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O BERRO Recife, junho de 2010 | 1 RAPHAEL GUERRA O centenário de morte de Joaquim Nabuco tem sido uma das datas mais comemoradas no ano de 2010. Monarquista, ele conciliava a posição política com a postura abolicionista e atribuía à escravidão a responsabilidade por grande parte dos problemas enfrentados pela sociedade brasileira, defendendo que o trabalho servil deveria ser extinto de uma vez por todas. Foi por meio da luta, desse e de outros homens, que foi possível a realização de mudanças e melhorias na vida da população negra. Em comemoração à data, O Berro saiu em busca de dados que apresentassem ao leitor o atual cenário em que vivem os negros no Brasil. A História revela que a população negra começou a ser trazida para o país no século 16, como escravos. Pelas estimativas, o total de africanos desembarcados oscila entre 3,5 milhões e 4 milhões. Durante 300 anos, a mão de obra escrava foi a principal força de trabalho e a base da economia. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios 2008, do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBGE), a raça negra (considerada como a soma de pretos e pardos) equivale a 50,7% da população do país. Os brancos somam 48,4%. O restante, 0,9%, é dos amarelos e indígenas. O avanço da população negra também ganhou impulso em decorrência do JOAQUIM NABUCO // No ano do centenário da morte do abolicionista, ainda é atual o drama do negro no Brasil, um países marcado pela escravidão Recife | Junho de 2010 O negro no Brasil fato de as pessoas se declararem mais como negras. Apesar do crescimento populacional, os negros ainda não têm as mesmas oportunidades que a população branca. A ascensão econômica e o exercício de seus direitos são restritos pela dificuldade de acesso à educação, à saúde, ao mercado de trabalho e a melhores salários. O IBGE, ao estudar o período de 1998 e 2008, observou uma distância entre brancos e negros com curso superior. Em 1998, 11,2% dos brancos e 2,5% da raça negra tinham concluído ao menos uma graduação. Dez anos depois, os percentuais eram de 16,2% de brancos e 5% de negros. Adotando medidas para diminuir a diferença estatística, o governo federal lançou, há alguns anos, o sistema de cotas nas universidades. Em meio a polêmicas, o assunto permanece em discussão. No entanto, pode- se notar um acréscimo de negros e estudantes de escolas públicas dentro das instituições de ensino superior. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com base em dados do Sistema Único de Saúde (SUS), revela que a violência também é uma prova de desigualdade racial. Em 2007, considerado o total de homicídios ocorridos no país, o número de assassinatos entre negros foi superior ao dobro do percentual de brancos mortos. A cada 100 mil pessoas negras, 32 eram assassinadas. Entre os brancos, a cada 100 mil, 15,5 eram vítimas fatais. A raça negra equivale a 50,7% da população brasileira. Os brancos somam 48,4%, e 0,9% são de amarelos. Mesmo sendo maioria, os negros ainda não têm as mesmas oportunidades que a população branca Ilustração: Fundação Joaquim Nabuco

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Page 1: O negro no Brasil - unicap.br - O Negro no Brasil.pdf · O centenário de morte de Joaquim Nabuco tem sido uma das datas mais comemoradas no ano de 2010. Monarquista, ele conciliava

O BERRO Recife, junho de 2010 | 1

RAPHAEL GUERRA

O centenário de morte de Joaquim Nabuco tem sido uma das datas maiscomemoradas no ano de 2010. Monarquista, ele conciliava a posição políticacom a postura abolicionista e atribuía à escravidão a responsabilidade porgrande parte dos problemas enfrentados pelasociedade brasileira, defendendo que otrabalho servil deveria ser extinto de uma vezpor todas. Foi por meio da luta, desse e deoutros homens, que foi possível a realizaçãode mudanças e melhorias na vida da populaçãonegra. Em comemoração à data, O Berro saiuem busca de dados que apresentassem ao leitoro atual cenário em que vivem os negros noBrasil.

A História revela que a população negracomeçou a ser trazida para o país no século16, como escravos. Pelas estimativas, o totalde africanos desembarcados oscila entre 3,5 milhões e 4 milhões. Durante 300anos, a mão de obra escrava foi a principal força de trabalho e a base daeconomia.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios 2008,do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBGE), a raça negra(considerada como a soma de pretos e pardos) equivale a 50,7% da populaçãodo país. Os brancos somam 48,4%. O restante, 0,9%, é dos amarelos e indígenas.O avanço da população negra também ganhou impulso em decorrência do

JOAQUIM NABUCO // No ano do centenário da morte do abolicionista, ainda é atual o drama do negro no Brasil, um países marcado pela escravidão

Recife | Junho de 2010

O negro no Brasil

fato de as pessoas se declararem mais como negras.Apesar do crescimento populacional, os negros ainda não têm as mesmas

oportunidades que a população branca. A ascensão econômica e o exercíciode seus direitos são restritos pela dificuldade de acesso à educação, à saúde, aomercado de trabalho e a melhores salários.

O IBGE, ao estudar o período de 1998 e2008, observou uma distância entre brancose negros com curso superior. Em 1998, 11,2%dos brancos e 2,5% da raça negra tinhamconcluído ao menos uma graduação. Dez anosdepois, os percentuais eram de 16,2% debrancos e 5% de negros.

Adotando medidas para diminuir adiferença estatística, o governo federal lançou,há alguns anos, o sistema de cotas nasuniversidades. Em meio a polêmicas, o assuntopermanece em discussão. No entanto, pode-se notar um acréscimo de negros e estudantes

de escolas públicas dentro das instituições de ensino superior.Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ), com base em dados do Sistema Único de Saúde (SUS), revela que aviolência também é uma prova de desigualdade racial. Em 2007, consideradoo total de homicídios ocorridos no país, o número de assassinatos entrenegros foi superior ao dobro do percentual de brancos mortos. A cada 100mil pessoas negras, 32 eram assassinadas. Entre os brancos, a cada 100 mil,15,5 eram vítimas fatais.

A raça negra equivale a 50,7%

da população brasileira. Os

brancos somam 48,4%, e 0,9%

são de amarelos. Mesmo sendo

maioria, os negros ainda não

têm as mesmas oportunidades

que a população branca

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2 | Recife, junho de 2010 O BERRO

E X P E D I E N T E

Coordenador do Cursode JornalismoAlexandre Figueirôa

Professora OrientadoraFabíola Mendonça

SubeditoresMadson Ferreira

Raphael Guerra

RepórteresAdriana Barros

Aline Galvão

Anamaria Nascimento

Clécio Sobral

Daniel Leal

Flávia Albuquerque

Giovanna Marchi

Jéssica Brasil

Jonara Siqueira

Laís Ferreira

O BERRO é uma publicação daDisciplina Jornal-Laboratório do Curso de

Jornalismo da Universidade Católica dePernambuco.

Rua do Príncipe, 526 - Boa Vista - Recife-PE50.050-900 - CNPJ 10.847.721/0001-95

Fone: (081) 21194000 - Fax: (081) 2119.4222E-mail: [www.unicap.br]

O Brasil negreiro

O BERRO on-linewww.unicap.br/berro

ImpressãoFASA

MADSON FERREIRA

TRÁFICO // Por mais de três séculos, o país de Joaquim Nabuco foi escravocrata

A implantação da mão de obra escrava no Brasil foi um processo iniciadoem meados do século 16. Balizado pela elite portuguesa, o escravo tinhacomo finalidade ser objeto de dominação e exploração econômica na colônia.Os portugueses traziam os negros do continente africano e utilizavam-noscomo mão de obra escrava nos engenhos de açúcar do Nordeste. Eles eramforçados a trabalhar em lavouras e, posteriormente, também foramencaminhados para a mineração, onde eram supervisionados, explorados emaltratados. “O elemento que vai nortear a entrada do negro no Brasil é aquestão da renda, o seu valor mercantil. Do ponto de vista econômico, aexploração do africano era muito mais rentável para a Coroa”, explica ahistoriadora Maria da Glória.

De acordo com a pesquisadora, o negro foi introduzido no Brasil com ajustificativa ideológica de falta de mão de obra nas lavouras, devido à hostilidadedos povos indígenas ao processo de escravização. Esses negros já viverem naÁfrica uma realidade voltada para a submissão. “De fato, o tráfico era mais doque um simples meio de prover braços para a lavoura. Representava umapotencial fonte de riqueza. O escravo era uma mercadoria que supria osinteresses mercantilistas da época: lucro rápido e imediato”, afirma Glória.

“O negro, no entanto, não aceitou esse sistema de forma estática”, afirmaa antropóloga Zuleica Dantas, que defende a tese de que não há nenhumprocesso de subjugação de um povo sem resistência. “Os negros resistirampara vir, ao chegar e resistem até hoje. Onde existir subserviência, haveráresistência”, diz. Os africanos eram trazidos dentro de enormes naviosvindos do continente africano, com quase nenhuma vestimenta, escassezde água e comida e sob condições subumanas, em viagens que chegavam adurar meses. Quando chegavam ao Brasil, suas condições de vida nãodiferiam muito.

A escravidão foi praticada por muitos povos, em diferentes regiões e desdeas épocas mais antigas. Por lei, mão de obra escrava é crime. O último país aabolir oficialmente essa prática foi a Mauritânia, na África, em 1981. NoBrasil, o processo de abolição, fortemente defendido pelos ideais de JoaquimNabuco, só teve êxito a partir da implantação da Lei Áurea, em 13 de maio de1888, outorgada pela Princesa Isabel.

Um homem de vanguardaPERFIL // Além de abolicionista, Nabuco foi diplonata, jornalista e político

MAGDA NEGROMONTE

O primeiro embaixador brasileiro nos Estados Unidos e principalabolicionista do país até hoje empresta seu nome a ruas, avenidas, praças,instituições, cidades e, inclusive, a rótulos de cigarros e bebidas. Mesmo assim,uma considerável parcela da população não o conhece. Trata-se de JoaquimAurélio Barreto Nabuco de Araújo, diplomata, jornalista, político, historiador etambém escritor. Com um vasto currículo e uma mente à frente do seu tempo,ele procurava refletir sobre o Brasil observando o passado e o presente, eplanejando o futuro: a Colônia, o Império e a República, respectivamente.Segundo o historiador Humberto França, o jornalista não apenas interpretouos dados da realidade, como também denunciou o sistema escravocrata e asdificuldades decorrentes disso para o Brasil.

Apesar de nascer no Recife, em 1849, o Engenho Massangana, nomunicípio do Cabo de Santo Agostinho, foi a morada do escritor até osoito anos de idade. Depois, seguiu em buscade um novo destino, no Rio de Janeiro e emSão Paulo. Mas, após 12 anos, retornou àsua terra natal para continuar o curso deDireito na Faculdade do Recife. Desdeentão, começou a trilhar o caminho da lutapela abolição. Já em 1868, o bachareldefendeu o escravo Thomaz, condenado àmorte por ter matado o seu senhor e osoldado responsável por prendê-lo.

A defesa pela causa foi mais além. Fundoua Sociedade Brasileira Contra a Escravidãoe o jornal O Abolicionista, e escreveu oslivros A Escravidão e O Abolicionismo. Esteúlt imo, demonstrava a tese de que alibertação deveria vir acompanhada de umapolítica de democratização da terra, um temaainda muito discutido pelos governantesbrasileiros e sem nenhuma solução. Após aLei Áurea, Nabuco lutou em prol daproclamação da República. Alcançado esseideal, dedicou-se à vida particular. Em 1889,retornou à vida pública e, anos mais tarde,tornou-se o primeiro embaixador do Brasilem Washington, onde faleceu em 1910. Foienterrado no maior cemitério público dacidade do Recife, o de Santo Amaro.

Ainda hoje, as suas obras continuamsendo marcos fundamenta i s pa r a asociedade. Nas relíquias encontradas nas estantes, pode-se destacarduas: Um Estadista do Império, seu principal livro, no qual analisa acarreira do seu pai, o senador Nabuco de Araújo, contextualizandocom a situação do país durante tal mandado; e Minha Formação, umescrito de memórias.

Luna Markman

Madson Ferreira

Magda Negromonte

Marta Souza

Raphael Guerra

Renata Dantas

DiagramaçãoFlávio Santos

HISTÓRIA Negros eram trazidos da África de forma subumana nos navios

Além de

emprestar seu

nome a ruas,

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O BERRO Recife, junho de 2010 | 3

Racismo no futebol reforça preconceitoDANIEL LEAL

Noite de 15 de abril de2010. Em um jogo válidopela Copa do Brasil, entrePalmeiras e Atlético-PR, emSão Paulo, um jogador cospeno rosto do outro e o chamade macaco. Novidade no fu-tebol? Nem tanto. Racismo.Apenas a manutenção de umciclo que teima em ser man-tido. Ano após ano, o pre-conceito racial, seja das tor-cidas contra os jogadores, eaté mesmo dos atletas contraatletas, é mantido. Há puni-ção? Sim, até há. Porém nadaque façam ser extintos osgritos de “uh! uh! uh!”imitando-se um gorila a cadavez que um jogador negrotoca na bola. Só nuncapresenciou tal cena aqueleque jamais foi a um estádiono Brasil.

É certo que o futeboldesperta emoções, paixões einúmeros sentimentos mis-turados ao êxtase de um golpró e o ódio de um gol contra.No entanto, nada justifica adiminuição de um jogador

ESPORTES // Apesar da diminuição, algumas práticas antidesportivas continuam dentro e fora do campo

Discriminação também é comum nas instituições

que, antes de qualquer coisa,é um cidadão, em razão da suacor. O jogo entre Palmeiras eo Furacão trouxe à tona uma

polêmica que insiste em per-manecer no futebol: o ra-cismo. O zagueiro Manoel, dotime paranaense, acusou o za-gueiro Danilo, do clube pau-lista, de chamá-lo de “macaco”e ter cuspido no seu rosto, em

partida disputada no PalestraItália. “Ser chamado de ma-caco é a pior coisa que tem”,disse o jogador do Atlético,que foi a uma delegacia dacapital paulista prestar queixa.

No Recife, um dos jo-gadores mais populares dacidade, o atacante do ClubeNáutico Capibaribe, Carli-nhos Bala, também já passoupor uma infinidade de casosracistas no futebol. “Rapaz,isso é normal. Hoje em dia,por incrível que pareça, den-tro de campo, isso vive acon-tecendo. Se fosse punir todomundo que é racista, ia sercomplicado, viu?”, conta ojogador.

O atacante Grafite, ex-Santa Cruz e integrante daSeleção Brasileira na Copa daÁfrica, que defendeu as coresdo São Paulo na Copa Li-bertadores de 2005, acusouo zagueiro argentino Desá-bato, na época do Quilmes,de preconceito racial em umapartida realizada no estádiodo Morumbi. O caso geroupolêmica no mundo fute-bolístico porque, ainda no

gramado de jogo, após otérmino da partida, Desábatorecebeu voz de prisão e ficoudois dias preso em São Paulo,acusado de injúria com agra-vante de racismo depois deter insultado o atacante. Sóapós pagar uma fiança de R$10 mil, o jogador foi solto, re-tornou a Buenos Aires, com-prometendo-se a voltar aoBrasil nos atos do processo.Grafite, porém, retirou aacusação de racismo.

O escritor e cronista es-portivo pernambucano Le-nivaldo Aragão acompanha,diariamente, o futebol desde adécada de 1960. Conviveu

com as mais diferentes per-sonalidades que fizeram ahistória do futebol nacional emais especificamente per-nambucano, além de ter sidopor muitos anos editor deEsportes do Jornal doCommercio. “Sem o negro,não existiria o futebol. Isso éfato. O que seria da históriasem Pelé? Sem a magia docamaronês Millet?”, questionaLenivaldo, que acredita que opreconceito racial será cada vezmais raro. “Acabar é difícil. Masdiminuiu muito em relação àsúltimas décadas. Espero queassim continue”, torce o mes-tre do futebol.

ADRIANA BARROS

O estudante Ednaldo de Lima, 23 anos, nunca se envolveuem qualquer atividade criminosa. Apesar disso, já foi abordadopela polícia cinco vezes, nos últimos dois anos, sem qualquermotivo aparente. “Acho que é porque sou negro”, desconfia.De acordo com uma pesquisa realizada, em 2003, pelo Centrode Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da UniversidadeCândido Mendes, do Rio de Janeiro, cerca de 55% dos jovensnegros brasileiros já sofreu esse tipo de abordagem policial. Aprática, no entanto, não é exclusividade do setor da segurançapública. Ela é apenas uma dentre as tantas formas demanifestação do racismo institucional.

“Esse tipo de racismo é inconsciente. Ele acontece quandoalguém leva os seus preconceitos, seja de cor, condiçãofinanceira ou qualquer outro tipo, para uma instituição da qualfaz parte, como no meio profissional, na igreja, na família, naimprensa”, explica a coordenadora do Grupo de Trabalho (GT)Racismo do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), MariaBernadete Figueirôa.

Criado em junho de 2002, o Grupo tem a missão decombater práticas discriminatórias institucionais. “Fomos oprimeiro órgão público, no Brasil, a abrir essa discussão e a

encarar o assunto como prioridade em nosso planejamentoestratégico, desenvolvendo trabalhos de combate a esse tipode preconceito. O problema merece atenção, pois existe emorganizações públicas e privadas”, ressalta.

Apesar das dificuldades ainda persistirem, o brasileiro negrovivenciou, ao menos na teoria, um avanço com relação a termosjurídicos com a redemocratização do país. A Constituição de1988 modificou, de forma concreta e formal, a questão racial,abrindo espaço para as demais iniciativas. “Nesse momento, anação reconheceu que era racista e evidenciou a necessidadede se criar leis e projetos específicos para enfrentar oproblema”, comenta Maria Bernadete. Ainda assim, punir oscasos de racismo institucional não é uma tarefa fácil.

“É complicado porque ele é mascarado. Não se apresentade forma clara. O que buscamos fazer é conscientizar. Tudoque foi conseguido até hoje não foi fruto de boa vontade daclasse política brasileira. Mas, sim, de uma cobrança dosmovimentos sociais”, destaca a promotora, para concluir: “Oproblema está sendo discutido e isso já é bom. Há algum tempoisso não era sequer comentado na esfera pública. As mudançasnão serão notadas de um dia para o outro. O processo é lento eestá sendo construído a muitas mãos, com a boa vontade dasinstituições e a colaboração da sociedade. Mas o avanço é certo”.

“O racismo

institucional é

inconsciente e

acontece quando

alguém leva o

seu preconceito

para uma

instituição da

qual faz parte,

seja ela o

trabalho, a

igreja ou a

família”

Maria Bernadete

Figueirôa -

Promotora

pública

JOGADOR Carlinhos Bala é um dos que sofre discrimição em campo

Sem o negro,

não existiria o

futebol. Isso é

fato. O que

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história sem

Pelé? Sem a

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cronista

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4 | Recife, junho de 2010 O BERRO

Religiões se misturam

LUNA MARKMAN

Um disco atrás do outro.Assim começou 2010 para oBongar, grupo composto porseis músicos filhos da NaçãoXambá, um terreiro lo-calizado no quilombo ur-bano Portão do Gelo, em SãoBenedito, Olinda. Só nesteano, eles lançaram Chão

batido coco pisado e Ogu. Osartistas vão ganhando umespaço negado há séculos aosquilombolas e descendentesde escravos.

Através de seus discos eshows, eles resgatam a cul-tura Xambá Brasil afora. Ogrupo surgiu em 2001 coma proposta de levar aospalcos a festa do Coco daXambá, realizada há 40 anos.“Não queremos ficar emevidência, mas nos expressarlivremente. Com essa mídia,as pessoas passam a com-preender, respeitar e con-sumir nosso trabalho semaquela visão folclórica”, dizGutinho da Xambá, vo-

TRADIÇÃO // Negros adaptaram sua religião às regras dos catolicismo

Bongar tira quilombola da invisibilidade

MARTA SOUZA

calista do Bongar.A forte musicalidade do

Bongar foi herdada dos

cultos afrobrasileiros. NoBrasil, a Nação surgiu emMaceió, Alagoas. O prin-

A capoeira é uma das ma-nifestações culturais que maisse identifica com os negros.Desenvolvida para servir dedefesa e uma forma de resis-tência, a capoeira foi sendoensinada aos negros aindacativos pelos escravos que eramcapturados e voltavam aosengenhos. Para não levantarsuspeitas, os movimentos daluta foram adaptados às canto-rias e músicas africanas paraque parecessem uma dança. Omédico e mestre de capoeiraÂngelo Filho, fala que a luta éum jogo complexo, que fundea música e a movimentaçãocorporal num todo harmônico.É dança, canto, jogo de habili-dade e destreza corporal, mastambém luta.

“É um processo dinâmico,coreográfico, desenvolvido pordois parceiros, caracterizadopela associação de movimentosrituais e executados em sintoniacom o ritmo. É regido pelotoque do berimbau, simulandointenções de ataque, defesa eesquiva, ao tempo em que exibehabilidade, força e autocon-fiança, em colaboração com oparceiro do jogo. Assim, cadaqual demonstra sua superiori-dade sobre o companheiro”,explica.

Chamada hoje de “a artemarcial brasileira”, a capoeira éuma rica expressão que fazparte do patrimônio cultural eimaterial afro-brasileiro desdejulho de 2008. A luta chegouao Brasil sob a forma deCapoeira Angola, o estilo maisantigo. Foi a partir dessa formainicial que o famoso MestreBimba criou outra variante, achamada Capoeira Regional,forma que hoje se expande portodo o Brasil, chegando até aoutros países do mundo. Acapoeira se popularizou noBrasil depois de uma apre-sentação de Mestre Bimba aoentão presidente Getúlio Vargas.

Capoeira:luta,esportee dança

JÉSSICA BRASIL

Apesar das semelhanças, os rituais das religiões afro-brasileiras possuem suas peculiaridades. O Brasil é um paísmestiço e, dentre as suas diversas culturas, está a africana. Aspessoas não se dão conta do quanto utilizam a herança dosnegros, como os alimentos e costumes como as crenças e rituaisreligiosos.

Como o catolicismo era, a religião oficial desde o BrasilColônia, os africanos, ao chegarem ao país como escravos,eram proibidos de praticar seus cultos, vistos como umaarte do diabo e atentado contra a sociedade. Para driblar aregra, adaptaram seus rituais religiosos. Dessa forma, res-peitavam a lei, a Igreja e continuavam cultuando os deusesafricanos.

Esse processo de identificação entre os orixás e os santosda igreja católica foi facilitado pelas semelhanças eespecializações entre os ícones das duas religiões: Xangôrepresenta São Jerônimo; Iansã, Santa Bárbara; Ogum, SãoJorge; Oxum, Nossa Senhora do Carmo; e Iemanjá, NossaSenhora da Conceição.

Por conta da mistura das crenças, surgiram segmentosreligiosos não mais vistos, atualmente, como africanas, mas,sim, afro-brasileiras. A umbanda, por exemplo, é apresentadacomo uma religião ancestral indígena e um ritual do catimbó,

unidos a elementos de outras correntes religiosas, como aCatólica e a Espírita. O Catimbó-Jurema é uma bebida servidaem alguns desses rituais religiosos. O líquido é feito com partesda planta de mesmo nome, acrescida de outros elementos deorigem vegetal. A bebida favorece o transe durante rituais.

Já a Quimbanda, também conhecida pelos leigos comoMacumba, é uma ramificação da Umbanda, só que há práticade magia negra, despachos com animais como galos e galinhaspretas, pólvora e objetos da pessoa a quem se quer prejudicar.O ponto principal de seu culto é a invocação de Exus, uns jáem estado de evolução, e outros, denominados quiumbas,espíritos atrasados, também são chamados obsessores. Umadas práticas mais conhecidas da quimbanda é a gira dos Exus,cerimônia realizada à meia noite, quando Exus incorporamnos médiuns e passam a dançar, beber e fumar.

A mais conhecida religião africana é o Candomblé, que,em Pernambuco, é popularmente conhecida como Xangô porcausa da importância desse orixá para a religião. Possui ritualsagrado e, em alguns casos, são realizadas oferendas de animais.O objetivo das “obrigações” é a obtenção de força ou “axé”,tanto para o terreiro, quanto para seus membros e participantes.“O sangue derramado é, para nós, o princípio gerador da vida,que nos dá força e proteção. Por isso não podemos sentir penapela morte do animal, se é para o nosso benefício”, explica umbabalorixá herdeiro do terreiro Caboclo de Oxóssi.

cipal disseminador foi obabalorixá Artur Rosendo.Repreendida durante o Es-

tado Novo, a Nação migroupara o Recife e depois Olin-da, onde Mãe Biu reabriu o

terreiro em 1951. Hoje, o localé a única fração da Xambá nopaís, único quilombo urbanode Pernambuco e o terceirodo Brasil. Para ajudar a pre-servar essa história, a CasaXambá foi transformada peloGoverno Federal em ponto decultura.

É com o Coco da Xam-bá, vertente tão presente noNordeste, que o Bongar estáajudando a t irar os qui-lombos do anonimato. In-visibilidade a que mais de 2milhões de qui lombolasestão sujeitos. Divididos emtrês mil comunidades, ape-nas 1.289 são reconhecidas.Hoje, eles personificam umabandono secular, iniciadocom a assinatura da LeiÁurea. Sem políticas pú-blicas a seu favor, acabamvivendo em desencontrocom a Declaração Universaldos Direitos Humanos. Como seu trabalho, a banda lutapara contrariar essa lógicacruel do abandono viven-ciado pelos negros.

Divididos em 3 mil

comunidades, apenas 1.289

quilombos são reconhecidos.

Sem políticas públicas a seu

favor, acabam vivendo em

desencontro com a Declaração

Universal dos Direitos Humanos

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NAÇÃO XAMBÁIntegrantes do GrupoBongá

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O BERRO Recife, junho de 2010 | 5

Toque africano na cozinha pernambucanaANAMARIA NASCIMENTO

“O cru existe em todas ascomunidades, enquanto ocozido é a ação que trans-forma a natureza em cultura,fazendo da culinária de cadapovo uma expressão singular.”Como o antropólogo francêsClaude Levi-Strauss destacou,a gastronomia é algo muitomaior do que o prazer ime-diato obtido com uma refei-ção. Toda receita, tradicionalou contemporânea, carregaem seus ingredientes e modode preparo uma importânciahistórica, antropológica esociológica.

Atrelada ao legado dospovos que formaram o Brasil,a culinária pernambucana nãopodia deixar de ser fruto damistura que caracterizou ahistória do país, determinoua cultura e fundou a sociedadetupiniquim. “A gastronomia doEstado é a grande metáforada decantada miscigenação dobrasileiro. Nos antigos enge-nhos de Pernambuco, osportugueses se abriram aosingredientes dos índios eafricanos escravizados, tropi-calizando sua culinária tradi-cional. Ali estava o grande

berço da cozinha pernam-bucana”, explica o jornalistaBruno Albertim, na obra Recife

– Guia prático, histórico e senti-

mental da cozinha de tradição.A opinião é compartilhada

pela pesquisadora e gastrô-noma Maria Lectícia Caval-canti, que define a história eas combinações dos pratos

que compõem a mesa pernam-bucana como harmoniosa eequilibrada. A pesquisadoraainda destaca a importânciado negro para a formação dosabor que as comidas per-nambucanas têm. “Os afri-canos deram tempero e vidaà culinária do Estado”.

Maria Lectícia, que escre-

veu o livro História dos Sabores

Pernambucanos, revela que nãoé só no que se come que osnegros exerceram influência.“A cultura da cachaça surgiunas senzalas com os escravosafricanos”, conta. Segundo ela,o caldo da primeira fervurada cana não tinha nenhumaserventia e os senhores de

engenho o utilizavam paraalimentação dos animais.Assim, os escravos começa-ram a sentir o cheiro quelembrava uma bebida que elesconheciam, chamada Emú.“Eles passaram a fermentaressa bebida e a tomála. Issodava uma maior disposiçãopara o trabalho pesado”,esclarece.

Além da cachaça, os afri-canos enriqueceram os car-dápios de Pernambuco com omunguzá, o cuscuz, a pamo-nha, o angu, entre outrospratos. “Ainda foram eles quenos ensinaram a cozinhar empanelas de barro e a usarcolher de pau”, frisa MariaLectícia.

Por trás de cada panela, háuma história de vida ligada asabor, temperos e tradiçãooral que mantém vivo essepatrimônio. A cozinha per-nambucana é tão rica quantoa cultura. Ao que tudo indica,essa mesma cozinha, tão tradi-cional, continua a ser reinven-tada atualmente. Compondo operfil culinário local, estão váriossabores deixados pelos africanos,que ainda contribuem para quea “evolução” da gastronomialocal siga em frente.

Influência afro na lígua portuguesa e na literaturaGIOVANNA MARCHI

Corcunda, moleque, cafu-né, pipoca. Apesar de nenhu-ma ligação aparente, essaspalavras têm mais em comumdo que se pode imaginar: todassão de origem africana ecomumente utilizadas no vo-cabulário dos brasileiros. Elasforam introduzidas na vida dosportugueses colonizadores edos brasileiros após anos deconvívio com os africanostrazidos ao País como escravos.

É relevante a participaçãodo negro como ser falante nosdesdobramentos históricos,para que se entenda a inter-ferência das línguas africanas noportuguês falado no Brasil.

Algumas das mulheres negras,que exerciam o papel de mãe-preta, por exemplo, tinham aoportunidade de participar docotidiano das casas senho-riais,interagindo e exercendo in-fluências não só na forma defalar, mas também nos ele-mentos do seu universo cul-tural, mostrando contos ecantigas para as crianças queeram criadas por elas.

Para a etnolinguista baianaYeda Pessoa de Castro, já naprimeira metade do século 16,era possível observar a con-fluencia das línguas africanascom o português provenienteda Europa Antiga. “A conse-quência mais direta desse con-tato linguístico e cultural foi a

alteração da língua portuguesa nacolônia sulamericana e a sub-seqüente participação de falantes

africanos na construção damodalidade da língua e da cultura

representativas do Brasil”,afirma Yeda.

LITERATURAMas não foi só na linguística

que o negro exerceu, e exerce,uma função fundamental iden-tidade cultural do brasileiro. Apoesia que trata sobre osnegros, feita por negros eproduzidas em diferentesépocas, é uma fatia expressiva,mas pouco conhecida.

Castro Alves, poeta baiano,foi um dos principais cantadoresdos negros, em meio a um Brasilescravista e preconceituoso.“Suas poesias mais conhecidassão marcadas pelo combate àescravidão, o que lhe rendeu otítulo de poeta dos escravos”,

afirma o poeta Júlio Lima.Mas as referências não se

limita a escritores do passado.O poeta pernambucano SolanoTrindade é uma entre os poetasda atualidade. “Sou Negro /meus avós foram queimados /pelo sol da África / minh’almarecebeu o batismo dos tam-bores atabaques, gonguês eagogôs.”, inicia Solano, em suapoesia chamada Sou Negro, ondedescreve sua origem africana.

As poesias sobre negrosnormalmente propõem histó-rias doloridas, rodeadas deconflitos e tensões que até os diasatuais ainda não foram supe-rados. Por outro lado, tratam deexemplos de resistência de umagente que sentiu dor e amor.

GASTRONOMIA // Influência dos sabores trazidos pelos negros africanos no período colonial foi determinante para a composição gastronômica do país e do Estado

PICADINHO DE CARNE COM QUIABO

Ingredientes:

-Um quilo de carne moída-Uma cebola ralada grossa-Dois tomates cortados em cubinhos-Três dentes de alho esmagados-Um tablete de caldo de carne-Salsa e cebolinha picadinhos-Sal e pimenta do reino a gosto-½ quilo de quiabo

Modo de Preparo:

Refogar a carne sem óleo, a própria carne soltarágordura suficiente.Mexer o tempo todo para soltá-la. Quando estivercomeçando a dourar, juntar a cebola e os dentes dealho.Acrescentar o tablete de caldo de carne e deixar acarne cozinhar, soltando-a sempre até secar o caldo.Acrescentar os tomates em cubinhos, a salsa ecebolinha. Provar o tempero acrescentando sal epimenta do reino a gosto. Reservar.Em outra panela cozinhar o quiabo inteiro, lavado,em pouca água, suficiente para vaporização. Após oquiabo estar cozido, picar em rodelinhas e misturar àcarne moída.

A poesia que

trata sobre os

negros é uma

fatia bastante

viva e

expressiva,

porém pouco

conhecida pela

produção

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6 | Recife, junho de 2010 O BERRO

DEGRADANTE A escravidão persiste no século 21

EDUCAÇÃO // A melhoria do ensino é um dos maiores desafios a serem enfrentados atualmente pela sociedade brasileira

O mascaramento de uma liberdadeCLÉCIO SOBRAL

O fim da escravidão noBrasil não assinalou o inícioda liberdade dos negros e, oaumento das desigualdadessociais no País. O acesso àeducação de qualidade foi econtinua sendo um dos prin-cipais problemas enfrentadospelos descendentes de escra-vos. Segundo a historiadoraMarinete Gonçalves, na épocada abolição, não se pensoucomo os negros passariam asobreviver. “O que adianta serlivre no papel, mas não ter,de fato, condições para se teruma vida digna, com direito àsaúde, a educação e ao lazer?Era preciso, antes de tudo,criar condições para inseri-losno meio social’, critica.

Para a historiadora e an-tropóloga Bárbara SoutoMaior, o grande problemada educação no País, prin-

cipalmente a pública, é amassificação do ensino. “Asautoridades não se preocupamcom a qualidade do

aprendizado, mas com aquantidade de estudantes nassalas de aula. Todos os anos,centenas de pessoas se for-mam mesmo sem ter apren-

dido o suficiente para isso. Aí,para resolver essa deficiência,ficam criando programassociais. Não que isso seja ruim,

mas acaba por maquiar os bu-racos criados ao longo dosanos”, salienta.

Assinada em janeiro de2003 pelo presidente Luiz

“Estamos apenas esperando a

mudança oficial no plano de

ensino incluir a cultura afro na

grade curricular” - Eunice

Negromonte, pedagoga

Inácio Lula da Silva, a LeiFederal nº 10.639 torna obri-gatória a inclusão da históriae cultura afro na grade curri-cular de todas as escolas nopaís. Para a empresária epedagoga Eunice Negro-monte, proprietária, há mais25 anos, de um colégio parti-cular no município de Pau-lista, no Grande Recife, essaé uma forma de tentar mini-mizar o preconceito racialdentro e fora da sala de aula.“O conteúdo já está sendotrabalhado na minha escola emhistória há algum tempo, mas atemática deve expandir-se paraoutras disciplinas, conformedetermina a Lei. Estamosapenas esperando a mudançaoficial no plano de ensino paraaplicarmos na instituição.”

A criação do sistema decotas nas universidades bra-sileiras também foi outrapolítica que visa à inclusão dos

FLÁVIA ALBUQUERQUE E

ALINE GALVÃO

O último Relatório Anualdas Desigualdades Raciais noBrasil (2007-08), elaboradopelo Laboratório de AnálisesEconômicas, Históricas, So-ciais e Estatísticas das Re-lações Raciais (Laeser) reve-lou que, entre os anos de1995 a 2006, 20,6 milhõesde pessoas ingressaram nomercado de trabalho. Des-ses, 12,6 milhões eram par-dos e negros e 7,7, brancos.O dado é surpreende, masnão é tão positivo assim.

O Relatório aponta que onúmero de brancos contra-tados por empresas privadascom carteira de trabalho é de36,8%, enquanto os negrosrepresentam apenas 28,5%.Outro dado revela que, pormaior que seja o número denegros trabalhando, os me-lhores cargos ainda são dosbrancos. A maioria dos em-

pregados domésticos, com esem carteira, por exemplo, sãonegros.

A desigualdade de opor-tunidades começa no acessoà educação. Em 2006, 67,4%dos analfabetos brasileiroseram negros. E, apesar dedados afirmarem que, cadavez mais, eles frequentemescolas e universidades, osnúmeros ainda não são su-ficientes. O sociólogo LuizFonseca acredita que, mes-mo ainda não sendo ideal, aeducação na rede pública sótende a melhorar. Ele, que énegro, diz que foi difícilchegar aonde chegou. Fon-seca sempre estudou na redepública, mas era incentivadopela mãe a não desistir. Alémde socióligo, ele também setornou professor univer-sitário.

A discriminação pode serdenunciada, mas, muitas vezes,os órgãos responsáveis nãofiscalizam as empresas porque

O mercado de trabalho e a escravidão moderna

os casos não são repassados.A Comissão de Igualdade eOportunidade do Ministériodo Trabalho diz que nãorecebe muitos casos de dis-criminação racial, já que opreconceito acontece antesmesmo da contratação.

TRABALHO ESCRAVOEmbora já se tenham

passado mais de 120 anos daabolição da escravidão, oBrasil ainda convive com otrabalho escravo. Dados di-vulgados pelo Ministério doTrabalho comprovam práti-cas análogas à escravidão.Em Pernambuco, 419 casosde trabalho escravo foramregistrados em 2009. Comesses números, o Estadoficou na vice-liderança nacio-nal, atrás apenas do Rio deJaneiro.

Para Joaquim Nabuco, aescravidão era consideradaum dos grandes problemas dopaís. Segundo a procuradora

Débora Tito, o trabalho semqualquer condição de dig-nidade humana pode serconsiderado uma forma deescravidão. “A doença socialé a mais pura miséria e a formacomo ela se manifesta é pormeio do trabalho degradante,por isso deve ser combatido”,afirma.

Outra especialista a seposicionar sobre o assunto éa presidente da Associação

dos Magistrados da Justiça doTrabalho, a juíza VirgíniaBahia. “Atualmente, os tra-balhadores em situação degra-dante vivem em condiçõespiores que os escravos nopassado, porque o antigo donoda mão de obra queria a forçade trabalho contínua, e os em-presários de hoje não seimportam nem um poucocom isso”, denuncia VirgíniaBahia.

negros, facilitando a entradadeles nas instituições de nívelsuperior. Porém para opsicólogo Arquimedes Be-zerra de Mello, ao invés de in-cluí-los, a medida pode pro-vocar mais preconceito racial.“É importante que todos te-nham acesso à educação, in-dependente da cor de sua peleraça ou classe social. Porémreservar vagas para negros nãoresolve o problema secular. Éapenas um paliativo. A medidapode provocar um certodesconforto porque há sempreaqueles que gostam de ficarmenosprezando e humilhandoos cotistas por julgar seremincapazes”, diz.

O interessante para Melloseria, realmente, investir naeducação de base e, dessaforma, possibilitar que todospossam concorrer com asmesmas condições, semnenhum tipo de favorecimento.

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O BERRO Recife, junho de 2010 | 7

PESQUISA // Mesmo compondo 30% da população feminina, as negras são as principais vítimas da violência e vivem abaixo da linha da pobreza

MISCIGENAÇÃO As diferentes caras e cores do Brasil

O que é ser negro num Brasil multicolorido

A difícil realidade das mulheres negrasJONARA SIQUEIRA E LAÍS FERREIRA

Maria do Rosário da Silva,25 anos, negra. Começou atrabalhar aos 7 anos, venden-do doces nas ruas, para ajudara família. Estudou até a 3ªsérie, quando abandonou aescola para ser empregadadoméstica na casa de umafamília rica. Ao longo dessesanos, foi catadora de lixo evendeu picolé na praia. Hoje,sustenta a casa e os filhos comuma renda de R$ 400 queganha fornecendo almoçopara fora.

A história de Maria doRosário é apenas um exemplodas dificuldades enfrentadaspelas mulheres negras. Hoje,elas ocupam a base da pirâ-mide etária, enfrentam pre-conceito de raça e de sexo erecebem baixos salários. Ape-sar de a Constituição Federalgarantir que todo cidadão temdireito à moradia, à saúde e à

educação de qualidade, pormuitas vezes esses direitoslhes são negados. Dados daPesquisa Nacional por Amos-tragem de Domicílio (PNAD),de 2007, constataram que asmulheres negras possuíamcerca de 7,2 anos de estudo,enquanto as mulheres nãonegras passam, em média, 9,3anos na escola.

Além da baixa escola-ridade, as negras enfrentammuitas dificuldades na áreaprofissional, que vão desdebaixos salários até discrimina-ção no ambiente de trabalho.Elas também são as maioresvítimas de assassinato e vio-lência sexual. De acordo coma representante no Nordestedo Fundo de Desenvolvi-mento das Nações Unidaspara a Mulher, Nataly Quei-roz, essa situação é decorrentede uma série de problemassociais. “Além dos resquícioshistóricos, essas jovens estão

mais vulneráveis devido àfeminização da pobreza e adificuldade do acesso à Jus-tiça. No nosso país, faltam

políticas integradas paraprevenir as violências do-méstica e sexual”, explica.Ainda segundo Nataly, noBrasil, existem programaspara desenvolver trabalhoscom os recortes de gênero ede raça, mas depois decriados, têm seus recursosdiminuídos, dificultando aexecução das atividades.

MÍDIAAlém de serem as maiores

vítimas da discriminção racistae sexista, as mulheres negrassão as mais expostas, geral-mente de forma pejorativa edegradante, pela mídia bra-sileira. Não são raras asexposições de representantesdessa população em situaçãovexatória, como mulatas “tipoexportação”, ou retratadas emposições de inferioridade nosfolhetins eletrônicos.

Mas, como será que ainvisibilidade - um reflexo dasrelações desiguais de gêneroe raça ao mesmo tempo -,denuncia as opressões que asmulheres negras sofrem nasociedade brasileira? Um doscaminhos apontados pelasorganizações feministas queacompanham os programasveiculados pelos meios decomunicação é a denúnciapública junto aos mecanismoslegais (Estado, Ministério

RENATA DANTAS

O Brasil é um país mul-ticor, multirracial e multi-cultural. Essa característicavem de suas raízes históricas,juntando elementos desdeantes da chegada de Cabral,passando pelo processo decolonização e chegando aosdias de hoje. Por isso, o paíscarrega heranças índia, negrae europeia, tanto sepa-radamente quanto unida,considerando tudo o que semisturou entre as raças: achamada miscigenação. Mas,definir que cores formam araça brasileira não é tarefafácil.

O blog preservar ou en-sinar, que acompanha a ques-tão de cor/raça, coloca umdado interessante: “em 1890,apenas dois anos depois daabolição da escravatura (...),56% dos residentes em ter-ritório nacional eram negros”.

No mesmo texto, porém, oblog descreve uma situaçãochave da miscigenação bra-sileira. Dia que o governo“incentivou a entrada (...) decerca de 3.8 milhões deimigrantes europeus entre1887 e 1930”. Esse númeromaçante de imigrantes teveum efeito “branqueador” napopulação.

O caso é demasiado pro-blemático. Nem o governotem uma ideia clara dessaincógnita, que é a cor brasi-leira. Em 2007, dois irmãosgêmeos univitelinos (idên-ticos), Alex e Alan Teixeira,inscreveram-se para as cotasda Universidade de Brasília(Unb). Um foi consideradonegro e o outro não. A per-gunta é: quais foram os cri-térios usados para “medir” anegritude de cada um? Não sesabe, mas o que se tirou dissofoi que não há o menorconsenso sobre a definição da

cor negra no país, nem porparte dos que se propõem“julgá-la”.

CIÊNCIA E POPULAREm um manifesto contra

as cotas, denominado Cento e

treze cidadãos antirracistas contra

as leis raciais’, expõe-se que“raças humanas não existem.(. . .) . A cor da pele, umaadaptação evolutiva (...), éexpressa em menos de dezgenes”. O professor de gené-tica Paulo Correia explica quedez genes é um númeromuito expressivo, uma vezque um único gen carrega

informações vitais para aconstituição humana, e que,para a genética, a explicaçãoé simples.

“O gen de um negro é AA(azão, azão) e de um branco éaa (azinho, azinho). Sendo as-sim, são considerados negrosos que possuem os genespuros AA”, conclui. A expli-cação genética, no entanto, éfalha, pois considera apenasbrancos e negros, excluindoíndios, por exemplo.

A confusão também al-cança a população. Ao serindagada sobre o que é umapessoa de cor negra, a empre-

sária Adriana da Fonte res-pondeu que “da cor ‘jambo’em diante” ela já consideranegro. Já a contadora RosaneBraga acha que “só é negromesmo aquele bem escuro,tipo africano”.

Entre as diversas opini-ões, a questão continua semdefinição. O que é, afinal,ser negro? A pergunta abreespaço para outras: essadefinição é mesmo neces-sária? Uma delimitação é, nofinal das contas, precon-ceito? Independente da corde cada cidadão, uma coisaé certa: por dentro, as pes-soas têm a mesma cor. Sim,o sangue é vermelho emtodos e a questão de raçasdeve ser tratada com cuidadoexatamente por isso. Talvezseja o caso de não existir umadefinição. É de se esperarque as pessoas tratem e sejamtratadas como o que são:iguais.

Público). A veiculação deimagens e mensagens quetransformam as mulheresnegras em produtos de merca-do, em objetos de desejo e deconsumo dos homens podeser denunciada.

Para Ana Paula Maravalho,pesquisadora do ObservatórioNegro - entidade pernambu-cana formada por militantes domovimento negro e de direitoshumanos, que atua na açãopolítica pela transformaçãosocial, as instituições públicasprecisam dar respostas ime-diatas quando for identificadaa degradação da imagem dasnegras. “O que a gente quer éque o Estado, quando acionado,responda em conformidadecom os acordos dos quais ele ésignatário e com as suas leis.Recebemos várias denúncias deracismo e violação dos direitoshumanos, as mulheres não sabemcomo agir e a quem procurar”,denuncia.

Elas são as

maiores vítimas

de assassinato,

violência sexual,

além de serem

esteriotipadas

pela mídia

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50 anos do Curso de Jornalismo60 anos da Unicap

Em 2011temos muitosmotivos paracomemorar.

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