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Meio: Imprensa País: Portugal Period.: Bimestral Âmbito: Economia, Negócios e. Pág: 30 Cores: Cor Área: 21,00 x 26,00 cm² Corte: 1 de 5 ID: 73584721 01-01-2018 O pedido de desculpas pode ser, além de um dever, uma condição de sobrevivência de um produto, de um serviço ou de uma organização. Arménio Rego CATÓLICA PORTO BUSINESS SCHOOL Miguel Pina e Cunha NOVA SCHOOL OF BUSINESS AND ECONOMICS Rui Lourenço-Gil CATÓLICA PORTO BUSINESS SCHOOL Artigo em sempre é formulado e operacionalizado devi- damente. Mesmo quando cumpre os requisitos es- senciais, a sua eficácia não está garantida. Neste arti- go, discutimos essas dificuldades e comple- xidades e apontamos linhas de reflexão para que os pedidos de desculpa tenham maior potencial de eficácia. MEA CULPA Em finais de 2009, a Domino's Pizza divulgou mensagens publicitárias em que admitia que as suas pizzas eram de fraca qualidade'. Exe- cutivos da empresa davam voz a clientes que haviam comentado que as pizzas eram des- providas de sabor, ou que a massa da pizza se assemelhava a cartão. O "mea" culpa, sur- preendente pela franqueza e pelo vigor, era acompanhado da promessa de esforços de melhoria. O novo presidente da companhia, Patrick Doyle, afirmou, numa entrevista, que escutariam a aceitariam "brutalmente as crí- ticas': Meses antes, a empresa havia despe- dido dois empregados por terem divulgado uma brincadeira de mau gosto (pouca higie- ne na cozinha) no YouTube. Os pedidos de desculpa vêm sendo uma prática relativamente comum. Colossos em- presariais como a Volkswagen, a Toyota, a General Motors, a Toshiba, a Amazon, a Samsung, a BP e a Apple têm pedido descul- pas — por práticas fraudulentas, defeitos nos seus produtos, práticas discriminatórias, ou desconsiderações pelos seus consumidores ou pelos cidadãos. The Wall Street Journal publicou recomendações sobre como pedir desculpas e ilustrou os argumentos com os pedidos de dez CEOs divulgados no YouTu- be2. A "chief executiva" publicou um texto sobre porque e como os CEOs podem fazer "mea" culpa3. Serão os pedidos de desculpa recomendá- veis? Em que condições? Que critérios devem

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Page 1: Artigo - MBA Atlântico · Primeiro: o pedido de desculpas pode criar confiança e suscitar respeito. Muitas pessoas apreciam a coragem de um "mea culpa. Um pedido de desculpas, se

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Âmbito: Economia, Negócios e.

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Corte: 1 de 5ID: 73584721 01-01-2018

O pedido de desculpas pode ser, além de um dever, uma condição de sobrevivência de um produto, de um

serviço ou de uma organização.

Arménio Rego CATÓLICA PORTO BUSINESS SCHOOL

Miguel Pina e Cunha NOVA SCHOOL OF BUSINESS AND ECONOMICS

Rui Lourenço-Gil CATÓLICA PORTO BUSINESS SCHOOL

Artigo

em sempre é formulado e operacionalizado devi-damente. Mesmo quando cumpre os requisitos es-senciais, a sua eficácia não está garantida. Neste arti-

go, discutimos essas dificuldades e comple-xidades e apontamos linhas de reflexão para que os pedidos de desculpa tenham maior potencial de eficácia.

MEA CULPA Em finais de 2009, a Domino's Pizza divulgou mensagens publicitárias em que admitia que as suas pizzas eram de fraca qualidade'. Exe-

cutivos da empresa davam voz a clientes que haviam comentado que as pizzas eram des-providas de sabor, ou que a massa da pizza se assemelhava a cartão. O "mea" culpa, sur-preendente pela franqueza e pelo vigor, era acompanhado da promessa de esforços de melhoria. O novo presidente da companhia, Patrick Doyle, afirmou, numa entrevista, que escutariam a aceitariam "brutalmente as crí-ticas': Meses antes, a empresa havia despe-dido dois empregados por terem divulgado uma brincadeira de mau gosto (pouca higie-ne na cozinha) no YouTube.

Os pedidos de desculpa vêm sendo uma prática relativamente comum. Colossos em-

presariais como a Volkswagen, a Toyota, a General Motors, a Toshiba, a Amazon, a Samsung, a BP e a Apple têm pedido descul-pas — por práticas fraudulentas, defeitos nos seus produtos, práticas discriminatórias, ou desconsiderações pelos seus consumidores ou pelos cidadãos. The Wall Street Journal publicou recomendações sobre como pedir desculpas e ilustrou os argumentos com os pedidos de dez CEOs divulgados no YouTu-be2. A "chief executiva" publicou um texto sobre porque e como os CEOs podem fazer "mea" culpa3.

Serão os pedidos de desculpa recomendá-veis? Em que condições? Que critérios devem

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Componentes de um pedido de desculpas23D

"lamentamos profundamente o prejuízo que causamos".

"A empresa pede desculpa por ter atuado desta maneira."

"A falha foi inteiramente nossa."

"Nunca foi nossa intenção causar-lhe qualquer dano."

Pedido de perdão

"Por favor, perdoe-nos."

QUADRO 1

COMPONENTE

Expressão genuína de pesar

Afirmação explícita do pedido de desculpas

Afirmação da aceitação de responsabilidades

Negação de más intenções

ILUSTRAÇÃO/EXPLANAÇÃO

Explicação

Auto-reprovação

Sentimento de remorso

Oferta de ação reparadora

Promessa de regeneração futura

"A empresa não se tinha apercebido de como esta decisão poderia ser tão prejudicial para si."

"Não fomos cautelosos como deveríamos ter sido na prestação deste serviço."

"Os empregados e os líderes desta empresa sentem-se muito perturbados com o dano que lhe causamos."

"Prestar-lhe-emos novo serviço e compensá-lo-emos pelo prejuízo que lhe causamos."

"Isto não voltará a acontecer."

Resposta atempada

A assunção de responsabilidades deve ser realizada quanto antes. Um pedido de desculpas tardio, fruto de pressões, inspira menos confiança.

cumprir? Como devem ser comunicados? Antes de discutirmos estas questões, impor-ta prestar atenção a dois pontos essenciais. Primeiro: o pedido de desculpas pode criar confiança e suscitar respeito. Muitas pessoas apreciam a coragem de um "mea culpa. Um pedido de desculpas, se bem articulado, cora-joso e credível, pode reforçar a legitimidade da empresa. Segundo: o pedido de desculpas comporta riscos. As pessoas podem apreciar a coragem e desenvolver bons sentimentos. Mas podem também reagir cinicamente, ig-norar os esforços de melhoria — e demandar os serviços ou produtos dos concorrentes. A empresa pode, também, ver a sua credibilida-de decair. Se, durante anos, uma empresa de pizzas se publicita como tendo as melhores pizzas, prometendo melhorar continuamen-te, como podem os consumidores acreditar nos executivos da empresa que hoje assu-mem que as pizzas, afinal, são pouco saboro-sas? Há ainda riscos de a conduta reparadora não ser atempada nem apropriada, impelin-do os clientes a considerar que a empresa pede desculpas apenas "para inglês ver'; para "sacudir a água do capote" ou porque não dis-punha de alternativa.

O tema é complexo. A análise não pode bastar-se com questões simplistas corno "deve ou não pedir-se desculpas?" ou "como fazer um pedido de desculpas?': Por conse-guinte, este texto pretende apenas ser um modesto contributo para reflexão e compre-ensão da complexidade da matéria. Focamos os pedidos de desculpa empresariais, não os destinados a restaurar relações interpessoais. Antes de prosseguirmos, importa sublinhar que um pedido de desculpas não é necessa-riamente recomendável. Após ponderar as vantagens e desvantagens de um pedido de desculpas, uma empresa pode legitimamen-te escusar-se a enunciar o pedido. Tratamos o tema noutro local'', pelo que aqui faremos uma breve discussão sobre as caraterísticas essenciais de um bom pedido de desculpas. Iniciamos a discussão ilustrando o ocorrido nos EUA, em 1982, com o Tylenol.

lucrativo da companhia. Todavia, no mês de outubro de 1982, sete pessoas morreram em Chicago na sequência da toma de Tyle-nol extraforte. As vendas do medicamento caíram abruptamente. A quota de mercado baixou para 7%. A reputação do produto e da empresa ficou destroçada. O valor da marca ficou seriamente comprometido. Os colabo-radores da empresa ficaram emocionalmen-te abalados. Os parceiros de negócio ficaram receosos. Muitos peritos e comentadores va-ticinavam que a marca não sobreviveria. Os acionistas e a administração ficaram com os nervos à flor da pele.

A investigação concluiu que alguém, nunca identificado, havia corrompido o medicamento, introduzindo 65 miligramas de cianeto (uma dosagem dez mil vezes su-perior à letal) nas cápsulas que haviam sido

colocadas em prateleira para venda. Obje-tivamente, a J&J não era responsável pela adulteração do produto. Todavia, a publici-dade que a empresa fazia ao produto garan-tia a segurança e a eficácia do mesmo!

A reação ao drama tornou-se um caso clássico. James Burke, o CEO em exercício, assumiu de imediato a responsabilidade pela tragédia, lamentou-a e pediu desculpa sentida. Deu a cara publicamente. Esclare-ceu a situação, aconselhou o público e deu conta das medidas que a empresa estava a executar para garantir segurança reforçada. Esclareceu que o criminoso não tinha qual-quer relação com a empresa. Reafirmou os valores da companhia: "as pessoas primei-ro, e a nossa primeira responsabilidade in-cide sobre os nossos clientes': Aconselhou as pessoas a não tomarem o medicamento.

UM BOM PEDIDO DE DESCULPAS5

O Tylenol era o analgésico líder, assegurando à Johnson & Johnson (J&J) 37% do mercado em que se posicionava. Era o produto mais

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Artigo

II

Recomendou aos clientes que devolvessem as embalagens adquiridas e garantiu-lhes que receberiam em troca um talão para re-aquisição do produto quando a segurança estivesse restabelecida.

Simultaneamente, Burke focou os exe-cutivos na urgência de, incansavelmente, resolverem a crise. Procedeu à recolha de aproximadamente 31 milhões de boiões com cápsulas de Tylenol, de valor rondando os 100 milhões de dólares. Introduziu mudan-ças na publicidade do produto. E alterou o embalamento do Tylenol, para maior segu-rança. Finalmente, executou uma campanha de relançamento do produto fortemente orientada para restaurar a confiança dos consumidores. Apresentou a empresa como a primeira a adotar embalagens resistentes à adulteração, conformes ao regulamento es-tabelecido pela Food and Drug Administra-tion. Incumbiu mais de dois mil comerciais de fazerem apresentações à comunidade mé-dica sobre a confiabilidade da embalagem. Proporcionou desconto de 25% na aquisição do medicamento a quem apresentasse o ta-lão recebido pela devolução do produto an-teriormente recolhido. E publicitou a oferta, durante o período de relançamento, de um cupão de 2,5 dólares a quem adquirisse o medicamento. Como resultado, no período de um ano, a J&J recuperou 90% da quota de mercado do Tylenol antes da crise.

As razões para esta revalorização são vá-rias. A resposta foi célere e a empresa não se perdeu a apontar o dedo a terceiros. A J&J e os seus líderes denotaram alteridade mo-ral e preocupação genuína com as pessoas afetadas. A empresa foi capaz de mostrar que não atuou com dolo ou incúria. Mes-mo assim, assumiu responsabilidades pela resolução do problema — o que lhe causou enormes prejuízos financeiros. A liderança deu também mostras de frontalidade e ca-ráter, mostrando que estava disposta a atuar de acordo com o valor-mor da empresa: os clientes primeiro. Reforçou os controlos de segurança, tendo superando as expetativas através de inovação. E comunicou ampla e transversalmente os esforços que levou a cabo. Em suma: a empresa e os seus líderes deram mostras de sério empenhamento na resolução do problema. Traduziram as pa-

lavras em atos. Estas demonstrações permi-tiram restaurar a confiança dos clientes, das autoridades e de outros "stakeholders".

O TRIÂNGULO DOS BONS PEDIDOS DE DESCULPA Os bons pedidos de desculpa podem aju-dar a restaurar a reputação, a confiança e os relacionamentos. Mas, para que esses efeitos positivos sejam alcançados, algumas condições devem estar presentes. Alguns exemplos ilustram a matéria. Quando a Apple decidiu baixar o preço do iPhone para 399 dólares, "saiu-lhe o tiro pela culatra: Os protestos emergiram em numerosos clien-tes que, pouco tempo antes, haviam aguar-dado horas em filas para comprarem o mes-mo telemóvel por 599 dólares. Steve Jobs endereçou uma mensagem aos clientes, ex-plicando que a baixa do preço visava permi-tir o acesso à tecnologia a maior quantidade de pessoas. Mas reconheceu que a decisão criara desconfiança. Pediu desculpas pela a Apple ter desiludido alguns clientes — os mais leais e expeditos na compra dos pro-dutos da empresa! E decidiu "compensar" os que haviam comprado o iPhone por um preço superior'. Foi um surpreendente pe-

OS BONS PEDIDOS DE DESCULPA PODEM AJUDAR A RESTAURAR A REPUTAÇÃO, A CONFIANÇA E OS RELACIONAMENTOS

dido de desculpas da parte de um homem pouco acostumado a essa prática.

O processo adotado preencheu três con-dições: justiça, compaixão e ação'. Primei-ro: a empresa reconheceu o erro e aceitou as responsabilidades. Segundo: pediu des-culpas, não apenas com sentido de justiça, mas também mostrando compreensão pela experiência de desconforto dos visados. Terceiro: atuou para reparar o erro e asse-gurar que o mesmo não seria repetido.

Eis outro exemplo de como as três con-dições estiveram presentes. Em 2007, a Procter & Gamble confrontou-se com o facto de alguns dos seus produtos para animais de estimação provocarem problemas renais nos mesmos'. A empresa recolheu imediatamen-te os produtos. Suspendeu a sua produção. Partilhou todos os dados com as autoridades

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Artigo Nue~emi • •

norte-americanas. Publicou uma carta aber-ta, em anúncios de página inteira, em 59 jor-nais diários. Na carta, os empregados reco-nheciam o problema e pediam desculpa pela ocorrência. Mostravam preocupação com a situação e denotavam empatia pelos animais e pelos seus donos. E apresentavam planos de ação, designadamente mais apoio no serviço ao cliente e a criação de "task forces" e comi-tés de especialistas para aumentar a qualida-de dos produtos.

PORQUE SÃO EFICAZES: JUSTIÇA, COMPAIXÃO E AÇÃO Para serem bem-sucedidos, os pedidos de desculpa devem ser capazes de convencer as vítimas de que o ato negativo não reflete a verdadeira natureza da pessoa ou da enti-dade que o praticou. Ou seja: um pedido de desculpas eficaz impele as vítimas a consi-derar que o praticante do ato, embora tenha cometido um erro, está genuinamente con-trito e não mais voltará a cometer o mesmo erro. A confiança é conquistada se as pala-vras de contrição forem acompanhadas de atos de compensação pelos danos causados.

Pelo exposto se compreende que o pedido de desculpas será mais eficaz se for genuíno,

revelar compaixão pelo alvo ou vítima e se for interpretado como um ato particular que não representa a natureza perversa do ofen-sor. A menção à compaixão não é aqui anó-dina. Para ser eficaz, o pedido de desculpas não pode ser um ato simplesmente racional, de reposição da justiça material - deve ser acompanhado de empatia, de compaixão e de compreensão pelas particularidades de cada ofendido ou vítima. O ocorrido com a farmacêutica Roche é ilustrativo. Há anos, a empresa viu-se envolta num problema de contaminação do Viracept, um medicamen-to antirretroviral de combate à SIDA. Deci-diu, de imediato, a retirada do produto do mercado e recompensou extensivamente os visados. Do ponto de vista ético, a empresa agiu corretamente - mas foi deficitária na componente compassiva. A empresa agiu com justiça, mas foi parca no zelo, no cuida-do, na empatia, na compaixão9. As reações não foram tão positivas quanto a empresa desejava e esperava.

A empatia e a compaixão são apenas um elemento do processo. Devem ser acompa-nhadas de prudência, promessas de ação, e ações efetivas que resolvam o problema. Não basta a uma empresa mostrar "bons sentimentos" e pedir desculpas públicas pela falha num produto ou na prestação de um serviço. É igualmente crucial que com-pense o cliente prejudicado e adote ações capazes de evitar que o problema se repita". A Samsung sofreu com os defeitos no Gala-r>, Note 7. Mas a ira dos clientes reforçou-se quando o problema se manteve depois de a empresa ter prometido que o mesmo já es-tava sanado" .

BOAS DESCULPAS SÃO NECESSÁRIAS -MAS NÃO SUFICIENTES O que fica exposto não deve ser interpreta-do como receita infalível. A eficácia de um pedido de desculpas não depende apenas do seu conteúdo. Também é influenciada por quatro fatores adicionais: (1) a pessoa ou entidade que enuncia o pedido; (2) as características e o estado emocional dos ofendidos; (3) as características da situa-ção; (4) o tempo.

As características do líder/entidade que comunica o pedido. Um pedido de descul-

pas pode ser eficaz se enunciado por um determinado líder, mas menos eficaz se co-municado por outro líder. O tom de voz, as expressões faciais e outros gestos são indi-cadores de quão genuíno e confiável é o lí-der. Ademais, uma mensagem comunicada por um líder cuja credibilidade está aba-lada, ou cujo estatuto seja modesto, pode ser pouco eficaz". O pedido de desculpas que Hillary Clinton enunciou, a propósito do uso de uma conta privada de email, foi relativamente ineficaz porque a sua credi-bilidade era modesta". Quando, em 2011, os líderes da central nuclear de Fukushima pediram desculpas, fizeram-no apenas seis semanas após o desastre. Acresce que o historial menos transparente da empresa suscitou dúvidas, entre os habitantes, so-bre a honestidade do pedido". Do ponto de vista organizacional, a ilação é simples: importa escolher a pessoa apropriada, ou seja, com passado "limpo" e reputação de honestidade".

Os ofendidos. As caraterísticas e o esta-do emocional dos ofendidos são igualmente cruciais'6. Alguns ofendidos são muito sen-síveis à componente empática do pedido de desculpas, enquanto outros são mais facil-mente impelidos a perdoar se a compensa-ção material pelos danos sofridos for signi-ficativa. Outros são muito reativos ao grau em que o ofensor reconhece que violou o seu dever e as normas de conduta". O mes-mo pedido de desculpas pode, pois, suscitar diferentes reações em diferentes ofendidos.

Se o ofendido imputa dolo e intenções malévolas ao ofensor, o pedido de desculpas pode ser recebido com desconfiança e ci-nismo. Ou seja, o pedido de desculpas pode ser interpretado como manipulador e enca-rado como uma demonstração adicional de que o perpetrador não merece perdão". Os ofendidos podem também considerar que, por razões morais, algumas ofensas (como o genocídio) não devem ser desculpadas". Alguns ofendidos podem não ter qualquer desejo de reconstruir a relação de confian-ça. E, se forem movidos por sentimentos de vingança, poderão retaliar20. Simetrica-mente, se o ofensor não for movido por um genuíno e empático pedido de desculpas, mas o ofendido adotar uma interpretação

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OS BONS PEDIDOS DE DESCULPA SÃO CRUCIAIS PARA RESTAURAR A CONFIANÇA DOS CLIENTES E DE OUTROS STAKEHOLDERS

Artigo

benevolente, o pedido restaura a confiança. A audiência mais ampla. A conduta de uma

empresa não afeta apenas os clientes direta-mente envolvidos. Um pequeno dano cau-sado a um cliente pode adquirir dimensões gigantescas se a empresa começar a ser en-xovalhada nas redes sociais. O ocorrido com a Ensitel ajuda a compreender o fenómeno. Em 2009, uma cliente requereu à empresa a substituição de um telemóvel avariado. A re-cusa em substituir o equipamento desembo-cou no tribunal arbitrai, que deu razão à em-presa. Todavia, a cliente contou o sucedido no seu blogue, o que motivou uma avalanche de protestos nas redes sociais. Novas ma-nifestações de desagrado emergiram após a empresa alegar que estava a ser alvo de uma campanha difamatória e ameaçar com no-vos processos judiciais. A empresa foi então "enxovalhada nas redes sociais": Acabou por "pedir desculpas" à cliente, anunciando que desistia de todos os processos e prometendo melhorias na relação com os clientes.

A situação - A natureza da situação, em sentido lato, também exerce um papel fun-damental. Um pedido genuíno de desculpas de uma empresa do setor automóvel pode esbarrar no clima de desconfiança gerado pelas práticas abusivas de outras empresas do mesmo setor. O mesmo pode ser afirma-do a respeito de empresas do setor financei-ro. As empresas destes setores têm esbarra-do com a desconfiança gerada por práticas escandalosas de outras empresas. Uma em-presa específica pode mesmo ser acusada de atos e danos de que não é responsável. E essa pressão pode obrigá-la a pedir descul-pas. Ou a situação pode ser de tal modo for-te que o pedido de desculpas cai em "saco roto" ou é mesmo contraproducente.

O tempo - À medida que o tempo de-corre, a memória das ocorrências tende a perder-se ou a distorcer-sen. Os ofendidos poderão reagir melhor ou pior a um pedi-do de desculpas consoante as memórias que guardam sobre a conduta do ofensor. Ademais, um pedido de desculpas tardio, mesmo que contenha todos os elementos antes recomendados, pode esbarrar na re-sistência e na má vontade dos ofendidos22. Este elemento denota grande complexida-de porque é difícil identificar com precisão

qual é o tempo mais apropriado. De facto, uma organização pode sentir ne-

cessidade de investigar as causas dos danos antes de se pronunciar sobre se é ou não res-ponsável pelos mesmos. Não deve precipitar--se, sob pena de assumir responsabilidades por danos que não causou. Ademais, pode ne-cessitar de tempo para escutar os alvos ofen-didos. Se o pedido de desculpas e as ações re-paradoras forem tomados num curto espaço de tempo, os ofendidos podem sentir que não foram devidamente escutados e que os seus anseios e preocupações não foram atendidos.

Mas a organização ofensora também não pode atrasar-se na resposta ao problema, sob pena de, quando responde, os alvos não acreditarem na mensagem comunicada. Se uma ampla audiência formula noções de cul-pa sobre uma dada empresa, o esclarecimen-to posterior que a empresa faça pode susci-tar um efeito "boomerang": a audiência tem a empresa em tão má conta que não leva o esclarecimento a peito. Afinal, pode ser mais fácil à audiência manter a versão da "verda-de" - do que assumir que estava equivocada.

CONCLUSÕES Os bons pedidos de desculpa são cruciais para restaurar a confiança dos clientes e de outros "stakeholders". Para que sejam efica-zes, importa que preencham vários requisi-tos, que resumimos no Quadro 1. Mas essas são condições necessárias, não suficientes.

Numerosos outros fatores, alguns fora do

controlo da empresa ofensora, intervêm no processo e podem minar os esforços genuí-

nos da empresa e dos seus líderes. •

NOTAS•

I. Fartei (2010). 2.Seward (2011). 3. Ross (2016). 4. Rego et al. (2017).

5. Susi (2002). 6. Bauman (20111.7. Veja também Kerte' man (2006).

8. Ui» (2011). 9. Bauman (2011). 10. Bies, Barclay, Tripp, & Aquino (2016).

Gapper (2016). 12. Koehn (2013). 13. Harrell (2016). 14. Kohen (2013).

15. bebe (2013). 16. Fehr & Gelland (2010); Koehn (2013). 17- Fehr & Gelfand

(2010) 18. Suuthers, Falvo. Surdi, Uchiyama, & Shirvani (2008).

19. Suuthers et al. (2008). 20. Koehn (2013). 21. Wohl, Hornsey. & Philpot (2011).

22. Koehn (2013). 23. Construido por Rego et ai. 120171 a partir

de: Byrne et al. (2014); Fehr & Gelfand (2010); Bugie, Stapleton, &

Toursih (2010): Koehn (20131: Lewicki. Polin, & tonal (2016).

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