies inventory. Clearwater,FL : H & H Publishing Co. 1990.

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É possível formar o professor pesquisador/ reflexivo? De que pro-fessor e de que pesquisa se está tratando, quando se fala em pro-fessor pesquisador? Que condições tem o professor, que atua nasescolas, para fazer pesquisa? (Marli André, 2001)

A emergência do pensamento sobre o professor pesquisador e o professor reflexivono cenário educacional, sobretudo brasileiro, reacendeu o debate em torno da relação entre ensinoe pesquisa na formação docente. De um lado, predomina o reconhecimento de que a pesquisatem um papel importante na formação e prática do professor (este, aliás, parece ser um dospoucos pontos de consenso dessa discussão). Do outro, situam-se críticas que vão desde apertinência epistemológica desses enfoques a questionamentos como aqueles destacados naepígrafe de abertura do presente ensaio.

Instigada por esse debate, em particular pelas preocupações de André (2001),desenvolveu-se durante os últimos 24 meses investigação empírica (BOGDAN, e BIKLEN, 1994)acerca das concepções e práticas construídas por professores que atuam na educação básica emrelação a atividade de pesquisa. Este trabalho, portanto, propõe-se a apresentar os resultadosdessa iniciativa que envolveu a realização de entrevistas semi-estruturadas com 45 professoresda educação básica de Fortaleza (rede pública e privada).

Os professores entrevistados compõem um grupo de docentes jovens (25 possuematé 35 anos de idade), a maioria do sexo feminino (39) e com formação inicial de nível superior(34), atuando principalmente na rede pública de ensino (30), especialmente no Ensino Funda-mental (40). Apenas 11 dos entrevistados declararam ser efetivos. Os demais docentes afirmarammanter vínculo de trabalho precário (temporários). A análise do percurso da vida profissional dessesdocentes, realizada com base em Huberman (1992), evidenciou que uma parcela expressiva (23ou 51%) encontra-se em fases da carreira em que a formação continuada é fundamental,encontrando-se abertos para experimentar processos formativos que fortaleçam seu compromissoético-profissional e que inibam a incorporação de práticas tradicionais de perceber e viver a profissão.

No conjunto, as análises sinalizam que as idéias e práticas de pesquisa dosprofessores investigados, independente da rede de ensino em que atuam e da natureza do vínculode trabalho com a escola, não apresentam diferenças marcantes. Tais constatações estãoorganizadas nas cinco seções que integram este texto.

1. Pesquisa – uma atividade reconhecida como importante

A PESQUISA NA FORMAÇÃO E PRÁTICA DOCENTE:O QUE PENSAM E FAZEM OS PROFESSORES DA

EDUCAÇÃO BÁSICA?

Isabel Maria Sabino de Farias; Rosana Maria Cavalcanti Soares(Universidade Estadual do Ceará - UECE)

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O que os professores que atuam nas escolas de educação básica entendem porpesquisa? Que convergências ou discrepâncias tais acepções apresentam? Ao buscarmos captara concepção dos docentes entrevistados sobre pesquisa não tivemos a intenção de contrapô-la auma definição consensual, até porque a existência de trabalhos acadêmicos sobre “a questão dapropriedade do conceito de pesquisa”, como bem sinaliza Ludke (2000, 2001a), ainda configuracomo uma lacuna na produção da área. Partiu-se do entendimento que, mesmo sem esta referência,conhecer o pensamento desses professores constitui-se em um passo necessário e fundamentalao esforço de compreensão das relações que eles estabelecem com a pesquisa.

A idéia de “aprofundamento” e de “busca de respostas” foi recorrente nas falas dosprofessores entrevistados ao se posicionarem sobre o conceito de pesquisa, evidenciando umadefinição próxima do modelo acadêmico, conforme mostram os fragmentos selecionados:

“É conhecer a fundo um determinado tema usando as teorias,fazendo pesquisa de campo para obter respostas aos seusquestionamentos com o objetivo de transformar ou colaborar paraa melhoria da realidade encontrada.” (Professor 1)“Pesquisa é uma busca mais profunda de conhecimentos demaneira mais científica, procurando uma resposta mais efetiva eadequada ao que se procura, ou seja, algo novo que venhacomplementar ou trazer novos conhecimentos.” (Professor 3)“A pesquisa é uma forma de se aprofundar, aperfeiçoar e ampliarseus conhecimentos e principalmente conhecer novas realidades eviver novas experiências, tanto na vida profissional comopessoal.” (Professor 30)“Entendo que pesquisa seja estudar, ir atrás de respostas parapossíveis dúvidas que tenhamos para um maior aprofundamento,para um crescimento tanto pessoal como profissional. Exigemuita disciplina e dedicação para ser realizada e é algo que acreditodar muito prazer por ser um tema de nosso interesse.” (Professor42). (Grifos nossos).

A representação de pesquisa calcada no modelo predominante no meio acadêmicoparece ser a tônica das acepções apresentadas pelos professores entrevistados. Os grifos realçamaspectos que apontam para esta conotação. A associação da pesquisa à produção de conhecimentosobre um determinado problema social visando sua melhoria favorece também uma interpretaçãopositiva dessa atividade.

Esse sentido proativo da pesquisa é reforçado ao destacarem a expectativa decrescimento pessoal e profissional como uma decorrência quase que natural dessa ação. Osignificado dessa correlação se explicita nas referências à pesquisa como uma estratégia decompreensão das situações que se apresentam no cotidiano escolar e de aprimoramento de suaprática pedagógica. Suas falas deixam entrever um certo entendimento de que a pesquisa oportunizaa abertura de novos caminhos para a docência, repercutindo em perspectivas inovadoras ao trabalhodo professor. Mais ainda, sinalizam uma certa incorporação – pelo menos no plano do discurso –da proposta do professor reflexivo na perspectiva difundida por Schön (1993, 1995). Os fragmentosa seguir são ilustrativos dessa influência:

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“Como professor, considero a pesquisa como a procura de novosconhecimentos sobre determinados assuntos, investigação, registros,avaliações e muita leitura para fundamentação e compreensãodos assuntos abordados e que possa contribuir para a práticapedagógica.” (Professor 17)“Para mim, o ato de pesquisar é um processo evolutivo que podedurar muito tempo, pois quando eu resolvo pesquisar alguma coisaé porque existe algo que me incomoda e que eu tenho curiosidadeem buscar a resposta para aquela indagação. Por exemplo, quandoeu comecei a pesquisa sobre reforço escolar é porque o assunto meenchia de indagações e isso me incomodava [...] A pesquisa é muitoimportante, pois um professor deve ser engajado nos assuntosque preocupam a educação. Se ele não questiona, como ele vaiser uma peça integrante desse processo de mudança que passapela formação e atualização daquele profissional em educação?”(Professor 43) (Grifos nossos)

Quando destacam o crescimento profissional como um aspecto importante do sentidopositivo da idéia de pesquisa os entrevistados o associam a imagem do professor engajado naprática pedagógica, do professor que assume uma atitude de reflexão sobre essa prática, procurandoextrair elementos que ajudem a melhorá-la. O perfil de formação dos professores que participaramdo estudo (a maioria com nível superior - graduação, alguns com pós-graduação) pode ser tomadocomo um elemento explicativo dessa compreensão, confirmando resultados de investigaçõesrealizadas em outros contextos (LUDKE, 2001a; FLEURY et al., 1994). Embora a idéia do profes-sor pesquisador não seja recente, sua disseminação, particularmente nos cursos de formaçãodocente, ocorreu sobretudo a partir dos estudos de Donald Schön. Para este autor o profissionalreflexivo trabalha similarmente ao pesquisador ao procurar identificar problemas e implementaralternativas de solução, registrando e analisando dados, o que faz com que a atividade profissionaldeixe de ser distinta da atividade de pesquisa. Tais formulações nos últimos anos tem sido difundidamediante a defesa de uma formação de docente voltada para o desenvolvimento de uma atitudeinvestigativa por parte do professor, detectando problemas, procurando, na literatura, na troca deexperiência com os colegas e na utilização de diferentes recursos, soluções para encontrar formasde responder aos desafios da prática. É esta compreensão que parece estar associada a noção depesquisa dos entrevistados, especialmente quando se referem a expectativa de melhora ecrescimento profissional.

No imaginário dos docentes investigados a idéia de pesquisa encontra-se fortementemarcada pela tradição acadêmica, influência certa dos cursos de formação tanto inicial quantocontinuada. É o que expressa a ênfase na produção de conhecimento, na busca de resposta paraproblemas e no reconhecimento do esforço intelectual que essa atividade solicita. Ao pensarem nocampo educacional, no cotidiano escolar, tendem a perceber esta atividade como uma estratégiaque pode oferecer subsídios importantes quer na compreensão quer na solução de problemaspráticos. Esses dois enfoque sinalizam a ambivalência do conceito de pesquisa apresentado pelosdocentes ou, como bem sintetiza Ludke (2001a, p. 37), eles parecem divididos entre umaperspectiva voltada para uma meta acadêmica e uma outra voltada para a situação de suaprática como docentes. Não é demais lembrar, contudo, que este fenômeno não emerge comoalgo visível para os docentes, pelo menos nos relatos coletados.

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No geral, são estas as idéias predominantes na definição de pesquisa apresentadapelos docentes investigados: uma atividade importante, embora cansativa, demorada, desgastante,demandando disponibilidade de tempo, recursos, dedicação, esforço e embasamento teórico. Maisainda, uma prática compensadora e que repercute positivamente no desenvolvimento do profissional.No próximo tópico a formação em pesquisa vivenciada por estes profissionais é abordada, o quepermitirá compreender de modo mais articulado as acepções apresentadas.

2. Formação em pesquisa – uma aproximação tardia e precáriaOs relatos sobre a trajetória de formação inicial – nível médio e superior – revelam

dados que permitem compreender de modo mais situado porque os docentes entrevistados sereferem a esta atividade como uma prática da qual se aproximaram tardiamente.

Consulta a livros e enciclopédias visando à realização de trabalhos solicitados pelasdisciplinas, bem como a participação em atividades do tipo feira de ciências constituiu, de acordocom os docentes entrevistados, a prática de pesquisa vivenciada durante a formação de nívelmédio. Uma pesquisa informativa, uma prática esvaziada de sentido, para usar algumas dasdefinições por eles apresentadas. Tais referências assinalam o caráter reducionista dado à pesquisanas trajetórias de formação desses professores. Do universo investigado, apenas três professoresrelataram que participaram de alguma atividade de pesquisa no Ensino Médio, mencionando arealização de testes experimentais, a formulação de perguntas e a coleta de dados mediante aaplicação de questionário. O caráter de atividade da pesquisa na formação docente de nívelmédio constitui a tônica das aproximações vivenciadas pelos três docentes que a mencionaram.

Para o conjunto dos docentes entrevistados foi na formação de nível superior quese configurou, de fato, o primeiro contato com a pesquisa. Vários componentes curriculares sãodestacados como tendo contribuído de modo efetivo na aproximação teórica e prática à pesquisa.As disciplinas de Monografia e de Pesquisa Educacional aparecem como momentos fortes nocontato dos docentes com a pesquisa durante sua graduação. As falas transcritas a seguir ilustramcomo eles compreenderam que as disciplinas relacionadas proporcionaram a aproximação comessa atividade:

“Em minha formação tive vários professores que me mostraram aimportância da atividade de pesquisa. Na disciplina Metodologia doTrabalho Científico elaborei com a ajuda de minha orientadora umprojeto sobre o ensino pela arte. Com este pude perceber asdificuldades e os prazeres de se trabalhar com pesquisa.” (Profes-sor 10) “No final do curso a gente tem que apresentar uma monografia.Esse trabalho foi uma experiência muito valiosa para mim, porqueeu recebi uma orientação muito boa. Eu fiz o trabalho com professoresde 1ª a 4ª série. A pesquisa era para saber se o professor utilizava asestratégias de leitura em sala de aula. Eu apliquei um questionáriocom as professoras e peguei o material delas, que eram trabalhosem sala de aula, material de leitura. E depois desse material recolhido,[...] eu li bastante sobre a leitura [...] Com o material em mãos, fomosfazer a análise deste e a gente viu que alguns professores sabiam oque era estratégia de leitura, [...] já tendo essa visão interativa daleitura a gente foi analisar o material coletado [...] vimos que haviauma confusão sobre o que é realmente estratégia de leitura.” (Pro-fessor 14)

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As falas enfatizam cenas do processo de formação em pesquisa vivenciada pelosdocentes investigados. Estas situações, além de oportunizarem o conhecimento e a utilização demetodologias e técnicas de investigação, viabilizaram um contato mais significativo com a pesquisa.Embora façam estas observações, os entrevistados registram que a formação em pesquisa naformação de nível superior, tanto na graduação quanto nos cursos de especialização, longe estevede proporcionar uma aprendizagem consistente dessa atividade enquanto modo de produção dosaber social.

“Na minha formação acadêmica a pesquisa não foi suficientementetrabalhada. Tanto na pesquisa teórica como na pesquisa prática, e arelação entre as duas era pouco.” (Professor 2) “Quando se trata do assunto pesquisa não posso falar muito, poissempre foi algo ausente na minha vida de estudante. Mesmo com adisciplina de Pesquisa na minha formação em Pedagogia, nãoéramos estimulados a fazer essa busca de conhecimentos sobrepesquisa.” (Professor 35)“... Na faculdade, acho que a pesquisa deveria ser trabalhada desdeo início do curso, o que não ocorreu. Só a partir da metade do cursoé que passamos a ter disciplinas cujos professores estimulavam apesquisa [...] As atividades que fazíamos nessas disciplinas eramrelacionadas à observação em escolas, aplicação de entrevistas,levantamento e tabulação de dados.” (Professor 36)“Na minha formação inicial, nível superior, tive uma superficialexperiência de pesquisa, pois limitada a levantar informações paraseminários.” (Professor 38)

Os relatos dos entrevistados revelam que na formação de nível superior a pesquisafoi trabalhada de modo precário, pois fragmentada e numa perspectiva meramente instrumental.Nesse sentido, os entrevistados que participaram de programas de iniciação científica sentem-seprivilegiados em seu processo de formação, no caso dos professores consultados apenas cincodos profissionais foram bolsistas de iniciação científica durante a graduação.

Outra experiência fértil relatada pelos entrevistados foi o contato com professores ecolegas que desenvolveram atividades de pesquisa, os quais são percebidos como profissionaisque apresentam condições de desenvolver um trabalho mais consistente em sua prática pedagógica,apresentando uma postura diferenciada em sala de aula. O contato com essas pessoas reforçoumais ainda a visão proativa dos docentes entrevistados em relação à pesquisa, sobretudo no tangea sua contribuição no desenvolvimento como profissional. Os depoimentos são ilustrativos dessamarca:

“Esse professor tem mais condição de desenvolver uma pesquisada sua prática docente, porque tem mais fundamentos teóricos evivências no campo educacional [...] (Professor 2)“Ele sempre incentivava a participação dos alunos nesses tipos deaprendizagem, sempre nos mostrando a importância de sermospesquisadores, relacionando à nossa responsabilidade comoeducador.” (Professor 10)“Tenho conhecido muitos professores pesquisadores e, por issomesmo, tenho sido influenciada positivamente por eles. Mas citouma professora da Educação Infantil da escola onde eu ensino, queé uma pesquisadora na sua área de ensino e defende muito aimportância do professor ser um pesquisador para conhecer o quefaz.” (Professor 15)

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A admiração pelos professores e colegas que participaram de atividades de pesquisadeve-se a percepção destes como responsáveis e competentes na condução de sua profissão. Osprofessores registram que sua formação de nível médio pouco ou nada contribuiu em sua formaçãoem pesquisa. O contato inicial ocorreu principalmente na formação de nível superior. Contudo,revelaram que esta formação não recebeu o devido cuidado, sendo fortemente associada àfundamentação teórica. Estes docentes sentem-se usurpados de uma oportunidade de crescimentoque, certamente, teria contribuído significativamente para que eles assumissem o magistério comuma formação mais consistente.

Entre os professores que participaram do estudo foi recorrente a percepção dapesquisa como uma atividade muito restrita a pessoas da área universitária que estão envolvidasem projetos ou em pós-graduação. Esses profissionais acrescentam ainda que nas escolas deeducação básica em geral a prática da pesquisa é algo distante do dia-a-dia do professor,necessitando de grande incentivo e investimento para que realmente possa se tornar concretaneste espaço. É sobre esta questão que se detém o próximo tópico.

3. PESQUISA NA ESCOLA – UMA ATIVIDADE AINDA DISTANTE

A pesquisa na prática escolar é concebida pelos entrevistados como atividade quepropicia subsídios para o aperfeiçoamento profissional mediante o desenvolvimento da capacidadepara tomar decisões em situações conflitantes no ambiente escolar. Este entendimento é assimexplicitado em suas falas:

“É fundamental unir a teoria e a prática. Através da pesquisa vocêsabe se o que está sendo aplicado está dando certo ou não noprocesso de aprendizagem do seu aluno, além de conhecer outrasrealidades de trabalho, ficar informado sobre o que está acontecendoà sua volta e o que você pode utilizar na sua prática docente.” (Pro-fessor 1) “Ela é importante a partir do momento em que você se depara comsituações conflitantes, angustiantes e que, através desse recurso,você poderá obter ajuda para resolvê-las. Onde trabalho, o assessorpedagógico está realizando junto aos professores um projeto depesquisa chamado “professor pesquisador”, que é um projeto emandamento que acontece da seguinte maneira: os professores seagrupam de acordo com o interesses comuns e o assessor nos orientaa respeito da bibliografia e do direcionamento da pesquisa de cadaum. Descalculia, formação de professores, indisciplina, produçãode textos e ortografia são alguns dos temas que estão sendopesquisados.” (Professor 15)“O papel da pesquisa é fundamentar o trabalho pedagógico. Aorealizar esta atividade, percebo que o ato de pesquisar torna o pro-fessor mais ativo e participativo, contribuindo com o educando paraque este desenvolva o ato de estudar, registrar, ler, avaliar seu próprioavanço no processo de aprendizagem.” (Professor 17)

O uso da pesquisa como suporte na melhoria da prática pedagógica escolar foidestacada pela maioria dos entrevistados. Entretanto, quando indagados se isso ocorria na sua

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prática, somente 10 professores apresentaram resposta afirmativa, conforme revelam as falasdispostas a seguir:

“Este ano estou trabalhando com crianças de quatro anos, que sãomuito inquietas. Então eu busquei assuntos na Revista Nova Escola,bem como comecei a perceber o que mais interessava aos pequenos.Notei que a aplicação de jogos, recortes de revistas e contação dehistórias pelos próprios alunos eram muito mais proveitosas eatraentes. Com isso, estou conseguindo obter resultados positivos.”(Professor 7)“Atualmente, quando inicio o ano, faço uma sondagem do nível daturma, chegando a pesquisar a relação familiar de meus alunos parapoder então começar a direcionar a meta de ensino, pois muitasvezes a aprendizagem do aluno está diretamente relacionada àfamília.” (Professor 22)“Eu fiz uma pesquisa com eles sobre avaliação há uns 5, 6 anos.Por exemplo: por que os alunos tiraram nota abaixo da média? Entãonós fomos pesquisar e a pesquisa foi feita por eles e para eles. Eufui com as avaliações para a sala de aula perguntar a que elesatribuíam aquelas notas baixas, então nós fomos fazer umlevantamento: pontos positivos, pontos negativos, procurando ascausas e as sugestões. A gente já vem desenvolvendo esse trabalhoao longo dos anos, chamando essa pesquisa de “Avaliação: umavia de mão dupla”. Avaliou o aluno e ele se avaliou. Juntou profes-sor, aluno, direção, coordenação e pais.” (Professor 31)

Embora reconheçam a importância da pesquisa para a docência, é reduzido ocontingente de professores que afirma utilizá-la em sua prática profissional. Um dos argumentosrecorrentes na explicação desta discrepância é assim expresso: não há incentivo por parte dasescolas; o professor não tem tempo, nem orientação, nem uma formação voltada para a pesquisa(Professor 15). Os pronunciamentos seguintes ilustram esse quadro de falta de condições para aprática de pesquisa:

“A imagem que eu tenho da atividade de pesquisa é que o educadornecessita ter mais compromisso e responsabilidade com a educação.Verifico também uma urgente necessidade de construir espaços depesquisa, reflexão e ação para os educadores. Acho que todo pro-fessor é capaz de ser um pesquisador, mas, na realidade, perceboque isto não acontece porque o professor, para ter uma melhorcondição de vida, muitas vezes necessita trabalhar até três horários,ficando inviável para o professor estudar e se aprimorar. Para termosprofessores mais qualificados deveria se investir mais na formaçãocontinuada do educador.” (Professor 17)Entre os aspectos mencionados, a carência de tempo aparece commais constância nas falas dos entrevistados, consistindo na princi-pal dificuldade para a prática da pesquisa, conforme declararam osprofessores nos depoimentos a seguir: “Vejo bem distante do dia-a-dia do professor. Acho que o maior problema é a falta de tempo,embora tenham aqueles um pouco negligentes.” (Professor 27)“No dia-a-dia do professor só é possível realizar as funções rotineiras,dar aula etc. Até para planejar é problemático. Nós professores temosdois sábados por mês para ir a escola para planejar, só temos folgaaos domingos. Folga entre aspas, porque até aos domingos temosque trabalhar corrigindo provas. A pesquisa não é valorizada notrabalho. As pessoas acham que pesquisa é para cientista.” (Profes-sor 23)

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A ausência de tempo é um elemento restritivo da prática da pesquisa no cotidianodocente. O professor de ensino básico é, na maioria das instituições, responsável por um grandenúmero de turmas, nas quais atua introduzindo e organizando o conhecimento escolar. Sua cargahorária de trabalho semanal é, em geral, comprometida com o tempo despendido em sala de aula,no planejamento, na seleção e preparação de material didático, na correção de trabalhos e provas,atendimento a pais, atividades de apoio ao ensino (reforço/recuperação). Quais as possibilidadesdo professor se posicionar como um pesquisador, um profissional reflexivo, em um contexto detrabalho que restringe sua independência profissional? Ninguém se torna pesquisador do dia paraa noite. Os professores entrevistados revelam que conhecem os pressupostos que dão sustentaçãoà proposta do professor reflexivo e desenvolvem uma prática marcada pela ausência da pesquisa,situação impulsionada pelas condições árduas de trabalho. É necessário ter tempo e incentivoinstitucional para estudar, para aprender, para desenvolver-se. Ademais, se a assunção de umapostura reflexiva e de uma prática investigativa está implicada com o processo formativo do docente,certamente ela também não se descola de suas condições de trabalho e de salário.

Isto porque uma prática investigativa, reflexiva e crítica não se restringe à reflexãosobre os problemas de sala de aula ou mesmo da escola. Esta, embora necessária, não é suficientepara elaborar uma compreensão teórica sobre os fatores que condicionam sua prática profissional(CONTRERAS, 1997). Ela reclama, pois, uma teoria que auxilie no desvelamento do sentidopolítico, cultural e econômico da escola na sociedade, explicitando como este significado semanifesta no trabalho dos professores e na forma como se concebe a função social dessesprofissionais, bem como vem sendo incorporado na ação educativa escolar (GIROUX, 1999).

Os professores pesquisados sentem-se muito mais fazedores do que pesquisadores.Este, entretanto, não é o perfil profissional delineado em seu imaginário que, ao que parece,aponta para os desafios da reflexão e do engajamento com a prática. Falta-lhes formação e,sobretudo, reconhecimento institucional quanto a sua capacidade de produzir conhecimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BOGDAN, Roberto C; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação Qualitativa em Educação: introdução àteoria e aos métodos. Portugal: Porto Editora/LDA, 1994.

CONTRERAS, José. A autonomia de professores. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1999.

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FLEURY, J. et al. Les representations de la recherché dans une formation par la recherché. L´exempledu DHEPS de Haute-Bretagne. Recherche et Formation, n. 17, 1994, p. 35-46.

GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais. Porto Alegre: ARTMED, 1999.

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______. A escola crítica e a política cultural. 3. ed. São Paulo: Cortez/ Autores Associados Ed.,1992. (Polêmicas do nosso tempo).

HUBERMAN, A. M. O Ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, Antonio (org.). Vidasde professores. Portugal: Porto Editora/LDA, 1992.

LÜDKE, Menga (coord.). O professor e a pesquisa. Campinas: Papirus, 2001. (Série PráticaPedagógica).

LUDKE, Menga. A complexa relação entre o professor e a pesquisa. In: ANDRÉ, Marli (org.). Opapel da pesquisa na formação e na prática dos professores. Campinas, SP: Papirus, 2001a, p.27-54.

LUDKE, Menga. A pesquisa e o professor da escola básica: que pesquisa, que professor? In:CANDAU, V. M. (org.). Ensinar e aprender: sujeitos, saberes e pesquisa. Rio de Janeiro: DP&A,2000, p. 100-113.

SCHON, Donald. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. (coord.). Osprofessores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995.

______. The reflective practitioner: how professionals thinnk in action. EUA: Basic Books, 1993.

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INTRODUÇÃO

Consideramos inicialmente que a sociedade visualiza o curso de graduação emEducação Física como sendo essencialmente prático, o que afeta e influencia o perfil das pessoasque o procuram.

Tradicionalmente temos a contribuição da própria área que, através de seus cursosde preparação profissional, reforçam (e vendem!) a idéia de uma área recheada de vivênciaspráticas e que pouco valoriza a produção de um corpo de conhecimentos que lhe dê sustentaçãoe autenticidade (TANI, 1996).

As disciplinas esportivas, características dos cursos de graduação em EducaçãoFísica, trazem à tona a dificuldade de interagir teoria e prática em tais estruturas formativas, porpossuírem em suas aulas momentos e espaços distintos para tratarem cada um desses conteúdos(TERRA, 1997).

Uma incursão pela história da preparação profissional em Educação Física no Brasil,nos revela a existência de, basicamente, dois modelos curriculares: o tradicional-esportivo e o deorientação técnico-científica.

O currículo tradicional-esportivo foi o primeiro modelo curricular em Educação Física,surgindo no final de (19)60 e ainda presente em muitos cursos de graduação, especialmente nasinstituições privadas. Enfatiza as chamadas disciplinas “práticas”, principalmente as esportivas,onde há separação entre teoria e prática. A prática ocorre através da execução e demonstração,por parte dos graduandos, de habilidades técnicas e capacidades físicas (BETTI e BETTI, 1996).

Tal modelo está vinculado à idéia da imitação e reprodução de movimentos, motivopelo qual os futuros professores precisam aprender a execução correta dos gestos motores dedeterminada modalidade esportiva para poderem ensinar a seus alunos.

A primeira tentativa significativa de mudar a estruturação tradicional e caracterizara Educação Física enquanto disciplina acadêmica fez surgir o segundo modelo curricular na área,chamado de currículo de orientação técnico-científica. Chega ao Brasil somente no início de (19)80,culminando num avanço acadêmico-científico, mas que se preocupou prioritariamente compesquisas relacionadas às ciências naturais, o que não trouxe melhorias na prática profissional,distanciando ainda mais a teoria da prática (BETTI, 1996; TANI, 1996).

Recentemente, BETTI e BETTI (1996) propõem um terceiro modelo curricular apartir dos estudos do ensino reflexivo, onde a formação é baseada na prática da reflexão sobre oensino, objetivando um profissional que reflita antes, durante e após a ação de ensinar.

AS DISCIPLINAS ESPORTIVAS NO CURSODE EDUCAÇÃO FÍSICA DA UFSCAR

Uliana Sbeguen Stotzer (CEF/UFSCar); Glauco Nunes Souto Ramos (DEFMH/UFSCar)

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Sabe-se que, ao se deparar com a realidade da profissão, o futuro profissionalprecisará tomar decisões em relação aos conteúdos, estratégias, objetivos e avaliação que deveráutilizar para uma determinada população/pessoa.

Para BETTI (1996), o estudo de tal prática deveria ser o objeto central da EducaçãoFísica, pois através da verbalização e aplicação dos instrumentos conceituais, torna-se mais difícilque o profissional cristalize sua prática profissional.

O que deveria distinguir um leigo de um profissional com formação acadêmica é acapacidade de (re)elaborar seu próprio conhecimento, sendo capaz de responder perguntas como:“Por que fiz assim?”, “Com base em que tomei tal decisão?” A prática passaria e ser entendidacomo uma ação profissional em determinado contexto organizacional. Desta maneira, relatos sobrea experiência prática, de forma reflexiva, devem fazer parte da formação acadêmica (BETTI eBETTI, 1996).

Neste sentido, as vivências práticas em um curso de graduação em EducaçãoFísica assumiriam um vínculo com a aquisição de conhecimentos, podendo se tornar experiênciasextremamente ricas na preparação profissional.

Diante do exposto o objetivo do presente trabalho é compreender o papel dasdisciplinas esportivas obrigatórias no Curso de graduação em Educação Física da UFSCar (CEF/UFSCar) e verificar a forma como estas vêm sendo ministradas por seus respectivos docentes.

METODOLOGIA

Para se atingir o objetivo proposto, optamos por realizar uma pesquisa do tipoqualitativa que, segundo LÜDKE e ANDRÉ (1986), “... se desenvolve numa situação natural, érico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexae contextualizada...” (p.18).

A pesquisa foi feita em três etapas inter-relacionadas, a saber: a) revisão bibliográfica,b) análise documental do projeto pedagógico e dos programas das disciplinas esportivas do CEF/UFSCar e, c) entrevistas semi-estruturadas com os docentes responsáveis por tais disciplinas.

A análise documental do projeto político pedagógico se fez necessária para definir aproposta do referido curso e qual o perfil que se deseja do profissional por ele formado. Já a análisedos programas das disciplinas esportivas teve como objetivo central situar as mesmas no contextodo CEF/UFSCar.

As entrevistas semi-estruturadas (NEGRINE, 1999) buscaram a caracterização dadaa cada disciplina por seus respectivos docentes e sua eventual identificação com a propostapedagógica do curso.

ANÁLISE DOS DADOS

A proposta de implantação do CEF/UFSCar, considera que o curso vai além dateoria crítica em que se fundamenta, buscando uma perspectiva superadora, entendendo-o como

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um currículo aberto a experiências, problematizador, praxiológico, dinâmico-dialógico, que

“não admite a idéia do conhecimento pronto e acabado a sercegamente transmitido aos alunos, como se tivesse valor em si. Aoinvés, professa a concepção de conhecimento construído no“confronto de saberes”: o saber historicamente acumulado,sistematizado e o saber do senso comum, que o aluno possui etraz para o currículo. Trata-se, assim, de superar as concepçõespredominantes, em direção a uma EF & MH que valorize o saber, ofazer e o refletir, considerados dialeticamente num constantemovimento de ação-reflexão-ação, estabelecendo assim osnecessários liames entre conhecimento e realidade”(UNIVERSIDADE, 1995).

Dentro dessa linha, espera-se dos profissionais que se formam no CEF/UFSCarque tenham como qualidade fundamental a capacidade de posicionar-se teoricamente em relaçãoà sua prática, não apenas consumindo e transmitindo técnicas mas, por exemplo, colocando-secriticamente em relação a elas e sistematizando novas maneiras de se relacionar com seu campoprofissional.

A dimensão pedagógica deve nortear a formação do profissional de Educação Física,já que ambas as ênfases – licenciatura e bacharelado - envolvem esta ação, implícita ouexplicitamente, sendo que as especificidades pertinentes a cada uma serão enfocadas no últimoano profissional.

As disciplinas de formação comum, ministradas nos 3 primeiros anos de graduação,onde se encontram as disciplinas esportivas do CEF/UFSCar, são consideradas “disciplinas–eixo”,cujas ementas e conteúdos devem destacar a interação entre conhecimento científico e a práticaprofissional, onde deve ser dada ênfase na relação teoria-prática, priorizando o conteúdo científicode interesse específico, vinculando-o diretamente aos aspectos próprios da intervenção profissionalnos diversos campos da Educação Física (UNIVERSIDADE, 1995).

Ao se refletir sobre o profissional que se deseja formar no CEF/UFSCar, espera-seque este seja capaz de elaborar uma prática fundamentada na teoria, para que não elabore/realizea “prática pela prática”.

Pela análise documental do CEF/UFSCar podemos perceber que este se difere dosmodelos curriculares mais comuns na nossa área, onde o perfil do profissional que se desejaformar reflete o desejo de mudar o processo tradicional de ensino-aprendizagem das disciplinasesportivas.

Segundo essa proposta, o professor deveria trabalhar conteúdos relacionados àsduas ênfases. Porém, tal amplitude abre espaço para o desenvolvimento dos conteúdos específicosa uma única ênfase, enfocando aquilo que o docente tem mais familiaridade.

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As disciplinas objeto de análise são caracterizadas da seguinte forma:

Sobre a estruturação e organização das cinco disciplinas, constatamos que cadaprofessor o faz de forma distinta e independente. Se por um lado podemos ressaltar a questão daautonomia docente e da pluralidade de pensamento e ação, por outro percebemos que a falta dotrabalho coletivo acarreta concepções distorcidas e equivocadas da(s) disciplina(s) e da própriaproposta pedagógica do CEF/UFSCar.

Os professores, principalmente os três responsáveis pela disciplina ModalidadesEsportivas III, onde cada qual ministra uma determinada modalidade esportiva, deveriam organizá-las em conjunto e não fragmentá-la. De acordo com BETTI (1996), cada professor, respeitandosuas heterogeneidades, deve contribuir para a formação completa do aluno e a realização de umplanejamento em conjunto com outros professores, que estabeleçam objetivos claros aos alunos,e que estes sejam constantemente lembrados para representar para eles um significado concretodas aulas

Ainda para o mesmo autor, seria interessante elaborar uma teoria da prática, paratentar chegar a um consenso, para a área da Educação Física, sobre o objeto de estudo e asmetodologias.

Sobre a carga horária das disciplinas, cinco dos seis professores entrevistados dizem,direta ou indiretamente, ser insuficiente, sendo que os dois professores efetivos que ministramModalidades III dizem não ser possível trabalhar dentro da proposta pedagógica do curso.

Sobre a forma como é trabalhada a relação teoria-prática em suas disciplinas, trêsprofessores relatam uma carga horária prática maior do que a teórica; um professor relata o inverso,sendo que a parte teórica para estes professores acontece antes da parte prática e os outros doisprofessores demonstram trabalhar simultaneamente essa relação.

Na perspectiva da relação existente entre teoria e prática, temos que os docentesque trabalham a parte teórica antes da prática são caracterizados, segundo CANDAU e LÉLIS(1995), na visão dicotômica associativa, ou seja, a teoria determina o que a prática deve fazer.Desta maneira, infelizmente, a prática assume o papel de reprodutora (da teoria) e não de criadora.

Aos docentes que estabelecem ou procuram estabelecer uma simultaneidade entreteoria e prática, trabalham em uma visão de unidade na relação teoria-prática, apresentando umaperspectiva superadora (SILVA, 2002).

DISCIPLINA CARGA HORÁRIA DOCENTES

Modalidade Esportiva I 60 horas/aula 1 (P1)

Modalidade Esportiva II 60 horas/aula 1 (P1)

Modalidade Esportiva III 120 horas/aula 3 (P2, P3 e P4)

Modalidade Esportiva IV 90 horas/aula 1 (P5)

Modalidade Esportiva V 60 horas/aula 1 (P6)

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Segundo BETTI (1996) é necessário estabelecer uma mediação entre teoria e prática,onde teoria da Educação Física deve ser concebida como um campo dinâmico de pesquisa ereflexão. Com isso vão surgir questões mais complexas, aparecer problemas da prática onde tudoparecia estar bem e, desta forma, pode-se consciente e criticamente melhorar a prática.

Sobre o principal objetivo das disciplinas nenhum docente faz uma relação diretacom os objetivos propostos no programa das mesmas, sendo que dois professores parecemestabelecer objetivos aquém dos propostos nos respectivos programas e um professor estabeleceobjetivos acima do previsto. Três docentes parecem se aproximar do que GONZALES (1999)considera importante nas disciplinas esportivas:

“propiciar condições para que os futuros professores desenvolvamas estratégias de observação, planejamento, condução e avaliaçãode projetos didáticos e situações de ensino de conteúdo da disciplinadesportiva e da articulação com outros conteúdos, atendendo apropósitos da Educação Física e projetos educativos em que serãoinseridos nos diferentes níveis do ensino, compreendendo osignificado político de sua atuação” (p. 587).

Ainda segundo o referido autor, o importante é que os futuros professores sejamcapazes de identificar/compreender o contexto social que se inseriram para poder adaptar aspráticas pedagógicas nesse contexto, usando de uma correta dinâmica metodológica na relaçãoensino-aprendizagem.

Ao se elaborar objetivos, é comum vermos professores de Educação Física nãosendo coerentes entre objetivos e meios utilizados. Ás vezes tentam alcançar objetivos inovadoresfazendo uso de estratégias tradicionais. Isso também acontece quando se analisam as intençõese seus efeitos (BETTI. 1996) e isso também provoca uma confusão nos próprios alunos quemuitas vezes não entendem o porquê de realizar a prática ou estudar a teoria.

No que se refere aos conteúdos das disciplinas analisadas, definidos por alguns dosesportes tradicionalmente aceitos na área (atletismo, natação, basquete, vôlei, handebol e futebol),vale ressaltar que nenhum dos docentes fez qualquer menção explícita às três dimensões dosconteúdos, ou seja, conceitual, atitudinal e procedimental (ZABALA, 1998).

A partir das vivências e das entrevistas realizadas, percebe-se um predomínio dadimensão procedimental, passando brevemente pela dimensão conceitual dos conteúdos, reforçandoas relações existentes entre teoria e prática apresentada anteriormente. Nota-se que a dimensãoatitudinal praticamente não aparece de forma intencional ou sistematizada. Tais observaçõescorroboram trabalho realizado por SILVA e cols. (2000).

A respeito da metodologia de ensino que utilizam em suas aulas, cada professorparece utilizar metodologias individuais, enfatizando a execução motora e a performance. Doisprofessores dizem fazer uso de seqüências pedagógicas em suas aulas, o que é importante paradar um direcionamento aos alunos quando forem atuar, mas elas também devem acontecersimultaneamente a reflexões, pois segundo BETTI e BETTI (1996) essas seqüências, quando

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transferidas para a prática de ensino, não levam em conta as realidades comportamentais, culturaise políticas da prática de trabalho.

Quando questionados se ensinam métodos diversificados de avaliação aos alunos,os professores não são claros em suas respostas.

Sobre a maneira que são inseridas as disciplinas na grade curricular do CEF/UFSCar,quatro dos seis docentes entrevistados revelam em suas entrevistas que julgam necessário umareestruturação curricular, sendo que, os três professores que ministram Modalidades Esportivas IIIdividem a mesma idéia de que deveria ter um número mínimo de créditos obrigatórios, de modoque fosse permitido aos alunos escolher as modalidades do seu interesse.

“Ao centralizar o processo decisório da aprendizagem no adulto,admite que todo ser humano está destinado a realizar-se, segundoum modo próprio de acordo com as possibilidades que surgem doseu interior. Essa eleição de opções, mais ou menos conscientes,o condenam a inibição de algumas possibilidades e a desenvolveroutras” (COSTA, 1997, p.36).

Como visto, os professores mostram-se insatisfeitos com as disciplinas, chegandoa sugerir algumas mudanças. Entretanto, até a realização do presente estudo, não foi verificado ouapresentado, formalmente, nenhum tipo de proposta de alteração por parte dos docentesentrevistados à Coordenação de Curso e/ou ao Departamento de Educação Física e MotricidadeHumana.

Um professor aponta para a necessidade de ter “uma disciplina mais geral que tratedessas questões todas mais teóricas”. Outro sugere que quando a aluno optasse pela modalidadede maior interesse automaticamente ele estaria se vinculando a um projeto de extensão, ondevocê ensinaria aquela atividade com um “tutor organizando isso”.

Um dos autores deste trabalho que ora apresentamos já havia praticado, fora dauniversidade, grande parte das modalidades esportivas cursadas, mas no momento em que cursavaa disciplina Modalidades Esportivas III, estagiava com natação, fator que enriqueceu muito adisciplina, pois as inúmeras dificuldades encontradas na prática eram levadas para a aula ou paraa professora, que proporcionou a ele reflexões sobre o problema. Assim como o que aprendia nadisciplina levava para as aulas que ministrava no seu estágio, fazendo com que ampliasse eajudasse a fixar o conhecimento adquirido.

Para COSTA (1997) situação como a exposta acima é explicada pelo fato do ensinoandragógico só ocorrer quando apresenta problematização, tomada de decisão, responsabilidadee autonomia na fase de aquisição de conhecimento profissional, através de investigaçõessistemáticas sobre problemas concretos de experiência do aluno.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a realização deste trabalho pudemos compreender que as disciplinas esportivasno CEF/UFSCar estão passando por um processo de mudança, onde o currículo tradicional-esportivo cada vez mais perde espaço para o técnico-científico e, mais lentamente, para o ensinoreflexivo, onde a execução das habilidades motoras assume outras funções.

Enfatizamos a necessidade do desenvolvimento dos conteúdos de tais disciplinasem suas três dimensões conceituais, atitudinais e procedimentais (SILVA e cols., 2000).

Outro fato percebido é que, segundo a opinião da maioria dos docentes que ministramas disciplinas estudadas, elas precisam passar por uma reestruturação curricular, envolvendomudança de carga horária, objetivos e conteúdos.

Na relação dos elementos apresentados, percebemos que a mudança nodesenvolvimento das dimensões dos conteúdos e os aspectos metodológicos utilizados não sãosugeridos ou mencionados pelos docentes participantes. Pontos estes que necessitariam de maioratenção.

A idéia apresentada por um dos entrevistados, merece ser ressaltada, ou seja, a doaluno se vincular a um projeto de extensão ou um estágio simultaneamente ao período que cursaa disciplina, com o intuito de melhor compreensão dos conhecimentos.

Ressaltamos que tais considerações limitam-se à instituição e às falas dos seusrespectivos docentes pesquisados e que, mesmo assim, precisam ser analisadas com a devidaatenção.

Ao realizar este trabalho verificou-se que nem sempre o professor é capaz de explicitaros objetivos da(s) disciplina(s) e os seus próprios, dificultando a sua compreensão.

Além de pesquisadora, a primeira autora deste trabalho, foi aluna do CEF/UFSCare dos docentes entrevistados, podendo verificar, em alguns casos, que o professor pode apresentarum discurso muito rico e útil, porém, os meios, os recursos, a metodologia que ele utiliza paraministrar suas aulas, não são coerentes com o discurso.

Como disse um professor em conversa informal, depois de uma entrevista, eleconsidera sua aula a melhor aula do mundo, e a cada ano, a cada novo encontro, promove mudançasnessa aula para que ela continue sendo a melhor aula, mas que se os alunos captam tudo o queele passa ele já não sabe...

A proposta pedagógica é estruturada para dar uma “identidade” ao curso, masinfelizmente alguns docentes não demonstram relação entre a disciplina que ministram com aproposta pedagógica do curso e/ou objetivos gerais da mesma. Não nos foi possível saber se porfalta de conhecimento ou por não concordar com a proposta pedagógica, mas isto não deveriaacontecer.

Também se faz necessária a investigação da opinião dos alunos que freqüentamessas aulas/disciplinas, já que eles teriam muitos aspectos a revelar e contribuir.

Como sugestão, propomos que os alunos sejam incentivados a conhecer a propostapedagógica do seu curso de graduação logo ao ingressaram na universidade e que tenham acesso

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a informações sobre as disciplinas antes de cursá-las. Provavelmente isto contribuirá para oenriquecimento das disciplinas, do curso e dos professores na perspectiva de um processo contínuode melhora e adequação da ação profissional e de um ensino reflexivo.

Um ensino reflexivo em relação à ação pedagógica e às realidades profissional esocial, segundo PIROLO (1997), propiciam uma melhor qualificação profissional, ampliam suaárea de ação e proporcionam uma melhor oportunidade de desvelar a realidade.

Gostaríamos de esclarecer que as críticas apresentadas têm o caráter construtivo enão depreciativo. Acreditamos que as entrevistas realizadas e o trabalho concluído possam despertarreflexões individuais e coletivas que venham, em breve, contribuir com a melhoria do CEF/UFSCar

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

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A qualidade da produção científica, está sujeita, entre outros fatores,ao desempenho leitor de docentes e discentes. (VICENTELLI, 2004,p.33, tradução nossa)

Ensinar, aprender e pesquisar pressupõem a leitura do mundo, a reflexão e possíveismudanças quanto aos modos de compreender os fenômenos (Veiga-Neto, 2002). Como uma daspráticas socializadas e mais comuns de interação humana e acumulação de informações econhecimentos destaca-se a linguagem oral/escrita. Em situações escolares, freqüentemente,faz-se presente a modalidade escrita em textos, seja em livros, artigos, anotações, sínteses etc.Uma posição de escuta e não de leitor arrogante, como bem descritos por Larrosa (2002, p.137-138) faz-se imprescindível àqueles que aprendem e por aprenderem podem ensinar e gerar novosconhecimentos, não só para si, como para o campo em que atuam ou venham a atuar.

Há que se assuma que a sociedade contemporânea demanda das instituições deEnsino Superior a formação de profissionais competentes e capazes de gerar novos conhecimentos.Subjacente a todas as atividades características destas instituições está a leitura. É inegável,enfim, a dimensão formadora do espaço universitário para a construção de habitus e práticaseficientes de leitura e escrita, bem como por suas atividades poder induzir a necessidade de leituraautônoma e a mudança de valores quanto à leitura. Contudo, como demonstra PAVÃO (2004) ovalor e o uso social efetivo da leitura não são similares entre os que ingressam nas universidades.

Vicentelli (2004) revendo as diferentes proposições sobre as metas a seremalcançadas pelas IESs situa as de Edgar Morin (1999). Dessas destacamos, em razão do presentetrabalho, as seguintes:

preparação acadêmica centrada na distinção e contextualização dosproblemas complexos e multidimensionais, produto da nova realidadegeopolítica; formar profissionais criativos, reflexivos e polifuncionais;enfoque holístico do conhecimento: interdisciplinaridade,pluridisciplinaridade e transversalidade. (apud VICENTELLI, 2004,p.28, tradução nossa).

Ora, tais propostas são passíveis de serem efetivadas em ambientes nos quais aspráticas dos fazeres educativos pressuponham leitura efetiva, tanto por parte dos que ensinam,quanto dos que aprendem (docentes e alunos). Leitura esta não, necessariamente, realizada porprazer ou paixão, mas, com certeza, movida por comportamentos para a investigação e o estudo,enfim para aprofundamento dos saberes, especialmente dos relativos à sua formação profissional,disciplinares, curriculares e inclusive os experiênciais (TARDIF, 2002),

Nesse sentido, lembramos Paulo Freire (1982) quando frisa em seu texto, de 1968,

LEITURA DE ALUNAS DE UM MESTRADOEM EDUCAÇÃO : IMPLICAÇÕES PARA O

ENSINO E PESQUISA

PULLIN, Elsa Maria M Pessoa (UEL); PULLIN, Andréa Maria Pessoa (ISEMD1)

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Considerações em torno do ato de estudar, que quem estuda deve se sentir desafiado pelo textoem sua totalidade e seu objetivo deve ser o de apropriar-se de sua significação profunda. Porém,uma posição crítica -fundamental e indispensável ao ato de estudar- requer de quem a ele sededique que assuma, segundo esse educador, cinco posturas essenciais: a) seu papel de sujeito;b) uma postura curiosa, face ao mundo, aos textos e às relações com os outros, isto é, o estudantenão deve perder nenhuma oportunidade e fonte para indagar e buscar ; c) sinta a necessidade deque o estudo de um tema específico exige que se coloque a par da bibliografia relativa ao objeto desua inquietude; d) dialogue com o autor do texto, levando em conta o condicionamento histórico-sociológico e ideológico do autor, o qual nem sempre é o seu, enquanto leitor; e) assuma a humildadenecessária daqueles que de fato estudam. Tais posturas são, ainda, essenciais a quem ensina epesquisa.

O processo de construção de sentido(s) de um determinado texto de estudo depende,por conseguinte do leitor que se assuma como sujeito e para tal as condições de que dispõe paramanter diálogos com o texto, são essenciais, sabendo-se, porém, que estas são determinadaspor sua experiência, por seus saberes e sua competência lingüística, (ECCO, 1985, entre outros).Tais condições permitem ao leitor de textos acadêmicos ou não retirar “o texto da clandestinidade,ao estabelecer com ele um diálogo que revivifica e atualiza seu sentido, até então encoberto pelaausência do leitor” (CORDEIRO,·2004, p. 97)

Ferreira (2004) ao caracterizar o campo de conhecimento sobre leitura, constituídono Brasil nos últimos 40 anos, toma como uma das fontes os resumos das dissertações de mestradoe das teses de doutorado, defendidas no período de 1980 a 2000, em programas de pós-graduaçãode Letras/Lingüística, Psicologia, Educação, Biblioteconomia, História, Artes e Comunicações. Aautora registrou que das 490 pesquisas produzidas nesse período, 150 trabalhos centram-se eminvestigar ‘como se lê’. Outras 104 produções voltam suas preocupações para análises, discussõese avaliações dos aspectos que levam ao fracasso e ao sucesso escolar da leitura, tendo em vistaa formação do leitor. Para tanto, estas produções elegem como campo de investigação, a escolae a biblioteca, como instituições importantes para essa formação: Apenas 48 trabalhos debruçam-se em caracterizar as práticas, atitudes e interesses dos leitores e em como elas se constituem aolongo de sua vida.

Essa autora caracteriza, ainda, as tendências teóricas e paradigmáticas queemergem da análise dessas produções identificando que a partir dos anos 90 passam a ganharforça, no interior da academia, os temas relacionados aos “leitores com suas representações,preferências, hábitos, histórias; o professor-bibliotecário-leitor [...] o da memória da leitura, do livroe do leitor” (FERREIRA, 2004, p.20), isto é, a partir dessa década a produção naqueles centrosde formação começam a focalizar a leitura como uma prática social e não apenas escolarizada.

A leitura é um tema complexo e multidisciplinar (WITTER, 1984; ZILBERMAN;SILVA, 1998), e constituído socialmente, por conseguinte afetado pelas dimensões histórico-culturaispredominantes em um dado espaço histórico. Como ação individual é um comportamento, portantoimplica em interação, tanto para ser aprendido, quanto para ser praticado de modo efetivo. Tantoem um caso como noutro, é socializado pelas práticas culturais de uma dada comunidade, as

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quais viabilizam diversos modos e modalidades de apreensão do mundo, através das relaçõespossíveis/possibilitadas a cada indivíduo com os produtos e bens culturais de seu tempo e espaço.Por essas razões, diversos autores, entre eles, Chartier (1998; 2001), Cavallo; Chartier (1998) ,Chartier e Bourdieu (1996), Freire (1999), Marcuschi (1998), Vygotstky (1984), consideram aleitura como uma prática cultural indissociável das relações sociais e da relação e posição que oindivíduo mantém com o mundo.

Emprestando desses autores alguns dos princípios para a constituição docomportamento leitor, e apoiadas em uma perspectiva psicológica, inspirada nos trabalhos de Lev.S. Vygotsky retomamos o que defendemos, anteriormente:

a leitura como um mediador potencial para a ocorrência de novasexperiências e aprendizagens, sendo que sua extensão ultrapassao sentido estrito de decodificação das diversas dimensões emodalidades da língua praticada por sua comunidade verbal.(BARTALO; PULLIN, 2005, p.1)

As revisões de estudos sobre as práticas de leitura em instituições de Ensino Supe-rior (IES) apontam para a presença de uma relativa sub-valorização e sub-utilização da leitura, porparte dos estudantes-leitores universitários (FRAISSE, 1993; WITTER; VICENTELLI, 2001;CHARTIER, 1999, entre outros).

Além desses fatos, Boruchovitch; Costa e Neves (2005) destacam que as evidências,em nível nacional, mesmo entre esses estudantes, apontam para déficits e dificuldades dos alunosem aprender tendo como fonte textos. Verificaram, pela revisão bibliográfica que realizaram sobreessa temática, que diversas razões sustentam essas dificuldades responsáveis pelocomprometimento da “promoção da aprendizagem auto-regulada, desde o início do processo deescolarização formal” (Boruchovitch; Costa; Neves, 2005, p. 240).

Concordamos, em parte com Duarte (2003), quando põe em questão os princípiose conseqüências geradas pelas pedagogias do ‘aprender a aprender’, bem como o aceite nãocrítico do que vem sendo denominado por sociedade do conhecimento, como uma das razões quejustifiquem essas pedagogias, porém consideramos que os escolares não devem ficar apenassubordinados aos textos orais do professor em sala de aula, mas buscarem outras fontes, como aspossibilitadas por leitura de textos, para construírem seus saberes.

A tendência internacional das publicações, produções teóricas e relatos de pesquisarelativas a estratégias de aprendizagem e de suas relações com a leitura tem aumentado nosúltimos anos, porém a produção nacional sobre essas temáticas é escassa, quando relacionadaaos diferentes níveis de escolarização formal (Boruchovitch,1993).

Face às metodologias educacionais mais utilizadas no Ensino Superior, a leitura éum dos elementos essenciais para o desempenho escolar (WITTER, 1997; PAVÃO, 2004), vistoessas implicarem no domínio de uma metodologia individual e eficiente de leitura e de estudo porparte dos alunos, os quais como “leitores-acadêmicos” (DAUSTER, 2002) devem assumir a posiçãode co-autor, e freqüentemente, de autor na construção de seus conhecimentos. Por conseguinte,não é de se estranhar que as relações entre leitura, compreensão e metacognição venham

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despertando o interesse de diversos pesquisadores brasileiros, como reportado por Kopke Filho(2001; 2002), bem como o fato de o maior número de produções nos programas investigados porFerreira (2004) centrem-se na temática de “como se lê”.

Para Paris, Lipson e Wixson (apud KOPKE FILHO, 2001) o conceito de estratégiadistingue-se do de habilidades, na medida em que o primeiro implica intencionalidade, enfim umpropósito por parte de quem age, sendo que é ao sujeito que compete a escolha entre uma dasvárias alternativas que dispõe para se comportar. Essa condição de escolha, consciente ou não,em nossa posição, é produto da histórica particular de cada indivíduo com situações similares ouespecíficas com a qual deva interagir. Autores, entre outros, como Baker e Garner (apud KOPKEFILHO, 2001) propõem a denominação de metacognição ao conhecimento e auto-controle dacognição, por parte dos indivíduos.

Em face dessa breve revisão da literatura pertinente, há que se identifiquem asdificuldades ou problemas vivenciados por leitores. Considerando que nossa preocupação centra-se no “leitor-acadêmico” (DUASTER, 2005) e na possibilidade de se estender esse conceito atodos os que buscam na leitura condições de ampliarem seus conhecimentos, por mais diversosque sejam os textos, as fontes, as modalidades de sua composição e os conteúdos, parece-nosrazoável atentarmos para alguns resultados de avaliações nacionais que dispomos.

Por exemplo, os resultados publicados pelo MEC/SAEB, relativos aos desempenhosde alunos matriculados nas séries finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, em 2003,permitem que se conclua que poucos foram os que adquiriram as competências de um bom leitor.Os alunos de 8ª série obtiveram a média mais baixa (232 pontos) na série histórica dessas avaliaçõesrealizadas, a cada dois anos, desde 1995, enquanto que os da 3ª série do Ensino Médio apresentaramcinco pontos acima dos resultados da avaliação anterior, invertendo desse modo a tendênciadescendente dos resultados obtidos desde então. Contudo, além dessas diferenças não seremestatisticamente significativa, a média de pontos obtidos (266,7) está aquém do indicador mínimode proficiência prevista pelo instrumento para essa série (350 pontos). Os que obtivessem emtorno desse patamar (350 pontos) seriam pelos critérios adotados os que consolidaram “habilidadesde leitura competente e condizente, tanto para a continuação de estudos quanto para o ingressono mercado de trabalho qualificado ( BRASIL, 2004, p. ?). As médias de alunos dessa série e nívelde ensino, tanto os de escolas públicas quanto particulares ficou inferior. As médias dos alunosdas escolas particulares situaram-se entre 282,8 a 333,9, enquanto que as de escolas públicasvariaram de 228,4 a 268,8 pontos. Conclui-se, então, que a média inferior obtida pelos matriculadosem escolas particulares supera a média superior daqueles matriculados em escolas públicas.

Apesar dos discursos múltiplos sobre a oferta do Ensino Superior (por exemplo, ototal de escolas e cursos e alunos atendidos em IES particulares superar os das IES públicas),não causa estranheza, face a resultados como os apresentados, o fato de alunos matriculados emcursos desse nível de ensino, em IES particulares ou públicas, apresentarem déficits deaprendizagem e de estratégias de leitura. Pesquisas realizadas em outros países apontam para osmesmos problemas, conforme Witter (1996; 1997).

Buscamos, no presente trabalho, relatar os tipos de estratégias de leitura mais

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freqüentemente utilizadas por um grupo de estudantes de pós stricto sensu (mestrado), da áreade Educação, de uma IES pública. Um projeto mais amplo inclui a participação de outros alunosuniversitários, bem como o uso de distintos instrumentos para caracterizar as funções atribuídas àleitura, memórias de suas formações como leitoras, práticas e fontes de leitura. O presente relatoé um recorte das informações colhidas junto a um dos sub-grupos desse projeto mais amplo.

Participantes, Procedimentos e Instrumento para a Coleta:Compuseram o corpo de participantes desta pesquisa seis alunas desse mestrado

matriculadas na disciplina Leitura: ensino e aprendizagem, sob responsabilidade de uma das autorasdo presente trabalho. Uma amostra por conveniência foi, então, constituída.Todas as participantessão do sexo feminino, com experiência docente nos diversos níveis de ensino. Apenas uma delasnão tinha experiência em Ensino Superior.

A estratégia utilizada para obtenção das informações foi a de solicitar a colaboraçãodas mesmas, via e-mail, quando encerrada a oferta da disciplina. No corpo do e-mail foi esclarecidaa importância de cada uma colaborar para o projeto mais amplo em andamento, e solicitada acolaboração no preenchimento do Questionário enviado em arquivo anexo, bem como a assinaturaTermo de Consentimento Esclarecido.

O Questionário utilizado relativo ao uso de estratégias no processo/produção deleitura, foi adaptado, traduzido e utilizado por Kopke Filho (2001) a partir dos resultados de umestudo exploratório, junto a universitários, realizado por Goetz; Palmer, em 1991. O questionáriocompõe-se de 20 itens, distribuídos por três fases do processo/produção da leitura: previsão, istoé antes de iniciada a leitura, composto por quatro itens; ao longo da leitura, isto é durante aprodução de leitura do texto propriamente dito, com dez itens; e após a leitura, isto é, relativo àavaliação, com seis itens. Cada item possibilita a escolha de uma de três alternativas(freqüentemente; às vezes; raramente), relativas à freqüência com que cada estratégia é utilizadapelo respondente.

As participantes responderam ao e-mail, no mesmo dia e no máximo dois.

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RESULTADOS

As estratégias utilizadas pelas participantes, antes, durante a após a leitura, aparecempor sua freqüência na Tabela 1.

Como pode ser verificado 81% das opções foram registradas na alternativafreqüentemente, sendo as demais na alternativa às vezes. Todas examinam freqüente e previamenteo texto, quanto à sua estrutura e avaliam a necessidade ou não de continuar a ler o material,porém, apenas 1/3 delas levanta hipóteses antecipadas acerca do material a ser lido.

Como pode ser observado, na Figura 1, 6/10 das estratégias propostas sãofreqüentemente utilizadas pelas participantes, sendo que as demais são indicadas com ocorrênciaocasional (tomar notas (2/6); pensar acerca das implicações das informações do texto (3/6);consultar outras fontes para dirimir dúvidas (3/6) enquanto lêem).

TABELA 1: FREQUÊNCIA POR ALTERNATIVA QUANTO AO USO DE ESTRATÉGIAS NO PROCESSO DA LEITURA. (N=6) Questões Freqüentemente Algumas

vezes Raramente

A. Antes de começar a ler Você examina ligeiramente o texto inteiro? 6 0 0 Examina a estrutura do texto, procurando ler cabeçalhos, títulos, subtítulos etc...? 6 0 0 Após breve exame, levante hipóteses acerca do conteúdo do material a ser lido? 2 4 0 Pensa a respeito da finalidade ou necessidade de realizar a leitura? 6 0 0 B. Durante a leitura Você sublinha idéias ou palavras principais? 6 0 0 Toma notas? 4 2 0 Você cria imagens mentais de conceitos ou fatos descritos no texto? 6 0 0 Relaciona as informações do texto com suas crenças ou conhecimentos do assunto? 5 1 0

Pensa acerca de implicações ou conseqüências do que o texto esta dizendo? 3 3 0 Pára e reflete se compreende bem ou não o que esta lendo? 6 0 0 Quando não compreende uma palavra, frase ou parágrafo, você os relê? 6 0 0 Quando não compreende uma palavra, frase ou parágrafo, volta a ler partes que os precederam? 6 0 0

Quando não compreende uma palavra, frase ou parágrafo, dá continuidade à leitura em busca de esclarecimentos? 6 0 0

Quando não compreende uma palavra, frase ou parágrafo, consulta uma fonte externa(outro livro, outra pessoa?) 3 3 0

C. Após a leitura, Você faz uma releitura do texto? 3 3 0 Volta ao texto e relê os pontos mais relevantes? 6 0 0 Procura recordar pontos fundamentais do assunto sem retomar ao texto? 5 1 0 Avalia o quanto entendeu do texto e volta àquelas partes sobre as cuja compreensão não se sente seguro? 5 1 0

Verifica que hipóteses acerca do conteúdo do texto foram ou não foram confirmadas? 5 1 0

Procura fazer uma paráfrase ou resumo da matéria lida? 2 4 0 SUB-TOTAIS DE RESPOSTAS POR OPÇÃO 97 23 0

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Figura 1: Uso de Estratégias durante a leitura

Após a leitura, 72,2% das respostas indicam para o uso freqüente das estratégiasprevistas, para esta fase. As demais respostas indicam que algumas participantes as usamocasionalmente. Destaca-se, entre os resultados, o fato de 2/3 das participantes procurarem,apenas ocasionalmente, fazer uma paráfrase ou resumo da matéria lida.

Figura 2 : Uso de Estratégias Após a Leitura

Durante leitura

0

1

2

3

4

5

6

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6

Faz releitura do texto Volta ao texto e relêos pontos mais

relevantes

Procura recordarpontos fundamentais

do assunto semretomar ao texto

Avalia o quantoentendeu do texto evolta às partes de

compreensão incerta

Verifica quehipóteses foram ou

não foramconfirmadas

Procura fazer umaparáfrase ou resumo

da matéria lida

Estratégias

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FrequentementeAs vezes

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ANÁLISES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Influenciadas pela perspectiva de Charlot (2000, p.62), segundo o qual “não hásaber sem uma relação do sujeito com esse saber” o leitor deve ser participante ativo frente atextos. Uma das formas de avaliar as relações que um leitor mantém com um texto foi a utilizadano presente trabalho.

Possíveis previsões e hipóteses, consideradas por Cordeiro(2004, p. 97) como“recursos presentes na relação dialógica entre texto e leitor”, parecem estar presentes, entre asparticipantes.,quanto ao uso geral de estratégias que as possibilitam, Contudo, se o exame inicialde textos é feito freqüentemente por todas as participantes, após esse exame, apenas 1/3 dasmesmas freqüentemente levantam hipóteses sobre o material a ser lido. O pensar a respeito dafinalidade ou necessidade de realizar a leitura, isto é estabelecer e ordenar metas a cumprir sãocomportamentos freqüentes e comuns a todas as participantes.

Ao longo da leitura as participantes revelam diferença quanto ao uso das noveestratégias propostas para diagnosticar os comportamentos nessa fase. A freqüência, nesse casovaria de freqüente a ocasional. Distinguem-se principalmente quanto ao pensar acerca dasimplicações ou conseqüências do que o texto está dizendo e quanto ao consultarem outrasfontes para compreender o texto proposto para leitura.

Considerando a leitura como um processo de produção de sentidos que apenas serevela no movimento de idas e vindas entre texto e as estratégias de parar, refletir, reler o que nãocompreendeu, os resultados permitem concluir que as participantes, assim o fazem efreqüentemente. Entretanto, esse processo de produção de sentidos pode ser identificado, também,após a leitura. De modo geral, os movimentos nos quais se envolvem após a leitura, sãofreqüentemente utilizados pela maioria, exceto os relativos às estratégias de releitura do texto e ade escreverem sobre o que leram.

Compete assinalar que, apesar de apenas 1/3 das participantes ter assinalado quefreqüentemente levanta hipóteses sobre o texto a ser lido, 5/6 informam que após a leitura verificamfreqüentemente se as hipóteses são ou não confirmadas. Tais resultados podem dever-se a que asparticipantes não reconheçam que ao examinarem a estrutura do texto e ao pensarem acerca dafinalidade ou necessidade de realizarem a leitura, de algum modo realizam previsões, porém nãoenunciadas para si como hipóteses

Os resultados obtidos no presente trabalho convergem, em parte, com a análise deVicentelli (2.004) sobre investigações acerca do desempenho leitor de estudantes de Ensino Su-perior na Venezuela, a qual indica que uma porcentagem significativa de estudantes sub-utiliza aleitura. O fato de apenas 50% das participantes pensar acerca das implicações das informaçõescontidas no texto é preocupante, especialmente face ao nível de formação acadêmica em que seencontram. Chartier (1999) assinala que muitos dos alunos, futuros professores, “têm a sensaçãode que o proveito que tiram de suas leituras é pequeno, incerto, aleatório” (p.89). Seria, então,essa a razão de tal comportamento ocorrer, apenas ocasionalmente, entre as participantes? Apesarda “dimensão capital da formação inicial” (CHARTIER, 1999, p. 93), atribuída pelos formadores

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de futuros professores, pouco se tem investido nessa etapa e mesmo em anteriores, para a formaçãode leitores competentes, como assinalado anteriormente.

Concordamos, ainda, com Chartier (1999) quanto à necessidade de docentesuniversitários, envolvidos na formação de novos professores estarem atentos quanto às

formas pelas quais a leitura (o que é lido e as maneiras de ler) seintegra na preparação da profissão [professores, visto que por elas],transmite-se de forma concreta uma relação com o escrito comoferramenta de trabalho profissional, como espaço de cultura pessoal,como referente compartilhado (p.96)

Autores como Silva (1998; 1999; 2003); Freitas;Costa (2002); Batista (1998); Britto(1998); Garcia (1998), vêm dedicando-se há anos à temática da leitura e formação de professores,dada a importância desta para a formação de novos leitores. Outros, como Witter (1996;1997;2001)centram suas preocupações e aglutinam pesquisadores no desenvolvimento da temáticauniversidade-leitura, vindo a proporcionar sugestões de diversas modalidades de intervenção paraque mudanças efetivas possam ocorrer nesse contexto formador de novos profissionais.

Concluímos, lembrando os traços daqueles que podem ser configurados comoestudantes, para Larrosa (2003) : amplitude indeterminada de curiosidade, alegria inocente dosdescobrimentos, vitalidade apaixonada pelas perguntas, atrevimento ousado nas afirmações,parcialidade sem complexos de seus gostos, segurança quanto à incompletude e provisianalidadedos resultados. Tais atributos apresentam similaridade aos destacados por Freire (1982, p.9),especialmente, quando assinala para a necessidade de quando forem estudar seriamente umtexto o façam realizando de algum modo o estudo de quem, estudando, o escreveu.

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BATISTA, A. A. G. Os professores são “não-leitores’? In; MARINHO, M.; SILVA, C. S. R. da.Leituras do professor. Campinas: Mercado de Letras, 1998, p 23-60.

BATISTA, A. A. G. Os professores são “não-leitores’? In; MARINHO, M.; SILVA, C. S. R. da.Leituras do professor. Campinas: Mercado de Letras, 1998, p 23-60.

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CHARTIER, R. Cultura escrita, literatura e história. Porto Alegre: Art Méd, 2001

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NOTA

1 Participante na condição de Iniciação Científica.

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A palavra mediação é normalmente utilizada para indicar uma intervenção com aqual se busca produzir um acordo, com o sentido de igualar ou homogeneizar termos. Todavia,quando entendida em uma perspectiva dialética, a mediação significa uma relação de tensão entretermos diferentes: o imediato e o mediato. Para não provocar equívocos conceituais em relação aovocábulo mediação, optei pelo uso do termo mediação dialética. Com ele, explicito a origemfilosófica da mediação e, mesmo incorrendo em redundância, utilizo o predicado dialética parareforçar o conceito de mediação, aqui presente. As relações pedagógicas do trabalho educativosão compreendidas como mediação dialética e, a partir delas, torna-se possível discutir o processode ensino e de aprendizagem.

Neste texto, pretendo apresentar os pressupostos teóricos da Mediação dialética, osinfluxos desses no ensino e na aprendizagem, por intermédio da Metodologia da Mediação dialéticae pelo processo de conversão do conteúdo científico em conteúdo de ensino. Para isso, o Grupo dePesquisa “Ensino e Mediação dialética” (GPEMD) discute teoricamente (a) os referidos pressupostos,(b) a proposição metodológica para desenvolvê-los em uma prática e (c) o preparo, odesenvolvimento, a avaliação do trabalho dos estagiários em escolas públicas, ao aplicarem aproposição “Metodologia da Mediação dialética”. E, a título de exemplificação, relatarei algunsresultados obtidos em projetos desenvolvidos pelo GPEMD, segundo esses mesmos pressupostos.

1. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA MEDIAÇÃO DIALÉTICA

A mediação dialética constitui o pressuposto teórico-filosófico que possibilitacompreender as relações de tensão que se estabelecem no processo de ensino e no deaprendizagem. É entendida como uma relação dialética (tensão) que tem por referência a diferença,a heterogeneidade, a repulsão e o desequilíbrio entre seus termos: o saber imediato e o sabermediato. Esses termos divergentes da mediação geram a contradição entre ambos, provocando asuperação do imediato no mediato e possibilitando a elaboração de sínteses (aprendizagem). Assim,a mediação permite que o imediato seja superado no mediato, sem, no entanto, que o primeiro sejaanulado ou suprimido pelo segundo; ao contrário, o imediato está presente no mediato. Sob essaótica, a Mediação pedagógica é uma relação dialética que caracteriza o processo de ensino e oprocesso de aprendizagem, uma vez que, em ambos, os sujeitos envolvidos lidam com saberes, omediato e o imediato.

METODOLOGIA DA MEDIAÇÃO DIALÉTICA:PROPOSIÇÃO PEDAGÓGICA INOVADORA PARA OS

PROCESSOS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM

ARNONI, Maria Eliza Brefere , (IBILCE - Unesp De São José Do Rio Preto)

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2. O INFLUXO DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA MEDIAÇÃO DIALÉTICANA PRÁTICA: A QUESTÃO METODOLÓGICA.

Os pressupostos teóricos que caracterizam uma teoria expressam um conjunto deprincípios fundantes da ciência que lhe deu origem. A partir dessa teoria, é possível depreenderum caminho teórico para se investigar o real, o método. E a aplicação desse método na práticaconstitui a metodologia.

A metodologia constitui uma postura, um enfrentamento da realidade na busca decompreendê-la em sua essência e concretude, isto é, no próprio movimento dialético do real. Aquestão metodológica apresenta-se mais complexa do que aparenta ser e se reveste de significadopolítico por realizar a articulação de uma teoria de compreensão da realidade com uma práticaespecífica, tendo em vista o contexto histórico e social que as gerou.

Outro aspecto relevante nessa discussão é a concepção de ensino e de aprendizagemcomo processos distintos: ensino refere-se à relação do professor com o saber, e aprendizagem àrelação do aluno com o saber. Segundo essas concepções e os pressupostos teóricos da mediaçãodialética, elaborei uma proposição metodológica para processo de ensino, buscando articulá-locom o processo de aprendizagem e com ênfase especial na ação do professor. Esta proposição serealiza por intermédio dos processos: (a) a conversão do conteúdo científico em conteúdo deensino e (b) a Metodologia da Mediação dialética.

3. PROCESSO DE CONVERSÃO DO CONTEÚDO CIENTÍFICO EM CONTEÚDODE ENSINO.

O saber científico é um conhecimento histórico, socialmente produzido, queapresenta métodos próprios e linguagem especializada, inerentes à área de pesquisa que lhe deuorigem. O conteúdo científico, para ser ensinado, precisa de um processo que o transforme emconteúdo de ensino, algo que não se resume em uma simplificação ou resumo do saber científicoe nem em um recorte ipsis literis do mesmo. É necessário, portanto, transformar/converter oconteúdo científico em conteúdo de ensino, conferindo-lhe as propriedades de ensinável,assimilável e preservador do saber científico que lhe deu origem.

Considerando o ensino como a relação do professor com o saber, o conteúdo deensino torna-se ensinável, quando o professor o organiza metodologicamente, conferindo-lhemovimento. O caráter dinâmico configura-se no processo de ensino, quando o professor delimitaos termos divergentes em relação ao conceito científico que pretende trabalhar e opta pelo saberimediato como ponto de partida e pelo saber mediato como ponto de chegada do referido processo.

De uma forma semelhante, ao considerar a aprendizagem como a relaçãodo aluno com o saber, o conteúdo de ensino torna-se metodologicamente assimilável, quando,pela sua dinamicidade, é capaz de gerar necessidades cognitivas nos alunos.

Ensinável e assimilável são propriedades metodológicas que o conteúdo científicovem a ter, quando organizado na perspectiva da Mediação dialética, porém, para tornar-se um

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conteúdo de ensino, deve, também, preservar o saber científico que lhe deu origem.

4. METODOLOGIA DA MEDIAÇÃO DIALÉTICA

A “Metodologia da Mediação dialética” é uma proposta metodológica que representaa seqüência de situações de ensino do processo de ensino e suas etapas indicam os momentospedagógicos articulados que potencializam a elaboração do saber pelo sujeito da aprendizagem.Essa proposta foi elaborada na perspectiva da mediação dialética e exige um trabalho organizadopor parte de quem ensina e de quem aprende

Em cada situação de ensino, o conteúdo é retomado com tratamento diferenciado,e cada uma delas serve de patamar para o momento seguinte. As situações de ensino não sãoestanques e isoladas, ao contrário, são interligadas e interdependentes e, portanto, o limite entreelas não é claramente demarcado. Didaticamente, a Metodologia da mediação dialética é compostapelas etapas denominadas de Resgatando/Registrando; Problematizando; Sistematizando eProduzindo, apresentadas a seguir.

4.1. Resgatando/Registrando - 1º momento.

Resgatar é buscar um mesmo ponto de partida para o processo de ensino, comumao professor e ao aluno, por intermédio de diferentes linguagens: oralidade, desenho, recorte,dramatização, mímica, poesia, música, colagem, relato, texto escrito etc. O professor apresentaaos alunos uma série de atividades que envolvem o conteúdo trabalhado, e o aluno, ao desenvolvê-las, apresenta suas idéias iniciais sobre o referido conteúdo. Essa produção, ainda que de formaconfusa, representa a objetivação do saber subjetivo do aluno. De posse dessas informações, oprofessor delimita o saber que o aluno possui do objeto em estudo e, comparando-o com o saberpretendido, depreende a tensão entre ambos e elabora a problematização.

4.2. Problematizando - 2º momento.

Problematizar é colocar o sujeito em uma situação de ensino problematizadora,capaz de levá-lo a compreender mentalmente as divergências entre seu saber imediato e o sabermediato trabalhado pelo processo de ensino. A problematização explicita as divergências entreesses saberes, tensionando-os pela contradição, e estimula o aluno a pensar e elaborar soluçõespor intermédio de seus saberes disponíveis e, simultaneamente, leva-o a perceber que seus saberesiniciais não são suficientes para a resposta suscitada. Essa contradição, além de gerar necessidadecognitiva (motivação), cria possibilidades para o sujeito investigar e buscar novas relações.

A atividade problematizadora, para ser percebida e compreendida pelo pensamento,precisa apresentar a qualidade particular de não facilitar e nem dificultar, em demasia, seuentendimento. Ela é capaz de gerar tensão entre o saber específico do aluno (imediato) e o saber

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geral da produção científica (mediato) e de estimular o aluno na busca de novos saberes.

4.3. Sistematizando - 3º momento.

Sistematizar é desenvolver situação de ensino que ensejam ao aluno compreenderas relações de sentido entre aspectos do seu saber imediato e elementos do saber mediatopretendido, por intermédio do diálogo. Esse diálogo, promovido pelo professor, favorece a explicitaçãodos aspectos da problematização, a discussão do saber científico a eles relacionado, potencializaque o pensamento gere a superação do imediato no mediato, a elaboração de sínteses cognitivase a internalização do saber aprendido.

4.4. Produzindo - 4º momento.

Produzir é desenvolver situações de ensino para que o aluno possa expressar assínteses cognitivas elaboradas, ao vivenciar as etapas da “Metodologia da mediação dialética”. Oaluno, por intermédio das diferentes linguagens, representa o saber elaborado, os conceitos. É oponto de chegada do processo de ensino, um saber provisório que se torna imediatamente umnovo ponto de partida, constituindo-se em um elemento imprescindível para avaliar o referidoprocesso.

5. Exemplificações da aplicação da “Metodologia da Mediação dialética” em projetosdesenvolvidos por estagiários dos cursos de Licenciatura em Letras e em Ciências Biológicas daUNESP – IBILCE de São José do Rio Preto, sobre temática ambiental.

Nesta exemplificação, serão relatadas atividades desenvolvidas em dois projetosque operacionalizaram a Metodologia da Mediação dialética: “Trabalhando aspectos da temáticaambiental”, desenvolvido em 2002 e “Hora da Ciência: uma abordagem interdisciplinar da temáticaambiental”, em 2004, resultando apresentações em congressos e publicações.

A escolha destes projetos ocorreu pelo fato de eles trabalharem a temática ambientalcom alunos da Rede Pública de diferentes séries e congregarem licenciandos de duas áreasdistintas, Letras e Ciências Biológicas do IBILCE - UNESP de São José do Rio Preto.

O planejamento e o desenvolvimento do processo de ensino almejado pelos projetosbasearam-se, em especial, no estudo dos conteúdos específicos das áreas de formação dosestagiários – Letras e Ciências Biológicas - e nos da área pedagógica, os pressupostos filosóficosda mediação dialética.

Planejar é condição necessária, quando se pretende aplicar a “Metodologia daMediação dialética”. Planejar ou projetar representa a dimensão teórico-metodológica do processode ensino, a possibilidade de antever mentalmente a aplicabilidade da metodologia, antes derealizá-la.

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Nessa perspectiva, as ações de planejar, desenvolver e avaliar o processo de ensinodesenvolvido pelos licenciandos dos projetos foram preparadas e acompanhadas pela coordenadora,para que se transformassem em formação inicial. Num primeiro momento, discutiu-se o conteúdocientífico das áreas envolvidas e, em seguida, o processo de conversão do saber científico emconteúdo de ensino e a aplicação da “Metodologia da mediação dialética”.

As diferentes linguagens, as tipologias de textos e a palavra constituem os meiospelos qual o processo da “Metodologia da mediação dialética” é realizado. Todas as etapas dessaproposição metodológica para o processo de ensino se desenvolvem por intermédio da linguagem,o uso da palavra articulada ou escrita como meio de expressão e de comunicação entre pessoas.Nessa perspectiva, toda produção do aluno sobre Temática Ambiental é interdisciplinar e expressaa síntese elaborada em decorrência da tensão gerada entre seu saber imediato e o saber específicodas áreas envolvidas no projeto: Letras, Ciências Biológicas e Filosofia.

Almejava-se, com esse trabalho, potencializar ao aluno: (a) Apreensão do ambientecomo síntese de múltiplas determinações; (b) Compreensão de que cada elemento da naturezaemerge de um determinado todo que o circunda; (c) Percepção que o todo é a luz que ilumina erevela o elemento singular que participa da compreensão do todo (relação dialética parte & todo);(d) Leitura articulada e menos imediata de Ambiente e de Homem. Assim, o trabalho desenvolvidopelos projetos encaminhou-se para o entendimento das formas de interação e apropriação dohomem em relação à natureza e, em especial, para as conseqüências disso para o equilíbrionatural.

O homem defronta, em cada ação empreendida, com problemas interligados e,para encaminhar uma solução, torna-se necessário a visão de ambiente como uma totalidadedinâmica, pois, a partir dessa visão, ele pode avaliar a dimensão de sua ação no ambiente ao qualpertence.

Nesse contexto, a opção pela Metodologia da Mediação dialética propicia ao sujeitoda aprendizagem a compreensão do movimento do real e, simultaneamente, a apropriação dessemovimento pelo pensamento. E, pressupondo que a realidade somente se torna concreta para opensamento, quando são explicitados os “nexos internos” dessa totalidade, a dialética é o princípiofundamental para a conversão do conteúdo científico em conteúdo de ensino.

De uma forma geral, os projetos apresentaram como objetivos específicos, voltadosà ação dos estagiários: (a) Converter o conceito científico de ambiente (síntese de múltiplasdeterminações) em conteúdo de ensino; (b) Aplicar a Metodologia da Mediação dialética no trabalhoda temática ambiental; (c) Relacionar os aspectos observáveis da paisagem estudada com a açãoatual, anterior e indireta do homem; (d) Discutir os instrumentos para registrar o trabalhodesenvolvido; (e) Trabalhar aspectos da temática ambiental, não apenas por exposição oral, maspor intermédio de diferentes linguagens; (f) Depreender os prováveis fatores que condicionam oambiente; (g) Articular a discussão de aspectos concretos e observáveis da natureza com a açãodo homem.

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Projeto 1 – “Trabalhando aspectos da temática ambiental”, trabalhodesenvolvido junto aos alunos da 4ª série do Ensino Fundamental, da Rede Estadual.

Neste projeto, pretendia-se discutir estratégias que possibilitassem estudar aspectosda temática ambiental, problematizando situações reais. E, para isso, seria necessário escolheruma área de reserva rural, aparentemente harmoniosa, onde se evidenciassem aspectos da açãoantrópica, para a discussão das possíveis causas que o geraram.

A paisagem escolhida foi a “Mata dos Macacos”, uma reserva legal, cercada comarame, com rede elétrica, residências próximas e situada em uma estrada vicinal, a uma distânciade 7 km de São José do Rio Preto. É um local bastante visitado por públicos diversos, devido àpresença dos macacos que aceitam a comida das mãos dos visitantes. E, assim, o recurso didáticoselecionado para o desenvolvimento do projeto, na perspectiva da Mediação dialética, foi a realizaçãode uma excursão à Mata dos Macacos.

Para resgatar e registrar os saberes imediatos dos alunos, foi solicitado que elesdesenhassem a “Mata dos Macacos”, antes da visita, e, durante a viagem, foram gravadas entrevistassobre suas expectativas sobre a referida mata. Na volta da excursão, foram gravadas entrevistascom os alunos sobre suas expectativas anteriores e a paisagem real, em especial, o fato de osmacacos comerem nas mãos dos visitantes.

Pela análise das entrevistas (visionamento) e dos desenhos dos alunos ficouevidente que, em relação aos aspectos da paisagem, o que lhes provocou “estranheza” foi a estrada,a cerca, as árvores muito próximas uma das outras e os fios de eletricidade. No entanto, aproximidade dos macacos em função da comida (banana) não foi questionada pelas crianças. Afome dos macacos e o fato de eles gostarem de banana foram as justificativas apresentadas pelosalunos.

De posse dessas informações e tendo como objetivo “fugir da exposição oral eprovocar a discussão sobre os prováveis fatores que geraram a paisagem real visitada”, os estagiáriosdepararam com alguns desafios na elaboração da problematização: (a) “Como articular um passeioagradável com uma reflexão sobre desequilíbrio e degradação ambiental?”, (b) “Como trabalharcom as crianças sobre a alimentação dos macacos como algo que expresse uma crise ambiental(a relatividade na contextualização do certo ou errado)?” e (c) “Como transpor da discussão dosaspectos concretos e observáveis da mata para a ação do homem na natureza (anterior e distantedo local da visita)?”

Após muita discussão sobre os fundamentos teóricos da Mediação dialética, emespecial, a conversão do conteúdo científico em conteúdo de ensino e a proposição da Metodologiada Mediação dialética, elaborou-se a proposta da etapa “Proplematizando”: (a) Iniciar a aula,apresentando aos alunos os desenhos que eles fizeram antes da excursão, as imagens da visita à“Mata dos Macacos” e suas falas (recortes da filmagem); (b) Apresentar como contraponto aocontexto atual da “Mata dos Macacos”, algumas tomadas do documentário de Dian Fossey (1988),produzido pela Universal Picture/Warner Bros, sob direção de Michael Apted, intitulado “Na montanhados gorilas” que relata a vida de gorilas selvagens, em especial, a alimentação retirada da própria

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mata, o comportamento de afastar-se das pessoas estranhas, os saltos etc; (c) Discutir as duassituações expostas; (d) Solicitar uma listagem das diferenças e semelhanças observadas nosdiferentes ambientes enfocados, questionando as possíveis causas. Pode-se observar asinteressantes relações que uma criança de 9 anos, cursando a 4ª série, elaborou na atividadedenominada de listagem:

... na Mata dos Macacos [...] as pessoas passam para dar comidaaos macacos [...] e por isso os macacos são mais mansos, pois elesestão acostumados com visitas de pessoas. Já na mata do filme, osmacacos não estão acostumados com pessoas e por isso são maisselvagens, pois lá é um lugar próprio para eles e outros animais. Poresse motivo a pesquisadora precisou fingir que era um macaco,comendo mato. (Gisela)

Assim como esta, as listagens elaboradas pelos alunos apontavam as contradiçõesdas duas situações e, no Sistematizando, por intermédio do diálogo, os estagiários foram retomandoas diferenças e as semelhanças relatadas e, para explicitá-las, de forma que os alunos pudessemcompreendê-las, foram discutindo os elementos do conceito científico de ambiente, relacionadosàs semelhanças e diferenças apontadas.

Mediante o visionamento das discussões da aula e os dados levantados na análisedas produções dos alunos, pode-se constatar que os alunos relacionaram as diferentes situaçõesambientais apresentadas à ação do homem na natureza.

No Produzindo, para os alunos expressarem as sínteses cognitivas, de uma formamais dinâmica e lúdica, foi solicitado que eles elaborassem uma paródia. A paródia é umamodalidade de texto em que se troca a letra de uma música por informações que os alunoselaboraram no desenvolvimento do projeto. Exemplo de paródia, uma das letras:

Por que será que o macacoVeio comer na minha mãoEle está prejudicadoPorque é civilizado

O homem está desmatandoE a mata acabandoPor isso falta alimentoPro macaco é um tormento (Gisele, Aline, Francille e Keite)

Pode-se concluir, em decorrência da participação dos alunos nas atividades propostas(gravadas em vídeo) e pela análise de suas produções (desenhos, listagens e paródias) que otrabalho foi produtivo para todos os envolvidos, alunos da Rede Pública e licenciandos.

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Projeto 2 – “Hora da Ciência: uma abordagem interdisciplinar da temáticaambiental”, do Núcleo de Ensino/ FUNDUNESP, desenvolvido junto aos alunos da 7ª e 8ª sériedo Ensino Fundamental, da Rede Estadual.

Para resgatar e registrar o saber dos alunos sobre a poluição ambiental, foi solicitadoaos alunos que escrevessem um texto livre sobre “Uma boa ação para o meio ambiente”. Exemplode uma produção (Texto 1):

Um dia, eu estava passeando em um parque, caminhando e comendo biscoitos.De repente eu vi um mendigo até amarelo de tanta fome. Ele veio em minha direção

e me pediu um biscoito. Como tinham poucos biscoitos, eu dei o pacote todo para ele. Então elecomeu os biscoitos e jogou o pacote no chão. Ai eu fui até ele e falei que lixo deve ser jogado nolixo. O mendigo, sem graça pegou o pacote e jogou no lixo.

Acho que fiz uma boa ação.Se todos fizessem isso o mundo seria melhor. (Rafaela)Essa atividade foi a estratégia didática aplicada para que os alunos expressassem

(de forma objetiva) o saber imediato sobre o conteúdo científico a ser ensinado (ambiente como asíntese de múltiplas determinações).

Os alunos apresentaram apenas ações individuais, como “não jogar lixo no chão”,para a defesa do meio ambiente. A análise dos textos narrativos revelou a presença de elementosevidentes do cotidiano dos alunos como características mais evidentes e factuais sobre poluiçãoambiental, informações de campanhas educativas. Essas informações constituíram o ponto departida para o trabalho educativo pretendido.

“Não jogar lixo no chão”, uma ação individual que revelou a exclusão da influênciados fatores econômico, social e político no contexto ambiental. Dessa forma, identificaram-se doispólos contraditórios em relação ao conceito poluição ambiente: Ponto de partida - ação individualdo homem como boa ação para o ambiente; Ponto de chegada - o conceito de poluição ambientalcomo síntese da ação de inúmeros fatores, em especial, os de natureza histórica e social.

Para provocar a contradição, no Problematizando, foram usados textos não verbais,um cartaz contendo imagens (figuras, paisagens e objetos) de diversas formas de poluição daágua, do ar e do solo, que expressava a diversidade de fatores responsáveis pela degradaçãoambiental e se diferenciava totalmente da produção livre dos alunos.

Ao apresentá-lo para a classe, as estagiárias utilizaram-se da seguinte questãoproblematizadora: “Será que a ação individual de ‘não jogar papel no chão’ é capaz de ‘resolver’ a‘poluição ambiental’ apresentada no cartaz?”.

O confronto das idéias iniciais com as provocadas pelo cartaz possibilitou que osalunos percebessem que o seu saber inicial não era suficiente para responder à questão, já que,para eles, a ação de não jogar papel no chão era suficiente para resolver o problema da poluiçãoambiental. A tensão entre o saber inicial do aluno e as imagens de poluição gerou a necessidadede ele buscar informações para solucionar a questão.

No Sistematizando, selecionou-se um livro paradidático para retomar a

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problematização e discutir aspectos do conteúdo científico sobre a questão ambiental. O livroselecionado foi “Mano descobre a ecologia” (PRIETO & DIMENSTEIN, 2002) que conta as fériasde verão de dois garotos em uma praia em que o abastecimento de água foi interrompido. Aopinião da população ficou dividida: uma parte luta pela preservação da natureza, e a outra, pelosempregos que o condomínio oferece, o possível culpado.

O confronto da proposta do livro com as idéias iniciais expressas nas narraçõespossibilitou que os alunos levantassem inúmeros fatores responsáveis pela degradação da natureza(indústrias, consumismo, falta de saneamento básico etc), fazendo-os perceber, assim, que osfatores que causam a poluição ambiental não são apenas de âmbito individual, mas tambémeconômico, social, político, cultura, educacional, físico, químico, biológico etc. Isso potencializoua elaboração de sínteses cognitivas que expressavam idéias menos imediatas sobre a poluiçãoambiental.

Para que os alunos expressassem as sínteses elaboradas sobre a temática ambiental,o Produzindo, foi proposto que eles preparassem produções textuais sobre o conteúdo de ensinotrabalhado para o “Teatro ao pé do ouvido”, a ser encenado na escola. Esse teatro consiste depequenas peças teatrais individuais, apresentadas individualmente pelas personagens às pessoasescolhidas, de forma aleatória, entre o público presente. Os alunos optaram por representaremalguns personagens que viveram em diferentes épocas (passado e futuro) e produziram brevestextos para que seus personagens dialogassem com a platéia a respeito de mudanças ambientaiscausadas pela poluição. Exemplo de uma produção (Texto 2):

ÍndioFilho, preste atenção! Há muito tempo atrás, nós índios andávamos assim. Olha

agora, olha para mim, por causa da sociedade ando assim com roupas normais.Antes, filho, tinham matas verdes, árvores, o que hoje a gente vê de vez em quando.Os animais não ficavam em extinção e viviam soltos.Muitas tribos viviam em ocas e agora todas as pessoas moram em casas. Nós

nadávamos sempre em rios e agora não podemos, porque os rios estão poluídos.As pessoas não vivem como antes.

Agora, pare e pense! Sem poluição viveremos melhor. (Rafaela)

A discussão centra-se na análise dos textos produzidos pelos alunos em doismomentos da Metodologia: Resgatando (Texto 1) e Produzindo (Texto 2), e os textos selecionadospara ilustrarem essa discussão assemelham-se aos produzidos pelos demais alunos.

O primeiro texto, “Uma boa ação para o meio ambiente”, resgata as representaçõesdo saber imediato da aluna e expressa elementos evidentes de seu cotidiano sobre poluiçãoambiental: o ato de jogar lixo no chão como a causa dos problemas ambientais. Essa informaçãoaponta o cidadão comum como o único ou maior causador desses problemas ambientais.

O segundo texto, dirigido para o “Teatro ao pé do ouvido”, mostra a mudança queocorreu na vida de um índio que, depois de ter tido contato com a sociedade “civilizada”, perdeu

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sua cultura, suas matas e seus animais. Essas informações mostram um saber mais elaborado,em que os fatores que causam a poluição ambiental também são de âmbito social.

Ficou evidente que os alunos conseguiram superar a idéia inicial de “não jogar lixono chão” como ação responsável pela melhoria de qualidade de vida, o que foi claramente observadonos textos do teatro, uma vez que todos apresentavam a visão do meio ambiente como síntese demúltiplos fatores (aspectos físicos, biológicos, geológicos etc, e a interação do ser humano com anatureza).

Pelo estudo comparativo dos textos dos alunos, produzidos em situações distintasdo trabalho educativo – ponto de partida e ponto de chegada - foi possível depreender que elesperceberam que têm uma grande função na preservação do meio em que vivem, mas que não sãoos únicos e nem os maiores culpados pela poluição ambiental e que a sociedade pode se organizarpara exigir dela mesma as ações mais críticas em relação ao meio ambiente.

6. CONCLUSÕES

Este texto apresenta as produções do GPEMD ilustra o aspecto inovador da pesquisaque o mesmo vem desenvolvendo, o de fundamentar os processos de ensino e o de aprendizagemem um mesmo pressuposto filosófico, a Mediação dialética, para os diferentes níveis de ensino,o básico e o superior. Ensino e aprendizagem, processos distintos e possíveis de se articularem notrabalho educativo de uma aula, por exemplo, por intermédio de um conteúdo de ensino dinâmicoe capaz de gerar tensão dialética entre o imediato e o mediato, a contradição entre ambos, asuperação e elaboração de sínteses cognitivas pelos alunos. Os trabalhos relatados exemplificama proposição da “Metodologia da Mediação dialética” e demonstram o influxo de dos pressupostosteóricos na prática.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARNONI, M. E. B. Cuestiones de enseñanza: la dialéctica del trabajo educativo. In: CongressoInternacional “Pedagogia 2003 - Encontro por la unidad de los educadores” Havana, Cuba, 2003.CD-ROM Softcal Empresa de Desarollo y Produccion de Software de Qualidada, ISBN 959-7164-37-X.Trabalho completo em Espanhol.

ARNONI, M.E.B. Trabalho educativo e mediação dialética: fundamento teórico-filosófico e suaimplicação metodológica para a prática. In: Seminário Internacional de Educação - Teorias epolíticas, 2003, UNINOVE, São Paulo, SP. CD-ROM, Seminário Internacional de Educação -Teorias e políticas, ISBN:85-89852-03-2.

ARNONI, M.E.B. The mediation, their methodological implications and the matter of theenvironmental theme. In: FWEEC First World Environmental Education Congress, Portugal,Espinho, 2003. Discursos: Língua, Cultura e Sociedade (Número especial). Tendências actuaisem Educação Ambiental. Universidade Aberta, Lisboa: Portugal, 2004. ISSN: 0872-0738. p.213-222.

ARNONI, M. E. B. Metodologia da Mediação dialética e o ensino de conceitos científicos. In:XII ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, 2004, PUCPR, Curitiba. CD-ROM ISBN: 85 7292-125-7.

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As pessoas que querem compartilhar as visões religiosas delas comvocê, quase nunca querem que você compartilhe as suas com elas.Luís Fernando Veríssimo

Ainda que não tenha abordado diretamente tema referentes à educação, podemosextrair de alguns textos de Max Weber questões provocativas não apenas ao campo pedagógico,mas também a outras esferas da ação humana. Ele suspeita de uma educação que almeja e tomacomo dever a produção de uma finalidade última qualitativamente melhor para a existência humana;de uma pedagogia que se deleitou com o canto da sereia da razão esclarecida, acreditando nasverdades que desde o cogito eram pronunciadas.

Professor e cientista apurado que foi, Weber fornece elementos para pensarmosque papel e significado a ação pedagógica pode ainda cumprir em nossos tempos. As suas reflexõessobre a vida cultural moderna desconfiam dos sonhos acalentados pelo Esclarecimento,principalmente quando este afirma que a verdade é o porto seguro que fará do homem um serautônomo e um sujeito capaz de conhecer a realidade. A nossa época, marcada pelas promessasde que valores e ideais sublimes realizariam o projeto de uma humanidade livre, igual e fraterna,se vê diante de uma profunda desilusão. A crença no acesso à verdade como valor supremo,inscrita no programa do Esclarecimento, não passaria de um desejo frustrado.

A vida acadêmica de Max Weber se conduzia não apenas em idéias e observaçõessociais muito bem elaboradas, mas em algo em que ele realmente acreditava e deixava transparecerfrente aos problemas e polêmicas da vida universitária. Um exemplo claro é sobre o papel que oprofessor deve exercer. Na conferência intitulada A ciência como vocação 1995) considera que aoprofessor moderno cabe escolher entre duas condutas. A primeira, se portar como um técnico defutebol ou algo parecido, ensinando ao aluno o que lhe compete, direcionando-o e apontandocaminhos. Porém, desta maneira, o aluno não teria liberdade para experimentar o saber adquiridode acordo com suas próprias experiências, convicções e valores, limitando, assim, a possibilidadedo surgimento de perspectivas inovadoras sobre o saber em questão. Ou, em segundo,, o profes-sor pode se eqüivaler a um vendedor de verduras, competindo a ele apenas passar o conhecimentoao aluno, tendo este a liberdade de fazer o que bem entender. Ao defender este tipo de práticadocente, e se quisermos ficar nos limites de um mundo que foi desencantado, pensava em garantira individualidade e a diferença dos alunos, a liberdade acadêmica e a capacidade de compreensãosobre qualquer tipo de conhecimento e cultura, sobretudo porque viveríamos numa época de lutairreconciliável de todos valores, não havendo mais uma única perspectiva que unificasse as açõeshumanas. Em concordância com estas idéias, Weber valoriza a importância de se oferecer, através

MODERNIDADE E PRÁTICA DOCENTE NAPERSPECTIVA WEBERIANA

Alonso Bezerra de Carvalho (Unesp/Assis e Unesp/Marília)

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do Estado, instituições diferentes para, assim, proporcionar condutas livres e diferentes para osalunos.

Essas questões estão diretamente ligadas à análise feita por Weber sobre o mundomoderno. O crescente processo de racionalização do mundo moderno propiciou uma consciênciamais ampliada da diversidade e dos conflitos inerentes às esferas de valores e da ação humana.Sendo assim, o indivíduo já não pode se esquivar da responsabilidade de escolher entre deveresirreconciliáveis. Com a visão de “’neutralidade’”, Weber questiona toda tentativa de atribuir à razãoa tarefa de elaborar parâmetros normativos para a conduta dos indivíduos. A ciência e, por extensão,o professor não podem propor fins à ação prática. A atividade científica apenas ajuda o homem deação a compreender o que foi feito e aquilo que é possível fazer; não pode estabelecer, portanto, oque devemos fazer. Ao observar a Alemanha de sua época, constata que essas idéias não estãosendo levadas em consideração.

Marianne Weber, esposa de Max Weber, relata que ele tinha convicção de que “afelicidade humana não era o importante, mas, sim, que a liberdade e a dignidade humanaeram os valores últimos e supremos, cuja realização deveria estar ao alcance de todos” (WE-BER, 1997 : 306). Essa posição percorre sua vida. No caso de um homem de ciência, a suaconduta deve estar comprometida com a integridade de seu trabalho investigativo e, ao mesmotempo, livre de qualquer controle externo. Nos textos sobre o significado da universidade, observamosa preocupação com o espaço que deve ser dado aos debates e às críticas, sem os quais não épossível o exercício sadio da atividade científica.

Como defensor dos ideais liberais, Weber sentia que, em seu próprio país, adominação burocrática difundia os seus tentáculos vorazmente por todos os lugares. A universidadealemã estava submetida às vontades frias dos integrantes do Estado ou da Igreja. A liberdadeacadêmica corria sérios riscos. Em artigos publicados nos Jornais e Revistas alemãs, consideraque os membros da classe acadêmica na Alemanha estavam perdendo o sentido de sua dignidade.

O sistema educacional alemão, subjugado ao domínio prussiano, estruturava-secom base nos desejos do governo. Friedrich Althoff (1839-1908), ministro da educação de 1881 a1908, desejava acabar com a autonomia das universidades, interferindo em todos os assuntos,especialmente nas nomeações de professores. O “sistema Althoff”, como ficou conhecido, trouxeconsigo o perigo de produzir uma nova geração acadêmica não mais fiel às antigas tradições dauniversidade alemã, estabelecendo influências imediatamente corruptora sobre os professores.Weber travou uma polêmica com os propósitos desse “sistema”, pois, para ele, não é porconsiderações ligadas à amizade pessoal, mas, sim, por considerações científicas, acadêmicas eeducacionais sérias e realistas que devem nortear as nomeações e promoções dentro dasuniversidades. Segundo ele, “o sistema vigente está tentando transformar os membros de nossageração acadêmica em ‘operadores’ acadêmicos, em pessoas que se ajustarão a esse mecanismosem qualquer reflexão mais profunda” (Cf., WEBER, 1989 : 74-118).

Na Alemanha, a universidade, dependente do Estado, coloca-se na posição de“canto no tom de quem me dá o pão”, incentivando a obediência política do estudante, em vez de

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encará-la como um problema cultural e intelectual. Para Weber, não cabe às universidades e aosprofessores se pronunciarem a favor ou contra o Estado; a aula não é meio de inculcação devalores morais absolutos, não é meio de apocalipse, nem de doutrinas de salvação.

Num artigo publicado no Frankfurter Zeitung (Cf. WEBER, 1989 : 37-45), intitulado“O Caso Bernhard”, Weber trata da nomeação do professor Ludwig Bernhard, feita pelo ministroprussiano, sem qualquer consulta à respectiva congregação da Universidade de Berlim. ParaWeber, a iniciativa do ministro não passava de um escândalo. Contudo, o que mais o surpreendiaera o fato do professor ter aceitado a nomeação, tornando-se assim desrespeitoso com um doselementos básicos de um professor - a “decência acadêmica”. Aceitar as imposições políticas oueclesiásticas corresponde à perda da “confiança intelectual” dos colegas. Parecendo angustiadocom essas atitudes sem caráter, Weber arremata: “foi-se o tempo em que [a nomeação para umcargo de professor] era encarada como grande distinção científica e acadêmica”.

Quando submetemos a ciência aos desejos do Estado, estamos abrindo mão deum dos requisitos necessários para se manter a honestidade do trabalho intelectual: a distinçãoentre juízos científicos e juízos de valor. O caso analisado aqui, por Weber, demonstra que o quemoveu a ação do professor foram as vantagens financeiras e sociais que poderiam advir. ParaWeber, “é essencialmente um ato de patrocínio” indivíduos que se sujeitam a isso, e nada maissão do que “medíocres submissos”, seres inferiores e insignificantes.

Segundo Weber, a independência acadêmica e o mérito intelectual não podem seraniquilados por preferências e interesses pessoais, políticas ou eclesiásticas. “Eventos como o‘caso Bernhard’, e as situações de que esse ‘caso’ é sintoma, estão fadados a diminuir seriamenteo respeito que o corpo discente mantém pelos professores da universidade”.

Em outro artigo (WEBER, 1989 : 57-63), ele trata dos obstáculos que os interesseseclesiásticos causam à liberdade acadêmica. Cita o caso do professor e amigo Robert Michelsque, pretendendo habilitar-se numa universidade, foi impedido porque manifestava publicamenteconvicções social-democratas, mas, sobretudo, porque “não [teria permitido] que seus filhos fossembatizados”. E conclui: “enquanto tais opiniões prevalecerem será impossível agir como sepossuíssemos uma ‘liberdade acadêmica’ que alguém pudesse violar”. É merecedor de desprezoquando os sacramentos são usados para tal fim. Portanto, não é possível falar em liberdadeacadêmica, quando fatores externos adentram o campo intelectual. O momento histórico daAlemanha, diz Weber, permite “liberdade” na atividade científica apenas dentro dos limites da“aceitabilidade política e eclesiástica”. Marianne Weber diz que

um dos princípios de Weber era que todas as disciplinas baseadasem ‘valores’, particularmente nos campos da filosofia, da história eda ciência política, representando as mais diversas convicções,deviam trabalhar, se possível, uma do lado da outra. Umauniversidade como ele a imaginava não devia ser uma ‘igreja’ nemuma ‘seita’ nem uma instituição defensora do estado, mas um forode liberdade e de luta intelectual” (WEBER, 1997 : 354).

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A “liberdade acadêmica” , como Weber a diagnosticava na Alemanha de sua época,estava muito distante daquela defendida por ele. Muitos colegas de cátedra tinham umcomportamento hostil em relação à liberdade na atividade docente, defendendo que a tarefa dasuniversidades era formar jovens para servir ao Estado e à Igreja. Estes professores consideravamque não se podia confiar, por exemplo, nos socialistas, uma vez que, segundo eles, eram inimigosda ordem social e política alemã e que estavam decididos a destruí-la. Portanto, nessa visão, umprofessor deveria ser admitido na ordem pública, não somente por suas qualificações científicas,mas, em especialmente, pela “sua docilidade perante as autoridades políticas e seus costumeseclesiásticos”. Qualquer “protesto público contra o sistema político reinante justifica a perda deuma cátedra”. Dessa maneira, restaria às pessoas, que foram nomeadas professores universitários,a sala de aula como lugar onde poderiam expressar-se como queriam, independentemente detoda autoridade, porém desde que não tornassem públicas suas críticas.

‘A liberdade de ciência, de estudo e de ensino’ em uma universidadecertamente não existe quando se faz com que a nomeação para umafunção docente seja dependente do fato de que se possua - ou que sesimule - um certo ponto de vista que seja ‘aceitável nos círculos maisaltos’ da Igreja e do Estado” (Cf., WEBER, 1989 : 64-6).

A crítica de Weber à falsa liberdade acadêmica do final do século XIX, na Alemanha,deve ser entendida como um sinal de sua posição sobre o significado que o cientista ou o professortem na modernidade. Para ele, a falta de dignidade intelectual e docente está em nos reduzirmosa idéias cristalizadas, à busca de uma institucionalização do conhecimento, como se fosse possíveltransformar os valores, as perspectivas, em que cada um acredita, em fundamento último daexistência humana. Ao nos comportarmos assim, estamos sufocando a criatividade e os vôosimaginativos, qualidades pertencentes àqueles que têm propriedades carismáticas e dionisíacas,qualidades muitas vezes ausentes no ambiente intelectual. Observando a realidade alemã, Weberconstata o quanto os professores estão sujeitos a um processo de burocratização e apolinizaçãoda vida.

Se isso que se passa na universidade alemã representa um dos aspectos damodernidade, é possível verificar outras formas de conduta. Weber salienta que, em outros países,por exemplo, a Inglaterra, “há catedráticos que são socialistas e, mais ainda, socialistas do tipomais radical; alguns deles encontram-se entre os mais destacados cientistas e eruditos”. Aburocratização estatal na Alemanha constitui-se em um impedimento para a expressão públicados mais diversos pontos de vistas críticos, endereçados ao mais diversos setores da sociedade.A satisfação do que é desejável ao Estado ou à Igreja proporciona uma castração da liberdade e daisenção da educação universitária, impedindo “o desenvolvimento de pessoas de verdadeiro caráter(...) O argumento predileto de que o Estado - que significa, note-se bem, o grupo político dominantenum dado momento - ‘ não pode concordar em permitir’ que as universidades disseminem ‘doutrinasque sejam hostis ao Estado’, encerra um erro fundamental” (WEBER, 1989 : 69).

Quando motivos políticos ou eclesiásticos influenciam o funcionamento de umauniversidade, com efeito, estamos diante apenas de uma parte do problema. Segundo Weber, éum erro, também, quando professores transmitem opiniões favoráveis ou hostis ao Estado ou aqualquer setor da vida social. Não é tarefa das universidades inculcar valores morais e absolutos

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ou fundamentais. A elas cumpre examinar “os fatos, suas condições, leis e inter-relações; osconceitos, seus pressupostos lógicos e seu verdadeiro significado. Elas não ensinam e nãopodem ensinar o que deveria acontecer - uma vez que isso é matéria de valores e crençasfundamentais, de pontos de vista essenciais, que não podem ser ‘ demonstrados’ como umaproposição científica”(WEBER, 1989 : 69-70).

Estaria indo além de suas fronteiras, o professor que procurasse fornecer crenças eideais a seus alunos, em detrimento do conhecimento e compreensão dos fatos. Decidir sobre quevalores ou deuses cultuar não é da alçada da atividade docente, mas propiciar as condições paraque possa escolher com responsabilidade e consciência. Os professores “podem aguçar acapacidade do estudante para compreender as condições reais de suas próprias ações; podemtransmitir-lhe a capacidade de pensar com clareza e ‘de saber o que quer’”. Seja radical, moderado,de esquerda ou de direita, cumpre ao professor exercer o senso de responsabilidade, ajudando osestudantes a assumirem o hábito de agir com integridade intelectual (Cf., WEBER, 1989 : 69-70).

A idéia que podemos depreender dessa posição é a de que, para Weber, o funda-mental é o exercício da liberdade. “O indivíduo deve conseguir por si mesmo as suas aspiraçõese metas, enfrentando as tarefas e os problemas da vida”. É presunção do professor pretenderjustificar demonstrativamente as convicções e juízos de valor de cada um.

O dever de cada um é decidir se essas crenças últimas devem seraceitas ou rejeitadas, se ele estará disposto a aceitar como condiçãoos pré-requisitos e repercussões de concretização [dessas crenças],ou se considerará grandes demais os custos em proporção àschances de êxito. Não há professor que possa poupá-lo dessadecisão e nem ele poderá fazê-lo, pois esses não são problemasque se possam propor cientificamente “(WEBER, 1989 : 71).

O professor, se quiser permanecer nos limites da honestidade intelectual, deve tera consciência de que não é possível ter o domínio das rodas da história, fazendo-as girar deacordo com o seus desejos. Deve garantir e respeitar a autonomia decisória dos estudantes e nãoeducá-los dentro de crenças e pontos de vista que considera essenciais.

Portanto, Weber faz um diagnóstico contundente do significado que o professor e aciência adquirem na modernidade. A eles cumpre identificarem os seus limites e ter consciênciadeles. Nenhuma ação pedagógica ou científica teria condições de instaurar um “consenso cul-tural”. “Alguém que deseje esse consenso - seja professor, cientista, Estado ou Igreja - deve pôrde lado todo tipo de instrução em valores e crenças últimos; (...) ter o mais rígido dever deprocurar não manifestar a própria posição na luta entre os ideais” (WEBER, 1989 : 73). A sala deaula, a pesquisa e o espaço universitário devem ser fóruns onde se deve fortalecer a compreensãodos pontos de vista últimos de cada um e, não, uma arena para a divulgação de ideais de grupos,“igrejas” ou “seitas”.

Weber não acredita em programas que buscam o consenso da vida cultural. O quesignifica que a sociedade cosmopolita e o desenvolvimento pleno dos germes de humanidade quehá em nós não são mais possíveis. Aqueles que “inventam” profecias podem provocar os resultados

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mais desastrosos. Em A Ciência como Vocação, encontramos a seguinte passagem: “as profeciasque caem das cátedras universitárias não têm outro resultado senão o de dar lugar a seitas defanáticos e jamais produzem comunidades verdadeiras” (WEBER, 1995 : 453). A vocação dohomem moderno é ter a capacidade de “suportar virilmente esse destino de nossa época”. Quemnão for capaz disso deveria voltar, “com simplicidade e recolhimento, aos braços abertos e cheiosde misericórdia das velhas Igrejas”. Esta atitude, diz Weber, “é superior ao procedimento detodas as profecias de catedráticos que não compreendem claramente que nas salas de aula (...)nenhuma outra virtude é válida a não ser a simples integridade intelectual” (WEBER, 1995 :453).

Para os intelectuais e professores modernos, que tratam de criar substitutos dereligiões, profetas, discípulos e igrejas, que fabricam experiências e edificam sobre elas carreirasliterárias, Weber não sentia mais que desprezo. Dizia que era simplesmente um tipo de autoengano.Nenhum intento de criar artificialmente arte monumental ou religiões novas ou novas comunidadespoderia ter êxito numa era, cuja vida pública esteja tão desprovida de profecia, pneuma e carisma.Quanto tempo iria durar essa era? “Vem a manhã, mas ainda é noite. Se quereis perguntar, voltainoutro dia”. Diante desse destino, Weber pedia aos estudantes simplesmente que cumprissemcom “‘as exigências de cada dia’ – tanto no campo das nossas relações humanas, como dasatividades profissionais. Esta exigência, decerto, é simples e clara, se cada um de nós encontrae obedece ao ‘demônio que tece as teias de sua vida” (WEBER, 1995 : 453). Num tempo que secaracteriza pela racionalização e pelo desencantamento do mundo, ao homem cumpre apenasouvir a sua voz interior, a sua consciência, pois não há mais valores supremos e sublimes queorientam a sua conduta. Viveríamos numa época de luta irreconciliável de todos valores, nãohavendo mais uma única perspectiva que unifique as ações humanas. O professor, ante o politeísmode valores, não é um mistagogo, não pode ser portador de nenhuma mensagem ou profecia a nãoser o empenho no aprofundamento da comunicação e no significado intrínseco do conhecimento,fiel à tradição racionalista.

Segundo o ponto de vista de Max Weber, se é possível construir uma prática docente na

modernidade, ela deve estar fundada num questionamento permanente de suas próprias condições.

No final do texto A ética protestante e o espírito do capitalismo (1967), assinala a necessidade do

surgimento de novos pensamentos e de novos ideais para contraporem-se a um mundo que

transformou o homem num ser insensível e calculista. Weber aponta para a possibilidade de

rompermos com o atual estado de coisas, originado no capitalismo moderno, que se baseia num

processo cada vez mais racional. Portanto, é preciso pensar numa terapia das condições modernas.

Essa terapia deve ser de tal maneira que desconfie da razão que se coloca como um princípio

ordenador da relação homem-mundo, expressa no caráter burocrático da existência. O burocrata

ou o “espírito de peso”, como diz Nietzsche, julga que existem leis universais, acredita que há

regras de conduta válidas para todos, estabelecendo coerção, norma, valores instituídos e

estatuídos.

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Retomar o espírito carismático e o dionisíaco pode ser o “caminho” para aquelesque querem a liberdade. A educação pode nos ajudar nesse processo. Ao invés de uma vidafundada na rigidez, na frieza e no cálculo, experimentar a sensação fornecida pelo movimento queresulta da dança. Ver a vida como dança, como um jogo, é pôr em cena variados pontos de vista,diferentes perspectivas, fazendo surgir aspectos inesperados da existência. Com a dança, evoca-se o fluxo vital; com ela, alude-se à permanente mudança de tudo o que existe, contra qualquerdogmatismo. Pondo sob suspeita toda e qualquer certeza, antecipa idéias para fazer experimentoscom o pensar. Cadência, a dança põe em xeque a aparente imobilidade das coisas, a rigidezimposta ao pensamento e à vida. A dança é ainda alegria, alegria dionisíaca. Assim, podemospensar numa educação que leve em conta a dança alegre dionisíaca e o espírito extático docarisma.

Como na ação carismática, é preciso orientar a vida a partir da desconfiança, evitandoas convicções; abandonar comodidades, renunciando à segurança. É preciso ousadia para abrirmão de antigas concepções, libertar-se de esperanças vãs. Como diz Nietzsche,

“onde um homem chega à convicção fundamental de que é precisoque mandem nele, ele se torna ‘crente’; inversamente, seria pensávelum prazer e força a autodeterminação, uma liberdade da vontade,em que um espírito se despede de toda crença, de todo desejo epossibilidades, e mesmo diante de abismos dançar ainda. Um talespírito seria o espírito livre par excellence”(NIETZSCHE, 1978 :215).

É necessária uma educação que faça o clinamen ressurgir, que introduza nomecanismo determinista o espaço de libertação, que consiste em romper o rigorismo inerente aqualquer situação objetiva e, de forma desviante, abrir espaço para o exercício da autonomia. Sermortal, o homem constrói sua liberdade no tempo, no tempo desta vida que deve ser transformadoem tempo de felicidade. Para isso, Weber vai considerar necessário que enfrentemos o mundoburocrático, que estabelece um cenário racional, para que o mundo e a vida não deixem de serapenas uma possibilidade abstrata. Essa deve ser a responsabilidade da ação educativa. Enfim,creio que a educação carismática e a educação burocrática nos ajudam a compreender a “saída”que Weber procura para a cultura moderna. Se Weber percebia a pedagogia racional-burocráticacomo predominante na vida ocidental moderna, por outro lado, aponta que é possível equilibraresse domínio com o despertar do carisma. Porém, contrabalançar essas duas forças não significaque estamos diante de um progresso da humanidade em direção a uma sociedade solidária,harmoniosa e perfeita.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Alonso B. Educação e Liberdade em Max Weber. Ijuí : Editora Unijuí, 2004

______. Max Weber: modernidade, ciência e educação. Petrópolis : Vozes, 2005.

NIETZSCHE, F. Obras Incompletas. São Paulo : Abril Cultural, 1978.

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WEBER, Marianne. Biografía de Max Weber. México : Fondo de Cultura Eco-nómica,1997.

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 1982.

______. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo : Pioneira, 1967.

______. Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo : Cortez, 1995 (parte 2).

______. Sobre a universidade: o poder do Estado e a dignidade acadêmica. São Paulo : Cortez,1989.

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INTRODUÇÃO

A proposta deste trabalho é fazer uma análise de alguns livros didáticos de Históriautilizados no Ensino Médio da Rede Oficial de Ensino do Estado de São Paulo, investigando seestes trazem referência à atividades científicas no Brasil colonial e, se trazem, como tratam aquestão. Deseja-se verificar se os autores consideram a possibilidade de ter havido atividadescientíficas no Brasil-colônia e que visão de ciência está embutida em seus textos. Foramselecionados quatro autores os quais considero representativos por serem utilizados por boa partedos professores da rede, sendo, portanto, importantes instrumentos de transmissão de visõestanto para os estudantes como para os próprios professores. Por outro lado, a idéia de realizar estaanálise partiu da reflexão de minha própria ação quando professora da rede, pois os livros que mepropus a analisar serviram, muitas vezes, como uma das fontes utilizadas para a produção dematerial de aula. Os livros didáticos que analisei são os seguintes:

1- História do Brasil, de Olavo Leonel Ferreira. Editado pela Ática em 1995, possui450 páginas. É composto de 20 capítulos, divididos em 3 partes: a colônia (cap. 1-8); a monarquia(cap. 9-14); a república (cap. 15-20).

2- História da sociedade brasileira, de Francisco Alencar, Lúcia Carpi e MarcusVenício Ribeiro. A edição é da Ao livro técnico, 1990. O livro possui 334 páginas. É dividido em 3partes e suas subdivisões (unidades): a colônia (6 unidades); o império (4 unidades) e a república(5 unidades).

3- História e consciência do Brasil, de Gilberto Cotrim. Editado pela Saraiva, 1995,com 352 páginas. Contém 20 capítulos também divididos em 3 partes: a colônia (cap. 1-10); oimpério (cap. 11-13); a república (14-20).

4- História do Brasil, de Nelson Piletti. Editado pela Ática em 1992, com 244 páginas.O livro é composto de 25 capítulos que procuram cobrir a história do Brasil desde a colônia até arepública.

Há que se notar que o presente trabalho deriva de estudos feitos durante realizaçãode mestrado na área de Educação Aplicada às Geociências, no Inst. de Geociências da Unicamp,defendido em 1999. Porém, uma releitura muito recente (2005) de edições atualizadas dos textosindicados mostrou os mesmos resultados, o que evidencia que as discussões acadêmicas a respeitodas questões aqui colocadas ainda não se refletiram nos livros didáticos. Antes de iniciar a análise

VISÕES DE CIÊNCIA EM LIVROS DE HISTÓRIAUTILIZADOS NA REDE OFICIAL DO ESTADO

DE SÃO PAULO

SILVA, Clarete Paranhos da (Diretoria de Ensino CampinasOeste / Faculdades Integradas do IPEP)

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dos referidos textos, é necessário fazer algumas reflexões preliminares sobre temas como a ciênciana “periferia” e quais as imagens mais comuns de ciência no Brasil, para, finalmente, podermosperceber qual a visão de ciência presente nos livros didáticos.

A CIÊNCIA NA PERIFERIA

Nas últimas duas décadas tem se levantado uma discussão profunda em torno daquestão da ciência nos países periféricos. Como afirma Saldaña (1993), “a historiografia atual temse empenhado em descobrir que existe uma problemática particular da ciência das regiões periféricasque importa tanto aos próprios países periféricos, como à historiografia geral da ciência”. Umanova maneira de olhar a ciência tem permitido “descobrí-la” no Brasil, desde os tempos coloniais.Segundo Figueirôa (1992), “isso tem sido possível graças a uma revisão crítica da historiografiadas ciências produzidas até hoje no e sobre o país (e a América Latina), identificando suas basesepistemológicas e metodológicas, bem como motivações ideológicas”. No bojo dessas discussões,o conceito de ciência universal passou a ser questionado contundentemente. Sobre isso, Polanco(1986: 41) escrevia que “a hipótese de uma ciência universal, no sentido de uma ciência semcontexto e como que flutuando no éter das idéias é uma ficção. [¼]. Em conseqüência, proponhocomo alternativa a hipótese de uma ‘ecologia da ciência’, ou seja, estudar e conceber a ciência emsuas relações com o meio no qual ela se desenvolve. De estudar as relações existentes entre asciências, as tecnologias e o meio ambiente cultural, social e econômico no qual nascem, sedesenvolvem e morrem; de estudar as relações entre suas propriedades e as do meio”. A negaçãoda universalidade da ciência pressupõe a afirmação de que ciência não existe fora de um contextohistórico-cultural determinado. Na verdade, a proclamada universalidade da ciência não é maisque um processo de expansão/ apropriação da ciência ocidental o qual se deu através da expansãocolonialista e/ ou de implantação nas “periferias” de instituições educacionais e científicas européias.Sobre a pretensa universalidade da ciência, Pestre (1996: 20), afirma que o que se costumachamar de universal é, na realidade, um processo de circulação e apropriação de saberes: “se ossaberes científicos (da mesma forma que outras formas de saberes) circulam, não é porque sejamuniversais. É porque eles circulam – isto é, porque são (re)utilizados em outros contextos e umsentido lhes é atribuído por outros -, que eles são descritos como universais”. O questionamentodo conceito de universalidade da ciência estava diretamente ligado à crítica ao eurocentrismo quedominava a história da ciência na América Latina. A ciência universal era vista sempre comociência européia, daí as tentativas fracassadas de encontrar no continente a mesma ciência queera praticada na Europa. Era preciso, pois, fazer frente a essa ideologia europeizante, buscando-sealternativas para o estudo das ciências no contexto real da América latina. Em minha opinião,Lafuente (1986) apontou uma alternativa que resultaria em uma saída própria para a historiografiada ciência latino-americana. Para o autor, o historiador, ao incorporar a ciência em seu objeto deestudo, deve optar entre historiar “ciência” ou “atividade científica”. Segundo Lafuente, essas duasexpressões encerram significados muito distintos. O termo “ciência” ao expressar uma entidadeuniversal e abstrata é atemporal e ahistórico. Vista desta maneira, a ciência nem mesmo poderia

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ser objeto da História. Por outro lado, o termo “atividade científica” expressa algo que acontece emum espaço e em um tempo concretos: as atividades cotidianas que acontecem “aqui e agora”. Aooptar pelo estudo das atividades científicas, o historiador analisa as práticas científicas tal comoelas se realizam no contexto espacial e temporal concretos. A saída apontada pelo autor permitiuque se resolvesse um grande problema epistemológico. Ao estudarmos a ciência que se realiza nodia-a-dia, em um espaço histórico concreto, torna-se possível dispensar os instrumentos teóricosutilizados pela historiografia tradicional, os quais não servem ao estudo das ciências locais, vistoque foram criados para o estudo das ciências na Europa. Por este enfoque a ciência européia, aocontrário de ser vista como universal e único modelo, “passa a ser vista como um caso particularde produção de conhecimento que emergiu ao mesmo tempo que outras manifestações culturais,em conjunturas históricas bem definidas. Além disso, a emergência e o exercício dessa ciênciaadquiriram características peculiares em cada país europeu” (Dantes e Hamburger, 1996 :16)Seguindo estas novas orientações teóricas, a ciência brasileira, traduzida enquanto “atividadescientíficas”, passou a ser estudada desde os tempos coloniais. Vários trabalhos, como os de Dias(1968), Dantes (1988), Figueirôa (1992), Lopes (1993), Ferraz (1995), Fonseca (1996), Marques(1998)1, constituem-se grandes passos na “descoberta” da ciência brasileira.

Não obstante todas estas discussões teórico-metodológicas que resultaram eminúmeros trabalhos sobre a ciência na América Latina e, conseqüentemente no Brasil, existemainda, a meu ver, dois desenhos muito arraigados sobre a ciência no Brasil-colônia. O primeirodeles mostra que não houve nenhum tipo de ciência naquele período. O segundo mostra algunsmomentos em que a ciência foi praticada aqui, porém, como transplante puro e simples da ciênciaeuropéia.

Aqueles que compartilham da opinião de que não houve ciência no Brasil-colônia, parecem não se conformar quando se deparam com evidências de trabalhoscientíficos naquele período. Atribuem os trabalhos encontrados a circunstânciasexcepcionais, obra de gênios que vagaram solitários em mundo de vazio cultural. É dessaforma que Azevedo (1943), ao analisar a ciência no Brasil, chega à conclusão de que elanão existiu até o século XIX, desenvolvendo-se a partir daí com uma extrema lentidão.Antes deste período, o que acontecera no Brasil, em termos científicos, foi atribuído amomentos de exceção ou obra de iluminados estrangeiros, como fica claro no fragmentoque segue, onde o autor afirma que “em todo o período colonial, desde o descobrimentoaté a vinda de D. João ao Brasil, não se registraram, de fato, na história de nossa cultura,senão manifestações esporádicas e isoladas,- de estrangeiros que, aproveitando aoportunidade de sua permanência na Colônia, tomaram os habitantes e as riquezas naturaisdo país para objeto de seus estudos, e de algumas figuras excepcionais de brasileiros queviveram fora do país e se dedicaram na Metrópole e, mais tarde, na Colônia, a atividadescientíficas”...( Azevedo, 1993: 206). A concepção de Azevedo, que durante muito temposerviu de suporte teórico para a historiografia brasileira, fazia eco a uma concepção quenão limitava-se ao Brasil, mas estendia-se por toda a América Latina. Não apenas a condiçãocolonial, mas a posterior dependência das nações recém-formadas às grandes potências

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européias teriam impedido o desenvolvimento de uma ciência própria. O nosso fracassocientífico é atribuído a fatores econômicos, políticos e culturais que, na Colônia,obstaculizaram a entrada das idéias civilizadoras. Esta visão, conformista e eurocêntrica,tem sido refutada por inúmeros historiadores da ciência na América Latina, que a partir danova concepção historiográfica aqui apontada, têm revelado a “história secreta”2 da ciênciano continente. Na conclusão de seu trabalho sobre a institucionalização das ciênciasgeológicas no Brasil, Figueirôa (1992: 150) nos fala, até com certa admiração, sobre osresultados por ela alcançados, os quais, a partir de uma postura contrária à historiografiatradicional das ciências no Brasil, superaram as expectativas e revelaram uma riqueza deatividades científicas. Segundo diz a autora, “...encontrei ainda mais atividades geocientíficasdo que esperava a princípio. Esta riqueza, manifestada em publicações, instituições, gruposde estudiosos, etc., jazia infelizmente nos arquivos e bibliotecas, praticamentedesconhecida. Não, porém, na maioria dos casos, por falta de organização e conservação,mas sim porque necessitava de um outro olhar para ser redescoberta”. (grifos meus)

Com relação ao segundo desenho, aquele que mostra que as atividades científicasse davam como puro transplante da ciência européia, Dias (1968), ao analisar a influência dailustração nos jovens brasileiros que estudavam na Europa, já aponta para uma reflexão quandoafirma que havia uma preocupação recorrente entre os ilustrados brasileiros que era a de reelaborare adaptar teorias criadas em outros lugares à realidade específica do Brasil. Para ilustrar suaafirmação, Dias cita Borges de Barros3 o qual afirma que “apesar de falarem com a experiência[...], variando as circunstâncias em que se acharam, das em que nos achamos; servindo ela ali defarol, aqui pode iludir; cumpre portanto ler, mas com escrúpulo e nunca porém praticar o quecolhemos da leitura, sem que com estudo do sítio e mais particularidades do caso em que nosachamos, possamos decidir se estamos na mesma circunstância que eles, a fim de ver se osdevemos seguir em tudo, ou que descontos é mister dar-lhes”. Retomando a idéia já colocadaaqui de que a ciência deve ser considerada enquanto prática que se dá em um espaço históricoconcreto, parece-me que não é possível haver um transplante puro e simples de idéias criadasalhures. Há que se considerar sempre os tipos de apropriações, as releituras, as múltiplas formasde reinterpretação dentro de contextos histórico-culturais específicos. Do ponto de vista ideológico,questionar a visão do puro reflexo significa desmistificar a visão eurocêntrica da ciência, aindafortemente presente entre nós. Entretanto, as discussões aqui colocadas muito sucintamente, asquais permitiram revelar a existência de atividades científicas no Brasil desde os tempos coloniais,parecem ainda circunscritas aos círculos acadêmicos, não tendo se refletido no público em gerale, tampouco, nos livros didáticos. O livro didático é, na maioria das vezes, o principal instrumentoutilizado pelos professores, os quais, com raras exceções, possuem formação que os capacite aler os textos com um olhar crítico. Daí que a visão apreendida por eles é passada para os seusalunos. Sobre essa questão é pertinente atentarmos para as observações de Hodson (1985). Paraeste autor, há fortes evidências de que as atitudes que temos perante a ciência são forjadas desdemuito cedo, durante os primeiros anos escolares e o aspecto determinante nesse processo é o“teaching style”. O professor, ao projetar uma imagem de ciência como produto acabado e não

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como um processo que envolve homens e contextos, acaba por criar a imagem da ciência enquantoatividade neutra, imparcial e epistemologicamente superior. De fato, o que ocorre é que o profes-sor internaliza mitos durante sua formação, transmitindo-os para as crianças, as quais crescem eos transmitem para outros, em um processo contínuo. A mudança dessa imagem da ciênciapassaria então pela mudança da percepção que o professor tem de ciência, e conseqüentemente,por uma mudança em seu estilo de ensinar ciência.

A VISÃO DE CIÊNCIA NOS TEXTOS ANALISADOS

Vejamos agora se os autores incorporaram o tema ciência em seus textos e, se ofizeram, qual a visão de ciência apresentada.

Uma primeira leitura dos textos nos deixa a impressão de que as atividades científicasocorrem fora do contexto histórico-cultural. Apenas dois autores (Piletti e Ferreira) dedicam capítuloespecial para tratar da cultura no Brasil colonial4. Nos outros autores, essa questão é tratada empequenos itens, dentro do capítulo onde tratam do período da mineração de ouro e diamantes.Todavia, o tratamento dado à questão é o mesmo em todos os autores. Ao considerar a cultura noBrasil colonial, os autores concentram-se em falar da literatura, da música, da arquitetura e daescultura desenvolvidas principalmente no século XVIII na região das Minas. Em nenhum momento,trata-se da questão das atividades científicas que se desenvolveram na região, levadas a cabo porbrasileiros, com o objetivo de pesquisar materiais minerais de interesse para a Coroa portuguesa.

Todos os autores citam os governos de Nassau5 e de Dom João VI6 como momentosem que aconteceram alguns estudos científicos no Brasil, limitando-se a enumerar as realizaçõesdestes dois momentos. Cotrim (capítulo 6, p. 81), por exemplo, assinala que Nassau trouxe para oBrasil artistas, médicos, astrônomos e naturalistas. No capítulo 10 (p. 140) cita a criação daFábrica de Pólvora, de duas Escolas de Medicina, do Jardim Botânico, da Biblioteca Real, daImprensa Régia, por Dom João VI. Como todos os outros, o autor menciona a Missão Francesa de1816, “chefiada por Joaquim Lebreton, que trazia o pintor Debret, o escultor Taunay, o arquitetoMontigny e o músico Sigismund Neukomm”.

Alencar et. all. (unidade VI, p. 84) fala das mudanças na estrutura administrativacom a chegada da corte que “contribuiram para a dinamização de várias atividades, especialmentena corte (Rio de Janeiro)”. Afirma que “a herança da ideologia metalista levou à contratação detécnicos estrangeiros com incentivo para as pesquisas minerais”. Os estrangeiros são FredericoVarnhagem, que fundou uma siderúrgica em Sorocaba e o Barão Von Eschwege que organizouum tratado de mineralogia, o Pluto Brasiliensis e experimentou a metalurgia do ferro e do aço emsua fábrica Patriota, em Congonhas do Campo, Minas Gerais. Manuel da Câmara que “fabricariagusa pela primeira vez no Brasil”, é o único naturalista brasileiro mencionado por Alencar.

Pelo exposto acima, depreende-se que as poucas realizações científicas daqueleperíodo foram obra eminentemente de estrangeiros, o que nos remete diretamente às concepçõesde Azevedo (1943), já comentadas aqui.

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Por não fazerem referência às atividades científicas que eram realizadas na regiãomineira durante o século XVIII7 que, para todos os autores, foi a região de maior desenvolvimentocultural durante o período colonial, a separação entre ciência e cultura surge quase que naturalmente.

Um outro aspecto que julgo importante abordar diz respeito à ligação direta que osautores fazem entre cultura e urbanização. Todos são unânimes em afirmar que a cultura maisbrilhante do Brasil-colônia floresceu na região mineira, no auge da produção aurífera. Ferreira é omais enfático ao tratar do tema. No capítulo 8 intitulado “a cultura na época colonial” escreve que“o caráter da colonização portuguesa, predominantemente rural e escravista, estabeleceu os limitesdas manifestações culturais no Brasil colonial”. Para o autor, o pequeno tamanho dos núcleosurbanos e sua dispersão por um enorme território dificultava a comunicação, tanto interna comoem relação à Europa ou outras regiões do continente Americano. Por isso a “produção culturalmais brilhante” ocorreu no século XVIII , na região mineira, “não por acaso, na região mais urbanizadada colônia”, onde o surgimento de uma camada média de homens livres possibilitou odesenvolvimento das artes e dos ofícios, “graças às riquezas originadas com a extração de ouro ediamantes”.

Ferreira, assim como Alencar et. all. apontam a falta de estabelecimentos de ensinosuperior no Brasil até o século XIX, como fator de limitação cultural. Depreende-se daí que umadas soluções para o nosso atraso cultural seria a criação, na Colônia, de instituições de ensinosuperior, tais como existiam na Europa.

Vejamos agora como os autores tratam o problema da difusão de idéiaseuropéias na colônia. Alencar et. all. , Ferreira e Piletti referem-se a essa questão. Ferreira(cap. 8, p. 159), ao tratar da cultura colonial diz que “no século XVIII, em Minas Gerais,desenvolveu-se um movimento literário mais consistente, que ficou conhecido comoArcadismo Mineiro. Ainda que sob grande influência portuguesa, os poetas mineirosdesenvolveram estilos originais e dedicaram-se aos temas da terra”. Aqui, Ferreira concebea idéia de que algo que veio de fora (no caso, a literatura de Portugal) sofreu um processode reelaboração dentro do contexto colonial, dando origem à “estilos originais”. Piletti (p.199) caminha inversamente a Ferreira ao afirmar que “no Brasil colonial, não havia espaçopara produções culturais criativas. O Brasil era pensado de fora, de Portugal. Mesmo quandoescrevendo sobre o Brasil, os escritores brasileiros “faziam-no repetindo o que osportugueses haviam escrito”. (grifo meu)

O texto de Alencar et. all. aponta para um dependência total, para a aceitação daexclusão. Citemos a seguinte passagem: “Vejamos como a cultura brasileira – no sentido eruditodo termo – deu seus primeiros passos. [¼]. Portanto a produção cultural, assim como a agrícola ea da mineração, nada mais era do que um veículo de exportação/importação. [¼]. O que existe dedocumentação em matéria de produção intelectual nesse período pertence, quase queexclusivamente, à área de literatura. Nos outros ramos artísticos, excetuando-se a construção deigrejas (que evidentemente eram obras mais religiosas que estéticas), pouquíssima coisa se fez. Emesmo o cultivo das letras, nesses dois primeiros séculos de colonização, tinha muita limitações”.

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Ou seja, tudo, inclusive a cultura, era uma simples questão de importação/exportação, imposição absoluta. Alencar não vê qualquer iniciativa autônoma e em nenhummomento considera que toda a apropriação é situada historicamente e que a leitura, ou melhor, areleitura de produtos culturais muda em função do tempo e do espaço e por isso mesmo é impossívelfazer uma cópia fiel, ainda que se queira8.

A crítica de Alencar transforma-se num pessimismo aberto, onde misturam-se elementos eurocêntricos, a aceitação da pobreza cultural e uma aversão ao ensinoreligioso. Este último ponto fica evidente quando, ao falar de Gregório de Matos (p. 40),menciona que “apesar de ter sido educado pelos jesuítas” conseguiu escrever criticamentesobre a realidade brasileira no século XVII. Quando trata da cultura do século XVIII, pareceque vai abandonar seu tom pessimista: pelo menos na segunda metade do XVIII tivemosum esboço de cultura autônoma! Porém, ao desenvolver o tema, o autor continua na mesmalinha que vimos apontando. Na unidade 5, ítem 2 de seu livro, ao tratar do período dasLuzes, Alencar discorre sobre como o Iluminismo influenciou movimentos artísticos eliterários no Brasil. Para ele, houve pouca coisa que pudesse ser considerada brasileira.“Eram puros reflexos do que se fazia em Portugal (que por sua vez copiava muito do que sefazia na França...)”. (p. 72, grifos meus). Quando fala de Aleijadinho, do padre DomingosCaldas Barbosa, que inventou a modinha e de Manuel Inácio da Silva Alvarenga, que compôscanções chamadas rondós e madrigais, “de doce sabor luso-brasileiro”, novamente orecurso utilizado é o da exceção. “Houve artistas contudo, que expressaram de algumamaneira, se não o nacional, pelo menos o popular em suas criações” (p. 73).

CONCLUSÕES

Duas idéias depreendem-se imediatamente da leitura dos textos. A primeira é a deque não houve práticas científicas no Brasil, a não ser em momentos de exceção, por obra evontade dos estrangeiros. A segunda é a de que a ciência dá-se fora do contexto cultural, já que,mesmo ao tratar da cultura “erudita”, os autores não fazem referência à ciência enquanto partedesta mesma cultura. Somente quando falam do governo de Nassau e do período joanino é que osautores citam rápida e superficialmente a vinda de cientistas estrangeiros ou a criação de instituiçõescientíficas. É esclarecedor dizer que mesmo estas rápidas referências não são feitas nos momentosem que os autores tratam do tema cultura. Manuel da Câmara é o único brasileiro lembrado (porum único autor) como cientista, aparecendo como exceção entre tantos estrangeiros. Os autoresprojetam um olhar eurocêntrico e descontextualizado ao afirmar, entre outras coisas, que a condiçãocolonial impedia o desenvolvimento cultural pois não se reproduziam aqui as condições necessáriaspara tal. Por exemplo, não éramos uma sociedade urbana e faltava-nos estabelecimentos de ensinosuperior. A meu ver, é o mesmo que dizer que em sociedades de economia agrária não existedesenvolvimento cultural e, conseqüentemente científico9. A respeito da falta de instituições deensino superior como fator limitante da cultura, há dois pontos a serem observados. Primeiramenteparece que tudo se resolveria se fossem reproduzidas no espaço colonial as mesmas instituições

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de ensino européias. Em segundo lugar, é evidente que os autores desconhecem o papel dasacademias literárias brasileiras. Tais associações congregavam médicos, poetas, bacharéis e eramlugar de reflexões que incluíam questões de literatura e também de diversas ciências como Medicina,Física, Química, Botânica, etc.. Nesse sentido, cumpriam o papel de suprir a falta daquelesestabelecimentos (Fonseca, 1996).

Os autores traçam uma relação quase que direta entre desenvolvimento econômicoe florescimento cultural. A cultura floresceu em Minas Gerais do XVIII por causa da crescimentoeconômico derivado da exploração de ouro. Cabe aqui perguntar se essa causalidade direta encontraamparo nas evidências. Lafuente e Ortega (1992) refutam a idéia de que desenvolvimento culturale conseqüentemente científico estejam sempre diretamente ligados a desenvolvimento econômico.Estes autores observam que a relação entre ciência e economia não é de causalidade, mesmoporque historicamente, nem sempre os centros hegemônicos do ponto de vista econômico o sãodo ponto de vista científico.

Vimos que, com exceção de Ferreira, os autores compartilham da idéia deque o que acontecia no Brasil-colônia, em termos de produção intelectual, era puro reflexodo que se fazia na Europa. Essa questão já foi discutida aqui. Mas penso que é oportunocitar um fragmento de documento escrito pelo naturalista brasileiro José Vieira Couto, em1799, o qual reforça a opinião de que havia uma preocupação explícita por parte dosbrasileiros em reelaborar e adaptar idéias criadas em contextos tão diferentes daquele emque viviam. Ao propor a construção de uma “fábrica de ferro” na Colônia, Couto diz que odiretor dessa primeira “escola régia” deveria ser um bom físico e um bom químico porque“...hum official commum nunca foi, nem será capaz para transportar huma arte de humpaíz para outro, e elevalla ao mesmo tempo a hum alto gráo de perfeição: esta no seutransporte deve deixar muitas cousas na terra, e adoptar outras muitas do novo clima para ondevai” (p. 61-62, grifos meus).

Sobre a nítida aversão ao ensino religioso expressada por Alencar, é oportunoatentarmos para as considerações de Saldaña (1993). O autor critica a historiografia tradicional aqual impõe uma separação radical entre pensamento científico e cultura religiosa. A história daAmérica Latina é profundamente marcada por uma cultura religiosa e este elemento não pode serdesprezado pelos historiadores das ciências. É exatamente por conta da oposição absoluta entreciência e religião que muitos trabalhos científicos foram desprezados, ou declarados inexplicáveispela historiografia tradicional, por não se encaixarem nos seus esquemas interpretativos. ParaSaldaña, foi preciso que se rompesse com “a atadura da história tradicional” para que “emergissempersonagens, textos científicos e técnicos, instituições científicas, etc.”. De resto, a separaçãoradical entre ciência e religião, tão propalada pela historiografia tradicional, é questionável pelo fatode que, quando a ciência moderna surgiu, “a religião constituía um dos fatores mais poderosos davida cultural. O que as pessoas pensavam de Deus (ou dos deuses) influenciava sua concepçãode natureza, o que, por sua vez, influenciava os seus processos de investigação da natureza, ouseja, de sua ciência” (Hooykaas, 1988). No caso específico do Brasil, a cultura religiosa é tãomarcante, que desprezá-la significa abdicar de parte da própria história do país.

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Antes de encerrar estas reflexões, acredito ser importante esclarecer que minhaintenção não é fazer julgamentos, colocando os autores analisados em um tribunal da história. Avisão desse quase nada cultural e científico é generalizada entre nós e não convém aquisimplificarmos, achando que, pelo fato de serem historiadores possuidores de uma visão crítica dahistória, os autores teriam a obrigação de se diferenciar desse sentimento comum. Pensar assimseria tentar retirá-los do próprio contexto cultural onde eles estão inseridos, o que contraria apostura da qual compartilho de que os cientistas são seres influenciados pelo contexto onde viveme praticam seu trabalho. Penso que esta leitura crítica, que não é outra coisa senão um exercíciode reflexão sobre minha própria prática, pode servir como contribuição, ainda que modesta, para areflexão daqueles com quem compartilho minha profissão. Infelizmente, o fosso entre o que sediscute nos meios intelectuais/ acadêmicos e o que se observa nos manuais didáticos é enorme.As edições mais recentes dos livros didáticos que têm sido adotados pelos professores da redeoficial do ensino de São Paulo apenas reforçam o que foi dito até aqui. A meu ver, se não épossível ainda vislumbrar uma mudança neste quadro, um dos caminhos que podem ajudar osprofessores a romper as correntes que o aprisionam ao livro didático passa pela sua formaçãocontinuada e sua transformação em professores -pesquisadores, que reflitam no e sobre o seutrabalho. Assim, o olhar para o livro didático tornar-se-ia mais crítico e o professor deixaria de serum mero reprodutor de seus discursos. Nesse sentido, a universidade assume papel relevante namedida em que abra suas portas àqueles profissionais que desejem diminuir o caminho que aindasepara o ensino da pesquisa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CHARTIER, Roger. Cultura popular: revisitando um conceito historiográfico. In: Estudoshistóricos, n. 16 (cultura e história urbana), Julho-Dezembro/ 1995, p. 177-192.

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DANTES, Maria Amélia e HAMBURGER, Amélia Império. A ciência, os intercâmbios e ahistória da ciência: reflexões sobre a atividade científica no Brasil. In: A ciência nas relaçõesBrasil-França (1850-1950). HAMBURGER, A ; DANTES, M. A.; PATY, M.; e PATRICK, P. (org.).São Paulo: EDUSP/FAPESP, 1996, p. 14-63.

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FERRAZ, Márcia Helena Mendes. As ciências em Portugal e no Brasil (1772-1822): o textoconflituoso da Química. São Paulo: PUC, 1995, tese de doutoramento.

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HOOYKAAS. A religião e o desenvolvimento da ciência moderna. Ed. Polis/Universidade deBrasilia, 1988.

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NOTA

1 O trabalho de Dias (1968) é anterior a toda esta renovação historiográfica da qual estamos falando. Mas em uma leitura retrospectiva elese encaixa perfeitamente nela. A partir de farta documentação, a autora analisa os aspectos da ilustração no Brasil, considerando aexistência de uma gama de atividades científicas realizadas por brasileiros, que, mesmo partindo de idéias criadas alhures, tiveram umapreocupação constante em reelaborá-las em função dos problemas de sua terra. Maria Amélia Dantes é um referencial obrigatório para os estudos de ciências pautados pela nova visão historiográfica que vimos apontando. Figueirôa (1992), Lopes(1993), Ferraz (1995)e Fonseca (1996) olharam detidamente as ciências geológicas, os museus, a química, e o papel das ciências naturaisna construção da nacionalidade, respectivamente, e, em maior ou menor grau, dedicaram-se à ciência no período ilustrado. Quanto aotrabalho de Marques (1998), é oportuno observar que a autora não dialoga com a Nova História da Ciência. Maso resultado final de seu trabalho sobre os boticários no Brasil setecentista abre excelentes perspectivas para este diálogo.2 O termo é emprestado de Saldaña (1993).3 Memórias sobre o café. O Patriota, VI, junho de 1813.4 Pilleti dedica o capítulo 23 de seu livro ao tema. O capítuloDesenvolvimento cultural

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é subdividido em “culturas brasileiras”, “cultura universitária”, “literatura”, “teatro”, “artes plásticas”, “cinema”, “cultura de massa”, “culturapopular”. Ferreira reserva ao tema o capítulo 8,A cultura da época colonial, com a seguinte subdivisão: “o ensino”, “a literatura”, “a arquitetura e as artes plásticas”, “a música”.5 João Maurício de Nassau governou os domínios holandeses no Brasil de 1637 a 1644. Nesse momento, Portugal e Espanha estavamunidos sob a mesma coroa.6 Em 1808 Napoleão Bonaparte invade Portugal com o intuito de efetivar o Bloqueio Continental contra a Inglaterra. Diante desse fato, acorte portuguesa transfere-se para o Brasil que passou a ser sede do governo, sob a administração de Dom João VI, de 1808 a 1821,quando este retorna para Portugal7 Para ficarmos em um só exemplo, citemos as pesquisas realizadas pelo mineralogista brasileiro José Vieira Couto (1752-1827). Esterealizou suas pesquisas na região mineira entre os anos de 1799 e 1805. O seu trabalho ficou registrado em 4Memórias de caráter mineralógico e geológico escritas por ele como resultado de suas pesquisas. A obra deste cientista é objeto do trabalho demestrado desenvolvido no Departamento de Geociências Aplicadas ao Ensino do Instituto de Geologia na Universidade de Campinas porSilva (1999). Em Novais (1995) pode-se encontrar inúmeros outros exemplos de trabalhos científicos que buscavam resolver os problemasda agricultura e da mineração no Brasil, especialmente na segunda metade do século XVIII. Também sobre a ciência ilustrada no Brasil, uma excelente referência é o trabalho de Dias (1968). A autora mostra, por meio de farta documentação, uma grandequantidade de práticas científicas realizadas por brasileiros ilustrados.8 Sobre esta questão é imprescindível a leitura de Chartier (1995). Este discute como os produtos culturais são apropriados e interpretadosdiferentemente em função de uma série de fatores, entre eles o tempo e o espaço. Para o autor deve-se ter sempre em conta o espaçoexistente entre o produzido e o vivido; entre os objetivos dos produtores e o que os consumidores fazem com os produtos.9 Como já foi apontado em outro momento, Dias (1968) enumera uma gama de atividades científicas no Brasil-colônia, no períodoilustrado, em sua maioria desenvolvidas por brasileiros oriundos da Universidade de Coimbra. A maioria destas atividades buscavamsoluções para os problemas da agricultura brasileira.

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A PUBLICIDADE COMO FERRAMENTA DEAPRENDIZAGEM NO ENSINO MÉDIO

DA ESCOLA PÚBLICA1

MOREIRA2, Cleide - Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis – IMESA

Segundo Ghilardi (2004, p.1-4), nos últimos anos houve uma mudança na situaçãoeducacional da sociedade. Nos anos 60, as crianças eram “educadas” pelos pais, pela escola, pelocinema e pelos amigos. Hoje, esse papel está distribuído entre a televisão, os jornais, as revistase a internet. É, portanto, crescente a importância da mídia como instrumento de informação nocenário do país e como formadora de opinião. Para Ghilardi, já não é mais na escola que a criançaaprende a separar o feio do bonito, o certo do errado, a virtude do vício. É na mídia que ela aprendeisso. A função de hierarquizar os valores, que já coube à religião e, até meados do século XX,também à instituição escolar, encontra-se hoje usurpada pela tela da TV.

Lucilene Gonzáles, em sua tese de doutorado, afirma que a maioria dos alunoschegam ao 3º grau com muitas dificuldades para redigir, interpretar textos e aplicar a maioria dasregras gramaticais.” (Gonzáles, 1999, p.13). Tomando como referência essa tese e a importânciada mídia na vida do cidadão, desenvolvi um trabalho de criação, análise e produção de textos,utilizando publicidades e propagandas impressas com alunos do terceiro ano do ensino médio, daEscola Estadual “Professor Teófilo Elias”, do município de Florínea, estado de São Paulo. O objetivofoi o de propiciar uma prática de ensino diferente a do convencional, despertando a atenção dosalunos para o conteúdo.

O desafio maior nesta pesquisa foi o de levar o aluno a acreditar em si mesmo,fazendo com que ele automaticamente fôsse capaz de analisar, criar e produzir textos coesos,estimulando-o a escrever sem medo de errar.

Estudar o texto literário é de suma importância para a disciplina de língua portuguesa,mas outros textos deveriam ser expostos aos alunos por meio de métodos mais atraentes, comopor exemplo; o texto publicitário.

O professor deve atentar para as mudanças, sendo coerente com seu tempo eobservando as influências que seus alunos lhe trazem, bem como para os reflexos da comunicaçãodiante da formação intelectual.

Ghilardi (2004, p.1-4) afirma que: “A escola enquanto instituição privilegiada nocontexto da formação da sociabilidade, deve otimizar o seu papel, ampliando o conceito de leiturae aprendizagem, equipando-se para entender melhor os significados e os mecanismos de açãodas novas linguagens, interferindo para tratar as mensagens veiculadas pelos meios de comunicaçãode massa à luz do conceito de produção dos sentidos.”

O educador, embora compreenda seu trabalho, na produção do conhecimento e

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formação de indivíduos, como aquele capaz de promover a crítica e a adoção de condutas voltadaspara a interação social e não para o consumo e o mercado. Às vezes depara-se com alunos quetrazem de casa uma bagagem própria adquirida pelo convívio familiar, compartilhada com asdiversas mídias a que eles são expostos todos os dias.

Portanto, antes de iniciar os trabalhos era necessário conhecer o público-alvo. Apósdados levantados em entrevista na forma de perguntas de múltipla escolha, observou-se anecessidade de apresentar uma proposta de trabalho que levasse o aluno a uma prática em salade aula voltada para a análise e produção de textos publicitários. Conforme os entrevistados analisartextos e escrever eram atividades difíceis. Ainda, nem sempre as aulas de Língua Portuguesafavoreciam a essas práticas de leitura e produção. Assim, no trabalho desenvolvido em sala deaula objetivou-se mostrar-lhes que a disciplina de Língua Portuguesa não é tão difícil de entendere que todos são capazes de criar e analisar textos.

Para o desenvolvimento desse trabalho realizou-se cinco encontros teóricos e cincooficinas de textos em que foram propostas pesquisas de publicidades impressas, e por meio delas,a análise, a criação e a produção de parágrafos. Tais encontros foram compostos por duas horas-aulas de 50 minutos cada.

No primeiro encontro procurou-se definir publicidade e propaganda, mostrando aosalunos que esses termos apesar de serem utilizados pelas pessoas como sinônimos, não significama mesma coisa. Sendo que, a publicidade é “uma atividade técnica e artística que se destina acriar anúncios para exercerem ação psicológica sobre o público-alvo.” (MARTINS, 1997, p.31).Enquanto a propaganda é definida por Pinho (1990, p.22) como “o conjunto de técnicas e atividadesde informação e persuasão destinadas a influenciar, num determinado sentido, as opiniões, ossentimentos e as atitudes do público receptor.”

Ao final da aula, solicitou-se aos alunos que localizassem nas revistas expostas nasala de aula uma publicidade e uma propaganda.

No segundo encontro expôs-se aos alunos uma reflexão acerca dos principais meiosde comunicação de massa; em mídia eletrônica – televisão, rádio, cinema, Internet – e em mídiaposições (impressa) – revistas, jornais, mala-direta, outdoor etc. Nessa aula solicitou-se novamenteaos alunos a identificação dentro das variadas mídias de uma publicidade e de uma propaganda.

Essa dinâmica serviu para esclarecer ao aluno a diferença entre ambas, deixandoexplicitadas a importância e a influência que a publicidade e a propaganda exercem sobre aspessoas.

No terceiro encontro enfocou-se o conceito de texto publicitário e a estrutura doanúncio publicitário. Por meio de definições objetivou-se levar os alunos a refletir sobre seus conceitosprévios e a perceberem que imagens, fotos e expressões faciais também podem ser lidas einterpretadas, e também que a mensagem verbal do anúncio publicitário muitas vezes é expressaem um único parágrafo, por isso é necessário que o parágrafo tenha coerência, introdução,desenvolvimento e conclusão.

Ao final dessa exposição teórica, propôs-se aos alunos exercícios de análise, o que

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os levou a fixar o objetivo do texto, facilitando a seleção e a organização das suas idéias. Os alunospuderam perceber que o texto se desenvolve em função do objetivo escolhido, o que garante a suacoerência. Essa atividade os levou a perceber a estrutura do parágrafo e a sua importância napublicidade.

No quarto encontro expôs-se a importância da cor na publicidade mostrando-lhesque as cores são essenciais para a criação de um texto publicitário.

Segundo Farina (1975, p.88), vários fatores se conjugam para determinar a corexata para formar a expressividade mais conveniente a cada tipo específico de mensagem paraum produto de consumo ou serviço a ser utilizado.

Encerrando essa parte teórica, apresentou-se duas publicidades para os alunosanalisarem. Essa atividade objetivou levá-los a perceber que a utilização da cor na criação publicitáriaé tão importante quanto a criação do texto escrito, ela transmite significados com a intenção depersuadir, isto é, provoca reações psicológicas no leitor e que para um anúncio chamar a atençãodo leitor, a sua elaboração depende de vários recursos, principalmente da cor exata para expressaro produto e convencer o consumidor.

No quinto e último encontro abordou-se a problemática da significação das palavras,ou seja, a semântica e também o jogo denotativo e conotativo de sentidos que gera a ambigüidadena linguagem como o recurso da polissemia. Estes recursos são muitos utilizados nas mensagenspublicitárias como um importante meio de expressividade. Nesse encontro, abordou-se tambémfiguras de linguagem, que são recursos de efeitos retóricos ou de linguagem utilizados para darênfase a um texto escrito ou falado. No caso da publicidade, são recursos considerados persuasivos,pois visam chamar a atenção do receptor à mensagem.

Analisar figuras de linguagem dentro do contexto publicitário tem um lado divertido,porque a publicidade é rica em argumentos apelativos e chamativos que atrai a atenção do leitorpelas suas formas e cores.

Encerrando essa parte teórica, solicitou-se dos alunos que localizassem em umapublicidade impressa: o assunto, a sua delimitação, o seu objetivo, bem como as figuras delinguagem utilizadas.

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Prosseguindo com as atividades, foi proposta aos alunos a produção de um parágrafo,a partir da publicidade abaixo e utilizando as figuras de linguagem, eufemismo e hipérbole. Oparágrafo deveria apresentar: introdução, desenvolvimento e conclusão.

O parágrafo abaixo foi produzido pela aluna Roseli Gonçalves de Brito, 17 anos,pertencente ao 3º ano do diurno:

“Seus cabelos estão precisando de cuidados especiais? Não se preocupe, porqueagora chegou o único shampoo que lava colorindo. Ele foi elaborado especialmente para você queprecisa estar sempre bonita. Por isso, não perca tempo, use Wellaton e deixa suas amigas morrendode inveja”.

Após vários outros exercícios de criação, produção e análise de textos publicitáriosveio o desafio maior. Como proposta de redação solicitou-se dos alunos a elaboração de umapublicidade para um produto de sua preferência. Ela poderia ser de um produto imaginário, masdeveria apresentar: título, subtítulo, texto em forma de parágrafo – introdução, desenvolvimento econclusão, marca do produto e slogan.

Os alunos Jean Luca Alves Leme e Jerônomo José de Souza Neto, ambos com 17anos, do 3º ano diurno, produziram e analisaram o seguinte anúncio:

Criação:

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Análise:

- Por que do título? Resp.: “Para mostrar o nome do produto e chamar a atençãodo leitor para a proteção que Dove Fresh oferece.”

- Por que do subtítulo? Resp.: “Mais proteção!!!” “Mais conforto!!!”, para reforçar aidéia de proteção e mostrar que Dove te faz sentir mais confortável.”

- Quais as cores utilizadas e por que foram utilizadas? Resp.: “Branco: cor de fundo– utilizada para dar tranqüilidade e mostrar o frescor de Dove.

Azul: utilizada também para mostrar o frescor de Dove e ainda destacar as expressõesdas mulheres. Obs: Aquela que usou Dove está tranqüila e confortável, aquela que não usou seencontra irritada e desconfortável.

Vermelho: para dar destaque às axilas da mulher que não usou Dove, representandocalor, e através dele o suor.

Preto: utilizada para dar contraste à paz e à tranqüilidade do fundo branco, e chamara atenção do leitor para o texto.”

- Quais são as figuras de linguagem utilizadas e o que significam na publicidade?Resp.: “Repetição: “mais – mais” e “não importa – não importa” – essa figura de linguagem foiusada para chamar a atenção e reafirmar que o produto é realmente bom.

Hipérbole: Ex: “ o único”, “máxima proteção”, “muito mais” e “nunca” – essa figurade linguagem chama a atenção para a super proteção do produto.”

- Por que da elaboração dessa publicidade? Resp.: “A publicidade é utilizada parapromover e vender certos produtos e serviços, por isso um bom anúncio significa também um bomnúmero de vendas.”

Exemplo: Na publicidade Dove Fresh, foram usados vários recursos para chamar aatenção e promover o produto, fazendo com que o consumidor se sinta atraído pelo produto.”

Analisando todo o desenvolvimento do trabalho e a evolução dos alunos quanto aotexto escrito, pôde-se observar que o problema não está somente no aluno, o que ele apresenta éum forte indício de desmotivação quanto ao método ainda utilizado pela rede de ensino.

O que os alunos estão precisando é de professores ousados, que também nãotenham medo de errar. Os educadores ainda não perceberam que são capazes de também realizartrabalhos diferenciados, que existem milhares de métodos mais atraentes para se ensinar redaçãoe análise de textos.

O texto publicitário, em seu aspecto não-verbal, por ser colorido e expressivo, chamaa atenção do aluno para o texto não-verbal, o que facilita a abordagem para o professor na exposiçãooral e também a apreensão para o aluno na aprendizagem.

No percurso desse trabalho, os alunos foram levados à leitura, à análise e à produçãode textos publicitários. Essas atividades desenvolveram nos alunos o seu lado observador e crítico.

O prazer maior no decorrer dessa pesquisa foi o de perceber a satisfação dos alunospor terem conseguido produzir um texto que antes acreditavam não poder.

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Os trabalhos por eles construídos foram todos feitos, expostos e apresentados emsala de aula. Essa dinâmica, entre erros e acertos, levou-os a perceber suas próprias dificuldadese falhas quanto à escrita.

Espera-se com esse trabalho ter contribuído para o avanço do conhecimentocientífico no que concerne ao emprego em sala de aula de peças publicitárias.

Não se pretendeu aqui apresentar uma nova técnica de ensino, antes partilhar esocializar uma experiência que conciliou Comunicação e Propaganda.

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Revistas

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VESTERGAARD, T. A Linguagem da propaganda. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

NOTAS1Trabalho realizado sob fomentação da Professora Mestra Eliane Ap. Galvão Ribeiro Ferreira.

2 Graduada em Comunicação Social com Habilitação em Publicidade e Propaganda pelo IMESA, Campus de Assis, especialista emMarketing, Comunicação e Propaganda pelo INBRAPE– Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas Sócio-Econômicos– Assis/SP.

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Eliane Bambini Gorgueira Bruno; Luci Castor de Abreu(FIZO – Faculdade Integração Zona Oeste)

APRESENTAÇÃO

O curso de Pedagogia da FIZO – Faculdade Integração Zona Oeste - mantém emsua grade curricular o Núcleo de Estudos e Projetos como um espaço destinado à pesquisa emEducação no qual além das questões metodológicas referentes à pesquisa propriamente,privilegiamos também os aspectos do aprendizado da construção coletiva, das relaçõesinterpessoais a ainda propiciamos aos alunos a possibilidade estudar em maior profundidade umtema específico e de seu interesse. Todo o trabalho é desenvolvido em estreita parceira pelo grupode professores orientadores de pesquisa, demais professores do curso, alunos monitores e pelosdemais alunos em processo de aprendizagem do trabalho de pesquisa.

A proposta deste relato é apresentar uma das pesquisas realizadas no Núcleo deEstudos e Projetos durante o período de Fevereiro/2004 à Junho/2005 orientada por mim edesenvolvida por uma das alunas monitoras e que teve como objetivo identificar no próprio contextodo Núcleo os desafios que se impõem num processo de pesquisa que se ancore na abordageminterdisciplinar.

Segue abaixo a pesquisa realizada.

PESQUISA, CONHECIMENTO E INTERDISCIPLINARIDADE

A possibilidade de aprender a desenvolver pesquisa sob a lente dainterdisciplinaridade mobiliza-nos – alunos e professores - no sentido de compreender como se dáa nossa relação com o conhecimento, de compreender como esse conhecimento se constituinum conjunto de referências que nos apóiam em todos os percursos da vida e de compreenderainda como o sujeito que conhece é capaz de modificar, ampliar e aprofundar o conhecido.

Instiga-nos a curiosidade, saber da relação entre conhecimento, significado e sentidopois entendemos que cada pessoa em sua singularidade “vive” o conhecimento de forma tambémsingular.

“No ato de conhecer, assimilamos ou atribuímos significado?”

O NÚCLEO DE ESTUDOS E PROJETOS DO CURSODE PEDAGOGIA DA FIZO - FACULDADE INTEGRAÇÃO

ZONA OESTE E A FORMAÇÃO DO EDUCADORPESQUISADOR: DESAFIOS PRESENTES NA

PROPOSTA DE UMA PRÁTICA INTERDISCIPLINAR

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Este questionamento de Morin (1999, p.17) sinaliza-nos sobre o conhecimentocomo um ato contínuo que pede o deslocamento da compreensão do objeto para buscar o sujeitoque conhece e buscar também o significado que cada conhecimento representa para esse sujeito.Abre-se a perspectiva do que se chama hoje conhecimento em rede, múltiplo, inacabado, provisório,que concebe o erro como critério de cientificidade e que não admite dissociar-se do sujeito queconhece.

Compreendemos que falar do sujeito que conhece implica falar de sua história, deseus projetos, de seus valores, de seu modo de se plantar no mundo através das diversas relaçõesque vai construindo com as coisas e com os homens.

Motivadas pela complexidade que esta pesquisa implica, é que nos dispusemos aeste trabalho que pretende apresentar nossa incursão no inter-espaço de que trata ainterdisciplinaridade como um modo de ver, compreender, sentir e viver a Educação e oconhecimento.

Conceber a Educação e os processos do conhecer na perspectiva acima favorece-nos a compreensão de que a vivência da interdisciplinaridade nos processos de pesquisa revelamovimentos de desequilíbrio e até de rupturas frente ao dinamismo e à provisoriedade que o atode conhecer implica desvelando dimensões que transcendem as esferas do intelectual e do cognitivopara solicitar o entrelaçamento com outros aspectos que compõem a expressão do homem nomundo: a intuição, os afetos, a ética, a estética, a espiritualidade – a história.

É no tecido trançado por todos esses aspectos que percebemos as contradições ecomplementariedades inerentes ao processo de busca do conhecimento. Uma busca na qual – demãos dadas – caminham a objetividade e a subjetividade; a verdade e o erro; a urgência e aespera; a certeza e a dúvida. A provisoriedade.

Sentimos frequentemente a necessidade de um esforço intelectual adicional, indi-vidual e solitário no sentido de nos compreender singulares, ao mesmo tempo em que solidariamentecom os demais alunos e professores vamos desenhando o futuro, fortalecendo o desejo, construindo,desconstruindo e reconstruindo concepções e crenças a respeito do homem em sua relação como mundo, mediado pelo conhecimento.

Neste mergulho no espaço (entre) da interdisciplinaridade, tentamos desvendar erevelar qual é de fato, o nosso papel como educadoras, qual é a medida de nossa contribuição,quais são os nossos limites, nossos vícios, nossos valores e desvalores mais escondidos.

Tentaremos neste relato, trazer ao leitor alguns desses vieses através dos quaisbuscamos compreender a interdisciplinaridade como atitude de pesquisa tendo como continentede estudo o Núcleo de Estudos e Projetos do curso de Pedagogia da FIZO – Faculdade IntegraçãoZona Oeste que valoriza e aceita o desafio de garantir aos seus alunos um espaço para formaçãodo educador pesquisador dentro de uma abordagem interdisciplinar.

A seguir, apresentaremos o Núcleo de Estudos e Projetos identificando sua aderênciaem relação à interdisciplinaridade e a convergência dos princípios que o sustentam, trazendo paraa reflexão o conjunto das ações que se concretizam na prática e que nos podem dar a dimensãoda complexidade dos processos que lá se efetivam posto que trataremos de relações inter e intra-

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pessoais, de processo e produto, num continuun de rupturas e reorganizações sob os múltiplosolhares que dirigimos aos eixos professor-aluno, ensino-pesquisa, teoria-prática.

O NÚCLEO DE ESTUDOS E PROJETOS

A FIZO – Faculdade Integração Zona Oeste mantém na grade curricular do cursode Pedagogia, a disciplina de Núcleo de Estudos e Projetos cujos pressupostos se assentam na“busca da problematização e análise das situações da prática social de educar, no exercício daautonomia do pensar, na ética profissional, na seriedade e compromisso com a própria formação,no aprendizado da construção coletiva, na articulação entre academia e comunidade, entre teoriae prática, entre ensino e pesquisa, eixos para a construção de uma educação transformadora”(Eliane Bruno – Coordenadora Geral de Estágios da Instituição).

O Núcleo é um espaço que não apenas possibilita ao aluno a aprendizagem e arealização de pesquisas, mas que fundamentalmente busca favorecer a formação do educadorpesquisador no sentido de colocá-lo em contato com sua forma singular de buscar o conhecimentode maneira vivenciada e refletida e não apenas pensada ou adquirida a partir dos teóricos.

O compromisso assumido pelo Núcleo tem o sentido de possibilitar ao aluno, avivência do encontro, da articulação entre ensino e pesquisa, entre teoria e prática, entre academiae comunidade a partir da apropriação de saberes que só são possíveis através do franco diálogoestabelecido entre pessoas e intermediado pelo diálogo estabelecido entre as disciplinas.

Entretanto e mesmo diante das perspectivas positivas para as quais este exercíciode pesquisa aponta, acreditamos ser importante advertir que sua inserção na formação inicial econtinuada do educador não se dá sem dificuldades, quer pelos paradigmas que persistem emmanter o distanciamento entre ensino e pesquisa, quer pelos questionamentos que algumascorrentes teóricas impõem em relação à sua validade. É Lüdke (2001, p.34), quem relata:

“Há pouco tempo, em uma banca de doutorado cujo tema envolvia a pesquisa deprofessores de uma escola básica, ouvi de uma das examinadoras, uma expressão muito significativapara nossas reflexões a respeito da questão: “acho que esse assunto de professor pesquisador émuito mais nosso, da academia, do que dos professores da educação básica. Eles têm coisasmais urgentes com que se preocupar”.

Entendemos que um dos grandes desafios (dentre tantos outros) a serem enfrentadosé a frágil integração entre ensino e pesquisa, fruto da forma com que são estabelecidas as relaçõesentre as várias áreas do conhecimento, tanto nos espaços escolares nos quais se concretizam aspráticas de ensino, quanto nas universidades no que se refere às produções de pesquisa científica.

“Muitos docentes consideram suas atividades de ensino desconectadas dasatividades de pesquisa, ministrando na graduação cursos que não revelam uma marca concretade seus trabalhos na área de pesquisa. Ao lado disso, grande parte dos bons pesquisadores dasuniversidades dedica-se muito mais aos cursos de pós-graduação do que aos de graduação”(Santos, 2001, p.13).

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Esclarecendo que este trabalho pretende identificar e investigar as possibilidadesde superação dos desafios presentes no exercício de uma prática interdisciplinar como posturanum processo de formação do educador pesquisador, ressaltamos que o Núcleo não se constituipropriamente como uma disciplina com conteúdo específico, mas carrega em si o compromissode promover e garantir o encontro entre todas as disciplinas. Práticas pedagógicas, fundamentose metodologias têm no Núcleo sua morada solidária.

Avaliando os vários trajetos e encaminhamentos possíveis ao longo do trabalho depesquisa no espaço do Núcleo, percebemos a força de seu caráter dinâmico, de movimento, decriação. Nesta perspectiva, trazemos algumas considerações de Fazenda (1994), que nos parecemimportantes no sentido da compreensão que se pretende alcançar acerca das implicações queesta pesquisa demanda. Diz Fazenda:

“Quando se começa a trabalhar com as questões da interdisciplinaridade pode-seimaginar para onde pretendemos nos encaminhar; porém é totalmente impossível prever o queserá produzido e em que quantidade. Poderes novos e energias diferentes acabam por invadir avida daquele que a esses estudos se dedica. É preciso aprender a navegar entre a loucura que aatividade interdisciplinar desperta e a lucidez que a mesma exige. Ao buscar um saber integrado elivre, a interdisciplinaridade conduz a uma metamorfose que pode alterar completamente o cursodos fatos em Educação; pode transformar o sombrio em brilhante e alegre; o tímido em audaz e aesperança em possibilidade.”

Entendendo o Núcleo como espaço que privilegia o exercício da pesquisa comoatitude fundamental do educador – ser educador hoje, é ser fundamentalmente um pesquisador -e ainda considerando os princípios que o sustentam, trazemos novamente Fazenda (1994, p.88)que vem nos falar sobre a importância da pesquisa como prática a ser exercida ao longo de todo opercurso de formação do aluno - em geral - e do aluno aprendiz de educador – em particular:

“Considerando como pressuposto que uma atitude interdisciplinar se identifica pelaousadia da busca, da pesquisa, da transformação, temos constatado que nos projetos realmenteinterdisciplinares encontramos como caminho constante o pensar, o questionar e o construir. Assimsendo, os projetos em nível de universidade têm procurado na busca de superação da dicotomiaensino/pesquisa transformar as salas de aula dos cursos de graduação em locais de pesquisa, enão esperar que a pesquisa fique reservada apenas à pós-graduação. Aprender a pesquisar, fazendopesquisa, é próprio de uma educação interdisciplinar que, segundo nossos dados, deveria seiniciar desde a pré-escola.”

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

No início desta pesquisa o tema – a interdisciplinaridade – já estava definido. Noentanto surgiram sucessivos impasses e dúvidas pois era grande e diversa a quantidade de perguntassobre as quais buscávamos respostas e o fato de ter que delimitar o problema de pesquisa foi setransformando em algo como uma frustração por perceber que os recortes necessários não dariamconta das respostas perseguidas.

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Naquele período de recolhimento e reavaliação dos encaminhamentos foramrealizados pela professora orientadora dois tipos de intervenção que contribuíram sobremaneirapara a identificação do eixo da pesquisa: o primeiro foi marcado pelos encontros de orientação,oportunidades em que buscou-se ressaltar que aqueles movimentos de avanços e recuos sãopróprios de qualquer trabalho de natureza interdisciplinar. O segundo foi uma proposta de retornoao levantamento bibliográfico preliminar que, aos poucos foi favorecendo a percepção de que odesafio poderia ser a palavra de ordem quando se pretende trabalhar com e na perspectiva dainterdisciplinaridade. Estamos falando do desafio de romper, desafio de reunir para integrar, derenovar, de reinventar, de mergulhar e tomar distância, de resgatar para reconstruir, enfim, odesafio foi tomando corpo como eixo deste trabalho e ajudou a delimitação do problema de pesquisa.

Superada esta primeira fase era necessária a identificação de uma metodologia depesquisa cujos procedimentos melhor se adequassem àquele contexto e que sobretudo mantivessema maior aderência possível entre a proposta da Instituição - para a formação desse educadorpesquisador - e a abordagem interdisciplinar para um trabalho de pesquisa segundo os autores jávisitados preliminarmente.

Assim, a definição da metodologia de pesquisa deveria contemplar os movimentosde todo o grupo: professora orientadora, monitora e demais alunos, guardando um cuidado sensívelque possibilitasse perceber as diversas relações presentes no processo:

· Relação entre formação e pesquisa;· Relação entre monitora e aluno;· Relação entre aluno e pesquisa;· Relação entre monitoria, pesquisa e orientação;· Relação entre aluno e conhecimento.Diante dessas demandas, consideramos importante abrir um parêntesis para estudar

as questões da pesquisa em Educação o que foi de fundamental importância na medida em quepudemos trabalhar no sentido de impedir que a dimensão do sensível pudesse constituirafrouxamento do rigor científico posto que teóricos como Fazenda, André, Gatti e Barbier entreoutros, unem-se na defesa de que a produção do conhecimento não se dá sem o comparecimentode procedimentos peculiares do pesquisador como sua criatividade, seus valores e sua formasingular de conduzir seus estudos.

Pesquisar sobre pesquisa foi o que nos permitiu garantir a tríplice coerência entre afundamentação teórica, a ação da monitora e a forma com que desenvolvemos este trabalho depesquisa e de formação no Núcleo. Desta forma foi possível compatibilizar os procedimentosmetodológicos definidos para organizar esta pesquisa com as questões mais fundamentais dainterdisciplinaridade como o resgate do sujeito em sua relação com o conhecimento, as relaçõesde parceria, a dimensão das relações intra e interpessoais, a provisoriedade e a historicidade naprodução da ciência, a admissão do erro como critério de cientificidade, as incursões mútuasentre o racional e o intuitivo e a questão que dentre todas nos parece a mais nuclear: o desafio.

Postas as considerações acima, acreditamos ser importante esclarecer duasquestões:

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· A turma de alunos com quem trabalhamos era constituída por dez grupos,cada qual realizando sua pesquisa. Dentre esses grupos, foram selecionados três, utilizando comocritério, as diferenças mais significativas e expressas em cada um. Desta forma entendemos tercontemplado a diversidade de ritmos, de níveis de envolvimento, e ainda as questões relativas àsrelações interpessoais, que não poderiam ser deixadas à margem deste trabalho.

· Os instrumentos metodológicos privilegiados tanto na coleta quanto naorganização e análise dos dados foram a observação sensível e crítica (com participação efetivado pesquisador) e os registros descritivo, reflexivo e analítico, aqui tomados como norteadores,reguladores e organizadores de todo o processo de sistematização desta pesquisa.

ANÁLISE DOS DADOS

Considerando que o desenvolvimento desta pesquisa deu-se concomitantemente àação da monitora junto a um grupo (de aproximadamente sessenta alunos) que estava aprendendoa desenvolver o trabalho de pesquisa, acreditamos ser importante trazer para este texto o fato deque a reflexão acerca das nossas ações e dos processos próprios de cada grupo - seus movimentose intercorrências - iam nos dando sinais que apontavam para questões que pediam certoaprofundamento teórico que nos subsidiasse na compreensão desses movimentos – tanto osnossos (professora orientadora e monitora) quanto os dos alunos.

Da mesma forma, esse aprofundamento teórico - que amparava a compreensão denossas ações e também das ações de cada grupo - possibilitava ainda a identificação danecessidade de redimensionamento e/ou redirecionamento das nossas práticas, tanto na perspectivada monitoria de pesquisa quanto dos processos mais amplos da formação do educador pesquisador.Era esse o movimento que nos ia mostrando o sentido e a dimensão do processo em curso.

Olhar simultaneamente para o trabalho de pesquisa da monitora, para o trabalho depesquisa dos alunos e para a relação entre eles, possibilitava-nos a vivência da articulação entreteoria e prática e entre ensino e pesquisa.

A alternância entre o olhar, o intervir, o refletir e o vivenciar nos ajudaram a perceberque emergiam então, os três primeiros desafios que se apresentavam tanto para a dupla professora– monitora quanto para os alunos.

Os dois primeiros desafios referem-se à busca de garantir a permanência das duasarticulações citadas acima: teoria/prática e ensino/pesquisa. O terceiro desafio tem a ver com anecessidade do entrelaçamento destas quatro estruturas de forma que teoria, prática, ensino epesquisa apareçam como dimensões que dialogam entre si durante todo o trabalho, em movimentosrecíprocos de aproximação, intervenção e alimentação.

Desta forma, vemos a teoria fundamentar e dar sentido à prática de ensino, enquantoesta a ressignifica a partir da pesquisa que se efetiva quando sobre essa prática nos debruçamos,considerando para tanto, um dado e conhecido contexto.

Certamente não estão aqui esgotadas todas as possibilidades de diálogo que estasmúltiplas relações propiciam. No entanto é fundamental que tanto o professor quanto os alunos –

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em processo de pesquisa – vivenciem e se apropriem dessas relações lembrando sempre que aproposta de uma prática interdisciplinar pressupõe romper – cuidadosamente – com modelosdesgastados para recriar uma Educação que, embora reconheça sua face reprodutora, permitaolhar para suas possibilidades transformadoras e, neste sentido estamos falando de romper commodelos fracionados para construir novas formas que privilegiem as relações em rede e oconhecimento em rede. Conhecimento articulado com o mundo e com a vida.

Trazendo esta perspectiva para o contexto do Núcleo, percebemos que muitas vezesos alunos, pela sua história de vida e sobretudo pela sua história escolar, apresentam dificuldadespara enfrentar o desafio desse rompimento. Crenças há muito cristalizadas revelam ransos quedificultam ou retardam a compreensão dos fundamentos que sustentam a proposta do Núcleo.Nesse contexto podem surgir - e de fato, surgem - movimentos de negação, resistência eimobilização associados a sentimentos de medo e insegurança que embora não tenham um caráternecessariamente negativo, devem constituir objeto de um olhar cuidadoso – reflexivo e crítico –que favoreça ao aluno a passagem de uma postura heterônoma para uma postura autônomavoltada para a mudança sem esquecer que pensar em mudanças implica pensar em construção erelação. Mudanças são construídas e ocorrem em relação a alguma coisa ou a alguém. Sãoportanto, construções coletivas inscritas num diálogo consentido e desejado.

Para apresentar outro desafio identificado na prática do Núcleo é preciso relembrarque estamos falando em Educação como uma prática que só se concretiza no bojo das relaçõesinterpessoais. Desta forma é importante tratar também dos sujeitos que protagonizam essas relações.

Se a interdisciplinaridade pressupõe a construção coletiva e o encontro, da mesmaforma implica na pessoalidade, no desejo, na decisão e na disponibilidade individual.

Voltar o olhar para a pessoa, constitui mais um desafio que buscamos superar naspráticas que se desenvolvem no Núcleo.

As dimensões pessoal e grupal ora se aproximam, ora se distanciam, fazendo emergirentão, a importância de se resgatar as histórias pessoais como forma de melhor compreendê-las,ressignificá-las e possibilitar a criação de um ambiente fértil para as trocas recíprocas uma vezque essas histórias se encontram, se interpenetram e permitem ver novamente o mesmo ponto,sob novas perspectivas. Permitem a renovação do olhar.

É importante ressaltar que esta proposta do “conhecer-se” precisa sercuidadosamente construída para que nas incursões que se faz para dentro de si não sejamsupervalorizados os erros, os enganos, os medos, e outros sentimentos com os quais o confrontopossa ser doloroso a ponto de expor o sujeito além do que ele deseja. É importante que elespossam se sentir seguros para assumir suas limitações pois é a partir disso que se pode olhar ecuidar delas. Só então será possível escolher com clareza entre a manutenção e a mudança. Detoda forma, são escolhas.

Considerando que até aqui, estivemos falando da articulação entre teoria, prática,ensino e pesquisa como elementos que constituem o “fazer interdisciplinar” e que trouxemostambém o sujeito que concretiza esses fazeres e dessa forma constrói sua dimensão de “serinterdisciplinar”, desejamos agora incorporar o último elemento desta rede e que – na medida do

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que podemos compreender – constitui novo desafio como fator integrador de todos os aspectos ede todos os fundamentos que sustentam a proposta do Núcleo: o encontro.

Entendemos que a omissão desta nova dimensão comprometeria sobremaneira ocaráter de organicidade que o diálogo interdisciplinar solicita. Aspectos como a parceria, a construçãocoletiva, os múltiplos olhares, a complexidade do ser e do fazer e as histórias pessoais não poderiamser tratados sem o aporte das relações interpessoais – ou do encontro.

Foi nesse contexto de múltiplos encontros que percebemos o alcance e asimplicações das relações interpessoais num processo de construção e produção coletiva.

Sentimo-nos seguras em testemunhar o que Rogers (1997) já dizia a respeito dasrelações interpessoais e suas implicações na formação de educadores. Diz o autor que a ação doeducador passa pelas relações interpessoais que é o que permeia todos os conteúdos. Fazer,sentir, pensar devem ser sempre articulados na ação prática da formação. Aprender a pensar nãosignifica desaprender a sentir e esta percepção é de grande delicadeza. É o que determina o nossofazer.

Infelizmente e observando o trajeto histórico que marcou a Educação percebe-seque o eixo ser-conviver descolou-se do eixo aprender-ensinar por conta de práticas observadasainda hoje, dentro da própria escola. A dimensão do encontro apartou-se do processo de construçãodo conhecimento e o que – em geral – se vê nas escolas é a cisão entre o sujeito que aprende e oobjeto de conhecimento, justamente no local mais privilegiado e favorável para os exercícios doSER, do APRENDER e do CONVIVER. Desta forma o refinamento das relações interpessoaisconstitui mais um desafio a que o Núcleo se propõe superar por conta das concepções e crençasequivocadas com que muitos alunos ingressam na universidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Revendo toda a trajetória de realização desta pesquisa entendemos que – guardadasas especificidades de cada ator – seus resultados revelam que os mesmos desafios se impõemaos alunos e professores na medida em que, desde o início até a fase de finalização do trabalho, oaprendizado do grupo (professores e alunos) se mantém em movimento como que testemunhandoa interdisciplinaridade em seu caráter de busca, parceria, troca, dialogicidade, provisoriedade,diversidade e desafio.

Acreditamos que esta pesquisa contribuiu significativamente para o trabalho quedesenvolvemos no Núcleo pois inseriu o viés do olhar do aluno monitor compondo - com o grupode professores - o movimento de observação da ação no sentido de refleti-la e devolvê-la aocontexto, agora já modificada.

Desta forma e além das questões metodológicas relativas à pesquisa propriamente,este exercício de distanciamentos e aproximações consecutivas nos ajudaram a perceber novasperspectivas a partir das quais podemos conceber, planejar, desenvolver e vivenciar a pesquisaem Educação, agora sob a lente das relações interpessoais como elemento mediador e articuladorde todo o processo.

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Sentimos que um dos aprendizados mais significativos que experimentamos nodesenvolvimento deste trabalho refere-se ao resgate do sujeito em sua relação com o conhecimentoe a compreensão de que esse conhecimento só se dá nas relações posto que aprendemos eensinamos em comunhão e em movimento.

Acreditamos que em Educação não há construção possível se não levarmos emconta as relações nela implicadas, sejam elas relações inter ou intrapessoais na medida em que oato de conhecer nos modifica e modifica o conhecido.

Cruzam-se as dimensões objetiva e subjetiva e é esse entrelaçamento que possibilitao desvelamento, a expressão e a compreensão da complexidade que caracteriza os processoseducacionais.

O que enfim nos encanta é perceber naquela Instituição, o comprometimento e oesforço de todos os envolvidos no sentido de garantir o Núcleo como um espaço em que sãoprivilegiadas de forma estreitamente articulada, as dimensões ética, estética, política, congitivo-intelectual, e relacional, olhando para o aluno em sua singularidade, ao mesmo tempo em que sãotambém e igualmente valorizadas as dimensões mais amplas como aquelas que ultrapassam asesferas pessoais, para abraçar as relações que o homem estabelece socialmente nos grupos comos quais convive.

Concluindo, entendemos ser importante registrar que os desafios identificados nestapesquisa contemplam parcialmente o universo possível de investigação, sendo então necessáriocompreender que existem questões de nível institucional e questões ainda mais amplas cujaspossibilidades de ação e transformação permanecem circunscritas aos órgãos normatizadoresoficiais do Estado e segregados nas mãos e mentes de pessoas que sequer se dispõem a nosolhar ou nos ouvir.

Talvez seja este um novo desafio: Garantir nos cursos de graduação, possibilidadessemelhantes ao Núcleo de Estudos e Projetos do curso de Pedagogia da FIZO como espaçosprivilegiados para pesquisa, discussão, reflexão, transformação, construção das autonomiasindividuais e grupais e para o refinamento das relações interpessoais, ainda que isso implique oesforço, o risco, a incerteza e a resistência à estagnação, pois

“O amanhã,mesmo que uns não queiram,será de outros que esperam ver o dia raiar”.

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