o menino e as pedras - peça antonio rogério toscano
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Peça de Rogerio ToscanoTRANSCRIPT
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O menino e as pedras
Dramaturgia para jovens, criada no ano de 2002.
De Antnio Rogrio Toscano
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Prlogo
O pacifista (Caso seja do interesse do encenador, esta parte pica
como outras possveis e eventuais sobras da dramaturgia poder ser
suprimida na montagem.) H coisas que no so como parecem. Podem ter
muitas formas, podem ser de outros jeitos... Podem ser bonitas e tristes de muitas
maneiras, terrveis e assustadoras de outras. Podem ser como as pedras, podem
ser como a gente quiser... So como esta histria, como este encontro, na regio
de Gaza, na Palestina. (Tempo.) Uma histria assim nunca aconteceu. Se
acontecesse, talvez no fosse exatamente assim... Talvez tivesse outra aparncia.
Talvez fosse como as pedras... Talvez fosse como a gente quisesse... Podia ser
de outro jeito! Podia at ser a histria de dois irmos, como no livro do Gnesis. E
quando um deles levantasse contra o outro uma arma, teria comeado o pesadelo.
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Cena 1
(Terra arrasada, rida. Ftima, menina rabe, brinca com trs pedras, dispostas
de forma simtrica, na frente do palco. Troca-as de posio e as trata como se
fossem amigas suas. No so bonecas, mas Ftima fala com elas, solitria em
sua brincadeira. Descobre posies geomtricas engraadas, cobre-as com vu.
Distrai-se.)
Ftima (Sozinha, enquanto coloca os pequenos vus nas
pedras.) Voc precisa se proteger, menina. Aqui, todo mundo tem que ficar bem
protegido... No quer? (Silncio.) Ah, eu tambm no queria... Mas assim.
(Silncio.) Aprendi que bonito. No? T. (Tempo.) Pedra no gosta de vu...
Ento, a gente brinca de outro jeito. (Coloca as pedras numa linha reta.) Assim
reto. (Muda uma delas.) Agora, tringulo. Ah, vocs no sabiam? Tontas!
(Tempo.) Sabiam? Ento, vamos ver: aonde que melhor ficar? Na reta ou no
tringulo? (Espera, atenta, uma resposta.) No, tanto faz no resposta, n?
Cada uma... Tanto faz! (Curiosa pela resposta silenciosa das pedras.) Tanto faz,
tanto faz... Tanto faz, mesmo? (Um pouquinho feliz, por ter liberdade de escolha.
Decidida.) Mas eu acho bonito reto. Ontem, eu preferi tringulo... bom quando a
gente fica aqui trocando de lugar... A gente muda tudo... A gente pode mudar tudo!
O dia fica calmo... O tempo passa lento... Nessas horas, parece que eu nunca
mais vou parar de brincar com vocs.
(Barulho ttrico, de exploso ou grito. Uma pedra voa, vinda de longe, e quase
machuca Ftima. Sem pensar em mais nada, Ftima pega as suas pedras e as
protege. Mais barulho. Violentamente, Ftima se descontrola e lana uma delas
em represlia, na direo dos sons ttricos. Est furiosa. Novos barulhos. Ento,
ela se afasta, correndo. Olha para as mos, ressente-se de ter ficado com apenas
duas de suas pedras.)
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Ftima (Para as pedras, ao coloc-las no cho.) Fiquem a.
No saiam. (Procura demonstrar calmaria para as pedras.) Amanh, a gente
brinca... Amanh a gente vai brincar mais! (Reflete sobre a pedra que foi lanada,
como se respondesse a uma pergunta feita por ela mesma ou por uma das
pedras.) A outra? (Mais barulho. Medo. Ela pega as duas pedras, correndo. No
se sabe se para atir-las ou para guard-las.) Amanh a gente procura.
(Ftima vai fugir para um lado, segurando nas mos as suas pedras, mas
Yonathan, menino judeu, entra correndo do outro lado com uma pedra na mo.
Tenso. Ftima se refugia no fundo do palco, de braos abertos. Situao de
possvel tragdia. Yonathan vai atirar a pedra em Ftima mas ela, com medo,
deixa as duas pedras de suas mos carem, uma aps a outra. uma queda
triste, a das pedras. Depois das pedras cadas, o seu corpo que vai lentamente
ao cho. Escorre. V-se que Ftima precisa de proteo. Mas, como ela est
desarmada, Yonathan tambm no consegue machuc-la com a pedra que tem
nas mos. Quando, j desarmado, ele percebe certo movimento nascido do medo
dela, Yonathan se aproxima. Tenta ajud-la a se levantar, mas Ftima arredia.
Situao de confronto iminente.)
Yonathan (Olha fundo nos olhos dela. Com bondade.) Pode fugir.
Pode escapar... (Tempo.) No vou jogar mais pedra... No vou. Pode ir...
(Ela fica.)
Yonathan No vai? Fuja! Eles podem vir pra c. A, eu vou ter que
jogar. No vai ter jeito. Vai te machucar... Vai... Corre!
(Ela fica. Tempo.)
Yonathan No vai?
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Ftima (Grave, cada palavra sua pesa como pedra.) Por que
voc veio brincar aqui? (Ele vai responder, ela o interrompe.) No pode!
Yonathan Quem falou?
Ftima perigoso. Minha me disse.
Yonathan E voc? Por que veio, ento?
Ftima Porque eu posso. Minha me disse.
Yonathan E eu, no?
Ftima Voc no.
(Tempo.)
Yonathan (Argumentao apressada, instintiva e ameaadora.)
Ontem, eu estava brincando bem aqui. Voc no estava. Anteontem, tambm.
Voc no estava.
Ftima (Seca.) Ontem, eu estava brincando aqui. Voc no
estava. Anteontem, tambm. Voc no estava!
Yonathan (Desconfiado.) Voc estava? (Tempo.) Aqui? (Tempo.)
Ontem?
Ftima Estava. Eu estava! Eu e as minhas trs pedras.
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(Ela recolhe com mximo cuidado as duas pedras que deixara cair, h pouco.)
Ftima Sara. (Pega a segunda pedra.) Leila. (Olha para o lugar
para onde jogou a outra pedra.) E Amina.
Yonathan Ento ns dois estivemos aqui, ontem! E anteontem...
(Tempo.) Como foi que eu no te vi?
Ftima Voc no estava! Eu estava!
Yonathan (Slido como pedra.) Estava, sim. (Confuso.) Vai ver,
no sei... Vai ver, foi em horrio diferente... Ou um de ns dois, provavelmente
voc... . Voc! Voc no sabia bem se era mesmo aqui que voc estava...
Ftima Era aqui. Deixei as minhas trs pedras assim, fazendo
um tringulo pra eu saber aonde era... E elas me esperaram, aqui, at hoje. Eram
trs. Trs pedras... Que eu achei aqui, bem aqui... Nessa terra. Que minha...
Aonde eu sempre brinquei... Minha. (Tempo. Nervosa.) Voc devia ir embora!
Yonathan (Retira, de um dos bolsos, a pedra que ia lanar em
Ftima. Entrega a ela, doce.) Acho que era essa a sua pedra. (Ela olha de um jeito
atento, duvidoso com relao ao reencontro com Amina. Olha, com receio e
desejo, para a sua pedra. Desconfiada, hesita em peg-la de volta. Por fim, pega-
a, rapidamente. Yonathan, sorridente.) Quase me acertou... Passou raspando.
(Simptico.) Amina o nome dela?
(Ftima guarda a pedra, como tambm as outras duas, sob suas roupas.)
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Yonathan Eu vi o tringulo que voc deixou feito aqui, ontem.
Achei esquisito... Era bonito. Tringulo... Mas, quando eu passei, voc no estava
mais aqui.
Ftima (Arredia.) De tarde, eu fiquei em casa. (Rancorosa.)
Meu irmo est machucado.
Yonathan Machucado?
Ftima (Olha firme para ele, culpando-o pela ferida do irmo.)
Foi ferido.
(Tempo.)
Yonathan Pedrada?
Ftima Pedra. ! Pedra! Muita pedra! (Aponta para o lado de
onde veio a primeira pedra.) Veio de l. Feriu...
Yonathan (Lembrando-se de acontecimentos que no
conhecemos.) Pedrada... Era seu irmo?
Ftima Sangrava muito a cabea dele. E, por isso, ontem eu
estava triste! Fiquei cuidando dele. Minha me disse para eu no vir hoje, mas eu
quis. Eu precisava. (Bastante chateada. Afirma o seu lugar na terra disputada.)
Por que no posso brincar no quintal da minha casa? Na minha terra, que
minha, junto com as minhas pedras? (Acalma-se.) E eu tinha que vir para busc-
las, coitadas! Pelo menos isso.
Yonathan Nesses dias, andar por aqui est perigoso.
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Ftima Sempre . Desde que eu nasci perigoso.
Yonathan (Preocupado.) Eu, tambm. Desde que eu nasci, s tem
medo rondando por aqui. A gente sai para brincar e fica com medo... Cansa!
Tenho um amigo que diz que no devia ser assim... Mas ele nunca fala isso na
frente dos outros. Tem medo. (Acha graa, sem compreender.) No devia ser
assim... (Muda de tom, repentinamente agressivo.) Mas . E voc no tinha nada
que vir aqui para buscar pedras!
Ftima (Arrogante.) Eu podia deix-las aqui, tambm, se eu
quisesse o quintal da minha casa!
Yonathan (Mais agressivo.) Este quintal no da sua casa. o quintal
da minha casa. E essas pedras so minhas. Me d!
(Ftima afasta-se dele. Aps certo susto, enfrenta-o.)
Ftima Sua casa? S se virou depois que vocs tomaram de
ns! (Tempo tenso.) como as minhas pedras: s vo ser suas se voc tomar das
minhas mos... (Ameaadora, com pedras nas mos. Fala devagar, com ameaa.)
Agora, elas esto nas minhas mos. Cuidado com o lugar aonde vem brincar,
menino!
(Tempo.)
Ftima (Comea uma brincadeira de pega-pega, tensa.) Vem
pegar, vem! No corajoso? Com pedras na mo...
Yonathan (Irritado.) Essa terra era nossa! Sempre foi!
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Ftima (Interrompe a brincadeira. Surpreende-se com a falha
do discurso dele.) Nossa? (Rancorosa.) Sempre?
Yonathan (Confuso.) Eu disse nossa... Minha. No nossa...
(Aponta para si mesmo e para ela.) Nossa. Meu pai me contou porque ns viemos
para c. Para os antigos, como para ns ainda , essa terra era prometida...
Santa! Para ns. (Novamente confuso.) No ns! Eu disse ns... Por isso ela
nossa.
Ftima Nisso, eu no acredito.
Yonathan Eu sei...
Ftima Voc fala de coisas santas. O que que voc sabe
sobre as coisas santas?
Yonathan Eu sei. Meu pai me disse. Os antigos...
Ftima (Altera a brincadeira, mais ameaadora, com pedras
nas mos.) Se sempre foi assim, terra prometida a vocs, no entendo... Nunca
vou entender. Por que no ficaram por aqui? (Tempo que insinua crtica.) Foram
embora...
Yonathan (Triste.) Tivemos que fugir.
Ftima (Semblante carregado.) Quando vocs foram embora,
ns ficamos aqui! Em paz... Na nossa terra.
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Yonathan (Confuso.) Ns no fomos embora. (Inventa qualquer
coisa para confront-la.) Vocs que expulsaram a gente daqui...
(Tempo.)
Ftima Ns? No...
Yonathan Inimigos. Sempre tivemos inimigos. Sina...
Ftima Quando vocs no estavam aqui, minha me conta que
as crianas podiam brincar, correr... Correr livre, sem medo. Voc sabe o que
isso? Eu no sei. Muitas crianas vinham aqui. Para brincar com as pedras... E as
pedras no botavam medo, no. Eram pedras, s... Ficavam no cho... Os
meninos brincavam... Faziam linha reta, faziam tringulo. Agora...
Yonathan A minha gente nunca foi embora. Foi expulsa. E
alguns... Muitos! Ficaram...
Ftima Isso j faz muito tempo. E voc sabe que no foi a
minha gente que expulsou a sua.
Yonathan Foram os inimigos. Em tempo de guerra, todo mundo
inimigo e todos os inimigos esto em todos os lugares, no mundo todo! (Tempo.
Bravo.) E quando ns quisemos voltar...
Ftima Vocs voltaram cheios de pedras... Pedras na mo. E
armas... Tanta arma... Ns s tnhamos as pedras...
Yonathan Se no fosse desse jeito, vocs acabavam com as
nossas casas. Tinha que ser assim. E nem vou te contar das outras coisas que
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aconteceram, quando estivemos longe... Longe daqui... (Tempo.) Meu pai me
disse.
(Tempo.)
Ftima (Encabulada.) Minha me me contou. (Sem mais
tristeza, repentina.) Mas falou que vocs no prestam, por isso sofrem.
Yonathan (Indignado.) Como ela sabe que a minha gente no
presta? (Triste, sem entender.) Quem disse isso a ela?
Ftima Ela.
Yonathan Como que ela pode saber isso?
Ftima Ela sabe, u! gente grande, sabe!
Yonathan E voc acredita?
Ftima U, voc no acredita no seu pai?
Yonathan Pra saber, tinha que estar junto. Ns dois, aqui, por
exemplo: o que que a gente sabe?
Ftima No sabe de nada. S sei que voc me jogou uma
pedra. Passou voando, raspando...
(Tenso. Tempo.)
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Yonathan Eu no joguei. Foi outro menino. (Tempo.) , sim... No
fui eu. Eu trouxe a sua pedra e entreguei na sua mo. (Esfora-se para lembrar do
nome dado pedra.) Amina... Acho que esse o nome. Devolvi.
Ftima (Muda de nimo. Sorri.) Eu vi. Obrigada.
Yonathan De nada.
Ftima (Olha, pela primeira vez sem mgoa, para ele.)
Obrigada mesmo. Eu... Eu no queria ficar sem ela.
Yonathan De nada. Os outros meninos no viram. Ningum vai
brigar comigo.
Ftima Sabe, eu no fico contente quando jogam pedras nos
passarinhos. Prefiro deixar os passarinhos brincando com as pedras... Como eu.
Brinco aqui como um passarinho... s vezes, coloco comida para eles, para que
venham brincar no meio das pedras. Eles vm, sabia? (Tempo.) Junto com Sara,
Leila e Amina...
Yonathan Ento, por que jogou Amina daquela maneira?
(Tempo.)
Ftima No sei. Costume.
Yonathan Podia acertar num passarinho. (Encabulado, pensa em
si mesmo.) Ou num menino-passarinho...
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Ftima Costume. costume. (Emudece.) Fiquei triste enquanto
ela no estava mais comigo. Muito triste... A gente perde, joga fora, tudo o que
bom para gente... Mas tudo sempre to rpido, que...
Yonathan Rpido demais. (Tempo.) Puxa, se gosta tanto dela,
no entendo por que jogou.
Ftima (Nervosa.) No percebi. Quando vi, j tinha jogado...
Que coisa! Quantas coisas a gente nem percebe...
Yonathan Devia perceber.
Ftima , devia. Mas a gente no percebe... (Tempo.) E agora
voc est aqui. (Desconcertada.) E eu, falando desse jeito com voc. Coisa
esquisita... (Tempo.) Se bem que ia ser mais gostoso se fosse assim sempre, n?
Yonathan Ia.
Ftima Mas voc me jogou uma pedra. (Tempo.) E eu te joguei
Amina.
Yonathan Meu pai conta que por onde meu povo andou, sempre
levou pedrada. Tambm se acostumou com sofrimento, com perseguio. Parece
que no teve jeito de ter um tempinho assim... Como estamos tendo, agora.
(Tempo.) Um dia ele me falou que no incio, h muito tempo, ns e vocs ramos
muito prximos...
Ftima (Desconfia um tanto.) Primos. Minha me me contou.
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Yonathan S depois, quando tivemos que fugir, que vocs
comearam a ver a gente como inimigo. E, depois, ns precisvamos voltar... Para
o nosso povo, aqui a nossa terra.
Ftima Vocs falam de terra prometida. Nunca entendi.
Yonathan No precisa entender. como pra vocs, acho.
Ftima Mas vocs no acreditam no que ns acreditamos.
Yonathan U... Tudo bem. Eu no fico dando nome para as
pedras e nem por isso acho que voc no deva fazer isso...
Ftima As nicas coisas em que somos parecidos que ns
dois somos meninos, moramos aqui e jogamos pedra uns nos outros... (Bem
humorada.) Se bem que voc chamou minha pedra de Amina, agora h pouco.
No foi?
Yonathan No resto, somos diferentes.
Ftima Para ns, aqui um lugar santo, tambm. Por isso eu
falei que aqui, brincando junto com as pedras, eu brincava no quintal da minha
casa. (Nota mais semelhanas entre eles em seu discurso.) Outra coisa igual.
(Sorri.) Outra coisa igual...
Yonathan Muitas coisas. Em geral, a gente nem v isso. Nem
percebe...
Ftima Mas hoje, sei l...
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Yonathan ... Ningum sabe. E to ruim... No saber.
Ftima (Animada.) A gente podia, hoje, brincar de dividir esse
quintal. S um pouco... (Ela entrega uma pedra para ele, agora.) Eu disse que era
nosso, mas...
Yonathan (Muda de postura, assustado com a hiptese,
repentinamente. Nem sabe ao certo porque reage com dio ternura de Ftima.)
Mas... Mas... Mas no mais! Este quintal nosso e vocs que tm que ir
embora! Voc no pode brincar por aqui! Tm que ir... E nem sei porque estou
perdendo tempo conversando com voc. Voc tem que ir embora! Tem que ir!
Tem que ir! Vai!
(Irritado, Yonathan v que est com a pedra que Ftima lhe jogara na mo. Atira-a
no cho, para no atirar em Ftima.)
Yonathan Sai! Agora! Ou eu chamo os meninos! E sua cabea vai
sangrar como a do seu irmo! Sai!
(Ftima, assustada, sai. Leva consigo as duas pedras que esto em suas mos.
Volta, para pegar a pedra que est no cho. Yonathan pega-a primeiro e ameaa
atirar nela. Ela lhe estende a mo, pedinte. Ele corre para cima dela, ameaador.
D a impresso de que vai atirar a pedra. Ela foge. Black-out.)
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Cena 2
O pacifista Esta podia ser a histria de dois irmos, como no livro
do Gnesis. E quando um deles levantasse contra o outro uma arma, teria
comeado o pesadelo. Neste sonho ruim, Caim, aps a morte de seu irmo Abel,
seria mandado embora, condenado a ser errante a vida inteira pelas estradas do
mundo. A marca de Caim, que lhe fizeram na testa, serviria para que todos
soubessem que ele recebera esta sentena de nmade errante e que, por isso,
no deveria ser morto. J se conhecia a dolorosa punio: tirar a terra do ser
humano, torn-lo um perptuo estrangeiro em sua prpria casa, obrig-lo a andar
sem destino e sem possvel retorno origem uma pena mais pesada do que a
morte. Os judeus do Estado de Israel sabem que a vida sagrada e que, ento,
preciso ter uma casa. O povo de Davi vagou pelo mundo, embora no tenha
assassinado um irmo.
(Yonathan est sentado no mesmo lugar da primeira cena. Brinca com a pedra de
Ftima que ficou em seu poder. Parece esperar. Olha para os lados, como se
esperasse algo. Tem um fuzil muito grande apoiado em seu brao. Imagem
ttrica.)
Yonathan (Fala sozinho. Ou para a pedra, que guarda desde o
ltimo encontro com Ftima, no dia anterior.) U! No disse que vinha sempre,
que estava sempre aqui? Cad? (Ameaa.) Queria ver ela chegar aqui, agora!
(Desbocado.) Quintal da casa dela... nada! Essa terra minha... nossa!
(Relembra da confuso com a palavra nossa.) No nossa... Minha! (Para a
pedra.) Viu? Ela te deixou aqui. E ainda me deve aquelas duas outras pedras, que
ela tinha que ter deixado aqui! (Olha no relgio.) Que droga! (Para a pedra.) Ser
que ela no vem? Medrosa! (Espera.) No vem! Aposto que no vem!
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(Cansa de esperar. Vai sair. D dois passos em direo sada e pra, pois
percebe a chegada, do lado oposto, da garota Ftima.)
Ftima (Corajosa, quase provocativa.) Vim pra ter certeza de
que voc estava aqui.
Yonathan Todos os dias eu venho. Te falei.
Ftima No sei porqu, mas achei mesmo que voc estivesse
por aqui.
Yonathan (Ambguo, entre a ternura e a violncia.) Eu estava te
esperando. (spero.) Eu quero as duas pedras de volta. So minhas. Esse lugar
meu!
Ftima Meu av, quando morreu, foi enterrado aqui, nesta
terra. Como ela pode ser sua?
Yonathan Enterrar o av no quintal do vizinho! So esses os
costumes de vocs?
Ftima (Avana sobre ele.) No fale assim nunca mais! No
fale! (Descontrola-se.) No fale! (Frgil.) Eu gostava dele. E ainda gosto! No
custa nada ter respeito com quem est morto. (Terna.) Meu av era... (Tempo.) E
quando a gente fala dos mortos com carinho, como se a gente fizesse uma visita
boa para eles, na memria da gente.
Yonathan Como sabe disso?
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Ftima Falaram. Eu acredito. Falam muito sobre os mortos
nesse lugar. So muitos. Entristecem a gente, mas no d pra... A gente no pode
esquecer.
Yonathan (Brinca com o fuzil que carrega.) Ns que dizemos o
que vocs podem e o que vocs no podem...
Ftima Vocs podem mandar, mas isso no todo o poder. Eu
posso muitas coisas, menino... E o que eu lembro ou deixo de lembrar, no est
em seu poder. Nunca esteve!
Yonathan Voc parece boba! Parece que nem tem medo. Um fuzil
desses faz coisas que... Faz, sim! (Triste.) A gente ouve falar de muitos mortos,
tambm.
Ftima E parece que o mundo inteiro s escuta o choro dos
mortos de vocs. Voc carrega um fuzil desse tamanho e os nossos mortos no
existem... No choram... No tm importncia... (Seca.) Embora nosso cemitrio
seja muito maior. Por qu?
Yonathan O que voc sabe sobre cemitrios? Nmeros! Vocs
inventam um monte de nmeros! De que adianta falar de nmeros... E voc...
Voc... Aposto que nunca foi numa escola.
Ftima Como voc sabe? Voc no sabe de nada! Eu sei muito
de nmeros.
Yonathan Sabe? O que voc sabe? Sabe que meu povo
caminhou, espalhado pelo mundo, e foi odiado demais, menina? Algum
conseguiu contar quantos foram maltratados? E por qu? Disso, voc sabe? A
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gente no entende, no! A gente faz, sempre, essa mesma pergunta. A gente
sempre se pergunta: por qu?
Ftima bom perguntar. Quando me deixavam estudar, eu
gostava de fazer perguntas.
Yonathan Mas cansa ficar fazendo sempre a mesma pergunta,
que parece que no tem resposta.
Ftima Deve ter. Para tudo tem. Eu gostava de perguntar...
(Tempo.) Por qu? Deve ter resposta... Para tudo tem...
Yonathan Mas essa resposta no vem... Nunca.
Ftima Vem, sim... (gil, um tanto carinhosa.) Coloca esse fuzil
de lado e escuta comigo a voz dos mortos. (Escuta.) silenciosa, mas fala... s
vezes, quando a gente chora, pode escutar resposta...
Yonathan S quando chora?
Ftima Voc disse que escuta falar dos mortos. Mas e a voz
deles, dos mortos, debaixo das pedras, voc no escuta nunca?
Yonathan (No sabe do que Ftima fala.) hn? (Tempo.) Pode
ser, mas...
Ftima Na minha casa, a gente v a morte todo dia, quase
sempre. Meu av foi morto assim. E eu preciso escutar a voz dele, para no me
acostumar com o silncio que ele deixou pra sempre! Meu av... Sem contar os
primos, os tios, os conhecidos... Os desconhecidos! s vezes, a gente chega
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quase a se acostumar. Parece normal. J pensou? Chega a se acostumar... A
gente olha para uma pessoa morta e, na hora, no vem nenhum sentimento pra
dentro da gente... S raiva. S vontade de revidar... Mas preciso escutar a voz
deles... Precisa! Se voc prestar ateno, vai ver que eles gritam!
Yonathan Gritam? De raiva?
Ftima No. Nem sempre. S gritam... So como ns. Tm
vontade de gritar. Eu grito sempre... (Grita.) divertido... Eu acho! (Grita. Ri. Pra
de rir, sombria.) Ontem, quando eu sa daqui, podia ter sido ferida, como meu
irmo... Cheguei em casa, olhei nos olhos dele. Vi que ele estava acostumado
com a morte. Que no tinha medo... Ele no gritava. Ento, eu gritei. (Grita mais
uma vez.) Naquela hora, parece que ele me ouviu...
Yonathan Por qu?
Ftima Porque ele gritou, tambm.
Yonathan Junto? Ele gritou junto com voc?
Ftima Juntos! Eu e ele... Gritamos juntos... Coitado, estava
machucado.
Yonathan Devia doer muito...
Ftima Mas ele nem se lembrava que doa. No se lembrava
que tinha medo.
Yonathan Voc tem? (Tempo.) Medo?
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Ftima Eu tenho medo. Eu tenho muito medo. (Tempo.
Descontrada.) Vamos gritar?
(Gritam juntos. Yonathan pra antes. Ftima acanha-se.)
Yonathan At os passarinhos andam assustados por aqui.
Qualquer grito pode parecer... No vo deles tem o medo de ser machucado por
uma pedrada. Por que dar pedrada em passarinho? (Tempo.) Por qu?
Yonathan Tem coisas que ns no vamos entender nunca.
Ftima Tem que entender! Tem! (Grita.) Mas eu, tambm, no
entendo sempre...
Yonathan Teve uma guerra, no faz muito tempo. Nem era aqui...
Mas aonde quer que fosse, sei l... Eu ia sentir do mesmo jeito. Medo... Meu pai
me contou. Quando ele contava, dava vontade de gritar...
Ftima O qu?
Yonathan Guerra. Guerra d vontade de gritar...
Ftima Eu sei. Isso eu sei. (Tempo.) Mas o que voc ia sentir?
Yonathan No grito? (Tempo.) Pavor.
Ftima E, quando o seu pai te contou, voc no gritou?
Yonathan J calaram tanto a nossa boca...
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Ftima Mas grita do mesmo jeito, tonto! Nem que seja um grito
de silncio...
Yonathan Gritar? No podia. Ele me contou que uns homens
entravam nas nossas casas, arrancavam a gente fora, marcavam o nosso
corpo. Trancafiavam a gente nuns lugares... (Tempo. Muito triste.) Campos de
concentrao...
Ftima Campos... O que ser que todas essas coisas tm que
ver com campos... Nada... S pedra...
Yonathan Campos... Era assim que chamavam aquilo... Tanto
horror! Campos de concentrao...
Ftima (Calma.) E no so campos de concentrao aqueles
cercados mal-feitos que vocs fizeram em torno da minha casa, de todas as
casas, no vilarejo?
Yonathan Talvez sejam. Mas, agora, diferente!
Ftima No . E ns gritamos, mudos... Mudos. Como as
pedras!
Yonathan (No consegue escut-la e segue sua necessidade de
narrar.) Mudos de medo... Para ns, o nico jeito foi fugir, partir. Pra c. Por causa
daquela guerra, meu povo precisou buscar um lugar. E o lugar do meu povo , e
sempre foi, aqui.
Ftima Aqui? Bem aqui? Onde meu povo, que era livre e
cantava e no precisava de silncio... Dava para ouvir os passarinhos... Agora, a
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gente tem que viver amontoado, preso por grades e pelas fronteiras de pedras que
vocs demarcaram pra ns. Por qu?
Yonathan Voc no sabe. No sabe de nada...
Ftima Nem voc sabe. Ningum sabe...
Yonathan (Insiste na histria de horrores.) Depois de presos,
nossos homens eram separados das mulheres. Os filhos, chorando, eram
arrancados de perto da me. Gritos, muitos gritos... Todos eram levados em uns
trens horrorosos para um lugar que cheirava a carne queimada. Arrancavam at a
roupa das pessoas e roubavam tudo.
Ftima Parece at que voc est contando uma histria que eu
conheo, que eu podia contar. No diferente de umas histrias que minha me
contou...
Yonathan Pode ser. Mas acho que era diferente... Quando as
pessoas chegavam nos banheiros, quando pensavam que iam tomar um banho
para aliviar um pouco a dor que estavam sentindo... (Di. Tem vontade de gritar.)
Dos canos dos chuveiros saa um gs venenoso, que asfixiava. Os corpos,
ningum nunca mais via. Queimavam. Para que os prximos que chegassem ali
pudessem pressentir, pelo cheiro, o destino que os aguardava.
Ftima Quanta tristeza...
Yonathan Carne queimada. Sabe como cheira? (Tempo.) Outros,
que escapavam vivos, esquelticos e com fome... (Engole seco um grito.)
Famintos! (Tempo.) Com os braos arrancados, cobaias em laboratrios sujos,
eram despejados vivos em uma vala comum...
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Ftima Chega! (Tempo. Tapa, com as mos, os ouvidos.)
Minha me me contou.
Yonathan Isso eu nunca vou entender... Meu av tinha nmeros
tatuados no brao... Marca. Marca muito...
(Tempo.)
Ftima triste, muito triste. Mas a tristeza no explicao
para fazer o que vocs fazem, hoje. ?
Yonathan Hoje, ns podemos lutar... diferente! (Acaricia o seu
fuzil.) Hoje temos armas pra... Pra ter um pouco de paz.
Ftima Lutar? (Tempo.) Por paz? (Tempo.) Por qu?
Yonathan Porque queremos ficar em paz.
Ftima Mas, mesmo assim, ontem voc ia jogar uma pedra em
mim... Pedrada...
Yonathan Eu no joguei! Eu ia jogar... Mas, sei l... Era quase
mais forte do que eu, mas eu no joguei! Na hora, parecia que eu tinha razo, que
voc devia ser ferida... Machucada! Ns... (Tempo breve.) Eu e os meninos...
Vimos voc de longe. Sorte sua que os outros meninos no vieram. Eu falei para
no virem... Eram pequenos, menores que eu. Correram de medo.
Ftima S me viu de longe... E ia me jogar uma pedra.
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Yonathan Outro menino jogou. Ralhei com ele. Mandei ele voltar.
Ftima Mas ele jogou.
Yonathan Pra mim, deu tempo de pensar e escutar uma coisa
silenciosa que falava aqui, , no meu ouvido. Era uma voz surda que me
perguntava a mesma coisa, na hora de jogar a pedra... Dizia: por qu?
(Tempo.)
Ftima Sabe, quando eu fico aqui, sozinha, brincando com as
minhas pedras, eu gosto de ouvir o silncio. como aquela voz surda que eu te
falei, dos mortos. Igual a esse silncio que voc disse que falou no seu ouvido,
naquela hora... Silncio... (Tempo.) Silncio... Ele to confuso, cada hora ele diz
uma coisa diferente... Mas ele fala.
Yonathan (Entusiasma-se ao se reconhecer nisso. Amigvel.)
assim mesmo. Comigo, igualzinho. Eu ouo o silncio... (Em tom menos
efusivo.) Mas no d para falar disso com os moleques. Eles no iam entender...
Acho.
Ftima ... difcil falar disso com o meu irmo...
Yonathan Eu acho gostoso ficar ouvindo o silncio...
Ftima Mas no so todos vocs que pensam desse jeito...
Que escutam essa voz quieta.
Yonathan No somos todos iguais, u. Ningum . (Mais prximo
dela.) Nem vocs...
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Ftima Vendo de longe, difcil de perceber a diferena.
Yonathan De perto, tambm . Olhe s pra ns dois, aqui. Somos
diferentes, e demorou um monte para que a gente pudesse conversar de verdade,
como agora... As coisas diferentes so bacanas, tambm. No so?
(Tempo.)
Ftima ... So.
Yonathan Vamos ficar s um segundo escutando o silncio,
juntos? (Ela resiste. Ele no d bola para a resistncia dela. Yonathan fecha os
olhos.) Fecha os olhos.
(Ftima fecha os olhos. Tempo. Ela abre os olhos quando Yonathan pega na sua
mo, discretamente.)
Yonathan Quantas coisas diferentes a gente consegue pensar... E
uma coisa no precisa ser melhor que a outra... Elas podem ficar juntas,
conviver...
Ftima Como?
Yonathan U, a gente pode inventar... Essa pergunta mais fcil
de responder. Eu acho. s inventar a resposta... No como aqueles por
qus... (Ainda de olhos fechados.) Quando a gente olha pra essa terra arrasada,
parece que s se v uma coisa. Uma coisa s... Uma mesma coisa, feita s de
deserto, de pedra... Mas quando eu estou aqui, sozinho... De olhos fechados... Eu
vejo cada coisa diferente...
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Ftima Eu tambm. (Dispe as suas duas pedras no cho.) At
as pedras so diferentes. Cada uma das minhas pedras tem um nome. Cada uma
delas tem uma historinha diferente... Que eu criei... Leila... Sara...
Yonathan E Amina. (Abre os olhos. Mostra a pedra que estava
com ele. Vai coloc-la junto com as outras.) esse o nome dela, no ? Como
voc prefere, colocar em linha reta ou formando um tringulo?
(Olham-se, demoradamente, nos olhos.)
Ftima No sei. Escolhe voc.
Yonathan Ah, ento vamos colocar todas juntas, uma bem do lado
da outra...
Ftima T.
Yonathan Sabe... A gente est assim perto... Quase se feriu e
agora est conversando... E a gente nem se perguntou ainda o nome um do
outro... (Ri-se.) Como a gente estranha! (Tempo.) Qual o seu nome?
Ftima (Tmida.) Ah, eu preferia no falar... Diga o seu
primeiro.
Yonathan Est bem. Eu me chamo Yonathan, que um nome
bonito e importante para chamar um menino judeu!
Ftima Yonathan? Que nome esquisito!
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Yonathan Aposto que o seu tambm ...
Ftima (Rpida.) Ftima. Eu me chamo Ftima, como a filha
de Muhamaad, o primeiro dos profetas do islamismo, que uma boa f para uma
garota muulmana.
Yonathan Pode ser, mas esse nome no muito comum,
tambm...
(Ambos riem.)
Yonathan (Animado.) Vamos fazer alguma coisa? Brincar!
Ftima Brincar?
Yonathan .
Ftima Ser?
Yonathan Por que no?
Ftima Eu aceito. Mas eu escolho a brincadeira. (Tempo.)
Vamos brincar de homem-bomba...
Yonathan (Apavorado.) Homem-bomba? Por qu?
Ftima No sei. Foi s uma idia que eu tive.
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Yonathan Disso eu no brinco, no, porque isso no
brincadeira. O seu povo que nos assusta com isso. Terroristas, meu pai chama
isso de terrorismo! E isso que nos causa pavor!
Ftima Desculpa. Foi s uma idia.
Yonathan Vocs sempre ficam com essas idias!
Ftima Para ns tambm triste, mas muitas vezes, no tem
outro jeito.
Yonathan Como no tem outro jeito? Vocs entram nas lojas, nos
carros, nas casas e trazem bombas amarradas no corpo... Explodem quem estiver
por perto e dizem que no tem outro jeito?
Ftima s vezes, meu povo pensa que no tem.
Yonathan Tem! Tem que ter!
Ftima Mas s vezes parece que no.
Yonathan (Nervoso.) Ento, falta fazer como a gente fez agora h
pouco, e falta escutar mais o silncio!
Ftima (Olha para o fuzil dele.) Sabe... Ns no temos as
mesmas armas para nos defender do seu povo. O que voc queria? Brincar de
fuzil?
Yonathan (Revida, com certa agressividade.) Boa sada para
quem atirou em mim as pedras com que brincava e dava nomes...
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Ftima Eu no dava nada! O nome delas! Eu no preciso dar
nada pra elas! delas! (Tempo.) E eu estava desprotegida... Nunca vem at ns
ajuda que nos compreenda! Vocs mentem para o mundo todo! E ns sofremos,
porque estamos com a nossa terra ocupada por vocs. Invadida! S temos nossas
pedras, para atirar. o que temos! Nossa Intifada!
Yonathan Intifada?
Ftima Nossa revolta, com pedras nas mos... Somos assim.
Yonathan E brincam de homem-bomba...
Ftima (Ameaadora.) Tambm temos os nossos corpos, para
explodir.
Yonathan No tm mais nada?
(Silncio.)
Yonathan (Inconformado.) E os mortos? E o silncio?
Ftima (Fria.) Voc tem razo. Ns temos os nossos mortos,
para vingar!
Yonathan (Tenta voltar atrs.) Mas a gente podia brincar de outra
coisa... S mais um pouco. Estava to bom.
Ftima No, Yonathan. Ns no podemos, no. Meu irmo est
em casa, machucado, ferido pelas pedras. Pedrada! Quando eu olho para ele, sei
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exatamente no que ele est pensando. E no consigo mostrar para ele que pode
ser diferente... Nem com grito.
Yonathan Nem com grito?
Ftima No sei... Acho que nem com grito...
Yonathan Achei que tnhamos gostado da diferena, que a gente
podia achar graa em ver as diferenas entre Sara, Leila e Amina...
Ftima Eu posso. Mas voc no.
Yonathan Por qu?
Ftima No sei. Nem o meu irmo sabe. Nem ningum... Vou
perguntar a ele como far para afastar a tristeza que ele sente.
Yonathan Como?
Ftima Como voc disse, essa pergunta sempre foi mais fcil
de responder. Como melhor que por qu. Mais fcil do que todos os por
qus... E se ele sabe pelo menos isso como! , j no pouco. (Tempo.)
Adeus.
Yonathan J vai?
Ftima Vou deixar as pedras aqui. Se quiser, leve-as com voc.
Ou se quiser, atire-as em mim, por trs. Vou te entender. Se achar melhor, deixe-
as a... Eu vou voltar.
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Yonathan Fica.
Ftima Com voc, no sei ficar. Vou at l, para ficar com meu
irmo. Ele est ferido. Pedrada. Di.
Yonathan Volte amanh. (Tempo.) Eu queria te ver amanh.
Ftima Com um fuzil na mo? (Tempo.) No... Adeus.
(Tempo. Ftima vai sair. Est triste. Olha de soslaio para trs.)
Yonathan Fica.
(Ftima corre. Yonathan fica. Ele vai at as pedras, que esto juntas como tinham
deixado, no cho. Tem um impulso de peg-las. Mas deixa-as ali. Cabisbaixo, ele
sai. Black-out.)
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Cena 3
O pacifista Os judeus do Estado de Israel sabem que a vida
sagrada e que, ento, preciso ter uma casa. O povo de Davi vagou pelo mundo,
embora no tenha assassinado um irmo. Este povo foi escravo e no tem
motivos para festejar enquanto um nico escravo subsistir sobre a Terra. Mas a
ocupao dos territrios palestinos traz para o nosso tempo uma centelha da pena
imposta a Caim. Hoje, os muulmanos tm suas casas destrudas, vem
arrancadas as suas oliveiras, vivem em permanente exlio e so obrigados a
permanecer como estrangeiros em seu prprio quintal. E eles tambm no tm
culpa nenhuma, no assassinaram os seus irmos.
(Noite. Luz apenas nas pedras, que continuam juntas. Na penumbra, Yonathan e
Ftima aproximam-se, silenciosos. No se vem, at que se chocam, de costas
um para o outro.)
Yonathan Pensei que tinha dito que no voltava!
Ftima (spera.) Eu sempre volto! Principalmente quando
estou triste.
Yonathan Acho bom que tenha voltado.
Ftima (Vestida com luto.) Estou triste. Queria ficar junto com
as minhas pedras.
Yonathan Veio s para buscar as pedras?
(Tempo.)
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Ftima E voc, por que veio?
Yonathan Escutei o silncio. (Tempo.) Tive saudade.
(Tempo.)
Ftima Ainda no sabe?
Yonathan De qu?
Ftima Do que aconteceu.
(Tempo.)
Yonathan Eu soube. No foi longe de casa. At ouvi o barulho...
Mas, como voc disse, tem hora que parece que a gente at se acostuma com
isso... (Tempo.) Vocs no perdoam nada...
Ftima Costume... Como so tristes esses costumes...
(Tempo.)
Yonathan Voc est vestida de preto. Por qu?
Ftima Preto combina com tristeza.
Yonathan Tristeza sua? (Tempo. Carinhoso.) Por qu? (Um tanto
magoado.) Os vinte mortos da exploso eram nossos. Dessa vez, os nmeros
foram contra mim.
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Ftima Nmeros... O que voc sabe sobre nmeros? Por acaso
mais triste para quem perdeu mais? (Tempo.) Ser que assim?
Yonathan Vinte, Ftima! Morreram vinte!
Ftima Vinte?
Yonathan ... Vinte! Numa nica exploso... Vinte!
Ftima Mais nenhum? Nenhum? (Tempo.) Nenhum a menos?
Nenhum a mais?
Yonathan Vinte... Sabe quanto vinte?
Ftima Vocs contam vinte... Mas teve mais um... Teve mais
um morto, que voc no contou... (Tempo.) Era o meu irmo... Doa nele. Di em
mim, agora.
(Silncio. Longo silncio.)
Yonathan Em mim di. Do mesmo jeito.
Ftima Eu tive saudade daqui... um lugar bom para chorar a
saudade dele. Aqui, neste esconderijo...
Yonathan (Sem saber o que pensar. Verdadeiramente triste.)
Ento, vou chorar com voc.
Ftima Voc pode? Pode chorar comigo?
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(Tempo.)
Yonathan Hoje , para ns, um dia sagrado. Yom Kipur... Dia do
perdo.
Ftima Que dia mais triste... (Tempo.) Voc consegue?
Yonathan Perdoar?
Ftima .
Yonathan No. (Tempo.) Mas voc podia me ajudar, se quisesse.
(Tempo.)
Ftima Acho que no quero. Meu irmo no pde perdoar...
Acho que eu no quero.
Yonathan Nem eu.
(Muito triste, ela sorri para ele, que responde com um olhar cmplice, quase
sorridente.)
Ftima Mas voc pode ficar aqui, se quiser... Eu deixo. bom
ficar aqui, com as pedras... (Tempo.) Com voc.
Yonathan Bom ficar aqui comigo, como tambm bom ficar aqui
com as pedras...
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Ftima ... Parece que a gente como elas... Uma coisa feita
de pedra. Que podem dar nomes. Que so diferentes... Mas que, no fundo, tudo
a mesma coisa sempre... Pedra pura.
Yonathan Conhece a histria da Medusa?
Ftima Est no Alcoro?
Yonathan No. Nem no Tor. Mas no tem importncia. bonita.
Ftima Conta. Vai me deixar mais triste?
Yonathan No. Acho que no... Histrias no servem pra isso. o
que eu acho... A medusa... (Olha nos olhos dela.) Meu pai me contou... Todo
mundo que olhasse nos olhos da Medusa...
Ftima (Triste.) Quem era essa Medusa?
Yonathan Era um monstro, fascinante e bonito...
Ftima Monstro bonito?
Yonathan Monstro pode ser bonito. Beleza de monstro, u...
(Tempo para superao de algumas tristezas.) Mas se voc quiser, pode fazer a
beleza do monstro virar feira... Sei l. O que interessa que ela, no lugar dos
cabelos tinha cobras, serpentes do deserto...
Ftima Era um anjo.
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Yonathan No. Nem demnio. Era Medusa. E os seus olhos
faziam todos os que a olhassem de frente pra ela ficarem paralisados. At o
corao virava pedra.
Ftima (Triste.) Ns dois olhamos para ela?
Yonathan Pode ser. Tem Medusa que se disfara. (Tempo.) Vai
ver, o mundo uma Medusa grande, feia, dura...
Ftima O mundo... Uma medusa?
Yonathan Mas, para escapar dela, basta fechar os olhos...
(Reflete.) A, a gente no v nada...
Ftima Ficar de olhos fechados... De olhos bem fechados? A
gente no sabe ficar de olhos fechados para o mundo... Mesmo que ele seja uma
Medusa grande, feia e dura.
Yonathan Mas ficar cego pra feira, cega tambm para a beleza
que ela podia ter... (Simptico.) O duro que a gente vira pedra quando olha...
Vira pedra.
Ftima Pedra... Sempre vira pedra...
Yonathan Teve um moo que a enfrentou, uma vez.
Ftima ?
Yonathan Ele se chamava Perseu.
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Ftima Ele no virou pedra?
Yonathan No. Para no olhar nos olhos dela, colocou um escudo
de metal bem polido nas mos e ficou de costas para ela. Ele percebeu que se
olhasse para sua feira, para a sua dureza at para a sua beleza, se ela tivesse,
na opinio dele... , ficaria paralisado, sem ao. Ento, Perseu inventou o reflexo
dela no espelho que era o seu escudo polido. Guiado por essa inveno, ele pde
enfrent-la.
Ftima Era um moo inteligente... Perseu... Ser que quando
escutamos o silncio e o grito dos mortos, podemos escapar dela, tambm? Como
Perseu?
Yonathan ... Pode ser uma brincadeira bacana.
Ftima Brincadeira triste. (Tempo.) No covardia?
Yonathan S se quando a gente fechasse os olhos ou olhasse
no nosso escudo de proteo , ns no pensssemos em nada. Se tudo ficasse
vazio. Mas ns podemos enfrentar a Medusa desse jeito, inventando no silncio,
um jeito de no virar mais pedra.
(Fecham os olhos.)
Ftima Parece bom. E a gente inventa um mundo que no
duro como as pedras. Nesse lugar, as pedras so bonitas e diferentes umas das
outras... E diferentes de ns, que no somos mais pedra. Nesse mundo, ns
temos carne, coisa que no devia explodir... (Tempo.) Carne no foi feita para
explodir...
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(Tempo.)
Yonathan Posso te perguntar uma coisa?
Ftima U, pergunta.
Yonathan Era por causa do seu irmo que voc quis brincar de
homem-bomba comigo?
Ftima No sei. Ele no falou nada sobre isso... A ningum.
Yonathan Mas, do jeito dele, podia falar em silncio. E, para ele,
podia ser a Medusa o que ele via quando olhava para voc, para o mundo...
Mesmo enquanto vocs gritavam...
Ftima ... Acho que era alguma coisa muito parecida com
ela...
Yonathan Ele no usou nenhum escudo. Virou pedra, carne
explodida em pedra. E explodiu o mundo.
Ftima Voc acha que um dia isso vai mudar?
Yonathan No sei. Mas a gente pode ficar aqui, criando juntos
no silncio, de olhos fechados... um escudo contra essa Medusa!
Ftima Medusa que o mundo... Duro... Feio.
Yonathan Bonito, assustador... (Encantado com ela.) Voc quer?
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Ftima Ficar aqui?
Yonathan ... (Tempo.) Fica.
(Tempo.)
Ftima No posso. E voc tambm no pode. Eu sou uma
menina muulmana... E a Palestina no esse mundo a que a gente inventou,
sem Medusa... Tem as pedras... Voc sabe.
Yonathan Antes de ser da Palestina, voc s uma menina...
Ftima Que gosta de brincar com as pedras. E voc um
menino judeu. Que carrega um fuzil! Israel vai precisar de voc... Agora ou depois.
Yonathan Como?
Ftima (Triste.) Ah, essa pergunta fcil de responder...
Como sempre mais fcil do que por qu.
(Riem, tmidos. Tristes.)
Ftima Bem mais fcil do que todos os por qus.
(Tempo.)
Yonathan Volta aqui quando voc quiser.
Ftima No sei se vai dar. A coisa agora, depois da exploso,
vai piorar. Mas, se eu no voltar, as pedras podem ficar aqui, juntas, para que
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voc veja como elas so diferentes de voc... Para que voc veja como so
bonitas... Cada uma delas...
Yonathan Sara... Leila... E Amina.
Ftima E Yonathan...
Yonathan E Ftima.
Ftima (Carinhosa.) Adeus, menino. Eu gostei de te conhecer.
Foi bom... (Tempo.) Desculpe pela pedrada.
Yonathan (Triste.) Sempre que der, vou vir aqui, para te esperar.
Ftima Que bom. Cuidado.
Yonathan Vou me lembrar sempre de ter cuidado. E de voc...
Ftima Mas se voc esquecer, tudo bem. Eu vou te perdoar.
Vou lembrar do seu dia do perdo. Como se chama, mesmo?
Yonathan Yom Kipur.
Ftima to esquisito quanto o seu nome. Mas bonito.
Yonathan Voc bonita.
(Tempo.)
Ftima Voc tambm . Adeus.
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Yonathan Cuidado com a Medusa, pelos caminhos...
(Ela vai saindo. Pra. Volta-se para ele.)
Ftima ruim ir embora... Olhe! Est amanhecendo, j. Mais
tarde, o sol faz o olho da gente chorar, de to forte.
Yonathan Voc precisa chorar um pouco.
Ftima Mais ainda? Chega...
Yonathan Chore de olhos fechados. De olhos bem fechados... E
veja o grito de seu irmo pedindo o silncio...
(Ela fecha os olhos. Afasta-se, com os olhos fechados.)
Ftima Est bem. (Vai saindo.) Assim parece que voc est
indo aqui, comigo. Do meu lado. Posso at sentir o seu cheiro.
Yonathan Eu estou. Estou a. Estamos indo para a sua casa...
Ftima E ns estamos indo para sua casa, tambm.
Yonathan Ao mesmo tempo.
Ftima Juntos.
Yonathan Indo ao mesmo tempo para os dois lados, para todos os
lugares diferentes... Juntos.
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Ftima Juntos...
(Ouvem-se barulhos de pedradas, exploso, tiros, ao longe. Esses barulhos
aproximam-se, mas eles continuam com os olhos fechados, andando muito
devagar, com as mos tapando os olhos. Repetem as ltimas palavras: Indo ao
mesmo tempo para todos os lados, juntos... Quando as metralhadoras esto
muito prximas, eles repetem mais alto as palavras, ditas durante a separao,
para no ouvir os barulhos speros do mundo. Ftima grita as suas palavras,
ltimas palavras, quando , de surpresa, alvejada, no peito, por um tiro. Cai.
Yonathan escuta o silncio, que vem do ferimento dela. Continua de olhos
fechados, grita mais forte as ltimas palavras: Indo ao mesmo tempo para todos
os lugares, juntos!; at que ele no consegue mais gritar e abre os olhos,
aterrorizado. Vai socorr-la. Os sons ttricos continuam, enquanto ele a protege
como um escudo humano de outros tiros e pedras que vm de todos os lados.
Yonathan fica ali, chora. Muito amedrontado, sofre ao se levantar e deixar o corpo
de Ftima, cado... Ele corre. Luz cai em resistncia, enquanto Yonathan dispara,
para todos os lados, desesperado, o seu fuzil. Black out. Em cena, num pequeno
foco de luz, fica apenas o tmulo de pedras nascido deste encontro. A luz se abre
e, sentado ao lado do corpo de Ftima, v-se a imagem de Jonathan, suicida.
Projeta-se, nas paredes, o Angelus novus, de Paul Klee.)
O pacifista (Veste negro.) Em outra passagem do livro do Gnesis,
Abrao, para provar fidelidade ao seu Deus, decidiu pelo sacrifcio de seu prprio
filho, Isaac. No ponto mais alto do monte Moriha, Abrao preparou um altar para
degolar aquele a quem havia recebido como graa divina, na velhice, quando
esperava morrer sem descendentes. Mas um anjo veio do cu e deteve sua mo.
Pelas palavras de Deus, Abrao conheceu a lei sagrada: Salvando-se uma vida,
salva-se o mundo. A guerra faz com que muitos filhos sejam sacrificados e
concretiza o que o Deus de Abrao no quis: o sacrifcio de incontveis Isaacs.
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45
Fim