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“O Mendigo do Central Park” é o segundo livro deste autor. É um alerta para as pessoas que, em nome do dinheiro e poder, se embrutecem, esquecem até que são humanos e que têm sentimentos. A competição, o jogo de poder, a ambição pelo dinheiro, transforma os nova-iorquinos em animais, sem escrúpulos, sem moral e sem princípios. O livro procura abordar o desespero de algumas pessoas que vão ao parque para fugir de tudo isso. Para, em contato com a natureza, voltar a encontrar seus sentimentos, meditar, solucionar problemas ou apenas desabafar. Muita da experiência do autor como voluntário do CVV (Centro de Valorização da Vida) em São Paulo e do Mercy Hospital em Miami serviu para trazer fatos verídicos e atuais para a reflexão, coletados durante seus atendimentos. Às vezes engraçados e às vezes, profundos. A reflexão pode servir para qualquer um de nós. Leitura leve e agradável no estilo deste autor.

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Pedro Faus

O MENDIGO DO CENTRAL PARK

São Paulo – 2015

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Copyright ©Pedro Ferreira Faus

Direitos reservados ao Autor

Capa Alain Hechavarria Licea

Jaime Monzó Faus

Foto Marco de Bari

Revisão

Prof. Francisco Fierro Cecilia Faus Azevedo

São Paulo – Brasil

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Aos meus filhos, Javier, Rafael e Cecilia que sempre foram fonte de grande inspiração e ensinamentos para mim, quer nas suas malcriações, quer nas suas demonstrações de amor. Amo vocês eternamente. Aos meus netos que possam dizer um dia que o vovô era aquele louco que escrevia com a alma. Amo vocês. A todas as mulheres que passaram em minha vida e das quais sempre guardo o melhor de cada uma. Aprendi a viver com elas, aprendi a amar com elas e por elas sofro cada dia. As minhas mestras de Reiki que me ensinaram a somatizar minha energia com a do Cosmos e, sobretudo, com a energia emanada do nosso Criador. Ao grande pintor cubano Alain Hechavarria Licea que, de alguma forma, invadiu minha mente e desenhou a capa do livro exatamente como havia sonhado. Gracias, amigo!

Ao meu anjo, minha médica e minha mulher Anna Paula pelo incentivo em publicar esta obra. Meu eterno amor. Finalmente a Deus que guia minhas mãos serenas para poder escrever com amor, respeito e, sobretudo, que me ensinou a não ter medo de revelar quem sou através de meus livros.

O autor

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Prefácio

Conheci o Pedro há 46 anos. Estávamos na adolescência.

Tínhamos 16 anos, milhões de planos e gostávamos da mesma mulher; digo mulher porque apesar dela ser um pouco mais velha (menos de um ano) já era muito mais adulta e esperta que nós.

O Pedro era rico, estudava e já trabalhava com o pai numa empresa de exportação de algodão e café. Eu também estudava e já trabalhava na televisão desde os 10 anos.

Apesar da nossa rivalidade ficamos amigos e chegamos a viajar juntos para encontrar a mulher que queríamos conquistar e que nos deu um “pé na bunda” na ocasião.

Eu desisti, mas o Pedro não.

Ele se casou com ela e tiveram três filhos.

Esse prefácio serve para começar o prefácio que o Pedro me pediu para fazer sobre o livro que você tem em mãos, O Mendigo.

Só uma pessoa com uma vivência tão intensa desde jovem poderia imaginar um mendigo como o desse

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livro, a começar pela cidade e o local em que ele vive, New York/Central Park.

Demorei para começar a ler o livro, mas depois que comecei fui direto até o fim, me diverti e me emocionei várias vezes no percurso.

Tão surpreendente quanto foi conhecer o Pedro na adolescência, foi reencontrar o Pedro sexagenário, aventurando-se a escrever livros.

Surpreendente também foi a ideia dele de me pedir para escrever esse prefácio, algo que eu nunca havia feito na minha vida.

Espero que você se surpreenda também, que se divirta e se emocione com o Mendigo. Boa viagem.

Ricardo Corte Real

Nota do autor Essa viagem que o Ricardinho menciona foi para Ilha Bela, Ponta das Canas. Chegamos lá depois de caminharmos desde a balsa até á casa no escuro. Foi uma peripécia. Pegamos um taxi em São Paulo e chegamos tarde da noite na balsa. Decidimos ficar em São Sebastião. Quando caminhávamos em direção à cidade um rapaz de bicicleta nos abordou e disse que haveria mais uma balsa. Que alegria.

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Prólogo Fom, fom...! As ensurdecedoras buzinas não param de soar na Grande Cidade que nunca dorme. Big Apple. Um gigantesco monumento de cimento e vidro erguido em homenagem à desumanidade, violência, contrastes, um apinhado de pessoas tão diferentes vinda de tantos lugares que só ambicionam duas coisas: dinheiro e poder. Nada mais. Nem sexo, nem raça, nem religião. Ambições, nada mais que ambições. Wall Street. Poder.

- Fom, fom...! Cuidado, velho imbecil! - gritou o motorista do amarelo táxi. Em que idioma? Nem mesmo ele sabe... Talvez inglês! Aquela estranha figura de homem havia atravessado a rua, na sua faixa e no sinal correto.

- Respeito, tenha respeito - revidou o mendigo enquanto se refazia do susto já seguro na calçada. Essa palavra foi abolida do dicionário desta cidade há muito tempo. Respeito – resmungou. Descrever o mendigo? Uma missão quase impossível. Era uma figura assustadora. Vestia-se com roupas velhas e surradas. Tinha uma barba e cabelos enormes, embora sempre os mantivessem limpos. Era um homem alto de um metro e oitenta, tipo europeu, de olhos verdes e cabelos castanho-claros. Empurrava um

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velho carrinho de feira, todo enferrujado, cheio de objetos que encontrava no parque, ou que os frequentadores do parque lhe davam. Falava sozinho. Resmungava quando andava, mas tinha um coração de criança e as crianças sabiam disso. Era amigo de todas elas, claro. Elas não o temiam. Era gentil e brincalhão com elas, mas com os adultos tinha, às vezes, que ser áspero e rude, para se defender do preconceito.

- Está na hora de jantar. Tenho que ir buscar minha comida - pensou o mendigo. Pôs-se a caminhar pelas ruas de Manhattan até encontrar o “seu” restaurante daquela noite. Já tinha sua vidinha organizada. Cada noite passava em um restaurante diferente e lhe davam a comida. Como era um gourmet de requintado paladar queria apenas as sobras dos restaurantes de cinco garfos ou Relais Chateau. Era um mendigo enjoado para comer! Chegando ao eleito da noite, sentou-se a alguns metros da porta de entrada, ficando encoberto pela escuridão e mantendo uma certa distância. Aquela noite era a vez do Bouley (163 Duanes Street). Uma elegante senhora sai do restaurante completamente bêbada, dançando e rodopiando no meio da rua com seu vestido de seda azul. O motorista, disfarçado de mordomo, com suas impecáveis luvas brancas e seu ar inglês, mantinha a porta do velho Rolls aberta, enquanto, impassível, aguardava a entrada da

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elegante patroa. Seu jovem acompanhante mergulhou dentro do carro, como querendo se esconder daquela alcoolizada cena. Ao tentar entrar no carro, a patroa divisou a figura do mendigo, sentado no chão. Abriu sua bolsa e, num passe de mágica, ordenou ao motorista que levasse uma nota de vinte dólares para ele. Prontamente o motorista atendeu a ordem e dirigiu-se até onde o mendigo estava. - Toma aí, meu velho, vai encher a cara - disse o polido chauffeur, jogando a nota no colo do mendigo. - Ei moço, ei! - gritou o mendigo tentando chamar a atenção do motorista que já começava a dirigir-se ao automóvel - Pode levar seu dinheiro, não o quero – disse o mendigo em tom calmo e respeitoso.

- Como não quer? Você está louco? – perguntou o motorista indignado. - Na verdade não sei quem aqui é o louco – disse o mendigo com um sorriso discreto.

O encantador motorista fez uma cara de idiota e voltou ao carro onde a patroa o esperava ainda do lado de fora, cambaleando. - Madam, aqui está seu dinheiro, o mendigo não o quis. - Como não quis meu dinheiro? Ele está louco? - Bem, ele disse que não sabe aqui quem está louco.

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- Venha comigo, me acompanhe quero falar-lhe. Embora tentasse dissuadi-la a ir falar com aquela estranha figura, a mulher, decidida pelos martinis e cosmopolitans, seguiu em frente. - Boa noite, meu senhor - disse sorridente. - Boa noite, madam – disse o mendigo levantando-se. - Todos querem meu dinheiro. Saem comigo porque pago as contas e os convido, nos fins de semana na minha mansão de Southampton, mas você nem me conhece e recusa meu dinheiro por quê? – perguntou madam intrigada. - Se me der o dinheiro então vou ter que decidir o que fazer com ele. Ou comprar esta ou aquela comida, quem sabe um vinho e isso me trará frustração, pois ele será insuficiente para tudo o que possa desejar. Prefiro que a senhora escolha. - O que posso fazer por você então? – perguntou madam respirando fundo. - Pode me levar para casa – disse o mendigo.

- Ok! E aonde vamos? – disse madam cambaleando. - Só um minuto que estão trazendo minha comida. Neste mesmo momento, pela porta dos fundos saiu um dos cozinheiros e entregou ao mendigo um pacote

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enorme, muito bem feito, embrulhado em papel manteiga, onde estava a comida. - O que temos hoje? - perguntou o mendigo. - “New England Black Sea Bass” – disse o cozinheiro.

- Pronto, madam já tenho o que vim buscar aqui. Pode me levar então? - perguntou-lhe oferecendo o braço. - Claro que sim, com todo prazer. Caminharam até a porta do Rolls onde o motorista continuava do lado de fora, aguardando a patroa. - Como você tem coragem de trazer esse bêbado aqui no carro. Deve estar louca. Deve feder e vai empestear a limo – disse o almofadinha de dentro do carro. O mendigo, que não levava desaforo para casa, virou-se para o jovem e disparou: - Eu tenho bom cheiro. Tomo banho todo dia, nos aspersores do parque. As pessoas têm ideias pré-concebidas de que mendigos têm que ser malcheirosos só porque não usam roupas bonitas. Tanta gente com ternos de seda Armani e gravatas Hermès que cheiram tão mal. Não tem noção do que fedem. Eu tomo banho todo dia. Não se cuidar é um processo de suicídio diário. O mendigo sentou na frente da limousine ao lado do motorista e este lhe perguntou?

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- Onde o senhor mora? - Eu moro no Central Park perto da estátua do

Balto – retrucou o mendigo em tom decidido. Fez-se um silêncio sepulcral. O motorista percebendo a situação, discretamente, colocou uma melodiosa música clássica, que deveria ser sua estratégia para acalmar os fulgores da velha madam. O mendigo deliciava-se com o passeio. Chegando ao Central Park, o motorista perguntou onde queria ficar: - Aqui mesmo está muito bom. Obrigado, madam, e muito obrigado pela sua generosidade. - Espere, espere - berrou a mulher enquanto o mendigo já descia do Rolls - onde posso tornar a encontrá-lo. - Aqui é minha mansão, madam. Se perguntar pelo mendigo a qualquer um do parque eles saberão dizer onde me encontrar. - Gostaria de voltar a vê-lo. Como é seu nome? - Apenas o mendigo do Central Park.

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Capítulo 1 O dia tinha amanhecido lindo. O frescor da primavera tomava conta do Central Park. Os pássaros, os pombos, os verdes lagos, os peixes, todos acordavam lentamente naquela manhã. Central Park é um oásis verde no meio de Manhattan, o maior parque da cidade. Apesar de o parque parecer "natural", sua paisagem e cenário são completamente criados pelo homem. Em 1856, a cidade comprou a maioria do que é hoje o parque por cinco milhões de dólares, era um depósito de lixo. Em 1858, foi escolhido o plano de Olmstead e Vaux e a construção do parque começou. Cerca de vinte e cinco milhões de pessoas visitam o parque a cada ano. O mendigo morava perto da estátua do cão Balto. Endurance, Fidelity, Intelligence, sleed dog, diz a inscrição. Gostava de morar debaixo daquele pequeno pontilhão romântico

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(Willowdell Arch) porque se imaginava em Roma, de Rômulo e Remo. Ele e o lobo. Balto o cão foi um cachorro, sled dog, que levou vacinas para uma remota cidade do Alaska, chamada Nome que havia sido isolada pela neve e salvou a vida de dezenas de crianças. Ao chegar à cidade, Balto morreu extenuado. Por isso existe esta homenagem a este herói no Central Park esculpida por Frederich Roth em 1925. Sentia-se protegido por ele, mesmo que fosse uma estátua. O mendigo levantou-se e foi fazer sua toilette diária. Foi até a Burnett Fountain. Em qualquer tempo, frio ou calor, lavava sua roupa e, segundo ele mesmo, tomava sua ducha escocesa nos aspersores. Sempre fazia isso bem cedo quando não havia ninguém. Os funcionários do parque não lhe diziam nada nem o repreendiam, uma vez que estava tomando uma atitude de higiene e cuidados pessoais. Após seu revigorante banho, foi até onde sempre se encontrava com seu amigo Marc, um lindo menino que vinha, cada dia, passear no parque com sua impecável babá. Tinha uns cachos dourados e uns olhos azuis profundos e molhados. Sempre trazia umas bolachas, meio babadas, mas este era o café da manhã que, religiosamente, tomava. - Oi Marc - disse o mendigo, agarrando-lhe a mãozinha e pegando a guloseima que sempre lhe oferecia.

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O mendigo lhe dava atenção e a criança gargalhava com suas brincadeiras. A babá apressava-se em tirar o menino de perto do mendigo, mas cada vez que tentava, a criança chorava. Disse qualquer coisa em seu idioma próprio e o mendigo com um suave aceno de cabeça agradeceu à sisuda babá. Os meninos acabam falando espanhol com essas babás mexicanas ou sul-americanas. Criança aprende qualquer coisa. Empurrando seu carrinho cheio de bugigangas, afastou-se lentamente e começou o seu trabalho de recolher objetos pelo parque. Ao passar por um banco, viu uma jovem chorando e discretamente sentou-se. Demorou um tempo até que a jovem o notasse. Ao vê-lo assustou-se, mas o mendigo lhe disse: - Tenha calma, jovem. Sou apenas alguém que quer ouvi-la, se você quiser desabafar. Se não quiser conversar comigo, posso apenas ficar quieto aqui ao seu lado para que não se sinta só nesse momento difícil de sua vida.

- Nossa, o senhor parece uma pessoa tão instruída e sensível. O que faz morando no parque? - disse a garota enxugando as lágrimas. - Bem, vamos falar primeiro de você.

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- Eu estou grávida, mas sofro de bulimia e tenho medo de vomitar meu filho, ou seja, vomitar tanto que eu perca meu filho – disse a moça soluçando. - Sabe, eu passei por uma coisa muito semelhante na minha vida. Minha mulher perdeu o bebê porque não queria ser gorda. Ela sofria de bulimia também. Fanática pela ginástica e exercícios sempre se achava fora de peso. Comia na minha frente e depois, escondida, ia vomitar no banheiro. Era desesperante porque eu queria ter aquele bebê. Era a coisa que eu mais queria na vida, mas infelizmente ela acabou perdendo nosso filho e morreu pouco depois – disse o mendigo, deixando escorrer duas lágrimas dos olhos. - Eu não quero que isso aconteça comigo. O que eu devo fazer? – perguntou a garota. - Não sou psicólogo, mas primeiro você tem que aprender a se aceitar como é: magra ou gorda, feia ou bonita. Se o objetivo é ter esta criança, você tem que estar disposta a renunciar a você mesma, aceitar ter estrias, engordar, amamentar seu filho, enfim ser mãe – disse o mendigo. - Eu amo muito esta criança já. Amo meu marido, mas está sendo muito difícil me olhar no espelho e ver o desastre que a gestação está fazendo no meu corpo – disse a garota chorando. - Desastre? A maternidade é a coisa mais sublime e linda que a mulher realiza dentro da Grande

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Obra do Criador. Veja Maria, a mãe de Jesus que apareceu grávida junto a seu esposo. Que situação difícil para aquela época. Renúncia, minha amiga, esta é palavra que você deve aprender. E quando a criança nascer, então lembre-se de que é para toda sua vida. Toda a sua vida será de renúncia pelo seu filho. Você tem que aceitar isso para ser mãe – disse o mendigo fitando a garota nos olhos. - Você tem razão. Eu quero ser mãe e sei que depois do parto, com exercícios e boas dietas, vou conseguir voltar a dar uma boa forma ao meu corpo. Preciso me concentrar e acreditar nisso para poder deixar esta criança crescer dentro de mim – disse a garota, enxugando as lágrimas com as costas da mão. - Procure apoio com sua família. Eu não tinha família nenhuma aqui e lembro-me que, quando minha mulher morreu, fui visitar um amigo em Ohio. Chamava-se Russ. Era um sujeito muito simpático e educado. Mas quando tive a oportunidade de conhecê-lo melhor pude ver que tinha um enorme coração. Sempre estava disposto a servir, a ajudar, a estender a mão para que ninguém caísse. Ele me ajudou muito. Aprendi com ele a dizer uma porção de coisas agradáveis sem abrir a boca. Parece mentira. Mas é assim. Sua presença, seu silêncio, sua companhia, eram mais importantes que quaisquer estúpidos conselhos ou palavras de alento. Às vezes podemos dizer muita

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coisa, sem mesmo dizer uma palavra. Esse era o Russ – disse o mendigo. - Eu tenho minha mãe e uma irmã aqui em New York. Você tem razão. Preciso procurá-las e pedir apoio. Sempre que precisei de minha família ela nunca me faltou. Você é um homem muito bom e me ajudou a refletir muito. Vou vir visitá-lo muitas vezes para que acompanhe minha barriga crescer – disse a garota. - É o que mais desejo. Ver esta criança crescer e nascer forte. Pegue um lencinho de papel e enxugue este rosto lindo - disse o mendigo, estendendo uma caixa de lenços de papel que trazia no carrinho. A garota pegou a mão do mendigo e deu um pequeno beijo de agradecimento. Sorriu e, sem dizer nada, se levantou e foi embora. O mendigo ficou sentado por mais uns minutos no banco imaginando como a vida, às vezes, pode ser cruel. A coisa que mais desejava era ter um filho com sua mulher e não conseguiu devido a essa doença terrível chamada bulimia, que muitas mulheres têm e que as fazem sacrificar seus corpos por não poderem se imaginar gordas ou acima do peso. Secou suas lágrimas que lhe escorriam pelo rosto e se lembrou de quanto poderia ter sido feliz com aquela gravidez. Levava sempre consigo uma carta, endereçada a sua mulher, que nunca enviou. Pôs-se a lê-la:

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- Meu amor. Você me enfeitiça com suas palavras doces, bem colocadas, escolhidas e habilmente ditas, na hora certa, na guarda-baixa do meu coração. Elas anestesiam, entorpecem e inebriam, trazendo conforto e paz. Sei que são passageiras. Seu destino é muito mais profundo e dilacerante. Manipulam subliminarmente de forma imperceptível e perigosa. Ardil bem tramado. Já sou escravo de seus desejos. Amo você muito. Pôs-se novamente a caminhar pelo parque “caçando” seus objetos, enquanto voltava a enxugar suas lágrimas. Enquanto caminhava, observava as árvores e as plantas desabrochando a exuberância da primavera. O perfume das flores já era inebriante. Toda vez que ficava triste ia até o Castelo Belvedere apreciar a vista e as flores do jardim Botânico. Sentou-se num banco e ficou meditando como a vida pode ser tão caprichosa - Tanta gente querendo ter filhos e não consegue e tanta gente que pode tê-los, mas não os quer. Nesta cidade louca as mulheres não querem engravidar, pois isto pode prejudicar sua carreira. A carreira é muito mais importante que ter uma família, criar e educar filhos. Cidade louca! Desvirtua os sentimentos, o lado humano das pessoas. Não quero ser assim. Prefiro não ter nada, mas ser feliz. Eles não são felizes. Esqueceram-se o que é ser feliz.

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Um sujeito estranho, de bermuda, tênis e vestindo uma camiseta regata dos Knicks sentou-se no mesmo banco onde estava e ficou olhando firmemente para o mendigo. - Fala aí, doidão, qual é a sua – perguntou o mendigo. O sujeito não respondeu. Continuou olhando para o mendigo. - Qual é meu chapa, pirou? – perguntou o mendigo com uma voz mais ríspida. O sujeito estava hipnotizado pela figura do mendigo. Finalmente disse: - Acho que você é meu pai. - Seu pai? Cada maluco que aparece nesse parque. - Você é meu pai. Porque não me abraça? – disse o sujeito. O mendigo percebeu que tinha alguma coisa errada ali. Ou o sujeito estava intoxicado com algum tipo de droga ou era doido mesmo. - Onde você mora? – perguntou o mendigo. - No hospital – disse o sujeito. - Hospital psiquiátrico, para “pinéus”, doidinhos? - perguntou o mendigo. - Lá ninguém é doidinho, pai. Os meus amigos à noite estavam brincando com uma lanterna e

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iluminaram o teto. Um deles disse para mim - Aposto que você não consegue subir pela luz até o teto. Eu respondi - Pensam que eu sou bobo, eu subo pela luz até o teto ai, quando eu estiver lá em cima, você desliga a lanterna e eu caio - Viu, pai, como lá não tem nenhum doidinho? – disse o sujeito. - É. Realmente não tem nenhum doidinho não. Acho mesmo que os doidinhos são os que estamos aqui do lado de fora – disse o mendigo. - Meu amigo que mora lá comigo disse que eu sou muito inteligente. Ele veio com as duas mãos fechadas uma sobre a outra e me perguntou que bicho que ele tinha entre as mãos. Na hora respondi que era um elefante. Ele disse que eu acertei e que sou muito inteligente, mas que não valia porque eu tinha visto o rabinho do bicho de fora. - O rabinho do elefante? Certo, certo. Você deve ser muito inteligente mesmo – disse o mendigo disfarçando a risada. - Eu vim passear no parque. Ai encontrei você, pai – disse o maluco. - Que bom! Mas você não estava acompanhado por alguém? – perguntou o mendigo. - Eu fugi deles. Eles são muito chatos. Não me deixam conversar com as pessoas. Eu gosto de conversar com as pessoas.

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O mendigo percebeu que dois enfermeiros vestidos de branco se aproximavam deles. Fez um sinal para eles esperarem para se aproximar. Essas pessoas, se assustadas, podem ter uma reação inesperada e o maluco estava calmo e conversando com o mendigo. - Não está na hora de ir para casa? - perguntou o mendigo. - Não, pai, eu vou para sua casa agora que eu o encontrei. - Mas você tem que ir até o hospital pegar suas coisas e depois você vem ficar aqui comigo. Pode ser assim? – perguntou o mendigo já sinalizando para os enfermeiros se aproximarem. - Eu vou então, mas não sei onde é – disse o maluco. - Eu vou arrumar umas pessoas para o levarem lá. Está bem assim? – perguntou o mendigo. Os enfermeiros se aproximaram e seguraram o maluco. - Fujão, onde você pensa que vai? – perguntou um deles. - Calma aí, turma, ele está muito pacifico. Não precisam judiar dele – disse o mendigo levantando-se. - Você fica quieto aí, meu chapa, senão vai também conosco, seu maluco – disse o enfermeiro engrossando a voz. Num passe de mágica colocaram uma camisa de força no maluco e ele gritava:

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– Pai! Pai! O que está acontecendo? O mendigo nada pode fazer. Deu um abraço no

sujeito e pediu para ele ter calma. Um dos enfermeiros disse:

- Obrigado, mendigo. Você salvou nossa pele. Fomos num minuto tomar um sorvete e quando voltamos ele tinha desparecido. Trazemos sempre uns dois ou três pacientes para passear aqui. Vacilamos mesmo – disse o enfermeiro sênior.

- Cuidem bem dele. Parece inofensivo. Disse que eu sou seu pai. Sei lá! Quem sabe ele é o cara saudável e nós é que somos os doidos morando nessa cidade – disse o mendigo despedindo-se. Enquanto caminhava de volta para sua “casa”, parou encantado, para ouvir a sinfonia afinada do canto dos pássaros. Naquela tarde, em especial, pareciam mais alegres e brincalhões. Talvez fosse a época do acasalamento. Ao chegar a sua ponte, deparou-se com a impecável figura do chauffeur que o havia ali trazido na noite passada. - Boa tarde, senhor mendigo - disse polidamente o motorista. - Boa tarde, jovem. Em que posso servi-lo? - Madam pediu que viesse buscá-lo e levá-lo até seu apartamento em midtown.

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- Como? Levar-me ao seu apartamento para quê? – perguntou o mendigo rispidamente. - Bem, eu não sei. Só sei que me pediu que viesse buscá-lo. - Olhe, meu jovem amigo. Diga a sua madam que eu não saio do meu parque. Aqui é minha casa e se ela quiser ver-me terá quer vir aqui.

- Se é assim que o senhor quer eu transmitirei o recado, mas lhe advirto que ela não gosta de ser contrariada. - Meu amigo, nenhuma mulher gosta de ser contrariada! - Está bem, está bem, darei o recado. O motorista sem graça ligou no seu celular para madam e depois de alguns minutos disse que ela queria falar com ele. Passou-lhe o celular. - Pois não, madam – disse o mendigo polidamente. - Gostaria de conversar com você. Se não quiser vir ao meu apartamento posso encontrá-lo amanhã no parque? - Com certeza, madam, quando quiser. Despedindo-se, o motorista disse que amanhã viria com madam para o encontro. Hora de pensar no jantar. Hoje era a vez do Le Bernardin (155 West 51st Street). O mendigo tinha um

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amigo na cozinha que sabia que o prato predileto era o “Crispy Duck Breast; Snow Peas, Sour Cherry Sauce”. Noite de alta gastronomia. Caminhou até o restaurante e, como sempre, sentou-se na entrada de serviço. Não tardou e eles viram o mendigo pela câmera de segurança e veio um garçom trazendo sua comida.

- Hoje é seu dia de sorte. O chef mandou dar a você esta garrafa de vinho francês. Está pela metade. O cliente disse que está bouchonée. Veja lá como está e beba se quiser – disse o garçom.

- Agradeça ao chef. Tenho certeza que está tudo uma delícia. Obrigado.

O mendigo pegou sua comida e a garrafa e foi para “sua” ponte e jantou como um rei. Preparou seus cobertores para passar a noite na sua encantada ponte.

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