o papel do educador na concepção

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    O PAPEL DO EDUCADOR NA CONCEPO DE HANNAH ARENDT

    Pedro Paulo Pereira da Costa

    RESUMO

    O presente artigo tenciona mostrar o papel do educador na concepo de Hannah Arendt. Asreflexes ora expostas se baseiam no ensaio A Crise na Educao, que se encontra na obraEntre o Passado e o Futuro, de Hannah Arendt.

    Duas partes compem esse estudo. Primeiro ser estudado acerca da crise educacional e deconceitos correlatos a tal temtica. Em seguida, ver-se- o papel do educador na concepoeducacional arendtiana e outros conceitos tambm interligados a esse temaobjeto especficodessa investigao.

    Palavras-chave: Hannah Arendt; Crise Educacional; Mundo Pblico; Mundo Particular;

    Educador.

    INTRODUO

    A viso filosfica-poltica de Hannah Arendt muito ampla e complexa. Ela trata de

    variados temas polticos sempre com um prisma filosfico muito aguado e por vezes

    hermtico. A problemtica da educao no escapou ao seu olhar investigativo no obstante

    esta rea no ter sido sua principal preocupao. O iderio educacional arendtiano

    construdo a partir de uma investigao filosfica-poltica do mundo contemporneo e, mais

    especificamente, da crise de tradio e de autoridade que solaparam a contemporaneidade e

    que se vislumbraram, to horrendamente, nas formas dos regimes totalitrios. a partir dessa

    tica que Hannah Arendt avalia a crise educacional hodierna.

    Este artigo se remete a investigar mais detidamente acerca do papel do educadorum

    adulto, seja ele o pai ou o professor na concepo educacional de Hannah Arendt. Qual

    seria, na realidade, esse papel ou funo? Diante de tal problemtica, o que se prope a seguir

    demonstrar como Hannah Arendt via o educador em suas mais variadas facetas, ante a rdua

    tarefa do processo educativo, alm de abordar outros conceitos intrinsecamente relacionados

    temtica.

    Os escritos e conceitos arendtianos continuam a ser muito estudados atualmente. Sob o

    crivo filosfico, ela investiga principalmente a coisa poltica e temas correlatos como a

    cultura; a educao; adentra no campo do direito; manifesta sua paixo causa judaica e no

    Graduado em Filosofia pela Faculdade Catlica de Anpolis e ps-graduando em Docncia Universitria pelamesma faculdade.

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    deixa de estudar temas filosficos de grande relevncia. Ela jamais se considerou filsofa,

    dizia que sua profisso era a teoria poltica; porm, j no final da vida, Hannah Arendt se

    volta para a especulao filosfica e escreve a obra A Vida do Esprito, que ficou inconclusa

    com sua morte em 1975. Mesmo que seu temrio seja quase todo poltico, ela usou muito da

    sua erudio filosfica para elaborar sua teoria poltica.

    Porm, o que ser de maior valor para este estudo a sua reflexo sobre educao no

    ensaio A Crise na Educao que faz parte da obra Entre o Passado e o Futuro. Celso

    Lafer, no prefcio do livro que introduz e analisa a obra supra dessa pensadora diz que

    Between Past and Future [Entre o Passado e o Futuro] , entre os livros de HannahArendt, aquele onde pulsa simultaneamente o conjunto de inquietaes a partir doqual esta admirvel representante da cultura de Weimar ilumina, para usar uma desuas palavras prediletas, a reflexo poltica do sculo XX. Nele se contm,

    praticamente, ainda que de forma um tanto dispersa, todo o temrio de sua obra,constituindo-se, portanto, num excelente ponto de partida para uma tentativa deinterpretao e organizao do seu pensamento. (ARENDT,2000, p. 09)

    Alm desta capital obra so usados outros livros de Arendt e tambm outros elementos

    bibliogrficos para pesquisa, como dissertaes e teses ligadas ao tema.

    O presente estudo foi dividido em duas partes. A primeira parte trata da crise

    educacional que permeou o sculo XX e que pode permear qualquer lugar e em qualquer

    circunstnciapor isso mesmo passvel de reflexo. Nesta parte, ver-se- tambm sobre acrise da tradio e a consequente crise de autoridade que causaram a crise da educao j

    citada. Na segunda parte ser analisado qual o papel do educador sob o prisma arendtiano e,

    para se alcanar o objetivo proposto, necessrio avaliar a importncia do conceito de

    natalidade como a essncia da educao e tambm quais so as distines entre mundo

    pblico e mundo particular.

    OBRAS E PENSAMENTO ARENDTIANO

    Johannah Arendt nasceu em Hannover, na Alemanha, em 14 de outubro de 1906,

    oriunda de uma famlia de judeus de classe mdia. Em 1924 aprovada com brio na

    Universidade de Berlim e estuda grego, latim e teologia.

    Parte depois para a Universidade de Marburg e entra em contato com o filsofo Martin

    Heidegger com quem, alm de ter aulas, viveu um affairmarcante em sua vida. Com ele,

    Arendt assimilou seu mtodo: o pensar apaixonado, ou seja, a possibilidade de uma snteseentre o pensar e o estar vivo; alm desse pensar apaixonado, ela levou o amor pela poesia e

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    tambm uma viso crtica filosofia voltada para o homem interiorizado que se isola. Essa

    filosofia , para ela, motivo de grande preocupao para a modernidade, pois o homem, ao

    interiorizar-se em demasia acaba perdendo o espao pblico ou a dignidade poltica. Nesse

    perodo, est preparando sua tese de mestrado: O Conceito de Amor em Santo Agostinho e,

    seguindo o conselho de Heidegger, vai para Heidelberg estudar com Karl Jaspers, de quem se

    tornaria amiga e discpula at o final da vida.

    De seus estudos em Santo Agostinho, Arendt herda o conceito de comunidadetodos

    ns amamos uns aos outros, pertencemos mesma comunidade e compartilhamos todos do

    mesmo destino: a morte. Porm, a morte no vista como algo negativo. Para Santo

    Agostinho, a morte remete necessariamente ao nascimento. Dessa forma, nosso destino

    comum nas faz recordar do novo comeo, isto , da natalidadetermo esse que passaria a ser

    um princpio basilar de seu pensamento.

    Devido s perseguies contra os judeus, Hannah Arendt sai da Alemanha em 1933 e

    vai para Paris; a permanece at 1941. Aps ser presa num campo de concentrao perto da

    fronteira espanhola, Gurs, foge e vai para os Estados Unidos, local onde permaneceria at o

    final de sua vida. Nesse tempo de vrias fugas, Arendt se tornou uma aptrida, fato que

    influenciou muito o seu iderio, pois passou a conceber a cidadania como elemento

    constituinte dos direitos humanos. Em 1951 consegue a cidadania norte-americana e nesse

    mesmo ano consagra-se no mundo pblico ao divulgar sua obra Origens do Totalitarismo.

    Nessa obra, Arendt mostra que aqueles que esto longe de suas naes se tornam aptridas e,

    consequentemente, no possuem mais seus direitos reconhecidos, perdem a cidadania e

    correm o grave risco de ficarem sujeitos dominao do estado totalitrio fato que se

    concretizou com a eliminao massiva da minoria judaica na Alemanha.

    Outra obra de capital importncia para estudar o pensamento arendtiano A

    Condio Humana, escrita em 1958. Nessa obra, Arendt, analisando a vida ativa, aponta para

    a destruio das condies de existncia do ser humano no mundo moderno, realizada atravs

    da sociedade de massas.

    Outras obras de carter poltico e que permitem conhecer melhor o todo do

    pensamento de Hannah Arendt so: Entre o Passado e o Futuro; Crises da Repblica; Da

    Revoluo; Homens em Tempos Sombrios; Dignidade da Poltica.

    Em 1961 ocorreu um fato importante para o decurso intelectual de Arendt: ela foienviada para assistir e cobrir, para a revista New Yorker, o julgamento do criminoso nazista

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    Adolf Eichmann; esse relato se transformaria no polmico livro Eichmann em Jerusalmum

    relato sobre a banalidade do mal. Polmico porque foi mal interpretado pela comunidade

    judaica da poca, pois Hannah via Eichmann como o homem moderno alienado, incapaz de

    pensar suas aes e executando ordens automaticamente, o mal para ele era algo banal. da

    que ela formula o clebre conceito de banalidade do mal. Tocada por esse evento ela se volta

    mais especificamente para a filosofia.

    No final de sua vida, na dcada de 70, impactada ainda com o julgamento de

    Eichmann e sua latente incapacidade de pensar, decide escrever A Vida do Esprito, obra

    publicada postumamente sua morte, em quatro de dezembro de 1975.

    O pensamento de Arendt se apresenta original em suas observaes: mesclava

    erudio com os fatos da atualidade, tinha fidelidade tradio, era uma crtica arguta, firme

    em suas posies e tolerante quanto s diferenas. De certo modo, este era o esprito desta

    pensadora: irrequieto, bravio e rebelde.

    Repudiou com todas as foras o totalitarismo e se apresentou como uma crtica muito

    bem armada na sua erudio filosfica-poltica. Criticou tanto o nazi-fascismo quanto o

    marxismo, mquinas que usavam inescrupulosamente a violncia. Foi com essas crticas e

    adicionado cobertura do julgamento de Eichmann que formulou o clebre conceito debanalizao do mal.

    Suas obras no foram bem acolhidas por muitos anos, provavelmente por seu esprito

    crtico que incomodava diversos setores. Era uma realista, em termos de pensamento, e uma

    realista que no se deixava enganar pela aparncia.

    nesse contexto que o iderio arendtiano visto no pensamento poltico como um dos

    mais importantes do sculo XX, j que ela acompanhou e criticou muitos fatos

    constrangedores da histria dese sculo. Talvez por isso suas obras venham chamando tanto a

    ateno do mundo nos ltimos tempos pela atualidade e pela fora na crtica.

    A CRISE NA EDUCAO

    A referida autora inicia sua investigao ponderando sobre a crise da educao no

    mundo moderno e a considera como um problema poltico de relevante grandeza:

    A crise geral que acometeu o mundo moderno em toda parte e em quase toda esferada vida se manifesta diversamente em cada pas, envolvendo reas e assumindoformas diversas. Na Amrica, um de seus aspectos mais caractersticos e sugestivos

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    a crise peridica na educao, que se tornou, no transcurso da ltima dcada pelomenos, um problema poltico de primeira grandeza, aparecendo quase diariamenteno noticirio jornalstico. (ARENDT, 2000, p. 221)

    Ela acredita que a crise educacional sempre passvel de reflexo, pois essa crise pode

    ocorrer em qualquer lugar no h fronteiras para tal problemtica: pode-se admitir como

    uma regra geral neste sculo que qualquer coisa que seja possvel em um pas pode, em futuro

    previsvel, ser igualmente possvel em praticamente qualquer outro pas. Corrobora ainda

    mais esse pensamento: Uma crise nos obriga a voltar s questes mesmas e exige respostas

    novas ou velhas, mas de qualquer modo julgamentos diretos. (ARENDT, 2000, p. 223).

    Investigando a fundo, a ilustre representante da cultura de Weimar diz: Embora a

    crise na educao possa afetar todo o mundo, significativo o fato de encontrarmos sua forma

    mais extrema na Amrica, e a razo que, talvez, apenas na Amrica uma crise na educao

    poderia se tornar realmente um fator na poltica. (ARENDT, 2000, p. 223)

    Arendt afirma que a crise na educao se tornou um problema poltico porque a

    Amrica uma terra de imigrantes e a fuso tnica s possvel mediante a instruo,

    educao e americanizao dos filhos dos imigrantes. Educar os imigrantes, os novos, os

    recm-chegados tornou-se uma questo poltica pelo ideal americano de se criar uma Nova

    Ordem do Mundo, isto , fundar um novo mundo contra o antigo a fim de se eliminar a

    pobreza e a opresso. Curiosamente, esta repblica que ensejava eliminar a pobreza a e

    escravido deu boas vindas a todos os pobres e escravizados.

    Considerando a questo proposta, Hannah Arendt faz crticas severas s teorias

    educacionais modernas que adentraram indiscriminadamente (especialmente a educao

    progressiva) na Amrica e derrubaram como que de um dia para outro, todas as tradies e

    mtodos estabelecidos de ensino e aprendizagem. (ARENDT, 2000, p. 227)

    Hannah Arendt responde questo do porqu da educao americana estar atrasadaem relao aos nveis escolares europeus da seguinte forma:

    No , infelizmente, simplesmente o fato de ser este um pas jovem que noalcanou ainda os padres do Velho Mundo, mas, ao contrrio, o fato de ser este

    pas, nesse campo particular, o mais avanado e moderno do mundo. E isso

    verdadeiro em um dplice sentido: em parte alguma os problemas educacionais deuma sociedade de massas se tornaram to agudos, e em nenhum outro lugar asteorias mais modernas no campo da Pedagogia foram aceitos to servil eindiscriminadamente. (ARENDT, 2000, p. 227-8)

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    Outro fator que no provocou, mas agravou a crise o papel nico que o conceito de

    igualdade exerce na vida americana. Esse conceito vai alm da igualdade perante a lei, do

    nivelamento entre classes e da igualdade de oportunidades.1Porquanto,

    O que torna a crise educacional na Amrica to particularmente aguda otemperamento poltico do pas, que espontaneamente peleja para igualar ou apagartanto quanto possvel as diferenas entre jovens e velhos, entre dotados e poucodotados, entre crianas e adultos e, particularmente, entre alunos e professores.(ARENDT, 2000, p. 229)

    Um nivelamento assim s pode ocorrer custa da autoridade do mestre. Isto o que

    de fato agrava a crise. Porm, essa dificuldade, enraizada na atitude poltica do pas, possui

    tambm muitas vantagens; mesmo assim, esses fatores no podem explicar a crise

    educacional ocorrida, observa a pensadora em destaque.

    H ainda outros problemas correlatos ao ensaio arendtiano proposto acerca da crise na

    educao que sero explicados mais adiante, oportunamente, seguindo o objetivo proposto

    deste trabalho.

    Crise da tradio

    A obra Entre o Passado e o Futuro examina a lacuna entre o passado e o futuro, que

    nada mais que a profunda crise do mundo atual e que se manifesta no campo intelectual pelo

    esgaramento da tradio, pela perda da sabedoria ou na dificuldade de discernir. Hannah

    Arendt percebeu essa lacuna devido ao surgimento do totalitarismo. De fato, o fenmeno

    totalitrio revelou que no existem limites s deformaes da natureza humana e que a

    organizao burocrtica de massas, baseada no terror e na ideologia, criou novas formas de

    governo e dominao, cuja perversidade nem sequer tem grandeza. (ARENDT, 2000, p. 10)

    Sem tradio, e estando entre o passado e o futuro, no momento presente parece no

    haver nenhuma continuidade consciente no tempo, e portanto, humanamente falando, nem

    passado nem futuro, mas to-somente a sempiterna mudana do mundo e o ciclo biolgico das

    criaturas que nele vivem. (ARENDT, 2000, p. 31)

    Corroboram os pensamentos supra a interpretao de urea M. Guimares Apud

    Groppa, (1999, p. 171):

    no perodo entre o incio da repblica romana at o fim do imprio que a autoraaponta o passado como raiz que sustenta os possuidores de autoridade, os ancios,osmaiores, osvelhos do Senado. Um passado presente na vida da cidade, pois osrepresentantes dele permaneciam aconselhando os homens sem fazer uso da coero

    ou da violncia para serem ouvidos. A experincia romana, segundo Arendt, no se

    1A educao um dos direitos cvicos inalienveis que entra nesse contexto de igualdade de oportunidades e

    acabou por estruturar o surgimento das escolas pblicas.

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    repetiu em lugar nenhum, uma vez que os padres de conduta tradicionais foramsendo destrudos por novas formas de governo, entre elas o totalitarismo.

    Foi esse rompimento com o passado que ocasionou a perda da autoridade e a perda do

    mundo. Hannah Arendt mostra que a crise da tradio (nossa atitude ante o passado) est

    intimamente relacionada crise da autoridade na educao.

    Crise de autoridade

    Autoridade deriva do verbo latino augereaumentar, acrescentar-se e, como observa

    Hannah Arendt, foram os romanos que nos deram tanto o conceito quanto a palavra.

    (ARENDT, 2000. p. 22-3) Os gregos estabeleceram um fundamento para a vida pblica

    diferente da argumentao e da fora. Tanto Plato quanto Aristteles utilizaram de reas pr-

    polticas: relao pais-filhos, senhor-escravo e transferiram essas relaes para o mbitopoltico; campo este que deve ser norteado pela relao entre iguais. Porm, esse conceito se

    torna complicado porque autoridade envolve obedincia, sem coero por meio da fora. Por

    outro lado, por envolver obedincia, a autoridade se situa no campo da hierarquia e, por

    consequncia, exclui a persuaso entre iguais que anima o mbito poltico.

    Se a autoridade deve ser definida de alguma forma, deve s-lo, ento, tanto emcontraposio coero pela fora como a persuaso atravs de argumentos. (Arelao autoritria entre o que manda e o que obedece no se assenta nem na razo

    comum nem no poder do que manda; o que eles possuem em comum a prpriahierarquia, cujo direito e legitimidade ambos reconhecem e na qual ambos tm seulugar estvel predeterminado.) (ARENDT, 2000, p. 129)

    As argumentaes acima mostram, de um modo muito geral, o conceito de autoridade

    na concepo filosfico-poltica arendtiana, pois esse mesmo conceito, por ser amplo e

    complexo, mereceria um estudo a parte, o que no momento no cabe aqui. Basta

    compreendermos que o esfacelamento da tradio provocou tambm uma perda da autoridade

    e essa mesma autoridade, hoje em dia, na vida pblica e poltica, j no representa mais nada

    ou, ento, desempenha um papel contestado. Tudo isto quer dizer que as pessoas no querem

    mais exigir ou confiar a ningum o ato de assumir a responsabilidade por tudo o mais, pois

    sempre que a autoridade legtima existiu ela esteve associada com a responsabilidade pelo

    curso das coisas no mundo.(ARENDT, 2000, p. 241)

    Se a autoridade excluda da vida poltica e pblica, pode ser que isso indique a

    exigncia de igual responsabilidade de todos para com o rumo do mundo. Mas tambm pode

    significar que as exigncias do mundo estejam sendo negadas; toda responsabilidade pelo

    mundo est sendo rejeitada.

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    Obviamente que uma perda de autoridade no mbito pblico e poltico resulte tambm

    na perda da autoridade na esfera privada e pr-poltica da famlia e da escola. E isto se deve

    falta de confiana que as pessoas tm em relao esfera pblica. Sentem que no h mais

    confiana no mundo particular, em casa e, tambm por isso, os adultos no querem se

    responsabilizar pelo mundo e, consequentemente, pelas crianas.

    No campo educacional no deve haver essa ambiguidade ante a perda hodierna de

    autoridade.

    As crianas no podem derrubar a autoridade educacional, como se estivessem sobrea opresso de uma maioria adulta [...]. A autoridade foi recusada pelos adultos, e issosomente pode significar uma coisa: que os adultos se recusam a assumir aresponsabilidade pelo mundo ao qual trouxeram as crianas. (ARENDT, 2000, p.

    240)

    O PAPEL DO EDUCADOR PARA HANNAH ARENDT

    A natalidade como essncia da educao

    Persistindo ainda no mesmo ensaio acerca da crise na educao, Hannah Arendt

    mostra que o prprio fato da crise nos faz voltar a investigar a essncia mesma da questo, e

    a essncia da educao a natalidade, o fato de que seres nascem para o mundo. (ARENDT,

    2000, p. 223)

    A crise educacional analisada por Arendt faz com que, naturalmente, se investigue e

    indague sobre a essncia do problema em destaque (neste caso, a natalidade). Segundo Maria

    de Ftima S. FranciscoApudJulio Groppa Aquino (1999, p. 110)

    Ningum mais est de acordo sobre a essncia de uma coisa no caso do que aeducao, relao pedaggica e a autoridade do mestre, motivo pelo qual a crise se

    produz. A primeira medida ento a tomar, supondo que seja possvel, tentar fazeras perguntas bsicas e responder o que a essncia do fenmeno em que se d a

    crise. Essa seria mesmo uma vantagem da situao de crise: enxergar a coisa na suaforma mais pura e desnudada e poder em consequncia captar sua essncia.

    Esse conceito de natalidade se tornou, de fato, uma das categorias centrais que

    permeou o pensamento poltico de Hannah Arendt.

    O primeiro item a ser mencionado a originalidade do ponto de partida de HannahArendt, quando ela afirma que a natalidade, e no a mortalidade, a categoriacentral do pensamento poltico. Com efeito, toda a tradio do pensamentometafsico e religioso gira essencialmente em torno da meditatio mortis e aexperincia do eterno que este tipo de meditao pode suscitar, uma experinciaque ocorre no singular. (ARENDT, 1997. p. 348)

    Conforme explicou Celso Lafer, no seu posfcio de A Condio humana, h umatenso entre filosofia e poltica, pois na filosofia o pensar uma dualidade do dilogo

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    coerente do eu consigo mesmo e, na poltica, a pluralidade exige um estar sempre ligado aos

    outros. Isto quer dizer que se podemos pensar por conta prpria, s podemos agir em

    conjunto. Hannah Arendt, por isso mesmo, mostra que os filsofos tendem a ser hostis em

    relao a toda poltica e esta hostilidade que ela quer eliminar, afastando-se da tradio da

    vita contemplativa ao excluir a mortalidade e ao erigir a natalidade como categoria central de

    sua compreenso poltica. (ARENDT, 1997, p. 59)

    Retornando questo anterior sobre a crise educacional, Arendt mostra que aquele

    entusiasmo americano pelo novo, pelos recm-chegados atravs da imigrao resultou

    presumivelmente numa ateno maior aos recm-chegados por nascimento, isto , s crianas.

    H ainda o fato adicional e que se tornou decisivo para o significado da educao: a partir do

    sculo XVIII, surgiu um ideal educacional, diretamente influenciado por Rousseau, no qual a

    educao tornou-se um instrumento da poltica, e a prpria poltica foi concebida como uma

    forma de educao.(ARENDT, 2000, p. 225) Esta ligao entre educao e poltica mostra o

    quanto parece natural iniciar um novo mundo com aqueles que so novos por nascimento. Na

    viso poltica arendtiana, isto um grande equvoco, pois o que ocorre uma interveno

    ditatorial, onde h absoluta superioridade do adulto. por isso que essa autora acredita que

    deve haver uma separao entre poltica e educao, pois esse ideal (criar uma nova situao

    mediante as crianas) permeou os movimentos revolucionrios de feitio tirnico, que retiram

    as crianas de seus pais e as doutrinam. A educao no pode interferir na poltica, pois nesse

    campo se lida com adultos e no possvel educ-los, o que h uma coero sem o uso da

    fora.

    O mundo pblico e o mundo particular

    Na viso poltica arendtiana, o termo pblico remete a dois fenmenos correlatos e

    ligeiramente idnticos:

    1. Significa que tudo o que vem a pblico pode ser visto e ouvido por todos e tem a

    maior divulgao possvel. (ARENDT, 1997, p.62)

    2. O termo pblico significa o prprio mundo, na medida em que comum a todos

    ns e diferente do lugar que nos cabe dentro dele (ARENDT, 1997, p. 62). Esse mundo no

    tem relao com a terra ou o espao limitado dos homens; antes, tem a ver com o artefato

    humano, com o produto de mos humanas, com os negcios realizados entre os que, juntos,

    habitam o mundo feito pelos homens. (ARENDT, 1997, p. 62)

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    O mundo particular ou a esfera privada, em relao ao mundo pblico, possui acepode privao.

    Para o indivduo, viver uma vida inteiramente privada significa, acima de tudo, serdestitudo de coisas essenciais vida verdadeiramente humana: ser privado da

    realidade que advm do fato de ser visto e ouvido por outros, privado de umarelao objetiva com eles decorrente do fato de ligar-se e separar-se deles medianteum mundo comum de coisas, e privado da possibilidade de realizar algo mais

    permanente que a prpria vida. (ARENDT, 1997, p.68)

    Isto quer dizer, para Arendt, ao analisar o cidado grego da antiguidade, que ao sair da

    esfera particular, da esfera privada do lar para o mundo pblico, o homem j tem as suas

    necessidades vitais realizadas e est livre para fazer algo mais duradouro do que a prpria

    vida, est apto a se expor ao mundo pblico, a ser visto e ouvido por todos.

    Para a autora em destaque, a privao de relaes objetivas com os outros se tornou o

    fenmeno de massa da solido; fenmeno extremo e anti-humano, pois a sociedade de massa2

    no apenas destri o mundo pblico como tambm a esfera privada priva o homem do seu lar

    privado, onde antes ele se salvaguardava do mundo e onde, at mesmo os que eram excludos

    do mundo, podiam se sentir bem na realidade limitada da vida familiar. Essa concepo de

    famlia como espao interior e privado deve-se ao extraordinrio senso poltico do povo

    romano que, ao contrrio dos gregos, jamais sacrificou o privado em benefcio do pblico.

    (ARENDT, 1997, p. 68)

    Ainda diz Arendt (1997, p. 81):

    que as quatro paredes da propriedade particular de uma pessoa oferecem o nicorefgio seguro contra o mundo pblico comum no s contra tudo o que neleocorre mas tambm contra a sua prpria publicidade, contra o fato de ser visto eouvido. Uma existncia vivida inteiramente em pblico, na presena de outros,torna-se, como diramos, superficial.

    A privacidade do lar era, na antiguidade, como que o lado sombrio e oculto da esfera

    pblica. E ser cidado, mas no possuir um lugar privado (situao do escravo) significava

    deixar de ser humano. Essa privacidade era considerada sagrada e assemelhava-se ao cartersagrado do oculto, ou seja, do nascimento e da morte, o comeo e o fim dos mortais que,

    como todas as criaturas vivas, surgem e retornam s trevas de onde vieram. (ARENDT,

    1997, p. 72) A vida domstica deveria ser privada em relao esfera pblica porque o lar era

    2 quando a massa da populao se incorpora sociedade. Essa sociedade (ou boa sociedade) compreende

    aquelas parcelas da populao que dispunham no somente de recursos financeiros, mas tambm de lazer; isto ,dedicar-se cultura. A Sociedade de Massas indica que a massa da populao foi liberada de tal forma do fardo

    do trabalho extenuante que passou a ter tempo para o lazer e a cultura. Nessa boa sociedade, o homem de massa um ser em solido, inadaptvel; sem padres; consumista e sem aptido para o julgar; egocentrista e alienadodo mundo. (Essas distines so vistas no ensaio A Crise na Cultura: sua importncia social e poltica da obra

    Entre oPassado e o Futuro)

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    a esfera do nascimento e da morte, fatos considerados ocultos ao conhecimento humano, pois

    o homem no sabia de onde vinha quando nascia, nem do lugar que ia ao morrer.

    As distines ora feitas servem para compreend-las no contexto ainda sobre A Crise

    na Educao, texto capital da presente pesquisa.

    H um pressuposto importante que agravou a crise na educao, um ideal de que h

    um mundo da criana e uma sociedade formada entre crianas, autnomos e que se deve, na

    medida do possvel, permitir que elas governem. (ARENDT, 2000, p. 230)

    Um ideal como esse exime a autoridade adulta sobre a criana e o adulto se torna

    impotente ante a criana individual. Gera-se, assim, um grupo de crianas emancipadas da

    autoridade dos adultos, onde a criana no se torna livre, mas sim sujeita autoridade tirnicada maioria, j que a criana, por sua prpria natureza, no consegue argumentar e se rebelar

    contra a maioria; o resultado disso o banimento das crianas do mundo dos adultos, o

    mundo pblico; sujeitas ao poder da maioria, j no h outro mundo para escapar, fator

    gerador de uma reao juvenil conformista ou delinquente.

    O mundo das crianas acaba, por fim, se tornando um mundo pblico e elas so

    obrigadas a se expor luz da existncia pblica, onde no podem crescer com segurana.

    Entre esses grupos de iguais surge ento uma espcie de vida pblica, e, sem levarabsolutamente em conta o fato de que esta no uma vida pblica real e de que todaa empresa de certa forma uma fraude, permanece o fato de que as crianasisto ,seres humanos em processo de formao, porm ainda no acabadas so assimforadas a se expor luz da existncia pblica. (ARENDT, 2000, p. 236)

    Na concepo arendtiana, a criana necessita estar protegida do mundo pblico,

    precisa refugiar-se no seu mundo particular e privado a famlia , local seguro para um

    saudvel crescimento; pois o mundo pblico no lhe pode dar a devida ateno. Por precisar

    ser protegida do mundo, o lugar tradicional da criana a famlia, cujos membros adultos

    diariamente retornam do mundo exterior e se recolhem segurana da vida privada entre

    quatro paredes. (ARENDT, 2000, p. 235)

    Todo esse ideal surgiu porque a sociedade moderna rejeita a distino entre o pblico

    e o particular e acaba confundindo-os, o que diminui a qualidade vital das crianas (o

    amadurecimento).

    A escola funciona como um instrumento mediador entre o mundo pblico e o mundo

    privado: ela , em vez disso, a instituio que interpomos entre o domnio privado do lar e

    mundo com o fito de fazer com que seja possvel a transio, de alguma forma da famlia para

    o mundo (ARENDT, 2000, p. 238).

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    O educador tem tambm a importante funo de ser um mediador dessas duas esferas

    supramencionadas.

    Qual o papel do educador?

    Aps Arendt analisar com tanta argcia acerca da crise educacional, prope questes

    que merecem respostas. A principal das indagaes esta:

    O que podemos aprender dessa crise acerca da essncia da educaono no sentidode que sempre se pode aprender, dos erros, o que no se deve fazer, mas simrefletindo sobre o papel que a educao desempenha em toda civilizao, ou seja,sobre a obrigao que a existncia de crianas impe a toda sociedade humana?(ARENDT, 2000, p. 234)

    Arendt diz que a educao est entre as atividades mais essenciais da sociedade

    humana, que no esttica, mas dinmica por causa da constante renovao atravs donascimento, da vinda de novos seres humanos. Os recm-chegados no se encontram

    acabados, mas em um constante estado de vir a ser, de tornar-se algo novo e diferente ao

    anterior.

    Portanto, a criana, objeto da educao, possui para todo e qualquer educador um

    duplo aspecto:

    nova num mundo que lhe estranho e est em contnuo desenvolvimento;

    um novo ser humano que est em processo de formao.

    Deve-se considerar aqui que esse duplo aspecto no se aplica s formas de vida

    animal, mas corresponde a um duplo relacionamento: o relacionamento com o mundo e com a

    vida. A criana est num estado de vir a ser como todas as coisas vivas, porm a criana s

    nova em relao a um mundo que j existia antes dela e que continuar aps sua morte.

    Conforme Hannah Arendt (2000, p. 235):

    Se a criana no fosse um recm-chegado nesse mundo humano, pormsimplesmente uma criatura viva no concluda, a educao seria apenas uma funoda vida e no teria que consistir em nada alm da preocupao para com a

    preservao da vida e do treinamento e na prtica do viver que todos os animaisassumem em relao a seus filhos.

    Os pais, tambm educadores, no apenas trouxeram seus filhos vida mediante a

    concepo, mas os introduziram simultaneamente num mundo. Eles assumem na educao a

    responsabilidade pela vida e pelo desenvolvimento das crianas e pela continuidade do

    mundo. Essas duas responsabilidades podem at mesmo entrar em conflito.

    A responsabilidade pelo desenvolvimento da criana volta-se em certo sentidocontra o mundo: a criana requer cuidado e proteo especiais para que nada dedestrutivo lhe acontea de parte do mundo. Porm, tambm o mundo necessita de

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    proteo, para que no seja derrubado e destrudo pelo assdio do novo que irrompesobre ele a cada nova gerao.(ARENDT, 2000, p. 235)

    por precisar ser protegida do mundo que a famlia se torna o local tradicional e seguro

    para a criana. Tambm a escola deve introduzir os novos no mundo, como uma instituio

    que medeia o mundo pblico e o mundo particular, que faz a transio entre essas duas

    esferas. E j que a criana no tem a devida familiaridade com o mundo, deve-se introduzi-la

    aos poucos. O educador um representante do mundo e tambm responsvel por ele. Tal

    responsabilidade no imposta a bel prazer, mas est implcita no fato de que os jovens so

    introduzidos por adultos num mundo em constante mudana. Qualquer pessoa que se recuse

    a assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo no deveria ter crianas, e preciso proibi-

    la de tomar parte em sua educao. (ARENDT, 2000, p. 239)

    Essa responsabilidade pelo mundo se manifesta sob a forma de autoridade. A

    autoridade do educador se assenta na responsabilidade que ele assume por este mundo.

    Diferente da autoridade do professor, a qualificao consiste em conhecer o mundo e ser

    capaz de instruir os outros sobre este mesmo mundo.

    Segundo urea M. GuimaresApudJulio Groppa Aquino (1997, p. 171):

    O educador deve cuidar para que as crianas e os jovens conheam o mundo novo aoqual chegaram, ou seja, tenham uma apreenso do mundo como ele [...].

    Nesse mundo velho, o passado se faz presente e o adulto assume a responsabilidadepelo rumo dos acontecimentos mesmo querendo que as coisas pudessem ocorrer deforma diferente. Ter autoridade assumir essa responsabilidade por esse mundovelho [...].A crise da autoridade na educao est diretamente relacionada com a crise datradio, obstruindo cada vez mais a mediao que o educador deve fazer entre ovelho e o novo. medida que o respeito pelo passado torna-se cada vez mais difcil,a responsabilidade coletiva pelo mundo vai sendo recusada, e o mundo vai sendodeixado para as novas geraes como se ns, adultos, no tivssemos nada a vercom ele.

    H outro ponto relevante que Hannah Arendt faz em meio a essas consideraes

    educacionais: Parece-me que o conservadorismo, no sentido de conservao, faz parte daessncia da atividade educacional, cuja tarefa sempre abrigar e proteger alguma coisa: a

    criana contra o mundo, o mundo contra a criana, o novo contra o velho, o velho contra o

    novo. (ARENDT, 2000, p. 242)

    Essa ao conservadora valida no mbito educacional; no o no campo poltico, j

    que o mundo est fadado runa pelo tempo, a menos que existam seres humanos que

    queiram intervir, mudar aquilo que novo. Arendt afirma que educamos para um mundo que

    est fora dos eixos ou para a caminha, j que esse mundo serve de lar aos mortais. Para

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    preservar esse mundo necessrio p-lo em ordem. Nossa esperana est pendente sempre

    do novo que cada gerao produz. (ARENDT, 2000, p. 243)

    O educador, na viso arendtiana, deve ser um mediador entre o velho e o novo e deve

    ter um grande respeito face ao passado, como um modelo; assim como a civilizao romano-

    crist considerava que toda a grandeza jazia no que foi, e, portanto, que a mais excelente

    qualidade humana a idade provecta, isto , o homem envelhecido um modelo para os

    vivos. (ARENDT, 2000, p. 244)

    Arendt nos indica, parafraseando Polbio, que o educador aquele que atravessou a

    vida com os olhos no que passou e o mestre aquele que se arraigou firmemente na

    autoridade do passado.

    Arendt nos aponta que o problema da educao no mundo moderno est no fato de que

    a educao no pode abrir mo nem da autoridade, nem da tradio e est sendo obrigada a

    caminhar em um mundo onde no h autoridade e muito menos tradio.

    Portanto, isto significa que o papel fundamental dos adultos, responsveis pela

    educao das nossas crianas e jovens, :

    Ter em relao a eles uma atitude radicalmente diversa da que guardamos um para

    com o outro. Cumpre divorciarmos decisivamente o mbito da educao dos demais,e acima de tudo a vida pblica e poltica, para aplicar exclusivamente a ele umconceito de autoridade e uma atitude face ao passado que lhe so apropriados, masno possuem validade geral, no devendo reclamar uma aplicao generalizada nomundo dos adultos. (ARENDT, 2000, p. 246)

    A primeira consequncia disso seria uma compreenso de que a funo da escola

    ensinar s crianas como o mundo , e no ensin-las na arte de viver. Em segundo lugar, a

    linha traada entre crianas e adultos deveria significar que no se pode nem educar adultos e

    nem tratar crianas como se fossem maduras. (ARENDT, 2000, p. 246) Isto, porm, no

    quer dizer que se deva erguer uma muralha para apartar as crianas do mundo adulto.O que de fato compete quele que educa a atitude face ao fato da natalidade: o fato

    de todos ns virmos ao mundo ao nascermos e de ser o mundo constantemente renovado

    mediante o nascimento. (ARENDT, 2000, p. 247)

    Atravs da educao que se decide amar o mundo o bastante para se responsabilizar

    por ele e, assim, salv-lo da runa via natalidade, atravs da vinda dos novos, esses mesmos

    novos que s podem crescer com qualidade se os adultos e educadores tiverem respeito face

    ao passado e, cautelosamente, introduzi-los do mundo particular ao mundo pblico dos

    adultos.

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    Diz Hannah Arendt:

    A educao , tambm, onde decidimos se amamos nossas crianas o bastante parano expuls-las de nosso mundo e abandon-las aos seus prprios recursos, etampouco arrancar de suas mos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e

    imprevista para ns, preparando-as em vez disso com antecedncia para a tarefa derenovar um mundo comum. (ARENDT, 2000, p. 247)

    CONCLUSO

    Este artigo teve como intento investigar criteriosamente o papel do educador nos

    exames arendtianos acerca da crise da educao que permeou o sculo XX.

    De fato, fez-se necessrio expor inicialmente a respeito das obras e pensamento de

    Hannah Arendt, a fim de compreender o contexto histrico-poltico que muito tocou seuoriginal pensamento.

    As avaliaes educacionais de Hannah Arendt se basearam por inteiro numa crise que

    minou esse mesmo mbito e demonstrou que a educao se tornou um problema poltico de

    suma importncia para a Amrica, digno de reflexo por poder permear qualquer outro lugar e

    em qualquer circunstncia; passvel de ser, sempre que necessrio, repensada. Essa crise na

    educao surgiu por um abandono latente da tradio e, uma vez esquecida, a autoridade do

    educador ficou rf, sem ter base, fundamento ou uma direo para norte-la. O campo

    educacional foi incisivamente afetado.

    dentro desse julgamento arendtiano, que o presente artigo fixou-se em apresentar o

    papel e a funo do educador nesse tempo de constantes crises. Nestas reflexes, de grande

    valor considerar o conceito de natalidade para a ilustre representante da cultura de Weimar.

    Neste sentido, a viso educacional de Hannah Arendt considerada por muitos como uma

    viso conservadora. Porm, sabemos que a natalidade, uma das categorias mais importantes

    do seu pensamento, possui um significado muito especial, uma vez que indica claramente

    esperana.No , por definio, conservadora uma reflexo e uma proposta que se coloca

    sob o signo da esperana e que v na ao, que a natalidade enseja, a permanente e igualitria

    capacidade de comear algo novo. (ARENDT, 1997, p. 349)

    tambm interessante ver qual o papel do educador como aquele sujeito que

    medeia a confuso que h entre o mundo pblico e o mundo particular e de como a criana

    deve se refugiar na segurana das quatro paredes e ser introduzida no mundo pblico dos

    adultos paulatinamente. Dentre as consideraes feitas por Hannah Arendt, denota-se como

    ela evoca sentimentos que devem ser aplicados ao mbito educacional, amor e

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    responsabilidade tanto pelo mundo quanto pelas crianas. Estas ltimas de fato se viram

    solapadas por tamanha crise, privadas da segurana do mundo particular, despreparadas para

    adentrarem no mundo pblico. O educador o responsvel por introduzir esses jovens numa

    esfera pblica onde no se preza mais o julgar, o pensar e se vem cada mais alienados e

    sujeitos a todo tipo de ideologias vs que possam surgir atualmente. Esse o papel do

    educador; essa a responsabilidade que tange queles que assumem o papel de instruir os

    novos num mundo cada vez mais massificado (para utilizar um termo arendtiano) e distante

    dos verdadeiros valores da tradio que acabaram entrando em colapso.

    Abstract

    The present work intends exhibit the educators role in the Hannah Arendt conception The

    reflections exposed now bases in the essay The Crisis in Education, which is in the bookBetween Past and Future, of Hannah Arendt.Two parts composes this study. First will be study about the educational crisis and thecorrelate concepts such topic. Following will see the educators role in conception educationalarendtian and others notions also interconnected that theme specific object of thatinvestigation.

    Key-words: Hannah Arendt; Educational Crisis; Public World; Private World; Educator

    ResumenEl presente artculo se propone a explicar el papel del educador conforme la concepcin deHannah Arendt. Las reflecciones ahora expuestas se basean en el ensayo La Crisis em la

    Educacin, que se encuentra en la obra Entre el Pasado y el Futuro, de Hannah Arendt.Duas partes componem este estudio. Primero ser estudiado acerca de la crisis educacional yde conceptos correlatos a tal temtica. En seguida se ver el papel del educador en laconcepcin educacional arendtiana y outras nociones tambin interconectadas a ese tema objeto especfico de esta investigacin.

    Palabras-llave: Hannah Arendt; Crisis Educacional; Mundo Pblico; Mundo Particular;

    EducadorREFERNCIAS

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    Tese (Programa de Ps-Graduao em Educao).