o mea-culpa da presidente

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O mea-culpa da presidente Há uma cobrança para que Dilma Rousseff reconheça pública e inequivocamente os erros de seu primeiro governo. É verdade que, se o fizesse, tornaria mais crível seu compromisso com o ajuste fiscal, o que teria impacto positivo sobre as expectativas. Parece- me improvável, porém, que a mandatária venha a adotar esse caminho. A presidente não deve fazer um mea-culpa muito vigoroso por duas razões. Ela é teimosa e precisa de um discurso que, se não convence a maioria, ao menos funcione como uma tábua de salvação psicológica para a militância e, principalmente, para a própria Dilma. Afirmar que o desacerto nas contas públicas é resultado do nobre propósito de salvar milhões de brasileiros do desemprego cumpre bem essa função. E, quanto mais a presidente repete esse discurso, provavelmente mais ela se convencerá de sua justeza. O problema aqui é que, embora acreditemos que nossas memórias são um registro fidedigno de fatos, elas são mais bem descritas como uma reconstrução permanente e psicologicamente motivada do passado. Cada vez que uma lembrança é acessada pela consciência, ela é modificada à luz do que sentimos no momento. Nos casos mais extremos, o resultado final desse processo são as falsas memórias. O sujeito tem plena convicção de que as coisas se passaram de um jeito e fica genuinamente surpreso ao descobrir que não foi assim. Isso aconteceu quase ao vivo com Hillary Clinton. Em 2008, ela afirmou que fora alvo de franco-atiradores numa visita que fizera à Bósnia nos anos 90. As imagens do evento a desmentiram no ato. A essa altura, não acho que seja tão importante exigir que Dilma ajoelhe no milho. Melhor deixar que a psique da mandatária faça o que tem de fazer para preservar algo de sua autoimagem. Quanto ao ajuste, sua garantia no momento é Joaquim Levy. Enquanto ele for o ministro, dá para saber para que lado vai a economia. Referência SCHWARTSMAN, H. O mea-culpa da presidente. Folha de São Paulo. São Paulo, 17 Mar 2015. Online. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2015/03/16043 72-o-mea-culpa-da-presidente.shtml#

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O mea-culpa da presidenteH uma cobrana para que Dilma Rousseff reconhea pblica e inequivocamente os erros de seu primeiro governo. verdade que, se o fizesse, tornaria mais crvel seu compromisso com o ajuste fiscal, o que teria impacto positivo sobre as expectativas. Parece-me improvvel, porm, que a mandatria venha a adotar esse caminho.A presidente no deve fazer um mea-culpa muito vigoroso por duas razes. Ela teimosa e precisa de um discurso que, se no convence a maioria, ao menos funcione como uma tbua de salvao psicolgica para a militncia e, principalmente, para a prpria Dilma. Afirmar que o desacerto nas contas pblicas resultado do nobre propsito de salvar milhes de brasileiros do desemprego cumpre bem essa funo.E, quanto mais a presidente repete esse discurso, provavelmente mais ela se convencer de sua justeza. O problema aqui que, embora acreditemos que nossas memrias so um registro fidedigno de fatos, elas so mais bem descritas como uma reconstruo permanente e psicologicamente motivada do passado. Cada vez que uma lembrana acessada pela conscincia, ela modificada luz do que sentimos no momento.Nos casos mais extremos, o resultado final desse processo so as falsas memrias. O sujeito tem plena convico de que as coisas se passaram de um jeito e fica genuinamente surpreso ao descobrir que no foi assim. Isso aconteceu quase ao vivo com Hillary Clinton. Em 2008, ela afirmou que fora alvo de franco-atiradores numa visita que fizera Bsnia nos anos 90. As imagens do evento a desmentiram no ato.A essa altura, no acho que seja to importante exigir que Dilma ajoelhe no milho. Melhor deixar que a psique da mandatria faa o que tem de fazer para preservar algo de sua autoimagem. Quanto ao ajuste, sua garantia no momento Joaquim Levy. Enquanto ele for o ministro, d para saber para que lado vai a economia.RefernciaSCHWARTSMAN, H. O mea-culpa da presidente. Folha de So Paulo. So Paulo, 17 Mar 2015. Online. Disponvel em http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2015/03/1604372-o-mea-culpa-da-presidente.shtml#