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Dimensão cultural na formação de professores VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 1 DIMENSÃO CULTURAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

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Dimensão cultural na formação de professores

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DIMENSÃOCULTURAL NA FORMAÇÃO

DE PROFESSORES

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COMUNICAÇÕES CIENTÍFICAS

Páginas

04 A INCORPORAÇÃO DO HABITUS E A DIMENSÃO CULTURAL DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES. Adriane Knoblauch (PUC/SP/EHPS). Agência financiadora: CNPq.

13 CARACTERÍSTICAS E HABITUS DOCENTE EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL TÉCNICO. Fernanda Maria Fornaziéri Musto; Luci Regina Muzzeti (FCL/UNESP/Araraquara).

20 EDUCAÇÃO ESCOLAR/CULTURA/VALORES: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA AO PROCESSO DE FORMAÇÃO DO EDUCADOR. Profa. Dra. Sonia Aparecida Ignacio Silva (Universidade Católica de Santos).

28 FATORES QUE CONDICIONAM PROFESSORES DE SUCESSO. Selma Cristina Ávila Moissa; Lucia Helena Tiosso Moretti (UNOESTE).

38 GEOGRAFIA E LITERATURA: MEIOS DE CONSTRUIR E MODELAR SIMBOLICAMENTE O MUNDO. Maria Dalva de Souza Dezan – Mestranda em Geografia; Professor Assistente Doutor Fadel David Antonio Filho – Departamento de Geografia (IGCE/UNESP/Rio Claro).

43 INFÂNCIA E MODERNIDADE: IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES. Anilde Tombolato Tavares da Silva (UEL); Pedro Ângelo Pagni (FFC/UNESP/Marília).

49 NOTAS SOBRE O PROBLEMA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES. Rodrigo Pelloso Gelamo; Márcia Machado de Lima – Programa de Pós-Graduação em Educação. (FFC/UNESP/Marília).

57 O CLIMA CULTURAL CONTEMPORÂNEO TENSIONANDO À FORMAÇÃO DE PROFESSORES COM PRETENSÕES EMANCIPATÓRIAS. Andreia Cristina Peixoto Ferreira; (PPGE/UNIMEP – UFG/CAC). Apoio Financeiro: CNPq.

66 O QUE É FORMAÇAO PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: PRIMEIRAS NOTAS. Márcia Machado de Lima. Programa de Pós-Graduação em Educação (FFC/UNESP/Marília).

74 PROFESSOR, ALUNO: CADA QUAL EM SEU LUGAR. Marieta Gouvêa de Oliveira Penna. (PUC/SP: Educação: História, Política, Sociedade). Agência Financiadora: CNPq.

84 PROFESSORA DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E SUA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL: SATISFAÇÃO E/OU DESCONTENTAMENTO? Fabio Junio Valentim (CEF/UFSCar); Glauco Nunes Souto Ramos (DEFMH/UFSCar).

93 PROFISSÃO DOCENTE: OPÇÃO CONSCIENTE OU “CAUSALIDADE DO PROVÁVEL”? Noemi Bianchini (FCL/UNESP/Araraquara).

104 RELAÇÃO ESCOLA-FAMÍLIA: AS CONTRIBUIÇÕES NO PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO SOB A PERSPECTIVA DOS PROFESSORES. Marilene Cesário (UEL – doutoranda da UFSCar); Silvia Gaia (CEFET/PR – doutoranda da UFSCar); Dra. Aline M. M. Reali; Dra. Regina Tancredi (UFSCar).

112 ROMANCES NO ENSINO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: UMA PERSPECTIVA HUMANÍSTICA NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR. Profa. Dra. Dislane Zerbinatti Moraes (FE/USP).

SUMÁRIO

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O presente texto pretende contribuir com as discussões em torno da dimensãocultural na formação de professores, por meio de abordagem sociológica, ancorada, sobretudo,nos estudos de Pierre Bourdieu, tendo em vista a possibilidade de análise crítica e profunda daescola e de seus professores por meio da perspectiva relacional aqui assumida.

Os dados aqui analisados foram coletados para minha dissertação de mestrado,que não teve como foco a formação de professores, mas a implementação da proposta de Ciclosde Aprendizagem em uma escola da periferia de Curitiba que oferece os anos iniciais do ensinofundamental. No entanto, por meio da observação das práticas criadas pela escola para oenfrentamento do não aprendizado dos alunos, foi possível perceber que a escola possui marcaspróprias da sua cultura, que foram historicamente construídas e que são internalizadas eincorporadas pelos professores ao longo de sua socialização profissional. Tal processo, constitutivodo habitus profissional dos professores, ocorre de forma tácita, implícita e não consciente. Conheceresta dimensão cultural da formação de professores se faz necessário, tendo em vista que acompreensão é o primeiro passo para a intervenção.

Inicialmente serão apresentadas algumas considerações a respeito da cultura daescola e de seu processo de institucionalização. Num segundo momento, os dados serão analisadospor meio de dois descritores: a organização da escola e as alterações no processo avaliativo.

1. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ESCOLA E A CULTURA.

Em seu texto “Sistemas de ensino e sistema de pensamento”, Bourdieu afirma quea escola, em diferentes momentos históricos, é a instituição responsável por transmitir, por meioda comunicação, um conjunto de esquemas fundamentais, automatismos interiorizados, que teriacomo função a seleção de futuros esquemas com o sentido de “sustentar o pensamento, mastambém podem, nos momentos de ‘baixa tensão’ intelectual, dispensar de pensar” (Bourdieu,2004a, p. 209). Assim, a escola seria a responsável por transmitir uma ‘força formadora de hábitos’,ou seja, um programa de pensamento e ação comum a um momento histórico, por meio do qualdiferentes atos e práticas seriam regulados. Neste sentido, então, a escola teria a função de transmitirum habitus cultivado, isto é, um sistema de disposição geral baseado numa mesma cultura. Destaforma, a internalização da cultura, para Bourdieu, é similar à incorporação do habitus,compreendendo este como um conjunto de disposições fortemente internalizado que regula práticas,sem obediência consciente a regras, adaptando-as a seu fim, sem o conhecimento conscientedesta finalidade. Neste sentido, a metáfora de uma orquestra sem regente define bem o conceitode habitus para Bourdieu. Ou seja, o habitus produz práticas, é o princípio de engendramento

A INCORPORAÇÃO DO HABITUS E A DIMENSÃOCULTURAL DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

KNOBLAUCH, Adriane (PUCSP/EHPS)

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delas numa relação dialética entre condições objetivas exteriores ao sujeito e condições subjetivas,sem que o sujeito perceba a sua incorporação. (Bourdieu, 2003).

Mas, vale ressaltar que para Bourdieu:

A cultura não é apenas um código comum nem mesmo um repertóriocomum de respostas a problemas recorrentes. Ela constitui umconjunto comum de esquemas fundamentais, previamenteassimilados, e a partir do quais se articula, segundo uma “arte dainvenção” análoga à da escrita musical, uma infinidade de esquemasparticulares diretamente aplicados a situações particulares. (Bourdieu,2004a, p. 208).

Desta forma, então, é possível compreender que um mesmo habitus admite práticasdiferençadas já que para Bourdieu há diferentes modos de engendramento do habitus, os quaissão explicados pelas condições específicas de existência. Desta forma, as práticas não devem serencaradas como uma reação mecânica do sujeito, mas como um produto da relação entre ohabitus e uma determinada situação conjuntural. Ou seja, há práticas singulares dado que hádiferentes trajetórias possíveis dentro de uma mesma condição social. Sendo assim, Bourdieuafirma que o agente é socialmente construído de reestruturação em reestruturação de seu habi-tus, ou seja, novas experiências são integradas ao habitus inicial. (Bourdieu, 2003).

Ao utilizarem o conceito de habitus em suas análises sobre o sistema escolar,Bourdieu e Passeron (1982) afirmam que a função da escola, ao divulgar o arbitrário cultural, éinculcar um habitus que seja mantido mesmo após o fim do trabalho escolar. Ou, em outraspalavras, a organização da escola forma e conforma a todos aqueles que passam por ela,especialmente no caso de professores, que, como alunos, vivenciaram uma série de experiênciastão formativas quanto o próprio processo de formação em cursos específicos para esse fim.

Neste sentido, é possível concluir que a escola, além de divulgar o arbitrário cul-tural e reforçar as desigualdades sociais mascarando seus mecanismos de seleção por meio daideologia do dom e da meritocracia (Bourdieu, 2001), também prepara seus futuros professores,fato apontado por Bourdieu e Passeron (1982), ao considerarem os professores como antigos bonsalunos que assumem as regras da instituição escolar, pré-disposição que decorre do próprio processode formação e experiência escolar.

Outros autores também alertam para o fato de que a formação docente ocorreantes do processo de escolarização profissional formal (Cf. Marcelo Garcia, 1999), mas, segundoGimeno Sacristán (1999) o conceito de habitus permite compreender a prática educativa comocultura compartilhada num processo de diálogo entre o presente e o passado.

A relação entre habitus e cultura compartilhada por meio de processos deinstitucionalização apresentada por Gimeno Sacristán (1999) permite uma aproximação com oconceito de cultura escolar apresentado por Julia (2001): “um conjunto de normas que definemconhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem atransmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos”. Contudo, a análisede tais normas e práticas deve considerar os professores que “são chamados a obedecer a essasordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação” e

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também a análise e identificação dos “modos de pensar e de agir largamente difundidos no interiorde nossas sociedades”. (p. 10-11).

Viñao Frago (1998)1 define a cultura escolar de forma muito próxima da definiçãodada por Julia. Segundo ele, cultura escolar pode ser definida como:

Conjunto de idéias, princípios, critérios, normas e práticassedimentadas ao longo do tempo nas instituições educativas: modosde pensar e de atuar que proporcionam a seus componentesestratégias e pautas para desenvolver-se tanto nas aulas, como foradelas – no resto do recinto escolar e o mundo acadêmico – e integrar-se na vida cotidiana das mesmas. Estes modos de fazer e de pensar– mentalidades, atitudes, rituais, mitos, discursos, ações -,amplamente compartilhados, assumidos sem mas, não postos emquestão e interiorizados, servem a uns e a outros para desempenharsuas tarefas diárias, entender o mundo acadêmico-educativo e fazerfrente tanto às mudanças ou reformas com às exigências de outrosmembros da instituição, de outros grupos e, em especial, dosreformadores, gestores e inspetores. (Viñao Frago, 1998, p. 5).

Assim, a cultura escolar é entendida como perspectiva de análise que engloba aforma pela qual a escola historicamente se organizou de modo a criar regras ou normas, incorporandomodos de agir dentro e fora do espaço escolar. Tais regras podem ser encaradas como a própriarotina da escola, ou seja, a forma como a escola se tornou escola, tal como a conhecemos hoje,que é o resultado de condicionantes externos, de reformas educativas e da cultura acadêmica eprofissional dos agentes que trabalham e vivem no interior da escola, incorporada na forma dehabitus.

2. A CULTURA COMPARTILHADA DA ESCOLA GRADUADA COMOCONSTITUINTE DO HABITUS DOCENTE.

Como foi afirmado acima, a escola possui mecanismos que formam professorespor meio da institucionalização da cultura compartilhada, que admite práticas diferençadas, aindaque nos limites de um mesmo habitus social e historicamente construído.

A escola que observei para a análise que realizei em minha dissertação de mestradoapresentou duas marcas fortes na cultura da escola constituintes do habitus docente, quais sejam:a manutenção da lógica da organização de grupos pretensamente homogêneos e o registro daavaliação, construído de forma burocratizada e dissociado do processo de ensino e aprendizagem,com função classificatória. Vale destacar que tais características foram centrais para a organizaçãoda escola graduada, conforme indica Souza (1998), mas permanecem no interior da escola, mesmocom a adoção da organização escolar por meio de ciclos, como mostra a análise dos dados aseguir.

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2.1. A organização da escola.

De um modo em geral, a escola pesquisada demonstrou interesse em re-organizara escola tendo em vista a implantação dos ciclos de aprendizagem2. As turmas, ao final de 2001,foram mantidas as mesmas durante o ano de 2002, como sugeriu a proposta, de forma que nãoforam feitos re-agrupamentos dos alunos conforme o desempenho acadêmico. Na medida dopossível, as professoras acompanharam as turmas ao longo do ciclo e avaliaram tal prática deforma positiva, pois, segundo uma das professoras observadas, houve uma melhor “integraçãoentre professor e aluno, uma continuação de trabalho”. No entanto, considera também que teve“um lado negativo, pois os alunos ficaram muito íntimos e fica o maior bate-papo o tempo todo nasala”. Entretanto, o fato de tal medida possibilitar um melhor conhecimento dos alunos,principalmente de suas dificuldades, foi considerado pelas professoras como o grande avanço,pois tal conhecimento, segundo elas, facilita o planejamento das aulas.

Isto foi percebido na forma como as professoras organizavam suas aulas. Oplanejamento era feito, na medida do possível, em conjunto, e o que orientava a escolha do conteúdoa ser trabalhado, bem como das atividades a serem desenvolvidas em sala, era o desenvolvimentoda maioria dos alunos, e não uma lista rígida de conteúdos, o que revela uma tentativa em incorporara idéia de continuidade preconizada pela proposta.

Outro fato bastante revelador é a constante preocupação das professoras, e daescola em geral, com alunos que demonstravam maiores dificuldades os quais, no regime seriado,seriam reprovados. A equipe pedagógico-administrativa da escola reorganizou o horário das aulasde Educação Física de modo que foi possível destinar uma professora para o atendimento docontra-turno, função não prevista pelos documentos veiculados pela Secretaria Municipal deEducação. Assim, os alunos avaliados pelas professoras regentes como sendo aqueles com maioresdificuldades freqüentavam a escola em horário contrário, em média 4 horas semanais, distribuídaspor 2 dias durante a semana.

Além desse atendimento, havia o auxílio da professora co-regente, uma funçãocriada pela proposta e que deveria auxiliar a professora regente, pelo menos um dia durante asemana, no que fosse necessário. Inicialmente, a professora co-regente ficava junto com a regenteem sala de aula, auxiliando os alunos com maiores dificuldades. Como, segundo as professoras, oresultado de tal trabalho não estava sendo satisfatório, pois muitos alunos ainda não estavamalfabetizados, a atuação da co-regente foi re-organizada: além de acompanhar a professora emsala de aula, ela passou a trabalhar com esses alunos um dia durante a semana em aulas dereforço, no mesmo período de aula, com atividades próprias do início da alfabetização:reconhecimento de letras, escrita do nome, etc.

Apesar das professoras demonstrarem uma grande preocupação com alunos commaiores dificuldades, as estratégias adotadas para o enfrentamento deste problema indicam queum dos elementos da lógica da escola seriada, a homogeneidade na organização de turmas, aindaestava sendo utilizada como padrão de organização. Isto é, em que pese o fato das professorasdemonstrarem uma tentativa em incorporar a idéia de continuidade presente na proposta de ciclos

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organizando o ensino em função da maioria dos seus alunos, para aqueles que não conseguiamacompanhar e que, portanto, não se encaixavam nesta “maioria” foram previstas uma série dealternativas de recuperação paralela. No entanto, tais alternativas ocorriam fora da sala de aula poroutras professoras, de modo que a prática da professora regente continuava inalterada. Esse fatofoi constatado pelas próprias professoras, pois ao serem indagadas sobre as mudanças que aproposta de ciclos estava operando em seu cotidiano e em suas aulas, afirmaram que “mudoupouca coisa, eu já trabalhava assim, antes do ciclo, então não mudou muito... O que mudou éque a gente agora acompanha os alunos durante o ciclo”.

A grande dificuldade observada foi, então, o trabalho com a heterogeneidadereforçada pela não reprovação dos alunos, pois as estratégias encontradas para o trabalho comalunos com maiores dificuldades foram estratégias já conhecidas pela escola, mantendo o padrãode organização baseado na constituição de grupos pretensamente homogêneos para o trabalho dereforço escolar, fora da sala de aula, com outras professoras.

Tendo em vista que esta dificuldade também foi constatada por outras pesquisas(Ferreira, 2001; Oliveira, 2000; Oliveira 2003, por exemplo), é possível considerá-la como constituintedo sistema de disposições incorporado pelo professorado ao longo do seu processo de socializaçãoprofissional, durável e, muitas vezes, por eles não explicitados, estando, contudo, na origem desuas práticas, ou seja, constituinte de uma faceta do habitus, tal como define Bourdieu.

Não é somente a regularidade ou a permanência destas práticas, entretanto, quenos levam a considerá-las como constituinte do habitus, mas é a incorporação de disposições eesquemas de pensamento que engendram determinadas práticas, ou seja, é a compreensão deque tais práticas são produtos de um modus operandi, de uma mesma lógica. Desta forma, opadrão de organização escolar da escola graduada baseado na organização de grupospretensamente homogêneos é uma marca forte da cultura da escola e presente no habitus docente,tendo em vista que o habitus é social e historicamente construído.

2.2. ALTERAÇÕES NO PROCESSO AVALIATIVO.

A proposta de Ciclos de Aprendizagem parece ter incentivado práticas já existentesna escola, como foi o caso da avaliação mais processual. Assim, as professoras afirmaram, o quetambém foi observado, que não faziam provas bimestrais, mas consideravam todas as atividadesque os alunos faziam em aula, de forma a avaliar o processo de aprendizagem e não, somente,seu produto. A grande alteração foi no registro desta avaliação: ao invés da nota, as professorasdeveriam elaborar um parecer descritivo de seus alunos. No entanto, a análise da forma como erafeito permite demonstrar que a dissociação entre o registro da avaliação e a processo de ensino-aprendizagem permanece na cultura da escola.

Foi constatado que as professoras atribuíam conceitos para seus alunos e os alunosconceituados da mesma forma, recebiam o mesmo parecer descritivo. Por exemplo, para os alunosque a professora B conceituou como “regular”, que segundo ela, escrevem, mas precisam demuita reescrita, ela assim escreveu em seus pareceres:

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O aluno expõe com clareza e objetividade suas idéias, relatos diários, históriasouvidas e necessidades, oralmente. Reconhece todas as letras do alfabeto e lê com auxílio daprofessora palavras em textos simples e faz tentativas de escrita. (Parecer descritivo de aluno daprofessora B).

De um modo geral, pude observar que os alunos conceituados por ela como “regu-lar” conseguiam ler, porém, mais lentamente que os demais e precisavam de ajuda para ainterpretação de textos lidos. Além disso, na escrita de palavras faziam mais trocas ortográficas. Otexto a seguir é representativo desse grupo de alunos3:

Figura 1. Exemplo de atividade de aluno considerado como “regular” pela professora B.

Os alunos considerados pela professora como “fraco” são aqueles ainda nãoalfabetizados, que apenas reconhecem letras, mas não conseguem ler e quando tentam escrever,utilizam letras sem qualquer relação com seu fonema. Portanto, são alunos que ainda nãocompreenderam o nosso sistema de escrita, como mostra o exemplo da figura 24:

Figura 2. Exemplo de atividade de aluno considerado como “fraco” pela professora B.

Porém, no parecer desse aluno constou a seguinte descrição:

A aluna articula corretamente as palavras. Reconhece as idéiascontidas em alguns símbolos usuais. Utiliza-se do desenho pararepresentar e registrar suas idéias compreendendo o desenho comouma das formas de representação gráfica, bem como as letras doalfabeto nas tentativas de escrita, compreendendo o princípioalfabético da língua escrita. (Parecer descritivo de aluno da professoraB).

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Além de conter um equívoco sobre o princípio alfabético de escrita, o parecer émuito parecido com os dos alunos que já conseguem escrever algumas coisas, o que no casodestes alunos, não foi constatado na resolução das atividades durante as observações em sala.Desta forma, o parecer descritivo vem sendo utilizado de forma muito burocratizada, pois mesmosendo um instrumento de uma proposta de avaliação mais qualitativa e não tradicional - que tema função de registrar o processo de aprendizagem do aluno e não apenas o resultado dessaaprendizagem - a forma como o parecer é encarado na escola, ou seja, “chato de fazer”, “tem queescrever muito”, “é desnecessário”, assim como a forma como ele é feito, revelam que ele nãocumpre sua função. Dessa forma, é tão vago, indeterminado e volátil como era a nota, pois nãodescreve o que realmente o aluno aprendeu ou não, e nem tampouco, encaminha para possíveisformas de superação das dificuldades dos alunos. Na escola observada, ao contrário, tal práticaapenas manteve uma classificação construída por mecanismos de avaliação informal na qual,muitas vezes, as professoras confundiram as normas de excelência com normas de conduta, fatojá denunciado por Perrenoud (1996).

Sendo assim, o registro da avaliação dissociado do processo de ensino eaprendizagem pode ser também considerado como marca presente na cultura da escolaexpressando uma faceta do habitus docente, considerando o habitus como um produto da históriae, também, como uma atualização da história, pois, nas palavras de Bourdieu (2004b, p. 82):

(...) basta observar que toda a acção histórica põe em presençadois estados da história (ou do social): a história no seu estadoobjectivado, quer dizer, a história que se acumulou ao longo do temponas coisas, máquinas, edifícios, monumentos, livros, teorias, cos-tumes, direito, etc., e a história no seu estado incorporado, que setornou habitus. (grifos do autor).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mudanças aparentes não alteram o sistema de disposições que, ao longo do tempo,vem configurando a cultura da escola e o habitus docente, tendo em vista que a sua incorporaçãoocorre de forma tácita, ao longo de toda vida escolar, constituindo assim, uma faceta da dimensãocultural do processo de formação de professores.

Desta forma, é possível compreender que, mesmo com a implantação da propostade Ciclos de Aprendizagem, algumas práticas foram mantidas na organização escolar e a outrasforam agregadas novas estratégias, tendo em vista que o habitus é um sistema de disposiçõesfortemente internalizado e que orienta ações e pensamento. Vale destacar, no entanto, que aspráticas não são reações mecânicas dos agentes, mas resultado da relação entre o habitus -construído durante a trajetória de vida dos agentes - e uma situação conjuntural. Assim, a escolae seus professores não ficaram imunes à proposta de Ciclos de Aprendizagem, pois foi possívelperceber algumas tentativas de incorporação da idéia de continuidade presente na proposta,sobretudo no esforço realizado pela escola para que as professoras acompanhassem seus alunosno decorrer do ciclo e na forma como as professoras organizavam suas aulas em função doaprendizado da maioria da turma.

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Em contrapartida, foi possível detectar a manutenção de algumas práticas como aorganização do trabalho pedagógico baseado em grupos homogêneos nas diversas estratégias derecuperação da aprendizagem e também a manutenção do registro da avaliação dissociado doprocesso de ensino e aprendizagem. Ou seja, mesmo que a escola tenha adotado estratégiasdistintas de épocas anteriores, como é o caso da uma preocupação constante com o não aprendizadodo aluno e do registro da avaliação por meio do parecer descritivo, a lógica da organização dasatividades de recuperação, bem como a forma como o parecer foi realizado pelas professoras,demonstra que há um conjunto de esquemas que sustentam seu pensamento e orientam suaação, fortemente instalado no interior da escola e incorporado pelos professores ao longo de suatrajetória escolar, o que pode ser encarado como facetas do habitus docente constitutivo da profissão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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______. 2003. Esboço de uma teoria da prática. In: ORTIZ, R. (org.) A sociologia de Pierre Bourdieu.São Paulo: Olho d’água, pp. 39-72.

______. 2004a. Sistemas de ensino e sistemas de pensamento. In: BOURDIEU, P. A economiadas trocas simbólicas. 5ª. ed. São Paulo: Perspectiva, pp. 203-229.

______. 2004b. O poder simbólico. 7ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

FERREIRA, V. M. R. 2001. Escola em movimento: a reelaboração da prática pedagógica naimplementação da política do ciclo básico de alfabetização do estado do Paraná. Dissertação demestrado, programa de estudos pós-graduados em Educação: História, Política, Sociedade, PUCSP.

GIMENO SACRISTÁN, J. 1999. Poderes instáveis em educação. Porto Aegre: Artes médicas.

JULIA, D. 2001. A cultura escolar como objeto histórico. Revista brasileira de história da educação,Campinas, Editora Autores Associados, nº.1, pp. 9-43.

MARCELO GARCIA. C. 1999. Formação de professores para uma mudança educativa. Porto:Porto editora.

OLIVEIRA, N. C. M. 2000. A política educacional no cotidiano escolar: um estudo meso – analíticoda organização escolar em Belém – Pa. Tese de Doutorado, Programa Educação: Currículo,PUCSP.

OLIVEIRA, T. F. M. 2003. Escola: cultura do ideal e do amoldamento. São Paulo: Iglu editora.

PERRENOUD, P. 1996. La construcción del êxito y del fracasso escolar. 2ª ed. Madrid: EdicionesMorata.

SOUZA, R. F. 1998. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no estadode São Paulo (1890-1910). São Paulo: Unesp.

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VIÑAO FRAGO, A. 1998. L’e espace et temps escolaires comme objet d’histoire. Insstitut Nacionalde Recherche pédagogique Histoire de l’educacion, nº 78, pp. 89-108. Tradução livre de YveliseFreitas de Souza Arco-Verde.

NOTA1 A publicação em 1998 do texto original é em francês. Foi utilizada aqui uma tradução livre feita por Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde,então doutoranda do PEPG em Educação: História, Política, Sociedade. A página refere-se a essa tradução.2 A proposta de Ciclos de Aprendizagem foi implantada em Curitiba em 1999 com a organização de dois ciclos para as séries iniciais: CicloI, para crianças de 6, 7 e 8 anos, quando houvesse vagas disponíveis para os alunos com 6 anos; Ciclo II, para alunos com 9 e 10 anos.Embora sem previsão nos documentos oficiais, há a possibilidade de retenção entre os dois ciclos, sendo que tal decisão deve sertomada conjuntamente entre os profissionais da escola e de instâncias superiores a ela.3 O aluno quis escrever: A professora é muito legal, ela é sorridente.4 Após ter escrito, aluna leu “seu texto” da seguinte forma: Ela é magra, bonita e alta.

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As características dos docentes que se dedicam à Educação Profissional de NívelTécnico não têm sido trabalhadas em muitas publicações, como também não o tem sido o habi-tus docente presente nos profissionais que atuam nessa área. Tal levantamento se faz necessárioem virtude da crescente utilização da educação profissional de nível técnico pelos estudantes,movidos pela necessidade de rápido ingresso no mercado de trabalho e pelo menor investimentofinanceiro despendido na busca dessa formação. Além disso, notamos que os estudantes queescolhem seguir seus estudos no nível técnico apresentam algumas características comuns, queserão objeto de estudo posterior.

Os números do Censo Escolar de 2004, do Ministério da Educação, mostram que3047 estabelecimentos de ensino declararam ministrar educação profissional de nível técnico em2004, sendo que foram declaradas 676 mil matrículas nessa modalidade, o que evidenciou oaumento de 12,6% em relação ao número de matriculados em 2003, que foi de 590 mil. Apenas aregião sudeste concentra 64,25% de todas as matrículas efetivadas no país no ano passado, o queevidencia a necessidade do levantamento ora proposto, dado o universo dessa população que vemsendo formada cotidianamente.

Baseamo-nos na perspectiva de habitus e de capital cultural de Pierre Bourdieu,que entendemos explicar algumas características do docente e do trabalho docente presentesnessas instituições de ensino. Iniciamos por definir o habitus como “um sistema de disposiçõesduráveis e duradouras, enquanto princípio de geração e de estruturação de práticas e derepresentações que podem ser objetivamente reguladas e regulares” (Bourdieu, 1987) sem comisso terem obediência a regras e sem supor a visão consciente dos fins. Portanto, os docentescarregam suas estruturas reguladoras para o trabalho em sala de aula, e estimulam os alunostambém com base nessas mesmas estruturas. Essa matriz de percepções de que se trata ohabitus, funciona selecionando as percepções, preocupações e ações docentes, tornando possívela transferência analógica de esquemas para resolução de problemas e correção de resultados,sendo por isso definidoras das operações que, em última análise, diferenciarão os alunos uma vezque eles terminem seus estudos em educação profissional e estejam aptos para a entrada nomercado de trabalho.

Outro importante conceito que utilizaremos refere-se ao capital cultural, um sistemade valores implícitos que é passado aos filhos de forma mais indireta que direta, e que estádiretamente conectado com as experiências daquele grupo ou fração de classe a qual a famíliapertence, e que, bem observados, definem as atitudes frente à instituição escolar. Muito mais do

CARACTERÍSTICAS E HABITUS DOCENTE EMEDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL TÉCNICO

MUSTO, Fernanda Maria Fornaziéri; MUZZETI, Luci Regina (FCLAr UNESP)

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que apenas os pais, mas todos os valores que permeiam o grupo familiar, como o nível cultural dosascendentes de um e outro ramo da família, contribuem para que esse certo “ethos” seja a herançarecebida. Esse ponto está ligado à lentidão do processo de aculturação, que por vezes demoragerações para ter modificações mais presentes, e que demonstraria inclusive o potencial futuroem uma certa família. Essa diferença cultural é apontada por Bourdieu(1998) como ainda maisdefinidora do que a diferença econômica, embora esta última ofereça vantagens para que umdeterminado grupo de ações possa ser consolidado. O êxito nos estudos é diretamente ligado aocapital cultural recebido da família, e desejamos neste trabalho investigar qual é o papel dessecapital cultural também nos docentes, e como ele pode alterar a percepção que aqueles têm dainstituição educacional.

Outro ponto de destaque está na facilidade lingüística, na facilidade de acesso aosinstrumentos culturais, o que será ponto de destaque mais adiante, além do nível cultural dosantepassados e a residência, que explicam também as variações de êxito escolar dos indivíduos.Entendemos que o mesmo se passa com os docentes, e a forma como lidam com a educação semostrará para os alunos. Refletirá ainda o tipo de escola que freqüentaram, sendo uma distinçãoclara no Brasil entre a instituição pública e privada no ensino fundamental e médio, a primeiramuito menos capacitadora do que a segunda nesses níveis de ensino, e o contrário se dando nonível universitário. Então partimos também desse background escolar dos docentes para analisarmoso conjunto de valores que trazem para dentro de sala de aula. As características demográficas dogrupo familiar, ou seja, o tamanho da família também está ligado aos valores cultivados por essafamília, e facilitará ou dificultará o acesso que as crianças terão aos instrumentos culturais e aoinvestimento em educação que essa família fará a cada das crianças.

O nível de instrução nos ascendentes de primeira, e até de segunda geração, é umindicador plausível mas não único. O conteúdo da herança cultural desses ascendentes tambémterá papel importante no que as famílias mais ou menos cultas transmitem a seus filhos, e nas viasde transmissão, que se refletirão nas informações sobre o mundo e sobre o cursus escolar, nafacilidade verbal, que permitirá acesso e entendimento de estruturas mais ou menos complexas, epela cultura livre adquirida nas experiências extra-escolares.

Os pais podem ser de grande ajuda nas experiências escolares, mas não apenas aajuda direta deve ser considerada. A vantagem maior, destaca Bourdieu, está na herança dos“saberes, do savoir-faire, dos gostos e bom-gosto, cuja rentabilidade escolar é tanto maior quantomais freqüentemente esses imponderáveis da atitude são atribuídos ao dom”(p.45). E ao dom sãocreditados os sucessos escolares de seus itinerários, sem a consideração da facilidade que esseindivíduo já possa trazer devido à sua identidade cultural. A escola, buscando a igualdadepedagógica, mantém as desigualdades trazidas pelos alunos, justificando o êxito ou fracassoexclusivamente aos dons. Essa questão se acentua no caso dessa modalidade de ensino, pois osalunos trazem não apenas as características do grupo familiar, mas todo o passado escolar doensino fundamental e médio, que já embute uma carga de traumas e sensações que não poderáser desprezada caso queiramos uma educação bem efetivada.

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Ainda temos a possibilidade de observar, a partir das expectativas dos docentes,que futuro planejam e estimulam os alunos a terem, sabendo que estamos trabalhando com umnível de ensino que normalmente possibilita a pessoa a atingir na esfera profissional apenas níveistécnicos operacionais nas empresas. O fato de os docentes admitirem esse como o nível máximoa que os alunos chegarão, ou a terem essa expectativa em relação à vida profissional futura deles,contribuirá para a manutenção do nível social dessas pessoas formadas. Bourdieu nos alerta:

“(...) em toda a sociedade onde se proclamam ideais democráticos,ela protege melhor os privilégios do que a transmissão aberta dosprivilégios.” (Bourdieu, 1998, p.53)

Em relação às leituras temos uma situação bastante peculiar, pois estas enriquecemo vocabulário, mas também a forma de entendimento do mundo. Além do universo de palavras,toda a sintaxe que permite a elucidação de estruturas complexas fará diferença na vida de docentese alunos, e permeará a relação entre eles facilitando ou dificultando o entendimento e o bomrelacionamento entre eles. Se é verdade que um docente com alto grau educacional e culturalpode contribuir para acentuar as diferenças, principalmente para o tipo de público em questão,aqueles que também não tiveram grandes oportunidades culturais e lingüísticas em seu meiofamiliar e escolar também contribuirão para a manutenção do nível social ao qual os alunospertencem, e ajudarão a perpetuar diferenças significativas de classes.

“Ao atribuir aos indivíduos esperanças de vida escolar estritamentedimensionadas pela sua posição na hierarquia social, e operandouma seleção que – sob as aparências da eqüidade formal – sancionae consagra as desigualdades reais, a escola contribui para perpetuaras desigualdades, ao mesmo tempo em que as legitima. Conferindouma sanção que se pretende neutra, e que é altamente reconhecidacomo tal, a aptidões socialmente condicionadas que trata comodesigualdades de “dons” ou de mérito, ela transforma asdesigualdades de fato em desigualdades de direito, as diferençaseconômicas e sociais em “ distinção de qualidade” , e legitima atransmissão da herança cultural.(...) Além de permitir à elite sejustificar ser o que é, a “ideologia do dom” , chave do sistema esco-lar e do sistema social, contribui para encerrar os membros dasclasses desfavorecidas no destino que a sociedade lhes assinala.”(Bourdieu, 1998, p. 59)

O capital cultural tal como entendido por Bourdieu apresenta três estados:· O estado incorporado – referente ao trabalho realizado e ao tempo investido

pelo sujeito para obter esse capital cultural. Essas disposições duráveis pertencem ao indivíduo enão podem ser passadas por procuração;

· O estado objetivado – referente aos bens culturais aos quais o indivíduo temacesso, como livros, quadros, dicionários, enciclopédias. Dessa forma os objetos culturais sãoobjeto de uma apropriação material, que pressupõe a existência do capital econômico, o quedelimita a sua ocorrência;

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· O estado institucionalizado – referente aos produtos desse capital culturalmaterializado em certificados, diplomas, que “provam” materialmente o pertencimento de tal capi-tal.

Os diferentes estados do capital cultural atuam diferenciando os indivíduos emdiferentes situações. Percebemos que o estado incorporado é menos percebido nos momentos deentrada em instituições escolares, enquanto as empresas observam além do institucionalizado oque de fato está incorporado.

Sabemos também que nos dias atuais de rápida modificação nas situaçõestecnológicas que influenciam o trabalho nas diversas áreas, não basta apenas a formação inicialpela qual esse professor passou, “devendo prosseguir ao longo da carreira, de forma coerente eintegrada, respondendo às necessidades de formação sentidas pelo próprio e às do sistemaeducativo, resultantes das mudanças sociais e/ou do próprio sistema de ensino”. (Rodrigues &Esteves, apud Conseil de L’Europe, 1987). Caso contrário, os alunos sofrerão com o distanciamentoentre o ensinado e o que encontrarão nas empresas ou o que deve ser feito nas atividades deconsultoria. Além disso, Rodrigues & Esteves nos direcionam sobre o professor:

“O professor é visto como um especialista no desenvolvimento so-cial do aluno, devendo estar aberto ao mundo exterior à escola econstituir-se como mediador entre ela e o mundo.” (1993, p.41)

Isso posto, observamos as atitudes dos docentes em relação às atividades deeducação continuada que utilizam para atualização.

Neste trabalho buscamos identificar as características dos grupos sociais aos quaisos treze docentes pesquisados do SENAC de Jaboticabal pertencem, e analisar como essascaracterísticas poderiam influenciar no trabalho que exercem com seus alunos dentro do ambienteeducacional. Todos são professores das turmas noturnas das Habilitações Profissionais de NívelTécnico de Segurança do Trabalho, Contabilidade e Gestão Empresarial.

Os docentes em questão receberam questionários com perguntas sobre suasfamílias, seu relacionamento passado com a escola, o tipo de instituição em que eles foram formados,o nível educacional de seus pais e irmãos, além de características culturais que seriam de forteinfluência. Identificamos, além disso, as práticas culturais cotidianas desses professores.

Encontramos no universo pesquisado algumas condições que são muito próximasentre os docentes. Iniciamos pelo fato de todos trabalharem em uma cidade do interior do estadode São Paulo, com pouco mais de 75.000 habitantes, e terem nascido e vivido ou nessa cidade ounas cidadezinhas próximas, tendo se mudado poucas vezes e sempre nas cidades vizinhas e commenos de 100.000 habitantes. Esse dado nos demonstra a pouca familiaridade que os docentestêm com a convivência com grupos muito diferentes, presentes nas grandes cidades e metrópoles.Tal dado poderia ser insignificante, mas resulta num grupo de exemplos que se delimita a umaregião geográfica específica, sabendo eles de outras experiências culturais apenas através daleitura ou outras formas de pesquisa, o que é bastante diferente da oportunidade da experiência de

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ter vivido em um outro local com características culturais e sociais mais privilegiadas.Um segundo ponto levantado se refere à escolaridade deles. Quase todos passaram

pelos ensinos fundamental e médio em escolas públicas, e fizeram a faculdade em instituiçãoprivada. Portanto, o cursus escolar não diferiu demasiadamente daquele que os próprios alunosaos quais ensinam passaram. Entendemos que, se por um lado isso não ajuda na expansão doshorizontes dos alunos, por outro lado não constrói barreiras que teriam a possibilidade de dificultaro entendimento entre eles, pois os professores e alunos têm capitais culturais próximos que facilitamà comunicação e interação.

Todos, à exceção de uma docente, têm uma outra ocupação diferente da de docente,como, por exemplo, a de administrador e de engenheiro de produção. Tal fator é extremamenterelevante, pois os docentes de educação profissional de nível técnico têm uma particularidadenecessária a esse tipo de ensino: há a necessidade de estarem bem atualizados em relação aomercado de trabalho para o qual preparam, e dessa forma eles têm as informações necessáriaspara bem preparar os alunos. Trazem assim exemplos reais da vida prática, casos vividos dentrodas empresas e aproximam as expectativas dos alunos ao que eles realmente encontrarão nasempresas das imediações. Por outro lado, essa característica também apresenta a limitação de osdocentes não se dedicarem além de 20 horas semanais à docência, devido à outra ocupação,geralmente diurna. Esse fato pode ser relevante no que tange à forma de ensinar, ao tempo parareciclagem de métodos de ensino, e na própria preparação de suas aulas.

Os docentes pesquisados têm entre 25 e 50 anos, sendo que a maioria não teve aoportunidade de utilizar o computador na sua passagem pelos níveis de educação formal, entretanto,utilizaram todos eles os jornais, revistas e livros nas suas pesquisas escolares. Fazemos a observaçãoque o computador e a Internet são adventos recentes considerando décadas passadas. Alémdisso, à exceção de dois docentes, não falam nenhum outro idioma, fator que entendemos, naatualidade, limitador da aprendizagem pela quantidade de informações relevantes que podem serretiradas da Internet todos os dias.

Perguntamos aos docentes também com quais fatores julgavam que maisaprendiam, e além dos professores e da escola, citados por todos, respostas mais freqüentesforam: lendo, com a natureza e com os pais. Nenhum docente citou parentes como fonte deaprendizagem, ou televisão.

Todos tiveram a oportunidade de efetivar práticas culturais legítimas, como, porexemplo, idas, pelo menos algumas vezes, a museus, a concertos e a shows musicais. Esse fatoré importantíssimo de ser observado devido ao espaço geográfico no qual os docentes vivem. Defato, o número de peças de teatro no interior está longe de ser adequado. Mais que isso, o númerode museus é muito baixo e raramente existem exposições temporárias, geralmente mantendo oacervo permanente, o que não estimula visitas constantes. Ainda assim, checamos o interessedos professores pela aprendizagem gerada por essas oportunidades.

Na questão referente ao nível educacional dos pais dos docentes, à exceção deuma docente, os demais têm pais com apenas ensino fundamental, realizado em instituições

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públicas. O que nessas famílias fez a diferença para que os profissionais se interessassem peladocência e pela aprendizagem constante é ainda fator a ser estudado. Afinal, todos lêem revistas,livros, participam de palestras nas empresas em que trabalham, vão a congressos sempre quetêm essa oportunidade.

Outro ponto a ser considerado em relação aos docentes diz respeito ao tipo demetodologia que são orientados a utilizar nas instituições educacionais. A pedagogia centrada naaprendizagem com autonomia é a utilizada nas escolas de educação profissional de nível técnico,além de ser a orientada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996. Alunosdevem ser preparados para desenvolverem competências, e essas orientações estão presentesem todos os programas de desenvolvimento docente preparados por essas instituições.

Além disso, a Organização Internacional do Trabalho também entra neste cenárioestimulando o trabalho com competências no ambiente educacional, afirmando que a competênciaexpressaria a capacidade real do sujeito para atingir um objetivo ou um resultado num dado contexto,e assim defendendo que os próprios futuros trabalhadores devem se encarregar de sua proteçãono mercado de trabalho. Ramos (2001), entretanto, também se posiciona em relação à conseqüênciadessa visão que incute nos indivíduos o sentimento de responsabilidade pela eventual exclusãoque resulta de seu fracasso, mesmo sendo o problema do desemprego um problema social con-creto, determinado pelas mudanças econômicas e políticas que têm ocorrido a partir da segundametade deste século.

Assim, também perguntamos aos docentes quais eram as cinco características deuma boa aula, de um bom professor, de um bom aluno, a partir de uma possibilidade de 20 a 28palavras, e a diversidade de respostas não nos permite chegar a outras conclusões, mas nospermite chegar a esta: docentes estão preocupados com dilemas atuais da educação, como é ocaso das palavras e expressões “criatividade”, “dinamismo”, “boa comunicação”, “leitura constante”,“pesquisa constante”, “estímulo à aprendizagem com autonomia”, “trabalho em equipe”, “estratégiasvariadas”. Palavras e expressões mais próximas à educação tradicional não receberam muitasrespostas, tais como: “controle sobre a classe”, “avaliação com rigor” ou “tirar boas notas”.

O capital cultural, o habitus e as crenças educacionais dos docentes são princípiosgeradores de estratégias objetivas, sendo por isso tão importante sua identificação, pois podemestar na origem da mudança ou da resignação, da revolta ou do conformismo, das expectativassobre os alunos e na geração de comportamentos por parte destes que têm o potencial de interferirna vida profissional do indivíduo e da sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 1998.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987.

BRASIL, “Lei nº 9394, de 20.12.96, Estabelece as Diretrizes e Bases da educação Nacional”. In:Diário Oficial da União, Ano CXXXIV, nº 248, 23.12.96, p. 27833-27841,1996.

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BRASIL, Ministério da Educação. Cursos técnicos no censo escolar de 2004. Brasília: MEC,2004. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/setec. Acesso em: 29 jun. 2005

RAMOS, Marise Nogueira. A pedagogia das competências – autonomia ou adaptação? São Paulo:Cortez, 2001

RODRIGUES, A. e ESTEVES, M. A análise de necessidades na formação de professores. Porto:Ed. Porto, 1993.

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IntroduçãoO presente trabalho consiste numa reflexão sobre alguns indicadores da relação

Educação/Cultura/Valores com o processo de formação do educador. Apresenta resultados parciaisde investigação que desenvolvo, atualmente, junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação(Mestrado) da Universidade Católica de Santos.

Desde minhas pesquisas anteriores, venho progressivamente tomando consciênciade que investigar a relação Educação Escolar / Cultura / Valores é sempre um imperativo.Desenvolver essa reflexão no contexto das discussões sobre a formação do educador, também oserá.

A sociedade da informação e da comunicação, a mundialização e a globalizaçãodos processos de vida, o multiculturalismo – em todas as suas vertentes –, põem em xeque asantigas funções da instituição escolar e a obrigam a re-configurar sua identidade e tarefasfundamentais. Espera-se, hoje, que a Educação Escolar transmita saberes e fazeres evolutivos,adaptados à civilização cognitiva, pois são as bases das competências do futuro. Simultaneamente,compete à Escola organizar referências “formativas” para que os homens e mulheres “qualifiquem”as informações recebidas, selecionando-as e integrando-as às suas ações.

Deve-se reconhecer que este empenho, embora extremamente necessário, e válido,não é simples nem fácil de ser concretizado, especialmente na atualidade. Isso indica, portanto, anecessidade de se refletir sobre as questões daí decorrentes.

Por razões análogas, a Cultura também merece ser revisitada. Nunca antes sefalou tanto acerca da Cultura, como atualmente. Conceitos hoje tão em voga – como“multiculturalismo”, ou “pluralidade cultural”, por exemplo – supõem uma concepção de Cultura,ou concepções diferenciadas de Cultura, que nem sempre estão suficientemente clarificadas.

De que Cultura se fala hoje? Como se dá sua transmissão? Onde se forjam estasconcepções de Cultura que hoje permeiam o cotidiano social e escolar? Até que ponto a Escola dehoje pode ser responsável, também, pela formação cultural das crianças e jovens que a freqüentam,como já o foi outrora (SILVA, 2003)? Como se compreende, hoje, a Cultura Escolar, e quais são asrelações entre ela e a formação do cidadão, ou com o desenvolvimento da sensibilidade humana?

Talvez se possa arriscar a seguinte afirmação: hoje, quando mais se fala em Cultura,menos se vive “culturalmente”; isso, tanto na sociedade em geral, como na escola em particular...

Enfim, estas são algumas das inquietações que venho enfrentando no decorrer demeu percurso como pesquisadora. Mas, todas elas estão sempre relacionadas com a dimensão

EDUCAÇÃO ESCOLAR / CULTURA /VALORES: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA AOPROCESSO DE FORMAÇÃO DO EDUCADOR

SILVA, Sonia Aparecida Ignacio (Universidade Católica de Santos)

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axiológica do trabalho educativo (SILVA, 2000). Considero que ao se pensar, discutir, intencionalizare organizar, seja a Educação Escolar como processo, ou a formação pedagógica e cultural dosprofessores que nela atuam, deve-se, obrigatoriamente, operar uma reflexão sobre os valores.

Sendo assim, há algumas questões recorrentes que não se pode deixar de lado; porexemplo: quais são os valores propostos pela Escola, hoje? Como essa transmissão axiológicaestá se processando na Escola, na Família e na Sociedade mais ampla? Quais são as orientaçõespedagógicas mais em evidência nas escolas, atualmente, e como se trabalha com os valoressegundo cada uma delas?

Considero que o enfrentamento das tarefas obrigatórias de revigoramento da Escola- e de revisão de sua identidade e funções - conduz necessariamente à retomada dos Valores naEducação, da especificidade da Cultura Escolar, da discussão sobre a formação ética do educador,bem como acerca do desenvolvimento das dimensões estética e afetiva que deverão tambémestar presentes no fazer pedagógico. Esse é o meu atual objeto de investigação, dando continuidade,assim, aos questionamentos decorrentes de pesquisas anteriores.

Quanto à formação de professores, tarefa complexa à qual venho me dedicando hámais de três décadas, penso que ela implica, necessariamente, na discussão de pressupostos eintenções dessa formação, na consideração de concepções epistemológicas inerentes a esseprocesso – concepções estas que serão diferenciadas, quando se enfatiza, por exemplo, a formaçãopara a docência, ou quando a ênfase recai sobre a formação do educador que poderá tambématuar além dos limites da instituição escolar.

Evitando entrar na discussão das posições específicas da área ou de suas eventuaisdivergências, devo esclarecer que considero a formação do educador enquanto processo sócio-político e epistêmico, que necessariamente se forja no confronto com as dimensões educacional ecultural, considerando que os Valores perpassam e estão presentes (implícita ou explicitamente)nos dois âmbitos do processo aqui indicados.

No entanto, convém ainda explicitar que concordo com Severino (2002, p. 141-142), quando ele – ao enfrentar a polêmica acerca da identidade do pedagogo – afirma que odenominador comum entre pedagogos, especialistas e professores é que todos são “profissionaisda educação” cujo lastro comum, em termos de formação e identidade, é a competência e aqualificação para trabalhar, de modo intencional, sobre a “educabilidade” dos sujeitos. Nessaperspectiva, a atuação desses profissionais tanto poderá se dar nos espaços internos, como externosà escola, e a relação pedagógico-educacional deverá ir além da docência, se esta for entendidacomo pura intervenção didático-curricular em situação de ensino formal.

Em vista do exposto, estarei me reportando, aqui, ao processo de formação doeducador, a partir de uma reflexão sobre a escola de hoje, a cultura e os valores.

Educação Escolar e Formação do EducadorPor que a Escola hoje, no Brasil, em especial a Escola Pública (nos níveis Funda-

mental e Médio), veio progressivamente deixando de ser um espaço significativo de produção doconhecimento e de difusão da cultura?

Eis uma questão que, de algum modo, incomoda aos especialistas - e mesmo a

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“não-especialistas” - em educação, nos últimos tempos; e que também está na base de reflexõese das proposições teóricas e práticas que, a partir das três últimas décadas, têm servido dereferência e orientação para os que militam no magistério em nosso país.

Especialmente no processo de formação de professores tal questionamento vemsendo, de algum modo, considerado. A preocupação com processos e conteúdos; a discussãosobre a significação social e política da ação educativa; a ênfase no caráter histórico da educação-, só a título de exemplificação - são algumas formas de abordagem e de reflexão sobre a educaçãoque, em meu entender, têm como fundamento e base o seguinte dado de realidade: no passado,a educação escolar pública foi capaz de viabilizar uma efetiva relação entre os processos pedagógicoe cultural, atendendo a intenções bem definidas e historicamente determinadas. Isso foi o quepude registrar a partir de pesquisa feita sobre a Escola Pública Paulista, de 1930 a 1950 (SILVA,2003).

Por certo, os tempos eram outros. Hoje, olhando o passado, é possível entenderum pouco melhor as transições, os avanços e os recuos da sociedade brasileira, e o papel que aeducação escolar desempenhou nessas diferentes etapas históricas. É evidente que a crise não éexclusiva deste nosso tempo. Ao contrário, ela vem se re-criando no decurso da história brasileirae mundial. Nas últimas décadas, porém, ela se manifestou agravada pela não solução dos problemasestruturais de nossa sociedade; pelo subdesenvolvimento econômico crescente; pela falência dasinstituições político-administrativas; pela ausência da ética na política e nas relações sociais emgeral; pela incapacidade de se estabelecer quais são as necessidades prioritárias que devem serenfrentadas através de projetos, que venham a ser viabilizados pelo conjunto da sociedade - Estadoe Sociedade Civil.

Sendo assim, ainda estamos vivendo um tempo de crises e de necessidadesfundamentais não resolvidas. Só que, tudo isso, convivendo com um outro tempo: o dos avançostecnológicos e predomínio da “mídia”. Nesse “novo tempo”, a “mídia”, sobretudo a televisão,colocam-se como os maiores “formadores de opinião”. Mas não só: são também os efetivospromotores e difusores de valores, conhecimentos, comportamentos, sentimentos e visões demundo; são, atualmente, os maiores e mais diretos responsáveis pela “formação cultural” dagrande maioria da população brasileira; e, o que é mais problemático, de nossas crianças e jovens.

Enfim, tais meios de comunicação e avançadas tecnologias - o computador e outrosaparelhos eletrônicos, a que boa parte da população começa ter acesso, quase que obrigatoriamente- acabam por invadir um território que antes era da competência da escola. E o que é mais sério:impondo o reinado do conhecimento tácito, não explicitado, porque as pessoas vão se tornandocada vez menos relacionais, fechando-se cada vez mais nos limites do contexto que abrange o seueu e a máquina; acostumando-se progressivamente a trilhar uma “via de mão única”, em que ooutro é “desligável” a qualquer momento; não se incomodando com as instigações e inquietaçõesconstantes, características dos seres humanos, e das instituições sociais - como a Escola - quedeles devem se ocupar.

Com isso, o questionamento, a crítica, o próprio conhecimento, enfim, vão deixandode ter sentido e função. Os tempos individuais e sociais vão se diluindo num mesmo e único

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tempo da indiferenciação e da impessoalidade em que tudo importa muito pouco; principalmente,deixam de importar o humano, as relações sociais, as prioridades coletivas. Enfim, instaura-se oreino do não-valor.

Nesse contexto, qual o significado de conceitos e processos como os referentes àeducação e à cultura? Como poderá a escola atual - principalmente a escola pública - enfrentaresse estado de coisas? O que fazer para detectar e dar respostas aos problemas aí engendrados?

E, nessa perspectiva, como fica a formação do professor que vai atuar na EducaçãoEscolar? Em que medida sua formação cultural poderá auxiliá-lo nesse empreendimento daEducação Escolar?

Parece-me que esse profissional, para enfrentar a crise de identidade da Escola e anecessária revisão dos objetivos da Educação Escolar, deve ser obrigatoriamente crítico e reflexivo.Aliás, os estudos sobre a formação de professores, nas últimas décadas, têm indicado essanecessidade (FRANCO, 2003; PIMENTA e GHEDIN, 2002; PIMENTA, 1999, ao lado de outrasreferências nacionais e internacionais igualmente expressivas). Reflexões, especialmente na áreade Filosofia da Educação (SAVIANI, 1982, 1983; SEVERINO, 1991, 2002, dentre outros), tambémvêm definindo esse pressuposto há tempo considerável.

Dessa forma, numa escola em crise, não há mais lugar para o professor técnico-reprodutivista. Ao formar esse profissional, portanto, será necessário focalizar e oferecer condiçõespara o desenvolvimento de seu potencial crítico e transformador, de modo que ele se capacite aoexercício cotidiano da reflexão, a partir dos problemas concretos que se presentificam na realidadeescolar, na busca de encaminhamento e resolução dos mesmos. Para tanto, como afirma Pimenta(1999, p. 25), é preciso “reinventar os saberes pedagógicos a partir da prática social da educação”.Ou, ainda, conforme Severino (2002, p. 142), essa formação (do professor/educador) “deveria seruma autêntica Bildung, formação humana em sua integralidade”, superando, portanto, a formaçãodo educador como mera habilitação técnica, aquisição e domínio de informações e habilidadesdidáticas. Isso, tendo em vista a complexidade da função sócio-cultural do professor/educador,que envolve, obrigatoriamente, valores intelectuais, éticos, estéticos e afetivos, no exercício dotrabalho educativo.

Portanto, a formação do professor, deverá ser entendida nessa perspectiva deformação humana integral (Bildung), o que indica a necessidade de análise da dimensão culturaldesse processo formativo.

Cultura e Formação do Educador: a contribuição teórico-conceitual e metodológicade Raymond Williams

Para o enfrentamento da complexidade e amplidão do assunto tratado – e em funçãodos limites impostos a este trabalho – optei por discutir, aqui, a dimensão cultural da formação doeducador a partir das posições de Raymond Williams (1921-1988) sobre a Cultura, expressas emtrês de suas principais obras traduzidas para o nosso idioma (WILLIAMS, 1969, 1979, 1989).

Devo ressaltar que o pensamento desse autor vem subsidiando, há tempos, meusestudos e pesquisas na área da educação. Penso, portanto, que suas considerações acerca dacultura poderão auxiliar reflexões sobre a formação do educador, em suas várias dimensões. Para

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isso, é preciso conhecer, pelo menos um pouco, os movimentos de formação de seu pensamentoe de suas concepções.

Crítico literário inglês, proveniente de família operária, Williams chegou à direçãodo Departamento de Inglês de Cambridge (onde começou como estudante, em 1939), tendo suaprodução fundamental fortemente marcada por sua “situação de classe”. Provavelmente, suasvivências e experiências familiares o tenham levado a acatar a análise e a argumentação política eeconômica marxistas. As investigações que fez sobre as questões literárias e da cultura conduziram-no, porém, à crítica do determinismo mecanicista, à não aceitação de que os argumentos culturaise literários sejam tomados como mera extensão dessa aplicação política e econômica, ou umaforma de filiação a ela.

A partir de meados da década de 1950, Raymond Williams reconheceu emformações como a Nova Esquerda, alguma afinidade com sua produção cultural e literária. Seucontato com esses novos posicionamentos revelou-lhe: “o próprio marxismo como um fato histórico,com posições altamente variáveis e até mesmo alternativas” (WILLIAMS, 1979, p. 9).

Ao estudar a história do marxismo Williams chegou a críticas e consideraçõesimportantes sobre os principais conceitos da teoria cultural marxista, apresentando, por fim, seuinteresse em desenvolver uma posição baseada em investigações por ele feitas, e que difere, emvários pontos-chave, do que se conhece mais geralmente como teoria marxista: “É uma posiçãoque se pode descrever brevemente como materialismo cultural: uma teoria das especificidades daprodução cultural e literária material, dentro do materialismo histórico” (WILLIAMS, 1979, p. 12).

No capítulo sobre “Marxismo e Cultura”, do livro Cultura e Sociedade, Williams(1969, p. 276-293) retomou as proposições teóricas de Marx e Engel quanto à cultura, procurandoevidenciar que Marx esboçou, mas não desenvolveu por completo, uma teoria da cultura. Afirmou,além disso, que nos próprios escritos de Marx e de Engels há o reconhecimento da complexidadee historicidade das questões culturais, o que indica que o econômico não é o único elementodeterminante da história.

Com base nesses supostos Raymond Williams enuncia uma Teoria Marxista daCultura:

que admitirá diversidade e complexidade, levará em conta a continuidade dentroda mudança, aceitará o acaso e certas autonomias limitadas; mas, com essasressalvas, considerará os fatos da estrutura econômica e as relações sociaisdeles decorrentes como um fio condutor que entretece uma cultura e,acompanhando-o, é que podemos compreendê-la (WILLIAMS, 1969, pp. 279-280).

É Importante ressaltar a crítica de Williams ao uso inadequado do termo cultura,por parte de alguns marxistas. Esse termo indica, via de regra, os produtos intelectuais e deimaginação de uma sociedade e isso corresponde a um modo incorreto de usar o termo“superestrutura”. Segundo sua afirmação:

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... os marxistas deveriam logicamente empregar o termo “cultura” no sentido deum processo integral da vida, ou de um processo geral de caráter social, já que dão ênfaseà interdependência de todos os aspectos da realidade social e definida importância à dinâmica damudança social (WILLIAMS, 1969, p. 291 / Grifo nosso).

Pode-se considerar, no entanto, que Williams não questionou a validade das teoriaseconômicas e políticas de Marx e Engels, mas sim o determinismo economicista e seu impacto namaneira de se encarar a cultura. Portanto, além de ter contestado a relação de determinaçãomecânica “estrutura – superestrutura”, e a conseqüente concepção de cultura como mero reflexodas condições econômicas, Raymond Williams também refutou concepções tradicionais de cultura:enquanto “estado ou hábito mentais”, ou “corpo de atividades intelectuais e morais”.

Na crítica a essas posições, forja-se a sua concepção própria, e extremamenteatual, de que cultura significa, também, “todo um modo de vida”. Ou, melhor dizendo: para RaymondWilliams (1969, p.290), só é possível compreender “as culturas”, levando-se em conta o modo deviver globalmente considerado.

Segundo sua afirmação, para realizar uma análise cultural séria é indispensávelque se tenha plena consciência do próprio conceito: uma consciência que, antes de tudo, deve serhistórica. O que, no entanto, conforme o próprio autor reconhece, não é algo fácil de ser operado.

A esse respeito, o autor faz uma importante observação:

... quando percebemos de súbito que os conceitos mais básicos –os conceitos, como se diz, dos quais partimos – não são conceitos,mas problemas, e não problemas analíticos, mas movimentoshistóricos ainda não definidos... resta-nos, apenas, se o pudermos,recuperar a substância de que suas formas foram separadas (WIL-LIAMS, 1979, p. 17/ Grifo nosso).

Concordo com Williams: a cultura consiste numa problemática a ser investigada.Corresponde a um conjunto de situações, de ações, que se dão historicamente; num tempo/espaço definido a partir de um conjunto de circunstâncias. Os fatos da estrutura econômica e asrelações sociais daí decorrentes compõem um fio condutor que entretece a cultura, compreendida,então, como a própria complexidade do modo global de vida individual/social, e que passa,necessariamente, pela apreensão de estruturas de sentimentos, valores, pensamentos, usos ecostumes, práticas sociais, etc.

Os estudos e reflexões de Raymond Williams, sobre a cultura, têm sido referênciateórico-conceitual de fundamental importância em minhas pesquisas. Sua compreensão dasquestões culturais como problemas a serem investigados, como movimentos a seremacompanhados e reconhecidos, tem papel e valor decisivos na objetivação da relação EducaçãoEscolar/Cultura, e podem constituir-se, também, como referencial para se pensar as questõesreferentes à dimensão cultural da formação do educador.

É importante registrar a contribuição dessa experiência metodológica que, semdúvida, é exemplar. Diz o próprio autor que precisou recriar essa experiência lentamente, em si

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mesmo e na literatura, “a fim de recuperar o presente e o futuro através de uma compreensãodiferente de um passado que nos deu forma e nos fascina” (WILLIAMS, 1989, p. 409). Essemovimento de aproximar passado/presente/futuro, de historicizar o objeto de investigação, tal comoWilliams propõe, deve ser reconhecido como fértil contribuição para os estudos na área da educação.

No entanto, o que tem me fascinado, além de sua contribuição em termos deconteúdo e método, é também o fato de Raymond Williams não tomar “conceitos” como “categoriasprontas”, mas sim como “problemas de investigação” da realidade, como “movimentos históricos”ainda não definidos, com os quais se deve trabalhar. Conforme ele mesmo indica, “resta-nosapenas, se o pudermos, recuperar a substância de que suas formas foram separadas” (WILL-IAMS, 1979, p. 17).

Embora não seja fácil enfrentar essa complexidade, minha proposta – a partir dascontribuições de Raymond Williams – é trabalhar a cultura escolar como um “campo de forças”em que as contradições se exprimem. Ou seja, captar e trabalhar a dimensão cultural da educaçãoescolar, e da formação do educador, implica em que se busque a compreensão dos modos de vidaindividuais/social dos sujeitos envolvidos, a investigação de suas estruturas de sentimentos, valores,pensamentos, usos e costumes, práticas sociais, etc. Para tanto, é importante recuperar vínculos,aproximações e afastamentos, determinações múltiplas, decorrências diversas, entre os várioscomponentes desse campo de forças cultural, privilegiando-se a análise das contradições que seevidenciarão, muito provavelmente, durante todo o processo. Esse é o caminho que tenho seguido,em minhas pesquisas e reflexões sobre a relação entre educação e cultura, e por onde pretendocontinuar na investigação em curso.

Considerações finais: Os Valores na Formação do EducadorAo falar dos valores, refiro-me a significações que funcionam como referências para

nossas reflexões e ações. Os valores não são um fim em si mesmos, mas fazem a mediação entrea situação atual e outras que se pretende alcançar. Por isso, os valores aparecem no esforçohumano da valoração, podendo ser caracterizados como “o próprio esforço do homem emtransformar o que é naquilo que deve ser” (SAVIANI, 1980, p. 41). Este empenho conceitual,ainda que muito breve, é necessário para que se possa situar a discussão acerca dos valores evalorações, no processo de formação do educador.

Sempre considerei que o conhecimento é histórico, tanto quanto os valores e asvalorações, bem como o próprio processo educativo/cultural no qual conhecimento, ética, valorestransformam-se em praxis. Nessa mesma perspectiva inclui-se, pelo que entendo, a formação doeducador.

Uma vez que a educação é “mediação universal da existência humana” (SEVERINO,2002, p. 83), o processo de formação do educador apresenta-se concretamente como um dosespaços em que as mulheres e os homens envolvidos podem construir o conhecimento significativoe necessário ao seu tempo e ao seu contexto, simultaneamente à sua própria construção comosujeitos históricos. E fazem isso, a partir dos princípios e valores – éticos, intelectuais, estéticos,vitais e afetivos, úteis ou econômicos - fundamentais à sua sociedade e ao seu tempo histórico,avaliando, valorando, atribuindo significado a tudo aquilo que está ao seu redor.

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Enquanto processo sistematizado numa sociedade historicamente determinada, ecom contornos culturais específicos, a formação do educador deve ser encarada como praxisfecundada pela significação simbólica, mas cuja finalidade tem como alvo os três planos da existênciada própria educação. Ou seja, se “a educação é prática simultaneamente técnica, ética e política,atravessada por uma intencionalidade teórica e fecundada por uma significação simbólica, conceituale valorativa” (SEVERINO, 2002, p. 84), a formação do educador também deverá contemplarestas perspectivas, no âmbito da cultura vivida pelos sujeitos envolvidos.

Sendo assim, o contexto da formação do educador é obrigatoriamente um “espaçode valorações”, em que os valores estão presentes em todo o processo, embora nem sempre setenha consciência plena desta presença ou de suas interferências. Todas as decisões tomadasnos processos de formação e auto-formação do educador, as escolhas feitas, as significações, asatribuições, os comportamentos ensejados, as atitudes assumidas, implicam procedimentosvalorativos nem sempre claramente compreendidos e explicitados.

Por isso, é conveniente admitir e reconhecer as inegáveis bases axiológicas daformação do educador. Penso que o maior desafio será a concretização dessa dimensão axiológicanão só em nossos empenhos de reflexão, mas também nas ações cotidianas. Daí as provocaçõese instigações presentes neste trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FRANCO, Maria Amélia Santoro. Pedagogia como ciência da educação. Campinas/SP: Papirus,2003.

PIMENTA, Selma Garrido. Saberes pedagógicos e atividade docente. SP: Cortez, 1999.

PIMENTA, Selma Garrido e GHEDIN, Evandro. Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica deum conceito. SP: Cortez, 2002.

SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 2. ed. SP: Cortez:Autores Associados, 1982.

SEVERINO, Antonio Joaquim. A pesquisa em educação: a abordagem crítico-dialética e suasimplicações na formação do educador. CONTRAPONTOS - Revista de Educação da Universidadedo Vale do Itajaí. Ano I – n. 1, Jan./jun. 2001, pp. 11-22.

SEVERINO, Antonio Joaquim. Educação, sujeito e história. São Paulo: Olho d’Água, 2002.

SILVA, Sonia Aparecida Ignacio. Valores em educação: o problema da compreensão e daoperacionalização dos valores na prática educativa. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2000.

SILVA, Sonia Aparecida Ignacio. Ouvir e contar a História: memórias da Escola Pública Paulista(1930 – 1950). Santos: Editora Universitária Leopoldianum, 2003.

WILLIAMS, Raymond. Cultura e Sociedade. SP: Companhia Editora Nacional, 1969. Tradução –dentre outros – e apresentação da edição brasileira por Anísio Teixeira / (3ª edição inglesa: 1960).

WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. R.J.: Zahar, 1979 (1ª edição inglesa em 1971).

WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na história e na literatura, SP: Cia. da Letras, 1989.

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INTRODUÇÃO

O presente estudo procurou investigar o que determina o desempenho do profes-sor com sucesso na prática da sala de aula; seus pressupostos teóricos, seus saberes sobre odesenvolvimento das crianças na aprendizagem e no processo de ensino, suas tendênciasmetodológicas, sua própria formação, a consciência que tem sobre si e sua atividade profissional.

Em seus estudos, Cunha (1994, p.24) aponta que estudar o que e, especialmente,porque ocorre em sala de aula “é tarefa primordial daqueles que se encontram comprometidoscom uma prática pedagógica competente”. Localizou, no ambiente escolar, professores que sedestacaram em sala de aula, que obtiveram sucesso no processo de ensino e aprendizagem,observareste professor em seu trabalho, na sala de aula, analisar os planejamentos e produções do profes-sor; questionar o professor sobre sua formação, sobre sua experiência profissional, para umaanálise sobre o como e o porquê da eficiência de sua prática.

Estudar o trabalho desenvolvido por estes professores competentes levaria àcompreensão sobre as características de um bom professor. A descoberta destes docentesconduziria à valorização dos mesmos e à divulgação de que é possível um trabalho de qualidade,pois, como afirma Pimenta (2002, p.7), “valorizar o trabalho docente significa dotar os professoresde perspectivas de análise que os ajudem a compreender os contextos históricos / sociais / culturais/ organizacionais nos quais se dá sua atividade docente” .

No mundo contemporâneo, a aceleração do desenvolvimento requer a cada instante,mais e mais empenho, criatividade, reflexão, novas formas de ser e conviver nas atividadesprofissionais, principalmente na educação. Diante de tantas mudanças e desafios, percebe-se quetodo o processo educativo é um grande

Neste novo milênio, conforme Kuenzer (1999, p.171), a maior lição a ser desenvolvidaserá a necessidade de rever a função e o papel do professor, pois são outros os saberes que oprofessor precisa constituir: saberes ligados à prática, ao conteúdo, à organização e gestão doensino e da aprendizagem.

As dificuldades para ensinar são muitas, mas estas não são admitidas. Se estascondições fossem assumidas, “estaríamos mais abertos para o novo, para aprender. Mas ao pensarque sabemos muito, limitamos nosso foco, repetimos fórmulas, avançamos devagar” (MORAN,1999).

O professor precisa aceitar mudanças profundas na concepção e desempenho dasua profissão, pois muitos são os indicadores do rebaixamento da qualidade do ensino. Neste

FATORES QUE CONDICIONAMPROFESSORES DE SUCESSO

MOISSA, Selma Cristina Ávila; MORETTI,Lucia Helena Tiosso (UNOESTE)

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sentido, assinalamos a colocação de Esteve (1995, p. 98) que ressalta a necessidade de se “evitaro desajustamento e a desmoralização do professorado, bem como o crescente mal-estar docente,pois um ensino de qualidade torna-se cada vez mais imprescindível”.

De acordo com Esteve (apud Nóvoa et al, 1995, p.100), o aumento de exigênciasem relação ao trabalho do professor é um processo histórico, que aumenta sua responsabilidade,pois atualmente, o professor declara que o seu exercício profissional ultrapassa os limites dodomínio cognitivo, pois é preciso conhecer o conteúdo ministrado, ser um facilitador do processode aprendizagem, entre outras tantas qualidades requeridas para a prática docente.

Com base nestas afirmações, procurou-se investigar,neste estudo, os fatores quecondicionam o êxito de professores, seu olhar sobre o objeto de ensino, acerca do aluno e emrelação à sua prática. Examinou-se o que determina o desempenho com sucesso no exercício dasala de aula, do professor: seus pressupostos teóricos, seus saberes sobre o desenvolvimento dascrianças na aprendizagem e no processo de ensino, suas tendências metodológicas e a sua própriaformação.

Segundo Rios (2002, p.12), a partir da variável desempenho do professor, busca-seabsorver e reorganizar o fazer pedagógico, analisando certezas pedagógicas, idéias pré-concebidas,delineamentos de currículo, o que acontece na prática pedagógica e porque assim acontece,sobretudo o grau de consciência do professor, pois, “sem o consentimento dos professores, asmudanças não se realizam”.

Mediante a análise da experiência dos docentes que “deram certo”, averiguamos apossibilidade de compreender, no âmbito da práxis educacional, o trabalho de qualidade, eficientee analisá-lo frente à reforma das políticas da educação básica, apresentada na Lei de Diretrizes eBases da Educação, de 1996, a fim de relacioná-lo com as formas contemporâneas de saberfazer, saber conviver, saber ser e saber relacionar-se com os recursos naturais, produzindo edistribuindo bens, serviços, informações e conhecimentos.

A princípio, analisamos como é concebido o sucesso e como esse triunfo delineia acompetência do professor, que atinge os objetivos educacionais (não tecnicista, aos quais nãoestamos acostumados a empreendê-los, enquanto seguimos passivos em nosso treinamento,nosso comodismo). Educador este que, segundo Moysés (1994, p.15), julgando-se compromissadocom seus alunos, reconhece-os e emprega, de maneira apropriada, o método adequado para odesenvolvimento da aprendizagem, sobretudo permitindo-lhes que se tornem cidadãos habilidosose competentes.

O conceito de competência demanda cuidado, pois esta abordagem é encaradasem muita clareza epistemológica por ensejar múltiplas interpretações. Em face das novasdemandas do mundo do trabalho, o conceito de competência tem assumido novos significados.

Para Kuenzer (1999, p.171), estas demandas, a partir da substituição progressivados processos rígidos têm deslocado o conceito de formação profissional dos modos de fazer paraa articulação entre conhecimentos, atitudes e comportamentos, com ênfase nas habilidadescognitivas, comunicativas e criativas. Ou, para usar as expressões correntes, trata-se agora, nãoapenas de aprender conhecimentos e modos operacionais, mas de “saber, saber fazer, saber ser e

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saber conviver”, agregando saberes cognitivos, psicomotores e sócioafetivos.A essência de aptidão, desse modo, extrapola a formação básica do profissional e

aproxima-se do conceito de saber tácito, conhecer que não se ensina e não é passível de explicação;trata-se de conhecimentos provenientes da prática laboral adquirida ao longo de diferentesoportunidades; tais saberes não estão sistematizados e não identificam suas possíveis relaçõescom o conhecimento teórico.

A fundamentação teórica do trabalho está assentada na literatura sobre a configuraçãoda educação hoje; políticas de formação; a formação do professor; a profissão professor; tendênciaseducacionais; concepção sobre avaliação; concepção sobre interdisciplinaridade; concepção sobreensino e aprendizagem. Em cada momento histórico, identificam-se diferentes situações políticase sociais, que interferem no mundo do trabalho, delineando tendências educacionais. Procuramos,então conceber o momento educacional que vivenciamos, para identificarmos qual sucesso desejadoem educação, atualmente, bem como compreender as políticas de formação dos atuais“professores”. Para esta análise, em nossa pesquisa, foram de grande importância as contribuiçõesliterárias de Franco, Freire, Kuenzer, Moran, Nóvoa, Pimenta, Morin.

Os estudos de Contreras, Cunha, Freire, Franco, Meirieu, Morais, Moran, Moysés,Nóvoa, Rios, Sheppard, Zabala subsidiaram as investigações sobre o professor em sua prática desala de aula, o qual desenvolve uma forma particular de trabalhar, ligada à sua formação básica econtinuada, à sua identidade pessoal e profissional, à sua consciência sobre sua profissão.

Os aspectos específicos da sala de aula e do trabalho docente, tendênciaseducacionais, concepção sobre avaliação, interdisciplinaridade e ensino e aprendizagem, foramestudados de acordo com as referências de Contreras, Hoffmann, Freire, Franco, Meirieu, Moran,Moysés, Moreira, Perrenoud, Pimenta, Zabala.

No dia-a-dia da sala de aula, na vivência do professor e do aluno, na dialética doensino e da aprendizagem, perguntamos: “O que acontece na sala de aula?” A esta perguntacorrespondem mais indagações do que respostas. Assim, o professor comprometido está emconstante reflexão e pesquisa, buscando as melhores formas de atingir os melhores resultados erespostas. Portanto, o desafio do professor comprometido é estar em constante pesquisa, empermanente busca da compreensão do que está ocorrendo. Isso significa investigar o porquê doserros que os alunos cometem, investigar porque determinado conteúdo parece tão fácil ou tãodifícil. Além disso, há a necessidade de constante aperfeiçoamento por parte do professor paraque possa ter cada vez mais melhores condições de compreender o que está ocorrendo (FRANCO,1999).

A reflexão sobre a prática e a leitura crítica sobre o cotidiano escolar desvela espaçosde tensão a serem trabalhados. Porém, é necessário que a reflexão, ao tempo em que contribuapara a superação de limites e construção de possibilidades, esteja fundamentada em sólidasbases teóricas e epistemológicas.

Dessa forma, estará sendo concebida a autonomia intelectual do professor,necessária para o redimensionamento da sua prática, para a luta e a resistência em defesa daqualidade e do respeito a seu exercício profissional.

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Ser professor, hoje, requer uma forma de ser, de viver, de fazer, sendo o processode comunicação o que efetiva a relação ensinar-aprender:

O professor enfrenta também, na sociedade contemporânea, os desafios dos avançostecnológicos que configuram, segundo Rios (2002, p.11), “a sociedade virtual e os meios deinformação e comunicação”. Esta forma de sociedade aumenta ainda mais o desafio do professorem efetivar a democratização do ensino.

Este profissional, no mundo atual, precisará desenvolver novas habilidades, para, apartir da sua realidade contextual (escola, aluno, recursos físicos e financeiros, formação), selecionarconteúdos, organizar situações de aprendizagem em que as interações entre aluno e conhecimentose estabeleçam de modo a desenvolver as capacidades de leitura e interpretação do texto e darealidade, comunicação, análise, síntese, crítica, criação, trabalho em equipe. Dessa forma, poderápromover situações em que o aluno poderá passar do senso comum ao comportamento científico.

Entre as qualidades deste profissional deverá estar presente a capacidade de transporos conhecimentos a serem ensinados, promover situações educativas, apreciar a maneira decomo se afere a aprendizagem em cada etapa de desenvolvimento humano, as formas de organizaro processo de aprendizagem e os procedimentos metodológicos próprios a cada conteúdo. Issoexige do professor em uma ação-formação a aquisição aguda da consciência da realidade e umasólida fundamentação teórica para poder direcionar a realidade e instrumentalizar seus alunospara o exercício da cidadania.

Em meio a esta teia complexa e enigmática de acontecimentos, a educação buscasua vez e lugar, procurando redescobrir o papel social da escola e do professor no fazer pedagógicodo dia-a-dia escolar.

METODOLOGIA

Este trabalho foi desenvolvido segundo uma metodologia de pesquisa de campo.Compuseram a amostra, duas professoras do Ensino Fundamental, do 1º e 2º

ciclos regentes de classe da 3ª série, e uma professora de Literatura, do Pré II à 4ª série, de duasescolas municipais. A pesquisa foi realizada na zona urbana do município de Castro, Estado doParaná, que possui 13 escolas. Destas, duas escolas foram sorteadas, aleatoriamente, para aseleção dos professores considerados de sucesso. As duas Instituições escolares localizam-se emdiferentes bairros: Na primeira, o corpo docente consta de cinqüenta e quatro professoras, umadiretora, uma diretora- auxiliar, três supervisoras e uma orientadora educacional, atendendo a 550alunos.

Na segunda escola, o quadro docente consiste de trinta e oito professoras, umadiretora, duas supervisoras e uma orientadora educacional, atendendo a 450 alunos.

Ambas escolas localizam-se na periferia do município e são também orientadas esupervisionadas pela Secretaria Municipal de Educação.

Quanto aos procedimentos de coleta de dados, a escolha das escolas nas quaisforam aplicados os questionários obedeceu ao critério sorteio aleatório, de uma lista numerada de

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1 a 13, que continha o nome das 13 escolas urbanas do município de Castro. Na presença dacoordenação pedagógica da Secretaria Municipal de Educação do município, retiramos dois papéisque continham os números das respectivas escolas.

Para iniciar o estudo, realizamos um encontro com as Direções das escolassorteadas, solicitando autorização para a realização da pesquisa, com objetivo também de explicarcomo esta seria desenvolvida nestas instituições. Neste encontro, foi-lhes entregue uma carta,explicando os procedimentos da realização do estudo na escola: realização de uma reunião eentrevista semi – estruturada com a diretora, com a equipe pedagógica e com os professores paraapresentação da carta de autorização e explicações sobre a pesquisa; esclarecimentos a respeitoda aplicação de questionários, entrevistas formais e informais, observações da rotina da escola eda sala de aula, bem como verificação dos planejamentos das professoras futuramente indicadas.

Houve aceitação por parte das diretoras, das equipes pedagógicas e dos professoressobre a realização do estudo, pois compreenderam a importância do trabalho para a valorizaçãodos bons docentes, através da divulgação de suas práticas e a contribuição para a melhoria noprocesso ensino aprendizagem, delineando um perfil profissional de sucesso.

Nestas escolas, foi realizada a indicação anônima, pelas diretoras, supervisoras,orientadoras e professoras, através de um questionário, sobre quem consideravam o melhor pro-fessor e por quê. A análise quantitativa dos questionários permitiu a determinação das trêsprofessoras que participariam da pesquisa.

Quanto aos questionários, dos 102 distribuídos, foram devolvidos 55, que sugeriama indicação das professoras de sucesso, efetuamos a análise dos mesmos, sendo três as professorasmais votadas, duas delas, na mesma escola. Os profissionais da escola que responderam aoquestionário e o devolveram, justificaram sua escolha por determinada professora, atribuindo-lhediversas características/qualidades, que em vários questionários se repetiram.

Estas três professoras foram entrevistadas quanto à aceitação em participar dapesquisa. As mesmas sentiram-se inseguras, tendo medo de não corresponderem à qualificaçãode bom profissional. Após aceitarem participar do trabalho, as docentes responderam a umquestionário contendo itens gerais e específicos sobre a sua formação geral e formas de atuação.

Foi observada uma aula destas professoras mediante critérios pré-estabelecidos,entre os quais: relação professor/escola, professor/alunos e alunos/alunos; momentos e instrumentosde avaliação, análise do planejamento, metodologia utilizada, seqüência didática dos conteúdos,materiais didáticos. Tais apreciações foram, posteriormente, registradas. Os dados foram analisadosquantitativa e qualitativamente segundo a literatura que norteou a presente pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na primeira escola foram entregues 60 questionários, dos quais 27 foramrespondidos, enquanto que na segunda, dos 42 questionários distribuídos, foram confirmados 28.

Cerca de 88,67% das professoras têm, em nível de Ensino Médio, o Magistériocompleto; aproximadamente 7,57% têm formação em Educação Geral e 1,88% diplomou-se em

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Colégio Agrícola e Logos II. No que se refere ao Curso de Graduação, 26,41% cursaram NormalSuperior; 30,18% completaram o Curso de Pedagogia; Geografia, História, Letras, Educação Física,Administração e Matemática somam um percentual de 30,18%dos graduados. Dos profissionaisdiplomados, 28,26% freqüentaram a Pós-Graduação, que representa 23,64% do total de professorasvotantes.

As professoras, ao escolherem as colegas consideradas de sucesso, apresentaramcaracterísticas, que segundo conceitos pessoais, definiram as qualidades do profissional quedesempenhou seu trabalho com competência. A criatividade das professoras indicadas foi apontadapor 25,45% das colegas; 18,18% arrolaram a responsabilidade em relação ao seu trabalho e aatenção preocupação e carinho com as crianças como a segunda característica principal; adedicação ao ensino e a preocupação com o aperfeiçoamento e a atualização foi registrada entre14,54%, pelos colegas; fatores como amar o trabalho, ser dinâmica e perseverante, ajudando atodos, foram indicados por 9,09%; a inteligência, disciplina e a organização foram fatores assinaladospor 7,27%; a calma, o esforço na profissão, o gosto pela mesma são indicados numa proporção de5,46%; em 3,63% são indicadas as características do desempenho na trajetória pessoal eprofissional, serem talentosas e assíduas, a demonstração de entusiasmo nas aulas, os comentáriosfeitos por elas referentes à sua profissão, de estarem sempre correndo atrás de seus sonhos, dasuperação das dificuldades, em relação ao modo que age diante dos alunos com respeito, dapreocupação com o progresso dos alunos, de ser uma pessoa meiga, de ser lutadora e paciente,apresentando-se como um exemplo para todos.

As demais características, cerca de 1,82%, indicaram a capacidade de transmitiros conteúdos e sua dedicação à educação, o carisma, o comprometimento com a educação, odesenvolvimento de um ótimo trabalho, a eficiência, a adaptação de sua própria evolução à suaprofissão, o fazer bem feito à profissão, o contágio a todos ao seu redor para que também dêem omelhor de si, a humildade, o dom de repartir que ilumina o ambiente que freqüenta, a paciência, osvários anos de profissão, a preparação dos alunos transmitindo valores para toda a vida, sertrabalhadora.

Em relação às questões sobre a formação das professoras e o seu percursoprofissional, apresentamos em síntese:Professora 1 - concluiu o Magistério em 1985,e em 1988,iniciou o curso de graduação em Administração de Empresas, concluído em 1991. Começou alecionar na Escola Municipal em 1986, onde continua atualmente. Sempre gostou de trabalharcom 1as e 2as séries, pois são mais entusiasmados com as aulas e tudo para eles é novidade.Como seu trabalho sempre teve boa aceitação na escola, foi convidada a assumir uma turma comalunos que apresentavam dificuldades na aprendizagem e comportamento. Encarou o desafiocomo incentivo para procurar outras maneiras de trabalhar, pois acredita que quando se tem boavontade, sempre é possível conseguir progressos.

Decidiu fazer o Magistério porque sua mãe queria, porque era uma boaprofissão para a filha, que lhe garantiria algum status. Hoje, diz que gosta da profissão e se envolvemuito com os assuntos da escola.

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Professora 2: Concluiu o Curso do Magistério em 1983. Fez sua Graduaçãoem Licenciatura em História entre 1989 e 1991. Logo que concluiu o Magistério, começou alecionar na escola onde trabalha até hoje, e já deu aula para turmas de 2a, 3a e 4a séries. Diz quesempre se sentiu satisfeita com o resultado de seu trabalho e que foi reconhecida por suas qualidadesprofissionais, pois sempre a elogiaram e pediram sua opinião sobre atividades em sala de aula.Logo foi convidada a trabalhar com Literatura e Artes por mostrar-se criativa e empenhada emtodas as atividades que realizava. Fez o Magistério, por indicação da família, mas hoje adora oque faz; sente-se segura em relação ao domínio dos conteúdos e que a experiência de 18 anos detrabalho lhe dá pistas para entender os alunos e decidir quais as melhores ações dentro da sala deaula. Fazer pós-graduação está em seus planos como meio de aprofundar seus conhecimentos emelhorar a prática pedagógica.Professora 3: Formou-se no Magistério em 1991 e no período entre2001 e 2003 fez o Curso Normal Superior com Mídias Interativas, da Universidade Estadual dePonta Grossa, porque sempre quis ser professora e adora sua profissão.

Trabalhou em várias escolas na cidade de Castro (PR), mas teve dificuldadesem adaptar-se a algumas, por não ver seu trabalho valorizado, por falta de apoio pedagógico e poralguns colegas de trabalho interferirem em sua vida pessoal. Sempre participa de Cursos deAperfeiçoamento e diz que de todos aproveita muitas sugestões, os cursos promovem a reflexãodiante das situações de sala de aula e sente-se mais capaz para interferir na aprendizagem.Consegue ver o aluno em sua globalidade (social, afetiva e psicologicamente). A professora se dizapaixonada pelos alunos, que eles lhe inspiram, transmitem vida, alegria, energia. Atualmenteministra as disciplinas de Literatura e Artes, lecionando para turmas de Educação Infantil a 4ªsérie, trabalho do qual se orgulha, por ter a oportunidade de transformar seus alunos. Segundo ela,não houve nenhum apoio por parte da escola, nem financeiro, nem incentivo, nem cooperação nodesenrolar das atividades, mas foi até o fim, movida pelo interesse dos alunos. Sentiu, assim, aimportância de se participar de eventos como este, mostrando que é possível se trabalhar bem,com alegria e atingir altos níveis de aproveitamento por parte dos alunos, apesar das dificuldadescontextuais.

Quanto às observações em sala de aula, a aula foi preparada pelas professoras1 e 2 que escolheram o tema a ser estudado. O planejamento não estava elaborado de forma adestacar títulos, fases (tema, objetivos, desenvolvimento, materiais, verificação, etc), porém foidescrito em tópicos direcionando o encaminhamento das atividades didáticas, revelando o controle,conteúdos, contexto, objetivos, categoriais, processos, apresentação, audiência e registros comoelementos estruturais de um planejamento de aula, que se fizeram claros de identificar no decorrerda aula.

A aula foi iniciada com o estudo da geometria (figuras planas), com os alunosorganizados em duplas. No primeiro momento da aula, como estímulo, as professoras entregaramum jogo de formas geométricas para a livre exploração pelos alunos, que foram motivados acompor “quadros” artísticos com as peças. Foram questionados e encorajados sobre a beleza desua criação, o que pensaram ao criar. Num segundo momento, as professoras apresentaram um“quadro” em forma de mosaico, criado pôr elas, com o jogo de formas geométricas, que ficou

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exposto à frente da sala de aula, com o objetivo de desafiar os alunos a tentarem reproduzi-lo. Aojustificarem como conseguiram recriar o “quadro” das professoras, os alunos comparavam asformas geométricas usadas, sua cor e tamanho e a posição em que eram organizados. Foi omomento usado pelas professoras para perceberem o conhecimento que as crianças tinham sobreconteúdo.

No terceiro momento da aula, as professoras começaram a elaborar a percepçãosobre as formas geométricas, contando-as, selecionando-as, classificando-as, organizando-as porcor, forma e tamanho, de acordo com as suas orientações. Durante toda a atividade, as diretrizesdas professoras eram advindas de problematizações, colocando os alunos em situações ótimos,para todos, uma mesma atividade, desenvolvida de acordo com a particularidade de cada aluno.Em seguida, a contagem das peças foi relacionada com a multiplicação. O quarto momento daaula foi dedicado ao registro das atividades realizadas, através de uma produção de texto coletiva.

A professora 3 ministrou aula de Literatura para a 2ª, 3ª e 4ª séries. Em seusplanejamentos especificou seus objetivos em relação ao tema escolhido, de quais materiaisprecisaria, de como incentivaria os alunos e como encaminharia o desenvolvimento da aula e daavaliação. Sua primeira aula foi com a 2ª série, cujo conteúdo era a continuação ao Projeto DiferentesLeituras, elaborado pela professora, com a perspectiva de que a leitura se realiza de diferentesmaneiras e possibilitam leitores do mundo. Os alunos foram posicionados em círculo. Enquantocantavam uma música, passavam uma bola; quando a música acabava, o aluno que estava coma bola pegava um papel com uma palavra escrita ou um objeto que se encontravam dentro de umacaixa surpresa. Ao retirar uma palavra ou um objeto, o aluno deveria falar sobre o significado domesmo para ele. A brincadeira seguiu até que a bola tivesse parado com todos os alunos. Emseguida, a professora apresentou um cartaz com uma música que abordava em sua letra todos ostemas sorteados pelos alunos. Neste momento, começou uma reflexão sobre a música fazendocom que os alunos estabelecessem relação com o que já haviam falado sobre sua palavra ouobjetos sorteados.

Na 3ª série, continuidade do Projeto Identidade do Leitor, valorizava a individualidadede cada leitor que estava sendo formado na escola. Os alunos ficaram organizados em círculo ea professora utilizou, nesta aula, figuras escolhidas por ela, que se referiam a pessoas para abordaro tema diferenças pessoais e diferentes formas de leitura. Cada aluno retirava uma figura da caixae a descrevia, atribuindo-lhe qualidades. Assim as diferenças eram ressaltadas e valorizadas. Foiapresentado um cartaz com a música “Pra aprender a ler”, que as crianças leram e depois cantaram.

Com a 4ª série, trabalhou-se diferentes estilos de moradias (casas, apartamentos,barracos, palafitas, iglus, castelos, tendas), que remetiam à observação do local em torno destesdomicílios, bem como levava à reflexão sobre o porquê das características de cada local e residência,atividade esta pertencente ao Projeto “Lendo os Ambientes”, que procurava levar aos alunos novasmaneiras de “ler” o mundo. Esta aula foi iniciada com a música “Menino cantador”, escolhida pelaprofessora, para que as crianças pudessem cantá-la e dançá-la. A partir dessa atividade os alunoscomentaram sobre a liberdade de expressão, a possibilidade de cada um dançar e cantar comodeseja, desde que respeite o espaço dos colegas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, os professores de sucesso caracterizaram-se como pessoasresponsáveis, criativas, que gostam de sua profissão, que estão em constante aperfeiçoamento,formal ou informalmente, participando de diversos cursos, sempre lendo, buscando novosconhecimentos, dialogando com seus colegas de trabalho, compartilhando seus medos, suasidéias, sendo receptivos a sugestões. Mostraram que são pessoas “vivas”, desejosas, atentas,comunicativas.

Na atuação em sala de aula, essas professoras mediaram o processo de ensino eaprendizagem através dos materiais didáticos, das estratégias de suas aulas, do relacionamentocom os alunos, de sua própria motivação para educar, de suas crenças, de seu profissionalismo,de seu compromisso com a educação, de seu papel cidadão.

A qualidade dos materiais didáticos, o lúdico, as brincadeiras e jogos foram recursosdecisivos na motivação, bem como o encaminhamento das professoras em relação ao uso edesenvolvimento as desses materiais e brincadeiras. Dessa forma de motivação, consolidou-se aaprendizagem significativa, estabelecendo-se um elo de ligação entre os alunos e as professoras,provocando um clima favorável à aprendizagem.

No decorrer da jornada laboral das escolas é preciso cuidar da formação psicológica,cognitiva, afetiva, social, didática e metodológica do professor; necessário é, construir um ambientede trabalho acolhedor, pois é onde o profissional “vive” por um determinado período de tempo, eque se viva bem; e, principalmente, o professor deve “sentir-se” professor, abraçar a profissão edesempenhá-la da melhor maneira possível.

O estudo caracterizou o professor como “figura integral” (homem, cidadão,profissional), inserido e agindo num espaço/tempo particular, parte da história, válida e relevante.A praticidade apresentada pelas professoras em seus métodos, na organização de esquemaspráticos de ação, relacionados com os objetivos da aula, articulando suas idéias e práticas, revelaramuma ação-reflexão-ação, de forma criativa e intuitiva, sem marcas científicas, revelaram umcrescimento profissional no ambiente de trabalho, buscado para suprir a deficiência da formaçãoinicial. As professoras sabem da importância da constante atualização, relacionada àresponsabilidade que têm em veicular os conhecimentos entre os alunos, de forma crítica e reflexiva.

Revelou-se o posicionamento das professoras em relação à sua profissão, à suaresponsabilidade como modelo para o aluno, configurando a consciência do professor em relaçãoao seu trabalho em sala de aula. A consciência sobre o próprio desempenho profissional leva aoreconhecimento da necessidade da interação das escolas de Ensino Fundamental com asinstituições de formação básica do professor, de forma a clarificar as necessidades daquela, quepodem ser superadas por estas, na formação do futuro professor.

O referencial educacional e profissional que temos hoje é negativo em muitosaspectos: histórico, social, econômico, afetivo, educativo, ético. Tão necessária é a construção deum referencial positivo. Com este trabalho, percebemos que é possível uma educação de qualidade,mesmo diante das dificuldades físicas, financeiras, sociais, políticas, de formação básica no seio

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da escola. Evidenciou-se que é através do próprio professor – da educação – que a educaçãopode mudar, buscando-se uma formação crítica e integral dos educandos, nas formas de concebero conhecimento e utilizá-lo, contribuindo para a formação de pessoas éticas, responsáveis.

Ser professor é uma arte, pois requer um agir com responsabilidade, criatividade,buscando o conhecimento, ousando, amando. Certamente, que estas professoras de sucesso nãoestão totalmente descansadas sobre a efetividade do seu trabalho, mas, certamente, estãorepousadas sobre a certeza de viverem um trabalho digno, consciente, incorporado ao seu viver –uma qualidade de ser e viver (com seus alunos).

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I - GEOGRAFIA E LITERATURA: DO LÚDICO AO DISCURSO IDEOLÓGICO.

A Geografia, como ciência que estuda e interpreta a espacialidade, busca atravésdo método científico formas para “ler”, conhecer e manipular a realidade do espaço seja em relaçãoà paisagem natural ou a criada pelo homem.

A existência de inúmeros meios, embasados nas diversas “correntes” dopensamento geográfico, objetivando entender e interpretar a realidade espacializada, imediata oumediata, oferece ao geógrafo ou ao professor de Geografia, um rico cabedal de possibilidades paratais fins.

A Literatura, em especial a “regionalista”, vem surgindo cada vez mais, comouma possibilidade instigante e promissora, como um meio a ser utilizado pelo geógrafo ou peloprofessor de Geografia, no sentido de melhor entender e interpretar a realidade estudada.

Entendendo que não há neutralidade de opiniões, o literato ou o escritor, namedida em que faz parte de um grupo social, certamente sofre influência deste no tocante a formade ver e sentir o mundo. Com isso, a produção de um escritor ou literato traz sempre embutidavalores, idéias, concepções, conceitos, etc., o que consubstancia a chamada “visão de mundo”(do escritor que também é do seu grupo social, na maior parte das vezes).

Relatos calcados na realidade vivida ou em fatos ficcionais criados pelo autor,têm sempre embasamento na própria experiência e visão do mundo do mesmo (que em últimainstância também é do seu grupo social). Há, entretanto, casos em que o autor sofre uma espéciede “cooptação orgânica” e assume integralmente uma “visão de mundo” de outra classe social.

Assim, na Literatura quando ocorre uma composição do entorno, caracterizandoo cenário (seja ele rural, urbano, natural, etc.) e sendo o enredo do texto ficcional ou não, naturalmenteocorre a impregnação de componentes da ideologia do autor, escritor ou literato. Não há neutralidadepossível. As personagens vão expressar sentimentos, idéias, inspirações, juízo de valores,conceituações, etc., embutidos na visão do mundo perpassada. É preciso sempre entender que a“visão do mundo” é uma dimensão política que impulsiona à prática social e, como tal, representauma força histórica real, concreta. Neste sentido, “visão do mundo”, de acordo com GOLDMANN(1979, p.19).

(...) é precisamente esse conjunto de aspirações, de sentimentos ede idéias que reúne os membros de um grupo (mais frequentemente,de uma classe social) e os opõem aos outros grupos.

GEOGRAFIA E LITERATURA: MEIOS DE CONSTRUIRE MODELAR SIMBOLICAMENTE O MUNDO

Maria Dalva de Souza Dezan; Fadel David Antonio Filho (UNESP/IGCE/RC-SP)

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Isso significa que a “visão de mundo” está inserida no que comumentechamamos de ideologia. Dentro desta premissa, o espaço deixa de ser entendido apenas comoobjeto, como se faz na perspectiva naturalista ou, por outro lado, como uma produção material dasociedade, numa visão coisificada, mas passa a ser entendido como parte inerente do processosocial.

Com isso, compreendemos que o conjunto dos discursos que expressam umadeterminada “visão do mundo”, emana concepções, idéias e valores que uma dada sociedade ougrupo social, num determinado momento, concebe acerca do seu meio e tece relações com ele,caracterizando o que denominamos de “pensamento geográfico”.

Nestes termos, de acordo com Moraes (apud Antonio Filho, 1995), o chamado“pensamento geográfico” tem uma abrangência tal que unifica os mais variados discursos, comfundamentação não somente nas diversas “concepções” historicamente ligadas à Geografia, mastambém, nas reflexões originadas de outros saberes, cujo sentido tenha relação com os conteúdosdos temas produzidos pela consciência do espaço. Isso implica, inclusive, numa abertura aoconhecimento tradicional-popular, porque faz parte também do acervo histórico produzidosocialmente no contexto da formação cultural de uma sociedade ou de um grupo social. Estãoassim, presentes em contextos discursivos, os mais diversificados, além dos estritamente ligadosà Geografia, abrangendo desde a pesquisa científica ao texto jornalístico, passando pela Literatura,a ensaísta, o pensamento político, etc.

Quanto à Literatura, nos apoiamos em SEVCENKO (1983, p.233), ao afirmar que:

(...) não é uma ferramenta com que se engendrem idéias ou fanta-sias somente para a instrução ou deleite do público. É um ritualcomplexo que, se devidamente conduzido, tem o poder de construire modelar simbolicamente o mundo, como os demiurgos da lendagrega o faziam.

Neste sentido, o fato da Geografia buscar nos textos literatos fontes deinterpretação e “leitura” sobre determinado espaço social ou natural, significa também, entre outrascoisas, numa “maneira simples e sugestiva” de estudo, proporcionando o lúdico ao que seria oupoderia ser, um texto técnico e muitas vezes desinteressante para o leitor leigo. É um geógrafo,talvez pioneiro no Brasil em abordar o tema, SEGISMUNDO (1949, p.329) que escreve:

É nos livros dos romancistas, que melhor poderemos conhecer certasparticularidades da flora e da fauna, e as características de determinados grupos étnicos.

II – A LITERATURA COMO FONTE DE APRENDIZAGEM GEOGRÁFICA

Existem bons livros e textos literários (aí incluídos, entrevistas, artigos, relatosde viagens, etc.) que podem ser utilizados pelo professor (em especial o de Geografia), no sentidode embasar ou subsidiar idéias e conceitos geográficos. Obras como Os Sertões, de Euclides da

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Cunha, Grandes Sertões Veredas, de João Guimarães Rosa, O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo,O Turista Aprendiz, de Mário de Andrade, Cidades Mortas, de Monteiro Lobato, São Bernardo, deGraciliano Ramos, Mad Maria, de Márcio de Souza, para citar alguns, são exemplos de bons livrosque podem perfeitamente serem usados na aprendizagem da Geografia.

Entretanto, entendemos que o professor deve ter alguns parâmetros para, comsegurança, adentrar neste tipo de ensino, sem cometer o equivoco de expor idéias sem o devidocrivo critico.

Em primeiro lugar, deve o professor entender que nem em ciência nem emliteratura ficcional existe posicionamento de neutralidade. No caso do trabalho científico, nos valemosde CAPRA (1986, p.81-82) que escreve:

Os modelos que os cientistas observam na natureza estão intimamente relacionadoscom os modelos de sua mente com seus conceitos, pensamentos, valores (...). Embora muitas desuas detalhadas pesquisas não dependam explicitamente do seu sistema de valores, o paradigmamaior dentro do qual essas pesquisas são levadas a efeito nunca está isento de valores.

Essas observações são igualmente válidas para os textos literários. Como explicaSICHES (1968, p.666), no contexto da Sociologia da Linguagem que: Toda linguagem leva implícitauma interpretação do mundo e de certo modo contém juízos éticos que exercem sua influênciasobre a vida social.

Entende-se , desta forma, que o texto literário como forma de linguagem, buscasempre interpretar o mundo (mesmo no sentido simbólico, ficcional e subjetivo) e apresenta,explicitado ou não, valores e idéias de grupos sociais, em geral dominantes em sua ideologia.

Em segundo lugar, o professor deve entender que o texto literário, mesmo quandoretratam cenários ou temas pretéritos, trazem embutida a visão do mundo do grupo ou da classesocial ao qual o autor pertence. Sobre o assunto, SEVCENKO (op. cit. P. 20), escreve que:

Afinal, todo escritor possui uma espécie de liberdade condicional de criação, umavez que os seus temas, motivos, valores, normas ou revoltas são fornecidos ou sugeridos pelasociedade e seu tempo – é destes que eles falam.

Isso tudo significa que ao trabalhar um texto literário, o professor deve tersempre em mente que o autor estudado, expressa em sua linguagem, em geral a ideologia dogrupo social dominante e que ele (o autor) é um elemento representativo. Se condicionarmos essaafirmativa é porque há exceções. O chamado “intelectual orgânico” Gramsciano, representa umexemplo de autor que adota, perfeitamente, a visão do mundo de outra classe social.

Com todas essas condicionantes expostas acima, o professor tem a possibilidadede trabalhar um texto de maneira mais rica, na medida em que, com o prévio estudo sobre o autore seu tempo, pode estabelecer as influências sofrida em suas obras e consequentemente em seudiscurso.

A leitura geográfica das fontes literárias, mesmo ficcional, nos fornece inúmerosexemplos, nos quais a idéia da espacialidade e a interação deste parâmetro com os fenômenossociais, econômicos e culturais, conseguem realizar uma síntese perfeita.

Na leitura de Os Sertões, de Euclides da Cunha, por exemplo, encontraremos

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majestosas narrativas de cunho geográfico, em particular nos dois primeiros livros (A Terra e OHomem). A descrição “cinematográfica” dos cenários e dos fenômenos físicos que assolam ossertões nordestinos, de clima semi-árido, até a formação do homem sertanejo, apresenta umaelaboração didática impar. Perpassa a Geografia ao longo do texto, favorecendo uma leitura ricatanto ao docente como ao aluno.

O livro Cidades Mortas, de Monteiro Lobato é outro exemplo, no qual o profes-sor pode explorar. Unindo os aspectos geográficos e históricos, somos contemplados com adescrição fidedigna do Vale Histórico das Cidades Mortas da Região da Serra da Bocaína e outros“causos”. Esse livro possibilita ao aluno, mesmo das séries iniciais do ciclo II do ensino fundamen-tal, uma visão bastante interessante daquele subespaço “deprimido” e de sua rica herança histórica.

Dependendo do interesse do professor e do estímulo dado ao aluno, as obrasliterárias podem servir igualmente para moldar os propalados estudos em conjunto. Neste caso,várias disciplinas escolares e evidentemente vários docentes, proporcionariam ao aluno uma visãomais abrangente de determinado tema.

CONCLUSÕES FINAIS – REFLEXÕES SOBRE O TEMA

A Literatura como fonte de informações geográficas, começa a ser valorizadapelos docentes como um meio eficaz de aprendizagem. Evidentemente, está implicitado que umapesquisa e o conhecimento prévio de conteúdos e autores, ajudam a definir os mais interessantestextos/livros, considerando o público alvo e os objetivos da proposta pedagógica.

Com tudo isso podemos, entender que o texto literário está dentro dasconcepções do chamado “pensamento geográfico”, isto é, um discurso produzido pela consciênciade espacialidade.

Para o professor, o texto literário tem a vantagem de unir o lúdico e a informaçãoembasada em conceitos técnicos. Muitas vezes, o entendimento de um fenômeno é muito melhor“digerido” através de um texto literário do que de um texto científico. Isto é um fato.

Há, entretanto, a necessidade do professor entender que todo discurso literárioou técnico/cientifico, traz embutido, valores e juízos que devem ser trabalhados, sempre em razãodo processo histórico e do espaço geográfico no qual foi concebido.

Desta maneira, acreditamos que a literatura regionalista é a que mais se ajusta,nas pretensões pedagógicas, de utilizar o discurso literário como fonte de informações geográficas.A proximidade com determinada realidade é circunscrita a um determinado espaço, a literaturaregional apresenta características próprias e traduz com mais propriedade, uma experiênciavivenciada por grupos sociais com os quais podemos nos identificar.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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A questão fundamental deste trabalho tem como preocupação traçar um paraleloentre infância e contemporaneidade, pela via do pensamento filosófico. Buscamos desta forma,entender como as noções de infância que se constituíram historicamente na busca de investimentosdas potencialidades para a superação da fase da infância e na idéia de que a contemporaneidadepossibilita um déficit de experiências que impedem este caminho, influenciaram na concepção deinfância da sociedade contemporânea e na dos professores que atuam com Educação Infantil.

Estabelecendo uma ruptura com as representações acerca da infância produzidapelos professores de Educação Infantil, dentro de um movimento circular e dialético, propomospartir destas representações para voltar novamente a elas. Algumas destas representações surgiramde questionamentos reflexivos sobre a infância na disciplina Infância e Cultura no curso deEspecialização em Trabalho Pedagógico em Educação Infantil da Universidade Estadual deLondrina, ministrada no primeiro semestre de 2005, com aproximadamente 40 alunos que atuamprofissionalmente com crianças da Educação Infantil, Séries Iniciais ou em ONGs. As questõesbuscavam estabelecer quais os pontos positivos e negativos da infância na contemporaneidade eas diferenças estabelecidas entre a infância destes professores e a das crianças com que trabalham.

São questionamentos que nos trouxeram relatos como: [...] quando eu era criançatudo era mais tranqüilo que agora, as crianças de hoje são muito influenciados pela mídia e nãoaproveitam a sua infância...; [...] a criança ainda não sabe o que é bom ou ruim, a família e aescola precisam orientá-los...; [...]a família já não tem mais tempo para ficar junto de seus filhos,nem sabe o que acontece com eles durante o dia...;[..] é preciso conhecer bem como se dá odesenvolvimento da criança para prepará-la para o futuro...;[...]as brincadeiras, as fantasias e osbrinquedos já não os mesmos...; [...] tudo vem tão pronto,a única preocupação é com lucro, hojejá não há mais espaço para a criatividade... Pensamentos que trazem junto, a idéia da criançacomo um ser diferente do adulto, de idades profundamente diferentes e a serem respeitadasnestas diferenças. Uma idéia que entre outras, tanto influenciaram o pensamento pedagógico noBrasil e que nos interessa desvendar pelo caminho da reflexão filosófica, no interior do processohistórico em que se desenvolveu.

Na construção do quadro teórico que nos subsidie no caminho das transformaçõesdas noções de infância e o pensar sua relação com a modernidade, seguimos os passos dahistória da narrativa que se foi construindo sobre as noções de infância e a própria construção dosujeito, que embora se evidencie somente no pensamento moderno, estão presente desde Platão,atravessando a pedagogia cristã de Sto Agostinho, chegando até nós pelos meios cartesianos,onde a infância se apresenta como um mal necessário ou uma condição próxima, ao estadoanimalesco e primitivo, que deve ser domada, vigiada, corrigida e controlada, pois a “criança é de

INFÂNCIA E MODERNIDADE: IMPLICAÇÕESPARA A FORMAÇÀO DE EDUCADORES

SILVA, Anilde Tombolato Tavares da (UEL); PAGNI, Pedro Ângelo (UNESP/Marília)

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todos os animais o mais intratável”, como nos diz Platão na República ou ainda como Sto Agostinho,nas Confissões “o testemunho vergonhoso do pecado que nos marca.”

Neste caminho, atravessamos o renascimento com Montaigne até o romantismode Rousseau, onde a narrativa histórica nos mostra que as crianças não devem ser depósitos deensinamentos, normas e conteúdos, mas a via da educação deve preparar as almas das criançaspara que nelas possa crescer e se desenvolver a inteligência de cada um, dentro do respeito aoritmo e interesse particular.

Nosso caminhar segue até a infância na modernidade, na formação da criança nomundo adultizado e por desafios postos pela racionalidade humana. A reflexão filosóficacontemporânea abre neste ponto, um campo de análise, quando busca elaborar uma experiênciacom a in-fância, com a crítica sobre a modernidade e o empobrecimento da experiência preconizadapor Walter Benjamin e de seus seguidores como Jean-Marie Gagnebin, Giorgio Agambem e de J-F Lyotard; assim como Theodor W. Adorno, entre outros para uma análise da relação existenteentre as transformações técnicas da sociedade e suas modificações da percepção estética. Autoresque nos dão subsídios para uma discussão crítica sobre as conseqüências do capitalismo na vidado homem contemporâneo.

Refletindo sobre as falas dos professores, podemos perceber a idéia, ainda estámuito presente na prática educativa dos professores envolvidos com a formação da criança, ondeesta se apresenta como um construto cultural, uma imagem gratificante que os adultos necessitampara sustentar suas próprias identidades. E neste processo, a cultura midiática como a TV, Internet,jogos eletrônicos, entre outros meios de comunicação são acusados de não permitir espaço paraa experiência da infância como se fosse um movimento de silenciar a própria infância e interferir apassagem para a fase adulta.

Theodor Adorno (1985), dentro desta linha de pensamento, detecta a subsunção daprodução da cultura a uma dinâmica de produção eminentemente capitalista, através da formulaçãodo conceito de indústria cultural. Este conceito, muitas vezes tão mal compreendido em seucerne, denuncia a preponderância da lógica da mercadoria (indústria) e a conseqüente subordinaçãoà lógica cultural, configurando assim, uma produção capitalista de bens simbólicos.

Volta sua preocupação à mídia, mais precisamente à televisão, onde ressalta suafunção formativa ou deformativa em relação à consciência das pessoas. Enquanto na sua funçãoformativa, a televisão permite “pensar problematicamente conceitos”, possibilitando adquirir umjuízo independente e autônomo a seu respeito, sua função deformativa ressalta seu poder ideológico.Compreende a mídia como ideologia, como “tentativa de incutir nas pessoas uma falsa consciênciae um ocultamento da realidade, além de, como se costuma dizer tão bem procura impor àspessoas um conjunto de valores como se fossem dogmaticamente positivos.” (ADORNO, 2003,p.80).

O caráter ideológico formal da televisão, segundo Adorno (2003), desenvolve umvício televisivo:

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“[...] a televisão, como também outros veículos de comunicação demassa, converte-se pela sua simples existência no único conteúdoda consciência, desviando as pessoas por meio da fartura de suaoferta daquilo que deveria se constituir propriamente como seu objetoe sua prioridade. (p. 80)

As concepções de infância presentes na sociedade capitalista, principalmente quandonos referimos à dos grandes centros urbanos, passa a idéia de consumo desenfreado, econsequentemente da falta de espaço para o desenvolvimento da verdadeira “experiência”, comoà proclamada por Benjamin, pelo acúmulo de situações passadas superficialmente ou mesmopela contribuição à semiformação proclamada por Adorno. É neste processo que a cultura midiáticacomo a TV, o acesso à internet entre outros meios de comunicação de massa é acusada de nãopermitir espaço para a experiência da infância. Como se fosse uma doença crônica contemporânea,que traz um acúmulo de informações, mas sem permitir que se efetivem como experiências, masapenas vivências superficiais, impedindo o desenvolvimento da criatividade, da aprendizagem, domundo criado pelo adulto; como se houvesse um movimento para silenciar a própria experiênciada infância em prol do desenvolvimento do capital.

Esta percepção, presente entre nós professores, por muito tempo, enlaçada pelaidéia de educação que se apresentou aparentemente suficiente e conclusiva, onde o espaço dainfância deveria ser uma fase a ser abandonada, a ser superada, nos fez buscar compreendermelhor o espaço da infância em nossa tradição educacional.

J-F Lyotard (1992: 420), o faz pela referência às figuras do manceps - aquele quetoma algo em suas mãos, o que se apropria ou possui algo ou alguém e do mancipium - o que nãopertence a si mesmo, mas a um outro; ou seja, a criança é percebida nos termos de um mancipium,que precisa ser levado pela mão e assim, a infância é associada à imaturidade, ao despreparo, aum momento que deve ser preparado para a emancipação, ser dono de si mesmo, a superação,chegar à vida adulta. E nos discursos pedagógicos, a nossa prática foi se traduzindo como umaprática “centrada na criança”, da relação do manceps sobre o mancipium, onde este escolheguiar-se pelo outro, buscando caminhos para a superação e abandono da fase da infância.

Este constructo contribuiu na formação pedagógica da maioria dos professores deEducação Infantil e de Séries Iniciais, sendo preparados para que neste processo, todas as criançasfossem vistas como iguais, e se não fossem, deveriam trabalhar para que se tornassem iguais.Poderiam ter variações nas idades, no desenvolvimento, no domínio das habilidades, mas que, nofundo deveriam participar do grande projeto da espécie humana; como já enunciado por Kant(1996), todas seriam essencialmente capazes de atingir o ápice das possibilidades previstas: “opleno desenvolvimento das potencialidades humanas”( pg 19).

Nesta forma de pensar a educação, seu objetivo passou a ser, o de “estimular aspotencialidades da criança”; como se as crianças estivessem lá à espera de serem desabrochadase o sucesso dependesse das medidas bem conduzidas, dosadas e direcionadas para promovereste desabrochamento. No entanto, as desigualdades impostas pela própria realidade mostraramque isto era insuficiente, pois havia uma estranha distribuição destas “potencialidades” que era tãosimétrico às distribuições das posições de vantagem dentro da sociedade.

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Um novo conjunto de idéias que a própria realidade se incumbiu de impor, buscounovos rumos e se colocou como um desafio para a educação das crianças. Não se trata mais sóda busca de investimentos nas potencialidades para a superação da fase da infância, mas tambémde entender o déficit de “experiências” que impedem este caminho e que provém da carência deordem econômica, social, cultural e da influência das novas tecnologias e principalmente daimpossibilidade de nossas crianças contar sua própria história, que de certa forma, foi instaurandouma idéia de “interdição da infância” com o empobrecimento da experiência.

Para entender este “déficit” de experiências, recorremos a Walter Benjamim (2002)que tece suas críticas à negação da infância como a própria negação da experiência. A sua críticapermeia a modernidade e o risco que ela traz junto, que reside na ausência de espaço para aexperiência e de se perder a capacidade de narrar, de contar a sua própria história.

No seu texto Experiência e Pobreza, Benjamin (1986) afirma que a “cotação daexperiência” está em baixa, assim como o prenúncio do esfacelamento da narrativa como resultadodo desenvolvimento tecnológico. Um fim consagrado, segundo ele, pela Primeira Guerra: “Já nãose podia constatar, naquela época, que as pessoas voltavam mudas do campo de batalha? Nãovoltavam enriquecidas, senão mais pobres em experiência comunicável.” (pg.195). Na críticadeste autor, se a humanidade já não consegue expressar pelas palavras, nem compartilhar históriasé porque está presente a sujeição do indivíduo às forças impessoais e todo poderosas da técnica,da rapidez tão radical que traz consigo uma transformação que o homem já não consegue maisnarrar às mudanças. E que numa análise apocalíptica traz sua sentença: “Uma miséria totalmentenova se abateu sobre o homem com este desenvolvimento monstruoso da técnica.”(pg.195)

É esta experiência, inscrita na temporalidade, comum a várias gerações que Ben-jamin denuncia não existir mais na modernidade. E ao se referir à infância, diz que a experiênciase tornou uma máscara “inexpressiva, impenetrável, sempre igual” (p. 21) a do adulto. Máscaraque aparece encobrindo uma submissão fatalista e de consenso entre os adultos em frases muitopresente entre nossos professores e porque não dizer entre os adultos nos dias atuais como: ascoisas são assim mesmo, sempre foi assim e assim será. A experiência passa a ser uma simulaçãode uma vida não vivida, de sonhos não realizados, nem sequer tentados, a arma do próprio adultoque combate a própria infância; ou seja, a experiência daquilo que poderia ser diferente. ParaBenjamin, é possível desvelar esta máscara, acreditando que cada uma de nossas experiênciasdeve possuir efetivamente conteúdo; um conteúdo que nós mesmos conferimos a partir de nossoespírito.

Para Giorgio Agambem (2005), um dos maiores estudiosos de Benjamim, “Tododiscurso sobre experiência deve partir atualmente da constatação de que ela não é mais algo queainda nos seja dado a fazer. Pois, assim como foi privado da sua biografia o homem contemporâneofoi expropriado de sua experiência.”(pg 21) Talvez, buscando denunciar, como o próprio Benjamimque se o homem perde a capacidade de falar, de contar a sua história, também não tem infânciajá que no humano, a infância é a condição da sua história, é o próprio sentido e ambiente da

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experiência.Para este autor, a infância deixa de estar associada à criança, ao ser humano imaturo,

inferior, frágil e passa a ser condição de rupturas, experiências e transformação de qualquer serhumano independente da idade. Diz ainda Agambem (2005: pg.65)

Por isso a história não pode ser o progresso contínuo da humanidade falante aolongo do tempo linear, mas é, na sua essência, intervalo, descontinuidade, epoché. Aquilo quetem na infância a sua pátria originária, rumo à infância e através da infância, deve manter-se emviagem.

Através destas palavras damos uma conclusão temporária, já que não se podemarcar um fim para este percurso sobre a infância, retornando as concepções percebidas entre osprofessores citados no início do texto e que se apresentam ainda marcadas pela condição doinfante – aquele que não tem voz, mas que serve para acolher os sonhos não realizados dosadultos. O desafio para os professores que atuam com a Educação Infantil é superar as concepçõesainda arraigadas na nossa prática e que a idéia de infância deixe de ser a que se refere a ummomento limitado, uma etapa cronológica e passe a ser uma condição da existência humana,onde cada vez seja sempre a primeira, para perceber que não há ser humano inteiramente adulto.O grande desafio é se permitir, adultos e crianças a viver a infância como novidade, experiência dadescontinuidade. O universo da infância não é “nem domínio do pecado nem jardim do paraíso, ainfância habita muito mais, como seu limite interior e fundante, nossa linguagem e nossa razãohumanas.”(GAGNEBIN, 1996, pg.99). A interdição da infância, o empobrecimento da experiênciae sua relação com o conceito resultante sobre infância na contemporaneidade; seja pela influênciada mídia ou não estão relacionados ao próprio conceito de homem como sujeito da história e dacultura. Portanto, não se trata mais só da limitada capacidade de narrar, mas daquilo que osadultos já não querem mais ouvir, pois a criança dentro de seu campo de percepção vê aquilo queo adulto já não vê mais.

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Lugares comuns. Idéias consagradas. Problemáticas crônicas, talvez insolúveis.Discussões recorrentes. Poderíamos aplicar tudo isto ao tema “formação dos educadores”. Estaquestão permanece na ordem do dia segundo o olhar acadêmico à questão. A recorrência forneceindicadores que tal tema pertence ao rol daquilo que deve ser tratado de forma mais detida.

É só abrir os jornais ou acompanhar o noticiário da TV1, além das próprias publicaçõesdo meio educacional. Com muita freqüência, num volume que salta aos olhos, fatos entre sidiversos, ligados à educação são informados e analisados por experts e por outras pessoas que sedeclaram defensores do direito e da cidadania e preocupados com a formação dos educadores.

A mídia, neste caso, nos fornece um dos índices: o poder de mobilização que estaquestão possui. Educação é notícia! Mais do que isto. A educação se constituiu em umaproblemática que afeta os dias que correm e é tratada como um problema crônico.

Certa urgência em apresentar respostas ao problema da formação de professores éum dado flagrante também indicado em mídias especializadas assumido como parte da crise doensino. Traço que marca esta produção é a necessidade apresentada pelas pesquisas na área emestabelecer questões, projetos, políticas, enfim, respostas para aquilo que convencionou-se chamarde “crise do ensino”2.

No centro da discussão está o professor. Há uma pluralidade de discursos quecercam esta figura, dada a instância na qual circula, muito próxima do espaço de relações na teiadas quais o conhecimento é produzido, principalmente quando se trata da produção no interior daescola, no/do espaço da docência. Discursos acerca do professor e da formação de professoresacontecem em sentidos que formam um campo diversificado, no qual convivem planos distintos.Percebemos discussões por vezes insólitas. Outras vezes, ordenadas, controladas eesperançosamente propositivas. E em alguns momentos, discussões acontecem a partir do lugardo não-compreensível3 - como tudo o que nos dá o que pensar.

Formação de professores não é um tema simples. Isto nos levou a tentar organizareste texto como um registro do problema que apenas começa a se colocar para nós. A partir daquinão entendemos mais o problema como sinônimo de questões ou de perguntas, mas problemacomo aquilo que ataca o pensamento4. O caráter ontológico da questão impõe que continuemos anos perguntar acerca de como a formação de professores se constitui como problema. Mas emum sentido diferente daquele da busca por respostas já estabelecidas que poderiam ser adaptadaspara as circunstâncias requeridas para as questões levantadas. Nesse sentido, é necessário manterformação dos professores como um problema: tenso. O que pretendemos é justamente romper

NOTAS SOBRE O PROBLEMA DAFORMAÇÃO DE PROFESSORES

GELAMO, Rodrigo Pelloso; LIMA, Márcia Machado de (UNESP- MARÍLIA)

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com a análise que tem o paradigma da universalidade e da cientificidade que trilha caminhosinsólitos na busca de uma padronização do ensino.

Então, o que temos encontrado no plano instituído da discussão no campoeducacional acerca da formação de professores? Há posições que circulam e, de alguma maneira,disputam. Algumas se tornaram majoritárias5.

Há os técnicos, para os quais a “crise do ensino” reflete a falta generalizada decapacitação por parte dos educadores quanto ao manuseio dos instrumentos pedagógicos queotimizariam o tempo e a produção na busca de respostas e resultados.6 O saber técnico científicoconstituiria-se, então, no aval à valoração como boa à acumulação de conhecimentos bemclassificados, constituindo a “bagagem” profissional. A consolidação de tal “bagagem” garantiria,portanto, a quem a detém, todas as condições técnicas de responder às situações adversas que ocampo profissional colocaria ao professor cotidianamente. Tal capacitação implica ainda as idéias,em última instância, de universalidade, objetividade e aquisição definitiva na relação com oconhecimento.

Para os críticos, por sua vez, caberia aos educadores a tarefa de viabilizarconcretamente os projetos, os processos e as políticas que têm como fim assegurar que a escolacumpra seu papel social e sua missão: ensinar e ensinar bem. Seguramente, deste modo, estariapromovendo a concretização das expectativas acerca da sociedade justa, cidadã, o objetivo, estesim, legítimo.

Tanto na perspectiva dos técnicos quanto na dos críticos, é recorrente a produçãoacadêmica sobre formação de professores. A pretensão maior é de que o terreno possa ser remexido,a terra possa ser revolvida, que a discussão possa ser retomada. Pretendem ensinar para umafinalidade, para um objeto fim. Para isso criam métodos para alcançar este objetivo.

O problema da finalidade da educação aparece em ambos os casos. Ambos têmcomo paradigma o ideal de Educação como meio para se alcançar a perfeição. Tanto em um casoquanto noutro, o ensinar é sempre um caminho universal e necessário. Este ponto os une nomesmo paradigma de racionalidade.

A formação de educadores entendida a partir da cultura e ao nível da prática impõeum caminho universal e necessário. A necessidade determina os padrões de comportamento e demoralidade aos educadores, restringindo seu fazer educacional a uma reprodução de práticas e demétodos entendidos como os melhores meios de transmissão de conhecimento.

No âmbito da filosofia moral, o costume é o formador do senso e da consciência dosujeito instituindo um compromisso moral dele para com determinadas atitudes em relação aoBem, e não outras, as quais fazem parte de suas crenças e que o impelem no caminho consideradoacertado. Esta é uma discussão que afeta diretamente o educador em todas as suas instâncias -profissional, familiar, política, ou seja, em todos os contextos em que está inserido cotidianamente.Isto especialmente porque o universo da produção do conhecimento que o envolve, mesmo sendomúltiplo, nele está implicado um movimento ideológico7, de fechamento, que impõe parâmetrospara a validação, independente da forma e do grau de sua consciência, de seu senso moral,quanto ao que está implicado. Recorrendo à unidade representacional: a moral.

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Esta dimensão sub-reptícia envolve mais que a dimensão formal da formação,demarca fronteiras dentre as quais a sua discussão acontece. Se isso nos bastasse, ainda estaríamoscrendo em uma Verdade moral. Sentimentos, condutas, ações formam um tecido intrincado apartir da produção de subjetividade nas instâncias das quais participam. Acredita-se que aparticipação social, entendida como a formação, apesar e porque se trata de trajetória vivida,forma-os como a quaisquer outros agentes, segundo o ethos – o costume. É importante justificarque ao dizer ethos estamos nos referindo aqui ao conjunto de costumes tradicionais de umasociedade, que devem ser coletivizados, assumidos por todos e considerados valores e obrigaçõespara a conduta de todos. Em outras palavras, cada um apreende o ethos visto como costume, quepor ser anterior ao aparecimento do agente e por formar o que distingue a sociedade na qual vive,deve ser incorporado em bloco pelo senso moral de cada indivíduo e defendidos com consciênciacrítica8.

Esta reflexão sobre o conceito de costume acaba dando visibilidade para um pontocomum, qual seja, a busca da Verdade que permeia o campo educacional. Parte dessa tarefacabe à instituição escolar e está colocada para os educadores, podendo ser constatada nosdocumentos de planejamento de ensino e projetos político-pedagógicos. Tanto para os grupos deeducadores críticos como para os grupos de educadores técnicos –guardadas as devidas diferençasde posicionamento -, a formação do sujeito ético, de caráter, consciente, que não se submete aosacasos da vontade e aos desejos de um outro, mas obedece apenas à sua consciência comautonomia e à sua vontade racional porque reconhece o Bem e as Virtudes são objetivos a seremalcançados. Voltamos a dizer, estamos entretecidos nestes lugares, na trama do campo no qualestas relações se dão e nos envolvem.

Esta concepção, como um marco da modernidade, mostra que o Homem tentaescapar à sua condição de parte integrante da Natureza, construindo racionalmente ascendênciae descendência fora dela, tornando-a um reino independente da cultura. A preocupação a partirdeste marco é definir em que momento e quais são as maneiras pelas quais se faz o mundocultural – instituído como genuinamente humano – surgir. Esta perspectiva, clássica, indica osurgimento da lei, humana, que não pode ser transgredida, não ao menos a um preço menor quea ruína da comunidade e do indivíduo. Esta lei funciona como um imperativo social que organizaa vida, determinando a constituição do costume e dos meios de transmissão.

A lei do dever ser é a afirmação da separação do humano de seu aspecto natural, aafirmação de que é capaz de criar uma ordem de existência simbólica, ou seja, de significações aserem atribuídas à realidade e que mediarão a relação do Homem com o mundo. Dito de outraforma, o homem cria a formulação de representações da realidade.

Este é o paradigma clássico de cultura, que tem como orientação primordial que oespírito humano e a sociedade humana, por serem singulares na natureza, devem encontrar suaauto-compreensão, sua inteligibilidade, prioritariamente na antítese a um universo biológico semespírito e sem sociedade. A definição clássica de Homem é dada, portanto, em oposição aoanimal; a da cultura por oposição à Natureza; aquela da racionalidade humana organizada em

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oposição aos mecanismos considerados instintivos naturais. Este pensamento mantém-seencerrando o Homem em uma concepção insular, dicotômica.

A tarefa, portanto, é colocada no sentido da dominação, da sujeição, da conquista,da afirmação construída9 da superioridade do sapiens. Tal proposição faz com que o Homemsubjulgue seu semelhante na luta pelo poder, pela posição legítima e valorizada no grupo, herdada,como característica inerente à prática.

Os séculos de educação institucionalizada10 construíram a tendência clássica queespera do homem que esteja pronto quando adentra aos portões escolares. A este homem pronto,já formado em sua essência, a escola transmitiria o conhecimento também clássico, parte dopatrimônio cultural universal, próprio do humano. Essa concepção tornou-se, ao longo do processohistórico de constituição da educação, crença arraigada, naturalizada sobre a qual é perda detempo pensar. Tal crença permeia o discurso não só dos grupos de educadores tradicionais quedefendem o cultivo do espírito como fundamento da educação, mas também é possível perceberesta marca no discurso dos grupos de educadores que, constituindo-se em um certo sensocaracterizador, tem como fundamento da educação a formação do cidadão.

O que fizemos até aqui. Tratamos em um primeiro momento o que concerne aomodo como vem sendo tratada a formação de professores como aspecto fortemente relacionadoao problema da crise na escola - questão ao nosso ver, definidora da pesquisa acadêmica e daação da escola.

Em um segundo momento, problematizamos o uso de conceitos no discursoeducacional. Talvez seja importante acrescentar ao dito anteriormente que as produçõesespecializadas do campo educacional, fazem circular diferentes acepcias de formação: capacitação,reciclagem, treinamento, profissionalização docente. Muito do que circula, contudo, não mostra apreocupação com o lugar de onde se está falando, qual o conceito de formação que está sendoutilizado. Fazendo com que o conceito se torne esvaziado.

Em um terceiro momento as relações destes elementos inerentes à prática educadoracom a constituição e validação de costume que imprime uma certa crença arraigada quanto aohomem pronto no universo da prática educacional, seja quando o objetivo é a formação do cidadão,seja quando é o cultivo do espírito, que tem como característica fundamental a dualidade entre oHomem e suas relações, sejam elas quais forem.

Estes são os aspectos com os quais nos encontramos quando pensamos a formaçãode professores. Tentaremos trabalhar a partir de uma posição diferente daquela referida comumenteà constituição de sujeitos educadores como um princípio universalmente aceito11. Quando focadonas relações e no próprio movimento do processo no campo de produção, buscando a proximidadecom os agentes, o olhar se dá conta de inúmeros nuances, pontos de visão, posicionamentos,sentidos comuns, fluxos insistentes e descontínuos que, mesmo parte do que nos constitui, lugaronde nos movimentamos, não se dão em aparência. Servem também como motivadores eproduzindo a reprodução das práticas educacionais cristalizadas em modelos de ensino e de

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pensamento.Dado o grau da contribuição da instituição escolar para a legitimação e naturalização

das relações que instituem a dominação, é na mesma medida importante, talvez crucial, manter oquestionamento acerca da formação do educador como problema.

Acreditamos ser pertinente criticar a base conceitual que move a sociedade paracrer nestes mitos de estratificação por ela criados e tradicional e sub-repticiamente herdados.Acreditamos que uma intenção profícua seja problematizar o mito que propõe uma Verdade parao Bem e para o Mal na ação social, seja dos grupos conservadores (uma face da moeda) seja dosgrupos ditos de esquerda (outra face da moeda). Isto se mostra pertinente, visto que, estamosproblematizando o método de análise que tem em seu fundamento verdades pré-estabelecidas,verdades transcendentais, que serviriam como um a priori que determinaria o conhecimento- ou oque é legítimo conhecer -, ou seja, para analisar e posicionar-se segundo parâmetros de ordem oucontrole marcados pelas idéias sociais dominantes.

O professor é figura fundamental nesta discussão, que permeia todo o movimentode sua formação. Isto porque agencia para si a relação mais próxima de singularidades que tem opoder de ou perpetuar o costume, governando o outro em sua relação com o aluno, ou na mesmamedida e pelo mesmo motivo, aproveitando as brechas, tornar-se elemento fundamental para acolocação do costume em xeque.

Olhar além do aparente. Talvez esta intenção, a insistência neste ponto possaproblematizar o fechamento da discussão sobre formação de professores. Entrar na lógica dosentido e não da formalidade ao qual os discursos majoritários são desenvolvidos e funcionampara produzir o conceito tradicional de sistema educacional como único caminho de formação.Lógica fluida e imanente, encarregada de dar sustentação à transmissão da cultura legítima comoherança. Para isso, temos que colocar o problema na ordem do acontecimento. Não nos restringindoà ordem do dever ser reificado na estrutura de uma teleologia educacional. Entrar na espessura darealidade.

Neste sentido, acreditamos que o paradigma tradicional da racionalidade que fundao modo dominante de pensar formação de professores, legitimou um modo de entender que o queé digno de ser pesquisado são as questões historicamente colocadas. Ao lado disso, e fortemente,os métodos de pesquisa para o entendimento destas questões também devem ser os da Ciência,Filosofia, História etc, já consagrados e que sua utilização esteja na moda como meio deentendimento da realidade. Neste caso, a formação de professores.

Este mecanismo determina, em contrapartida, que coisas que poderiam desencadearoutras também muito produtivas de se dizer, fazer e pesquisar não sejam ditas, feitas e pesquisadase com que temas não menos dignos de interesse não afetem à maioria das pessoas, somentepodendo ser tratados de modo que fique bem claro que fazem parte de um escalão de coisasmenos valorizado, por estar fora das “verdadeiras preocupações contemporâneas”. No entanto,estes discursos menos poderosos circulam ao lado dos outros.

O modo como vem sendo tratada esta questão/problema, de qualquer forma, apontapara a necessidade do trato cuidadoso. A partir da produção dos especialistas, técnicos ou críticos,

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não se tem chegado a soluções práticas de cunho definitivo. Apesar de todo o movimento docampo educacional, permanece a “crise do ensino” como um quadro cristalizado. Formação deprofessores é, sem dúvida, um dos temas mais debatidos - e este ponto nos salta aos olhos. Arecorrência continua, mas a redundância não faz avançar. Talvez possamos agregar a este quadrooutro elemento: a ausência do espanto12. Tornou-se lugar comum, por exemplo, ouvir comtranqüilidade que a escola pública é de péssima qualidade e isto ser tomado como verdadeiro,legítimo e natural.

Concordamos que o debate deva ser feito. Mas talvez uma pergunta deva ser feitaaqui: como? Parece-nos que as questões são repetidas e repetidas e repetidas ... É como se seacreditasse em uma definição dominante das coisas boas de se dizer e de temas que mereçamser alvo de interesse, enquanto outros não o são. Talvez estejamos apenas sendo recorrentes empseudo-problemas13. Os problemas não são produzidos. Não são inventados.

Estamos todos enterrados nestes lugares comuns. Tais relações estão entranhadasem nós professores e, muitas vezes, pesquisadores, entretecidos que estamos na trama do própriocampo, na realidade educacional.

A pesquisa educacional tem produzido em grande volume a discussão sobre aformação dos professores. O tratamento dado ao conceito o coloca à beira do desgaste pelo usoexcessivo e vulgarizado. Muitas vezes passa a fazer parte de discursos prontos, em cujos textos atensão produtiva se perdeu, dando lugar à reiteração. Exatamente por esse motivo, para nós,ainda se faz necessário mantê-lo como problema. No entanto, estamos tentando constituir umplano em um sentido que não o enrijeça, o cristalize e o torne, de novo, parte de mais um textopronto. Que, assim, permita a insistência: como manter a formação de professores um problema?

Não queremos simplesmente tecer questões e, quem sabe, nos surpreender comrespostas, mantendo-nos apenas na recorrência sobre temas e métodos. Queremos problematizaras relações referentes a uma instância fundamental, micropolítica, lugar no qual se produz oproblema da “formação de educadores”. Fazer uma ontologia do presente ao modo nietzscheano14.Isso é o que chamamos de insistência.

Entendemos que o tema não se submete, assim, a uma objetivação de umacompreensão por um sujeito do conhecimento, ou mesmo a um estudo analítico da verdade a seurespeito. Mas numa busca de estilo nietzschiana de uma genealogia da produção de formadores.

REFERÊNCIAS

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DELEUZE, G. GUATTARI, F. O Que é a Filosofia? Rio de Janeiro: 34, 1992. 288p.

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KOHAN, W.O. Infância: entre a educação e a filosofia. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. 283p.

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LARROSA, J. La Experiencia y sus lenguajes. Conferência proferida no Seminário “La FormaciónDocente entre el siglo XIX el siglo XXI”. acessado em: 1710/2004.

LINS, D. et al. Cultura e subjetividade: saberes nômades. Campinas: Papirus. 1997. p. 115.

NIETZSCHE, F. Obras Incompletas. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 416p. (Col. Pensadores).

VEIGA-NETO, A. Foucault e a educação. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. 191p.

NOTA

1 Em novembro de 2004 o Fantástico (revista dominical da TV Globo) mostrou uma reportagem feita a partir de dados apresentados peloINEP quanto às habilidades de leitura dos alunos ao final da quarta série, indicando o baixo índice da capacidade na leitura, compreensãoe interpretação de texto escritos. Não obstante, o olhar da mídia procurou ressaltar o que era de seu para que o tema virasse notícia.Desse modo, indicaram que o problema da educação poderia estar na escola e, principalmente, na formação dos educadores responsáveisdiretos pelo processo.2 Esta crise nos move na busca incessante de encontrar a resposta ao problema da crise do ensino. “Esse preconceito é social (pois asociedade, e a linguagem que dela transmite as palavras de ordem, “dão” -nos problemas totalmente feitos, como que saídos de “cartõesadministrativos da cidade”, e nos obrigam a “resolvê-los”, deixando-nos uma delgada margem de liberdade). Mais ainda, o preconceito équase infantil e escolar, pois o professor é quem “dá” os problemas, cabendo aos alunos a tarefa de descobrir-lhes a solução. Dessemodo, somos mantidos numa espécie de escravidão.” (Deleuze, 1999. p.09)3 Acerca da produtividade do lugar do não-compreensível, dizem Larrosa & Skliar (2001). A nossa questão não é a nostalgia nem aesperança, mas a perplexidade. E é o Presente o que nos é dado como incompreensível e, ao mesmo tempo, como aquilo que nos dá oque pensar. Por isso, ao nosso tempo, [...] um tom épico, de luta e de entusiasmo, no qual caberia a conquista do que seremos e,entretanto, não conseguimos ser; nem tampouco um tom clássico, de ordem e estabilidade, no qual caberia o repouso satisfeito do quesomos. O nosso não é o lamento nem a serenidade, mas o desconcerto. Por isso o nosso é, melhor dizendo um tom caótico no qual oincompreensível do que somos se nos mostra disperso e confuso, desordenado, desafinado, em um murmúrio desconcertado edesconcertante, feito de dissonâncias, de fragmentos, de descontinuidades, de silêncios, de casualidades, de ruídos.” (p.08).4 Essa atitude está fundamentada na proposta deleuziana que afirma que “A verdadeira liberdade está em um poder de decisão, deconstituição dos próprios problemas: esse poder, “semidivino”, implica tanto no esvaziamento de falsos problemas quanto no surgimentocriador de verdadeiros” (Deleuze,1999, p.09).5 Para Foucault, “ (...) o discurso está na ordem das leis; que há muito tempo se cuida de sua aparição; que lhe foi preparado um lugar queo honra mas o desarma; e que, se lhe ocorre ter algum poder, é de nós, que ele lhe advém”. E pergunta “ o que há, enfim, de tão perigosono fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem indefinidamente? Onde, afinal, está o perigo?” para, então, enunciar a suahipótese: “suponho que em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo, controlada, selecionada, organizada e redistribuída porcerto número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar suapesada e temível materialidade” (Foucault,1996,p.7-9)6 “Atualmente, o conhecimento é essencialmente a ciência e a tecnologia, algo essencialmente infinito, que só pode crescer; algo universale objetivo, de alguma forma impessoal; algo que está aí, fora de nós, como algo do qual podemos nos apropriar e utilizar; e algo que tema ver fundamentalmente com o útil no seu sentido mais estreitamente pragmático, com a fabricação de instrumentos.” (LARROSA, 2002,p.140). Além disso, tal sentido da capacitação, segundo o autor, dirige-se à busca por um saber eficaz que produza resultados imediatos.Larrosa se refere aos: “(...) los que se situán en el campo educativo desde la legitimidad de la ciência, los que usan esse vocabulário de laeficácia, la evaluación, la calidad, los objetivos, los didactas, los psicopedagogos, los tecnólogos, los que construyen su legitimidad a partirde su cualidad de expertos, los que saben, los que se situán en posiciones de poder a través de posiciones de saber (...).” (Larrosa,mimeo).7 Gallo (2004) afirma que “A função ideológica da escola não é, porém, necessariamente inerente a ela; percebemos que na história socialda dominação do homem sobre o homem, a escola tem servido de suporte, como um dos aparelhos ideológicos (...)”.8 Em O Existencialismo é um Humanismo, Sartre explica que existem três modos instâncias que afastam o homem de sua consciêncialivre. Uma delas é a moral. A crença na existência da moral determina o processo de escolha do homem. A crença na existência damoralidade cria no homem a má consciência, nas palavras de Sartre, a má-fé. Gallo (2004), trazendo a proposta sartreana à discussãoafirma que “É nesse momento que ganha a cena o fenômeno da má-fé. O indivíduo lança-se ao teatro, à representação de papeis na buscade sua identidade, de seu reconhecimento e de sua apresentação ao mundo como um isso e não como um nada. A má-fé é a forma depreencher o vazio de ser da subjetividade. Como será minha ação na sociedade, como agirei sob o olhar inquiridor do outro?” Nessesentido, “(...) a função da ideologia da escola não é apenas e tão somente a de mascarar ou mesmo justificar a realidade social dadominação. Muito mais do que isso, a função ideológica da escola é a de fornecer um referencial externo para o desenvolvimento dasestruturas subjetivas de cada indivíduo, cooptando-o para o reino da máquina de produção social.” (Gallo, 2004)

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9 Kohan (2003) comentando Foucault afirma que “O poder é algo diferente da dominação embora existam entre eles algumas semelhanças(igual ao poder, a dominação é algo que se exerce, e também não existe em singular: na sociedade capitalista não há uma dominaçãoglobal, mas múltiplas dominações), a uma diferença profunda em termos de liberdade. A dominação se exerce num Estado onde asrelações de poder estão fixas, assimétricas, e onde não há mais do que um limitadíssima liberdade. O poder se exerce para determinar aconduta de outro, mas nunca de forma exaustiva ou coercitiva.” (p.89).10 O historiador Philippe Aries (1981) afirma que a escola se institucionaliza a partir do século XV, até então era entendida apenas como umasilo para crianças pobres e abandonadas. Segundo Kohan (2003), é nessa escola que “(...)os indivíduos não fazem qualquer coisa, emqualquer momento, em qualquer lugar. Os espaços são cuidadosamente delimitados, o tempo é marcado por um cronograma preciso,regular e regulado, os aprendizados são organizados em etapas, de forma tal a exercitar em cada período um tipo de habilidade específica.Um conjunto de formas reguladas de comunicação (lições, questionários, ordens, exortações, sinais codificados de obediência) e umconjunto de práticas de poder (clausuramento, vigilância, recompensas e punição, hierarquia piramidal, exame) conformam o campo doque é possível perceber, dizer, julgar pensar e fazer na instituição escolar” (p.79).11 Veiga-Neto (2004) “Noções como o “eu pensante” de Descartes, a “mônada” de Leibniz, o “sujeito do conhecimento” de Kant foramfundamentais para que se firmasse a idéia de que o sujeito é uma entidade já dada, uma propriedade da condição humana e, por isso,desde sempre aí, presente no mundo.A própria noção moderna que o sujeito é a matéria-prima a ser trabalhada pela Educação - seja paralevá-lo de um estado selvagem para o estado civilizado (como pensou Rousseau), seja para levá-lo da menoridade para a maioridade(como pensaram Kant Hegel e Marx) - partiu do entendimento de que o sujeito é uma entidade natural e, assim, pré-existente ao mundosocial, político, cultural e econômico.” (p.132)12 Por isso nos manteremos no lugar do não-compreensível. Isto porque ‘[...] O que se quer, ao compreender, é converter[...] o estranhoem familiar [...]. Aquilo que ele compreende o faz melhor: mais culto, mais sensível, mais inteligente, mais rico, mais cheio, maior, maisalto, mais maduro. Talvez por isso, ele compreende tudo a partir de sua riqueza, a partir de sua plenitude, a partir de sua grandeza, a partirde sua altura, a partir de sua maturidade. Por isso, o sujeito da compreensão é o tradutor etnocêntrico: não o que nega a diferença, masaquele que se apropria da diferença traduzindo-a à sua própria linguagem. (LARROSA & SKLIAR, 2001, p. 19)13 “Devemos inventar um problema no sentido de não buscar simplesmente um problema que já foi anteriormente colocado à moda dospseudo-problemas, que não correspondem ao movimento de produção de realidade. O movimento de produção instala problemas narealidade, e o conceito é a resolução dos problemas. Os pseudo-problemas são formulados de maneira tal que o ato de postulá-los já éuma tentativa de formulação-problema relacionada a uma resposta já elaborada e sabida. Em outras palavras, os pseudo-problemas sãopostulados de tal forma a adequar os significados a significantes universais, a respostas já conhecidas” (Gelamo, 2003. p.11-12)14 Numa passagem interessante de Veiga-Neto (2004), a proposta está formulada do seguinte modo “A ontologia do presente é umaontologia crítica de nós mesmos; ela desloca a questão (kantiana) [quem somos nós? uma variante da pergunta que é isso?] para umaoutra questão, também já presente em Kant, porém enfatizada por Nietzsche e que pode ser formulada da seguinte maneira: “que se passacom nós mesmos?”. Essa nova pergunta põe em relevo o sentido e o valor das coisas que acontecem conosco no nosso presente, nãomais perguntando sobre as condições necessárias para determinar a verdade das coisas (...)” (p.46).

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O foco dessa investigação está na análise das dimensões objetivas e subjetivas daformação de professores na contemporaneidade. Aqui, o caminho investigativo é dialeticamenteperseguido, construído e tensionado à luz dos estudos de autores da 1ª geração da Teoria Críticada Sociedade da Escola de Frankfurt1. Dentre eles, privilegiamos o estudo das contribuiçõespertinentes às questões educacionais da obra de T. W. Adorno. A perspectiva é construir umacrítica imanente ancorada no instrumental crítico da indústria cultural, da Teoria da Semiformação,e, em especial das contribuições da Dialética Negativa, para penetrar no campo da objetividade eda subjetividade que compõem as experiências pedagógicas de formação de professores compretensões emancipatórias na universidade brasileira.

O objeto de estudo constitui-se na crítica imanente às experiências de cursos deformação de professores de Educação Física desenvolvidos em universidades da região Centro-oeste do país que são regulamentados por projetos pedagógicos que se proclamam emancipatórios.Na composição de tons e cores dessa crítica imanente, o objeto se ilustra ao trazermos a tona àexperiência singular de construção e realização do projeto político pedagógico da Faculdade deEducação Física da Universidade Federal de Goiás (FEF/UFG).

A intenção é adentrar no clima cultural contemporâneo que permeia a experiênciapedagógica de elaboração e realização, na universidade, do projeto político-pedagógicoemancipatório de formação de professores, investigando como essa experiência se coloca frente àtendência de semiformação e deformação generalizada engendrada pela mercantilização dosprodutos simbólicos, da ciência, do conhecimento e das instituições educacionais; Investigandoainda, quais seriam as possibilidades de ser experenciada uma práxis pedagógica negativacomprometida com a sua autocrítica e que se contraponha a racionalidades absolutizadas,autoritárias, positivizadoras que perfazem a barbárie na educação e na sociedade.

Prosseguindo a exposição dessa forma, podem aparecer espelhadas as pretensõesdos indivíduos que se incubem de fazer ciência na universidade de darem conta de apresentar oobjeto de estudo de uma vez por todas, ora reduzindo-o a um amontoado de fatos, ora descrevendo-o subjetivistamente. Para não desembocar no engodo das explicações apriorísticas, reducionistase absolutizadas, o percurso investigativo necessita do incômodo de expressar o objeto de estudosem cair nas armadilhas da definição conceitual apressada que a tudo quer capturar e amoldar.

Expressar o algo que perpassa e constitui histórica e materialmente o objeto, eis opercurso para fugir da captura dominadora que nos leva a configuração de objetos apriorísticofundados em pré-conceitos e sistemas totalizantes. Nos meandros da Dialética Negativa Adorno

O CLIMA CULTURAL CONTEMPORÂNEOTENSIONANDO À FORMAÇÃO DE PROFESSORES

COM PRETENSÕES EMANCIPATÓRIAS

Andreia Cristina Peixoto Ferreira; PPGE/UNIMEP - UFG/CAC

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situa que esse algo nos põe em contato com a lembrança da sensação, da percepção, do somático,do corpóreo, que perfaz a objetividade. Entendendo assim, não deixamos de reconhecer que aobjetividade do conhecimento requer por sua vez subjetividade, pensamento. Mas, tambémreconhecemos que a subjetividade não é explicável por si mesma: “O objeto só pode ser pensadoatravés do sujeito, mas sempre permanece frente a este como um outro; e, no entanto, por suaprópria natureza e antes de tudo, é também objeto. Nem mesmo como idéia o sujeito pode serpensado sem o objeto, enquanto que este existe sem aquele.” (Adorno, 1998: p.184) Para oautor, nessa materialista Dialética Negativa que “recusa o princípio da identidade e a onipotênciade um conceito superior”, a mediação do objeto significa que só em sua compenetração com asubjetividade é possível o conhecimento, já, a mediação do sujeito significa que, sem componenteobjetiva, não haveria literalmente nada. Isto é, a subjetividade, o pensamento, necessita alimentar-se organicamente de sua interpenetração nas camadas do objeto. E é nesse tenso percurso quese compõe o primado do objeto.

Aqui a tarefa a que ficamos incumbidas é a de reunir conceitos em torno daexperiência pedagógica de formação de professores com pretensões emancipatórias para estimulá-la a falar sobre sua constituição objetiva e subjetiva; pensando, elaborando, refletindo, expondosobre a imanência de sua inserção histórica e material, seus objetivos, realizações, pretensosavanços, frustrações, tabus, estereótipos, preconceitos, etc. Isso porque, como explicam Pucci,Zuin e Oliveira no Livro “Adorno: o poder educativo do pensamento crítico”:2

(...) a verdade, mesmo residindo no objeto, não está à mão; o objetonecessita do sujeito racional para liberar a verdade que está nelecontida. O objeto não é um dado, uma forma pobre e cega; ele émuito mais do que pura “facticidade”. O primado do objeto é algoque deve ser construído criticamente e, mediatizado que é, não acabacom a dialética entre sujeito e objeto. Absolutizar o dado é coisificá-lo. E isso é falsa objetividade. E a consciência pode também serconstituinte de uma coisificação porque se encontra coisificada emuma sociedade já constituída. É por isso que as formas subjetivasde reação surgidas na apreciação dos componentes qualitativos doobjeto necessitam ser corrigidas em confronto com este. E oinstrumento fundamental para tal correção é a auto-reflexão crítica.(1999: p.91-92)

A crítica por dentro do objeto precisa ser percorrida pelo caminho da reflexão filosóficae da construção de uma constelação conceitual que possa traduzir em palavras sua constituiçãoobjetiva e subjetiva. Fazer falar e decifrar a formação de professores significa não deixá-la intacta,nem ao/à professor/a. Para Adorno “A constelação ilumina o que o objeto tem de específico e quepara o procedimento classificatório se apresenta como indiferente ou como um peso.” (1998,p.164). A constelação se refere à composição histórica de conceitos ao redor do objeto; colocando-se como chaves que abrem portas e que permitem adentrar nos meandros sedimentados doobjeto. Assim, acessando seus enigmas, alcançando suas fissuras, pegando no que imerge dodiverso, da singularidade, da especificidade e da diferença. Repugnando assim, a prepotentepretensão de assimilar, de integrar e de classificar tudo ao todo. As constelações não se prendemem aceitar o que o objeto tem de comum, de similar, de universal, de compatível com os sistemas

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classificatórios da ciência calcada na racionalidade identificatória e instrumental. A crítica imanentefundada na constelação, na experiência da reflexão filosófica, na auto-reflexão crítica é uma formade práxis, de intervenção cultural, que contrariando a objetividade do pensamento científicohegemônico, não precisa de menos, mas sim de mais sujeito.

No trajeto dessa práxis negativa, se há sensibilidade no sujeito para a objetividade,pode-se encontrar o sofrimento físico, corpóreo do ato de conhecimento: “(...) os conhecimentosnão caem do céu. Ao contrário, o conhecimento se dá numa rede onde se entrelaçam prejuízos,intuições, inervações, auto-correções, antecipações e exageros, em, poucas palavras, experiência,que é densa, fundada, mas de modo algum transparente em todos seus pontos” ( Adorno, 1992,p.69). Para o autor é essa inquietude imanente ao percurso de conhecimento que lhe dá algumaesperança de mudança: “O momento corpóreo transmite o conhecimento de que o sofrimento nãoprecisa existir, de que deve ser transformado” (Ibid, 1998, p.204).

A sofrida, mas até mesmo por isso esperançosa, experiência de se pensar a formaçãode professores na contemporaneidade, é feita no interior do clima cultural inerente aos processosde desregulamentação e/ou informalidade promovidos pela pilhagem do que correntemente setem denominado como neoliberalismo. Parece razoável pensar que esse tal neoliberalismo nãopossa ser reconhecido simplesmente como um liberalismo com nova roupagem, mas sim comouma forma mais acabada e sofisticada de dominação e controle social, pautada no recrudescimentodo mercado, que vem acarretando o aumento da miserabilidade e da barbárie social.

Para a Teoria Crítica, o liberalismo da sociedade capitalista do séc. XIXoperacionalizado na livre concorrência, oportunizou, mesmo que de forma capenga e elitista, umadada condição para a liberdade do sujeito no campo da formação cultural por meio do empresariadolivre, da ciência e da arte. Isso porque havia uma centelha de esperança quanto à possibilidadedessa liberdade ser partilhada por todos. Com os monopólios industriais do séc. XX, que minam alivre concorrência e impulsionam o fascismo, esta centelha quanto à liberdade do sujeito foi aindamais pulverizada. Em determinados contextos de crise - como aqueles impulsionados pelos Estadostotalitários de cara fascista, stalinista ou com outra maquiagem - o desenvolvimento do capitalismoparecia perder o fôlego e chegar em tempos finais. Mas, esses sinais se mostraram falsos, namedida em que o capitalismo, como um verme, sempre aprendeu e reaprendeu a se alimentar dapodridão – em momentos de falta de oxigênio ele se nutre de bactérias, vírus, bombas: ‘a misériafaz parte do capitalismo, como a sombra da luz’ -, e com energia renovada ele “volta” new, oumelhor neo, com mecanismos retro-alimentadores cada vez mais sofisticados pelos avançoscientífico-tecnológicos aliados à forte parceria da indústria cultural global3.

Assim, o neoliberalismo com seu processo de desregulamentação, foi gestado nointerior da própria sociedade administrada, regulada pelo monopólio e pelo Estado intervencionista.Como ressalta Türcke (2003) os monopólios modificam e especificam as leis do mercado, masnão as suspendem na sua eficácia. Pelo contrário, somente na era dos grandes gruposmultinacionais o mercado adentrou os centros nervosos das sociedades, antes ainda poupadospela livre concorrência: serviços infra-estruturais elementares, prestados pelo Estado, tais como aeducação e o atendimento médico, telecomunicações, correios, o tráfego ferroviário, rodoviário e

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aéreo. Assim, no final dos anos 70 e durante os 80 e 90, com os grandes avanços tecnológicos –“revoluções microeletrônicas”, com as instituições públicas estatais elevadas ao status de vilã dasociedade, configura-se o processo de desregulamentação em escala mundial: a privatização dasestatais, a flexibilização de contratos trabalhistas estáveis, a redução dos serviços sociais, asubstituição de segmentos profissionais por programas “inteligentes” de software, a queda de umaparcela considerável da classe média para os empregos temporários, e mesmo o deslocamentoforçado das pessoas, até então atuantes, para o desemprego prolongado, o tráfico de drogas e acriminalidade. Para esse autor,

Desregulamentação significa tão somente: regressão de restriçõesestatais ao comércio (...) como aquelas que impedem a transformaçãode serviços públicos não-rentáveis em empresas rentáveis. À luz dadesregulamentação nenhuma instituição, nenhuma empresa,nenhum grupo tem um direito à existência se não estiver emcondições de sustentar-se com seus próprios meios – razão pelaqual desde então nenhuma escola, nenhuma empresa, nenhumgrupo está ao abrigo de auditores que lhe apresentam planilhas comcálculos do que poderia economizar em termos de pessoal e mate-rial. Isso não transforma imediatamente todas as instituições emempresas: mas a empresa é apresentada a todos como critério deaferição. (Türcke, 2003, p.4)

Os processos inerentes à desregulamentação e a indústria cultural vêm se alastrandopela Educação superior brasileira, pela universidade, pela formação de professores. Esse lastroestimula o espetáculo dos processos de privatização, de mercantilização dos produtos simbólicos,do conhecimento, da ciência, da arte. A Reforma Universitária e as diretrizes curriculares paraformação de professores em curso, parecem bastante aderidas à esteira produtiva desse climacultural contemporâneo que danifica as experiências formativas.

Essa esteira produtiva na formação de professores vem se configurando naproliferação e no aligeiramento em escala industrial: dos cursos de formação de professores, davenda de pacotes de formação continuada, na incorporação de modismos pedagógicos, etc; Essaconfiguração não ajuda a tensionar e elaborar, e até mesmo reforçam/ritualizam, os tabus,preconceitos e estereótipos que permeiam os processos educativos. Os cursos de licenciatura emEducação Física vêm se colocando como um grande filão desse rendoso processo produtivo.

Na região centro-oeste do país, constituída pelo Distrito Federal e pelos estados deGoiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, até a década de 60 existia apenas um curso oferecidopela Escola Superior de Educação Física de Goiás (ESEFEGO, instituição pública Estaduallocalizada em Goiânia; Com o atual processo de estadualização, tornou-se UEG). Nos anos 70foram criados quatro cursos, dentre eles três em universidades federais (UFMS, UNB, UFMT) eum na Universidade Católica de Brasília (UCB). Já no final dos anos 80 e início dos 90 sãoiniciados mais quatro cursos, dentre esses os três cursos (turmas) de licenciatura em EducaçãoFísica da UFG (Goiânia/1989; Catalão/1990 e Jataí/1994). Após a aprovação da LDB, em 1996,“coincidentemente”, foram iniciados ainda no final dos anos 90 mais seis cursos, entre esses,somente um em universidade pública estadual num campus da UEG na cidade de Quirinópolis/Go. Mas, somente nos primeiros cinco anos do século XXI foram criados 27 cursos de graduação

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em Educação Física, com a maioria absoluta, cerca de 90%, em Instituições de Ensino Superiorestritamente particulares.

Assim, atualmente existem 42 cursos de graduação em Educação Física, 92%deles são de licenciatura. Entre esses, delimitamos a experiência de elaboração, sistematização,proposição e realização do projeto político-pedagógico da Faculdade de Educação Física da UFG,como expressão particular e ilustrativa de nosso objeto de estudo. Ao penetrarmos nas camadassedimentadas desse objeto, adentramos na objetividade e na subjetividade expressa emdocumentos, textos, artigos e/ou outras produções escritas e publicizadas pelos indivíduos queintegram a FEF/UFG, acerca da experiência dessa instituição com o projeto político pedagógicoemancipatório na formação de professores.

No bojo dessa produção objetivada, há um documento intitulado ‘Projeto políticopedagógico do curso de licenciatura em Educação Física’, elaborado e publicizado entre os anosde 2003 e 2005 por uma comissão de professores/as da FEF, que se apresenta como uma sínteseanalítica, avaliativa e propositiva da experiência de realização do projeto político pedagógico deformação de professores de Educação Física na UFG. Esse documento expressa os objetivoseducacionais, as pretensões, os argumentos, os fundamentos teórico-metodológicos, enfim, aracionalidade, e outras dimensões da subjetividade, que se sobressaem na sua experiência deelaboração e proposição. Em suas ‘Considerações Iniciais’ destaca-se que “O curso de licenciaturaem Educação Física da UFG, criado em 01 de setembro de 1988 (...), teve, como finalidade,implementar uma proposta progressista na formação de professores com inserção qualitativa naescola e nas demais práticas educativas, pedagógicas e sociais.” (UFG/FEF- Comissão deReforma Curricular, 2004, p.01).

Destarte, a delimitação das experiências pedagógicas na elaboração e realizaçãodo projeto político pedagógico da FEF/UFG, como particular constituinte de nossa investigação sedeu pelo contato com uma composição histórica, material e culturalmente constituída, que seexpressa em aspectos que estão relacionados com a constelação que vem sendo construída emtorno do objeto de estudo em questão:

- No referido documento do ‘Projeto político-pedagógico’ argumenta-se e publiciza-se que os cursos de Educação Física da FEF implantados nos Campi da UFG em Goiânia,Catalão e Jataí, vêm sendo regulamentados por projeto curricular que aponta para uma perspectivade transformação social com dimensões inovadoras e emancipatórias:

Essa proposta curricular, desde o seu início, vem apontando paravários compromissos históricos, dentre os quais, o seu papel decisivode integrar-se nas transformações da escola, da educação física eEducação, com novos redimensionamentos curriculares acerca dacorporalidade no interior das práticas educacionais e nas práticassociais. Para atingir tais objetivos, o projeto curricular apresentoualgumas inovações consideradas, inclusive hoje, como ações devanguarda na formação de professores de Educação Física (...) Estase outras mudanças, sem sombra de dúvidas, provocaram profundasreflexões em vários congressos na área de educação física comrepercussões importantes quanto às inovações desenvolvidas naFEF/UFG em Goiás e em todo o país (...) Tal projeto certamente

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deverá estar estruturado para que possa garantir a realização depolíticas emancipatórias e os pressupostos éticos na construção dovir-a-ser humano autônomo, criativo e solidário (ibidem, p.01-07)

- Os cursos da FEF/UFG foram criados no contexto das décadas de 80 e 90, quandoum determinado campo da Educação Física brasileira se relaciona com referenciais críticos e emespecial com as proposições do Movimento Nacional pela Formação dos Profissionais da Educaçãorepresentado pela ANFOPE:

Tendo como pressupostos um modelo crítico de currículo, o modeloem discussão não se identifica com os reprodutivistas, nem com aspráticas curriculares mecanicistas, e, muito menos com este modelode pedagogia de resultados em andamento. (...) defende-se um outrosentido, inclusive, entendendo que a proposta de uma base comumnacional para a formação de educadores de todas as áreas poderesponder adequadamente ao princípio da identidade própria e,certamente, receberá o respaldo dos educadores, porque já estápresente no movimento (ANFOPE, 1992, 1994, 1996, 1998, 2000)de educadores do Brasil, como: a) sólida formação teórica einterdisciplinar sobre o fenômeno e seus desdobramentos sócio-históricos; b) unidade teoria/prática, tanto na produção doconhecimento quanto na organização do saber e a intervenção naprática social, ou seja, tomar o trabalho como princípio educativo naescola; c) gestão democrática da escola, tratando dos conhecimentosprovenientes das experiências democráticas e relacionais inerentesà gestão, aos conflitos e como espaço vivencial no processo deformação curricular dos alunos; d) compromisso social e político doprofissional da educação, com ênfase às lutas políticas doseducadores e movimentos sociais; e) trabalho coletivo einterdisciplinar entre alunos e professores, como eixo da formaçãodocente; f) formação inicial articulada com a formação continuadacomo diálogo permanente entre a formação inicial, o mundo dotrabalho e a educação continuada. (ibidem, p.12)

- Esses cursos encontram-se localizados na capital e no interior de Goiás,expressando na sua constituição e na sua relação interna e externa, a tensão entre centro e periferiada sociedade contemporânea;

- Cursos com alunos egressos atuando como professores em escolas públicase particulares;

- Desenvolvo experiência individual no curso do Campus de Catalão, enquantoprofessora-pesquisadora atuando como docente desde agosto de 1996;

- O Curso de licenciatura em Educação Física da FEF localizado no Campusde Catalão esteve relacionado ao objeto de estudo da experiência de pesquisa construída noprocesso de investigação, produção e sistematização do conhecimento científico no Mestrado emEducação da UFU, desenvolvido entre os anos de 1998 e 20001

Nessa investigação identificou-se que a perspectiva propositiva emancipatória nasexperiências formativas dos cursos de licenciatura em Educação Física é tensionada por umclima cultural que favorece aos extremismos, a insensibilidade, a exploração de pessoas, e quetendencialmente estam imersas em situações de reprodução de preconceitos, estereótipos,obscurantismos, discriminações, formalismos, violências e tecnocracia.2.

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A conjuntura da formação na Educação Física brasileira historicamente vemfavorecendo a constituição dessa área como um braço virtuoso da Indústria cultural e daSemiformação. Atualmente essa conjuntura vem se constituindo pelos ditames do Conselho Fed-eral de Educação Física, pela lógica da Universidade-empresa-econômica, pela ReformaUniversitária do governo federal, pela constituição das “novas” Diretrizes Curriculares para asgraduações e pelas reformas acadêmicas e curriculares internas às Universidades brasileiras.Essa conjuntura compõe uma tendência mercadológica que danifica as experiências formativasde professores com pretensões emancipatórias na Educação Física. Essa danificação se dá peladesvalorização da docência e pelos ecos do esporte espetáculo, do Fitness, do culto ao corpo“belo” e saudável, dos modismos, idolatrias, prescrições de treinamento e de técnicas corporais desofrimento, provenientes de ícones da Indústria cultural. Ao pesquisarem sobre a “Educação docorpo nos ‘textos pedagógicos’ de Adorno”, Bassani e Vaz (2003) constatam que para o autorfrankfurtiano “não lhe restam dúvidas quanto ao potencial destrutivo, de regressão e de produçãoda crueldade, internalizado nas tendências sociais contemporâneas, cuja imagem aparece nasrelações patogênicas com o corpo, orquestradas, em grande parte, pelo esporte”.(p.20)

Assim, a elaboração de uma crítica imanente à dimensão objetiva e subjetiva inerenteà pretensão e a realidade dos objetivos educacionais emancipatórios em experiências de formaçãode professores de Educação Física perpassa pelo estudo da racionalidade e da formação culturalque permeiam o processo de mercadorização dos produtos simbólicos, bem como a conseqüentedificuldade de reflexão e discernimento, conjuntamente, com a grande aversão à teoria e a produçãode conhecimento inerente a Semiformação cultural. Constata-se que a tradição crítica na EducaçãoFísica não vem privilegiando essa perspectiva de análise e investigação informada nas contribuiçõesdos estudos da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt à Educação.

Temos entendido que esse trajeto de elaboração de uma crítica imanente à formaçãode professores passa especialmente pelos caminhos das contribuições da Dialética Negativa aeducação. Pucci (2001) ao sistematizar “contribuições da Teoria Crítica para a formação deprofessores” evidencia que o pensamento adorniano pode ser compreendido como a práxis negativada educação, pois possibilita o acompanhamento crítico das formas históricas educacionais emespecial sua configuração contemporânea. Dando-nos condições de indagar sobre as possibilidadesde sua realização nos dias de hoje, transformando-se em uma práxis crítica, instigando o sujeitopensante a intervir no processo histórico da realização das configurações educacionais, poispossibilita examinar por dentro seus fracassos, suas causas, as possibilidades presentes eestabelecer eixos que norteiem a construção de ensaios pedagógicos e formativos bem comoinstrumentos críticos para acompanhar essas tentativas. (Pucci, 2001)

A reflexão filosófica de Adorno se choca com as teorias que procuram construir umsistema fechado do processo educacional, um corpo acabado de verdades. O pensamento adornianonos dá possibilidade de levantar uma série de eixos teóricos, coordenados entre si, na tentativa dese projetar uma configuração objetiva da educação. Esses eixos apresentam as diversas facetasdo objeto em análise, se compõem, se contrapõem nenhum é mais importante que o outro epermitem a companhia de outros eixos que, por ventura, o processo de interpretação viera descobrir

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em seu processo de aproximação do objeto. Portanto, essa maneira de se pensar e fazer educaçãoé aberta, fragmentária, processual.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS / FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA – ComissãoCurricular. Projeto Político-Pedagógico do Curso de Licenciatura em Educação Física, Goiânia,2004/2005.

VAZ, Alexandre Fernandez. Dos fenômenos sociais e suas ambiguidades: comentários de TheodorW. Adorno sobre o esporte. - palestra apresentada no XI CONBRACE -Congresso Brasileiro deCiências do Esporte, 1999, Florianópolis-SC.XI, Anais v.3.

TÜRCKE, Christoph. “Informal” segundo Adorno. (Mimeo), 2003

ZUIN, António Álvaro Soares Indústria Cultural e Educação: O novo canto da sereia. Campinas,SP: Autores Associados, 1999

NOTA

1 Na referida pesquisa, tive como objetivo geral: apreender como vinha se materializando a organização do trabalho pedagógico naapropriação, produção e distribuição do conhecimento no curso de Licenciatura em Educação Física do CAC/UFG, e estabelecer osnexos com as possibilidades de construção de um projeto político-pedagógico que viabilizasse a integração ensino-pesquisa-extensãopautada na transformação social. In: Ferreira, Andreia Cristina Peixoto. Currículo do Curso de Licenciatura em Educação Física do CAC/UFG: o processo de trabalho pedagógico frente às possibilidades de integração ensino-pesquisa-extensão. Uberlândia-UFU, Dissertaçãode Mestrado, 2000.2 Essa constatação insere-se na sistematização da investigação desenvolvida na Dissertação de Mestrado defendida na UFU em 2000.1 Ao mencionarmos Teoria Crítica da Sociedade da Escola de Frankfurt estamos nos referindo ao pensamento de um grupo de intelectuaismarxistas não ortodoxos, alemães que, a partir dos anos 20, desenvolveram pesquisas e intervenções teóricas sobre problemas filosóficos,sociais, culturais, estéticos gerados pelo capitalismo tardio. Esses pensadores constituem a chamada “Escola de Frankfurt”, também porse estabelecerem enquanto grupo de pesquisadores nesta cidade alemã, criando o Instituto de Pesquisa Sociais e o órgão de divulgaçãode suas produções, a Revista de Pesquisa Social.2 Neste livro os autores evidenciam que Adorno compõe e propõe a Dialética Negativa como um método para se pensar e agir sobre aconsciência reificada contemporânea:3 Foi na Dialética do Esclarecimento ou do Iluminismo que Adorno e Horkheimer empregaram pela primeira vez o conceito de IndústriaCultural. Em linhas gerais, para os autores, a Indústria Cultural é um sistema totalizante que ao aspirar à integração vertical dos seusconsumidores, não apenas adapta seus produtos ao consumo dos indivíduos, mas acaba por determinar o próprio consumo. Ao reproduzirtecnicamente os bens culturais, a mesma se interessa pelos homens apenas enquanto consumidores ou empregados, reduzindo ahumanidade, em seu conjunto e individualmente, às condições que representam seus interesses de consumo, lucro e alienação. Tornando-se forte aliada da ideologia capitalista, contribuindo eficazmente para falsificar as relações entre os homens, bem como dos homens coma natureza, caracterizando um processo de seminformação cultural nos termos utilizados por Adorno. Conforme Adorno (1971), asproduções do espírito concebidas sob a égide da banalização da cultura “não são mais também mercadorias, mas o são integralmente” (p288). Para os autores frankfurtianos, a Indústria cultural exerce papel de fundamental importância no processo de domesticação danatureza crítica e rebelde da cultura, através da sua reprodução técnica e da indiferenciação dos seus produtos, que neutraliza a capacidadede reflexão do sujeito: “ o espectador não deve ter necessidade de nenhum pensamento próprio (...); toda ligação lógica que pressuponhaum esforço intelectual é escrupulosamente evitada” (Adorno e Horkheimer, 1985, p. 128)

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No âmbito de um trabalho sobre formação de professores, tema amplamenteabordado nos tempos que correm, o que nos mobiliza é tentar saber qual o conceito de formaçãoque está pautando as pesquisas e as práticas de formação de professores. Quais demandasaparecem? Quais os cruzamentos possíveis? Estamos focando nossa atenção em dois espaços:primeiro, dos cursos de licenciatura a partir do se propõe nos planos de ensino da disciplinaDidática - nossa amostra: os cursos da região de Marília; segundo, do espaço da produção emandamento dos Grupos de Pesquisa financiados pelo CNPq, na área formação de professores.Estamos considerando também os projetos de Bolsa Produtividade.

Nos parece produtivo inserir a problemática formação de professores nas relaçõesculturais, especificamente no que tange a educação e a escola. Pensamos ser um bom caminhoescolher olhar este espaço do ponto de vista daquele que agencia as relações mais próximas noprocesso de produção do conhecimento na escola: o professor. E no caso do problema que nosataca aqui, o professor dos cursos de formação inicial.

Também são questões produtivas porque falamos do lugar deste professor formadorde professores em cursos de licenciatura, a partir da disciplina de Didática. Dos nossos encontroscom os alunos de graduação e seus questionamentos, resistências e expectativas -assustadoramentecristalizadas- em torno do saber-fazer pedagógico, pôde tornar-se mais forte pensar a formação e,especificamente, a formação de professores. Pensar a formação de professores é, para nós, colocarem xeque este conceito, tensioná-lo; é para nós nos colocarmos em xeque, porque estamos noprocesso.

Temos como intenção proceder a um inventário que permita dar corpo aos sentidosque estão presentes na produção: o que está movendo a experiência educativa nestes espaçosmencionados? Qual o plano que o conceito formação está ocupando? Mais do que isto: como aformação de professores é afetada - em última instância poderíamos pensar: como o professor éafetado neste plano? Seguem algumas notas ainda iniciais.

Como dar conta da tarefa de formação de professores no mundo contemporâneo,exigente quanto à qualificação e extremamente carente de vida? Não há uma resposta única aesta questão.Podemos enunciar uma hipótese: há uma maneira dominante de pensar o professore a formação de professores, pautada em uma relação consumista com o conhecimento e com aexperiência pedagógica.

Pensamos que tem se constituído uma relação de consumo da produção deconhecimento didático-pedagógico que marca a formação de professores, que não coloca osdocentes como interlocutores. Tal relação consumista estende-se ao proposto pelas teoriaseducacionais, documentos de subsídios fornecidos pelas políticas públicas. O professor, fora da

O QUE É FORMAÇAO PARA A FORMAÇÃO DEPROFESSORES: PRIMEIRAS NOTAS

Márcia Machado de Lima (Unesp/Marília)

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produção, permanece em uma conduta que referenda o consumo sem a busca do fundamento.Como compreender tal traço? Problematizar a maneira dominante, checar esse registro pareceser gesto importante: checar seu fundamentos teóricos, sua história, suas marcas nacontemporaneidade.

Walter Benjamin, preocupado com os efeitos das técnicas de reprodução da obrade arte, nos indica um movimento que pode nos auxiliar a pensar nosso problema, quando fala dodeclínio da noção de aura:

...na época das técnicas de reprodução, o que é atingido na obra dearte é a sua aura. Esse processo tem valor de sintoma, suasignificação vai além do terreno da arte. [...]Multiplicando as cópias,elas transformaram o evento produzido apenas uma vez numfenômeno de massas. Permitindo ao objeto reproduzido oferecer-seà visão e à audição, em quaisquer circunstâncias, conferem-lheatualidade permanente. Esses dois processos conduzem a um abusoconsiderável da realidade transmitida - a um abalo da tradição, quese constitui na contrapartida da crise por que passa a humanidade ea sua renovação atual. Estão em estreita correlação com osmovimentos de massa hoje produzido. (Benjamim,1980,p.8)

Walter Benjamin quer pensar um sintoma e o tempo no qual o acesso aos bensculturais em maior escala está se tornando mais visível, também tornando mais visíveis os seusefeitos. Nos sugere que, quando o fenômeno das técnicas de reprodução encontra-se com o tipode sociedade de massa do século XX, encontra todas as condições de acolhimento de seusprodutos, tanto materiais como simbólicos.Tais condições implicavam ao âmbito das relações detroca, mas também na constituição de um novo modo de percepção do mundo pelos agentes.Benjamin sugere que este processo institui a necessidade da mediação de um outro, como pautadas práticas, modos de pensamento e estilos de vida.

Três conjuntos de notas que vem compondo nossa reflexão. Em primeiro lugar,trataremos de explicitar o que estamos chamando “consumo”, sintoma intransferível de nossaépoca.

O filósofo espanhol Jorge Larrosa nos fornece alguns motes para entender estarelação consumista com o conhecimento, que poderíamos relacionar com o traço que marca aformação do professor

Tudo que sucede no mundo não é imediatamente acessível. [...]Nossa própria vida está cheia de acontecimentos, mas ao mesmotempo quase nada nos passa, os acontecimentos da atualidade,convertidos em notícias fragmentadas e aceleradamente obsoletasnão nos afetam no fundo de nós mesmos. Vemos o mundo passardiante de nossos olhos e permanecemos exteriores, alheios,impassíveis. :[...] Temos o conhecimento, mas como algo exterior anós, como uma utilidade ou uma mercadoria. Consumimos arte,mas a arte que consumimos nos atravessa sem deixar nenhumamarca em nós. Estamos informados, mas nada nos co-move noíntimo. (LARROSA, 2002,p.136)

O professor se envolve como um espectador da cena educacional urgente econtemporânea. Estabelece uma relação de apropriação integral e passiva do pensamento do

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outro, sem o acontecimento do encontro, do diálogo ou do colocar-se em ação junto a essepensamento. Se se apresenta algo novo que seja reconhecido como condição de resposta àsquestões, é recebido como Verdade.

Maria de Lourdes Tura. Afirma que a homogeneidade cultural presente na tessiturada escola,

[...]se impõe sobre os outros discursos, estabelecendo como universal um tipo demoral e de ética, uma forma de estética, uma concepção de justiça e direitos e um regime deverdade. Estamos diante de [...]uma política da significação, que faz com que os/as próprios /asprofessores/as passem a modular seu discurso pelo que é consensual e dominante e os/asestudantes desenvolvam um “ventriloquismo discursivo”, que faz com que, inconscientemente,exerçam um controle sobre o que pensam, fazem e desejam, tendendo a repetir falas e ações deseus mestres. (TURA,2004,p.5-6)

Neste sentido, o professor tem limitadas as chances de posicionar-se como agente,de verificar os sentidos, os fluxos dos processos que estão entretecidos na vida e na vida noespaço escolar1. Além disso, há cobrança em que detenha um saber que lhe forneça um modeloteórico, fechado e coerente, e que o identifique. Isto para combater a alienação e a práticadesqualificada. No entanto, tal cobrança pela competência docente se instala nas relações que seestabelecem culturalmente na modernidade: o critério de aceitação é que o sujeito possa seidentificar sem problemas e como possuidor de todas as saídas. Nos parece a reafirmação darelação de consumo.

... cuando una gramática o un esquema de pensamiento están yaconstituidos, cualquer cosa que se produzca en su interior da unasensación de “ya dicho”, de “ya pensado”, una sensación de quepisamos terreno conocido, de que podemos seguir hablando opensando en su interior sin dificultades, sin sobresaltos, sin sorpresas.Por eso una gramática constituida nos permite decir “ lo que todo elmundo dice”, aunque creamos que decimos cosas “novedosas”, yun esquema de pensamiento constituido es el que nos hace “pensarlo que todo el mundo piensa” aunque tengamos la impresión de quesomos nosotros mismos los que pensamos. Desde esa perspectiva,tanto los positivistas como los críticos encarnan ya lo que Foucaultllamó “el orden del discurso”, ese orden que determina lo que sepuede decir y lo que se puede pensar, los límites de nuestra lenguay de nuestro pensamiento.(LARROSA,s/d,p.2)

Lançamos outra hipótese: competência é incorporar a fala autorizada daquele quealcança a consagração pela vida científica e isto se torna a medida do que é formação e formaçãopara o professor. Este é traço da formação de professores no Brasil.

Num segundo conjunto de notas, formação de professores se alia à idéia de“capacitação técnico-científica”, até o limite do saber fazer eficaz, produção de resultados/respostasaos problemas imediatos. Neste caso, constitui-se como boa a acumulação de conhecimentosbem classificados, constituindo a “bagagem” profissional.Capacitação implica as idéias deuniversalidade, objetividade e aquisição na relação com o conhecimento. Tomamos as palavras deLarrosa: Atualmente, o conhecimento é essencialmente a ciência e a tecnologia, algo essencialmente

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infinito, que só pode crescer; algo universal e objetivo, de alguma forma impessoal; algo que estáaí, fora de nós, como algo do qual podemos nos apropriar e utilizar( 2002,p.140).

Além disso, tal sentido da capacitação, segundo o autor, dirige-se aos:

[...] los que se situán en el campo educativo desde la legitimidad dela ciência, los que usan esse vocabulário de la eficácia, la evaluación,la calidad, los objetivos, los didactas, los psicopedagogos, lostecnólogos, los que construyen su legitimidad a partir de su cualidadde expertos, los que saben, los que se situán en posiciones de podera través de posiciones de saber...(LARROSA, s.d.,p.1)

Theodor Adorno nos oferece contribuição poderosa para entender o sentido da relaçãode consumo e o que ela legitima. Afirma que as categorias para pensar o mundo, segundo o modocomo a subjetividade moderna foi constituída, se dão a priori, em relação aos fenômenos. Somentea partir dessas categorias o sujeito cria imagens de pensamento e enunciados. Este modo deproceder criou universalidade e sistemas -diríamos simbólicos. Totalidade social, que cria realidade,por meio de uma vinculação em sistemas - que envolvem os sujeitos e os enclausuram. As relaçõesacontecem, presas no sistema que indicam os juízos.

Não se pode desconhecer função ideológica dessa tese. Quantomais os homens individuais são reduzidos a funções da totalidadesocial por sua vinculação com o sistema, tanto mais o espírito,consoladoramente, eleva o homem, como princípio, a um ser dotadodo atributo da criatividade e da dominação absoluta.(Adorno,1995,p.185)

Adorno pensa os processos que afastam os agentes da possibilidade de,racionalmente, compreenderem as relações de assujeitamento e dominação as quais os envolveme que os formam em sua subjetividade. Aquele que não passou pela aquisição desse corpusrepresentacional,desse algo já existente, ainda não estaria pronto, apto.As relações implicadasneste processo estabelecem o modo como estes agentes interferem no mundo social e sãoformados, em um movimento de mão dupla. Adorno vê tais relações no fortalecimento da barbáriee na possibilidade de resistência a ela, portanto, nas linhas que amarram os sujeitos às marcas deseu tempo e às possibilidades de um pensamento crítico.

Se a estrutura dominante da sociedade reside na forma de troca,então a racionalidade desta constitui os homens; o que estes sãopara si mesmos, o que pretendem ser, é secundário. Eles sãodeformados de antemão por aquele mecanismo que é transfiguradofilosoficamente em transcendental[...] é a forma reflexa da coisificaçãodos homens, consumada objetivamente nas relaçõessociais.(Adorno,1985,p.186)

Podemos enunciar uma outra hipótese de trabalho: entendemos que há um processono qual cada agente constitui um rol de disposições que pauta seus juízos, seus gostos, suaspráticas e, em última instância, seus estilos de vida, seus modos de pensar e pensar a si mesmoe a suas possibilidades, que atua diretamente na instância subjetiva do sujeito. De que forma aformação de professores é afetada neste contexto?

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Pierre Bourdieu nos ajuda a entender estas disposições. Trata sobre os esquemasque serviriam para classificar os graus de legitimidade naturalmente outorgada a certos agentes,nas relações dentro do campo e na relação com os outros campos. Esquemas não formais, fluidos,que se instalam como princípios geradores do funcionamento dos agentes no âmbito da prática.Na verdade isto resulta na própria atribuição de valor àquele que produz a cultura e à posição queocupa. Pautando-nos em Pierre Bourdieu, quando falamos em classificação estamos falandotambém em distinção, em hierarquização: de bens culturais, de agentes e posições. Quando sefala em classificação, estamos falando de esquemas de classificação que pertencem ao rol desistemas simbólicos de percepção, de pensamento e de práticas.(Bourdieu,1992,p.108)

Isto permite pensar que não é uma imposição ou uma relação de sujeição aceita,conscientemente. Segundo Bourdieu, a incorporação pelo agente, desta estrutura - que de formaalguma é estática - se dá em função da sua trajetória, vivida em determinadas circunstâncias.Diríamos, marcada pelos encontros. Isto conformaria, inconscientemente, uma matriz de percepçõese modos de apreciação, ou seja, certas disposições que implicariam no modo de atuação doagente na realidade social.

Estamos, portanto, no âmbito dos modos de percepção quando falamos emdisposições, cuja matriz é designada por Bourdieu como habitus. Segundo Bourdieu

A palavra disposição parece particularmente apropriada para exprimiro que recobre o conceito de habitus (definido como sistema dedisposições): com efeito, ele exprime, em primeiro lugar, o resultadode uma ação organizadora, apresentando então um sentido próximoao de palavras tais como estrutura; designa, por outro lado, umamaneira de ser, um estado habitual (em particular do corpo) e, emparticular, uma predisposição, uma tendência, uma propensão ouuma inclinação.(Bourdieu, 1983, p.61)

Neste sentido, retomando a discussão, pensar a atuação e o contexto sociais dosprodutores e não-produtores de cultura, consumidores ou não, torna-se importante. A posição dosindivíduos em relação aos produtos simbólicos conformam um espaço de posições e tomadas deposição que marcam as relações entre os agentes e os grupos de agentes. O que conforma estasescolhas? As instâncias de conservação e consagração cultural, em relação às instâncias delegitimação e reprodução, dentro do espaço dos sistemas simbólicos. Dentre eles os espaços daexperiência educadora.

É no processo da formação das disposições internas aos agentes, ou seja, do habi-tus ( matriz das percepções e juízos), que o modo de agir no mundo por parte de cada um indicariaas crenças que movem as escolhas, sua filiação, sua origem ( um pouco da estrutura social a qualviveu).

O habitus estaria, então, sendo inconscientemente estruturado, servindo como eloentre as práticas ( as posições), a subjetividade dos indivíduos (os esquemas estruturados)e as próprias situações vividas por cada agente. Ao mesmo tempo, o habitus, sendo tambémestruturante, movente, devido exatamente à influência das situações, e da fluidez da lógica quemove as práticas porque estas não são controláveis, muitas vezes promovem encontros que fazem

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o agente perceber o mundo fora do lugar.Depois das considerações que tecemos até aqui, é possível levando em

consideração, primeiro, a educação como sistema simbólico; segundo, este modo de produçãocultural como abrigo do locus de legitimação e reprodução que é a escola, recolocar a questãoinicial: como se dá a formação de professores? Pensamos que seja possível e produtivo colocareste problema dentro de um jogo intrincado de relações de poder, de hierarquizações, de distinções,de imposição de um arbitrário cultural.

Lembrando que o habitus se constitui em relação com as situações, o acontecimento,o encontro - que trazem aquilo nos escapa, podem se constituir em uma das situações queaguardam o agente ( mesmo aquele que é alvo preferencial das “profecias sociais”). Encontramos,assim, uma ferramenta conceitual que permite pensar a formação de professores.

Mais uma hipótese: a formação de professores permite a convivência de planosdiferentes, mais ou menos complexos, mais ou menos críticos, mais ou menos massificados.Mesmo se considerando a inculcação de esquemas de percepção e critérios de classificaçãodestes esquemas, permite ainda a experiência educativa dentro e fora da escola que, dependendodos seus encontros, aos agentes pensar com autonomia. Ou, se pudéssemos pensar junto comAdorno, refletir acerca da reflexão que faz do mundo, portanto, de si mesmo, mante-la tensa.

Outro conjunto de notas também se compõe. Se nos voltarmos para o que marcoua história da educação no Brasil, também poderemos perceber a predominância do discurso quevimos apontando. Analisar nossa história da educação pode fornecer elementos paracompreendermos em que plano funciona o conceito de formação de professores que se fezpredominante e legitimado.

O período da ditadura militar no Brasil, iniciado um pouco antes do Maio de 68,tanto nas posições das políticas educacionais quanto nas posições dos educadores de esquerdativeram contundente entrada diríamos, em termos da abertura dos cursos de formação deprofessores que estão em atuação hoje. Pensamos que o movimento nestas duas instânciaspossam nos fornecer dados para indicar regularidades,como regras, no campo de produção dosagentes. Insistimos nos desdobramentos daqueles acontecimentos na atualidade.

Afirmamos, porém, que este modo de pensar formação é uma possibilidade deresposta à demanda que se apresenta a partir do campo educacional. Precisamos convidar outrosao diálogo, ao diálogo acerca de nossas referências, daqueles traços que fazem parte de nossatradição.

Lançamos outra hipótese: a procura metódica e rigorosa por uma teoria genuinamentedialética que pudesse referenciar a prática pedagógica dos educadores de esquerda em busca daarticulação com o movimento de transformação da sociedade, escrupulosamente pautada emreflexões e análises sérias sobre o fenômeno educativo, ensejou a ênfase na elaboração de esquemasclassificatórios, que funcionariam como categorias necessárias.

Evidentemente que alguns temas tratados por essas reflexões encontraramdiscordâncias. No entanto, nos chama a atenção que a problematização tenha sido inexpressiva.Um exemplo é a quase falta de espaço para o questionamento da formulação da categoria “crítico-

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reprodutivistas”,aplicada largamente naquele período, tendo sido aceito o ponto de vista majoritáriocomo condição para outras pesquisas sobre o fenômeno educativo. Consideramos que as posiçõesocupadas pelos educadores de esquerda conseguiram tornar legítimo, verdadeiro e universal seuponto de vista a respeito do fenômeno educacional e lançar suas reflexões no cenário nacionalcomo referência, ou mais propriamente, como ponto de partida para as discussões seguintes.

Pensamos que ao mesmo tempo que se lutava contra o autoritarismo, a esquerdaesclarecida e crítica se colocava na posição de quem com consciência via as nuances desseregime político no movimento das salas de aula. Como via com consciência, não percebendo porparte dos professores a consciência filosófica necessária para que se juntassem a eles nesta luta,manifestava-se com firmeza extremada no sentido de garantir a formação de educadores quecumprissem o papel que a escola deveria criticamente exercer: ensinar e ensinar bem. “Ensinarbem” significava garantir que os conteúdos do conhecimento universal fossem aprendidos porparte dos alunos das camadas populares que, assim, teriam acesso a instrumental que os colocariacom chances na luta contra as condições de opressão social.

No entanto, as lutas pela hegemonia do discurso através do silenciamento – queencontra efeitos nas salas de cursos de licenciatura em pleno século XXI – de algumas falas sobreeducação, colocavam estes educadores como donatários da verdade acerca dos rumos que aeducação deveria tomar para se resolver em processo democrático.

Outra hipótese de trabalho: o processo brasileiro ensejou as condições da formaçãodos formadores de professores resultou na idéia de formação crítica como algo especializado,portanto, como capacitação para o pensamento crítico, segundo pressupostos racionais e universais,para sair da alienação.

Se deslocarmos nossa atenção daquele momento da história da educação brasileirae nos voltarmos para o tempo presente, encontraremos a formação de professores ainda em foco,isto tanto a partir do ordenamento legal, documentos oficiais, quanto na produção acadêmica nocampo educacional. Vemos uma relação entre estes dois momentos.Tanto lá quanto aqui é possívelnotar a necessidade de fornecer ao professor todo o referencial para sustentar sua prática, deforma a não permitir que sua atuação fique destituída de fundamentos científicos, racionais euniversais, elementos que imprimem valor à prática.

Não colocamos em questão que a função da escola seja criar condições para aaprendizagem, para a sistematização de conhecimentos por parte do aluno; que o saber que pautasua atuação é específico e veiculado somente lá. No entanto, questionamos como acontece aformação daqueles que têm como tarefa viabilizar este processo: quais as referências, a partir dequal matriz.

A discussão sobre formação e formação de educadores se encontra na tensãoentre capacitação técnico-científica e formação para a reflexão crítica. No entanto, como nos dizTura, acerca da escola Tudo isso se instituiu numa cultura específica, que se organizou empráticas e hábitos de natureza burocrática e conservadora. (TURA,2004,p.5)

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TURA, M. de L. R. A cultura escolar e a construção das identidades. http://www.ines.org.br/ paginas/revista/debate2.htm. acessado em 23/11/2004

NOTA

1 Dissemos “dificulta” e não dissemos “ inviabiliza”. Afirmamos que há um fluxo quese faz acontecer, de discursos e de práticas que convivem. Há professores que dão sentido àexperiência educativa, esteticamente. Não trataremos destes professores nesta pesquisa, mas éimportante frisar que acompanhar a produção da prática de um grupo de professores de escolapública de ensino fundamental que trabalha neste sentido também nos forneceu índices para nosprovocar à formulação do problema que apresentamos aqui.

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INTRODUÇÃO

A escola, instituição responsável pela transmissão de parcela da cultura, é marcadapela mesma, e em função de sua especificidade, produz modos próprios de agir e pensarrelacionados ao que historicamente se espera e se vê concretizado em seu interior. Nesse sentido,a vivência da docência se constitui pela adesão a um conjunto de práticas, códigos, valores a elarelacionados. Apreender a cultura docente e o que é constitutivo desses profissionais, buscandocompreender o professor inserido em relações sociais e profissionais se torna fundamental para ainvestigação do que o professor faz ao exercer a docência bem como do que o exercício dadocência faz com ele. Viñao-Frago (1996), ao tratar da cultura escolar, compreende a mesmaconstituída a partir de determinantes externos, ao mesmo tempo em que apresenta relativaautonomia, expandindo suas marcas para além da escola. Ao apontar a existência de sub- culturasem seu interior, ressalta a relevância de se aprofundar a compreensão da cultura docente, levando-se em consideração aspectos que dizem respeito à formação, seleção, carreira, considerados emrelação ao processo de socialização na profissão. Para o autor, a cultura escolar constitui umconjunto de idéias, pautas e práticas que conformam o pensamento e as ações dos atores envolvidosno fazer escolar, dando sentido ao mesmo.

Uma perspectiva de investigação que busque compreender a escola como portadorade cultura que lhe é própria relaciona-se à investigação dos professores como portadores de umhabitus 1 específico ao exercício dessa função, por eles incorporado, que por sua vez diz respeitoà análise das relações estabelecidas pelos professores na escola e para além dela.

Entendendo habitus como algo interiorizado pelo sujeito e que o predispõe a agir dedeterminadas maneiras, a configuração de um habitus docente pode ser apreendido ao analisar-se as práticas docentes, ou seja, os sinais presentes na cultura docente que se revelam emtradições, transparecendo em modos de ser, agir e pensar próprios ao exercício dessa função.Para Gimeno Sacristán (1999), prática docente é cultura objetivada, na forma de um legado impostoaos sujeitos, expressando-se como sabedoria compartilhada, papéis a serem desempenhados eestilos docentes. Dessa forma, as práticas expressam os caminhos consolidados da cultura, fazendocom que os professores participem das ações de outros professores, na forma de pautascompartilhadas em relação a condutas, crenças, formas de compreensão, emoções, valores.

A conduta do professor é produto da forma escolar (Vincent, Lahire e Thin, 2001),que pressupõe certos espaços e certas atividades, ou seja, coordenadas organizativas quedemandam papéis a serem desempenhados. De acordo com Gimeno Sacristán (1998), o profes-sor, em sua atividade de transmissão cultural, ao guiar situações complexas, em atividades muitasvezes imprevisíveis, submete-se às demandas que lhe são colocadas, que por sua vez pressupõem

PROFESSOR, ALUNO: CADA QUAL EM SEU LUGAR

PENNA, Marieta Gouvêa de Oliveira (PUC/SP )

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a adoção de determinado referencial de conduta, nos quais encontra modelos de atuação. Para oautor isso ocorre devido à existência de esquemas de comportamento profissional que estruturama prática docente, que se reproduzem e dão continuidade a modelos pedagógicos estabelecidosna prática, ao mesmo tempo que possuem condicionantes institucionais.

O UNIVERSO DA PESQUISA

As análises formuladas para esta comunicação sobre cultura docente e constituiçãode habitus referem-se a dados coletados em pesquisa realizada para elaboração de dissertação demestrado (Penna, 2003). A construção do objeto de pesquisa da dissertação, qual seja, o exercíciodocente por pessoas que como seus alunos, encontravam-se na condição de detentos, partiu dequestionamentos em torno dos limites e possibilidades do desenvolvimento da educação escolarno interior de um estabelecimento prisional. A coleta de dados sobre o exercício docente ocorreupor meio de entrevistas semi estruturadas com os monitores-presos que atuavam na penitenciáriainvestigada. Os monitores-presos, sujeitos da pesquisa, eram contratados pela Fundação ManoelPedro Pimentel (FUNAP), para ministrarem aulas em estabelecimentos prisionais do Estado deSão Paulo, tanto em salas de alfabetização, correspondentes aos primeiros anos do Ensino Fun-damental, quanto na educação supletiva. A FUNAP é responsável pelo Ensino Fundamental nasprisões em São Paulo. O quadro de monitores é composto por monitores concursados, monitores-presos, professores advindos de parcerias com as redes estadual e municipal, entre outros (SãoPaulo/ FUNAP, 2001).

Tratava-se de um grupo de monitores, no entanto composto por pessoas singulares,com trajetórias de vida distintas. Em seus depoimentos, algumas regularidades estavam presentes,relacionadas, entre outras coisas, à apreensão da cultura docente por parte dos mesmos.

A ESCOLA NA PRISÃO

A prática educativa, ao se desenvolver em determinado contexto, expressa relaçõessocialmente estabelecidas, sendo por ele determinada. Ao se desenvolver no ambiente prisional, aescola se vê submetida a suas regras e procedimentos, além de refletir o que nela se espera verconcretizado nessas circunstâncias. A escola na prisão encontra-se submetida à lógica carcerária,conforme atestam diferentes pesquisas, dentre as quais destacamos Portugues (2001), Santos(2002), Penna (2003). No entanto, o espaço escolar na prisão assume características próprias àinstituição escolar e sua cultura, com espaços, tempos e regularidades característicos dessainstituição, obviamente marcados pelo fato da mesma estar inserida na instituição prisional, o quemarca as atividades nela desenvolvidas (Santos, 2002; Penna, 2003).

Dessa forma, a escola na prisão apresenta-se como local diferençado, com discursose regularidades próprios, além de constituir-se claramente como um valor. As conversas entabuladascom os monitores- presos no espaço escolar giravam sempre em torno de assuntos educacionais,

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como a violência nas escolas, a não reprovação, ou mesmo sobre algum tema em que estivessemtrabalhando com seus alunos. Em diferentes estudos (Leme, 2002; Santos, 2002; Penna, 2003),a procura da escola no interior da prisão diz respeito à solução de problemas concretos pelosdetentos, relacionados ao fazer escolar, como por exemplo aprender a ler ou mesmo diplomar-se;ou a situações relacionadas ao ambiente prisional, como passar o tempo, circular pelos diferentespavilhões ou conseguir um parecer de conduta favorável por parte da equipe técnica; o que nãodifere das razões pelas quais se envia o filho à escola, ou seja, para aprender a ler, ocupar o tempo,fazer amigos, ou mesmo ser alguém na vida.

CULTURA DOCENTE E CONSTITUIÇÃO DO HABITUS

Nas entrevistas realizadas com os monitores- presos, a escola na prisão, em funçãode características específicas ao fazer escolar, que, ao trabalhar com elementos da culturaconsiderados relevantes em determinado contexto histórico- social, implica a adoção de regras e obom comportamento, representava um outro lugar, em que as atitudes deveriam ser outras, ouseja, alunos e professores deveriam saber se portar de forma diferençada na escola. Ao seremincentivados a falar sobre sua prática, sobre prazeres e dificuldades obtidos no desempenho dessafunção no interior da prisão, sobre suas crenças na função social da escola e do professor, osmonitores explicitaram aspectos da cultura docente, ou seja, da apropriação realizada por eles dealgo constitutivo da função de professor, que por sua vez organizava suas percepções sobre aimportância do desempenho da função e sobretudo suas percepções sobre seus alunos,caracterizando-se como padrões que acabavam por influenciar sua conduta. Some-se a isso o fatode alunos e professores, na situação em questão, serem provenientes da mesma população depresos, exigindo da parte dos monitores um grande esforço para se demarcarem como agentedocente frente a seus alunos e toda a população carcerária. Para a análise da apreensão dacultura docente incorporada pelos monitores, três aspectos foram destacados: o esforço pelademarcação da diferença; o desempenho da docência como missão; professor e alunos: espaçosem oposição.

O ESFORÇO DA DEMARCAÇÃO DA DIFERENÇA

Neste estudo, os monitores faziam parte da mesma população carcerária que seusalunos, partindo de uma condição de igualdade. Portanto, o esforço de demarcação da diferençaentre alunos e professores, presente na escola para além da prisão, no contexto específico em quea pesquisa se desenvolveu apresentou-se de forma marcada na fala dos monitores:

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“Dentro da sala de aula é cada um numa posição...” (Daniel)“Na escola você fala, e não é o preso que fala, é o professor! Mudamuito. O próprio preso percebe que muda. Quando ele entra naescola, muda. É outro lugar. O próprio preso tem que perceber issosozinho.” (João Carlos)

Para os monitores, marcar a posição de professores demonstrava-se crucial parapoderem assumir essa função na prisão. O professor deve saber mais que seus alunos, condiçãopara os mesmos poderem estar na posição de ensinar. Para os monitores, os alunos, pelo fato departirem de uma condição de igualdade, testavam constantemente suas capacidades, que deveriamestar aptos a comprovar:

“É difícil. Eles querem saber até onde você estudou. No meu caso,já sabiam da minha escolaridade, porque eu estudei pra seradvogado, e eu ajudava os outros por ter feito direito. Mas eles falam:‘Um calça bege como eu, o que ele sabe mais do que eu? Como elepode ser meu professor?’ O preso desafia e você tem que mostrar!O mais difícil é que ele te vê como igual e você tem que mostrar quepode contribuir. Precisa se sobressair frente o aluno, mostrar quetem um pouco a mais.” (Adriano)

“Às vezes o aluno faz pergunta, não pra obter resposta, mas pratestar o professor. Tem que ter jogo de cintura, pra estar preparadopra essas coisas.” (João Carlos)

De qualquer forma, as funções estavam previamente marcadas, e o professor deveocupar o seu lugar. De acordo com os monitores, os alunos percebiam se o professor estava ounão preparado para lecionar, e não estavam lá para serem enganados. No entanto, além de sabermais que seus alunos, o professor deve saber de coisas que sejam relevantes. Ao necessitar saberde coisas relevantes, torna-se fundamental ao professor que este manifeste-se de modo relacionadomuito mais a valores educacionais implícitos ao fazer escolar, que à transmissão de conhecimentopropriamente dito. De acordo com Rockwell e Mercado (1986), as práticas que ocorrem na escolacomunicam orientações e prioridades que definem o trabalho docente. Para a autora, o fazerescolar encontra-se muito mais vinculado à disciplina que à produção intelectual, apresentandoum fundo constante que acaba por constituir modos de agir e falar característicos da docência.

A função de professor é exercida por meio da adesão a um conjunto de valores, quetem como pano de fundo a crença na escola e no que ela representa socialmente, pressupondo aassunção de um determinado modo de agir, relacionado ao seu desempenho, e que diz respeitoao que é ser professor, como esse profissional deve se portar e sobre a função social da escolaque lhes cabe viabilizar na sala de aula. O exercício docente supõe evidenciar ações que, para osmonitores apresentavam-se como fundamentais para o desempenho dessa função:

“A responsabilidade de professor é maior que a do aluno.” (Daniel)“Pra ser bom professor tem que ter compromisso, se não tivercompromisso, seriedade, respeito, não desenvolve nenhuma função,nenhuma profissão, muito menos uma tão importante como essa.Professor é uma função muito importante, tem que ter consciênciado seu trabalho.” (Adriano)

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“Aprendi a necessidade de se manter a postura. (...) Essa forma,essa postura faz diferença pra ser professor, aí eles se adaptambem.” (Marcelo)

Manifestar condutas desse tipo tornava-se importante para os monitores imporemrespeito a seus alunos, e para que fossem reconhecidos como professor. Segundo os monitores, aexistência de respeito é imprescindível na relação do professor com seus alunos. Conforme ditoanteriormente, para serem respeitados, necessitavam saber mais que seus alunos, além danecessidade de se portarem de forma destacada. Dessa forma, configurava-se em um respeitocalcado no saber, mas também nas atitudes. Saber de coisas relevantes e saber se portar deforma adequada acabava por representar que o professor deveria ser diferente, ou seja, deveria serportador de algo nobre, o que acaba por se encaixar muito adequadamente na idéia do exercíciodocente como missão, presente na cultura escolar.

DESEMPENHO DA DOCÊNCIA COMO MISSÃO

O trabalho do professor traz implícito a idéia de convencimento, seja em função dosaber mesmo que transmite, que deve ser aceito como legítimo pelos alunos, seja em função dosmodos de ser e estar na escola, que implicam o bom comportamento. Além disso, o saber transmitidopelo professor não é elaborado por ele. Dessa forma, a atividade do professor traz implícita a idéiade convencimento, bem como o estabelecimento de influência sobre os alunos, o que transpareciana fala dos monitores:

“Bato colocado, pra aprender que estudo faz parte da guerra...”(Marcelo)

“Só escolhe a escola se a gente influenciar...” (Marcelo)

Ao ter implícito à sua função a formação de seus alunos para o convívio social, odocente se vê como modelo de conduta para os mesmos, fato que repercute em sua maneira deportar-se na sala de aula:

“Mantenho certa rigidez na sala, e isso ajuda, impõe respeito e ensinaa importância de ser educado, de pedir licença. Essas coisas tambémsão pra ser aprendidas na escola. (...) Procuro passar boasmensagens e ensinar mais que só o conteúdo.” (Marcelo)

“Você tem que mostrar progressão, tem que ter cuidado com aimagem que passa...” (Marcelo)

Servir de modelo implica dar o melhor de si, trazendo em seu bojo a idéia do exercícioda docência como doação:

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“O professor se sacrifica pelo objetivo de dar aulas, não é só eu queimporta, importa os outros também.” (Adriano)

Ao estabelecer-se na relação com o outro, implica relação de “auxílio”, que assumeum caráter assistencialista, permeado pela idéia da docência como missão:

“Eu gosto de auxiliar os outros, gosto de ajudar. Sei que o que façoé precário, que não sou profissional, mas gosto de transmitir coisasboas... Quando por algum motivo não tem aula, não gosto, fica umvazio... Aqui posso fazer coisas pelo outros...” (Marcelo)

“Escola não é só pra passar matéria, é também pra ajudar.” (JoãoCarlos)

Ao implicar a idéia de valor bem como de auxílio, o exercício docente traz em seubojo a necessidade de modificação dos alunos, para estarem aptos a receberem aquilo que lhes foidesignado. Para tanto, a relação entre o professor e os alunos necessita ser regulamentada. Não équalquer relação que permite uma influência positiva sobre os alunos. Transpareceu nos depoimentosdos monitores que os relacionamentos travados na escola necessitavam ser estabelecidos sob aautoridade do professor, pautados numa “imposição da adequação”:

“Trago coisas da vida, mensagens de otimismo. O mundo é bom...,mostro que é preciso ser pessoa destacada...” (Marcelo)

“Costumo dar exemplos de vida e da experiência pros alunos, falarda importância dos estudos.” (Marcelo)

“Sempre falo a palavra amar, por favor, obrigada, aproveito para usaressas palavras.” (Marcelo)

Dessa forma, algumas regras eram estabelecidas, para que se mantivesse um bomconvívio, uma vez que as relações deveriam ser travadas dentro de determinados padrões decomportamento:

“Quanto aos alunos, a gente procura estabelecer algumas regras,pra manter o respeito, mas não tudo a ferro e fogo. Tem que teralgum espaço pra brincadeira sadia. (...) Respeito misturado comcerta liberdade ficou bom.” (Fábio)

“Se os alunos dão muito trabalho, não brigo com eles. Se é entreeles, procuro resolver, mantenho a organização.” (Marcelo)

Para Bourdieu e Passeron (1982), toda ação pedagógica exerce violência simbólicaao impor significações arbitrárias reconhecidas como legítimas, ou seja, um arbitrário cultural.Para se instaurar, a ação pedagógica supõe a autoridade pedagógica, cuja origem é institucional.Assim, a autoridade do professor se refere à instituição que o legitima e ao que essa instituição sepropõe realizar, ou seja, a ação pedagógica institucionalizada. Dessa forma, a legitimidade de suaação é dada pela instituição que concede sua autoridade e a possibilidade de transmitir o que

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transmite. Portanto, a autoridade pedagógica independe do agente ou da relação que o mesmoestabelece com seu aluno. A ação pedagógica escolar ocorre em espaço determinado socialmente,e o professor se apercebe das condições materiais e simbólicas de sua efetivação, inscritas naposição que deve ocupar, e que por sua vez nele se inscrevem na forma de habitus. Ocupar aposição de autoridade pedagógica é condição para a efetivação da relação de comunicaçãopedagógica escolar. O professor herda determinado habitus relacionado ao exercício dessa função,que se expressa em sua ação cotidiana e do qual o exercício da autoridade pedagógica é um fortecomponente, uma vez que a instituição concede ao professor “o direito e o poder de desviar emproveito de sua pessoa a autoridade da instituição” (p. 136).

PROFESSOR E ALUNO: ESPAÇOS EM OPOSIÇÃO

Para poderem servir como modelo de comportamento a seus alunos, os professoresdevem possuir uma imagem, de si mesmos, de acordo com os aspectos apontados anteriormente,para que importa as condições às quais seu exercício docente está condicionado. Na prisão, aidéia da contribuição da educação escolar e da ação docente na recuperação de criminosos estavapresente na imagem que os monitores faziam de si mesmos e de seu trabalho:

“Você está cooperando com outras pessoas ignorantes a melhorarem,alguém que ia prejudicar alguém ao sair daqui e que pode melhorar.”(Daniel)

“Depois, estou ajudando. Aí já são dois que estão fora dacriminalidade, eu, e mais um....” (Adriano)

O professor necessita valorizar a atividade por ele desenvolvida, incorporando odiscurso da escola como possibilidade de resolução de problemas sociais, presente nas expectativasnela depositadas pela sociedade, e que se apresentava nos depoimentos dos monitores:

“Elas podem sair melhor ou pior. A escola ajuda a ser melhor, e issotem que ser pensado.” (João Carlos)

“Precisa ajudar essas pessoas a crescer, quando ela estiver livre, vaiter mais oportunidade, vai se isentar da criminalidade.” (Adriano)

Assim, não é qualquer pessoa que pode estar na posição de ensinar. Além de sabermais que seus alunos, ela deve ser diferente dos mesmos. Isso acaba por configurar a posição dealunos e professores em posições diferentes, muitas vezes antagônicos, dispondo os professoresem posição de estabelecer julgamentos morais sobre seus alunos. Ao serem interrogados sobre osmotivos que levavam os alunos a procurar a escola na prisão, os monitores percebiam que otrabalho dentro da prisão, como na rua, competia com a escola. Dessa forma, a escola se configuravacomo segunda alternativa para os detentos. Apontavam também a escola como válvula de es-

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cape, como uma das únicas alternativas apresentadas aos detentos para ocupar o tempo, sair dospavilhões, poder entrar em contato com outros presos. No entanto, ao tecerem consideraçõessobre seus alunos, colocavam-se claramente em outro lugar, apesar de saberem das dificuldadespor eles enfrentadas e sofrerem as mesmas dores e constrangimentos que seus colegas de infortúnio.Por serem seus professores, sentiam-se à vontade para tecerem julgamentos morais sobre osdemais detentos, fato que transpareceu em seus depoimentos:

“Eles já vêm forçados. Tenho que contornar a situação. Faz porbronca, despeito, nervoso, quer descontar ali. Tem que conseguircontornar. Ninguém gosta de estudar no presídio. Maioria não gosta,75% vem forçado por benefícios, achar ocupação, não porque gostede verdade.” (Marcelo)

“Na prisão a maioria não quer aprender, vai pra escola por obrigação,por que a escola ajuda na progressão da pena. Vai pra fazer osnegócios no caminho da escola. A maioria não quer saber de nada.”(João Carlos)

Esses mesmos professores que apontavam, em seus alunos, motivos pouco nobrespara sua freqüência à escola, têm muita clareza de que o desempenho da função de professor naprisão representa privilégios, e que a procura dos mesmos por uma vaga para trabalharem naescola relacionava-se a motivos concretos e não tão nobres como a missão de professor a elesdesignada fazia supor, como o salário recebido, a possibilidade de um parecer de conduta favorávelda parte da equipe técnica, ou mesmo ocupar a mente ou circular pelos diferentes espaços prisionais,da mesma forma que seus alunos. No entanto, esses elementos não impediam os mesmos de seposicionarem em oposição a seus alunos: professor é professor, aluno é aluno, e cada qual deveocupar seu lugar.

Para Bourdieu (2001), os esquemas práticos de classificação acionados pelo pro-fessor ao elaborar juízos sobre seus alunos, que organizam sua percepção e apreciação bemcomo sua prática, revelam os princípios que organizam o sistema de ensino, que por sua veztendem a reproduzir a ordem social e a estrutura das relações entre os grupos nela inscrita, queimplicam relações de força e sentido. O professor possui esquemas de pensamento adquiridospela prática, e que contribuem para a reprodução das estruturas sociais das quais é produto.Dessa forma, as categorias que os professores utilizam quotidianamente revelam princípiosorganizativos do sistema de ensino, do qual o professor é produto, cuja lógica é produzida nosistema escolar, revelando no entanto determinações sociais. As categorias do juízo professoraltendem a incidir sobre a pessoas e suas qualidades, e não sobre suas aptidões técnicas, consagrandoa ordem social e as divisões de classe.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O professor, ao socializar-se para e no exercício docente, encontra-se imerso nacultura escolar, do que decorre a apropriação pelo mesmo de determinado habitus, que por suavez é constituído por intermédio dessa mesma prática. A análise da forma como o professor

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compreende a função por ele desempenhada, ou seja, das representações que possui da escola,do exercício da docência e mesmo de seus alunos pode contribuir para a compreensão do habitusdocente, que por sua vez é constituído de disposições e percepções que direcionam a ação.Assim, a percepção que o professor possui da atividade por ele desempenhada revela modos deser e agir próprios àqueles que desempenham essa função, que configuram e são configuradospor facetas do habitus docente.

Ao investigar a atividade de professor em uma instituição prisional, exercida porpessoas que como seus alunos, encontravam-se na condição de detentos, alguns aspectos dacultura docente puderam ser explicitados. Os monitores-presos não exerciam a docência antes desua detenção. Ao assumirem a posição de professor na cadeia, aprendiam os traquejos dodesempenho dessa função com seus colegas, além de se valerem de modelos percebidos emantigos professores, quando de sua passagem pela escola. O que a pesquisa evidenciou é que aoassumirem sua função como professores, os monitores assumiam determinadas formas de ser eagir relacionadas à cultura docente e aos modos de ser e estar na escola, relacionados ao lugarocupado pelo professor, que é muito diferente daquele ocupado por seus alunos. É da lógica dainstituição escolar a ocupação de posições distintas por professores e alunos, pautada da autoridadepedagógica, bem como o estabelecimento de julgamentos sobre os alunos, sendo a lógica escolarproduto da estrutura social.

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NOTA

1 O conceito de habitus está sendo compreendido tal qual formulado por Pierre Bourdieu (1983), ou seja, como um sistema de disposiçõesduráveis que gera e organiza as práticas e as representações, sem que contudo estas apareçam como obediência às regras. Os agentessociais interiorizam normas e princípios que asseguram a adequação de suas ações à realidade social, o que faz com que o habitus tendaà assegurar a reprodução das relações sociais que o engendram.

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1. INTRODUÇÃO

Uma das preocupações que se pode, com alguma segurança, julgar como inerentea qualquer profissional (dentre esses, o professor de educação física atuante na esfera escolar),refere-se a como esse ator social vem se sentindo em relação ao desenrolar das rotinas de suaprópria área de atuação, ou seja, como vem se dando, ao longo de sua trajetória de trabalhos, suasatisfação em termos profissionais.

É uma questão que se torna mais clarividente, ao se considerar, concordando comNÓVOA (1995), PIERON (1996) e ROSA (2003), que inúmeras são as vicissitudes presentes nodecorrer do cotidiano de trabalho de um docente; desta feita, pode ser que se suceda uma confluênciaentre aquelas com as motivações iniciais (e ainda, entre aquelas com a dinâmica de renovaçõesdesses primeiros impulsos) do mesmo pela profissão; pode ser, por outro lado, que ocorra o oposto,ou seja, uma separação, talvez definitiva, entre o que se pretendia (ou ainda, o que se vempretendendo) fazer e o que realmente se conseguiu com a profissão ao longo de determinadotempo - o que tende a influenciá-lo, de forma bastante peculiar, no que tange à sua própria atuaçãoprofissional.

Nesse contexto, nutre-se, de acordo com BETTI (1997) e BORGES(1998), a necessidade de considerar-se que o bem estar do profes-sor pode vir a influenciar significativamente sua ação cotidiana peranteseus alunos. Destaca LIBÂNEO (1994, p. 56):

“Á eficácia do trabalho docente depende da filosofia de vida do professor, de suasconvicções políticas, do seu preparo profissional, do salário que recebe, da sua personalidade, dascaracterísticas da sua vida familiar, da sua satisfação profissional em trabalhar com crianças etc.Tudo isto, entretanto, não é uma questão de traços individuais do professor, pois o que acontececom ele tem a ver com as relações sociais que acontecem na sociedade.”

Assim, torna-se crucial despender atenções àquele: a reflexão sobre as histórias,as frustrações, as alegrias e dificuldades que o docente enfrentara durante o transcorrer de suacarreira são, indubitavelmente, impregnadas de significados atribuídos, os quais certamenteapresentam uma estreita relação com o que o professor produz em seu cotidiano de trabalho.

Foi partindo desta temática que, dentro de um esforço de compreensão, discuti eanalisei dados referentes ao particular caso de uma professora de Educação Física escolar (a qual

PROFESSORA DE EDUCAÇÃO FÍSICAESCOLAR E SUA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL:

SATISFAÇÃO E/OU DESCONTENTAMENTO?

Fabio Junio Valentim (CEF/UFSCar); Glauco Nunes Souto Ramos (DEFMH/UFSCar)

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atua hoje numa unidade escolar de Ensino Fundamental da rede municipal de ensino da cidade deSão Carlos – SP) ao longo de seus anos como profissional. Com o trabalho busquei compreendercomo vem se construindo, nesse caso específico, a satisfação e/ou o descontentamento daprofessora em relação à sua própria profissão. A pesquisa teve como objeto a própria trajetória devida da docente, uma vez que, de acordo com BETTI (1997), BORGES (1998), BUENO (2004),HOLLY (1995) e MAHABIR (1993), as maneiras de se perceber uma profissão não se encontramdesvinculadas de toda a história pessoal que o indivíduo vivenciara.

2. HISTÓRIAS DE VIDA DE PROFESSORES

Segundo BUENO (2004), o argumento que mais vem sendo utilizado pelospesquisadores quanto ao crescente usufruto de análises sobre histórias ou trajetórias de vida deprofessores refere-se ao fato de que, por esse método, pode-se buscar (com um adequado rigor)descrições acerca da subjetividade do professor, preocupação hoje considerada indispensávelpara determinados tipos de análises educacionais.

Para MAHABIR (1993), a análise do passado de um professor pode vir a contribuircom uma melhor compreensão de suas atitudes e sua situação geral no presente; pode-se encontrar(através desse tipo de análise) indícios fortes do quê, em seu passado, influencia hoje suasconcepções sobre a área, assim como sua própria forma de atuação; ora, pode-se refletir tambémsobre o futuro desse profissional, desde que não se lhe faça de maneira estanque e/ou generalista.

A subjetividade referente à figura docente, a qual se encontra intrínseca àspreocupações acima, torna-se ainda mais clarividente e digna de investigação, ao se consideraremas preocupações de BORGES (1998), GRECO (1999) e NÓVOA (1995), quanto a quem realmentevem a ser o docente, no que tange não apenas a análise de seu “eu profissional” (termo esse,citado como fruto da dicotomia do conceito de docente estabelecido pelo processo de tentativa deracionalização do ensino de décadas anteriores à atual, sendo seu componente oposto “eu pessoal”),mas partindo da compreensão de que o professor deve ser vislumbrado como alguém em queambas as categorias (pessoal e profissional) são, na verdade, componentes de um mesmo ser.Para esses autores, tais categorias não podem ser separadas, sob pena de se restringir acompreensão das concepções e atitudes do professor a meros equívocos.

O estudo das histórias de vida de professores, sob o olhar de GOODSON (1995),tem sua importância ligada ao fato de que permite buscar uma maior compreensão do trabalhodocente, a partir do próprio contexto da vida profissional desse sujeito, fato que aponta para umaminimização de qualquer pretensão por parte de investigações que apenas expõem a esfera maisproblemática do cotidiano prático do mesmo. Sobre essa problemática, para argumentar suasconsiderações, o autor em questão utiliza a seguinte citação de Pegg, etnólogo:

“Comecei a reflectir que, para mim, as pessoas que cantavam ascanções eram mais importantes que as próprias canções. A cançãoé apenas uma pequena parte da vida do cantor e a vida foi semprealgo de fascinante. Não poderia compreender as canções sem sa-ber alguma coisa sobre a vida do cantor (grifo nosso), o que não

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parecia aplicar-se ao caso da maioria dos etnólogos. Sentem-sefelizes por encontrar material que se adapte a um critériopreconcebido e ficam por aí. Eu necessitava de saber o que aspessoas pensavam acerca das canções, que papeldesempenhavam na sua vida, e na vida da comunidade.”(GOODSON, 1995, p. 66).

Também sobre a relevância do método, vale destacar o que aponta Ferraroti, citadopor BUENO (2004), o qual corroborando colocações de Goodson afirma que a utilização dosmétodos biográficos pode ser uma alternativa interessante para a busca da mediação entre açõese estrutura, entre a história social e a individual.

3. METODOLOGIA

3.1. Histórias de Vida de Professores e Educação FísicaEm Educação Física, ainda hoje, não há um grande número de pesquisas, quaisquer

que sejam os seus enfoques, que envolvam mais diretamente a figura docente, consideração essaque se pode compreender, principalmente se forem levadas em conta épocas (diretamente referentesà área) anteriores aos dias atuais, às quais DAOLIO (1998), se atenta para afirmar que se trataramde instantes marcados por produções cujos enfoques eram meramente referendados porcontribuições advindas dos planos biológico, fisiológico, técnico-tático e desportivo. Para BRASIL(2000) e MELO (2002) a época em questão, no que tange ao âmbito da educação física, eraimpregnada de valores que destacavam apenas a relevância da melhoria de aptidão física dosindivíduos, em prol de interesses diversos. Tal contexto, era praticamente o único que representavauma influência direta e significativa para as produções acadêmicas da Educação Física naquelemomento. Foi somente a partir do final da década de 1970 e início da década de 1980, que houveuma intensificação quanto à produção de trabalhos criados a partir de outros referenciais (dentreeles a antropologia, filosofia sociologia, etc.), os quais passaram a considerar, no campoinvestigatório, a Educação Física enquanto fenômeno da esfera sócio-cultural. Tal momento, paraa história da área, representa, ainda hoje, um grande marco, uma vez que passou a motivar aconstrução de novos paradigmas para a mesma.

Houve, enfim, uma aproximação entre as concepções próprias da pesquisa qualitativa(que, em outros âmbitos, também pertencentes à educação, já se vinha fazendo presente), com arealidade conjuntural e cotidiana da Educação Física.

Entendendo que, a partir das histórias de vida, podemos descrever muito das formaspelas quais o professor se constituiu no que hoje é, compreendo como altamente significativa asua utilização com professores de Educação Física, principalmente pelo fato de, no processo deconstrução e consecução da pesquisa, podermos observar, através de uma maneira completamentediferente da habitual, a sua forma particular de enxergar a área em que atua. CAMPOS (1997) eGRECO (1999) confirmam tal lógica ao considerarem que, para uma melhor compreensão daEducação Física, tendo-se em vista sua história, a utilização dos relatos de vida de seus professorestorna-se incomensuravelmente importante, pois aquilo que já fora vivenciado por esses atores

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sociais é passível de ser explicitado em sua profissionalização.Em suma, a utilização dos relatos de vida, em Educação Física, como atestam os

trabalhos de BETTI (1997), CAMPOS (1997), CARDOSO (2003) e GRECO (1999), vemaumentando nos últimos anos, mesmo sendo esse tipo de pesquisa recente no contexto da área.As contribuições e a relevância desse processo para o amplo contexto da Educação Físicacorroboram aquelas que foram descritas anteriormente, as quais expus quando discorri sobre ométodo em si.

3.2. Perspectiva Metodológica e Técnicas para a Coleta de DadosSelecionei a abordagem qualitativa de pesquisa para a busca do objetivo proposto,

pois pude compreender que esta se relaciona intimamente com o mesmo, uma vez que, em setratando de um fenômeno educacional, o qual se encontra impregnado de valores atribuídos e decaracteres subjetivos, tal tipo de abordagem surgira historicamente justamente quando se percebiaa necessidade de abarcar-se tais complexidades (BUENO, 2004) e, a partir destas últimas, vemse desenvolvendo.

Para coletar os dados para a pesquisa, buscando aquelas técnicas que de fatopudessem ser relevantes para a consecução do trabalho, utilizei a entrevista de cunho semi-estruturado (NEGRINE, 1999). As perguntas elaboradas, igualmente segundo classificação expressaem NEGRINE (1999), são de caráter aberto, isto é, significam que a pessoa entrevistada poderesponder àquilo que lhe for perguntado conforme lhe convenha.

4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

A partir do relato da professora, pude destacar diversas questões que, segundo elamesma, tiveram grande relevância na formação de seus gostos em relação à Educação Física.

A primeira delas se refere ao quão importantes foram, em sua vida, as brincadeirase jogos da infância. Segundo ela, havia, naqueles tempos, uma grande gama de atividades/brincadeiras, cujo caráter era relacionado a jogos e esportes. Para a professora, estas experiênciasforam fundamentais para o desenvolvimento de seu gosto pela Educação Física. Talvez tenha elaescolhido, como profissão a seguir, aquilo que considerava como sendo de seu próprio apreço econhecimento, e não algo que lhe era parcial ou totalmente desconhecido. Um dos trechos de suafala ajuda-nos a esclarecer esta questão:

“(...) eu falava pro meu pai que eu tinha que ir pra uma escola que...que fosse... que aprendia esporte, como é que era ser técnico, comoé que era jogar, que nem a gente, nem lembro se a gente tinhatelevisão (eu ia assistir na vizinha), e eu já gostava disso desdequando eu tinha sete, oito anos”.

Um grande destaque é dado pela professora também às atividades escolares nasquais jogos da mesma estirpe dos anteriores eram enfocados. Considerava boas as aulas deeducação física (nem mesmo as eventuais parcas condições estruturais atrapalhavam seu bomandamento e aproveitamento) o que pode ser compreendido como mais um reforço, no que tange

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à configuração de seus sentimentos referentes à área.Outro ponto bastante salientado pela docente refere-se à importância da atuação

dos professores de sua época quanto à configuração de seus gostos. Tal questão destaca-se dafala da entrevistada em vários momentos: primeiramente, quando nos remete a seus tempos decriança, onde elogia uma de suas professoras:

“(...) mas a professora 1 foi, assim, meu espelho..., pra eu gostar deesporte acho que tudo a ver com a professora 1.”;

mais tardiamente, quando já cursava a faculdade, volta a dar destaque à figuradocente:

“(...) tinha uns professores lá, meu, que dava desespero de ver aaula do cara, sabe? Eu sabia tudo de atletismo, eu era campeã deoitocentos metros rasos, na época, de jogos abertos... eu... ele...ele... a primeira nota que ele me deu eu fiquei tão frustrada, elemandou as meninas levantarem e dar uma nota de olhar na caradas meninas. E... eu não era alta e ele era velho, ele queria achoque uma pessoa alta... e eu lembro que o professor 3, na época, foiuma pessoa muito influente, que tava ajudando ele no atletismo e,quando ele viu minha nota, o professor 3, ele não se conformou queele me deu cinco! E... era um cara que não tava nem aí, que nãodava nada... não vou nem citar o nome do cara que não vale nem apena, mas eu mostrei pra ele que não precisava ser alta pra ter anota dez, porque no outro bimestre eu tirei dez. Então assim... foiassim... no outro bimestre eu tirei dez, então foi assim... pra mostrarpra ele mesmo que não era assim a coisa”.

Por seus relatos acerca dessa questão, a professora nos elucida mesmo que gostarde uma ou outra disciplina, na faculdade, dependia em muito de sua impressão do professor, deseus trabalhos, sua postura, etc. Quando perguntei a professora se, de início ou mais tardiamente,conseguiu ela encontrar, no curso de graduação em Educação Física, aquilo que buscara ou quesomente aquilo que vislumbrara como sendo de maior relevância para a carreira, respondeu-me:

“Naquela época... sim e não, porque... tinha uns professores lá,meu, que dava desespero de ver a aula do cara, sabe? (...)

Sobre o curso de Educação Física, principalmente pela questão da figura dosdocentes, a professora destaca que apesar de ter havido alguns aspectos positivos no curso, emoutros, este ficava muito aquém de suas expectativas.

“(...) eu gostava de sociologia, detestava filosofia, acho que foi muito,assim, do professor que a gente tinha, se o cara era muito a fim ouse o cara não era, sabe? (...)”.

No que tange ao que lhe agradava no curso (refiro-me, aqui, mais especificamenteàs disciplinas), a professora fez uma clara menção àquelas cujo caráter prático era marcante

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(mesmo que não excluísse de todo o gosto por algumas das disciplinas ‘mais teóricas’):

“Eu gostava dessa parte de... a gente tinha uma aula que chamavaDança Folclórica, Dança de Região, eu nem lembro como é queera, a parte de ginástica rítmica eu gostava muito e tudo o que eraprático. Adorava tudo o que era prático: adorava vôlei, adorava quandoa gente tinha aula de educação especial (parte prática), amavaquando a gente tinha aula de atletismo... eu só não gostava muitode natação, porque eu era frustrada, porque eu não sabia nadar, eutive que aprender, mas... mas também não deixei de fazer, mas,assim, eu gostava de sociologia, detestava filosofia, acho que foimuito,assim, do professor que a gente tinha, se o cara era muito afim ou se o cara não era, sabe? Mas, assim, a parte que eu... gostavade prática mesmo, prática era tudo o que eu gostava”.

Sobre seu início de carreira docente a professora, com entusiasmo, salientou queeste ocorrera de maneira muito tranqüila e que fora um período, para ela, muito bom.

Ela nos diz também que briga pelo seu espaço no ambiente escolar, mas que asvezes é necessário deixar passar algumas coisas; procura manter uma certa relação de equilíbrioem relação aos vínculos que desenvolve com os outros profissionais ao seu redor: se, por um lado,procura demarcar seu espaço, sua própria região dentro da escola, por outro, para a manutençãode um relacionamento satisfatório, deixa de lado algumas das inevitáveis querelas de importânciamenor. A problemática do relacionamento com outros profissionais do recinto escolar é pelaprofessora citado como a maior dificuldade encontrada na profissão. termos de carreira. Nãoconseguiria, certamente, atingir tal objetivo se não houvesse dado vez e voz a docente; do mesmomodo, foi também por este motivo que procurei respaldar a discussão com algumas das referênciasque julguei essenciais para tal.

Sobre os inevitáveis obstáculos da profissão docente, a entrevistada destacou queos concebe como desafios a serem superados, os quais, em algumas ocasiões, devem ser encaradossomente por ela mesma e, em outras, em conjunto com outros professores e que isso é algo quedeve ser deles cobrado em alguma medida. Tudo isto dentro da perspectiva de criar-se asnecessárias condições para o trabalho docente.

Pelo seu bom relacionamento com os alunos, o qual a professora julga ser dadopela existência de várias semelhanças entre aqueles e esta, e muito por considerar que fizera aescolha certa, a professora considera-se profissionalmente realizada.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi destacando aspectos estreitamente relacionados às experiências de vida deuma professora de Educação Física que, neste trabalho, procurei dar destaque ao processo deconfiguração de seus gostos, sua satisfação e/ou seu descontentamento referente a sua escolhaem termos de carreira. Não conseguiria, certamente, atingir tal objetivo se não houvesse dado veze voz a docente; do mesmo modo, foi também por este motivo que procurei respaldar a discussãocom algumas das referências que julguei essenciais para tal.

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Diante dos aspectos que foram pela professora elucidados, procurei destacar, quandoda discussão e análise de tais fatos, sua história de vida como um todo, como um processocomplexo e dinâmico, levando em conta que os eventuais acontecimentos desta trajetória não sederam a partir de uma relação unilateral (uma causa e um efeito). Cada fato, ou conjunto de fatos,mostrou-se intimamente relacionado com a intrincada gama de acontecimentos de toda a suavida, não somente enquanto professora de Educação Física, mas também enquanto a criançaque brincou e que assistiu à determinadas aulas com determinados professores, enquanto a alunade graduação que questionou, que estudou, que ouviu e etc, enfim enquanto a pessoa que nãocortou laços com sua história de vida somente porque se licenciou em determinado momento davida.

Para a reconstrução dessa história, busquei ouvir (dar vez e voz) a professora, queteve assim a oportunidade de relembrar fatos importantes de sua trajetória de vida, os quais, comopude notar a partir da análise dos dados coletados, puderam contribuir para a configuração deseus gostos acerca do trabalho com Educação Física.

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INTRODUÇÃO

O trabalho apresentado nessa comunicação constitui parte de Dissertação deMestrado concluída no Programa de Pós-graduação em Educação Escolar da Fclar/UNESP em2005. O estudo teve como objetivo principal compreender as ausências de conhecimentos mani-festos na formação de professoras que atuavam na educação infantil e nas séries iniciais doensino fundamental e que no momento da pesquisa cursavam o ensino superior. Com os resultadosnão se pretendeu responsabilizá-las pelo fracasso da escola, mas tentar entender de que modoelas são frutos desta sociedade que exclui e que não dá conta de formar a todos com igualdade depossibilidades de continuidade de estudos e de opção consciente pela profissão. Para os limitesdessa comunicação optei por apresentar o perfil-sócio-econômico-cultural das professoras e desuas famílias para que se possa compreender a opção pela profissão como a única possível nascondições materiais e objetivas em que elas viviam em seus municípios no momento de decidirempelo curso magistério. Assim, ser professora não foi uma opção consciente da importância e dosentido social do trabalho docente que elas desenvolveriam depois de concluírem o curso magistério.

A pesquisa teve como campo empírico o Curso Normal Superior Fora de Sedeoferecido por uma instituição superior de ensino do interior do estado de São Paulo.

A visão oficial ocorreu por meio dos documentos definidores da política educacionalda Secretaria de Estado de São Paulo e das políticas Nacionais de Educação e o Projeto PolíticoPedagógico do Curso Normal Superior. Os portifólios e auto-avaliações constituíram documentosgerados pelos alunos.

Na metodologia de pesquisa considerou-se o alerta de Bourdieu (2001, p.299) sobreos resultados de pesquisas que se baseiam em dados revelados por entrevistados e não por meiode observação direta. Para o autor as pessoas tendem a se aproximar, pelo menos por meio dodiscurso, da prática reconhecida como legítima, ou seja, práticas que se aproximam da culturadominante. Sendo assim, utilizei três instrumentos para coleta de dados. Foram primeiramenteenviados 609 questionários estruturados para as 17 salas dos 11 municípios selecionados para acoleta de dados. Com a análise dos dados revelados com a tabulação dos 410 questionáriosrespondidos e devolvidos foi possível traçar o perfil sócio-econômico-cultural e profissional dasprofessoras-alunas do Curso Normal Superior e familiares.

Os outros instrumentos de pesquisa, quais sejam, as entrevistas e a análise de 160cadernos, contribuíram com o objetivo de buscar respostas às questões iniciais do estudo e, maisainda, dialogar com os resultados obtidos com a análise dos dados dos questionários, ou seja,com o perfil sócio-econômico-cultural das professoras-alunas do Curso Normal Superior e

PROFISSÃO DOCENTE: OPÇÃO CONSCIENTEOU “CAUSALIDADE DO PROVÁVEL”?

BIANCHINI, Noemí (Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara/UNESP)

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complementá-los.As entrevistas foram realizadas com 12 professoras-alunas de cidades de portes

diferenciados. Esses dados permitiram a construção de quadros e nas citações foram identificadospelas letras e números: P1, P2, P3, P4, M1, M2, M3, M4, G1, G2, G3, G4.

Tendo como referencial teórico a Sociologia de Pierre Bourdieu optei por trabalharcom o conceito de capital cultural em seu estado incorporado pelo fato deste ser um dos princípiosda construção teórica proposta por Bourdieu que, ao relacionar a contribuição das estruturas dasfrações de classe com a reprodução da sociedade de classes via educação, desafia-nos a entenderde que maneira os sistemas social e escolar podem contribuir ou não com a reprodução, com ahomogeneização, com a massificação, com a alienação dos indivíduos numa sociedade.

Perfil sócio-econômico-cultural das professoras e de suas famílias e a escolha daprofissão docente

Para Bourdieu (1998a, p.73) os benefícios específicos que as crianças das diferentesfrações de classes podem obter no mercado escolar estão relacionados à distribuição do capitalcultural dominante entre as frações de classe e não por efeito ou conseqüência das “aptidões”naturais ou “dom” para os estudos como pretendem fazer crer as políticas neoliberais com oconceito de meritocracia. Segundo Nogueira e Nogueira na perspectiva bourdieusiana

“a escola dissimuladamente valoriza e exige dos alunos determinadasqualidades que são desigualmente distribuídas entre as classessociais, notadamente, o capital cultural e uma certa naturalidade notrato com a cultura e o saber que apenas aqueles que foram desdea infância socializados na cultura legítima podemter”.(NOGUEIRAM.A., NOGUEIRA C.M.M. 2004, p.94)

Assim, levando-se em conta que o sucesso escolar depende do capital culturaldominante transmitido aos indivíduos por suas famílias e do capital cultural dominante incorporadopelos indivíduos que freqüentam a escola, penso que nos dados analisados encontram-se resultadosque permitem que se inicie a compreensão do perfil sócio-econômico-cultural das professoras-alunas do Curso Normal Superior e seus familiares, pois revelaram a percepção que as professoras-alunas tinham da fração de classe à qual pertenciam quando conviviam com suas famílias e à qualpertenciam no momento da pesquisa.

Os dados obtidos com as questões permitiram verificar que, quando viviam comseus pais, 74% delas consideravam pertencer às frações de classes média baixa e baixa; nomomento da pesquisa, quase a totalidade das entrevistadas, ou seja, 92% delas consideram fazerparte das frações de classes média baixa e baixa.

Esse resultado pode ser observado também na Tabela 20 da publicação da UNESCO(2004, p.67) sobre o Perfil dos Professores Brasileiros, onde 5000 professores entrevistadosresponderam à pergunta “Atualmente, com qual classe social o(a) sr.(a) se identifica?” verifica-se que 80,5% dos professores com renda familiar mensal de até 2 salários mínimos responderamque pertencem à classe social média baixa e baixa e 75,9% dos professores com renda familiarmensal de 2 até 5 salários mínimos também consideram-se da classe social média baixa e baixa.

Nos dois estudos menos de 1% se autoclassificou como pertencente à classe alta.

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A Tabela 1 permite que se façam importantes considerações sobre a escolaridadedos pais, dos irmãos e das professoras-alunas do CNS

Tabela 1Instituição e âmbito de formação dos familiares das professoras-alunas

Ao se observar o âmbito do Ensino Fundamental, percebe-se que aproximadamente50% dos pais tiveram acesso à escola pública, enquanto 97% das professoras-alunas e 66% deseus irmãos concluíram o ensino fundamental na escola pública, ou seja, houve um aumentoconsiderável do acesso ao ensino público fundamental nas últimas décadas.

Quando observamos os números do Ensino Médio a distância se acentua. Apenas10% dos pais tiveram acesso, enquanto que 99% delas e 53% dos irmãos o fizeram. A instituiçãoresponsável pela formação básica das duas gerações continuou sendo a pública.

Vinte e seis por cento dos irmãos das professoras-alunas possuíam o ensino supe-rior, mas é importante observar que a instituição pública, que no ensino fundamental e médio foi olocus de formação para as professoras-alunas e seus irmãos não foi capaz de prepará-los para oacesso ao ensino superior nessas mesmas instituições e foi o ensino privado quem os recebeupara a graduação.

Para Bourdieu (1998b, p.223) o sistema de ensino amplamente aberto a todos e, noentanto, estritamente reservado a alguns, reúne as aparências da “democratização” com a realidadeda reprodução. Para o autor (1998b, p.222) o sistema educacional democrático adia o balançofinal, a hora da verdade, em que o tempo passado na instituição escolar será considerado por elescomo um tempo morto, um tempo perdido. A análise dos dados da Tabela 1 confirma a hipótesede Bourdieu sobre os efeitos da escola pública sobre os indivíduos das camadas populares, ouseja, a democratização do ensino que tem garantido aos indivíduos das camadas populares o

Fonte: Pesquisa realizada com as alunas do CNS – Pólo Araraquara 2004 Pergunta: Até que nível estudou?Em que instituição de ensino?

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acesso às instituições públicas de ensino não os têm preparado para cursar a universidade públicaonde, certamente teriam acesso a um ensino de qualidade, provavelmente capaz de alterar suascondições objetivas e materiais de existência.

A análise dos dados dos questionários apontou que, segundo as professoras-alunas,39% de seus pais e 41% de suas mães sempre estudaram na cidade em que moravam e naTabela 2, apesar do baixo número de respostas, observa-se que 6% das mães por não possuíremcapital econômico (condições financeiras) não continuaram

seus estudos e uma média de 5,5% atribuem à falta de oportunidades a continuaçãodos estudos e a profissionalização.

Bourdieu (1998c, p.89) refere-se à “causalidade do provável” para dizer que apropensão dos indivíduos abandonarem os estudos é tanto mais forte quanto mais fracas forem,para a classe de origem, as chances objetivas de acesso aos níveis mais elevados do sistema deensino. Para o autor “os efeitos da causalidade do provável são observadas para além das práticase até nas representações objetivas do futuro e na expressão declarada das esperanças”. Observa-se que os estudantes são tão mais modestos em suas ambições escolares e tanto mais limitadosem seus projetos de carreira quanto mais fracas forem as oportunidades escolares oferecidas àscategorias de que fazem parte. As condições objetivas de escolarização dos pais e mães dessasprofessoras-alunas confirmam o que já era previsível, ou seja, residiam em municípios de pequenoporte ou sítios, tinham acesso às classes multisseriadas no sítio, ao âmbito onde eram oferecidasvagas (ensino fundamental público oferecido em consonância com a obrigatoriedade da Lei 5692/71) e a uma formação relativa apenas às possibilidades oferecidas no município onde residiam,uma vez que não possuíam capital econômico, capital simbólico e nem capital cultural incorporadoque lhes possibilitasse a busca por outras estratégias educativas que os orientasse na modificaçãoou superação de suas condições materiais de existência e de suas condições objetivas de formaçãoem família e na escolarização.

Fonte: Pesquisa realizada com as alunas do CNS – Pólo Araraquara 2004Pergunta: Sabe por que não o fez?

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A Tabela 3 traz dados sobre a formação básica e superior das professoras-alunas.Tabela 3Proporção de professoras-alunas, segundo escolaridade e instituição freqüentada.

Ao se observar o âmbito do Ensino Fundamental, percebe-se que 98 % dasprofessoras-alunas concluíram o ensino fundamental na escola pública, ou seja, houve um aumentoconsiderável do acesso ao ensino público fundamental, nas últimas décadas, em relação à realidadeapontada pela análise dos dados de acesso de seus pais à escola na Tabela 1. Quando observamosos números do Ensino Médio, como já vimos anteriormente, a distância se acentua. Apenas 10%dos pais tiveram acesso, enquanto que 99% delas o fizeram. A instituição responsável pela formaçãobásica das duas gerações continuou sendo a pública. Contudo, o curso escolhido era o únicooferecido no município que poderia proporcionar a elas a chance de trabalho imediato e,consequentemente a divisão das despesas da família. Segundo Nogueira e Nogueira (2004) Bourdieuconsidera que os indivíduos das classes populares seriam sujeitos, por suas condições materiaisde existência, a uma vida marcada pelas “pressões materiais e pelas urgências temporais” ediante disso estudariam “apenas o suficiente para se manter”, principalmente porque suas famíliasnão suportariam os custos da espera e do adiamento do acesso ao mercado de trabalho.

Em relação ao Ensino Superior, apenas 53% das professoras-alunas consideraramestar cursando atualmente. Este número deveria ser de 100%, uma vez que todas as 410professoras-alunas que responderam ao questionário eram alunas do Curso Normal Superior,portanto todas estavam cursando uma graduação. Certamente, este dado aparece alterado oudiminuído porque muitas delas não estavam suficientemente esclarecidas sobre o âmbito de ensinoem que está inserido o Programa Especial de Formação de Professores do qual elas faziam parte.Esta confusão pode ser fruto também das discussões que ainda pairam sobre as exigências da Lei9394/96 e sobre a interpretação que as secretarias dos municípios têm feito sobre a certificaçãoque elas receberiam ao final do curso.

Outro fato interessante de se observar, ainda na Tabela 3 é que quando responderamsobre o âmbito do ensino médio, apenas 26% das professoras-alunas afirmaram ter concluído ocurso magistério. Esse fato pode estar relacionado aos vários modelos de formação oferecidos emconsonância com a Lei 5692/71 onde, em uma das modalidades oferecidas, as alunas poderiaminiciar o ensino médio e, depois de dois anos, optarem pelo curso magistério o que, como já foiobservado anteriormente, aconteceu por ser essa a única possibilidade de formação e trabalho

Fonte: Pesquisa realizada com as alunas do CNS – Pólo Araraquara 2004Pergunta: Até que nível estudou? Em que instituição de ensino?

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imediato nos municípios onde residiam. Outra possibilidade seria o fato de elas não relacionaremo curso magistério ao âmbito do ensino médio.

Quando a pergunta foi mais direta: você fez o magistério? 80% das entrevistadasafirmaram tê-lo concluído conforme dados apresentados na Tabela 4.

Contudo, aproximadamente a metade das professoras-alunas, ou seja, 44% delasafirmaram que gostariam de ter feito outro curso. (Tabela 5)

Outra maneira de questionar com o mesmo objetivo final, isto é, o de compreenderse a profissão docente foi escolhida conscientemente, confirma os dados da Tabela 5, pois, quandoa pergunta foi: ser professora foi opção? A resposta (Tabela 6) confirma que apenas 50% dasprofessoras foram capazes de responder sem exitar, que sim. As outras 43 % deixam a perguntasem resposta, enquanto 7% declararam que não.

A impossibilidade de acesso à outra formação profissional está relacionada ao capi-tal econômico, pois 25% das professoras-alunas disseram que não tinham condições financeiraspara custear a formação desejada conforme análise dos dados na Tabela 7.

Fonte: Pesquisa realizada com as alunas do CNS – Pólo Araraquara 2004 Pergunta: Você fez magistério? Sim ou não?

Fonte: Pesquisa realizada com as alunas do CNS – Pólo Araraquara 2004Pergunta: Você gostaria de ter feito outro curso? Sim ou não?

Fonte: Pesquisa realizada com as alunas do CNS – Pólo Araraquara 2004Pergunta: Ser professora foi opção?

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De qualquer maneira, mesmo não sendo a profissão desejada, dentre as que elastinham acesso, escolheram a profissão docente. Dados revelados por Marin (2003) também apontamdiferentes motivos de opção pela profissão e a falta de percepção de professoras do ensino funda-mental para a importância social da função docente.

Um olhar mais apurado permite apontar que 57% das professoras-alunas nãoresponderam à questão e, somente a análise cuidadosa dos textos transcritos das entrevistas comas professoras-alunas selecionadas possibilitou uma melhor compreensão em relação à formaçãoinicial e à opção pela profissão docente. Foram construídos três quadros com trechos selecionadosdas doze entrevistas feitas com as professoras-alunas para que se pudesse melhor visualizar asreflexões feitas por elas sobre as condições de acesso à formação primária e secundária. Assim,os Quadros: 1, 2 e 3 anexos ao final desse texto, trazem os Mapas relativos ao capital culturalescolar, ou seja, dados relativos à formação inicial. Como formação inicial foram compreendidas aformação primária com os estudos realizados no âmbito da educação infantil e das quatro sériesiniciais do ensino fundamental e como formação secundária foram considerados os estudosrealizados no âmbito do ensino médio pelas professoras-alunas entrevistadas.

Após a observação dos dados que compõem os Quadros 1, 2 e 3 construiu-se atabela abaixo com o objetivo de quantificar percentualmente os dados para melhor visualizaçãodos resultados.

Fonte: Pesquisa realizada com as alunas do CNS – Pólo Araraquara 2004 Pergunta: Caso sim, por que não o fez?

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Com a análise cuidadosa das reflexões feitas confirma-se que quase todas elas, ouseja, 9 dentre 12 das professoras-alunas não escolheram, conscientemente, a profissão docente.

Em artigo publicado por Marin (2003, p.59) encontram-se dados que se aproximamaos revelados nesta pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de Bourdieu não ter realizado estudos sobre a profissão docente, em seutexto Futuro de Classe e Causalidade do Provável (1998c, p.91), podemos encontrar subsídiospara compreender esta situação, uma vez que o autor considera que “para além dos sonhos e dasrevoltas, cada um tenda a viver ‘de acordo com sua condição’[...] e tornar-se inconscientementecúmplice dos processos que tendem a realizar o provável”.

Retomando os dados analisados, pode-se afirmar que eles nos permitem apontarapenas o provável diante da realidade vivida, pois essas professoras-alunas são frutos de famíliasde camadas populares, seus pais não tiveram acesso aos estudos, metade delas nunca saiu desuas cidades, o ensino ao qual tiveram acesso foi apenas o magistério...então, foi o que fizeram.Para Bourdieu (1998d, p.47) as famílias têm aspirações estritamente relacionadas às suas condiçõesobjetivas de existência. É importante observar também que para Bourdieu essas escolhas se dãode forma prática (não plenamente consciente), pois as experiências de êxito ou fracasso escolarsão incorporadas histórica e socialmente pelos grupos das diferentes camadas sociais.

Não se pode negar que houve alteração nas condições objetivas de acesso aoensino público das professoras-alunas em relação aos seus pais, isso se deve certamente àdemocratização do ensino. No entanto, quando elas tiveram acesso ao ensino médio esse já eraum âmbito de ensino que estava perdendo seu caráter de raridade; assim os investimentos emtempo e esforço foram menos rentáveis do que certamente elas supunham que seriam e a opçãopela profissão docente assumida como a única possibilidade de formação não garantiram a essasprofessoras o exercício do trabalho docente com toda a importância social que ele representa paraum sociedade de classes com profundas diferenças de condições objetivas e matérias de existência.

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ANEXOS

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INTRODUÇÃO

A relação estabelecida entre a escola e a família inicia-se juntamente com oprocesso de escolarização dos filhos. A partir daí, estabelecem-se padrões e normas que influenciarãosignificativamente a trajetória do mundo escolar. Ao se pensar nessa relação é necessário reconhecero papel relevante que os pais exercem juntamente com a escola, na condição de parceiros e co-responsáveis para os sucessos e (in)sucessos ao longo da vida escolar. Essas conexões sãoimportantes porque fornecem aos alunos oportunidades de interação entre o meio escolar e ocomunitário, fortalecendo o processo ensino-aprendizagem como um todo.

A pesquisa em questão se insere no bojo das discussões que valorizam e reconhecema importância da participação das famílias na escola. Nesta direção, o trabalho busca respondera seguinte questão: qual a contribuição dos pais/ das famílias no processo de escolarização dosalunos sob a perspectiva de professores(as) e de membros da equipe pedagógica de ensino médio?

Ao buscar identificar e analisar as contribuições dos pais/das famílias para osprocessos de escolarização dos alunos sob a perspectiva dos(as) professores(as), pretendeu-seelucidar como professores e membros da equipe pedagógica de uma escola pública de EnsinoMédio, mais especificamente o Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná – Unidade dePonta Grossa1 (CEFET/PR-PG), percebem a atual contribuição e participação da família no processode escolarização dos alunos, bem como quais os caminhos que apontam na busca de avançossignificativos nesse contexto. Assim, a pesquisa com abordagem qualitativa, em nível exploratório-descritivo (SELLTIZ et al,1967), foi realizada e contemplou 09 dos 32 professores do Ensino Médiodo CEFET/PR-PG, de diversas disciplinas e 03 membros da equipe de direção, a constar aCoordenadora do Ensino Médio, Gerente de Ensino e Psicóloga, totalizando 12 sujeitos envolvidosna pesquisa.

Os dados da amostra foram coletados por intermédio de entrevista semi-estruturadae a análise dos mesmos, feita a partir da Análise Temática (Minayo, 1996), mostrou a importânciada reflexão sobre a atual interação família-escola e sobre as ações em busca da construção deuma ação conjunta mais sólida.

RELAÇÃO ESCOLA-FAMÍLIA: AS CONTRIBUIÇÕESNO PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO SOB A

PERSPECTIVA DOS PROFESSORES

CESÁRIO, Marilene (UEL/LaPEF- UFSCar); GAIA, Silvia (CEFET/Pr-UFSCar);REALI, Aline M. M. ; TANCREDI, Regina (UFSCar)

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1. A ESCOLA E A FAMÍLIA: UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA

Com o processo de globalização, a escola encontrou-se num momento detransição que exigiu dela muito mais do que se esperava há vinte, trinta, quarenta anos atrás. Coma mudança social vivenciada nas últimas décadas, a escola, voltada antigamente às informações,encontrou um concorrente mais poderoso e capaz: a tecnologia. O aluno já não mais precisava irpara a escola para “saber”. Ele obtinha informações assistindo à televisão ou acessando a internet.Então, a escola entrou num processo de ajuste: ela passa a situar-se no nível do conhecimento,destacando a sua vocação formativa com uma opção nítida pelo conhecimento, em contraposiçãoao caráter instável de repasse de meras informações (GAIA, 2003 ).

Nesse novo caminho, o objetivo central do processo ensino-aprendizagem é teracesso a informações com diversos propósitos, ou seja, a aprendizagem ocorre quando hátransferência para outras circunstâncias. Na verdade, o principal objetivo da escola passa a ser ode ajudar o aluno a transferir o quê aprendeu no ambiente escolar para conhecimentos a seremutilizados nos ambientes de seu dia-a-dia: casa, comunidade, trabalho. Daí as recomendaçõesque regem hoje o sistema escolar brasileiro através da Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional nº 9394 de 1996, confirmadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais2.

A família enquanto sistema aberto em interação com outros sistemas (escola, bairro,comunidade profissional, etc.) representa o contexto no qual o indivíduo, aluno está inserido. Masnem sempre os membros da família têm consciência do papel que exercem na vida escolar dosseus. A família tem e precisa desenvolver sua função de formadora. Seus membros precisamsaber a que família pertence, como seus pais pensam, quais são os sonhos e ideais cultivados,qual a importância do conhecimento na família. A família inicia o desenvolvimento educacional esocial do indivíduo e é a escola que deve dar a esse indivíduo o respaldo para continuar taldesenvolvimento. Assim, pode-se dizer que um ambiente chave para o aprendizado é a família.

Segundo Parolin (2004), quando uma família matricula uma criança na escolaestá, em verdade, contratando um trabalho que objetiva organizar uma série de aprendizagenspara favorecer e fomentar o desenvolvimento global da criança e instrumentalizá-la para atuar nasociedade como um cidadão. Por isso, tanto a escola quanto a família devem comungar dosmesmos conceitos de homem, cidadão, mundo, educação, como devem ter objetivos compatíveis.Ou seja, a filosofia e a metodologia da escola têm que ser compatíveis com o código moral dafamília (ibid, 2004). Quando esses aspectos são resguardados, inicia-se uma parceria entreescola e família e ao mesmo tempo, um processo ensino-aprendizagem que respalda o ambientecomunitário. O contrato de compromisso educacional entre uma escola e uma família que estejapautado no conhecimento da complexidade e da profundidade do processo de aprendizagemresultará num aprendiz consciente da necessidade de construir conhecimentos. Isso será maisfácil numa família tranqüila com o espaço de aprendizagem de seu filho e consciente de que esteespaço deve ser compartilhado, numa escola mais competente, sabendo que pode contar comseus parceiros. Assim, teremos uma criança com vontade de aprender e compartilhar este saber

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com seus parceiros e pode-se concluir que todos saem ganhando.A prática do envolvimento familiar tanto em casa quanto na escola tem sido

visto como fator de grande influência no desenvolvimento dos alunos. Mas conforme as criançasvão crescendo e tornando-se adolescentes o envolvimento familiar, apesar de continuar importante,diminui consideravelmente. Pesquisas sugerem que as escolas podem reverter o declínio darelação escola-família desenvolvendo programas de parceria (Dornbusch & Ritter, 1988; Plank &Jordan, 1997 apud Sanders; Epstein; Connors-Tadros,1999).

Os pesquisadores Sanders, Epstein e Connors-Tadros (1999) apresentamo desenvolvimento histórico e cronológico do estudo sobre a importância do envolvimento dafamília no processo de escolarização, principalmente, de adolescentes do Ensino Médio. Pode-seencontrar nos estudos teóricos essa preocupação datada em 1969, no qual Duncan, por exemplo,desenvolveu uma pesquisa com um grupo de controle que estabelecia contato entre o conselheirodo aluno com seus pais, durante o ensino médio. Concluiu-se que os alunos do grupo de controleobtiveram notas e freqüência maiores do que os demais alunos e índice de desistência bemmenor.

Dorbusch e Ritter (1988) estudaram os efeitos do envolvimento familiar nas atividadesem escolas de ensino médio e concluíram que as notas dos adolescentes que tinham oacompanhamento dos pais foram, invariavelmente, maiores das notas dos adolescentes cujospais não costumavam participar de suas vidas escolares. Além disso, os pesquisadores destacaramque o nível de participação das famílias de alunos que representam grupos minoritários, alunosque tinham padrasto ou madrasta, ou aqueles que viviam somente com a mãe ou só com o pai eraos mais baixos entre todos os estudados. Já os pesquisadores Plank e Jordan (1997) descobriramque a comunicação e conversas entre alunos do ensino médio, pais e professores sobre assuntosescolares e acadêmicos aumentaram as chances de continuação dos estudos, comencaminhamento para universidades e “colleges”.

Apesar da importância ter sido destacada ao longo dos anos através daspesquisas científicas, os pais/a família dos adolescentes continuam não participando do processoensino-aprendizagem. Um estudo desenvolvido pelo “Search Institute”, nos Estados Unidos,mostrou que poucos adolescentes possuem pais que mantêm um interesse real no processo deescolarização (George, 1995, Apud Sanders; Epstein; Connors-Tadros,1999). A razão desse nãocomprometimento dos pais/das famílias com o processo ensino-aprendizagem engloba desde ascaracterísticas familiares quanto a estrutura organizacional das escolas. Há argumentos quejustificam essa falha devido ao número de professores que o aluno passa a ter no ensino médio, ouao enorme número de alunos que o professor é responsável, ou ainda devido às relações entreprofessor-aluno e professor-família. Estudos de ciências sociais mostram, ainda, que o “status”sócio-econômico da família, (Clabrese,1990;Winters,1993), a desconfiança (Lightfoot,1978), ou abaixa escolaridade dos pais (Lareau, 1989) também são motivos que afetam o envolvimento maiorou menor das famílias com a escola. Lucas, Henze e Donato (1990) também descobriram que asescolas têm um papel central na determinação do nível de envolvimento dos pais no processoensino-aprendizagem de seus filhos. Existem indícios de que professores ou membros da

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comunidade escolar em nível de ensino médio não costumam comunicar-se com as famílias deseus alunos como também não encorajam o envolvimento real das famílias de todos os seusalunos (Sanders; Epstein; Connors-Tadros,1999).

2. COMO PROFESSORES E MEMBROS DA EQUIPE DE DIREÇÃO3 DO CEFET/PR-PG ENTENDEM A RELAÇÃO ESCOLA-FAMÍLIA

Nas linhas abaixo, encontram-se os resultados e análises da pesquisa, arespeito das contribuições dos pais/das famílias para os processos de escolarização dos alunos,sob a perspectiva dos(as) professores(as) de uma escola pública de Ensino Médio, maisespecificamente o CEFET/PR. Esses dados mostram como os professores percebem a atualcontribuição e participação da família no processo de escolarização dos alunos, e os caminhosque apontam na busca de avanços significativos nessa relação.

2.1 INTERAÇÃO DA FAMÍLIA NO CEFET-PR/PG

O meio mais utilizado pela escola para informar os pais sobre o que acontece nocontexto escolar, na maioria das vezes, ocorre por meio de convocação por escrito e são enviadaspelos próprios alunos aos pais. Na opinião dos entrevistados, essa forma utilizada acaba tornandoo processo ineficiente uma vez que nem sempre o filho faz esse intercâmbio (50%). Outra formacitada foi a reunião de recepção dos calouros, porém como nesses tipos de reuniões são abordadosmuitos assuntos, os entrevistados consideram que os pais têm dificuldade em assimilar tantasinformações e que isso acaba dificultando o entendimento dos pais sobre o seu papel neste processo(25%), e aqueles que informaram que os contatos são feitos por telefone não apontaram nenhumcomentário sobre a eficiência ou não desse procedimento (25 %).

Nesse ponto, pode-se inferir uma falha no processo de interação do CEFET-PR/PGcom as famílias de seus alunos. Isso porque a comunicação entre família e escola tem um papelcrítico no estabelecimento de uma relação frutífera como também é um fator determinante emqualquer implementação de práticas de parceria envolvendo escola e família. Quando 75% dosmembros da comunidade escolar classificam os meios de comunicação como ineficientes (porescrito através dos alunos ou nas reuniões, com muitas informações e pouco contato específico),fica evidente que a instituição não está fornecendo informações suficientes para estabelecer contatoda família com a instituição. A literatura aponta que “muitas escolas de ensino médio começam adesenvolver seus programas de parceria com enfoque exclusivo nos meios de comunicaçãosobre os programas da escola, progresso e necessidades dos alunos4 (SANDERS,1998 ApudSANDERS; EPSTEIN; CONNORS-TADROS,1999).

Gotts (1983 apud Sanders; Epstein; Connors-Tadros,1999) registrou que famíliasde alunos de Ensino Médio aprovaram, especialmente, dois tipos de meios de informação quereceberam: um informativo recebido regularmente contendo detalhes sobre os programas da escola,as atividades extra-curriculares e eventos; e notificações informando sobre casos em que seus

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filhos adolescentes estivessem tendo dificuldade de aprendizagem e/ou comportamento. Ao seremnotificados de falta de disciplina, esses mesmos pais participantes desse estudo, mostraram inter-esse em receber informação sobre meios apropriados de resolver tais questões.

Pode-se inferir então que o processo de comunicação entre escola e família deve iralém de notificações sobre mau desempenho ou comportamento, as famílias querem que a escolaajude-os a comunicar-se melhor com seus filhos adolescentes, instruindo-os, por exemplo, sobrea forma de interagir em diversos momentos, entre eles, durante a execução da tarefa; nas tomadasde decisões sobre cursos extras, futuro educacional, planos profissionais, entre outros.

Dentre todos os entrevistados 100% das respostas afirmam que é importantea participação dos pais no processo de escolarização. Deste total 66% consideram pouca aparticipação dos pais na escola, 33% consideram boa e 33% importante. É interessante perceberque a equipe de direção não responde se a participação dos pais é pouca ou boa, simplesmenteimportante. Esse fato chamou a atenção das pesquisadoras, pois, parece que o posicionamentoda equipe de direção é o de se ausentar de qualquer tipo de julgamento, uma vez que faz parte daequipe administrativa e qualquer julgamento iria refletir em seu trabalho e papel junto a essainstituição.

Aqueles que consideram que o nível de participação dos pais na escola é pouca,justificam a partir de argumentos como: a característica da escola; não há uma cultura escolar dechamamento da família; característica do CEFET que “gera” autonomia do filho; e falta de aberturaque a escola proporciona. Apontaram ainda, que geralmente os pais são chamados na instituiçãodevido a notas baixas, indisciplina e outros problemas.

Por outro lado, também se observa que os professores não se sentem partícipes,como sujeitos que podem atuar em mudanças frente a essa “cultura escolar” no sentido de promoverrelações mais “abertas” entre pais e escola. A fala de um dos professores demonstra isto: Euacredito que seja (pausa) a própria direção da escola mesmo que não dê essa abertura né, ela secoloque num outro tipo de posição (...).

Nas falas dos entrevistados fica nítida a visão de que a cultura escolar é feitaindependente da figura do professor, sendo muitas vezes algo externo e distante dele ou até mesmoimposto a ele. Finann e Levin, (2000 apud PACHECO, 2003), o termo cultura escolar pode assimser definido:

para descrever o que é único em cada escola; trata-se de uma culturaem nível local. Uma cultura escolar qualquer revela o porquê deuma escola parecer diferente de uma outra escola, por que é quesoa, cheira, vê e sente de uma maneira única. As culturas escolares,em concreto, são moldadas pelas experiências únicas que sãopartilhadas pelos participantes, experiências essas que sãoinfluenciadas pela classe, raça, vizinhança, bem como pela históriaescolar e respectiva liderança. Contrariamente à cultura educacional,a cultura escolar está em constante mudança (p.128).

Quando o termo cultura escolar é utilizado para descrever e apresentar o que éúnico em cada escola, retratando uma cultura local e que essas culturas são construídas pelasexperiências de todos os envolvidos, entende-se que os professores ao fazerem parte dessa cultura

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podem também modificá-la. Além dos professores que demonstram insatisfação com o processode comunicação entre a instituição e as famílias, existem aqueles que acreditam que, o nível departicipação dos pais na escola é boa.

2.2 INTERAÇÃO “IDEAL” ENTRE ESCOLA-FAMÍLIA

Entendendo que a relação escola-família configura uma concepção de escola,como também uma concepção de sociedade, pode-se analisar que as respostas dadas pelosprofessores e equipe pedagógica quanto ao que eles considerariam uma interação ideal entreambos, sinalizam que precisam ser feitas mudanças nessas relações.

Um aspecto que pôde ser constatado foi a valorização atribuída pelos professoresao papel da família no processo de escolarização. O exemplo mais citado como forma de melhorar/modificar a relação mantida pela instituição com as família/pais na visão dos professores foi acriação da Associação de Pais e Mestres – APM. Porém é necessário ter claro que a presença deuma associação não significa uma relação de parceiros na busca de superação e divisão dasresponsabilidades do processo de escolarização. Trazer os pais para dentro da escola significaredesenhar o mapa social dos papéis que tanto a escola como as famílias/pais têm desempenhadono cenário de nossa sociedade, caso contrário continuaremos com os mesmos diálogos entresurdos (Silva, 1996).

Tanto as atividades de voluntariado, com a de se aprender em casa e tomar decisões,depende inicialmente do processo de comunicação e aceitação da interação da escola e da família.No Brasil, há registros sobre as Associações de Pais e Mestres (APM) que se caracterizam comouma atividade que permite tal relação. Numa APM, cujos objetivos vão além da participação emfestas juninas ou eventos promocionais, pais e professores fecham um círculo de cooperação queculmina facilitando a execução de programas de parceria (Epstein, 1999). As reuniões com ospais e membros da escola também podem tornar-se momentos de parceria, mas devem ultrapassaras metas de entrega de boletins. As reuniões devem ter uma pauta que contemple espaço paradiscussão de questões maiores como currículo e plano de ensino; questões objetivas relacionadascom o dia-a-dia dos alunos dentro da escola; questões subjetivas ligadas às expectativas da famíliae do aluno em relação à escola, assim como da escola em relação à família e ao aluno; e questõesque estejam em voga no momento que os encontros acontecem.

2.3 INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NO PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO DOS FILHOS

A maioria dos entrevistados aponta a cultura familiar como um dos motivos maissignificativos que conduz de maneira positiva todo o processo de escolarização dos filhos.Entendendo como cultura familiar um conjunto de hábitos e atitudes dos envolvidos gerandocomportamentos responsáveis dos filhos perante a escolarização, compreende-se a influência docontexto familiar no contexto escolar. Observa-se que essa cultura familiar, segundo os entrevistado,vai influenciar no processo de escolarização no que se refere: ao incentivo e/ou cobrança quanto

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ao ensino e suas responsabilidades; incentivando hábitos de leitura, acompanhando o desempenhodo filho; cobrando atitudes e princípios no que se refere aos valores humanos e ainda estabelecendohábitos diários de estudos e presença em aulas (com punição e/ou negociação de prazeres).

De acordo com as respostas dadas, o contexto familiar aparece como uma dascaracterísticas das famílias que participam da escola, pois, o ponto significativo é o acompanhamentopermanente do filho, na escola e em casa, ao evidenciar a importância dos estudos para a formaçãohumana e estabelecer hábitos e horários de estudos aos filhos.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS: CONCLUSÕES PROVISÓRIAS

Os resultados da pesquisa demostraram que ainda se está longe de construir umarelação de pareceria, com elos legítimos que envolvam a escola e a família como uma comunidadepreocupada com o processo de escolarização dos alunos. Porém, alguns indícios de mudançascomeçam a serem percebidos, mesmo de forma tênue, na construção de uma escola parceira dafamília e de uma família parceira da escola.

As escolas podem e devem encorajar este interesse preocupando-se em promoverprogramas atrativos com o objetivo de buscar a definição de uma parceria com a família. Quandoa escola promove programas de parceria, incluindo práticas de diversas naturezas de envolvimento,ela capacita os membros das famílias a interagirem melhor entre si e com a comunidade como umtodo, inclusive a comunidade escolar. Quando há uma interação familiar constituída, mas fácil setorna estabelecer inter-relações com os demais sistemas. Entretanto, para que a escola consigadesenvolver tais programas, ela precisa determinar meios de comunicação compreendidos e aceitospor todas as famílias, independente dos aspectos culturais e sociais que as diferenciem, e portodos os envolvidos.

Para se construir tal relação, outras problemáticas relacionadas ao contexto sociale econômico devem ser enfocadas e a educação deve ser priorizada e valorizada como fatorimportante na construção da sociedade que se encontra em constante transformação. Destaforma, questionam-se os novos papéis da escola, das família e do Estado na construção de umsistema educativo que valorize diversos ambientes de aprendizagem, especialmente o comunitário,no qual professores, pais, alunos, administradores e equipe de direção têm uma função funda-mental de interação e comunicação.

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VIEIRA, Ricardo. Professores e pais: diálogos de surdos e relações de poder na comunicação.Educação, Sociedade e Cultura. No. 06, 1996, p172,-178.

NOTAS

1 O CEFET/PR é uma instituição de educação tecnológica, autarquia federal de regime especial que oferece a 94 anos, na cidade deCuritiba, cursos de ensino médio, educação profissional de nível básico, técnico e tecnológico, cursos de graduação e pós-graduação,com objetivos de desenvolvimento da pesquisa e extensão. A partir de 1986, no governo do presidente José Sarney, o CEFET/PR lançouo Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Técnico que permitiu a interiorização da instituição. O programa procurou atingir todos osquadrantes do Estado do Paraná, criando Unidades de serviço em Cornélio Procópio (norte do estado), Campo Mourão (noroeste),Medianeira ( região oeste), Ponta Grossa (centro do Paraná) e Pato Branco (Sudoeste do estado).2 No intuito de exemplificar tais determinações, apresenta-se a seguir as finalidades do curso de ensino médio: a consolidação e oaprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos em nível superior; apreparação básica para o trabalho e a cidadania, para o educando continuar aprendendo de modo a ser capaz de se adaptar comflexibilidade às novas condições de ocupação no mercado de trabalho ou realização de aperfeiçoamentos posteriores; o aprimoramentodo educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; acompreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática.3 O grupo de entrevistados totalizou doze sujeitos, sendo sete (07) sujeitos do sexo feminino e cinco(05) do sexo masculino. Quanto àfaixa etária, encontram-se entre idades de 31 a 50 anos, a grande maioria, onze (11) deles trabalham na instituição num período que variade 06 até 10 anos, e apenas um (01) tem menos de cinco anos de serviço. Quanto ao tempo de formação cinco (05) sujeitos formaram-se na década de 90, outros cinco (05) na década de 80, e dois (02) deles na década de 70.4 “Many high schools begin developing their programs of partnership by focusing exclusively on communications about school programsand students’ needs and progress”. Traduzido pelas autoras.

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Nesta comunicação nos propomos a fazer uma avaliação do trabalho de leitura deromances realizado com alunos do primeiro ano do curso de Pedagogia. Esta foi uma prática deensino adotada por dois anos em uma faculdade particular da cidade de São Paulo, UniversidadeIbirapuera, na disciplina de História da Educação. 2 O móvel de nossa iniciativa era proporcionaraos alunos experiências de leitura de textos clássicos da literatura brasileira. Acreditamos,veementemente, que é preciso enfrentar a questão da ausência deste tipo de leitura na escolabásica e, por outro lado, parece-nos fundamental fazer com que os alunos percebam que a práticaeducativa é uma prática cultural e, nesta medida, eles são responsáveis pela difusão da tradiçãocultural do meio em que estão inseridos e, da produção intelectual mais ampla. Autores consagradosjá nos mostraram que a criação cultural é um processo de acumulação, de influências eapropriações.

A inserção deste tipo de literatura nas aulas de História da Educação não deve serentendida como um desvio de conteúdo, mesmo que justificado como sendo por uma boa causa.Entendemos que a literatura, quando trata dos temas associados ao universo escolar, é uma fontee um objeto de análise historiográfica. Tem a sua razão de ser, pois traz para o campo da históriada educação informações sobre os sentimentos, representações, pontos de vista peculiares,específicos, não encontrados em outras fontes históricas. Assim, procuramos sempre associar oempenho na formação cultural dos alunos ao trabalho de interpretação da literatura como documentodas práticas escolares.

Há um outro sentido neste trabalho. Sentido complexo e, por vezes, polêmico, quediz respeito aos objetivos da disciplina de história da educação. Afinal para que serve a história, e,no nosso caso, a história da educação? Adotamos uma perspectiva investigativa e metódica,quando se trata de fazer a crítica documental, mas não nos furtamos à tarefa de efetuar algumasreflexões sobre o presente e de tomar a história como elemento fundamental para a construção dofuturo. Cito dois autores que, pesquisando em campos diferentes da historiografia, tecemconsiderações semelhantes.

Jacques Le Goff, no verbete Memória, do livro Memória e História, diz:“A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o

passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória coletivasirva para libertação e não para a servidão.” 3

António Nóvoa, no texto “Inovação e História da Educação”, afirma:

ROMANCES NO ENSINO DE HISTÓRIA DAEDUCAÇÃO: UMA PERSPECTIVA HUMANÍSTICA NA

FORMAÇÃO DO PROFESSOR

Profa. Dra. Dislane Zerbinatti Moraes 1

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“A História da Educação não é importante apenas porque nos fornece a “memóriados percursos educacionais” (que nalguns casos se pode revestir de uma certa exemplaridade)mas sobretudo porque nos permite compreender que não há nenhum determinismo na evoluçãodos sistema educativos, das idéias pedagógicas ou das práticas escolares: tudo é produto deuma construção social.

Mais adiante, acrescenta:“....É esta percepção de que as instituições escolares contemporâneas são

fruto de opções política e sociais – e de que as coisas poderiam ter passado de maneirabem diversa... que nos liberta para imaginarmos aqui e agora uma escola diferente e/ouescola nenhuma. A história da educação surge assim como um espaço prévio aodesenvolvimento de um pensamento utópico.” 4

Assim, consideramos que o espaço da disciplina de História da Educação possibilitaa crítica documental e a desconstrução da memória oficial ou de relatos motivados por interessespolíticos e pedagógicos ligados às disputas no campo educacional. 5 É espaço a ser preenchidopor outras memórias, ou contra-memórias, outras vozes silenciadas, mas atuantes no fazer histórico.6 Que importância tem o relato miúdo de um romance autobiográfico, a visão subjetiva de ummemorialista sobre a sua infância ou a escola figurada de escritores e escritoras? Configuram,sem sombra de dúvida, relativizações e problematizações de imagens preconcebidas, de visõessacramentadas. Induz a investigação 7. Amplia a compreensão do passado e do presente. Produzuma consciência histórica consistente, que, será acionada, de forma subjetiva, imprevista, intuitiva,na vida cotidiana de cada aluno, no seu percurso profissional.

Antes de entrarmos diretamente no relato de nossa experiência pedagógica,consideramos relevante tecer, ainda, algumas reflexões sobre o que entendemos por humanismo,concepção que fundamenta nossa opção pelo texto literário como elemento estratégico no ensinode história da educação. Partimos da concepção grega de educação que atribuía à poesia afunção de educar os cidadãos. Como sabemos a formação clássica grega era essencialmenteestética, artística e literária. A poesia, então, consistiria no edifício da cultura geral, importantepara a formação do “homem por inteiro”, conferiria “humanidade ao homem”. Nas palavras deMarrou, o homem formado pela cultura geral, clássica, entendida como aquela que permaneceválida além de seu tempo, “é capaz de exercer atividades de qualquer espécie; é igualmente ,capaz de fazer progredir a ciência, de tornar-se um líder político, um guerreiro, um explorador, umherói: ele é como uma dádiva dos deuses, entre os homens...”

Ainda deixando-nos levar por Marrou, “cultura geral, mas também cultura comum;justamente por conduzir a tudo, ela convém a todos e constitui, destarte, um poderoso fator deunidade entre os homens....O Verbo é o instrumento impar de toda cultura, de toda civilização,por ser o mais seguro meio de contato e intercâmbio entre os homens: ele rompe o círculoencantado da solidão em que, por sua competência, o especialista tende, inevitavelmente, aencerrar-se.” Não se trata de um impulso homogeneizador do pensamento. Pelo contrário, pensa-se em formar indivíduos capazes de criação cultural, de conhecimento de si e do outro. O humanismoclássico contempla a perspectiva social, porque impede que o conhecimento e a criação encerre-

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se em si mesma. 8

Durante um semestre promovemos a leitura de romances, crônicas, contos eautobiografias que tratavam de assuntos escolares. Os texto lidos foram: Machado de Assis, Contode Escola, Raul Pompéia, O Ateneu; Manuel Antonio de Almeida, Memórias de um Sargento deMilícias, Ina Von Binzer, Alegrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil. Graciliano Ramos,São Bernardo e Infância; Cecília Meireles, Crônicas de Educação; Carlos Drummond de Andrade.Um escritor nasce e morre, José Lins do Rego, Doidinho; José Mauro de Vasconcelos. Meu pé delaranja lima; Fanny Abramovich, Que raio de professora sou eu.; Dora Lice, O calvário de umaprofessora e uma incursão um pouco ousada ao romance rapsódia Macunaíma, de Mário deAndrade. Como pode-se depreender dessa relação de textos, os períodos históricos são variados,tanto quanto os temas e abordagens analíticas.

Os alunos foram orientados para fazerem uma leitura atenta, que propiciasse umconvívio com o tempo histórico narrado no texto e levantassem qualquer tipo de questão educacionalou propriamente pedagógica. Em seguida pediu-se um estudo sobre o período histórico tematizado,a biografia do autor e informações sobre o contexto de produção e recepção do texto. Procurou-seressaltar as diferenças, quando existiam, entre o tempo da narração e o tempo da narrativa e osdistanciamentos produzidos pela construção literária do foco narrativo. Ressaltou-se também, aimportância de distinguir os posicionamentos do autor e do narrador. O tema principal, que deveriaser abordado no trabalho, dizia respeito à constituição da profissão docente. Para subsidiar estaabordagem foram fornecidos textos e aulas expositivas sobre a história da educação brasileira. Notrabalho, os alunos deveriam associar a história da educação, a história do Brasil e os conteúdosinseridos nos textos literários. Sugeriu-se aos alunos que elaborassem uma reflexão sobre oprocesso de leitura dos textos e de confecção do trabalho. Por fim, deveriam tecer outrasconsiderações ou retirar questões e assuntos relacionados ao campo educacional.

As dificuldades mais freqüentes, apontadas pelos alunos e identificadas pornós, localizaram-se no levantamento de dados históricos que fossem realmenteiluminadores, pertinentes, para a explicação e entendimento das mensagens dos textos.

Os alunos têm uma tendência em reduzir a história da educação à história dasidéias pedagógicas e, mesmo estas, são sintetizadas em dois conceitos, “escola tradicional eescola nova” , os quais para eles são realidades concretas. Como sabemos há uma narrativa dahistória da educação construída pelos ideólogos das Escolas Novas, que reelabora o passadocomo sendo homogêneo e absoluto, uma continuidade de procedimentos denominados “escolatradicional”. Quando se pede para que eles comparem métodos e práticas pedagógicas retiradasde fontes históricas relativas a tempos variados, os alunos têm uma grande dificuldade em perceberque o movimento da “escola nova” propunha métodos que apareciam em momentos da história daeducação que são caracterizados como sendo representativos da “escola tradicional “. Talvez essaausência de imaginação histórica esteja associada à forma como são dados os textos de teoriasdo ensino e de didática, os quais abstraem a dimensão temporal quando tratam de metodologia epráticas pedagógicas.

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Outro obstáculo de ordem formativa e de práticas de currículo, diz respeito aopróprio ensino de história da educação, fundamentalmente apoiado no relato da legislação e dasações estatais em relação ao ensino. Não há problematizações a respeito das fontes e os alunostomam os discursos oficiais sobre educação como sendo a própria prática educacional. Há umoutro problema em relação ao que se entende por história do Brasil. Muita vez, o dado históricoimportante para a compreensão do texto é um dado de história cultural, de mentalidade ou derelações sociais específicas. A História do Brasil, de viés político e econômico, baseada em relatosda administração pública, não trazem para o texto as informações realmente pertinentes aos assuntostratados. Os alunos deveriam fazer um esforço para pesquisarem obras de revisão historiográfica,com objetos e fontes específicas. Em síntese, os trabalhos dos alunos pareciam uma somatóriade resumos, desarticulados. É claro que houve muita intuição e, dependendo do investimentoobjetivo do grupo em interpretar os textos, alguns trabalhos demonstraram originalidade e abordagenscorretas e estimulantes.

Relacionemos alguns exemplos: O grupo que analisou as cartas de Ina Von Binzer,estiveram atentos ao gênero literário e localizaram o foco narrativo como sendo eurocêntrico. Alémdisso, fizeram do texto um pretexto para buscar informações sobre os processos educativos emque os negros estavam envolvido no Império. Da leitura de Ina Von Binzer resultou um trabalhosobre a história da escravidão e da educação do negro no Brasil.

A leitura do livro Infância de Graciliano Ramos despertou nos grupos um interessesobre a vida mental das crianças, as percepções e a representação da tristeza no mundo infantil.Disso resultou um maior interesse para os estudos de psicologia educacional e história da infância.

Com relação à história da profissão e da professora, os romances de GracilianoRamos, São Bernardo e Dora Lice, O calvário de uma professora, promoveram uma maiorcompreensão dos momentos históricos específicos, das condições de vida e de trabalho dasprofessoras em escola isolada e dos conflitos entre as representações veiculadas pelos órgão deadministração escolar, das instâncias políticas e das pessoas comuns, concernentes à educaçãofeminina e à figura da professora.

O livro O Ateneu, de Raul Pompéia, recebeu o maior número de trabalhos, porqueé muito conhecido e de fácil acesso, por ser leitura obrigatória no ensino fundamental e médio. Noentanto, é um livro que exige maior agudeza de percepção e de interpretação. O romance de RaulPompéia é autobiográfico e alegórico ao mesmo tempo. Separar os dados de realidade entre asmetáforas, entender o ponto de vista do narrador, associar esta construção narrativa aos elementosbiográficos de autor e compreender o texto como fonte para a história dos institutos educacionaisparticulares no Império; todas essas tarefas são desafios intelectuais com os quais os alunos nãoestão acostumados a conviver e a enfrentar. Um dos grupos encontrou um artigo sobre o pensamentopedagógico do Barão de Macaúbas, Cesar Abílio Borges, proprietário e diretor do Colégio Abílio,modelo histórico para o Ateneu. O pedagogo Cesar Abílio dizia-se moderno e propunha um mododiferente de alfabetização. No romance, no entanto, o personagem do diretor Aristarco é um educadortradicionalista, por um lado. pois orientava o ensino para a retórica e, por outro lado, incentivava adifusão dos conhecimentos das ciências da natureza, novidades da época. As alunas perceberam,

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então, a complexidade da pesquisa em história da educação e as especificidades das fontesliterárias para o estudo das práticas escolares.

Esta modalidade de aprendizagem histórica e de formação de professores foiobjeto de reflexão dos alunos. Faremos um breve levantamento das formas como elescompreenderam o trabalho com obras literárias.

1. O trabalho foi importante porque houve a retomada dos livros lidos no ensinomédio, efetuando-se uma análise mais detalhada e reflexiva.

2. O trabalho trouxe uma visão mais ampla da história da educação, paraalém dos manuais de história da educação. Os alunos modificaram o seu olhar sobre o passado,compreendendo que estas fontes tratavam do cotidiano da escola e das práticas educativas.Concluindo o trabalho sobre o livro de Dora Lice, O calvário de uma professora, o grupo diz: “Ointuito desse trabalho, como já dissemos, é mais que apresentar o que uma autora relata em seulivro, é demonstrar que a história da educação não se faz somente com o que a constituição, osregistros de leis e reformas dizem. Os textos oficiais são escritos por dirigentes que não sabiamcomo funcionava as salas de aula que diziam coordenar. Para contarmos a história da educaçãotemos que ouvir quem dela efetivamente participou. Quantas Hermengardas, nossos pais eavós conheceram? Perdemos o hábito de sentar e ouvir o que nossos velhos têm a nos contar dotempo em que não tinham o hábito de registrar por escrito suas aventuras. Ë deles que tiramoso essencial de nossa história.” 9

3. Percebeu-se um despertar para as questões de constituição e preservaçãode arquivos escolares. Alguns alunos se deram conta de que seria importante registrar, por meiode diários, a sua experiência como professores: “É interessante lembrar que se começarmos afazer um diário agora, as história que achamos insignificantes, podem ser lembradas e interpretadadaqui a algumas décadas.”. 10

4. Os livros escolhidos proporcionaram uma nova visão de autores consagrados,como no caso de Cecília Meirelles, Carlos Drummond de Andrade e Machado de Assis.

5. A leitura do livro de Fanny Abramovich despertou nos alunos a “noção deque só iriam conhecer o seu trabalho e se conhecerem melhor através da auto-avaliação e daanálise do próprio comportamento e didática de ensino.” 11

6. De maneira intuitiva, consideraram que a formação do professor altera-sesubstantivamente quando se adquire conhecimento histórico.

7. A experiência de confecção do trabalho demonstrou a importância daatividade intelectual para a formação dos professores e a consciência das exigências de pesquisae de análise que são impostas por ele.

Com estas atividades fornecemos aos alunos uma experiência de leitura e deinterpretação de textos. Nosso objetivo foi possibilitar o acesso a obras relevantes para a históriada educação brasileira. Embora houvesse um trabalho de análise de texto sob a perspectivahistoriográfica, porque essa é a nossa disciplina, esperava-se, isto sim, diversificar os gêneros de

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discurso e formar uma base de conhecimentos por meio dos quais os alunos pudessem desenvolveroutras leituras. Os textos clássicos de literatura universal e brasileira constituem um repertóriocultural que propicia aos leitores reflexões sobre questões da realidade histórica e temas universaise atemporais. Qualquer tipo de interpretação, seja de textos escritos quanto de imagens, dependeda quantidade e qualidade de informações prévias que o intérprete possui. Quanto maior o repertóriode referências culturais, melhor o indivíduo se situa social e intelectualmente e pode aproveitarsuas leituras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTES HISTÓRICAS:

TRABALHOS CITADOS:

1. Trabalho apresentado pelas alunas Catia Bragança Alves, Elaine Aparecida G. daCruz, Patrícia Aranha Reis, Simone Araujo Oliveira. A História da Educação infantil no Brasil – arealidade da vida de uma professora. ( trabalho de conclusão da disciplina História da EducaçãoII) São Paulo: Universidade Ibirapuera Ibirapuera, 2004.

2. Trabalho apresentado pelas alunas Andreia Mascarenhas, Danubia GonçalvesCabral, Fabiana Moreira Franco da Silva, Heidy Pereira da Conceição, Janaína Matos. Uma análisedo livro: O calvário de uma professora. (trabalho de conclusão da disciplina História da EducaçãoII) São Paulo: Universidade Ibirapuera, 2004.

3. Trabalho apresentado pelas alunas Andréa Soares, Eliene Oliveira, FabianaTavares, Renata Prudente, Roselene santos. Análise do livro “Que raio de Professora sou eu”.(trabalho de conclusão da disciplina História da Educação II) São Paulo: Universidade Ibirapuera,2004.

OBRAS LITERÁRIAS ANALISADAS:

ABRAMOVICh, Fanny. Que raio de professora sou eu.. São Paulo: Scipione, 1995.

ALMEIDA Manuel Antonio de. Memórias de um Sargento de Milícias, São Paulo: Moderna, 1996.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Um escritor nasce e morre, In.______. Confissões de Minas.s/l: Americ, 1944.

ANDRADE, Mario. Macunaíma, São Paulo: Martins, 1979.

BINZER, Ina Von. Alegrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1994.

DORA LICE, O calvário de uma professora . São Paulo: Irmãos Ferrz, 1928

MACHADO DE ASSIS. Conto de Escola. In. _______. Várias histórias.São Paulo: Rio de Janeiro:W.M. Jackson, 1957.

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MEIRELES, Cecília Crônicas de Educação. (vol. 4) Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

POMPÉIA Raul O Ateneu. São Paulo: FTD, 1992.

RAMOS Graciliano,. São Bernardo . Rio de Janeiro: Record, 1992.

RAMOS, Graciliano. Infância. Rio de Janeiro: Record, 1981.

REGO, José Lins do. Doidinho; Rio deJaneiro: José Olympio, 2001.

VASCONCELOS, José Mauro de. Meu Pé de Laranja Lima. São Paulo: Melhoramentos, 1968.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CATANI, Denice Bárbara. Educadores à meia-luz: um estudo sobre a Revista de Ensino daAssociação Beneficente do Professorado Público de São Paulo (l902-l9l8). Bragança Paulista:EDUSF, 2003.

CATANI, Denice, Barbara; BUENO, Belmira Oliveira de; SOUSA, Cynthia Pereira de e SOUZA,Maria Cecília Cortez Christiano de. História, Memória e Autobiografia na Pesquisa Educacional ena Formação. In. ________. (orgs). Dcência, Memória e Gênero: estudos sobre formação. SãoPaulo: Escrituras, 1997.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: SP: Editora da UNICAMP, 1994, p.477

MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na Antigüidade. São Paulo: EPU, 1990, pp. 348-349

NÓVOA, António. Inovação e História da Educação. Teoria & Educação. Porto Alegre: Pannonica,(6), 1992. p. 211

POLLAK, Michel. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro: Associaçãode Pesquisa e Documentação Histórica, vol. 2 , n. 3, 1989.

NOTAS

1 Professora de Metodologia do Ensino de História da Faculdade de Educação da Universidade São Paulo.2 A proposta de ensino foi desenvolvida com alunos do Curso de Pedagogia da Universidade Ibirapuera, durante os anos de 2003 e 2004,nos períodos noturno e matutino.3 LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: SP: Editora da UNICAMP, 1994, p.4774 NÓVOA, António. Inovação e História da Educação. Teoria & Educação. Porto Alegre: Pannonica, (6), 1992. p. 2115 CATANI, Denice Bárbara. Educadores à meia-luz: um estudo sobre a Revista de Ensino da Associação Beneficente do ProfessoradoPúblico de São Paulo (l902-l9l8). Bragança Paulista: EDUSF, 2003.6 POLLAK, Michel. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro: Associação de Pesquisa e DocumentaçãoHistórica, vol. 2 , n. 3, 1989.7 CATANI, Denice, Barbara; BUENO, Belmira Oliveira de; SOUSA, Cynthia Pereira de e SOUZA, Maria Cecília Cortez Christiano de.História, Memória e Autobiografia na Pesquisa Educacional e na Formação. In. ________. (orgs). Dcência, Memória e Gênero: estudossobre formação. São Paulo: Escrituras, 1997.8 MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na Antigüidade. São Paulo: EPU, 1990, pp. 348-3499 Trabalho apresentado pelas alunas Catia Bragança Alves, Elaine Aparecida G. da Cruz, Patrícia Aranha Reis, Simone Araujo Oliveira. AHistória da Educação infantil no Brasil – a realidade da vida de uma professora. ( trabalho de conclusão da disciplina História da EducaçãoII) São Paulo: Universidade Ibirapuera Ibirapuera, 2004.10 Trabalho apresentado pelas alunas Andreia Mascarenhas, Danubia Gonçalves Cabral, Fabiana Moreira Franco da Silva, Heidy Pereirada Conceição, Janaína Matos. Uma análise do livro: O calvário de uma professora. (trabalho de conclusão da disciplina História daEducação II) São Paulo: Universidade Ibirapuera, 2004.11 Trabalho apresentado pelas alunas Andréa Soares, Eliene Oliveira, Fabiana Tavares, Renata Prudente, Roselene santos. Análise do livro“Que raio de Professora sou eu”. (trabalho de conclusão da disciplina História da Educação II) São Paulo: Universidade Ibirapuera, 2004.

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RELATOS DE

EXPERIÊNCIAS

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INTRODUÇÃO

O impacto do processo da globalização no mundo contemporâneo vem influenciandoe causando grandes mudanças nas mais diversas áreas, tais como a política, a economia, acultura, a educação, a história, o direito, a diplomacia, a tecnologia, dentre outras. Especificamentepara o ensino da Língua Inglesa, a globalização apresenta aspectos culturais tanto positivos quantonegativos. Este artigo discute esses aspectos culturais e, a partir de um relato de experiência,apresenta formas de mitigar o efeito cultural negativo que a idéia de globalização pode causar emalguns alunos da disciplina de Língua Inglesa.

A GLOBALIZAÇÃO E O ENSINO DA LÍNGUA INGLESA

Segundo Dowbor, Ianni e Resende (1999), a globalização tem sido vista, de modomuito simplificado, como mera abertura de fronteiras e geração de um espaço mundial comum.As dimensões mudaram, embora de forma desigual, ou seja, enquanto determinados aspectos seglobalizam outros se tornam mais locais, como o renascer de tradições regionais, a dinamizaçãodas políticas municipais, a descentralização da educação e da saúde. A globalização ocorre tambémde maneira desigual no tempo, visto que os movimentos financeiros, por exemplo, navegam nasondas da telefonia, via satélite, e o mercado financeiro passou a funcionar ao mesmo tempo, online, em todo o planeta. Desse modo, os vários aspectos da realidade política, social, econômicaou cultural passam a obedecer a espaços e tempos diferenciados, gerando cada um seu ritmo, seutempo, seu espaço e novas contradições (DOWBOR, IANNI e RESENDE, 1999).

Considerando-se a crescente utilização do termo globalização para designar oprocesso que possibilita a comunicação entre pessoas de diferentes países e culturas de modomais rápido, surgem dois elementos essenciais para esse relacionamento sem fronteiras: a Internete a Língua Inglesa. De acordo com Rutter e Vilar (2000), no futuro a história será ensinada comuma clara linha divisória do mundo antes e depois da Internet, pois a Internet é um meio decomunicação surpreendente, visto que torna mais ágil o contato entre pessoas e empresas,dinamizando essas interações, tornando-se, indubitavelmente, o melhor meio de comunicaçãoem massa da história do mundo.

A Língua Inglesa, que desde a Revolução Industrial no século XIX despontavacomo sendo uma das Línguas de maior penetração em diversos países, teve, após a SegundaGuerra Mundial, uma maior difusão, que culminou com o advento da Internet, já que o idiomautilizado por esse meio é predominantemente Inglês, tornando-se, dessa maneira, praticamente a

ASPECTOS CULTURAIS NO ENSINO DA LÍNGUAINGLESA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Raquel Teixeira de Andrade Souza (Centro Universitário Moura Lacerda)

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Língua mais utilizada por seus usuários. (RUTTER e VILAR, 2000)Christison (1998) afirmou que a Internet tem modificado a vida de muitas pessoas

que, por exemplo, não tinham a oportunidade de freqüentar bibliotecas reais, mas poderiam teracesso a um computador conectado à Internet que possibilitava o contato com dados e informaçõespresentes na rede, ou até mesmo a pesquisa em uma biblioteca virtual. Esse processo detransformação estaria apenas em seu início e tenderia a se acelerar tal era o fascínio que a Internetexercia sobre os indivíduos, que cada vez mais exploravam e navegavam na rede, a fim de obteremmais informações e de se comunicarem com pessoas de diferentes lugares do mundo a partir dewebsites, e-mails e chats, utilizando principalmente o idioma Inglês.

Jacobs (2001) estudou a globalização do idioma Inglês e o impacto que essaglobalização causava nas pessoas que utilizavam esse idioma. De acordo com a autora, seria,provavelmente, verdadeiro afirmar que o Inglês é uma Língua internacional global, pois o seu usoatingiu proporções tais, que o número de falantes não-nativos ou que utilizavam o idioma Inglêscomo uma segunda Língua era maior que o número de falantes nativos desse idioma.

Todavia, o processo de utilização da Língua Inglesa por indivíduos oriundos dediversos países não é recente. De acordo com Crystal (1990), no reinado da Rainha Elizabeth I,que se estendeu de 1558 até 1603, o número de falantes de Inglês no mundo era estimado emtorno de 5 a 7 milhões. No início do reinado da Rainha Elizabeth II, em 1952, esse número jáatingia cerca de 250 milhões de falantes nativos e aproximadamente 100 milhões de falantes não-nativos, muito além do crescimento vegetativo populacional. Estimativas realizadas no início dadécada de 90 apontaram a existência de mais de 300 milhões de falantes nativos. O número defalantes não-nativos, segundo estimativas consideradas conservadoras, era superior a 400 milhõese em torno de 1 bilhão, segundo estimativas apontadas como radicais. Segundo Wikipedia (2005),estimativas recentes sobre a quantidade de falantes dessa Língua indicaram cerca de 380 milhõesde falantes nativos e de 600 milhões de falantes não-nativos. Em termos de idioma materno, oInglês perderia apenas para as Línguas Chinesa, Espanhola e Hindi.

O fenômeno de globalização do idioma Inglês é considerado por muitos como umadas conseqüências da hegemonia econômica, política e cultural de países, tais como os EstadosUnidos e a Inglaterra, que têm a Língua Inglesa como Língua materna. Bryson (1991) destacouque, em muitos países, o idioma Inglês é visto como um símbolo do processo de colonialismo. NaÍndia, por exemplo, a constituição foi escrita em Inglês, e esse idioma foi adotado como segundaLíngua, mais por uma questão de necessidade e de imposição do que por uma questão de admiraçãopelas virtudes lingüísticas de tal idioma.

Bryson (1991) também destacou que, muitas vezes, a utilização da Língua Inglesapor pessoas e governos de todo o mundo decorre de necessidades que abrangem os contextosdos negócios, da economia, das negociações políticas, da educação, da ciência, da tecnologia,dentre outros. Existe, ainda, a influência cultural que pode ocorrer por meio de filmes, novelas,seriados e programas de TV, livros, revistas e músicas que levam o idioma Inglês para um grandenúmero de países.

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Tendo em vista esse panorama, no qual a Internet e a Língua Inglesa surgem comoinstrumentos imprescindíveis para uma comunicação global, torna-se necessário um conhecimentoespecífico para utilizá-los de maneira eficiente e correta. Desse modo, os cursos de informática ede Língua Inglesa passam a ser fundamentais para a formação e a atualização de quaisquerprofissionais.

Segundo Nuti (2000), na era da globalização, o mercado de trabalho e o universocibernético exigiriam a comunicação no idioma Inglês. Os headhunters, definidos por Cambridge(1995) como sendo profissionais que tentariam persuadir um outro profissional a deixar seu emprego,oferecendo-lhe outro emprego com um pagamento maior e uma posição mais elevada, reclamavamda falta de profissionais com esse domínio lingüístico. Por esse motivo, torna-se necessário aprendere dominar essa Língua, idioma materno de quase 400 milhões de pessoas em todo o mundo,conforme mencionado anteriormente pela Wikipedia (2005). Campos, Pasquali & Patzsch (2002)corroboram Nuti (2000), pois afirmaram que a Língua Inglesa seria um dos idiomas indispensáveispara uma boa colocação profissional e destacaram o papel do referido idioma nos processos deseleção para os mais diferentes tipos de profissões. Segundo eles, a lei de seleção natural domercado de trabalho deixava para trás os profissionais que só se expressavam em Português, e,com a realização de pesquisas sobre a importância da Língua Inglesa nas diversas carreirasprofissionais, notou-se que, sem o conhecimento desse idioma, o candidato a um empregoqualificado tinha poucas chances de sucesso.

O site Bumeran.com, um dos maiores serviços de recrutamento pela Internet,demonstrou que metade dos empregos exigia que o candidato falasse o idioma Inglês; o GrupoCatho, outra empresa especializada em colocação profissional, realizou um estudo apontando queos anos de experiência pesavam menos que o idioma Inglês como fator de aumento salarial; e oMinistério da Educação divulgou um trabalho verificando que um dos pontos em comum entre osuniversitários mais bem-sucedidos nos exames do Provão era o bom domínio do idioma Inglês.(CAMPOS, PASQUALI & PATZSCH, 2002)

Campos, Pasquali & Patzsch (2002) destacaram, ainda, o fenômeno da globalizaçãoque colocou o idioma Inglês na relação de ferramentas básicas da maioria dos profissionais, pois,no momento da admissão, as empresas costumavam aplicar testes orais e escritos para verificaro conhecimento do candidato nessa área. De acordo com um levantamento realizado pelos autores,existiam mais de três mil escolas de idiomas no país. Somente os vinte maiores grupos de ensinoreuniriam, aproximadamente, dois milhões de alunos, dos quais grande parte se matriculava paraobter fluência no idioma Inglês por necessidade profissional.

Além da importância da Língua Inglesa na área profissional, Nunan (2001)caracterizou o respectivo idioma como uma linguagem da comunicação global, pois o idiomaInglês criaria oportunidades para que as pessoas se comunicassem com outras pessoas oriundasde diferentes partes do mundo, possibilitando, assim, o contato e a troca de informações entrediferentes culturas. Assim como Nunan (2001), Lucas (1999) já havia destacado a função doidioma Inglês no mundo ao afirmar que esse idioma tinha se tornado o verdadeiro meio de

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comunicação social para todos e em todos os lugares, e que cada vez mais seria utilizado entrefalantes não-nativos quando se comunicassem entre eles mesmos internacionalmente.

Em razão do grande número de escolas que oferecem cursos de Língua Inglesa,cresce a competição entre essas escolas, tendendo a oferecer diferenciais para conquistar osalunos. Esses diferenciais podem ser estabelecidos a partir dos tipos de instalação, recursos deensino que a escola possui, a partir do método de ensino de uma segunda Língua adotado pelaescola, dentre outros. Keys (2000) foi corroborado por Nunan (2001) quando associou a crescenteprocura por cursos de Língua Inglesa ao fato de os alunos considerarem o idioma Inglês comosendo uma tentativa de solucionar problemas de comunicação entre indivíduos de diferentes culturas,ou seja, grande parte dos alunos considerava a Língua Inglesa como uma Língua universal.

Desse modo, essa necessidade de dominar a Língua Inglesa, destacada por váriosautores deveria, provavelmente, ser percebida de maneira clara pelos indivíduos que buscam umamelhor posição profissional ou formação educacional por meio de cursos em Instituições de EnsinoSuperior. Entretanto, durante os oito anos de experiência profissional como docente de LínguaInglesa em cursos do Ensino Superior, verifiquei a existência de dois aspectos que poderiamdificultar o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem desse respectivo idioma: aresistência por parte de alguns alunos a aprender um idioma estrangeiro, que sintetizava todo oprocesso de globalização, nas figuras de nações imperialistas como a Inglaterra e os EUA; e odesestímulo de alguns alunos para aprender essa Língua, sobretudo pela impressão de poucaeficácia que o ensino da Língua Inglesa nos ensinos fundamental e médio se apresenta ao aluno.

O ENSINO DA LÍNGUA INGLESA E O RELATO DE EXPERIÊNCIA

Nos oito anos de experiência profissional como docente de Língua Inglesa em cursosdo Ensino Superior, essa resistência ao idioma “representativo da globalização” e a falta de motivaçãoeram observadas, muitas vezes, desde a primeira aula, quando eu tentava fazer um levantamentojunto aos alunos a respeito de sua experiência e de seu conhecimento relacionados a essa LínguaEstrangeira. Esta situação me reportou como suporte aos Parâmetros Curriculares Nacionais deLíngua Estrangeira – PCNs (BRASIL, 1998) que estabeleceram que a aprendizagem de umaLíngua Estrangeira pode ser entendida como uma oportunidade de aumentar a autopercepção doaluno como ser humano e cidadão, devendo centrar-se no engajamento discursivo do indivíduo,isto é, em sua capacidade de se engajar e engajar outros indivíduos no discurso de modo a poderatuar no mundo social. Nesse sentido, a aprendizagem de uma Língua Estrangeira pode auxiliar aparticipação e a inserção do indivíduo em seu meio social ao se expressar e comunicar por meiodessa segunda Língua.

Os PCNs (BRASIL, 1998) apontaram algumas das circunstâncias difíceis em queocorriam o ensino e a aprendizagem da Língua Estrangeira: a falta de materiais adequados, classesexcessivamente numerosas, número reduzido de aulas por semana, tempo insuficiente dedicadoà disciplina no currículo e ausência de ações formativas contínuas junto ao corpo docente.

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Todavia, essas dificuldades citadas pelos PCNs (Brasil, 1998) pareciam não ser asúnicas adversidades que os docentes de Língua Inglesa poderiam enfrentar durante suas aulas,uma vez que essa atitude resistente e a falta de estímulo de alunos perante essa disciplina emcursos do Ensino Superior representavam, possivelmente, mais dois aspectos que poderiam dificultaro aprendizado desses alunos e, até mesmo, afetar o aprendizado de outros alunos das mesmasturmas.

Após detectar tais dificuldades, eu percebi a necessidade de analisar essa resistênciabuscando na história da Língua Inglesa, fatos históricos que pudessem explicar o porquê desseidioma ocupar um papel tão importante no mundo contemporâneo. A partir de uma revisãobibliográfica acerca da origem dessa Língua e sua evolução, encontrei elementos que poderiamajudar a esclarecer como a Língua se tornou indispensável para um melhor desempenho nas maisvariadas áreas profissionais. Realizei, então, uma tentativa de aproximar a Língua Inglesa dosalunos por meio de uma caracterização da Língua Inglesa com a Língua Portuguesa. Pesquisandoprofundamente a origem da Língua Inglesa e sua formação, verifiquei que em determinado períodohistórico, essa Língua foi intensamente influenciada por várias Línguas Estrangeiras, dentre elas oLatim.

De acordo com Crystal (1990), por volta do ano 500 A.C., as Ilhas Britânicas eramhabitadas por uma tribo da Europa Central chamada Brythons. Eles falavam um Língua Celta,ancestral da atual Língua Galesa, mas que é muito diferente da Língua Inglesa. A palavra Bretanhateve origem a partir do nome dessa tribo. Durante os novecentos anos seguintes, a Bretanha foiconquistada por duas vezes – primeiramente, pelos romanos (43 D.C.) e, posteriormente, pelosanglos e saxões (400 D.C.) que também haviam sofrido invasões romanas anteriormente.

Sob as leis romanas, os celtas aprenderam a falar Latim tão bem quanto sua própriaLíngua. A ocupação romana durou quase quatrocentos anos, mas exceto por nomes de lugares,pouco da Língua Latina continuou existindo no Old English (Inglês Antigo) – nome dado à Línguafalada pelos anglo-saxões anos mais tarde. Algumas das loan words (palavras emprestadas) doLatim que fizeram parte do Old English foram trazidas também pelos próprios invasores anglo-saxões que aprenderam essas palavras durante os anos de ocupação romana nos territóriosgermânicos. A maioria das loan words do Latim que foram levadas para a Bretanha pelos anglo-saxões está relacionada com comida, luta e comércio. (CRYSTAL, 1990)

Segundo Crystal (1990), uma segunda fase de loan words (palavras emprestadas)do Latim chegou com os missionários de Roma que levaram o Cristianismo aos pagãos anglo-saxões a partir de 597 D.C. por meio da Bíblia e das missas, ambas em Latim. Os missionáriosintroduziram o alfabeto romano e fundaram escolas onde a leitura e a escrita eram ensinadas tantoem Latim quanto em Inglês. Os anglo-saxões, que também invadiram a Bretanha por volta de(400 D.C.), eram bárbaros do norte dos territórios germânicos que falavam dialetos daquela região.Eles desprezaram a Língua Celta e, portanto, aprenderam poucas palavras nesse idioma. A LínguaAlemã dos invasores anglo-saxões tornou-se o English (Inglês), ou seja, a Língua Inglesa conhecidaatualmente; a palavra English (Inglês) vem de Engle-isc, um termo originário da Língua faladapelos anglos e saxões, representando uma tribo germânica denominada Angle.

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Crystal (1990) destacou, ainda, que em 787 D.C., os dinamarqueses (vindos dospaíses que atualmente conhecemos como Escandinavos) ou vikings começaram um longo ataquesobre a Bretanha. Os dinamarqueses, assim como os anglo-saxões, falavam uma Língua Germânicachamada Old Norse. Com essa invasão, a educação e a política ficaram paralisadas durante aguerra que terminou em 878 D.C.; contudo, novas invasões escandinavas continuaram acontecendoaté que, em 1014 D.C., Svein, Rei da Dinamarca, tornou-se rei da Bretanha. Como resultadodessas invasões, um grande número de palavras começou a fazer parte do vocabulário da LínguaInglesa influenciando de maneira marcante sua estrutura. Uma vez que os dinamarqueses e osanglo-saxões falavam Línguas com a mesma origem, eles tinham palavras bem semelhantes paradeterminadas coisas.

Após compilar informações históricas de vários autores, apresentei-as aos alunos ediscuti seus aspectos com as turmas, já nas primeiras aulas da disciplina de Língua Inglesa: aorigem do idioma Inglês, sua formação e sua evolução até os dias atuais, além do processo deglobalização e seu impacto sobre esse idioma. Durante a apresentação da história dessa Língua,achei interessante associar os momentos históricos e, principalmente, os povos envolvidos nesseprocesso com filmes produzidos a respeito desse assunto, além de citar músicos e cantores famososmundialmente que têm em seus trabalhos fortes influências daqueles povos.

No decorrer das apresentações e discussões foi possível demonstrar que a LínguaInglesa sofreu e continua a sofrer influências de outras Línguas quando utiliza palavras estrangeiraspara expressar novas situações ou contextos. O mesmo ocorreu com a Língua Portuguesa quetambém passou por esse processo e continua recebendo influência de outras Línguas,principalmente da Língua Inglesa.

Incluí também nessas discussões o fato da Língua Inglesa ser uma das Línguasmais faladas atualmente, lembrando, porém, que o Latim já ocupou o mesmo lugar de destaquemundial. De acordo com Richards e Rodgers (2001), se o idioma Inglês é nos dias atuais a Línguaestrangeira mais estudada no mundo, há 500 anos era o Latim que se caracterizava como aLíngua dominante na educação, no comércio, na religião e no governo no mundo ocidental. Noséculo XVI, entretanto, o Francês, o Italiano e o Inglês ganharam importância como resultado dasmudanças políticas na Europa e, o Latim perdeu seu espaço como Língua de comunicação escritae falada.

Resgatando o aspecto das loan words (palavras emprestadas), destaquei que oprocesso de empréstimos de termos em Inglês que a Língua Portuguesa vem sofrendo é muitosemelhante ao que aconteceu com a Língua Inglesa no passado, ou seja, que a utilização determos estrangeiros ocorre, provavelmente, com grande parte das Línguas, pois esse é um fenômenomundial. De acordo com Bryson (1991), a Língua Inglesa utiliza palavras que tiveram as maisvariadas origens, como por exemplo: shampoo, da Índia; ketchup, da China; potato, do Haiti; sofa,da Arábia, dentre outras.

Utilizando as informações sobre a origem e formação da Língua Inglesa que recebeugrande influência da Língua Latina, relacionei a Língua Portuguesa – notoriamente caracterizadacomo uma Língua Neolatina – com a Língua Inglesa ao estabelecer essa familiaridade entre ambas,

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aproveitando essa comparação para introduzir a alguns alunos e relembrar para outros,provavelmente, o conceito de cognatos tão importante para o aprendizado de uma Língua. SegundoCambridge (1995), as palavras ou Línguas cognatas têm a mesma origem, ou estão relacionadase são, de alguma maneira, similares. De acordo com Oxford (1995), cognatos de uma palavra oude uma Língua têm a mesma fonte ou origem de uma outra. O termo cognato pode ser uma dasprimeiras estratégias que um aprendiz de uma Língua Estrangeira pode lançar mão paracompreender esse idioma.

Demonstrei, ainda, que a Língua Inglesa é um idioma considerado fácil de sercompreendido e utilizado e esse seria um dos motivos de sua grande disseminação mundial.Bryson (1991) exemplificou a simplicidade das estruturas da Língua Inglesa comparando-a aoLatim. Em Latim o verbo tem até 120 inflexões; em Inglês o verbo nunca tem mais do que cinco,por exemplo: see, sees, saw, seeing, seen. Ao invés de utilizar várias formas verbais, a LínguaInglesa utiliza poucas formas, usando-as, porém, de diferentes maneiras.

Fazendo uso das informações coletadas por meio da revisão bibliográfica a respeitoda Língua Inglesa, assim como sobre o processo de globalização, tentei diminuir a resistência porparte de alguns alunos e estimular aqueles que acreditavam ser a Língua Inglesa um idioma difícilde ser compreendido e falado. Forneci informações, curiosidades e exemplos interessantes sobreos temas; apresentei e discuti conceitos, tais como globalização, desterritorialização, mundialização,dentre outros; discorri acerca da importância do idioma Inglês para o mundo contemporâneo,destacando a grande utilização dessa Língua nos meios acadêmicos (incluindo os cursos degraduação) e nas publicações científicas; salientei o papel do idioma Inglês no comércio mundial,assim como na comunicação e na difusão de informações.

Essa tentativa de aproximar e desmistificar a Língua Inglesa junto aos alunos queeram resistentes ou se julgavam incapazes ou estavam desestimulados a aprender esse idiomaparece ter gerado um resultado positivo, pois após essas apresentações e discussões, conseguidar início às aulas dessa disciplina, com boa participação por parte de todos os alunos que aprincípio parecem ter assimilado a função da Língua Inglesa na grade curricular de seus cursos.Julgo que ocorreu uma maior aceitação em relação àqueles alunos que discordavam da inclusãodesse idioma em seus respectivos cursos.

Apesar do resultado positivo dessa nova abordagem em relação a Língua Inglesadurante as primeiras aulas dessa disciplina nos cursos de Ensino Superior, uma outra questãodespertou meu interesse. Os alunos dos cursos de Licenciatura em Letras recebem uma formaçãocapaz de prepará-los para essa realidade que pode esperá-los nas aulas da disciplina de LínguaInglesa nos cursos de Ensino Superior?

Essa dúvida surgiu porque ao recordar os anos de minha graduação no curso deLicenciatura em Letras na década de 90, lembrei-me de ter tido aulas acerca da origem e formaçãoda Língua Inglesa durante as disciplinas de Língua Inglesa e Literatura Inglesa, entretanto, esseassunto foi abordado de modo superficial e até mesmo insuficiente para que um docente pudesseministrar aulas sobre esse assunto com o mínimo de segurança.

Além da insuficiência de informações sobre a origem, formação e evolução da

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Língua Inglesa, algumas questões sociais, culturais, políticas e econômicas relacionadas aospaíses que têm a Língua Inglesa como materna na atualidade, principalmente, os paísesclassificados como “desenvolvidos” ou de “primeiro mundo”, não foram tratadas por nenhumadisciplina.

Esse fato pode indicar a necessidade de formação continuada por parte dos docentesdessa disciplina, ou até mesmo, uma atualização e reformulação no conteúdo dos cursos deLicenciatura em Letras a fim de preparar os futuros profissionais para uma prática docente maispróxima da realidade – com seus mais variados desafios e dificuldades – presente nas salas deaula e que considere, sobremaneira, a dimensão cultural referente à Língua Inglesa.

Keys (2000) afirmou que o idioma Inglês é um fenômeno lingüístico e social e que,se um indivíduo não o tivesse como Língua materna, ele teria que aprendê-lo de qualquer modo.Justamente por considerar o aprendizado da Língua Inglesa como essencial para a inserção doindivíduo, o autor sugeriu, ainda, uma maior atenção por parte dos pesquisadores para o futurodesse idioma e destacou o cuidado que os docentes deveriam ter ao ensiná-lo. Esse cuidado queos docentes devem ter ao desenvolver atividades durante o ensino da Língua Inglesa também foidestacado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira – PCNs (BRASIL,1998) ao analisar a situação do ensino de Línguas Estrangeiras no país, já que existiam algumascontradições entre as propostas educacionais para essa disciplina, elaboradas pelas SecretariasEstaduais de Educação de quatro regiões brasileiras, e o que realmente acontecia durante asaulas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência vivida no decorrer dos anos de docência da disciplina de LínguaInglesa em cursos do Ensino Superior permitiu meu acesso a uma realidade que até então eudesconhecia, mesmo tendo ministrado aulas de Língua Inglesa em escolas de idiomasanteriormente. Essa realidade me estimulou a pesquisar sobre a dimensão cultural desse idiomae sobre o processo de globalização a fim de compreender o porque da rejeição por parte de algunsalunos em relação a essa Língua; possibilitou-me uma melhor percepção sobre o papel e aimportância dessa Língua para os estudantes do Ensino Superior; forneceu-me informaçõesrelevantes, por meio de uma revisão bibliográfica, que foram utilizadas para convencer os alunosque apresentavam resistência inicial a respeito desse idioma a aceitar, estudar, aprender e utilizaressa Língua com fins profissionais, enfim, enriqueceu minha prática docente estimulando a pesquisasobre os diversos aspectos envolvidos nessa experiência e, sobretudo, possibilitando uma melhoriano processo ensino-aprendizagem desse idioma, além de despertar meu interesse para pesquisarmais profundamente algumas das circunstâncias ocorridas durante essa experiência.

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INTRODUÇÃO

Esse trabalho aborda a temática da ludicidade como política pública voltada àinfância. O percurso e a experiência de um programa para a construção de uma política para aimplantação de brinquedotecas nos clubes municipais da cidade de São Paulo revela-se pelosregistros de portfólio e depoimentos dos participantes, ações diferenciadas mas que fazem partedo processo de formação continuada e construção colaborativa adotadas como metodologia doPrograma.

A Secretaria Municipal de Esportes Lazer e Recreação (SEME) criou o ProgramaViva São Paulo, no qual o Programa Ludicidade se insere com o objetivo estimular as manifestaçõesdo patrimônio lúdico-cultural, traduzindo valores, costumes, formas de pensamento de incentivo àespontaneidade e criatividade próprias da criança, valorizando as experiências coletivas/cooperativas,e reapropriando-se dos espaços públicos.

Esse programa é composto inicialmente pelos projetos: Brinquedotecas nos CentrosEsportivos, Encontros para formação de ludo-educadores, brinquedoteca Itinerante ÔnibusBrincalhão, Praças Ludo Esportivas

As ações desenvolvidas nesses projetos objetivam promover a qualidade para adiversidade dos trabalhos e parcerias intersecretariais, como cultura, saúde e educação, dirigidasà infância.

As transformações físicas e de estrutura urbanas sofridas pela cidade de São Pauloao longo do séc. XX influenciaram as brincadeiras vividas por nossas crianças, criando conceitosdiferenciados ao longo do tempo sobre o valor do brincar, da infância e da própria criança para asociedade

Conhecemos São Paulo ainda com ruas sem calçamento em plenocentro da cidade, onde as crianças brincam de roda, amarelinhaou jogam futebol. A cidade mudou muito de lá prá cá, mas ainda hácrianças cantando cantigas de roda, brincando de amarelinha oujogando futebol nas ruas de pouco movimento (Silva, Garcia e Ferrari,1989 p. 34).

LUDICIDADE: UMA METODOLOGIA - A FORMAÇÃOINICIAL E CONTINUADA COMO MEIO DE VALORIZARO PROFISSIONAL E A PRÁTICA NO TRABALHO COM

CRIANÇAS EM ESPAÇOS NÃO FORMAIS

FREYBERGER, Adriana (FEUSP e SEME);MARTINS, Leda Sueli Arruda ; SUZUKI, Albertina (SEME)

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A infância na década de 40, em bairros como Pinheiros, Vila Mariana, Santa Cecília,Alto da Lapa, Vila Madalena, Itaim-Bibi, e que hoje possuem toda infra-estrutura urbana em nadase assemelha a infância atual. De acordo com os relatos dos entrevistados, até a década de 30 arua era o espaço privilegiado para passeios, festas religiosas e brincadeiras:

A cidade tinha também os campos de várzeas onde se jogavafutebol, e a rua era, por excelência, o local de brincadeiras dascrianças, esconde-esconde, acusado, pula-sela, jogo de bola namão, bolinhas de gude, futebol, varinha tangendo rodas, pipas,brincadeiras de roda, bonecas...As crianças se organizavam emturmas, trocinhas ou clubes de acordo com seu bairro, realizandocompetições e desafios entre os diferentes grupos (1989: 60).

O desenvolvimento da cidade e sua transformação em megalópole, impõe-se sobreesses espaços de brincar, por outro lado, a violência torna-se uma das principais preocupaçõesdas famílias e da sociedade como um todo. A construção de espaços seguros para brincar torna-se uma necessidade e a criança paulistana que passa a ter, no seu cotidiano, espaços delimitadospara a brincadeira como salões, parque em condomínios, ou na ausência de espaços externos, atelevisão, uma alternativa de lazer que confina a criança às suas casas.

Nessa perspectiva, os Clubes da Cidade são alternativas de espaços públicos formais,seguros e adequados à infância. E a brinquedoteca o cerne de uma proposta que acredita nodesenvolvimento e pleno da criança como meio de formar adultos saudáveis, valorizando o brincar,o uso do corpo, a atividade física e a socialização.

A participação de comunidade na formação e elaboração desses espaços garantesua permanência mesmo quando gestores municipais e políticos insistem em aplicar o orçamentoem outros investimentos que não o espaço da brinquedoteca

Para o Programa Ludicidade, a primeira resposta aos desafios da implantação dabrinquedoteca é o investimento na formação dos parceiros locais. Essa formação inicial e continuadatorna-se a base de sustentação de todo o projeto e garante que ações como a assessoria paraorganização dos espaços, construção do acervo de brinquedos, compra de brinquedos e jogos,atuação com as crianças estejam de acordo com as premissas do grupo e das concepções deinfância e criança adotadas pelo Programa e pelos parceiros do local.

A experiência de cada brinquedoteca, e as impressões de seus protagonistas:coordenadores, brinquedistas, crianças e familiares dão vida própria a cada um dos espaços,preservando a cultura e a individualidade de cada um dos grupos formados. É importante ressaltarque embora o processo de criação das brinquedotecas apresente alguns pontos em comum, seufuncionamento e pessoal envolvido são muito diversos e vão desde a atuação de um grupo deprofessores universitários até a ação solitária – quase heróica – de uma brinquedista com poucainstrução formal. É por meio da formação continuada que o Programa garante sua sustentabilidadee qualidade no atendimento às crianças nas brinquedoteca.

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OBJETIVOS· Criar uma política pública de lazer e recreação para infância.· Garantir o direito da criança brincar.· Contribuir e incentivar a formação de ludo-educadores.· Implantar brinquedotecas/espaços de brincar em todos os Centros Esportivos

Municipais e outros espaços públicos.· Incentivar a participação voluntária da população nas atividades lúdicas em

espaços abertos,· Incentivar a reapropriação do espaço público em especial pelas crianças

METODOLOGIA

Toda criança tem o direito de brincar, para isso foram criadas as seguintes ações:Formar ludo-educadores (funcionários, voluntários e estagiários ) para atura nas brinquedotecasdos Clubes da Cidade. Os Armários ônibus e as brinquedotecas itinerantes (Ônibus Brincalhão)são recursos diferenciados que o Ludicidade utiliza-se para que independente das condiçõesambientais o direito da criança brincar seja garantido por espaço e material de qualidade e educadorescapacitados. No Ludicidade a qualidade do atendimento e dos serviços prestados é tão importantequanto o número de crianças atendidas.

Acreditamos ser de fundamental importância que o brincar / brincadeira seja umaatividade livre e espontânea, portanto a criação de um espaço para o brincar dentro dos CentrosEsportivos/Clubes da Cidade, também deve estar contido nos princípios da vontade própria e daliberdade. O Ludicidade utiliza-se de instrumentos para instigar as pessoas a quererem brincar,tais como: levar à comunidade o ônibus Brincalhão – brinquedoteca itinerante para odesenvolvimento de brincadeiras no espaço interno e externo despertando nelas o desejo de brincare dessa forma solicitarem a criação de um espaço lúdico. Assim, só atuamos após o CentroEsportivo solicitar a implantação de uma brinquedoteca.

Após a solicitação para implantação de uma brinquedoteca, a equipe técnica realizauma visita para avaliar as condições do espaço e os recursos humanos e materiais existentes nolocal. Feito isso é elaborado um relatório informando a melhor forma de se implantar a brinquedoteca,pois ela pode ser fixa ou itinerante.

Ao concluir que o local está apto/possui condições adequadas é dado início àcapacitação/formação do grupo que irá gerenciar e atuar nesse espaço.

Essa etapa tem sido fundamental na construção das premissas do Programa. É pormeio da formação que temos conseguido manter e ampliar o número de brinquedotecas implantadasgarantindo sua existência mesmo após mudanças de gestores políticos.

As lideranças legitimamente construídas, a parceria de funcionários, voluntários eestagiários possibilita que a comunidade se aproprie do espaço ao mesmo tempo que recebe daequipe do Programa suporte técnico para atuar.

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A terceira etapa é apresentação de um projeto arquitetônico. É importante ressaltarque o Ludicidade sempre leva em conta a opinião dos usuários (crianças e adultos) e ludo-educadores para efetuar suas escolhas sendo esse projeto resultado de várias conversas e visitasao local.

Periodicamente são realizados encontros para a discussão e formação de ludo-educadores. Esses encontros denominados de “Combinando a Brincadeira”, visam o intercâmbiode notícias, troca de experiências, apresentação de trabalhos, sugestões de atividades, visitas aosespaços e construção de parcerias. Todos os membros sejam eles voluntários, funcionários e oulideres locais são convidados a esses encontros, sendo o principal objetivo a participação e aintegração dos profissionais entre si e com a rede de serviços municipais / sociais (ONG), visandoa qualidade do atendimento às crianças usuárias das brinquedotecas.

Foi com essas intenções que o Ludicidade coordenou o I Encontro de BrinquedotecasMunicipais da Cidade de São Paulo: pelo direito da criança brincar, no período de 09 a 11 de abrilde 2003, envolvendo brinquedotecas das Secretarias de Esportes, Cultura, Educação, Saúde eAssistência Social

Dentre os resultados do Encontro foram discutidas medidas para ampliação donúmero de brinquedotecas, as formas de atendimento, a capacitação dos profissionais e a criaçãode uma política pública com orçamento específico destinado à implantação e manutenção dasbrinquedotecas.

Ao promover a criação de uma rede integrada de brinquedotecas que beneficiem oatendimento à criança na cidade de São Paulo, e onde as Secretarias das diferentes áreas sejamparceiras e colaboradoras entre si, a Secretaria de Esportes Lazer e Recreação incentiva o brincarcomo uma das prioridades no atendimento à infância.

RESULTADOS

Atualmente o Ludicidade possui quatorze brinquedotecas fixas localizadas emCentros Esportivos. Mensalmente são atendidas em nossas brinquedotecas 2000 mil crianças e30 ludo-educadores entre funcionários da Secretaria, voluntários e estagiários recebem formaçãocontinuada por meio de encontros / cursos / oficinas.

Os Centro Esportivos que já implantaram as brinquedotecas perceberam umaumento significativo do número de crianças freqüentando seus espaços.

Verificar que as crianças voltaram aos Centros Esportivos/Clubes da cidade foi umfator importante para a revitalização e a apropriação desses espaços pela população, pois por umlongo período eles estiveram quase que exclusivamente voltados para o público da terceira idade.

Esses resultados foram apurados através de entrevistas e questionários dirigidosaos freqüentadores dos Centros Esportivos/Clubes da cidade.

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CONCLUSÃO

O programa Ludicidade buscou desde o momento da sua concepção implantar umprojeto de política pública para o lazer infantil na cidade de São Paulo. Sem perder de rumo essavisão o Ludicidade implantou cuidadosamente cada uma das suas brinquedotecas, formou ecapacitou seus ludo-educadores.

Após dois anos de atividades o projeto teve a ousadia de organizar o I Encontro deBrinquedotecas Municipais da Cidade de São Paulo (EnBriMSP), reunindo 250 pessoas dassecretarias de Esporte, Cultura, Saúde e Educação para a formação e troca de experiência.

Em breve pretendemos realizar o II EnBriMSP para formatarmos uma discussãosobre um projeto de lei tramita na Câmara dos Vereadores sobre a implantação de brinquedotecasnos diversos setores do serviço público, gerando uma política pública para as brinquedotecasmunicipais.

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