artigo culpa consciente

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distribuição gratuita edição 1 • ano 1 • MARçO 2012 ENTREVISTA FÁBIO ULHOA COELHO E O NOVO CÓDIGO COMERCIAL ESCRITóRIO PINHEIRO NETO ADVOGADOS SAPIENTIA FAÇA PARTE DA ASSOCIAÇÃO DE ALUNOS E EX-ALUNOS ARTIGOS CRIMES DE TRÂNSITO COM MOTORISTAS EMBRIAGADOS DEZ ANOS DO CÓDIGO CIVIL E MAIS... JOSÉ EDUARDO CARDOZO da PUC ao Ministério

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entrevista Fábio Ulhoa Coelho e o novo Código ComerCial

escritório Pinheiro neto advogados

Sapientia Faça Parte da assoCiação de alUnos e ex-alUnos

artigos Crimes de trânsito Com motoristas embriagados

dez anos do Código Civil

e mais...

josé edUardo Cardozoda PUC aoministério

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P U c e m Pa U ta

r e t r o s P e c t i v a

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c a d e r n o d e i d e i a s

a l U n o s

l i v r o s

a s s o c i a ç ã o S a p i e n t i a

3 Carta aos puquianos 5 PUC na sua totalidade 9 Inovações jurídicas 14 Ministério Público: essencial à justiça 20 Pinheiro Neto Advogados 28 José Eduardo Cardozo: da PUC ao Ministério 40 Fábio Ulhoa Coelho: Um novo Direito Comercial 50 Mercado financeiro e de capitais 59 Artigos

60 Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – eireli

Manoel de Queiroz Pereira Calças

68 Moots: ferramentas de desenvolvimento profissional e acadêmico Cláudio Finkelstein | Julia Schulz

72 Os 10 anos do Código Civil sob a óptica civil constitucional Renan Lotufo | André Guimarães Avillés

76 O Supremo Tribunal Federal e o plebiscito para desmembramento de Estado-membro Felipe Penteado Balera

80 Crimes de trânsito com motoristas embriagados: culpa consciente ou dolo eventual? Christiano Jorge Santos

86 Reflexão sobre a questão urbana brasileira Juliana Somekh

90 Um direito penal do inimigo envolto em controvérsias Natália Pincelli

96 O Direito enquanto veículo: a trajetória de uma jornalista 100 Estante Fórum Jurídico 102 PUC além das salas de aula

edição 1 • ano 1 • março 2012

2 F ó r u m j u r í di co 3F ó r u m j u r í di co

c a r t a d o e d i t o r F i l i P e F a C C h i n i

Após 65 anos de história, é inegável a força que a nossa PUC-SP conquistou no mundo jurídico. Ela formou inúmeros juristas reno-mados e profissionais de destaque em todos os ramos do direito. Independentemente da área que os alunos escolham seguir, a PUC sempre forneceu o diferencial que os distin-gue dos demais.

Confesso que já reclamei muito de al-gumas coisas aqui dentro, das mais diver-sas e, durante muito tempo, não percebi a marca que a PUC deixa em cada um dos seus alunos. Ao ingressar na Faculdade, em minha primeira aula de Processo Civil, o professor Roberto Armelin, antes mesmo de se apresentar, nos disse “Parabéns! Vocês estão na melhor Faculdade de Direito do país”. Aquilo me deixou pensativo. Cer-tamente temos professores incríveis e uma excelente avaliação do mercado de trabalho, porém ainda não conseguia enxergar esse di-ferencial. Hoje, no 5º ano, percebi que essa diferença existe, sim, em todos nós. Alguns podem perceber mais rápido, outros sequer notam até que se formem, mas a verdade é que essa Faculdade nos transforma.

Essa mudança, entretanto, acontece de forma distinta em cada um de nós. O grande número de situações a que somos expostos na PUC nos adapta de maneiras diferentes. A única coisa que posso garantir é que sempre será uma mudança para melhor, que nenhu-

Carta aos puquianos

A criação de um vínculo entre

alunos e ex-alunos

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© Todos os direito reservados.

É proibida a reprodução ou transmissão de qualquer parte desta publicação em qualquer formato ou através de qualquer meio, seja eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer sistema de armazenamento e recuperação de dados, sem autorização prévia por escrito.

EditorEs dE Matérias

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Projeto gráfico e direção de arte raquel matsushita

Produção e diagramação juliana Freitas / Entrelinha design www.entrelinha.art.br

assoCiaÇÃo dE aLUNos E EX-aLUNos da FaCULdadE dE dirEito da PUC-sP

diretor-PresidenteFilipe [email protected]

diretor FinanceiroGuilherme Garcia de [email protected]

diretor ExecutivoLuis Gustavo [email protected]

[email protected]

Vice-Coordenadora Editorial de artigosisabela cassará[email protected]

Editor-ChefeFilipe [email protected]

Coordenadora Editorial de Matériasraquel Arruda [email protected]

Coordenadora Editorial de artigosClara Pacce Pinto [email protected]

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oÉNota aos leitores

As opiniões expressas nos textos são de seus autores e não necessariamente da revista Fórum Jurídico ou da Associação Sapientia de Alunos e ex-alunos da Faculdade de direito da PuC-sP.

tiragem: 4.000 exemplares Publicação semestral

5F ó r u m j u r í di coF ó r u m j u r í di co4

P U c e m P a U t a

PUC na sua totalidadeEsta seção se presta a mostrar ao estudante de direito da PuC-sP como aproveitar os mais diversos aspectos da vida na faculdade. Festas, viagens, esportes, política e estudos

Fundada em 10 de outubro de 1945, com a denominação de “Faculdade Paulista de Direi-to”, tem o dia 22 de agosto de 1946 como o marco de sua criação, pois somente nessa data, com a junção com as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento, passou a ser con-siderada universidade pelo Governo Federal.

A titulação “Pontifícia” foi concedida pelo Papa Pio XII somente em 1947, sendo incluí-da no nome da faculdade. Um ano depois, em 1948, foi instalada a sede da universidade na Rua Monte Alegre, com a doação de um terreno e

Pátio da cruz, no centro do "prédio velho"

uma capela pelas Irmãs Carmelitas. A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo tem o his-tórico de mais de 65 anos de luta pela democra-cia e pela justiça brasileira.

Uma das características da formação pro-fissional do Direito PUC-SP é o estímulo ao pensamento crítico, à curiosidade, ao debate e à luta por um ideal. Desde o início, o curso de Direito foi formador de grandes pensadores políticos, que se destacaram na história brasilei-ra, principalmente durante o período da dita-dura militar.

F a C U l d a d e P a U l i s t a d e d i r e i t o

aNa CaroLiNa di giaCoMo E CLara PaCCE PiNto sErVa

c a r t a d o e d i t o r F i l i P e F a C C h i n i

ma outra faculdade pode oferecer. Aos que ainda não conseguiram perceber, podem aguardar, esse diferencial sempre aparece e fará com que você crie um amor pela Ponti-fícia. A razão da minha certeza se deu quan-do - trabalhando para criar nossa recém--fundada Associação Sapientia - fui recebido por todos os ex-alunos, com os quais tive o prazer de conversar, com os braços abertos e imensos sorrisos que diziam “Finalmente vou poder retribuir à Faculdade que tanto fez por mim”.

A revista Fórum Jurídico, com corpo editorial formado apenas por alunos da gra-duação, é a primeira das inúmeras contribui-ções que a Associação Sapientia trará. Aqui, mostraremos à Nação Puquiana o porquê das palavras do professor Armelin: Essa é a melhor Faculdade de Direito do país!

Boa leitura!

Filipe Facchini Editor-ChEFE

Brasão da nossa recém--fundada Associação Sapientia de alunos e ex-alunos da Faculdade de direito da PuC-sP

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6 7F ó r u m j u r í di co F ó r u m j u r í di co

P U c e m P a U t a

Assim, mais do que profissionais qualificados, o nosso curso busca formar cidadãos que fazem e farão a diferença na sociedade brasileira. Para tan-to, a Pontifícia busca incentivar pesquisas, moni-torias, iniciações científicas e intercâmbios para os estudantes, e pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) e lato sensu (especialização).

Há, ainda, espaços como a Atlética e o Cen-tro Acadêmico, que permitem uma convivência mais intensa do aluno na faculdade.

Nesta seção da revista Fórum Jurídico bus-caremos informar aos alunos, em cada uma das próximas edições, os detalhes de cada um dos institutos que brevemente descrevemos aqui, com algumas de suas características.

cenTro acaDÊmico

Os estudantes de direito da PUC-SP têm como entidade representativa o Centro Acadêmico 22 de Agosto, atuante desde agosto de 1947. Figu-rou, no período da Ditadura Militar, como grande defensor da democracia em nosso país, zelando pelos Direitos Fundamentais, hoje transcritos na Constituição Federal de 1988. Não obstante, teve papel relevante em movimentos como o Diretas Já e Fora Collor. No âmbito da PUC-SP, visa asse-gurar os direitos dos alunos, por meio do acesso pleno e igualitário à universidade. Promove, ainda, palestras e outros eventos.

Além disso, o CA preza pela chamada Assis-tência Judiciária 22 de Agosto, que presta ser-viços gratuitos nas áreas cível e penal, propor-cionando a assistência individual e apoiando a organização comunitária na defesa de direitos.

Os mandatos do Centro Acadêmico duram um ano, ocorrendo eleições sempre ao final do segundo semestre. À frente da gestão atual está o Grupo Disparada, formado inicialmente para atuar nos Conselhos da Faculdade (leia mais nas próximas edições), mas cuja atuação se estendeu à política acadêmica.

mais do que profissionais qualificados, o nosso curso busca formar cidadãos que fazem e farão a diferença na sociedade brasileira

segundo andar, onde fica quase todo o curso de direito. na página ao lado, rampa que leva à saída da rua monte alegre

F a C U l d a d e P a U l i s t a d e d i r e i t o

aTlÉTica

A nossa Atlética, mais conhecida como AAA, traz uma forma mais descontraída de se en-volver com a vida na universidade. Ela plane-ja algumas das festas mais conhecidas no meio universitário, como a Advogado do Diabo e a Alphorria, além dos tão esperados Jogos Jurídi-cos Estaduais.

A Atlética também é responsável por organi-zar e viabilizar treinos de todas as modalidades esportivas, que ocorrem semanalmente no perí-odo da noite ou nos finais de semana.

Para mais informações, entre no site www.aaa22deagosto.com.br ou procure um represen-tante da Atlética.

BaTeria 22

Além da participação na Atlética, a vida na universidade pode se tornar ainda mais descon-traída com o envolvimento na Bateria.

Inicialmente com a famosa “Baronesa”, agora com inúmeras outras músicas cantadas por to-

dos os alunos em festas e nos JJEs, a Bateria 22 é a representante da musicalidade da faculdade. Para tanto, são programados ensaios toda semana, oficialmente aos sábados, às 14 horas, no Monu-mento às Bandeiras.

Para fazer parte da Bateria 22, compareçam aos ensaios!

inTercÂmBio

O intercâmbio possibilita a troca cultural e acadêmica. Em um mundo cada vez mais glo-balizado e integrado, complementar um curso de graduação no exterior significa uma gran-de oportunidade para crescer pessoal e profis-sionalmente.

Pensando nisso, a PUC-SP firmou convênios com algumas das melhores instituições de ensi-no superior (IES) ao redor do mundo, e criou a Divisão de Cooperação Internacional – ARII, que faz a intermediação entre as IES e o aluno.

Assim, aquele que tiver interesse em par-ticipar de um intercâmbio, depois escolher a instituição que melhor corresponda às suas

expectativas, deverá se inscrever na pré-sele-ção da ARII, observados os requisitos espe-cíficos de cada edital. Uma vez aprovado o candidato, os critérios a serem analisados são: um segundo idioma (se a IES for de língua estrangeira), mediante avaliação; rendimento escolar; conclusão de, no mínimo, dois anos de curso; e, por fim, aprovação em uma entrevista. A oportunidade compreende a possibilidade de fazer cursos e estágios no exterior, realizan-do um estudo comparado e aprendendo outro método de ensino.

Para mais informações, acesse o site www.pucsp.br/arii, da Divisão de Cooperação Inter-nacional – ARII.

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8 9F ó r u m j u r í di co F ó r u m j u r í di co

r e t r o s P e c t i v aP U c e m P a U t a

a monitoria é o primeiro passo para aqueles que

desejam lecionar no futuro

balanço semestral

lei no 12.441, De 11/7/2011. Alterou o código civil, possi-bilitando a constituição da chamada Empresa individual de responsabilidade Limitada (eireli). Presente em muitos ordenamentos estrangeiros, a eireli surgiu no Brasil para su-prir uma lacuna no ordenamen-to jurídico nacional. Esse novo instituto resume-se à possi-bilidade de constituição de pessoa jurídica com um úni-co titular, que não poderá ser responsabilizado por dívidas da eireli. mesmo sem expres-sa proibição na legislação, a possibilidade de constituição de eireli por pessoa jurídica é controvertida e foi proibida pelo dnrC. Confira mais sobre a eireli na página 60.

direitoComercial

o direito, mais especificamente a lei posta, altera-se constantemente para acompanhar os avanços da sociedade. no último semestre de 2011, muitos foram os fatos que modificaram a forma como tratamos o direito. Assim sendo, como um meio de fazer uma retrospectiva desses fatos, elencamos algumas leis, decisões e acontecimentos que ocorreram de julho até dezembro de 2011

F a C U l d a d e P a U l i s t a d e d i r e i t o i n o v a ç õ e s j U r í d i C a s

raqUEL soUFEN

iniciaçÃo cienTÍFica

Para aqueles que se interessam e querem es-tudar um determinado assunto, a universidade possibilita fazer sua primeira monografia: a Ini-ciação Científica. O aluno escolhe um tema, não necessariamente de direito, conversa com um professor da PUC para que ele seja seu orien-tador e apresenta um projeto, que é um resumo da matéria e das diretrizes do que será estudado.

Depois de aprovado o projeto, deve haver a entrega de parte da pesquisa no prazo de seis meses e a iniciação pronta será entregue no pra-zo de um ano. Depois disso, haverá a apresenta-ção do estudo no dia do Encontro de Iniciação Científica, momento em que ela será apresenta-da oralmente e por meio de cartazes, e passará pela análise de professores e alunos.

Assim como a Monitoria, a Iniciação Cien-tífica pode ou não ser remunerada. Dentro da Pontifícia, existem as modalidades PIBIC-CE-PE, PIBIC-CNPq e PIBIC (sem fomento). Descubra mais no site da PUC: www.pucsp.br/iniciacaocientifica.

moniToria

A Monitoria é o primeiro passo para aqueles que desejam lecionar no futuro.

É uma atividade técnico-didática, na qual o aluno auxilia um professor na correção e ela-boração de seminários, além de instruir outros alunos em seus trabalhos e ajudar na resolução de questões práticas complexas propostas em sala de aula.

A Monitoria pode ser realizada de manei-ra voluntária, apenas com o consentimento do professor, ou de maneira oficial, podendo, nessa modalidade, ser remunerada. Nesse caso é preciso fazer um requerimento ao final do semestre na Secretaria da Faculdade de Direi-to, o qual será deferido apenas se o aluno tiver completado os créditos da matéria, com média de, no mínimo, 8,0.

Um monitor ganha experiência na sala de aula e na proximidade com o professor, acrescentan-do um diferencial em seu currículo. Por isto, esse pode ser um passo importante em sua carreira. n

Capela da PuC na rua monte alegre

lei no 12.462, de 4/8/2011. criada para suprir a necessidade de um procedimento licitatório diferenciado em virtude dos gran-des eventos, como a Copa do mundo de 2014 e os Jogos olímpi-cos de 2016. Foi instituído e disciplinado o regime diferenciado de Contratações Públicas – rdC. entre outras inovações, esta lei permitiu a contratação de controladores de tráfego aéreo tem-porários, bem como alterou a organização da Presidência da re-pública e dos ministérios, criando a secretaria de aviação Civil.

direito administrativo

lei no 12.470, de 31/8/2011. esta Lei modificou o Plano de Custeio da Previdência social, de modo a instituir alíquota di-ferenciada de contribuição para o microempreendedor indivi-dual e para o segurado facultativo sem renda própria, desde que pertencente a família de baixa renda e com dedicação ex-clusiva ao trabalho doméstico na sua residência. Foi incluído no rol de dependentes o filho ou o irmão que tenha deficiência intelectual ou mental, e foram alteradas as regras do benefí-cio de prestação continuada de tais indivíduos. Por fim, ficou determinado que o salário-maternidade da empregada do mi-croempreendedor individual será pago pela Previdência social.

direito Previdenciário

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r e t r o s P e c t i v a

05/09/2011 – na decisão do Habeas Corpus 149.250, a Quinta Turma do STJ considerou ilegais as investigações da operação satiagraha promovida pela Polícia Federal, por abuso de poder na obtenção de provas pela agência brasileira de inteligência (abin). Foram, portanto, anu-lados todos os procedimentos decorrentes dessa ope-ração, inclusive a ação penal contra o banqueiro daniel dantas, do grupo opportunity, inicialmente condenado por corrupção ativa. Foi interposto recurso Extraordiná-rio, que aguarda julgamento.

direito Penal

26/10/2011 – o Pleno do STF decidiu, por unani-midade, negar provimento ao recurso extraor-dinário nº. 603.583-rS, ao defender a constitu-cionalidade do exame da oab. assim, foi definido

direito Constitucional

28/10/2011 – DJe – o plenário do STF de-feriu o pedido de medida liminar em ação Direta de inconstitucionalidade (aDi 4661 mc/DF), para suspender o art. 16 do decreto 7.567/2011, que conferia vigência imediata às alterações da tabela de incidência do imposto sobre Produtos industrializados (tiPi). as mais impactantes alterações se resumem na majoração das alíquotas do imposto sobre Produtos industrializados (iPi) sobre operações envolvendo veículos automotores importados e a diminuição das alíquotas do imposto incidente sobre auto-móveis fabricados no Brasil. o STF decidiu, portanto, que deve ser aplicado o princípio da anterioridade nonagesimal ao imposto sobre Produtos industrializados (iPi).

direito tributário

i n o v a ç õ e s j U r í d i C a s

25/10/2011 Data do julgamento – Decisão do resp 1.183.378 , da Quarta Turma do STJ. Pela primeira vez, foi dado provimento a um recurso que habilitou duas mulheres ao casamento civil. o STj seguiu, portanto, o entendimento consolidado pelo stF no primeiro semestre de 2011sobre o reconhecimento da união estável homoafetiva.

direito Civil e Constitucional

12/09/11 – publicado no DJe, a Se-gunda Seção do STJ, no julgamento do resp 1.197.929, decidiu que ins-tituições financeiras têm responsa-bilidade objetiva em caso de fraudes cometidas por terceiros e devem, por conseguinte, indenizar as vítimas dos fatos fraudulentos, como no caso de abertura de contas ou obtenção de empréstimos mediante o uso de identificação falsa. o stJ considerou que as fraudes dessa espécie seriam riscos do empreendimento, e, por-tanto, fortuitos internos.

direito Comercial

04/11/11 – publicada no DJe. no julgamento do resp 884.346, o colegiado do STJ deter-minou que o terceiro de boa-fé que receber e apresentar antes da data combinada cheque pós-datado – conhecido popularmente como pré-datado – não terá a obrigação de indenizar o emitente por danos morais caso este sofra algum prejuízo. o STj se posicionou nesse sentido, pois entende que a pactuação extracartular da pós-datação tem validade apenas entre as par-tes da relação jurídica original, não vinculando terceiros estranhos ao pacto.

direito Comercial

direito do trabalholei no 12.506, de 11/10/2011– Esta Lei dispôs sobre novas regras para a contagem do prazo de aviso prévio. Agora, os empregados que tiverem trabalhado por até um ano na mesma empresa terão direito ao aviso prévio de 30 dias, e aqueles que trabalharam por tempo maior do que esse período terão direito ao acréscimo de 3 dias por ano trabalhado, até o limite de 90 dias. Por exemplo, no caso de um empregado que está há 4 anos na mesma empresa, ele terá direito aos 30 dias referentes ao primeiro ano trabalhado, somado aos 9 dias referentes aos outros três anos de serviço prestado, resultando em um período de aviso prévio de 39 dias.

que o exame não é limite ao exercício da profissão, e sim um atestado de conhecimentos jurídicos. afirmou-se, ainda, que o exame da oAB não viola o princípio da isonomia, e que, ape-sar de outras profissões não possuírem tal obrigatoriedade, a constituição não comporta qualquer vedação à aplicação de exames dessa espécie.

lei no 12.527, de 18/11/2011. regulou os procedimentos específicos a serem observa-dos pela administração Pú-blica sobre o direito básico de acesso à informação previsto no inciso XXXiii do art. 5º, no inciso ii do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Consti-tuição Federal, respeitando o princípio da publicidade, mas excetuando o sigilo. Por meio de tais mudanças, qualquer cidadão tem o direito de solici-tar informações de interesse público, sem necessidade de prova de interesse específico. Sob pena de responsabilidade, o agente público não poderá ser omisso ou se recusar a prestar as informações.

direito Constitucional

12 F ó r u m j u r í di co

i n o v a ç õ e s j U r í d i C a sr e t r o s P e c t i v a

DJe 02/12/2011 – o STF, ao julgar procedente a aDi 4274/DF proposta pelo Procurador-geral da república, interpretou o § 2º do art. 33 da Lei no 11.343/2006 de maneira a restringir o entendimento e excluir os debates públicos e as manifestações que visem à descrimina-lização do uso de drogas, como a “marcha da maconha”, das sanções impostas pela lei. tal posicionamento foi tomado com base nos direitos constitucionais de reunião e livre ex-pressão do pensamento.

19/12/2011 posse da nova ministra do STF, rosa maria Weber. ela ocupará a ca-deira deixada pela ex-ministra Ellen Gra-cie, que se aposentou em agosto. rosa maria Weber era ministra do Tribunal Superior do Trabalho, onde ingressou em 2005, por indicação do ex-presidente Luiz inácio Lula da Silva. n

lei 12.546, de 14/12/2011. como uma forma de fomentar a exportação, o fisco fornece às empresas exportadoras a possibilidade de obterem créditos tributários pelo pagamen-to de certos tributos, que poderão ser utilizados na compen-sação com outros tributos devidos. contudo, atualmente esse procedimento sofre limitações legais e depende de grande burocracia. Para tentar solucionar esse problema e incentivar as exportações, foi sancionada a Lei no 12.546, de 2011, que criou o regime especial de reintegração de Va-lores tributários (reintegra), com o objetivo de permitir a devolução de créditos tributários às empresas exportadoras de produtos manufaturados no país.

direito Constitucional

mundo jurídico

direito tributário

lei no 12.543, de 08/12/2011. o Conselho monetário nacio-nal, por meio desta lei ordinária, ficou autorizado a estabelecer condições específicas para negociações com contratos deri-vativos – contratos nos quais são estabelecidos pagamentos futuros através de um valor-base referente à uma variável – com objetivo de administrar a política monetária e cambial. outra novidade trazida pela Lei 12.543 foi a necessidade de re-gistro desses contratos pelo banco Central ou pela CVm, como meio de dar maior publicidade à negociação. Por fim, tal lei ain-da definiu a incidência do ioF sobre os contratos derivativos.

direito Comercial

lei no 12.529, de 30/11/2011. essa lei alterou a estrutura do sistema brasileiro de defesa da Concorrência – sbdC, especificamente no que se refere à prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica e a economia sadia. tal norma ainda reorganizou as competências dos órgãos que integram o sbdC, como, por exem-plo, o Conselho administrativo de defesa econômica – Cade. das várias modificações introduzidas por essa lei, a mais relevante delas é a exigência da análise prévia das fusões e aquisições entre empresas pelo cAdE, que, até então, era feita somente após a consumação da fusão.

direito Comercial

14 15F ó r u m j u r í di co F ó r u m j u r í di co

P r o C U r a d o r e P r o m o t o rP r o f i s s ã o

ministério Público: essencial à justiçao ministério Público – órgão fundamental à manutenção do Estado democrático de direito e da Justiça – apresenta-se como uma das mais brilhantes e instigantes carreiras do direito

Segundo Vidal Serrano Júnior e Luiz Alberto David de Araujo,1 a denominação “Ministério” teria vindo da palavra manus, que era figura re-presentativa da “mão” do rei. Ministério Público (MP) seria, então, por definição, figura relaciona-da com um apêndice do Estado, que exerceria o poder de representá-lo. Dessa forma, no período colonial, orientado pelo direito português, o Bra-sil ainda não tinha o Ministério Público como instituição. Assim, em 1521, as Ordenações Ma-nuelinas, que fiscalizavam o cumprimento e a execução da lei juntamente com os Procurado-res dos Feitos do Rei, citaram o papel do pro-motor de justiça, que deveria ser alguém letrado e bem entendido para saber espertar e alegar as causas e razões para lume e clareza da justiça e inteira conservação dela.

Assim, após cinco séculos, no período da República, a Constituição Federal de 1988 faz referência expressa ao Ministério Público no capítulo “Das funções essenciais à Justiça”, con-ceituando-o e definindo as funções institucio-nais, as garantias e, finalmente, as vedações de seus membros.

A Carta Magna, ao conceituar em seu artigo 127 o parquet como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, sen-do responsável pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, acabou por ampliar a evidência do referido órgão na sociedade, transformando a instituição em um braço da população brasileira.

1 ARAUJO, Luiz Alberto David; e NUNES JÚNIOR. Vidal Ser-rano – Curso de Direito Constitucional, 12 ed., Saraiva. p. 407.

a inSTiTuiçÃo auTônoma

Dessa forma, a Carta de 88, considerando o Ministério Público como indispensável ao Estado Democrático de Direito, estabeleceu como suas funções institucionais o dever de promover ação penal pública; exercer o con-trole externo da atividade policial; requisitar diligências investigatórias e a instauração de in-quérito policial. Além dessas, com a Constitui-ção, na área cível, o Ministério Público adqui-riu novas funções, destacando a sua atuação na tutela dos interesses difusos e coletivos, como meio ambiente, consumidor, patrimônio histó-rico; pessoa portadora de deficiência; criança e adolescente; comunidades indígenas e mino-rias étnico-sociais, atribuições que ampliaram a evidência do parquet na sociedade.

Os artigos 127 a 130 da Constituição esta-belecem o rol de garantias tanto da instituição como um todo, quanto dos membros do parquet. Por meio delas, o Ministério Público passou a gozar de autonomia funcional, administrativa, financeira e iniciativa legislativa. Assim, o órgão passou a ter autonomia para exercer suas fun-ções sem precisar se reportar a qualquer órgão

de qualquer um dos três poderes. No mais, pos-sui a garantia de exclusividade na propositura de ação penal pública.

Quantos aos membros do parquet, eles pos-suem a garantia tríplice, como é conhecida. Em outras palavras: os membros possuem as garan-tias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredu-tibilidade de vencimentos.

Além dessas, possuem também a garantia de serem organizados com exclusividade por car-reira, sendo sua promoção voluntária, seja ela por antiguidade ou merecimento.

Pela vitaliciedade entende-se que, após os dois anos de estágio probatório, os membros do MP só perderão o cargo por força de sentença judicial transitada em julgado. A inamovibili-dade reflete que um integrante do órgão não pode ser movido contra a sua vontade, salvo por virtude de expressa autorização da maioria absoluta do Conselho Superior do Ministério Público. Por fim, a irredutibilidade de subsídios beneficia os membros do MP com a impossibi-lidade de redução salarial.

A CF de 88 também elenca restrições à car-reira: fica proibido o exercício da política par-tidária, da advocacia e do comércio. Todas essas

isabELa Cassará E aNa CaroLiNa di giaCoMo

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Fachada do prédio do ministério Público Federal, em são Paulo

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vedações surgiram em decorrência lógica da necessidade de manter a imparcialidade do MP.

O art. 127 do mesmo Diploma elencou três princípios institucionais que regem o Ministério Público, quais sejam: a Unidade, a Indivisibilida-de e a Independência Funcional. O primeiro de-termina que os membros do MP integrem esse órgão como um todo, agindo individualmente, sob a direção de um Procurador-Geral. O prin-cípio da indivisibilidade, por sua vez, esclarece que não há vínculo entre seus membros e os processos em que atuam, admitindo, pois, a subs-tituição de um Procurador por outro. Por fim, o princípio da Independência Funcional esclarece que não há hierarquia funcional entre os mem-bros do Ministério Público, sendo ele um órgão independente no exercício de suas funções.

Os artigos 127 e 129 da Carta Magna de 88 indicam as duas formas de atuação do Ministé-rio Público: na condição de órgão agente (par-te) ou como interveniente (como custus legis). Atuar como parte significa agir na qualidade de autor da ação, o que representa um grande avanço na Justiça Especializada, a fim de exercer a defesa dos direitos difusos, coletivos e indivi-duais homogêneos.

Os direitos difusos são aqueles que ultra-passam a esfera de um único indivíduo, re-ferindo-se a pessoas indeterminadas; quando respeitados, atingem uma coletividade. Os di-reitos coletivos, por sua vez, são aqueles de na-tureza indivisível e se referem a um grupo de pessoas conectadas por uma relação jurídica entre si ou com a parte contrária, sendo os su-jeitos indeterminados, porém determináveis. Por fim, os direitos individuais homogêneos dizem respeito a pessoas que, embora inde-terminadas a priori, poderão ser determinadas posteriormente (e cujos direitos são ligados por um evento de origem comum), em con-sequência de um direito de origem comum.

A fim de dar maior especificidade ao tra-balho e de maneira a promover uma melhor administração, o Ministério Público foi divido em dois: o Ministério Público Estadual (MPE) e o Ministério Público da União (MPU). Este último é, por sua vez, subdividido nas seguin-tes áreas: Federal (MPF), do Trabalho (MPT), Militar, e do Distrito Federal e dos Territórios. Há, ainda, o Ministério Público de Contas, que exerce suas funções junto ao Tribunal de Con-tas da União.

O MPU tem como chefe o Procurador-Geral da República, que é nomeado pelo Presidente da República escolhido entre os membros da carreira para um mandato de dois anos. Para al-cançar tal cargo, o candidato deve ter mais de 35 anos completos e ser aprovado por maioria absoluta no Senado Federal.

O Ministério Público Estadual e o do Distrito e Territórios, por sua vez, têm como chefe a figura do Procurador-Geral da Justiça, o qual é nome-ado pelo Chefe do Poder Executivo local, que o escolhe com base numa lista tríplice elaborada pe-los próprios membros das respectivas instituições.

O Ministério Público do Trabalho integra o Ministério Público da União, por força do art. 128 da Constituição Federal de 88, atuando es-pecificamente perante a Justiça do Trabalho, vi-sando à defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

As funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira do MP, com residência na Comarca da respectiva lotação, salvo autorização do Chefe da Instituição, o Pro-curador-Geral de Justiça ou da República.

O ingresso na mencionada carreira far-se-á mediante concurso público de provas e títulos,

assegurada a participação da Ordem dos Advo-gados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito três anos de atividade ju-rídica e observando-se, nas nomeações, a ordem da classificação.

o reQuiSiTo

As atividades jurídicas consideradas como experiência são computadas a partir da ob-tenção do diploma em Direito e incluem o exercício da advocacia, inclusive voluntário, com a participação anual mínima em cinco atos privativos de advogado; exercício do car-go, emprego ou função (incluindo magistério superior) em que se utilizem preponderante-mente conhecimentos jurídicos; exercício da

Como essência, o MP é a instituição em defesa da sociedade contra o arbítrio do próprio Estado.

Pedro Henrique demercian

P r o C U r a d o r e P r o m o t o rP r o f i s s ã o

Pedro Henrique Demercian é mestre e doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1997), onde atualmente ministra aulas no curso de graduação e pós-graduação lato sensu (COGEAE). Demercian é também Procurador de Justiça Criminal no Ministério Público do Estado de São Paulo, e assessor da Procuradoria-geral de Justiça de São Paulo no Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais.

Os membros do MPE são divididos,

de acordo com o respectivo grau de

jurisdição, em promotor de justiça,

procurador de justiça e procurador-geral

de justiça, como chefe do MP.

trabalhar no ministério Público, instituição fundamental a manutenção do Estado democrático de direito, da sociedade e da justiça, é um grande atrativo

Você sabia?

18 F ó r u m j u r í di co

P r o f i s s ã o P r o C U r a d o r e P r o m o t o r

função de conciliador em tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, de mediador ou árbitro em litígios, pelo período mínimo de 16 horas mensais e durante um ano; estágio após a conclusão do curso; cur-sos de pós-graduação concluídos, com um ano de duração e carga horária de 360 horas--aula; atividade jurídica em cargos, empregos ou funções não privativas de advogado me-diante certidão circunstanciada.

A título de curiosidade, conforme o edital2 do último concurso do Ministério Público do Estado de São Paulo, o salário inicial para os ingressantes nesta carreira era de R$ 19.643,80 (dezenove mil, seiscentos e quarenta e três reais e oitenta centavos).

Destaca-se que os membros do MP podem vir a se tornar Desembargadores ou Ministros

2 http://concursosde2011.com/concurso-ministerio-publico--sp-2011.html

do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Isso por conta do chama-do “quinto constitucional”, previsto no art. 94 da Constituição Federal, que é assim denomi-nado, pois prevê que um quinto dos membros dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça deverá ser composto por membros do Ministério Público. Para tanto, o candidato deverá ter mais de dez anos de carreira e ser in-dicado para esses tribunais numa lista com seis outros membros.

Diante do exposto, podemos concluir que a instituição do Ministério Público é funda-mental tanto para a manutenção da sociedade quanto da Tripartição dos Poderes e, final-mente, do Estado Democrático de Direito. No mais, além das diversas possibilidades de formas de atuação, o Ministério Público acaba por ser uma ótima opção para os bacharéis em direito que desejam seguir carreira pública, pelas garantias e pela remuneração propiciadas aos seus membros. n

Os membros do MPU são divididos,

de acordo com o respectivo grau de

jurisdição, em procurador da República,

procurador regional da República

e procurador-geral da República, que é

chefe do MP da União.

Você sabia?

20 21F ó r u m j u r í di co F ó r u m j u r í di co

P i n h e i r o n e t o a d v o g a d o se s c r i t ó r i o

Pinheiro Neto Advogados teve sua origem na moderna concepção de escritório de ad-vocacia que existia nas firmas britânicas. Seu fundador, José Martins Pinheiro Neto, que foi correspondente jornalístico da BBC em Londres durante a Segunda Guerra Mundial, ao retornar ao país, utilizou como base o modelo das firmas na Inglaterra para criar no Brasil o conceito full-service para o setor.

Fundado em 1942, Pinheiro Neto Advogados é reconhecido como um dos maiores e mais tradicionais escritórios de advo-cacia da América Latina, tendo crescido de maneira orgânica, sem fusão ou associação, dife-rente da maioria dos escritórios de advocacia brasileiros.

Com o passar dos anos, o es-critório passou a adotar algumas

advocacia de

no ano em que completará seu 70o aniversário, o escritório Pinheiro neto advogados

mantém-se como uma das bancas mais admiradas e respeitadas da América Latina

tradição

das ideologias de seu fundador, que incorporou ao modelo prin-cípios básicos, tais como o apri-moramento constante dos pro-fissionais, o escritório estar acima de qualquer sócio, o dinheiro não ser o objetivo e o lucro ser só uma consequência. Apesar de ter se afastado do escritório em me-ados dos anos 2000, os princípios que ele trouxe ainda fazem parte do escritório.

eQuipe e renovaçÃo

O escritório conta hoje com uma equipe formada por 78 só-cios, 10 consultores, 265 advo-gados, 103 estagiários e 56 pa-ralegais. Apesar de seu tamanho, não perde a qualidade, seus pro-fissionais estão entre os mais bem qualificados do mercado e são presenças constantes em publica-

Ao lado, chapéu e maleta que pertenciam

a J. m. Pinheiro neto

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P i n h e i r o n e t o a d v o g a d o s

F ó r u m j u r í di co F ó r u m j u r í di co

ções jurídicas como Chambers & Partners e Who’s Who Legal.

Na opinião do advogado Ale-xandre Bertoldi - sócio gestor do Pinheiro Neto - existe uma pressão interna para que os ad-vogados constem em publica-ções desse tipo, pois elas fazem com que haja uma percepção mais realista do profissional. “O importante dessas publicações é que, via de regra, o próprio mer-cado, isto é, uma percepção ex-terna - e não interna - faz com que você seja ou deixe de ser ci-tado”, opina Bertoldi.

Um motivo de orgulho para o escritório é o fato de que não só os sócios são mencionados, mas a cada ano mais associados

são citados em publicações as-sim. O Pinheiro Neto entende que o fato dos associados cons-tarem nessas publicações é um reconhecimento de que está no caminho certo. “Um escri-tório que não se renova e que fica sempre fossilizado, girando em torno das mesmas pessoas, pode ir muito bem no presente, mas, no longo e médio prazo, ele tende a decair. O fato de ter sempre essa renovação mostra que nós estamos criando o Pi-nheiro Neto do futuro.”

plano De carreira

O plano de carreira do Pi-nheiro Neto é muito bem de-

finido e tem por base a meri-tocracia. Bertoldi relata que “a partir do momento em que a pessoa se torna estagiário aqui, literalmente só dependerá dela, porque nós temos um plano de carreira que é completamente previsível. A pessoa pode ter mais sorte ou mais azar, pode acontecer algo que torne o caminho mais difícil, como a quebra da bolsa de Nova Ior-que, mas normalmente o cami-nho já está traçado”.

O escritório possui uma po-lítica de não contratar profissio-nais formados no mercado. “Na verdade, o Pinheiro Neto busca formar o indivíduo.” Esse ideal de investir em seus estagiários é antigo, motivo pelo qual, hoje

em dia, 95% dos atuais advoga-dos e sócios do escritório foram estagiários da firma. “O grande diferencial do Pinheiro Neto é que o nosso crescimento é totalmente baseado na capaci-dade de crescer organicamen-te, um estagiário aqui é visto como um futuro sócio.”

É justamente pelo fato de prezar pela formação do indi-víduo que o Pinheiro Neto, no momento da seleção de estagiá-rios, não escolhe apenas os indi-

o grande diferencial do Pinheiro neto é que o nosso crescimento é

baseado totalmente na capacidade de crescer

organicamente. um estagiário aqui é visto como um futuro sócio

réplica da sala do fundador, localizada no museu do escritório

víduos que tenham o currículo recheado de experiências, ou que tenham profundo conheci-mento na área em que atuarão. O aprimoramento do estagi-ário dentro do escritório é o ponto mais importante para o crescimento dele com base nos padrões desejados.

Entretanto, o sócio gestor do escritório destaca que se leva em consideração o inte-resse, curiosidade e dedicação da pessoa: “Serão dois anos

Plano de Carreira

eSTagiárioS

aSSiSTenTeS JurÍDicoS

caTegoriaS De aSSociaDoS JunioreS

caTegoriaS De aSSociaDoS plenoS

caTegoriaS De aSSociaDoS SenioreS

conSulToreS SócioS

auxiliareS JurÍDicoS

e s c r i t ó r i o

24 25F ó r u m j u r í di co F ó r u m j u r í di co

bem interessantes, já que o estagiário terá contato dire-to com a prática, vai conviver com pessoas que têm bastante experiência, vai trabalhar em casos interessantíssimos e vai ficar eufórico quando aquela operação em que ele está tra-balhando aparecer na primeira página da Folha ou do Estado de São Paulo. Basicamente, tem que ser uma pessoa curiosa, que queira e esteja interessada”.

A efetivação dos estagiários acontece no início do quinto ano da faculdade, como forma de aliviar os alunos da pressão do final do curso, cumulada com os estudos para a prova da OAB e a luta por uma vaga no local de trabalho.

O investimento em forma-ção profissional que a firma tem como política começa

dentro do próprio escritório: o Pinheiro Neto oferece inú-meros cursos, e para cada pro-moção existe um número de créditos que deverão ser cum-pridos. Além disso, o escritório oferece bolsas de estudo para pós-graduação no Brasil ou até mesmo LL.M. em univer-sidades do exterior, tais como Harvard, Stanford e Columbia.

aprimoramenTo proFiSSional

O LL.M. é muito incentiva-do pelo escritório: os advoga-dos costumam ficar dois anos fora do país, no primeiro ano cursando o LL.M. e no segun-do trabalhando em um escri-tório estrangeiro. Com essa ex-periência, além de se aprimorar profissionalmente, o advogado também agrega valores no as-

pecto pessoal e passa a saber como lidar com situações com as quais não está acostumado.

A qualidade dos profissionais é, sem dúvida, um dos maiores atrativos do escritório, motivo pelo qual ele está rotineiramen-te presente nas grandes nego-ciações. Algumas das recentes operações foram as fusões das

P i n h e i r o n e t o a d v o g a d o s

A qualidade dos profissionais é

sem dúvida um dos maiores atrativos

do escritório, motivo pelo qual ele está rotineiramente

presente nas grandes negociações

sede em sP

algunS prÊmioS Do eScriTório

Who’s Who legal chambers & partners análise advocacia prêmio Dci

•“Firm of the Year” (2006-2010)

•Único escritório brasileiro a figurar na lista dos 70 principais escritórios de advocacia do mundo

• “brazilian Firm of the Year” (2009-2011)

•“Latin american Firm of the Year” (2009-2010)

•“o mais admirado escritório de advocacia do brasil” (2006-2011)

• sete vezes seguidas eleito o escritório de advocacia mais admirado do Brasil

empresas de varejo Casas Bahia e Pão de Açúcar e das empresas aéreas LAN e TAM.

reSponSaBiliDaDe Social

Além dos inúmeros casos e da rotina de trabalho o escri-tório nunca deixou de ajudar a comunidade a que pertence. O

escritório sempre teve, ainda na época do fundador, José Mar-tins Pinheiro Neto, instituições que ajudava, quando ainda nem era comumente empregada a denominação ONG.

O Pinheiro Neto investe em causas sociais com foco em educação, saúde, cultura, meio ambiente, entre outras, pois acredita que em um país como o Brasil é impossível fu-gir da responsabilidade social. Dessa forma, foram criados projetos de incentivo socio-ambiental, entre os quais se destacam a limpeza do rio Pi-nheiros, com o projeto Pomar, e a revitalização do centro de São Paulo. Hoje o Pinheiro Neto possui uma Comissão de Reponsabilidade Social que lidera tais iniciativas, com

Deck do escritório no rJ

e s c r i t ó r i o

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P i n h e i r o n e t o a d v o g a d o s

F ó r u m j u r í di co F ó r u m j u r í di co

apoio a diversos projetos, en-tre os quais podemos citar a entidade Alfabetização Soli-dária, a TUCCA – Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer e a Associação Águas Claras do Rio Pinhei-ros. Para eles não se trata ape-nas de doar, mas de conseguir o envolvimento das pessoas.

Para conhecer um pouco e entender melhor o funcio-namento do Pinheiro Neto, acompanhe nossa entrevista com Alexandre Bertoldi:

1) O Pinheiro Neto ocupa posição de destaque entre os grandes escritórios do Bra-sil há muitos anos. Geração após geração não se pode dizer que tenha havido des-gaste. Qual o segredo para se manter no topo?

É mais difícil se manter no topo do que chegar ao topo. Para chegar, se você tem al-gumas ideias, tem um norte, uma estratégia e coerência na execução da sua estratégia, eu acho que você tem grandes chances de alcançar o topo. Mas manter-se no topo é mais difícil, porque você pas-sar a ser o alvo. Eu acho que o segredo do escritório é ser uma verdadeira sociedade en-tre iguais. O sócio que entrou ontem e o sócio mais antigo, numa assembleia de sócios, a voz e o voto deles têm o mes-mo peso. Eu acho que isso é o que ajuda o escritório a se manter no topo e, ao con-trário de outros escritórios, houve poucas cisões. A partir dessa união dos sócios, e tam-bém pela filosofia de que o es-

critório é mais importante do que cada um dos sócios, con-quistamos coisas que não são o interesse individual de cada um, mas que são do interesse da sociedade, e que acabam por manter o escritório em posição de destaque. Eu acho que é a união entre os sócios que faz disso uma verdadeira sociedade. É tudo questão de fazer bem-feito, e o dinheiro é consequência disso.

2) O Pinheiro Neto atua em praticamente todas as áreas do Direito. Quais são as áreas que, na opinião do escritório, devem evoluir?Essa é a pergunta de um mi-lhão de dólares para qualquer escritório que quer se pro-jetar nos próximos anos. O Brasil não é um bom país para fazer exercício de futu-rologia. É nítido que algumas áreas atingiram uma maturi-dade. Outras áreas, até pelo momento do país, que devem crescer muito, são as áreas de infraestrutura e financiamen-to de projetos, Project Finan-ce, nas quais há muita coisa a ser feita. Até hoje o Brasil seguiu o padrão de que ou é o capital privado que faz o investimento direto, ou é o BNDES que faz os gran-

des financiamentos. Eu creio que na próxima fase muitos desses projetos só serão cria-dos com o financiamento do mercado financeiro. Por isso, calculo que a área de finan-ciamento de projetos tende a crescer muito nos próximos anos. Acho que outra área que tende a crescer muito, até pe-las vicissitudes do judiciário, é a área de arbitragem, porque você não tem necessariamente um processo mais barato, mas você tem um processo mais célere e existe a percepção de que haverá uma decisão mais bem informada, principal-mente no que diz respeito a questões mais sofisticadas.

3) O modelo workaholic das grandes firmas não está na contramão da atual discus-

são sobre equilíbrio entre qualidade de vida e vida profissional?Creio que de uma certa ma-neira está sim. Esse modelo clássico, adotado não só pelos grandes escritórios daqui, mas também pelos de fora, de Nova Iorque, de Londres, é um mo-delo que precisa ser repensado. Acho que muitas pessoas já não se interessam pela possibilidade de se tornarem sócias, que era o grande atrativo. Muitas pes-soas hoje em dia param e pen-sam “Não sei se quero a vida da minha chefe”, que é uma vida com muito pouco controle sobre o seu horário, sobre sua vida em geral. Por isso, creio que devemos reinventar esse modelo, pensar em alguma for-ma de fazer a pessoa trabalhar aqui sem ter que se dedicar ex-cessivamente ao escritório. Por outro lado, se você está numa grande operação nesses escri-tórios empresariais, não existe a possibilidade de você olhar no relógio e dizer “olha, são 18 horas e combinei de ir ao cinema com a minha mulher, vamos parar por aqui, amanhã retomamos”, não é assim. Se você está discutindo centenas de milhões, às vezes bilhões de dólares, o ritmo é intenso mes-mo. Talvez tenhamos que criar

um modelo em que aqueles que querem e estão dispostos a trabalhar muito possam ter essa vida, e aqueles que não querem e desejam ter uma vida mais previsível também consigam um lugar no escritório, não necessariamente atingindo o mesmo resultado final.

4) Qual conselho o senhor daria para os atuais estudan-tes de direito e estagiários?É difícil dar conselho, porque cada um é cada um. Mas meu conselho genérico é: sejam curiosos e sejam coerentes na busca do que vocês querem. Um grande erro que uma pessoa faz é dizer que quer uma coisa, mas as atitudes e a maneira como ela se com-porta não refletem isso. Então, se você quer ser advogado de um escritório grande, você tem que saber o que o escri-tório espera de você. Não é pelo dinheiro, você tem que estar realmente convencido do que quer. Da mesma for-ma, se a pessoa quiser ser um promotor ou um juiz, ela tem que saber que precisará estu-dar muitas horas. Em resumo, não basta declarar uma inten-ção, é preciso fazer as escolhas e tomar as atitudes para atingir o seu objetivo. n

o advogado Alexandre Bertoldi, sócio gestor do Pinheiro neto

e s c r i t ó r i o

Biblioteca localizada no escritório de sP

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erre

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28 F ó r u m j u r í di co 29F ó r u m j u r í di co

j o s é e d U a r d o C a r d o z oP e r f i l

Ministér

ioda PUC ao

José Eduardo Cardozo:

LUis gUstaVo dias E aNa CaroLiNa di giaCoMo / Fotos: aLLEX FErrEira

o ministro da justiça, josé Eduardo cardozo

31F ó r u m j u r í di coF ó r u m j u r í di co30

j o s é e d U a r d o C a r d o z oP e r f i l

munDo polÍTico

Como é sua rotina de Minis-tro da Justiça?Minha rotina é não ter rotina. Tenho saído muito tarde do Ministério. Houve dia em que saímos às duas e meia da ma-nhã, onze horas, meia-noite. E é normal que seja assim, por-que tratamos de muitos assun-tos diferentes. O Ministério da Justiça é um dos ministérios mais curio-sos. É o primeiro ministério, e, portanto, possui atribuições residuais, o que nos leva a tra-tar de muitos assuntos diferen-tes em um mesmo dia. Parti-cipamos em todas as relações como o Poder Judiciário, do ponto de vista da nomeação de magistrados, do ponto de vista de política judicial, inovações legislativas etc. Temos “da Toga à Tanga”. A toga dos magistra-dos e a tanga na Funai.E isso é altamente complexo, temos assuntos cotidianos mui-to pesados. E tudo isso exige da

Temos desde

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de

Direito Econ

ômico até a

Secretaria N

acional de S

egurança Púb

lica

em um sistema como o nosso, em que o financiamento de campanhas é caríssimo.A obtenção de recursos em uma campanha para quem se pauta pela ética é cada vez mais constrangedora. Penso: “não é justo; estou me com-portando eticamente, com decência, faço uma campa-nha espartana dentro daquilo que existe” e sou tido muitas vezes como culpado até que provem o contrário?Uma vez minha filha me per-guntou se o nosso dinheiro era roubado. “Como rouba-do?” eu questionei. E ela me respondeu: “Não, papai, é que na escola estão dizendo que você é ladrão”. Na hora eu respondi: “Filha, você vê que eu trabalho, e que a sua mãe trabalha”. Eu sempre fui par-lamentar e sempre dei muitas aulas, muitas. Porque gosto e porque ganhava bem fazendo isso. Aí, de repente, você che-ga em uma fase da vida e fala “e ainda vão me chamar de ladrão?” É complicado. É o que eu digo, se o nosso sistema político não passar por uma reforma, ele não deixará de ser expulsório de pessoas que têm uma preocupação éti-ca. Por isso respeito, admiro e aplaudo as pessoas que perma-necem na política pensando como eu penso.

Um dos maiores enfoques da sua política é o combate ao tráfico de drogas. Por quê?Umas das preocupações que te-mos no Ministério da Justiça é a questão da segurança pública, que foi definida pela Presidente Dilma como o objetivo priori-tário do Governo no comba-te à violência, e ao tráfico de drogas. Esse é o eixo central em que temos que intervir.Sem sombra de dúvidas, o tráfico de drogas, além de ser uma mal em si, é um elemento gerador de violência. Por isso, temos de atacá-lo firmemente, e para isso é necessário que se desenvolvam políticas.Então, colocamos tudo isso como uma prioridade e já temos desenvolvido algumas políticas importantes: o plano de frontei-ras, que realizamos em paralelo ao Ministério da Defesa; o pla-no de modernização do sistema prisional brasileiro; e o plano na-cional de enfrentamento a dro-gas, que estamos fazendo junto com o Ministério da Saúde. Serão quatro bilhões investidos até 2014, que envolvem segu-rança pública e saúde pública. Temos também a campanha do desarmamento, que representa um ponto forte da nossa po-lítica de combate à violência, tendo sido feita esse ano com a arrecadação de mais de 35 mil armas, muitas das quais são de

É o que eu digo, se o nosso sistema político não passar por uma reforma, ele não deixará de ser expulsório de pessoas que têm uma preocupação ética.

‘parte do Ministro ou do Gabi-nete do Ministério uma atua-ção dedicada. Quase não se tem rotina, tanto que, pela primeira vez desde que comecei a dar aula na PUC (iniciei em 1982), tive que tirar licença. Perma-neço dando aulas no curso de especialização na Escola Paulis-ta de Direito (EPD) ou coor-denando. Isso porque, além da questão financeira, gosto de dar aulas e minha profissão é essa.

Por que não concorrer à ree-leição para o terceiro manda-to como Deputado Federal?Fiz uma carta para todos os meus eleitores dizendo que não disputaria eleição naque-le ano. Inclusive disse na carta que enalteço e aplaudo aque-les que, pensando como eu, partindo dos mesmos princí-pios, resolveram permanecer disputando eleições. Depois de dezesseis anos de parlamento e cinco eleições, eu não me sen-tia mais à vontade para dispu-tar um mandato proporcional

o ministro da Justiça, José Eduardo cardozo, é formado em direito pela Pontifícia uni-versidade Católica de são Pau-lo, onde é professor de direito Administrativo. Foi também na Pontifícia que ele iniciou sua carreira política e onde con-cluiu o mestrado. de 2003 a 2011 foi deputado federal pelo estado de são Paulo. desde 1º de janeiro de 2011, ocupa o cargo de ministro da Justiça.

SoBre o miniSTro

33F ó r u m j u r í di coF ó r u m j u r í di co32

j o s é e d U a r d o C a r d o z oP e r f i l

grosso calibre. Tudo isso, nessa perspectiva, de combate ao trá-fico de drogas.

Qual sua opinião sobre a po-lêmica do CNJ?Sou e sempre fui favorável a que todas as atividades funcio-nais, principalmente as ativida-des públicas, fossem fiscalizadas. Essa é uma premissa básica do Estado de Direito. É necessário que o Poder tenha limites. A ideia do limite ao poder não é fácil de ser estabelecida. E a fiscalização em relação aos atos de arbítrio, o abuso de poder, a essência desses limi-tes também não é fácil de ser estabelecida. Por isso acredito que todo órgão deva ser fis-calizado. As pessoas do mun-do público não podem temer serem fiscalizadas, porque isso é uma premissa da convivên-cia do Estado moderno. Essa é minha premissa.

Porque eu não tenho falado dessa questão do CNJ? Pois, como Ministro da Justiça, qualquer referência que faça, neste momento, implicaria uma intromissão de um agen-te do Poder Executivo no Po-der Judiciário. Então, por essa razão, para que não se qualifique nenhuma situação de intromissão do Poder Executivo em assuntos do Poder Judiciário, é que eu não tenho falado, nem posso falar sobre o caso concreto, sobre essa tensão que existe na relação entre o CNJ com entidade de classe da Magis-tratura ou com outros órgãos jurisdicionais.

O senhor é favorável à união estável homoafetiva?Sou absolutamente favorável ao reconhecimento da união estável homoafetiva. Temos que perceber que essas são

relações sociais que existem, e são totalmente normais. Os indivíduos não podem fechar os olhos para elas e fingir que não existem por conta de preconceitos e discrimi-nações. O reconhecimento jurídico dessas uniões é de suma relevância. Acredito ser de grande importância para a vida social moderna.Uma das coisas que mais me atinge como ser humano é o preconceito, não há sentimen-to nem postura pior do que ele. A palavra preconceito é muito rica. Ela fala em pré--conceito, conceito prévio, conceito que vem antes da constatação da realidade. E, por meio desse conceito pré-vio, pessoas não são tratadas como seres humanos, não são respeitadas em seus direitos, são violentadas em situações mínimas de convivência.Esse tipo de preconceito deve ser superado e uma forma de fazê-lo é justamente perceber que essas relações existem e que devem ter sua eficácia ju-rídica reconhecida, ou seja, isso, além de correto em si mesmo, tem um elemento pedagógi-co-social muito importante. Uma vez que induz as pessoas a perceberem que as relações humanas devem ser baseadas, no que diz respeito à liber-dade individual, naquilo que,

obviamente, o indivíduo bus-cou como sua orientação.

Como vai ser a questão fi-nanceira e de infraestrutura para a Copa?No Ministério da Justiça te-mos a Secretaria da Copa e também criamos a Secretaria Especial de Segurança para Grandes Eventos. Normal-mente, a política de segurança pública é feita pela Secretaria Nacional de Segurança Pú-blica, mas os grandes eventos (Copa do Mundo, Olimpí-adas, Rio mais 20, Copa das Confederações e a vinda do Papa) têm exigido uma es-pecial atenção.Especialmente a Copa do Mundo em 2014, porque exige muita infraes-trutura, aeroportos e uma sé-rie de questões que estão sen-do desenvolvidas pelas áreas específicas. Mas, da nossa par-te, há de ser garantida a segu-rança nos grandes eventos. Por

isso, temos um plano já fecha-do sobre a segurança nesses casos. O objetivo é dar uma excelente segurança na Copa de 2014, mas também deixar um legado, ou seja, deixar um ganho de segurança pública para a política comum.

Por que não foi feito isso no Pan?Esse é um dos grandes pro-blemas. Acho que na questão do Pan faltou uma amarração mais forte com o legado, em-bora muita coisa tenha fica-do. Por exemplo, o centro de Comando e Controle do Rio de Janeiro, que será um dos grandes centros de comando e controle que teremos na Copa do Mundo, já está montado, porque foi feito no Pan. Agora, a Copa do Mundo tem outra característica, são doze cidades-sede, com caracterís-ticas bastante diferenciadas.

Acredito que todo órgão deva ser fiscalizado. Porque isso é uma premissa da convivência do Estado moderno.

Uma das coisas que mais me atinge como ser humano é o preconceito, não há sentimento nem postura pior do que ele

35F ó r u m j u r í di coF ó r u m j u r í di co34

j o s é e d U a r d o C a r d o z oP e r f i l

Nós aprendemos com os er-ros e acertos do Pan, e vamos projetar a política para que, além de uma boa segurança, deixemos um legado para a segurança pública. Falou-se na possível suspen-são do CDC como exigência da FIFA. Qual a sua opinião sobre o assunto?Há uma série de exigências que acredito que devam ser analisadas com bastante cui-dado pelo Congresso Nacio-nal. Existem diversas exigên-cias, desde a criação de regras processuais próprias até ad-mitir a venda de bebidas nos estádios, que nossa legislação não permite. Há uma série de questões que estão sendo discutidas hoje no Congres-so Nacional. E algumas delas podemos aceitar. Mas também não podemos mudar toda nossa sistemática por causa de um evento, quando a sistemá-tica dá conta do recado.

O dinheiro dos “grandes eventos” poderia ser investi-do de outra maneira?O ganho é descomunal do ponto de vista turístico e de uma série de questões. Ou seja, a Copa do Mundo é um encontro esportivo com data marcada, que vai obrigar a fazer muitas obras que são necessárias não só para a Copa do Mun-do, mas também para a vida da sociedade. A questão da mobi-lidade urbana, a questão da se-gurança e uma série de outras questões serão promovidas com data marcada, obrigando União, Estados e Municípios a agirem juntos, o que acho extrema-mente positivo. Além de ser um evento es-portivo que divulga o país, que traz turismo, ele implica gastos que geram construções que ativam o mercado, mas, além disso, deixa um legado fantástico. Serão doze cida-des-sede que terão os centros de comando e controle. Isso

nos forçará, e já estamos pen-sando nisso, a colocar peque-nos centros de controle em outras cidades. Portanto, a Copa do Mundo é um evento com data marca-da, que nos obriga a seguir um cronograma que pode mudar hábitos, que pode mudar roti-nas, que pode trazer um resul-tado não apenas bom para os eventos, mas bom para o país. Acredito que esses eventos es-portivos são muito bem-vindos. E, com isso, acabamos deixando um pouquinho as disputas po-líticas para as horas das eleições, porque senão ninguém sobre-vive do ponto de vista dos pla-nos que devem ser feitos. Então, hoje você vê os gover-nadores preocupados com as obras; questões dos transpor-tes sendo enfrentadas em con-junto, coisas que não seriam feitas se não tivéssemos hora marcada para realizá-las. Temos um problema seríssi-mo nos aeroportos e o que

está mobilizando toda a ener-gia pra resolver é a Copa do Mundo. Claro que iríamos resolver o problema, mas sem-pre com aquelas desarticula-ções características. Agora, temos que ter aeropor-to até 2014. Tem que estar re-solvido, não tem meio termo. Então, isso é extremamente interessante do ponto de vista do desenvolvimento de polí-ticas públicas.

Não seria melhor investir em educação?Temos que enfrentar a situação da educação. Uma coisa não desobriga a outra. Quando se gera emprego, renda, ativa-se a roda da economia do país e isso reflete também em impos-tos e em uma série de situa-ções que vamos desenvolver. Educação é fundamental, mas não se pode perder de vista ou-tros lados, outras políticas que também devem ser desenvol-vidas. Deve-se enfrentar todas: saúde, segurança pública, en-tre outras. Por exemplo, nesses eventos internacionais, o Brasil vai ter um despertar político impressionante, que nunca teve. Veja o Rio de Janeiro. Ele foi, em certa medida, transforma-do pelo Pan. Será transforma-do pela Copa do Mundo. No que se refere ao investimento em turismo, temos um inves-

timento irrisório perto do que países europeus realizam. E podemos oferecer um turis-mo maravilhoso. Com os grandes eventos so-mos obrigados a investir em infraestrutura hoteleira, infra-estrutura turística, em aprendi-zado de línguas. Há uma série de questões que são motivadas. Governar significa enfrentar muitos problemas ao mesmo tempo e conseguir dar conta do recado de todos. Essa é a grande questão.

O Brasil está em uma era de grande expansão econômica. O Judiciário tem acompa-nhado o crescimento do país?Nossa estrutura judicial - isso não é culpa dos juízes, é culpa de todo mundo – está muito aquém das nossas necessida-des. O Judiciário ainda é mo-roso, ainda é lento, e há uma série de questões que preci-sam ser enfrentadas. Ainda te-mos processos que são costu-rados com a mesma linha ou algo muito próximo com que Pero Vaz de Caminha amar-rou a Carta e mandou para o rei em Portugal. É inacreditável que, enquan-to você faz saques bancários pela internet, o cliente tem que ir lá pegar autos todos amarrados com uma linha e pegar um carrinho de su-

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A Copa do Mundo é um encontro esportivo com data marcada, que vai obrigar a fazer muitas obras que são necessárias não só para a Copa do Mundo, mas também para a vida da sociedade.

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permercado para transpor-tar os processos. Quer dizer, são coisas inacreditáveis que ainda existem. Estamos mui-to atrasados. Falta muito. A reforma do judiciário é uma reforma que está muito atra-sada, embora tenha andado muito nos últimos tempos.

munDo puc

Resuma a PUC em uma frase:“A PUC fez e faz a minha vida.”Entrei na PUC em 1977, ano em que foi invadida pelas for-ças militares. Havia um ato na porta do TUCA – de que eu não participei, porque eu ti-nha uma prova um dia depois, e também pelo receio. No dia seguinte, quando cheguei à faculdade para fazer a prova, a PUC estava totalmente cer-cada por carros blindados e tropas e as aulas tinham sido suspensas. Quando finalmente entrei na Universidade, vários amigos meus tinham sido pre-sos, o presidente do CA tinha sido enquadrado na Lei de Se-gurança Nacional, e as salas de aulas, a biblioteca e o CA ha-viam sido destruídos. Todo mundo na vida, por mais medo que tenha das coisas, chega num ponto em que não pode ficar quieto. O episódio da ditadura me conduziu ao

movimento estudantil. E isso, de certa forma, fez a minha vida e ainda faz. Eu tenho um lado acadêmico, sou professor, gosto de dar aulas, gosto de es-crever, de estudar, de fazer pa-receres, de produzir textos ju-rídicos. Isso faz parte da minha essência, mas se soma ao lado da política. Então, aquilo me fez ir para a atividade política. Me tornei vereador, depois de-putado. Hoje ministro. Na realidade, a minha vida tem dois lados: o lado acadêmico e o lado político, e foi isso o que a PUC me proporcionou. Seguramente eu não seria a mesma pessoa se não tivesse entrado na PUC, minha vida certamente teria tomado um rumo diferente. Mas, ainda, a PUC me trouxe um outro diferencial que, em geral, os outros cursos não fornecem: o pensamento crítico. Especialmente para quem faz direito, nós estamos muito habituados a pensá-lo como lei, como dogma, é algo mui-to prevalecente em nossa formação. A PUC me trou-xe a ideia da análise crítica do pensamento jurídico, isto é, pensar nos valores e prin-cípios que estão além da lei. Debater a ideia de justiça, de ética, de transformação. O curso que tive na PUC não foi convencional e restrito, e

sim amplo e com preocupação crítica. Embora eu tenha estu-dado e compreendido a dog-mática jurídica, sem sombra de dúvida, a preocupação crítica foi mais importante até do que se eu tivesse só estudado ou só aprendido a refletir o direito sobre o mundo da dogmática. A PUC me fez o que eu sou.Se eu tivesse que refazer situa- ções da minha vida, muitas eu refaria, mas ter entrado na PUC, não. Eu não mudaria um milímetro da oportunida-de que a vida me deu ao cursar essa universidade.

Os alunos da PUC são mais politizados?Todo mundo se adapta um pouco ao meio em que está. Às vezes você pode encon-trar pessoas muito críticas que quando entram em uma universidade são totalmente castradas em sua perspecti-va, seja porque têm relações autoritárias com professores,

seja porque a metodologia transforma o aluno em obje-to e o professor em sujeito. Por outro lado, existem pes-soas que são muito reprimi-das e quando entram em am-bientes que lhes permitem desenvolver a dimensão críti-ca de seu ser se desenvolvem, desabrocham em uma pers-pectiva do pensamento não paralisado, do pensamento não “ensimesmado”. As pessoas, por oportunidade de vida, chegam à universida-de das formas mais diferentes possíveis, mas a PUC propor-ciona o espaço de relação e reflexão livres. É evidente que há professores que são mais autoritários e outros menos, mas o espírito da PUC é de grande liberdade. A distância entre professor e aluno não é um abismo, como ocorre em outras instituições de ensino; o professor vive um clima bas-tante diferenciado. No fundo, ninguém ensina ninguém.

O fato é que os professores já percorreram um caminho de conhecimento prévio e são orientadores e semeadores daqueles que vêm depois. A relação entre professor e alu-no não pode ser uma relação, como meu querido professor e amigo, o saudoso Paulo Frei-re, dizia: da “educação bancá-ria”. Esse modo de educar faz com que o professor entre na sala de aula, deposite o conhe-cimento no aluno e, no final do bimestre, faça o saque por meio de uma prova. Às vezes vem sem fundos. Essa relação da educação bancária pressu-põe um sujeito e um objeto, que é a pior das formas de re-lacionamento pedagógico. O aluno é um sujeito tanto quanto o professor. Eles têm de se inteirar em pé de igual-dade, com respeito mútuo, cada um no seu papel. E a PUC permite muito a cons-trução dessa relação pedagó-gica livre e crítica.

Mas, ainda, a PUC me trouxe um outro diferencial que, em geral, os outros cursos não

fornecem: o pensamento crítico

A PUC fez e faz a minha vida. Entrei na PUC em 1977, ano em que foi invadida pelas forças militares.

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pessoa se não estivesse lá. Não desenvolveria minhas atividades ao longo do tempo, seja de pro-fessor, seja de advogado, seja a de estudioso de Direito, seja de parlamentar, seja de Ministro. Nenhuma delas eu desenvolve-ria da mesma forma se eu não tivesse tido essa experiência.

Com base na sua experiên-cia, qual a sua recomendação para um aluno da PUC-SP?Viva intensamente a sua uni-versidade. Eu não me arrepen-do disso, eu vivi intensamente a PUC. No fundo, fiz um ex-celente curso, estudava muito,

fui o melhor aluno da minha turma em notas. Ganhei o prêmio Faculdade Paulista de Direito na época. E, ao mes-mo tempo, vivia intensamente a vida política da universidade. Durante muitos anos na PUC eu dei aula de Filosofia do Di-reito. Essa experiência me fez pensar, foi muito rica. Então o conselho que eu dou e de que não me arrependo é: viva a PUC. Eu vivi intensamente a universidade, praticamente morei nela. E isso foi extre-mamente enriquecedor. Se há uma coisa de que eu sinto sau-dade é desse tempo. n

Recebi verdadeiras lições de vida na periferia de São Paulo. E algumas delas não saem mais da minha mente.

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Existe um momento ideal para estagiar?Depende de cada um. Eu co-mecei no primeiro ano na pe-riferia de São Paulo e fiquei os cinco anos nessa atividade. Co-mecei a fazer estágio em um escritório de advocacia no meu segundo ano, mas fiquei apenas alguns meses, porque me elegi presidente do CA 22 de Agosto, e tive que sair, já que os horá-rios eram incompatíveis. Mais tarde, no meu quarto ano, fui estagiário da Prefeitura de São Paulo, o que me levou a fazer concurso da Procuradoria do Município, onde entrei logo após ter me formado. Acredito que o estágio é mui-to importante, mas sem privar dos estudos da faculdade, caso contrário, estagiar no primeiro ano torna-se irrelevante.Contudo, se você conseguir combinar a perspectiva de cres-cer profissionalmente e apren-der, então torna-se conveniente.Isso depende muito de cada um, mas, evidentemente, no

quarto ano você tem que esta-giar. Se o aluno começar an-tes, vai depender muito dele.

Como seu trabalho social na universidade influiu no seu cargo?Muito. Não seria a mesma pessoa se não tivesse vivido essa experiência. Isso influiu diretamente na minha condi-ção de Ministro, e de deputa-do, de vereador.É engraçado, quando vamos na periferia, achamos que vamos ensinar alguma coisa. Mas não, acabamos sempre aprendendo. Recebi verdadeiras lições de vida na periferia de São Paulo. E algumas delas não saem mais da minha mente. Você vê pes-soas com simplicidade, sem ter o mesmo meio de instrução formal que você tem, te dando verdadeiras aulas de vida. Isso não se perde. Aulas de vida são aquelas que você não es-quece, porque você é testado pelas provas da vida diariamen-te. E eu digo: não seria a mesma

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Um novo direito

reconhecido como um dos grandes nomes da área, ulhoa busca consertar as imperfeições da legislação empresarial brasileira

ComercialFiLiPE FaCChiNi E otáVio brEssaN / Fotos: aLEX FErrEira

Atualmente, não há como se pensar em direito comercial brasileiro sem nos lembrarmos de Fábio Ulhoa Coelho. Pro-fessor Titular de Direito Comercial da Pontifícia Universida-de Católica de São Paulo (PUC-SP), livre-docente, advogado e parecerista. Com apenas um de seus livros, o Manual de Di-reito Comercial, editado pela Saraiva, alcançou, no final de 2011, o volume total de vendas de 314.559 unidades. Formado na PUC-SP em 1981, iniciou a sua trajetória em 1982, como assistente nas disciplinas de Direito Comercial e Filosofia do Direito na própria Pontifícia. Feita a opção de se dedicar ao Direito Comercial, concluiu o seu mestrado, doutorado e livre-docência na mesma faculdade. No cenário atual do Direito Comercial Brasileiro, tem a honra de ter a sua minuta do novo Código Comercial utilizada como anteprojeto para a lei. Ulhoa Coelho ocupa lugar de destaque, sendo recorren-temente procurado para esclarecer as controvérsias e demais questões atuais que se relacionam ao cotidiano jurídico de uma empresa. Tido hoje como referência, esse ilustre ícone da PUC-SP, com a didática que lhe é particular, respondeu a algumas perguntas, que vêm a seguir, sobre sua carreira bem como sobre as mais atuais e controversas questões do Direito Comercial. Suas palavras são uma verdadeira aula.

Fábio ulhoa coelho: professor titular de direito comercial da PuC-sP

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O que levou o senhor a tor-nar-se doutrinador?Eu sempre tive um lado ligado a comunicações e, por isso, sem-pre pensei em me dedicar à car-reira acadêmica, em me tornar professor. Eu não consigo ver a atividade docente separada da atividade de pesquisa e, sendo professor universitário, tenho que pesquisar constantemen-te e as pesquisas naturalmente levam à produção de textos, li-vros e artigos, que servem para divulgar o que o pesquisador está refletindo e descobrindo. São coisas indissociáveis e desde sempre eu pensei que era isso que eu gostaria de fazer.

Uma de suas obras – O Fu-turo do Direito Comercial – é utilizada como minuta para o projeto do novo Código Comercial. Como o senhor se sente a respeito?Eu estou bastante animado com tudo o que está aconte-cendo. No final de 2010, pu-bliquei esse livro como uma minuta de como eu entendia que seria o melhor código co-mercial para o Brasil, mas não tinha ideia de que ele seria ca-paz de desencadear o proces-so que desencadeou. Imaginei que seria uma contribuição

acadêmica a mais e que, um dia ou outro, quando alguém fosse, eventualmente, estudar certo assunto, poderia ilustrar com a informação que um autor, em um determinado momento, sugeriu certa solução legisla-tiva para aquele problema. Eu imaginei que a contribuição que o livro daria seria apenas essa: uma contribuição acadê-mica. Não é o que está acon-tecendo: a minuta aperfeiçoa-da se transformou em projeto de lei e o debate nacional se instalou sobre se é o caso de termos, ou não, um novo Có-digo Comercial e qual código comercial seria esse. Foi, por-tanto, muito além das minhas expectativas o que ocorreu em decorrência do livro. Algo que escrevi para uma função me-

ramente acadêmica e desenca-deia um debate nacional muito profícuo é algo que me deixa muito feliz.

Por que o senhor acha, para a realidade brasileira, que a criação de um novo Código Comercial é importante?Nós precisamos de uma lei que valorize a empresa. Nós temos leis que valorizam o consumidor, o trabalhador, entre outros agentes econô-micos, mas a empresa não tem uma lei de valorização. A or-dem jurídica precisa valorizar a empresa por diversas razões. A primeira razão é para que ela possa cumprir sua função social, ou seja, gerar empregos, tributos, atender as necessida-des dos consumidores, apoiar a comunidade em que ela está instalada com iniciativas cultu-rais e sociais. Só uma empresa forte e lucrativa pode cumprir sua função social. Se estiver faltando dinheiro para a em-presa fazer seus investimentos, se ela não estiver conseguindo realizar satisfatoriamente nem mesmo sua função econômica – que é produzir e vender bens e serviços –, ela não terá como cumprir sua função social. Mas não é só isso, precisamos

valorizar a empresa no Brasil para atrair novos investimen-tos. Com a globalização, o in-vestidor e o empresário têm o mundo todo para investir, ou seja, os países competem pelo investidor. O Brasil pode competir melhor pelo inves-tidor se tivermos uma ordem jurídica que crie um ambiente favorável aos negócios. A or-dem jurídica que temos hoje não tem sido um bom instru-mento nessa competição pe-los investimentos.Uma terceira razão, bem ligada a essa segunda, é para reter o investimento. O brasileiro hoje, se não tiver segurança jurídica para fazer o seu investimen-to aqui, facilmente vai investir em outro lugar. Quem acaba tendo problemas com a defici-ência na atração e retenção de investimentos é quem depende da economia funcionando bem para trabalhar e viver. E a quarta razão pela qual a gente precisa de um novo Có-digo Comercial está relaciona-da aos preços dos produtos e serviços que consumimos aqui no Brasil. Muitos colocam a culpa na carga tributária, mas diversas reportagens mostraram que o mesmo veículo vendido no exterior e no Brasil, des-

considerando os impostos, aqui continua mais caro. Fala-se que seria o “Custo Brasil”, isto é, as dificuldades de nossa infraes-trutura, que contribui para esse encarecimento, mas não é toda a explicação. Muitas vezes te-mos o mesmo serviço, utilizan-do a mesma estrutura e, se você compra o serviço aqui, você paga mais caro do que pagaria se comprasse no exterior. Passa-gens de transportes aéreos, por exemplo. Utilizando o mesmo avião, o mesmo voo, dois passa-geiros sentados um ao lado do outro. Aquele que comprou a passagem no Brasil pagou 25% mais caro do que aquele que comprou a passagem lá fora, mas é a mesma infraestrutura.Alguns dizem que o que ex-plica essa diferença de preço é o “Lucro Brasil”, que nós es-taríamos sustentando as crises dos países centrais, ou seja, é caro aqui para gerar lucro para as matrizes que estão falidas nos Estados Unidos e Europa. Essa explicação também não convence. Primeiro porque os preços são mais caros no Brasil desde antes da crise de 2008, segundo que, se fosse para aju-dar, o mais lógico seria reduzir os preços, aumentar as vendas e gerar mais lucros.

capa do livro O Futuro do Direito Comercial (ed. saraiva, 2011)

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Nós precisamos de uma lei que valorize a empresa. Nós temos leis que valorizam o consumidor, o trabalhador, entre outros agentes econômicos, mas a empresa não tem uma lei de valorização.

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Então, na verdade, por que os produtos ou serviços são mais caros no Brasil do que exterior? É uma questão muito fácil de entender, todo empresário pen-sa da seguinte forma: “O meu retorno tem que ser propor-cional ao meu risco”, ou seja, quanto maior o risco, maior o retorno. Então se eu, como empresário, estou fazendo ne-gócio em um país que possui risco jurídico, eu tenho que ter um retorno maior do meu in-vestimento para que o meu lu-cro não seja comprometido por decisões que se afastam da letra da lei. É esse risco jurídico que o novo Código Comercial vai ajudar a reduzir e que, portanto, possibilitará que os empresários invistam aqui no Brasil atrás de retornos menores e praticando preços mais baixos pelos pro-dutos ou serviços.

O projeto tem como uma de suas bases a formalização dos princípios gerais do Direito Comercial. Isso não poderia gerar um engessamento do Direito Comercial?Não. Essa é uma crítica que também foi feita: que o Direito Comercial, sendo um ramo tão dinâmico, não poderia hoje ser codificado. A codificação po-

deria gerar um engessamento. Essa crítica é infundada, porque o processo legislativo, para mu-dar qualquer norma legal, é ri-gorosamente o mesmo, estando a norma em um código ou em uma lei ordinária. Estando em um ou outro e sendo necessá-rio mudar porque a dinâmica dos negócios está exigindo que mude, o processo legislativo será igual; não haverá mais dificulda-de de ajustar a norma à realidade porque ela está em um código e não em uma lei não codificada.

O senhor acredita que a ela-boração do novo Código Co-mercial pode ajudar o contí-nuo crescimento do Brasil?Sem dúvida nenhuma. Eu te-nho uma reflexão marxista so-bre como funciona a socieda-de. Eu acho que, com ou sem o novo Código Comercial, o Direito Comercial brasileiro vai mudar por força da reali-dade econômica diferente que nós estamos vivendo. Com o novo Código Comercial essa mudança será mais rápida e benéfica para todos nós, será uma mudança sob controle, uma mudança administrada. Sem o Código Comercial essa mudança ocorrerá em um prazo maior, a um custo

maior, com mais incertezas. O Brasil está inegavelmente reposicionado na economia global e isso demanda um novo Direito Comercial, de modo que o novo Código Comercial ajude a atender as exigências da economia.

Nós falamos sobre o cresci-mento econômico do Bra-sil. O senhor entende que o Judiciário também está acompanhando esse desen-volvimento?Sem dúvida. Coisas importan-tíssimas estão acontecendo no âmbito do Poder Judiciário. Em primeiro lugar, eu citaria a criação das Câmaras de Direito Empresarial aqui no Tribunal de Justiça de São Paulo, ou seja, uma especialização no plano do Tri-bunal de Justiça sobre a matéria de Direito Comercial. A criação das Câmaras foi um passo ex-tremamente importante dado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, capaz de gerar um mode-lo que pode, eventualmente, ser transposto para outros tribunais. Mas não é só isso. No ano de 2011 o STJ realizou o primei-ro curso voltado exclusivamente ao Direito Comercial para ma-gistrados. O juiz está buscando informações porque ele precisa

conhecer essa realidade específi-ca da relação entre as empresas; saber que essa relação não obe-dece à mesma lógica da relação do consumidor, com a qual ele está habituado, familiarizado; até por ser um consumidor. Haverá também outras novi-dades animadoras em 2012 em relação ao Direito Comercial. Aguardem, pois haverá inicia-tivas interessantes em torno da revitalização do Direito Co-mercial, neste ano.

Alguns críticos do Códi-go alegam que bastaria uma adequação das leis existentes. Por que o senhor entende ser melhor um novo código?O Direito Comercial está su-jeito a princípios próprios, que não são os princípios do Direi-to Civil. E uma das dificuldades para o Direito Comercial bra-sileiro cumprir sua função de criar um ambiente favorável aos negócios está exatamente nessa unificação legislativa. Ela não é uma solução universal, porque não são todos os países que ado-tam o critério de organização do direito privado positivo. Isso porque ele impede a adequada sistematização da disciplina, da-quelas regras que são específicas da relação entre os empresários.

O Código Comercial não vai mudar nenhuma disposição do Código de Defesa do Consu-midor; ele não vai revogar ne-nhum direito trabalhista, assim como não vai reduzir a respon-sabilidade dos empresários pela preservação do meio ambiente, nem os deveres deles quanto às matérias de competência do CADE – infrações da ordem econômica – ou mesmo às obrigações tributárias.O Código Comercial vai tratar exclusivamente da relação entre duas empresas. Seus temas são os contratos empresariais, os con-tratos de fornecimento de in-sumos, de distribuição de mer-cadorias, os títulos de crédito, a formação da sociedade, a crise da empresa, as obrigações entre os empresários. A relação entre empresas é uma relação muito particular. Hoje vemos alguns juízes julgando relações entre empresários a partir da lógica do Código de Defesa do Consumi-dor. Há exceções, mas normal-mente a maioria dos magistrados tem como única experiência na economia a experiência pessoal como consumidor. Um Códi-go Comercial autônomo ajuda a fomentar a lógica própria da relação empresarial, para que, quando o juiz julgar essas ques-

Um Código Comercial autônomo ajuda a fomentar a lógica própria da relação empresarial, para que, quando o juiz julgar essas questões, esteja ciente de suas características e peculiaridades.

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tões relativas a essa matéria, es-teja ciente de suas características, suas peculiaridades.

Em muitos aspectos a atual legislação está defasada e é burocrática; por exemplo, a legislação sobre títulos de crédito e sociedades limita-das. O novo Código Comer-cial busca alterar algumas das disposições existentes?Sem dúvida. Falemos primeiro dos títulos de crédito; o Brasil é hoje o único país no mun-do em que temos dois regimes cambiários diferentes: o regime da Lei Uniforme de Genebra,

aplicável a todos os títulos até 2003, e o do Código Civil, que se aplica aos títulos criados por lei depois de sua entrada em vigor. Os dois regimes têm di-ferenças substanciais: por exem-plo, a questão da responsabili-dade do endossante - pela Lei Uniforme de Genebra a solu-ção é uma, pelo Código Civil a solução é outra. Para que essa complexidade? Por que temos dois regimes diferentes para os títulos de crédito? Não faz sen-tido, só torna mais difícil a apli-cação do direito. A sociedade limitada no Có-digo Civil se tornou uma so-

ciedade muito complexa e bu-rocrática, desnecessariamente burocrática. Ela é normalmente a sociedade utilizada pela pe-quena empresa, pela média em-presa; não tem por que a socie-dade limitada estar sujeita a um regime tão complexo como está hoje. No novo Código Comercial a sociedade limitada volta a ter um regime bastan-te simples, que era basicamente a disciplina que havia antes de 2003, antes do Código Civil passar a burocratizar, indevida-mente, esse tipo societário.

Um outro receio que alguns juristas possuem em relação ao novo Código Comercial é a possível alteração da Lei 6.404, que regula as socieda-des por ações. Como o novo Código vai tratar o instituto das S.A.?Na minha minuta, estava pre-vista a atribuição de um poder muito maior para a Comissão de Valores Mobiliários discipli-nar a Sociedade Anônima de capital aberto. No meu modo de ver, a Lei deveria tratar da Sociedade Anônima fechada e a CVM, por meio de instru-ções e orientações dinâmicas, trataria da Sociedade Anônima aberta. Essa proposta, contu-

do, não foi bem recebida pe-los profissionais que atuam no mercado de capitais. Achavam que a CVM não estaria prepa-rada para esse novo papel. Ade-mais, eles tinham o receio de que estaríamos mexendo inde-vidamente em algo que fun-ciona bem – e isso é verdade, o nosso mercado de capitais está funcionando muito bem. Do debate que se instaurou de-pois do lançamento da ideia do novo Código Comercial, po-demos dizer, hoje, que temos já um consenso: o novo Código Comercial não pode, em hipó-tese alguma, atrapalhar o mer-cado de Valores Mobiliários. Dessa forma, em vista do con-senso construído, o projeto de Código Comercial não incor-porou a minha sugestão de am-pliação do poder da CVM, mas trouxe alguns dispositivos sobre Sociedade Anônima, que, no meu modo de ver, não mudam a disciplina dessas sociedades, porque tratam de aspectos não regulados na Lei das S.A. Mes-mo esses poucos dispositivos, porém, têm despertado preo-cupação entre os profissionais da área – se poderiam interferir negativamente, ou não, no mer-cado de capitais. A minha posi-ção sobre isso é muito clara: já

há consenso de que o Código Comercial não pode atrapalhar esse setor da economia; assim, se há qualquer coisa no proje-to do Código Comercial que, eventualmente, pode pôr em risco o setor econômico que está funcionando bem, vamos tirar. O projeto está em trami-tação exatamente para que seja aperfeiçoado, retirando o que deve ser retirado e acrescen-tando o que deve ser acrescido. Se realmente até mesmo esses poucos dispositivos do Có-digo Comercial que falam da S.A. oferecem algum risco de tumultuar o mercado de capi-tais, vamos eliminá-los; é uma discussão a fazer no âmbito do Congresso Nacional.

O Senhor comentou anterior-mente que alguns países não adotam um código comercial. Por que o senhor acredita que eles não optaram pela unifi-cação do Direito Comercial?Cada país tem a sua histó-ria e sua própria necessidade. Nós aqui no Brasil gostamos de copiar os outros, enquan-to os outros países gostam de encontrar seus próprios cami-nhos. O Brasil não tem que ficar copiando a experiência dos outros. O Brasil, como está

No novo Código Comercial a sociedade limitada volta a ter um regime bastante simples, que era basicamente a disciplina que havia antes de 2003.

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vivendo um novo momento econômico riquíssimo, deixa de ser só um importador de teorias jurídicas, e passa a ser um formulador e exportador de teorias jurídicas. É um as-pecto desse reposicionamento na economia. Um exemplo é o conceito de título de crédito que o novo Código Comercial traz. O conceito de título de crédito atual – de Vivante –não se aplica à realidade hoje, porque os títulos são todos eletrônicos; não existe mais título de crédito em papel. Se nós formos pensar no conceito vivanteano, ele menciona um “documento necessário para o exercício do direito”; mas como falar de um documen-to necessário quando estamos tratando de arquivos eletrôni-cos? Precisamos de uma nova teoria dos títulos de crédito. Não que a teoria de Vivante esteja errada; ela foi apropria-da durante muito tempo; mas agora temos outra realidade a disciplinar e precisamos de outra teoria. Por isso, uma das propostas do novo Códi-go Comercial é trazer novo conceito para os títulos de crédito, que não existe ainda em nenhum lugar do mundo; depois, poderemos exportá-lo.

Em janeiro deste ano come-çou a viger a Lei nº 12.441, que instituiu a Empresa In-dividual de Responsabilida-de Limitada. Qual a opinião do senhor a respeito desse instituto?Veja, a eireli é o resultado de uma solução de compro-misso. O ideal teria sido uma clara referência na lei da so-ciedade unipessoal, ou seja, uma sociedade constituída por uma única pessoa; mas essa clara referência esbarra-va em dois problemas. Pri-meiro, algo que eu chamaria de preconceito em relação à sociedade unipessoal. É pos-sível, quando se trata de um contrato de sociedade, haver apenas um único contratante; isso está mais do que assente em todos os direitos. No Bra-sil havia essa resistência à fi-gura da sociedade unipessoal. O segundo problema era cer-ta resistência por parte do fisco – essa resistência ficou atenuada nos últimos anos, mas durante muito tempo era o fator político que impedia a adoção da chamada “solução societária”, para a limitação da responsabilidade do em-presário. O fisco temia que a sociedade unipessoal pudesse,

de alguma forma, prejudicar a arrecadação. Então, o passo da eireli foi importante, mas teve que ser um passo cuida-doso, que, sem dúvida, abre as portas para a solução tecnica-mente mais adequada, que é a da sociedade unipessoal.No novo Código Comercial há a previsão de que a Socie-dade Limitada pode ser cons-tituída por um ou mais sócios.

Na sua opinião, o fato de estar estipulado capital so-cial mínimo integraliza-do para a constituição da eireli não vai acabar afas-tando algumas pessoas do benefício de constituir uma eireli?Sim. Esse valor mínimo não dá para entender. Corre, in-clusive, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade relati-vamente a essa parte do art. 980-A do Código Civil, pe-rante o Supremo Tribunal Federal. Creio que não há justificativa e me parece de constitucionalidade duvidosa essa limitação. Realmente, o resultado é esse, impede que pessoas que poderiam estar se beneficiando da eireli se be-neficiem devido ao valor mí-nimo do capital.

A PUC possuía a fama de ser muito voltada para as áreas de direito público, sem dar prioridade para as áreas de direito privado. Como o senhor vê essa situação hoje?Quando eu era estudante, na década de 1970, a PUC ti-nha fama de ser boa apenas no Direito Público: Direito Constitucional, Tributário e Administrativo. De fato, gran-des nomes da PUC nessa área se destacavam naquele tempo: Geraldo Ataliba, Celso Bastos, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Celso Antonio Ban-deira de Mello, Michel Temer e outros. O Direito Privado não possuía, no tempo em que eu era estudante, a mes-ma fama. Havia clara injusti-ça nesse ponto, porque nosso corpo docente era integrado também por grandes nomes do Direito Privado, como Maria Helena Diniz, Carlos Alberto Bittar, Carlos Alber-to Ferriani, Ronaldo Porto Macedo e outros. Mas, sabe como é, a fama nem sempre é justa. Na minha opinião, ao longo dos anos isso se alterou de modo significativo. Hoje, a PUC é reconhecida também como centro de referência no campo do Direito Priva-

do e, especialmente, no Di-reito Comercial. Temos dado uma contribuição bastante relevante, própria e singular para o desenvolvimento des-se ramo jurídico. Podemos dizer que, no processo atual de revitalização do Direito Comercial no Brasil, a PUC é uma das instituições que está à frente.

Qual o senhor entende que é o conceito que os alunos do Direito PUC têm no mercado hoje?Eu acho que é muito bom. Os escritórios de advocacia privi-legiam, entre as faculdades que se destacam como melhores, a da PUC. A diferença do tem-po em que eu era estudante diz respeito à competição, bem menos acirrada. Naquele tem-po, os escritórios de advocacia davam preferência a alunos de duas instituições; com o passar dos anos, outras instituições de qualidade apareceram e, hoje em dia, os escritórios preferem estagiários de quatro ou cinco instituições. Aumentou a con-corrência, mas a PUC conti-nua sendo uma das escolas que os escritórios de advocacia em geral destacam, na hora de se-lecionar seus estagiários. n

A eireli é o resultado de uma solução de compromisso. O ideal teria sido uma clara referência na lei da sociedade unipessoal, ou seja, uma sociedade constituída por uma única pessoa.

F á b i o U l h o a C o e l h oe n t r e v i s t a

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em expansãomercado

m e r C a d o F i n a n C e i r o e d e C a P i t a i sá r e a s d o d i r e i t o

Há tempos, na cultura nacional, o advogado deixou de ser apenas o profissional buscado nos momentos de conflito. Com o crescimen-to da economia brasileira as empresas buscam novas formas de capi-talização, que, devido às suas formas sofisticadas, exigem a presença de um profissional do direito qualificado para prestar consultoria.

A captação de recursos para uma empresa não se limita mais a empréstimos e financiamentos contratados com o gerente de uma instituição financeira. Agora, a emissão de debêntures, a se-curitização de recebíveis e outros mecanismos fazem parte do cotidiano de empresas de grande e médio porte.

A economia aquecida, em ampla expansão, traz formas mais sofisticadas de investimentos, gerando a extrema necessidade de um advogado conhecedor

das áreas de mercado financeiro e de capitais

otáVio brEssaN E raqUEL soUFEN

Fachada da Bovespa, no centro de são Paulo

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se baseia em operações nas quais participam o detentor de um recurso, um beneficiário e um intermediário que desen-volve os meios para que o be-neficiário receba tais recursos em troca de uma remuneração.

A captação dos recursos é intensamente regulada pelos órgãos competentes, e é um dos papéis do profissional do direito atuar e auxiliar o cum-primento de tal regulamenta-ção. Essa fase se opera, basica-mente, por documentos como CDBs e Letras Financeiras, que trazem o recurso ao emis-sor em troca do pagamento de um valor estabelecido deter-minado ou determinável, tudo isso devidamente formalizado por um instrumento jurídico. Na outra ponta, temos a rea-

lização do negócio com o tomador final, isto é, o

cliente, que recebe o recurso conforme as

regras definidas em um contrato espe-cífico para cada situação.

Em todos os casos, há que ser feito um desen-volvimento cri-terioso e específi-

co do instrumento jurídico adequado

para a operação, tendo em vista cumprir as normas aplicáveis e tornar o negócio seguro tanto para o agente financeiro, quan-to para o tomador final do pro-duto financeiro. Como exem-plos mais clássicos, citaríamos os financiamentos e emprésti-mos, nos quais o cliente recebe um montante em dinheiro de um agente financeiro, que será remunerado no futuro com o pagamento pelo cliente à ins-tituição financeira do valor to-mado acrescido de juros.

Nesse momento, é impor-tantíssima a participação de um profissional do direito capacitado a atender as de-mandas. Destaque-se que tais recursos podem se destinar aos mais variados fins, como o financiamento para a com-pra de um automóvel por uma pessoa comum, ou ainda, para a construção de uma relevante hidrelétrica com incentivos do governo, a qual gerará riquezas para o país como um todo.

Como inicialmente propos-to, faremos agora a distinção entre mercado financeiro e mercado de capitais.

O mercado de capitais visa ao financiamento das ativida-des econômicas de maneira se-gura, evitando riscos de liqui-dez, operacionais e de mercado,

um banco de investimento que atue nos procedimentos e trâmites necessários para a re-alização do negócio. Essa atu-ação ocorre nas atividades de escrituração e custódia dos tí-tulos emitidos, na sua emissão (garantindo a idoneidade e o respeito às normas), no finan-ciamento e na estruturação das operações. Do ponto de vista jurídico, há a necessidade da organização contratual para tais procedimentos que devem englobar desde a prestação dos serviços pertinentes até o cum-primento da regulamentação.

É clássico e atual o exem-plo do IPO, do inglês Initial Public Offering, que, em nos-sos termos, significa a emissão primária das ações de uma so-

A maior parte dessas ope-rações dependem da figura de um advogado experiente, que não conheça somente a regu-lamentação específica, mas que também esteja ciente das con-dições e práticas do mercado. Esses profissionais atuam, prin-cipalmente, em duas frentes: o direito do mercado financeiro e o do mercado de capitais, que se tocam em diversos pontos, mas que por diversos aspectos são únicos.

mercaDo Financeiro

Do ponto de vista jurídico, o mercado financeiro,

grosso modo,

e prejuízos que as variáveis econômicas podem acarretar. No entanto, diferentemente do mercado financeiro, a rela-ção entre investidor e benefi-ciário do investimento ocorre de maneira direta. Isto é, o de-tentor do recurso o transfere ao beneficiário na forma de investimento direto, por meio da emissão de obrigações pri-márias, como, por exemplo, a emissão de ações e títulos de dívida, como as debêntures.

inTermeDiário neceSSário

Mesmo ocorrendo de ma-neira direta, na transferência do recurso, na maior parte das ve-zes, se faz necessária a presença de um intermediário, como

Bancada e painel no interior do prédio da Bovespa

m e r C a d o F i n a n C e i r o e d e C a P i t a i sá r e a s d o d i r e i t o

A captação dos recursos é intensamente

regulada pelos órgãos competentes, e é um dos papéis do profissional do

direito atuar e auxiliar o cumprimento de

tal regulamentação

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ciedade anôni-ma no mercado aberto. Nes-se processo estão englobados desde os intensos movimentos societários até os procedi-mentos de distribuição regu-lados, basicamente, pela Lei nº 6.404 e pelos atos normativos da Comissão de Valores Mobi-liários (CVM). Nesses proces-sos, cada vez mais frequentes entre as grandes companhias do país, participam advogados de escritórios e instituições financeiras e os procurado-res dos órgãos públicos, to-dos alinhados e tendo como objetivo o cumprimento da

tância social do mercado finan-ceiro para uma sociedade que visa ao desenvolvimento, como é o caso do Brasil.

De acordo com a Lei Federal nº 4.595/64, o Sistema Finan-ceiro Nacional é formado pelo Conselho Monetário Nacional, pelo Banco Central do Brasil, Banco do Brasil, Banco Nacio-nal do Desenvolvimento Eco-nômico e Social e pelas demais instituições financeiras privadas ou públicas. A cada um desses entes são reservadas funções e poderes para mover a econo-mia nacional diante do contex-to internacional, com base nos princípios constitucionais e de direito, visando ao desenvolvi-mento econômico e social.

O Conselho Monetário Na-cional (CMN) é um órgão ex-tremamente técnico que, diante da análise do mercado nacional e internacional, traça diretrizes para a economia e emite parece-res e normas com o objetivo de, por exemplo, zelar pela liquidez e solidez das instituições financei-ras, manter íntegra a economia nacional diante das oscilações internas e internacionais, con-trolar a emissão e circulação da moeda nacional e das interna-cionais. Enfim, esse instrumento fica responsável pela definição da política econômica nacional.

regulamentação e a garantia de seguran-ça da operação para todas as partes.

De acordo com a regulamentação e com a doutri-na, esse processo deve ser pautado pelos princípios da boa fé e da fun-ção social. Além

disso, há que se ob-servar o impacto eco-

nômico da operação e o respeito à livre e leal con-

corrência. Nesse sentido, as operações do mercado de capi-tais não são destinadas a formar o controle do mercado, mas se destinam a tornar as estruturas econômicas e produtivas mais aperfeiçoadas e a atender aos anseios de toda a sociedade.

SiSTema Financeiro nacional

Sobre os aspectos de nosso mercado financeiro, a Consti-tuição Federal, em seu art. 192, chega a falar da regulamenta-ção do “sistema financeiro na-cional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade”. É claro, portanto, o conceito e o reconhecimento da impor-

BancoS no cmn

O Banco Central do Brasil, ainda de acordo com a Lei nº 4.595, possui personalidade ju-rídica e patrimônios próprios e tem por incumbência cumprir o que lhe determina a legisla-ção vigente e os instrumentos normativos e legais apropriados emitidos pelo Conselho Mone-tário Nacional. Tem a capacida-de de emitir moeda e outros tí-tulos, controlar e supervisionar o fluxo de recursos nacionais e estrangeiros no país, receber e custodiar depósitos compulsó-rios (por força de normas com-petentes) efetuados pelas insti-tuições financeiras.

O Banco do Brasil e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) são instituições financeiras de caráter público, com partici-pação do Governo Federal, e têm por função fomentar e es-timular a economia por meio de produtos bancários corri-queiros, como empréstimos e financiamentos ao público em geral. Tais produtos são ofereci-dos com incentivos subsidiados pelo Governo, que se traduzem em custos e juros menores ao tomador. Toda essa estrutura se fundamenta em legislação e outras normas que devem es-

estrUtUra do sistema FinanCeiro naCional

conSelho moneTário nacional

Banco cenTral Do BraSil

BancoS múlTiploS

BancoS De DeSenvolvimenTo

BancoS comerciaiS

SocieDaDeS De DiSTriBuiçÃo

SocieDaDeS correToraS

comiSSÃo De valoreS

moBiliárioS

inSTiTuiçõeS FinanceiraS

Banco Do BraSilBanco nacional De DeSenvolvimenTo

econômico e Social

BolSa De valoreS

SocieDaDeS De crÉDiTo,

FinanceiraS e De inveSTimenTo

BancoS De inveSTimenTo

aSSociaçÃo De poupança

e emprÉSTimo

SiSTema Financeiro Da

haBiTaçÃo

SocieDaDe De crÉDiTo imoBiliário

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o mercado de capitais se destina a tornar as

estruturas econômicas e produtivas mais aperfeiçoadas e a

atender aos anseios de toda a sociedade

56 57F ó r u m j u r í di co F ó r u m j u r í di co

de investimento, que permi-tem maior rentabilidade, segu-rança ao investir e a confecção de uma trama que concatena recursos internacionais e na-cionais. Além das novidades há o constante aperfeiçoamento da estrutura já existente, de-corrente da prática e exposi-ção a novos riscos.

A regulamentação, por sua vez, é importante instrumento, que é constantemente atualizada e aperfeiçoada, tendo em vista, segurança, e, consequentemente, viabilidade para os investimentos e operações diversas.

o impreScinDÍvel JuriSTa

É papel do jurista que atua nessa área ponderar as especi-ficidades do caso, o conheci-mento e a capacidade de arcar com as obrigações de cada par-te, a composição de garantias eficazes para agregar ao negó-cio a segurança esperada.

É grande a ligação entre mercado financeiro e mercado de capitais. Visto que, muitas vezes, instrumentos de um se tornam necessários ao outro. É o caso da captação no mer-cado financeiro internacional para investimento em capitais de empresas nacionais. Ou as operações financeiras lastrea-

das em instrumentos típicos do mercado de capitais.

O profissional dessa área pode atuar na área pública, em instituições financeiras cus-teadas com recursos públicos, com uma rotina muito pare-cida com a de uma instituição particular, mas aplicando ao seu trabalho os conceitos inerentes aos princípios da administração pública, ou ainda em institui-ções como a Receita Federal, a CVM ou o Banco Central.

Na área privada, o jurista pode atuar em instituições fi-nanceiras como corretoras de valores, bancos, entre outras, em escritórios atendendo uma vasta gama de clientes e até mesmo em empresas que, por operarem frequentemente nes-ses mercados, decidem manter em seu staff um advogado de-dicado a essas matérias. A atua-ção do profissional se atenta ao desenvolvimento de estruturas jurídicas para investimentos, proteção contra riscos e varia-ções de mercado, manutenção das operações consolidadas em conformidade com a regula-mentação e diversas outras.

A consolidação e o cresci-mento da economia de nosso país demandará a existência de profissionais do direito que possam lidar com os instru-

mentos do mercado financeiro e de capitais. Não se concebe, na atualidade, desenvolvimento econômico sólido sem a atua-ção responsável desses agen-tes e, como recorrentemente exposto, é um dos papéis do advogado atuar encontrando a forma adequada e segura de desenvolver a operação.

a Força BraSileira

Conforme dados recentes, atualmente o Brasil representa a maior economia da América do Sul e ocupa a sexta posição entre as maiores economias do mundo. O Ministro da Fazen-da, Guido Mantega, afirmou recentemente em entrevista que as projeções indicam que poderemos ocupar o posto de quinta maior economia do mundo até o ano de 2015; afirmou, ainda, que o nosso ritmo de crescimento é o dobro das econo-mias europeias.

Essas análises acompanham a opi-nião mundial que enxerga o Brasil como um dos mais promisso-res locais para se investir. O nosso mercado interno

tar sob a atenção do jurista, que deve observar o cumprimento das metas e o respeito às limita-ções dos poderes de cada órgão, e garantir o acesso da população aos benefícios, seja de maneira direta, pela contratação dos pro-dutos incentivados, ou de ma-neira coletiva, pela manutenção de uma economia saudável por meio dos instrumentos legais.

Frisa-se que inúmeros são os pontos de encontro entre o mercado financeiro e de capi-tais; ambos compartilham desa-fios e exigências do jurista que atua nessas áreas, que deve estar atento ao que ocorre no mundo todo e no ambiente regulatório e econômico em que atua.

Todos os dias nos depara-mos com um mercado dife-rente e com novas estruturas

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É grande a ligação entre mercado financeiro e mercado de capitais. Visto que, muitas vezes, instrumentos de um se tornam necessários ao outro

Símbolo na fachada da bm&F

está aquecido e temos ótimas relações com os países para os quais exportamos.

Conjuntamente ao cresci-mento da economia brasileira, a evolução dos instrumentos típicos do mercado financeiro e de capitais é extremamente necessária, visto que deles po-demos obter financiamentos, custeio e captação de recur-sos, planejamento do fluxo de recursos dentro das empresas e alongamento de prazos para cumprimento de obrigações, que ocorreu, inclusive, com a

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caderno de ideias

a r t i g o s

empresa individual de responsabilidade limitada – eireli manoel de Queiroz Pereira Calças

Moots: ferramentas de desenvolvimento profissional e acadêmico Cláudio Finkelstein | julia schulz

os 10 anos do código civil sob a óptica civil constitucional renan lotufo | andré guimarães avillés

o supremo tribunal federal e o plebiscito para desmembramento de estado-membro Felipe Penteado balera

crimes de trânsito com motoristas embriagados: culpa consciente ou dolo eventual? Christiano jorge santos

reflexão sobre a questão urbana brasileira juliana somekh

Um direito penal do inimigo envolto em controvérsias natália Pincelli

m e r C a d o F i n a n C e i r o e d e C a P i t a i sá r e a s d o d i r e i t o

possibilidade da entrada e saí-da dos recursos da fronteira,

isto é, com a possibili-dade do capital estran-geiro ser investido no país e do brasileiro no exterior.

Nesse sentido, todo esse cresci-mento deverá es-tar acompanhado da atualização e do desenvolvimento de instrumentos

jurídicos mais efica-zes e refinados, bem

como de uma regu-lamentação que apon-

te nesse mesmo sentido, criando possibilidades reais de investimento, e coloque os participantes nacionais em pé de igualdade para concorrer com os demais.

para alcançar oBJeTivoS

Note-se que o ambiente regulatório de um país é im-portante fator para os investi-mentos de players nacionais e internacionais. Nesta análise, leva-se em conta a solidez e a eficácia do governo, da integri-dade do Judiciário, dos meios de recuperação de créditos, dos instrumentos jurídicos de cir-culação de riquezas, do sistema

tributário e de muitos outros fatores intimamente ligados ao universo jurídico.

É neste ponto que deve-rá ocorrer o desenvolvimento e a consolidação da estrutu-ra jurídica posta à disposição dessas operações. Frisa-se que o profissional brasileiro deverá conhecer as estruturas jurídicas de investimentos internacio-nais, as regras específicas dos países com os quais se deseja operar, além de adequar a nossa estrutura às naturais demandas dessas ocasiões.

Para tanto, o profissional do direito deverá atuar cobrando, tanto das autoridades compe-tentes, quanto da sociedade, a seriedade e a atenção no trata-mento desses assuntos. A cons-tante observação, o estudo das condições fáticas e a discussão entre os diversos participantes dos mercados financeiro e de capitais, aliados a uma relação saudável com os órgãos públi-cos e de classe, parecem ser o caminho para que se alcancem os objetivos traçados. Dessa forma, o interesse de investido-res estrangeiros se voltará natu-ralmente ao mercado brasileiro e os recursos locais serão cada vez mais bem empregados, tanto em nossas terras, quanto além das fronteiras. n

o profissional do direito deverá atuar

cobrando, tanto das autoridades

competentes, quanto da sociedade, a

seriedade e a atenção no tratamento

desses assuntos

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a r t i g o m a n o e l d e Q U e i r o z P e r e i r a C a l ç a s

inTroDuçÃo

O Código Civil de 2002, ao revogar a parte primeira do Código Comercial de 1850, pro-moveu importantes alterações na disciplina do direito comercial, que, até então, inspirava-se no sistema francês, que tinha como conceito fun-damental o ato de comércio, preceituando que “ninguém é reputado comerciante para efeito de gozar da proteção que este Código liberaliza em favor do comércio, sem que se tenha matri-culado em algum dos Tribunais do Comércio do Império, e faça da mercancia profissão habitual” (art. 4º). Adota o Código Civil o sistema italia-no, centrado na teoria da empresa, conceituan-do o empresário como a pessoa que exerce pro-fissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (art. 966). Este empresário, que substi-tui o antigo comerciante, é a pessoa natural que exerce em nome próprio a atividade empresa-rial, fazendo-o sob firma constituída por seu nome, completo ou abreviado, com a faculda-de de adicionar designação mais precisa de sua pessoa ou do gênero de atividade (art. 1.156). Tal empresário, apesar de equiparado para fins de imposto de renda à pessoa jurídica (art. 150 do Decreto nº 3.000/99), continua a ostentar o status de pessoa natural, podendo possuir patri-mônio constituído por todos os seus bens, nele incluídos aqueles aplicados no exercício da ati-vidade empresarial e que, por isso, a teor do art. 391 do Código Civil, respondem por todas as suas obrigações, civis ou empresariais.

Constata-se assim que o legislador não cin-diu o patrimônio do empresário em “patrimô-nio civil” e “patrimônio empresarial”, mesmo considerando-se a tutela especial outorgada ao incapaz continuador de empresa individual, cujos bens por ele possuídos antes da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acer-

Manoel de Queiroz Pereira Calças é desembargador da Câmara Reservada à Falência e Recuperação e da Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; e Professor de Direito Comercial na Faculdade de Direito da Pontifícia Univer-sidade Católica de São Paulo.

vo da empresa, não respondem pelas dívidas decorrentes da atividade empresarial judicial-mente autorizada (art. 974 e § 2º, CC), bem como a previsão de dispensa da outorga conju-gal ao empresário casado para alienar ou onerar imóveis que integrem o patrimônio da empresa (art. 978, CC). Não se instituiu, portanto, um patrimônio separado, distinto, nem tampouco patrimônio de afetação para o empresário res-ponder pelas obrigações contraídas em razão da atividade empresarial, exclusivamente com os bens móveis, imóveis, materiais ou imateriais vinculados ao seu exercício profissional. Em ra-zão de tal disciplina legal, na hipótese de execu-ção singular do empresário, poderá a penhora recair sobre qualquer bem componente de seu patrimônio, independentemente de a dívida ter origem em negócios da órbita civil ou empre-sarial. Da mesma forma, sendo decretada a fa-lência do empresário, todos os seus bens, com exceção dos absolutamente impenhoráveis, de-verão ser arrecadados, a teor do art. 108 da Lei nº 11.101/2005. Por outro lado, mesmo não se repetindo no diploma falimentar atual o que dispunha o art. 23 do Decreto-lei nº 7.661/45 – “ao juízo da falência devem concorrer todos os credores do devedor comum, comerciais ou civis, alegando e provando os seus direitos” –, não há dúvida de que, na falência do empre-sário, dever-se-ão habilitar todos os seus cre-dores, consoante estabelece o art. 9º, da Lei nº 11.101/2005, que deverão indicar a origem do crédito, vale dizer, civil ou comercial.

Em suma, o Código Civil, em sua redação original, não previu a possibilidade de o empre-sário constituir um patrimônio separado ou afe-tado para o exercício da atividade empresarial, mantendo-o como titular de um patrimônio único, o qual responde de forma ilimitada pelo adimplemento de todas as suas obrigações, in-dependentemente de serem elas decorrentes de seus negócios civis ou empresariais.

a inovaçÃo: empreSa inDiviDual De reSponSaBiliDaDe limiTaDa

Debate-se, há muitos anos, notadamente en-tre aqueles que se dedicam aos estudos do direi-to comercial, sobre a pertinência de se instituir sociedade unipessoal, visto que, tanto o Códi-go Civil anterior, como o Código Comercial, só regularam as sociedades civis ou sociedades comerciais constituídas, no mínimo, por dois sócios. O art. 1.363 do Código Civil anterior preceituava que celebram contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a com-binar seus esforços ou recursos para lograr fins comuns. Os artigos 287, 289, 302, incisos 1 e 3, todos do Código Comercial, ao disciplinarem as sociedades comerciais faziam expressa menção à necessidade de “sócios”, no plural, indicando que a pluralidade de sócios era um requisito para a constituição das sociedades. Posteriormente, com a edição da Lei nº 6.404, de 15 de dezem-bro de 1976 – Lei das Sociedades Anônimas –, é instituída no art. 251 a subsidiária integral, companhia que pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade brasileira. Salvo essa exceção, persistia como requisito essencial a necessidade de dois acionistas, no mínimo, como se verifica pelo art. 80, inciso I, da Lei nº 6.404/76, que exige para a constituição da companhia o atendimento do requisito preliminar consistente na subscrição,

não se instituiu um patrimônio separado, nem tampouco patrimônio de afetação para o empresário

empreSa inDiviDual De reSponSaBiliDaDe

limiTaDa – eireli

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a r t i g o

pelo menos por duas pessoas, de todas as ações em que se divide o capital social fixado no es-tatuto. A reforçar a indispensabilidade da plura-lidade de acionistas, o art. 206, inciso I, alínea d, da Lei das S/A, prevê como causa de dissolução da companhia a existência de um único acionis-ta, verificada em assembleia geral ordinária, se o mínimo de dois não for reconstituído até a do ano seguinte.

O Código Civil, editado em 2002, ou seja, após a existência no direito comparado de di-versos diplomas legais prevendo a sociedade uni-pessoal com responsabilidade limitada como, por exemplo, na Alemanha em 1980, na França em 1985, e na XII Diretiva do Conselho, 89/667/CEE, de 21/12/90, não adotou a sociedade uni-pessoal de responsabilidade limitada (art. 982, 997, I, 1033, IV, CC) exigindo dois sócios, no mínimo, para a constituição de sociedade, sim-ples ou empresária, admitida apenas a unipes-soalidade incidental ou episódica pelo prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de extinção da sociedade.

Inobstante tal situação legislativa, desde o final dos anos setenta do século passado, havia intenso debate sobre a omissão de nosso orde-namento legal no que concerne à instituição de uma forma de exercício individual da ativida-de empresarial com a possibilidade de limitação da responsabilidade do empresário em face das obrigações daí decorrentes.

Em 11 de julho de 2011, foi editada em nosso País a Lei nº 12.441, com 180 dias de vacatio legis, que altera o Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), para permitir a constituição de empresa individual de responsabilidade limi-tada, ou “eireli”, na estranha abreviação alber-gada pela nova lei.

Constata-se, assim, que a opção do legislador brasileiro para limitar a responsabilidade do em-presário individual não perfilhou o modelo de sociedade unipessoal, pioneiramente adotado pela Alemanha e França, nem seguiu o sistema de Portugal que, em 1986, instituiu o estabeleci-mento mercantil individual de responsabilidade limitada (Decreto-lei nº 248, de 25/8/1986).

A Lei nº 12.441/2011 altera a redação do art. 44 do Código de 2002, inserindo o inciso VI, para ficar expresso que “são pessoas jurídicas de direito privado: I – as associações; II – as sociedades; III – as fundações; IV – as organizações religiosas; V – os partidos políticos; VI – as empresas in-dividuais de responsabilidade limitada.” (grifei)

Em face de tal modificação, o Código Civil passa a albergar duas espécies de empresários in-dividuais: 1) o empresário de responsabilidade ili-mitada, que responde com todo o seu patrimônio, exceto os bens impenhoráveis, por suas dívidas de natureza civil e empresarial; 2) o empresário in-dividual de responsabilidade limitada, que titula-rizará dois patrimônios distintos: a) o patrimônio comum ou civil; b) o patrimônio da empresa, au-tônomo, constituído por seu acervo e que, a teor do art. 391 do Código Civil, responderá, em tese, exclusivamente, pelas obrigações decorrentes do exercício da atividade da empresa individual. Este configura autêntico patrimônio de afetação ou separado, destinado a limitar a responsabilidade do empresário pelas dívidas contraídas em decor-rência da atividade empresarial.

De acordo com o art. 980-A, “a empresa in-dividual de responsabilidade limitada será cons-

tituída por uma única pessoa titular da totalida-de do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País”. Da exegese do referido dispositivo legal, que não prima pela precisão terminológica, em conjunto com o in-ciso VI do art. 44, constata-se que, ao contrário do empresário de responsabilidade ilimitada, que continua a ser classificado como “pessoa natu-ral”, a empresa individual de responsabilidade limitada é arrolada como pessoa jurídica e, por isso, obrigatoriamente, inscrever-se-á no Cadas-tro Nacional da Pessoa Jurídica como tal, e não por força da equiparação prevista no Decreto-lei nº 3.000/99.

Por outro lado, apesar de a empresa indivi-dual de responsabilidade limitada ser classificada como pessoa jurídica, não é ela [eireli] conside-rada sociedade unipessoal, a qual, salvo a exceção da subsidiária integral, continua não prevista na legislação brasileira.

Cumpre ressaltar o equívoco de terminologia detectado no art. 980-A do Código Civil que

faz referência a “capital social”, que, na dicção do art. 997, incisos III e IV, significa a expres-são monetária (em moeda corrente nacional) da soma das contribuições em dinheiro ou bens suscetíveis de avaliação pecuniária, que os sócios transmitem à sociedade, a fim de que esta possa atingir o seu objeto social. Por isso, usar a ex-pressão “capital social” para indicar o valor do numerário ou bens transferidos para constituir o patrimônio separado da empresa individual não se mostra tecnicamente correto.

O capital da empresa individual de responsa-bilidade limitada não poderá ser inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País. Apesar de alguma crítica ter sido formulada por considerar elevado o valor do capital míni-mo exigido, não compartilho tal posicionamen-to. Entendo que tal exigência deveria ser esten-dida para as sociedades limitadas, como ocorre em diversas legislações estrangeiras. Ademais, alvitro que se confira ao Registro Público de Empresas Mercantis e ao Registro Civil de Pes-soas Jurídicas poderes para exigir, no momento

não é ela (eireli) considerada sociedade unipessoal, a

qual (...) continua não prevista na legislação brasileira

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do registro, a prova da efetiva integralização do capital, ou, sendo proposta integralização a pra-zo, que, uma vez realizado o capital, seja apre-sentada prova do cumprimento de tal obrigação. A prova da integralização do capital em pecúnia deveria ser realizada mediante a apresentação de depósito, em conta-corrente, feito em ins-tituição financeira. Outrossim, na hipótese de integralização do capital mediante conferên-cia de bens, dever-se-ia exigir a apresentação de laudo de avaliação feito por profissional ou empresa especializada. Só assim se dará efetivo cumprimento ao princípio da integridade do capital social, outorgando-se aos registradores públicos – civil ou mercantil –, poderes para o exame formal da documentação comprobatória da integralização do capital social. Além disso,

tratando-se de empresa individual de respon-sabilidade limitada, não se pode admitir que o capital seja integralizado mediante prestação de serviços, exigindo-se sempre sua formação em dinheiro ou bens que permitam avaliação.

A empresa individual de responsabilidade limitada pode ser constituída para o exercício de atividade econômica de natureza intelec-tual (científica, literária ou artística), e, neste caso, deverá inscrever-se no Registro Civil de Pessoas Jurídicas. Se, porém, a atividade econô-mica organizada da empresa individual de res-ponsabilidade limitada consistir na produção ou circulação de bens ou serviços não intelec-tuais, ela deverá se inscrever no Registro Pú-blico de Empresas Mercantis (art. 967 e 1.150, CC). A personalidade jurídica da empresa in-dividual de responsabilidade limitada decorre da inscrição do ato constitutivo no respectivo registro (art. 45, CC).

Apenas a pessoa natural poderá ser titular da eireli, exigindo-se a maioridade civil (18 anos) ou a emancipação por uma das formas do art. 5º, parágrafo único, do Código Civil, cumulati-vamente com a inexistência de impedimentos constitucionais ou legais. Por exemplo: o magis-trado, o membro do Ministério Público, o fun-cionário público, o militar da ativa, o falido, não pode ser titular da eireli. Outrossim, salvo as res-trições constitucionais, o estrangeiro legalmente no país poderá constituir empresa individual de responsabilidade limitada.

O parágrafo único do art. 980-A cria um impedimento limitativo especial, ao preconizar que a pessoa natural que constituir eireli so-mente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade.

Ressalte-se que os profissionais da advocacia não poderão exercer sua atividade mediante a instituição de empresa individual de respon-sabilidade limitada, haja vista a interpretação

do art. 16 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Ad-vocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil), que, apesar de fazer expressa referência à so-ciedade de advogados para proibir a adoção de qualquer forma ou característica mercantil, inegavelmente, a exegese teleológica da norma indica o objetivo de se vedar a limitação da res-ponsabilidade dos advogados no exercício do múnus de sua nobre profissão. Por isso mesmo, os advogados, pessoas naturais ou as sociedades – simples – de advogados, devem registrar-se no Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial forem sediados. Nesta linha entendo que as sociedades de advogados, mesmo orga-nizadas como empresas sob o prisma da eco-nomia, não estão sujeitas à falência, nem têm direito de pleitear recuperação judicial.

A pessoa que exerce atividade rural (agri-cultura, pecuária, etc.), a teor do art. 971 do Código Civil, poderá adotar a forma de em-presa individual de responsabilidade limitada e inscrever-se no Registro Civil das Pessoas Jurí-dicas. Terá ainda a faculdade de optar pela ins-crição no Registro Público de Empresas Mer-cantis, hipótese em que será equiparada, para todos os efeitos, ao empresário sujeito ao regis-tro obrigatório, mercê do que deverá cumprir todas as obrigações empresariais, sujeitando-se à falência, podendo requerer a recuperação ju-dicial ou a homologação judicial da recupera-ção extrajudicial, desde que cumpridas as de-mais exigências da Lei nº 11.101/2005.

A administração da eireli poderá ser exercida pelo próprio titular ou por terceiro, desde que observados os impedimentos do art.1.011 do Código Civil, sendo evidente que pessoa jurí-dica não pode ser nomeada para administrar a empresa individual de responsabilidade limitada (art. 997, VI, CC).

No que diz respeito ao nome empresarial, mais uma imperfeição terminológica é pratica-

da no § 1º do art. 980-A: “O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão “eireli” após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limi-tada”. Obviamente não se trata de firma social, nem de denominação social. A firma só pode ser a individual que é disciplinada pelo art. 1.156 do Código Civil, e deverá ser constituída com o nome da pessoa natural titular da eireli. A denominação, que deverá indicar o objeto da empresa individual, poderá ser constituída com o nome do empresário individual ou expres-sões de fantasia. Em ambas as hipóteses – firma individual ou denominação –, deverá aditar--se, ao final, a expressão “eireli”. A omissão da palavra “eireli” determina a responsabilidade ilimitada do titular da empresa individual de responsabilidade limitada, visto que a ela se aplica, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas, ou seja, o art. 1.158, § 3º, do Código Civil.

A eireli também poderá resultar da concen-tração das quotas de outra modalidade societá-ria num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração, como, por exemplo, a exclusão, a retirada ou o faleci-mento de sócios. Em tal caso, não será aplicada a dissolução derivada da unipessoalidade pre-vista no art. 1.033, inciso IV, do Código Civil. O sócio remanescente poderá requerer a trans-formação do registro da sociedade para em-presa individual de responsabilidade limitada, observando-se, no que couber, os artigos 1.113 a 1.115 do Código Civil.

A administração da eireli poderá ser exercida pelo próprio titular ou por terceiro

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Faculta o § 5º do art. 980-A, seja atribuída à empresa individual de responsabilidade li-mitada que for constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de qualquer detentor titular da pessoa jurídi-ca, vinculados à atividade profissional. Em ri-gor, inexiste qualquer inovação, haja vista que, constituída a empresa individual de responsa-bilidade limitada, surge nova pessoa jurídica dotada de autonomia, mercê do que, poderá ela ser cessionária dos direitos titularizados por outra pessoa jurídica.

a DeSconSiDeraçÃo Da perSonaliDaDe JurÍDica Da eireli

O § 4º do art. 980-A, do Projeto de Lei nº 18, de 2011, do Senado Federal (nº 4.605/09 na Câmara dos Deputados), que deu origem à Lei nº 12.441/2011, tinha a seguinte redação:

“Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confun-dindo em qualquer situação com o patrimô-nio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens en-tregue ao órgão competente”.

Esse dispositivo foi vetado pela Presidência da República, mediante as razões a seguir aduzidas:

“Não obstante o mérito da proposta, o dis-positivo traz a expressão ‘em qualquer situa-

ção’, que pode gerar divergências quanto à apli-cação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil. Assim, e por força do § 6º do projeto de lei, aplicar-se-á à eireli as regras da sociedade limitada, inclusive quanto à separa-ção do patrimônio”.

Com o devido respeito, o veto não se justi-fica, haja vista que o dispositivo excluído tinha o evidente escopo de ressaltar – já que se trata de importante inovação de nosso ordenamento jurídico – a cisão patrimonial da pessoa natural, permitida apenas por uma vez, alteração legal reclamada há muito tempo, permitida em boa hora para conceder ao empresário a garantia de que poderá organizar e exercer empresa indi-vidual, sem colocar em risco, com tal atividade, a integralidade de seu patrimônio pessoal. Ob-viamente, ao permitir a limitação da responsa-bilidade da empresa individual, o legislador o fez sob a presunção de que a eireli seja exer-cida sob o império dos princípios jurídicos e das regras legais. Por isso, na dicção do art. 50 do Código Civil, em caso de abuso da perso-nalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam es-tendidos ao patrimônio particular do titular ou do administrador da empresa individual de res-ponsabilidade limitada.

A aplicação da disregard doctrine poderá ocor-rer incidentalmente em processo de execução ou de falência promovido contra a empresa individual de responsabilidade limitada, des-de que sejam observados os princípios cons-titucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Na mesma linha, cabível, inclusive, a desconsideração inversa da personalidade jurídica da eireli para que o pa-

trimônio autônomo dela responda por obriga-ções particulares de seu titular, observando-se, da mesma forma, os princípios constitucionais acima declinados.

Por fim, cumpre deixar anotado que a fa-lência da empresa individual de responsabili-dade limitada não acarreta a falência do titular da eireli, visto que se deverá aplicar, analo-gicamente, o art. 81 da Lei nº 11.101/2005. Decretada a quebra da eireli, o administrador judicial deverá promover a arrecadação dos bens que integram o patrimônio autônomo da empresa falida. Caso a arrecadação atinja bens integrantes do patrimônio pessoal do ti-tular da empresa falida, este poderá valer-se do pedido de restituição ou dos embargos de ter-ceiro para a liberação dos bens indevidamen-te arrecadados. Outrossim, a responsabilidade pessoal do titular ou dos administradores da empresa individual de responsabilidade limi-tada falida será apurada no próprio juízo da

a falência da empresa individual de responsabilidade

limitada não acarreta a falência do titular da eireli

falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para co-brir o passivo, observado o procedimento or-dinário previsto no Código de Processo Civil (art. 82 da LFR).

concluSÃo

Após esta perfunctória análise da disciplina da empresa individual de responsabilidade li-mitada, cumpre afirmar que, malgrado algumas imperfeições de natureza terminológica e jurí-dica, o que é próprio de toda obra humana, não se pode negar que a inovação legislativa deve ser aplaudida por representar inegável avanço, visto que supre uma lacuna de nosso ordena-mento jurídico, permitindo, a partir de sua vi-gência, que os empresários individuais possam exercer sua importante atividade com a segu-rança decorrente da limitação legal dos riscos a ela inerentes. n

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A Primeira Edição do “Willem C. Vis Inter-national Commercial Arbitration Moot”, a mais famosa competição acadêmica jurídica envol-vendo arbitragem como forma de solução de controvérsias, ocorreu em 1994, reunindo ape-nas onze universidades de nove diferentes países.

Proposta inicialmente em 1992, no Congres-so Internacional de Direito Comercial promovi-do pela Comissão das Nações Unidas especiali-zada nesse ramo (Uncitral), a Competição tinha como propósito atrair estudantes de Direito a trabalharem com a Comissão, especificamente com a CISG (Convenção de Viena sobre Con-tratos de Compra e Venda Internacional de Mer-cadorias) e com arbitragem internacional.

Dois secretários da Uncitral, William Vis e Eric Bergsten, levaram a ideia ao Instituto de Direito Comercial da Universidade Pace, em Nova Iorque, a qual adotou a sugestão e formu-lou o moot “processo simulado” nos moldes em que se desenvolve atualmente.

Para mensurar a dimensão do sucesso obtido pelo “Willem C. Vis International Commercial Arbitration Moot”, sua última edição, realizada em 2010/2011, chegou a reunir estudantes de 254 uni-versidades de um total de 63 países participantes .

A partir desse exemplo, inúmeras competi-ções do mesmo gênero surgiram ao redor do mundo, desde a China até o Brasil.

Atendo-nos aos moots (como tais competi-ções são chamadas) dos quais a PUC-SP par-ticipa, pode-se elencar, além do “Willem C. Vis International Commercial Arbitration Moot”, que ocorre em Viena, o “ELSA Moot Court Competition”, o “Concours d’Arbitrage Inter-national de Paris” e a Competição Brasileira de Arbitragem, também denominada Competição Petrônio Muniz.

O “ELSA Moot Court Competition”, atu-almente em sua 10ª Edição, é organizado pela Associação Europeia de Estudantes de Direito

Cláudio Finkelstein é Livre-Docente em Direito Inter-nacional (2011), Professor de Direito Internacional na PUC-SP, Coordenador do Núcleo de Direito Arbitral Internacional e Coordenador do Curso de Pós-Gradu-ação da PUC-SP. Atua como advogado no escritório Hasson Sayeg, Finkelstein, D’Avila, Santiago Guerra e Nelson Pinto Advogados.

Julia schulz é aluna do 7º semestre do Curso de Di-reito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Recebeu menção honrosa como oradora na Competi-ção Brasileira de Arbitragem, em 2011. Estagiária de Direito no escritório Demarest & Almeida Advogados na área contencioso cível.

Moots: FerramenTaS De DeSenvolvimenTo

proFiSSional e acaDÊmico

(ELSA) e direciona-se a disputas atinentes à Or-ganização Mundial de Comércio.

Já o “Concours d’Arbitrage International de Paris” e a Competição Brasileira de Arbitragem, como se depreende dos próprios nomes, envol-vem especificamente a arbitragem como méto-do de resolução de conflitos.

O primeiro, criado em 2005, é organizado pela Faculdade de Direito da “Sciences Po” e realiza-se em Paris, enquanto a Competição Brasileira de Ar-bitragem, criada em 2010, resultou de uma iniciativa da Camarb (Câmara de Arbitragem Empresarial - Brasil) e realiza-se em Belo Horizonte - MG, reu-nindo estudantes de diversos estados brasileiros.

Todas essas competições mantêm a estrutura desenhada pela Universidade Pace, contemplan-do uma fase escrita e outra oral. O “ELSA Moot Court Competition” tem uma fase de qualificação regional, enquanto o “Willem C. Vis International Arbitration Moot” recebe todas as equipes em Vie-na para a fase oral, sem qualquer pré-requisito.

Inicialmente, com a entrega do caso às equi-pes, estas devem elaborar um memorial em nome de cada parte do conflito, requerente e re-querido. Neste momento, as equipes se reúnem para discutir o problema, seus anexos e traçar a estratégia a ser esboçada em cada memorial. Para tanto, exige-se intensa pesquisa e foco, uma vez que alcançar um texto satisfatório e coeso em equipe é sempre um desafio.

Com a conclusão dos memoriais, inicia-se a preparação para a fase oral. Nesta etapa há uma efetiva simulação de um tribunal arbitral, de modo que duas equipes se enfrentam, expondo oralmente seus argumentos e se sujeitando a per-guntas de profissionais que atuam como árbitros no painel. No “Willem C. Vis International Ar-bitration Moot” atuam como árbitros notáveis professores, assim como os principais árbitros pro-fissionais em atividade na atualidade. No “ELSA Moot Court Competition”, os painéis são presi-

didos por árbitros da própria OMC, funcionários desta ou das universidades participantes, isto é, sempre por profissionais especializados na área de contencioso econômico internacional.

É neste modelo que reside o diferencial dessas competições. Por terem de elaborar memoriais para as duas partes envolvidas no conflito, as equipes têm a possibilidade de analisar os pontos frágeis dos dois lados e trabalhar com maior profundidade tanto para fortalecê-los, como para identificar as fraque-zas do discurso da equipe concorrente. Arguir o caso de ambas as partes é um exercício que normal-mente o aluno de direito não exercita durante seus estudos acadêmicos e auxilia no desenvolvimento de uma lógica e de um raciocínio que se mostram valiosos na vida profissional do advogado.

Como se não bastasse, há ainda a oportunidade de desenvolver o debate oral, que é muito pouco estimulado nas universidades. O debate é interes-sante, pois além de envolver equipes que dominam profundamente o caso e suas minúcias, conta com a presença de profissionais atuantes na área, que por conhecerem a fundo as matérias abordadas, podem avaliar com extremo rigor a atuação das equipes.

Sem prejuízo dos aspectos mencionados, outro ponto importante é a assessoria dada por advogados formados, normalmente atuantes no ramo de arbi-tragem, defesa comercial ou comércio exterior, que atuam como coordenadores das equipes. Estes pro-fissionais se propõem a analisar o problema com os estudantes, debater os pontos e auxiliar com material para pesquisa e com o preparo para a competição.

todas essas competições mantêm a estrutura desenhada pela universidade Pace, contemplando uma fase escrita e outra oral

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Eu, Julia Schulz, coautora do presente artigo e aluna do 7º semestre da PUC-SP, tive a opor-tunidade de participar da Competição Brasileira de Arbitragem, em 2011. A competição é recen-te, mas os organizadores já atribuem a ela a im-portante missão de difundir a Lei Brasileira de Arbitragem (Lei 9.307/1996).

Por tal razão, conquanto seja sempre de suma importância pesquisar e conhecer as legislações pioneiras sobre o assunto, a competição vem exi-gindo um aprofundamento maior na legislação pátria e em obras de doutrinadores locais que es-tudem a arbitragem sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro e de suas particularidades.

Apesar de ser um ramo em notável crescimen-to no Brasil, a maioria dos estudantes ainda não tem acesso à arbitragem em sua grade curricular ou início de vida profissional. Nesse sentido, os moots propiciam a aproximação do estudante de Direito a esta realidade, conforme observa Ilan Ja-doul, aluno da PUC-SP, atualmente em intercâm-bio no King’s College de Londres, que participou em 2010 do “Willem C. Vis International Arbitra-tion Moot” e do “Concours d’Arbitrage Interna-tional de Paris”: “Considerava a arbitragem um ramo bastante distante e restrito, do qual apenas advogados com anos de profissão podiam fazer parte. Não via essa disciplina como uma disciplina acadêmica. Isso mudou totalmente com a expe-riência de mooting, ao ver alunos de até 2º ano de Direito debatendo questões de grande complexi-dade jurídica de maneira altamente profissional.”

Com efeito, como bem apontado por Eric E. Bergsten em artigo de sua autoria, o ensino jurídico infelizmente não acompanhou o desen-volvimento do Direito Comercial Internacio-nal, incluindo a arbitragem. O atraso se mostra compreensível, uma vez que os programas das universidades já estão extremamente sobrecarre-gados com as matérias do direito nacional.

É essa, inclusive, a percepção de diversos alunos do Curso de Direito, como Daniel Shil Szriber, cur-sando o 9º semestre de Direito na PUC-SP, que par-ticipou do “Willem C. Vis International Commer-cial International Arbitration Moot” em 2009/2010 e 2010/2011: “Quando comecei a frequentar as reuniões da equipe da PUC-SP, não fazia a me-nor ideia do que era arbitragem, já que nunca havia ouvido falar sobre este instituto antes. No começo, achava que não havia muitas diferenças entre a re-solução de conflitos por meio de arbitragem e da jurisdição estatal. Contudo, ao me aprofundar nos estudos durante a preparação para a competição, co-mecei a descobrir que existem inúmeras discussões e especificidades sobre a arbitragem, tão ou mais com-plexas que aquelas que circundam o processo civil.”

Da mesma forma, ao decidir participar da Com-petição Brasileira de Arbitragem, deparei-me com um instituto completamente novo. Apesar de ter sido mencionada superficialmente em aulas de Di-reito Civil e Direito Constitucional, a arbitragem não fazia parte de minha realidade ou de qualquer perspectiva para o meu futuro.

Neste aspecto reside o primeiro de muitos de-safios enfrentados nos moots. Inúmeros estudantes, ao menos brasileiros, somente têm a oportunidade de estudar o instituto da arbitragem, ainda que em termos gerais, ao entrarem na competição. Logica-mente, isso afeta o estudo dos casos apresentados, que, por abordarem questões extremamente técni-cas, pressupõem o conhecimento básico do tema.

Vale ressaltar que, entre as matérias opcionais oferecidas pela própria PUC-SP, há um curso

de arbitragem e também uma matéria de arbi-tragem internacional, ministrada em língua in-glesa. Destaca-se, contudo, que para participar das competições ora descritas não é necessário cursar quaisquer dessas matérias.

Ademais, os moots demandam extrema dedica-ção dos competidores. Os problemas são comple-xos e bem elaborados. Exigem, portanto, um nível de pesquisa que a maioria dos estudantes não está habituada a realizar, rigorosa e disciplinada, abran-gendo tanto doutrina como jurisprudência.

A dedicação também é necessária no que tan-ge ao tempo despendido. São meses de muito esforço, sacrifício, estudo profundo e discussões em grupo. Isto tudo, é claro, para que se mante-nha o nível altamente profissional das equipes, como já foi evidenciado.

Outro desafio é o de trabalhar com a pressão, principalmente durante a fase oral, na qual é pre-ciso manter postura e calma perante a equipe con-trária e os árbitros. Para tanto, é essencial dominar o caso e as matérias por ele abordadas, bem como se familiarizar com os termos técnicos, muitas vezes em outros idiomas, como em competições em que o idioma oficial é o inglês ou francês.

O percurso é árduo, mas permite a vivência de uma das mais ricas experiências que a vida acadêmica pode oferecer.

De acordo com Marina Amaral Egydio de Carvalho, professora de Direito Internacional na PUC-SP, que desde 2009 coordena a equipe do

“ELSA Moot Court Competition”: “A participa-ção no moot foi fundamental em termos pessoais e profissionais. Pessoalmente, porque a competição revela e sedimenta capacidades e habilidades que muitas vezes você desconhece sobre si mesmo. Pro-fissionalmente, há o desenvolvimento de técnicas argumentativas colocadas oralmente e por escrito.”

Não obstante, ao final, muitos descobrem a área com a qual se identificam profissionalmen-te, podendo vivenciar, ainda que de maneira um pouco ilusória, o dia a dia dos que nela atuam.

Os moots também propiciam a convivência com a diversidade, na medida em que permi-tem a interação com algumas das melhores uni-versidades do Brasil e do mundo. Assim, como em poucas oportunidades, nos moots é possível debater questões altamente controversas com acadêmicos de Direito que tenham estratégias e opiniões completamente diversas.

A ideia que inicialmente somente preten-dia atrair estudantes de Direito para trabalhar na Uncitral, acabou por se tornar uma ferramenta diferenciada de desenvolvimento e preparo dos estudantes que procuram trabalhar no ramo do Direito Comercial Internacional e Arbitragem.

Além disso, ainda que não optem por traba-lhar nessas áreas ou em setores correlatos, não há dúvidas de que o engajamento em uma proposta deste gênero, por si só, auxilia o aluno a aprimo-rar-se tanto sob um aspecto acadêmico, como em variadas atividades profissionais. n

BibliografiaBERGSTEN, Eric. Teaching about International Commercial Law and Arbitration: the Eighth Annual Willem C. Vis International Commercial Arbitration Moot, 18º Journal of International Arbitration (August 2001), p. 481-486.FRADERA, Vera; NEVES, Flavia Bittar; PESSÔA, Fernando José Breda, e outros. Participação das Faculdades Brasileiras na 16ª Edição da Willem C. Vis Arbitration Moot. Revista Brasileira de Arbitragem, nº 22, Abr/Jun 2009, p. 211-228.http://www.cisg.law.pace.edu/vis.htmlhttp://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/bergsten1.htmlhttp://www.law.northwestern.edu/academics/mootcourt/vis.htmlhttp://www.elsamootcourt.org/http://master.sciences-po.fr/droit/fr/contenu/concours-darbitrage-international-de-parishttp://competicao.camarb.com.br

Apesar de ser um ramo em notável crescimento no Brasil, a maioria dos estudantes ainda não tem acesso à arbitragem em sua grade curricular

ou início de vida profissional

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a r t i g o r e n a n l o t U F o

a n d r é g U i m a r ã e s a v i l l é s

inTroDuçÃo

A sociedade vive em mudança constante, fruto do dinamismo que se impõe nas relações políticas, econômicas e sociais. Foi neste com-passo que, sob a coordenação do professor Mi-guel Reale, grandes nomes do direito, entre os quais o mestre da PUC Agostinho Alvim, já no último quarto do século que passou, redigiram e edificaram os pilares do que viria a ser a Lei nº 10.406/2002, revogando o Código de 1916 e dando azo a um novo Diploma Civil, moderno e harmônico com a época atual.

A principal premissa do anteprojeto foi, em sín-tese, atualizar o Código então vigente, não só para superar os pressupostos individualistas que condi-cionaram a sua elaboração, mas também para dotá--lo de novos institutos, reclamados pela sociedade atual, buscando configurar os modelos jurídicos à luz do princípio de realizabilidade, em função das forças sociais operantes, para atuarem como instru-mentos de paz social e de desenvolvimento.1

Passados dez anos desde sua promulgação, as relações civis passaram a ter um aspecto mais pa-ritário, uma vez que o Código de 2002 exprime, genericamente, os impulsos vitais, formados na era contemporânea, tendo por parâmetro os valo-res constitucionais da justiça, solidariedade social e o respeito da dignidade da pessoa humana.2

o DireiTo civil conSTiTucional

O fato de se tratar de uma legislação cuja en-trada em vigor se deu após a promulgação da Constituição Federal de 1988 facilitou o entro-samento com as novas perspectivas e valores tra-zidos pelo Código. Houve uma concatenação da

1 Exposição de Motivos do Anteprojeto do Código Civil, Mensagem 160.2 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Vol. I, 26ª ed. Saraiva, São Paulo, 2011. p. 97.

oS 10 anoS Do cóDigo civil SoB a ópTica

civil conSTiTucional

renan Lotufo é advogado e Consultor Jurídico. Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC--SP) regendo Direito Civil no Mestrado e Doutorado; Professor do Centro de Extensão Universitária (CEU). Coordenador e Professor de Cursos de Pós-Graduação lato sensu da Escola Paulista da Magistratura. Membro do IASP. Presidente do Instituto de Direito Privado (IDP) até a data de 29 de março de 2010. Ex-presidente da Câ-mara de Mediação e Arbitragem do CIESP. Coordenador da coleção Agostinho Alvim, com vinte obras já publica-das, Cadernos de Teoria Geral do Direito, Cadernos de Direito Civil Constitucional.

André guimarães Avillés é aluno do 9º semestre do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Participa do projeto de iniciação científica pela PIBIC CEPE nas áreas de Arbitragem e Direito So-cietário, com a tese “A Extensão dos Efeitos da Cláusu-la Arbitral Estatutária nas Sociedades Anônimas”, sob a orientação do Professor Doutor Giovanni Ettore Nanni. Estagiário das áreas contenciosa e consultiva cível do es-critório Renan Lotufo Advogados Associados.

legislação civil com os novos preceitos constitu-cionais, campo que o Código de 1916 não podia almejar, dado o caráter restrito à organização do Estado da Constituição da época da promulga-ção da ordenação civil.

A essa época os códigos civis eram o centro do direito positivo, em grande parte por influ-ência do Código Civil Francês.

O direito civil, portanto, deixou de ter apenas como figura central o Código Civil, que passou a não mais ser o único texto ordenador das relações privadas, as quais receberam o enfoque da Cons-tituição, de modo unificado e sistemático, desem-penhando o papel de ligação do sistema jurídico.3

Desse modo, um dos grandes méritos do Có-digo Civil, após uma década de sua promulgação, é o fortalecimento e a sedimentação do direito Civil Constitucional na doutrina e na jurispru-dência brasileira.

Nesse sentido, conforme afirma Paulo Lobo:“A Constitucionalização do Direito Civil

não é episódica ou circunstancial. É consequên-cia inevitável da natureza do Estado social, que é a etapa que a humanidade vive contempo-raneamente do Estado moderno, apesar de suas crises, das frustrações de suas promessas e dos prenúncios de retorno ao modelo liberal, apregoados pelo neoliberalismo, que pretende afastar qualquer intervenção estatal ou consi-deração de interesse social das relações privadas. A Constituição Brasileira de 1988 consagra o Estado social, que tem como objetivos funda-mentais (art. 3º) ‘constituir uma sociedade livre, justa e solidária’, com redução das desigual-dades sociais. A ordem jurídica infraconstitu-cional deve concretizar a organização social e a economia eleita pela Constituição, não po-dendo os juristas desconsiderá-la, como se os

3 NANNI, Giovanni Ettore in LOTUFO, Renan, Caderno de Direito Civil Constitucional, Vol. 2, 1ª Ed, Editora Juruá, São Paulo, 2001. p. 164.

fundamentos do direito civil permanecessem ancorados no modelo liberal do século XIX”.4

É nítido que o Código Civil de 2002 abarcou os princípios do Estado Social. Pode-se perceber, por exemplo, a alta carga principiológica contida no direito contratual, uma vez que o reconheci-mento à liberdade e autonomia das pessoas sofre maior resistência dos interesses sociais. Tido por autores como o dispositivo mais importante do Código, o art. 421, ao imprimir ao contrato fun-ção social – e não apenas um meio de autorre-gulação entre as partes –, deixou de ter centro na autonomia da vontade, passando a adotar a auto-nomia privada, conformada pelo ordenamento, e a justiça social, que constitucionalmente deve estar presente em todas as relações econômicas.5

Entretanto, mais do que olhar para trás e nos deleitarmos com o sucesso e a evolução que o Código de 2002 trouxe para o ordenamento jurídico pátrio, é preciso que nos debrucemos sobre as perspectivas futuras e sobre os perigos que uma equivocada interpretação pode trazer.

novaS perSpecTivaS

A boa técnica civil constitucionalista arrazoa que cada norma infraconstitucional há de ser aplicada conjuntamente com os princípios cons-titucionais. A Constituição deve incidir como um foco de iluminação do todo do sistema.

Pietro Perlingieri alerta sobre o “perigo de se conceber um sistema jurídico mediante mo-delos binários, considerando-se o ordenamento jurídico como um conjunto de normas jurídicas apartadas da realidade e de sua aplicação jurisdi-cional, idealizando-se, dessa forma, dois sistemas distintos: aquele concebido pelo legislador e ou-

4 LOBO, PAULO in TEPEDINO, Gustavo (coord.), Direito Civil Contemporâneo – Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional, Editora Atlas, São Paulo, 2008. p. 20.5 Idem. p. 25.

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a r t i g o

tro resultante dos fatos, nos quais incidirão em concreto as normas jurídicas”. 6

Nessa linha, Gustavo Tepedino afirma que, “este modelo binário de interpretação espraia--se em classificações falaciosas, ora segundo os destinatários das normas jurídicas – legislador e sujeitos de direito; ora segundo a produção normativa – legislativa e jurisdicional; ora de acordo com os campos de conhecimento – di-reito público e direito privado; ora conforme os diversos setores de produção normativa – os microssistemas; e assim por diante. Apoiado em Pietro Perlingieri, que se insurge contra essa concepção, demonstrando que somente se afi-gura possível falar em ordenamento jurídico se este for concebido em sua unidade: ou bem o ordenamento é uno ou não é ordenamento”.7

Aqui é importante observar que parte da doutrina fala em “civilização do Direito Cons-

6 Ibidem. p. 361.7 Ibidem. p. 361.

titucional”, pretendendo manter o Código Civil como centro. As normas constitucionais não são interpretáveis a partir das infraconsti-tucionais. A interpretação normativa deve ser axiológica, com os preceitos constitucionais consolidados na jurisprudência, na doutrina e em todos os dispositivos legais. Do contrário, teríamos uma técnica hermenêutica de inter-pretação às avessas, invertendo-se a casta dos valores no ordenamento jurídico.

Com vistas a evitar esta aberração hermenêu-tica, é cogente que se tenha a pessoa humana no núcleo do ordenamento jurídico. Há a ne-cessidade de uma harmonização dos valores no ordenamento como um todo, levando-se em conta mais do que aspectos formais da norma, mas também superando a interpretação exclusi-va com o método de subsunção.

A interpretação deve, deste modo, fundamen-tar-se na hierarquia das fontes do direito e dos seus preceitos, de modo a criar uma dimensão necessariamente sistemática e valorativa.

Nesta esteira, em busca de maior segurança ju-rídica na aplicação normativa, deve o intérprete assumir um compromisso metodológico de apli-cação das normas civis constitucionais no qual haja coerência durante o processo de interpreta-ção, bem como procurar a unicidade de critérios interpretativos, de modo claro e objetivo, a fim de limitar as possibilidades interpretativas de caráter personalíssimo, devendo manter a uniformização de valores dentro do ordenamento.

Cada aplicação normativa, cada decisão judi-cial proferida deve levar em conta o ordenamen-to jurídico como sistema.

Pietro Perlingieri salienta que “a solução para cada simples controvérsia não pode mais ser encontrada levando em conta simplesmen-te o artigo de lei que parece contê-la e resol-vê-la, mas, antes, à luz do inteiro ordenamento jurídico e, em particular, de seus princípios

fundamentais, considerados como opções de base que o caracterizam”.8

concluSõeS

A vigência por quase uma década do Código Civil de 2002 deixou claro que o referido di-ploma foi amplamente acolhido pela doutrina e pela jurisprudência.

Trata-se de um diploma legal que não teve a pretensão de ser o centro das relações jurídi-cas, mas sim parte de um corpo normativo com cláusulas abertas para servir e viabilizar a atuação do Direito Privado como um todo.

Neste sentido:“Este Código, pelas suas próprias raízes meto-

dológicas e filosóficas (eticidade-sociabilidade--praticidade), não tem a aspiração de ser um Códi-go fechado. É um Código que está permeado por valores que vão de encontro ao puro liberalismo e ao individualismo exacerbado. É um Código que está imbuído do que o Prof. Reale chamou de princípio da sociabilidade, ou seja, todos os va-lores do Código encontram um balanço entre o valor do indivíduo e o valor da sociedade não exacerba o social e, ao mesmo tempo, procura em todas as regras não exacerbar o individualismo”.9

Disto extrai-se que o Código busca que o su-jeito de direito tenha uma posição ativa para a

8 Ibidem. p. 370.9 LOTUFO, Renan in NANNI, Giovanni Ettore e LOTUFO, Renan (coords.), Teoria Geral do Direto Civil, 1ª ed. Atlas, São Paulo, 2008. p. 99

preservação dos seus direitos, de modo a repug-nar a inércia e o comodismo que antes impreg-navam o Código Civil de 1916.

Há uma procura constante em favor do equi-líbrio individual com o interesse social, sempre mirando a condição de manutenção da dignida-de da pessoa humana nas relações privadas.

Contudo, esta condição deve ser preservada independentemente da atuação estatal.

Conforme bem vislumbrado por Gustavo Tepedino, subsistem ainda três preocupações no âmbito do direito civil, quais sejam (i) a compreensão atual da metodologia do direito civil constitucional; (ii) a construção de uma nova dogmática do direito privado, com coe-rência axiológica em torno da unidade do or-denamento; (iii) a fidelidade ao compromisso metodológico.10

Superadas tais barreiras, estaremos diante de um ordenamento jurídico unitário, o qual preza pela paz social em busca de um direito mais hu-mano e justo. n

10 TEPEDINO, Gustavo (coord.), ob. cit. p. 371.

BibliografiaDINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Vol. I, 26ª ed. Saraiva, São Paulo, 2011.Fontes BibliográficasLOBO, PAULO in TEPEDINO, Gustavo (coord.), Direito Civil Contemporâneo – Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional, Editora Atlas, São Paulo, 2008.LOTUFO, Renan in NANNI, Giovanni Ettore e LOTUFO, Renan (coords.), Teoria Geral do Direto Civil, 1ª ed. Atlas, São Paulo, 2008.NANNI, Giovanni Ettore in LOTUFO, Renan, Caderno de Direito Civil Constitucional, Vol. 2, 1ª ed. Juruá, São Paulo, 2001.TEPEDINO, Gustavo (coord.), Direito Civil Contemporâneo – Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional, Editora Atlas, São Paulo, 2008.

r e n a n l o t U F o

a n d r é g U i m a r ã e s a v i l l é s

A interpretação normativa deve ser axiológica, com os preceitos constitucionais consolidados na jurisprudência, na doutrina e em todos os dispositivos legais

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apreSenTaçÃo Do Tema

O tema da consulta popular obrigatória, nas propostas de desmembramento de Estados ou de Municípios, voltou a ser discutido com grande ênfase no ano de 2011, em virtude dos decretos legislativos 136 e 137 aprovados pelo Congresso Nacional. Tais decretos con-vocaram plebiscito para a população paraense opinar sobre a criação de dois novos Estados – Tapajós e Carajás – por desmembramento do Estado do Pará.

Uma questão de relevância jurídica sobre a consulta popular para o desmembramento de um Estado-membro, que ficou em evidência por conta do plebiscito no Estado do Pará e chegou a ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2650/GO, diz respeito a quem deve votar em tais pleitos indispensáveis às alterações nos territórios dos Estados e dos Municípios.

A questão ganha contornos suscetíveis de divergência porque a Constituição Federal de 1988, ao incluir o plebiscito como requisito es-sencial para as alterações territoriais nos Estados, não definiu com clareza qual população deve votar em tais casos, utilizando apenas a expres-são “população diretamente interessada”.1 Des-ta forma, podem surgir diversas interpretações acerca da expressão.

Este artigo procurará identificar as interpre-tações para a referida expressão conferidas pelo legislador e pela jurisprudência do STF, desde a promulgação da Constituição Federal, verifi-cando se o sentido atualmente compreendido atende ao propósito do constituinte.

1 Art. 18, § 3º – Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante apro-vação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar.

o Supremo TriBunal FeDeral e o pleBiSciTo para DeSmemBramenTo

De eSTaDo-memBro

Felipe Penteado Balera é mestrando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com a tese “Fede-ralismo e as possíveis alterações no território dos Esta-dos Federados”. Graduado pela mesma instituição. Autor do artigo acadêmico “Medida Provisória: o controle dos requisitos constitucionais de relevância e urgência pelo Congresso Nacional e pelo STF”, publicada na Revista

Brasileira de Direito Constitucional (v. 14, p. 25-52, 2009).

A definição da população que será consultada é de fundamental importância, pois é evidente que o resultado pode ser diverso de acordo com os detentores do direito de votar. A título de exemplificação, alcançar-se-ia resultado oposto no plebiscito do Pará, caso fosse aplicada outra interpretação à expressão, conforme se nota a seguir. A consulta realizada em 11 de dezembro de 2011 contou com a participação de toda a população do Estado do Pará e a maioria (cer-ca de 66%2) da população paraense rejeitou a criação das duas novas unidades federativas. Certamente, alcançar-se-ia resultado oposto no referido plebiscito, caso fosse aplicada outra interpretação à expressão, ou seja, se a consulta popular se restringisse à população da área que se pretende desmembrar, o resultado seria ou-tro. Isso porque tanto a população da região do Tapajós quanto a do Carajás votaram em sua grande maioria a favor da cisão,3 conforme da-dos do Tribunal Eleitoral do Pará.

Quem É populaçÃo DireTamenTe inTereSSaDa para o legiSlaDor

A Constituição Federal exige plebiscito tan-to para o caso de desmembramento de Estados Federados, quanto de Municípios, em que pese o procedimento para que ocorram tais divisões seja diverso, sendo no primeiro caso exigível

2 Conforme dados do Tribunal Regional Eleitoral do Pará, disponíveis em http://www.tre-pa.jus.br/eleicoes/plebisci-to-2011/relatorios-da-votacao-dos-plebiscitos-2011, acesso em 9 de janeiro de 2012.3 Na região que seria desmembrada para a criação do novo Es-tado do Carajás, a população de todos os municípios foi favorável ao desmembramento (em 34 dos 39 municípios da região, o voto favorável superou o percentual de 90%). Na região que seria desmembrada para a criação do novo Estado do Tapajós, o voto a favor do desmembramento também ganhou com larga vantagem. O voto a favor só perdeu em 4 dos 25 municípios do pretenso Estado, sendo que no Município mais populoso da região, San-tarém, a votação a favor do desmembramento superou 98% dos votos (Conforme dados do Tribunal Regional Eleitoral do Pará).

lei complementar federal, enquanto que no segundo lei estadual. Ao delimitar o alcance destas manifestações populares, a Magna Carta utilizava expressões bastante similares: “popula-ção diretamente interessada” para as consultas sobre alterações nos territórios dos Estados e “populações diretamente interessadas” para as consultas acerca das alterações nos territórios dos Municípios.

Até 1998, não existia lei federal definindo o objeto da expressão “população diretamente in-teressada”. Por outro lado, leis estaduais procu-ravam delimitar o alcance do plebiscito exigível para que houvesse desmembramento de Muni-cípio, estendendo a consulta tão somente à po-pulação da área que pretendia se desmembrar e não à do Município inteiro.4

Naquele ano, porém, foi editada a Lei Federal nº 9.709/98, que dava sentido diverso à sobre-dita expressão. Assim, na forma do art. 7º 5 da referida lei, no plebiscito para eventual desmem-bramento de Estado ou Município, deveriam opinar tanto a população do território a ser des-membrado, quanto da área sobejada.

No caso dos Municípios, o próprio tex-to constitucional já havia sido alterado, pela Emenda Constitucional nº 15 de 1996. Esta alterou a expressão “populações diretamente interessadas” por “populações dos municípios envolvidos”, o que acarretou a incompatibi-

4 Neste sentido, foram expressas as seguintes leis complemen-tares estaduais, entre outras: Lei Complementar do Estado do Rio Grande do Sul nº 9070/90, Lei Complementar do Estado do Paraná nº 56/91, Lei Complementar do Estado de São Paulo nº 651/90 e Lei Complementar do Estado de Pernam-buco nº 01/90.5 Art. 7o – Nas consultas plebiscitárias previstas nos arts. 4º e 5o entende-se por população diretamente interessada tanto a do território que se pretende desmembrar, quanto a do que sofrerá desmembramento; em caso de fusão ou anexação, tanto a população da área que se quer anexar quanto a da que receberá o acréscimo; e a vontade popular se aferirá pelo percentual que se manifestar em relação ao total da população consultada.

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a r t i g o

lidade das leis estaduais com a Constituição Federal no que tange à população participan-te do plebiscito. Todavia, quanto às alterações territoriais nos Estados, a redação permane-ceu, e permanece até hoje, inalterada, man-tendo a expressão “população diretamente in-teressada”, suscetível a diversas interpretações, o que faz com que a posição adotada pela Lei nº 9.709/98 possa ter sua constitucionalida-de questionada por aqueles que entendem ser diversa a intenção do Constituinte. Conse-quentemente, cabe à mais alta Corte de Jus-tiça analisar se a Lei em tela, ao definir quem é população diretamente interessada, atendeu ao propósito da Constituição Federal.

Quem É populaçÃo DireTamenTe inTereSSaDa para o Supremo TriBunal FeDeral

O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, tem a competência para con-trolar a constitucionalidade das leis e atos nor-mativos federais ou estaduais que a violem. As-sim, se a lei ou o ato normativo não estiverem de acordo com a Carta Magna brasileira, caberá ao órgão máximo da Justiça, quando provocado por ação direta de inconstitucionalidade, declarar sua incompatibilidade com texto constitucional, tornando a lei inaplicável.

No exercício desta competência, o STF exer-ce papel interpretativo, ou seja, antes de deci-dir se a lei ou o ato normativo são contrários à Magna Carta, deve interpretar o sentido de seu texto, estabelecendo a conotação adequada a vo-cábulos passíveis de vários significados. É o caso do termo ora discutido, que delimita o campo de abrangência do plebiscito necessário ao des-membramento de um Estado.

O Supremo Tribunal Federal já julgou ações diretas de inconstitucionalidade contra leis complementares estaduais que procuravam de-

finir o campo de abrangência dos plebiscitos para o desmembramento de Municípios. Re-centemente, julgou a ADI nº 2.650, proposta pela Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, na qual se questionava a interpretação da Lei nº 9.709/98 para a expressão “população dire-tamente interessada” com relação ao desmem-bramento do Estado.

As leis complementares estaduais, que regu-lamentavam o tema do desmembramento e a criação de novos municípios antes da edição da Emenda Constitucional nº 15 de 1996, indica-vam que a consulta deveria ser realizada apenas com a população da área a ser desmembrada. Assim, as ADIs pretendiam declarar a inconsti-tucionalidade de tais normas, sob o fundamento de que no plebiscito deveria opinar toda a po-pulação do Município objeto do desmembra-mento. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar tais ações – como a ADI 733/MG, entre outras –, considerou constitucionais as leis comple-mentares estaduais. Logo, delimitou a abran-gência da expressão “populações diretamente interessadas” como sendo apenas a população da área a ser desmembrada.

No entanto, como anteriormente mencio-nado, após a EC nº 15/96, passou-se a exigir o plebiscito com a população de todo o Municí-pio como requisito para que haja seu desmem-bramento. Com relação aos Estados-Membros permaneceu no texto constitucional a expres-são “população diretamente interessada”. Nesse sentido, foi promulgada a Lei Federal nº 9.709 em 1998, que estendeu a interpretação da ex-pressão referente aos Municípios ao caso dos Estados, isto é, devendo toda a população do Es-tado votar em tais pleitos.

A ADI 2.650/GO, julgada em 2011, ques-tionou essa interpretação da Lei Federal nº 9.709/98, alegando que população diretamente interessada deveria ser apenas a da área que seria

desmembrada. Portanto, se o STF mantivesse o seu antigo entendimento, qual seja, a de que a população diretamente interessada no caso de desmembramento é a da área desmembrada, de-veria julgar procedente a ação.

Contudo, modificou seu entendimento, jul-gando improcedente a ação. Desta forma, per-manece válida a interpretação legal, que define população diretamente interessada no caso do Estado como a população tanto da área a ser des-membrada quanto da remanescente.

Decidiu-se por unanimidade pela improce-dência da ADI 2650/GO. Entretanto, o Minis-tro Marco Aurélio fez uma ressalva quanto ao sentido da expressão “população diretamente interessada”, sustentando que em tais plebisci-tos deveria ser consultada toda a população na-cional. Esta tese, à qual se filiam outros ilustres juristas,6 tem como fundamento os seguintes argumentos: a criação de novo Estado por des-membramento traria custos adicionais à União e diminuição das receitas dos Estados no Fundo de Participação dos Estados e Distrito Federal e, portanto, toda a população nacional arcaria com tais despesas, o que demonstraria o inte-resse nacional na questão; e a criação de novo

6 Além do Ministro Marco Aurélio, por ocasião do plebiscito realizado no Estado do Pará em 12 de dezembro de 2011, ou-tros ilustres juristas, como Dalmo de Abreu Dallari, sustentaram que o plebiscito deveria reunir todos os eleitores do Brasil e não apenas a população do Pará. Dalmo Dallari inclusive en-trou com requerimento administrativo pedindo que o Tribunal Superior Eleitoral ampliasse a consulta para todo o país.

Estado diminuiria a representação proporcional dos outros Estados no Senado, uma vez que o novo Estado elegeria mais três Senadores. As-sim, com o aumento do número de Senadores para a mesma quantidade de eleitores, os di-reitos políticos dos cidadãos de outros Estados seriam afetados.

Quem Deve Ser conSiDeraDa como populaçÃo DireTamenTe inTereSSaDa no pleBiSciTo para o DeSmemBramenTo De eSTaDo

Como visto, prevalece atualmente o entendi-mento de que a população diretamente interessa-da no plebiscito para desmembramento de Estado é toda a sua população, englobando a população da área desmembrada e a da remanescente.

Todavia, existem duas posições divergen-tes. A primeira entende que se deva consultar apenas e tão somente a população da área des-membrada – esta posição é a que prevalecia no Supremo Tribunal Federal até o julgamento da ADI 2.650/GO. Já a segunda, manifestada no voto do Ministro Marco Aurélio neste controle concentrado, entende que se deva considerar “população diretamente interessada” toda a po-pulação nacional.

Parece que a posição expressa na Lei nº 9.709/98, prevalecente na mais alta Corte após o julgamento da referida ADI, é a que melhor interpreta a expressão.

Por um lado, a restrição do plebiscito para abranger apenas a população da área a ser des-membrada não atenderia ao mandamento constitucional, pois a população da área rema-nescente do Estado tem evidente interesse na manutenção da integridade territorial do ente federativo do qual faz parte. Por outro lado, não há interesse direto que torne plausível a intervenção eleitoral da população de Estados alheios àquele que sofrerá desmembramento. n

criação de novo Estado diminuiria a representação proporcional dos outros Estados no Senado

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inTroDuçÃo

Discute-se, há muito, a diferença entre culpa consciente e dolo eventual no âmbito acadêmi-co e doutrinário, no Direito Penal.

O tema, que conta com divergências entre os especialistas, portanto complexo em termos dogmáticos, ressurgiu com força recentemente, ante a impunidade promovida pela branda le-gislação criminal brasileira e diante das conse-quências gravíssimas advindas dos acidentes de trânsito (especialmente aqueles que resultam em mortes e ferimentos graves das vítimas). Soma--se a tudo, para justificar o maior clamor social, a atenta cobertura pela imprensa de trágicos atro-pelamentos e colisões verificados em todo o país, inclusive por motoristas embriagados.

De todos os fatores acima expostos, advêm diversas consequências: a população (aqui falan-do da parcela leiga em direito penal) passa a cla-mar por Justiça e os agentes públicos, seja com a sincera intenção de evitar a impunidade, seja por influência ou não da vox populi, às vezes de maneira precipitada, passam a classificar como “assassinos” (autores de homicídios dolosos – por dolo eventual) motoristas que agem com culpa stricto sensu.

Como resultado da rigorosa interpretação (indevida, se for possível verificar prontamente os indícios), autua-se o motorista em flagrante e não se possibilita, num primeiro momento, a concessão da liberdade provisória. Encaminha--se o caso ao Tribunal do Júri e não a uma das Varas Criminais comuns. Daí, se denunciado pelo Ministério Público e pronunciado pelo juiz da Vara do Júri for, por fim, deixa-se o des-tino do responsável pelo acidente nas mãos de sete jurados leigos. Em suma, sete cidadãos que não conhecem o direito penal (via de regra, nem o direito) decidirão se o agente agiu com dolo eventual ou com culpa consciente.

crimeS De TrÂnSiTo com moToriSTaS

emBriagaDoS: culpa conScienTe ou

Dolo evenTual?

Christiano Jorge santos é professor de Direito Penal na Faculdade de Direito da PUC-SP, Mestre e Doutor pela mesma instituição de ensino (Direito das Relações Sociais – Direito Penal). Leciona Direito Penal e Direito Proces-sual Penal em vários cursos de pós-graduação lato sensu. É Promotor de Justiça em São Paulo/SP e autor dos livros Crimes de Preconceito e de Discriminação (2ª edição – editora Saraiva); Direito Penal: Parte Geral e Prescrição Penal e Impres-

critibilidade (estes últimos pela editora Campus/Elsevier), além de autor e coautor de diversos artigos jurídicos.

Parênteses: não se pretende aqui discutir a validade ou não do Tribunal do Júri (de cuja existência, aliás, sou defensor), mas ressaltar um dado inequívoco: não será o critério técnico--penal o principal norteador da decisão no plenário do júri (o que não significa que não se faça “justiça”, ali, por tal critério nem que o juiz togado não possa promover “injustiças”), ou seja, o que se pretende acentuar é a possi-bilidade efetiva de ser praticamente irrelevante o que diz ou deixa de dizer a doutrina sobre o dolo eventual ou sobre a culpa consciente para aqueles que se comovem pelas lágrimas (justas e sinceras, no mais das vezes) da viúva sentada na assistência da sessão de julgamento ou àqueles que se revoltam porque o motorista da Ferrari que se encontrava bêbado no momento do aci-dente não se mostrava comovido nem arrepen-dido, nas imagens da TV.

Mas, se assim é, qual a relevância de tal distin-ção (culpa consciente de dolo eventual), na prática? Apenas a definição de quem julgará o acusado?

Evidentemente que não.

o TraTo legal Da QueSTÃo e a “impuniDaDe”

O causador de um acidente de trânsito que venha a ser condenado pela prática de homicí-dio culposo na condução de veículo automotor (art. 302 da Lei nº 9503/97, o Código de Trân-sito Brasileiro) sujeita-se a penas de 2 a 4 anos de detenção e mais a suspensão ou proibição do direito de dirigir. Gera espanto que o causa-dor de acidente semelhante, julgado como autor de homicídio por dolo eventual, poderá, se for considerado culpado, cumprir de 6 a 20 anos de reclusão (homicídio simples – art. 121, caput, do Código Penal) ou poderá mesmo se sujeitar a arcar com 12 a 30 anos de reclusão se o homi-cídio for tido como qualificado (art. 121, § 2º, do mesmo Código – normalmente incorre na

qualificadora do motivo fútil, crime hediondo, este último, aliás).

Acresça-se que o condenado por crime cul-poso, se for primário e tiver bons antecedentes, “cumprirá” sua pena no regime aberto (o que hoje significa dizer, em termos práticos, que de-verá ficar recolhido em sua própria casa, durante parte do dia – normalmente – sem fiscalização alguma). Como se não bastasse, caberá a substi-

tuição da pena detentiva por penas restritivas de direitos, que poderão ser prestação de serviços à comunidade (por exemplo, em creches, hospitais ou órgãos públicos, durante algumas horas na se-mana) ou até mesmo uma quase simbólica limi-tação de final de semana (art. 43 e 44 do Código Penal). Não obstante, prevê o art. 301 do Código de Trânsito Brasileiro que o motorista não será preso nem precisará recolher fiança se prestar pronto e integral socorro à vítima.

A esta altura deve o leitor estar a se questio-nar: o autor do texto é a favor ou contra a uti-lização da aplicação do dolo eventual aos cau-sadores de acidentes automobilísticos fatais? É favorável ou contrário à impunidade?

A resposta é muito simples. Sou contra a im-punidade hoje resultante da aplicação legal, mas não defendo que se altere o conceito de dolo eventual para “obter Justiça”.

Ou seja, não pode decorrer da falha legisla-tiva e da consequente impunidade a equipara-

Sou contra a impunidade hoje resultante da aplicação legal, mas não defendo que se altere o conceito de dolo eventual para “obter Justiça”

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a r t i g o C h r i s t i a n o j o r g e s a n t o s

ção de uma conduta culposa a outra dolosa (por dolo eventual), para efeito de punição.

Faz-se necessário, portanto, um aperfeiçoa-mento legislativo voltado à correção da situação hoje imperante, sem que se distorçam os con-ceitos doutrinários e sem que sejam situações semelhantes julgadas de formas distintas. Vale dizer, sem que alguns motoristas sejam conde-nados a cumprir 12 anos de reclusão em regime inicial fechado (efetivamente presos) e outros a “cumprir” dois anos de detenção, em regime aberto, substituída a sanção por “limitação de final de semana”, a talante dos intérpretes da lei (sejam o Delegado de Polícia, o Promotor de Justiça, o Juiz de Direito ou os jurados).

Da DiFerença TÉcnica enTre Dolo evenTual e culpa conScienTe

Feitas as considerações acima, incumbe dis-tinguir dolo eventual de culpa consciente.

Como é sabido, o comportamento doloso é aquele intencional. Dolo equipara-se a intenção, vontade de produzir o resultado.

Todavia, o Código Penal brasileiro, em seu art. 18, inciso I, estabelece ser doloso o crime “(...) quando o agente quis o resultado ou assu-miu o risco de produzi-lo”.

A primeira parte da norma (“quando o agente quis o resultado”) corresponde ao dolo direto. Como exemplo, pode-se referir o moto-rista de uma caminhonete que vê um inimigo, distraidamente atravessando a rua à sua frente e

resolve matá-lo. Acelera e o atropela. Sobrevin-do o óbito do pedestre, responderá por homicí-dio doloso (art. 121, caput, do Código Penal ou, se considerada alguma qualificadora do delito, art. 121, § 2º do mesmo código).

Com o dolo eventual não é tão simples assim a questão.

Isto porque, “assumir o risco de produzir o resultado” não corresponde apenas a antever o resultado e, mesmo assim, agir, como alguns, in-devidamente, propagam.

Na lição de Nelson Hungria, Assumir o risco é alguma coisa mais que ter consciência de correr o risco: é consentir previamente no resultado, caso venha este, realmente a ocorrer.1

Para Bitencourt, nosso Código adotou a teo-ria da vontade, em relação ao dolo direto, e a teoria do consentimento, em relação ao dolo eventual. Esta última, para o autor, prevê ser também dolo a vontade que, embora não dirigida diretamente ao re-sultado previsto como provável ou possível, consente na sua ocorrência ou, o que dá no mesmo, assume o risco de produzi-lo.2

Não cabendo quanto ao dolo, nos estreitos limites deste trabalho, tecer distinções entre as teorias da vontade, da representação, do consen-timento ou do risco, reproduzo, em parte, o con-ceito antes já exposto: Verifica-se o dolo eventual quando o agente assume o risco de produzir o resultado. Ele não quer sua produção (pois se o desejasse estaría-mos frente ao dolo direto), mas o antevê e mesmo assim age, assumindo o risco de sua produção, ou seja, ele aceita a produção do resultado, mesmo não o querendo realizado, necessariamente, como um inconsequente que atira uma pesada pedra para o alto em local onde pas-sam pedestres e diz ‘na cabeça de quem cair, caiu’. Entre desistir da conduta e correr o risco de produzir o dano,

1 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, v. I, tomo II, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 122.2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. v. 1, 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 316/317.

ele prossegue na conduta e assume o risco. Exemplo: ‘A’, fugindo da polícia em um veículo roubado, em alta velocidade, percebe que logo à frente há um policial a pé dando sinal de parada. Ao invés de diminuir a veloci-dade do veículo, mantém-na e, mesmo não desejando atropelar o agente público (pois atropelar pode significar a perda do controle do carro, o atraso de sua marcha e, consequentemente sua prisão), pensa em passar a seu lado numa pequena brecha do bloqueio, como o raciocí-nio do tipo: ‘se matar, azar dele’. Acaba por atropelá-lo vindo o policial a falecer.3

Em outras palavras, quem age com dolo eventual pratica a “teoria do ‘dane-se’ ”. Ou seja, “não quero matar, mas se alguém morrer em razão do meu comportamento, dane-se, azar o dele, ou pouco me importa”.

Já a culpa em sentido estrito significa a pro-dução de um resultado previsto na lei como cri-me, mas praticado pelo autor sem intenção (sem dolo direto nem dolo eventual). Ou seja, decorre o resultado de imperícia, negligência ou impru-dência. É, no mais das vezes, o descomedimento, o comportamento do inconsequente.

A culpa pode ser dividida em culpa incons-ciente (quando o agente do delito não antevê a possibilidade do resultado) e em culpa consciente (hipótese em que o autor do crime antevê a possi-bilidade de produzir o resultado, mas sinceramen-te não deseja produzi-lo de modo algum).

Tratando especificamente desta última, cabe lembrar que o indivíduo embriagado que deixa o bar despedindo-se dos amigos que insistem em levá-lo para casa e o alertam que pode ele, naquele estado, provocar um acidente fatal, será ou não autor de um crime doloso (por dolo eventual) ou culposo (por culpa consciente), a depender da situação verificada instantes antes do acidente, a partir de um critério puramente subjetivo, ou seja, a diferenciação se dará pelo

3 SANTOS, Christiano Jorge. Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Campus Elsevier. p. 61-62.

que passa na mente do sujeito (a assunção da “teoria do dane-se” ou não).

Nada mais equivocado, em termos dogmáti-cos, por conseguinte, que afirmar ter o motoris-ta, “ao dirigir em alta velocidade, embriagado, assumido o risco de produzir o resultado mor-te”. Não é possível afirmar-se isso pelo resulta-do objetivamente verificado.

Pode-se imaginar um recém-casado apai-xonado pela esposa que se embriaga para co-memorar sua gravidez. Ao levar a mulher e seu futuro filho, inadvertida e imprudentemente, do restaurante para casa, acelera o veículo mais do que o devido, sobe na calçada, atropela um pe-destre mortalmente, choca-se contra um muro e mata esposa e feto. Dolo eventual? Passou por sua mente a ideia de “se morrer alguém, dane--se?”. Evidentemente que não. O caso é de culpa

Faz-se necessário, portanto, um aperfeiçoamento

legislativo voltado à correção da situação hoje imperante

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a r t i g o C h r i s t i a n o j o r g e s a n t o s

(consciente, se antevira – como é provável - o ris-co de dirigir sob o efeito de etílicos) e não de dolo eventual.

Como se vê, embora não seja tarefa tão sim-ples, em termos teóricos, é possível distinguir--se o dolo eventual da culpa consciente. Árdua pode ser a tarefa, entretanto, de se estabelecer a distinção em termos práticos, ou seja, difícil é a produção da prova (e falar de prova envolve o Direito Processual Penal e não o Direito Penal) do dolo eventual ou da culpa consciente.

Nada obstante, esta distinção deve se dar com base nos preceitos teóricos e sempre alicerçada no bom senso, aliado à coleta das circunstâncias todas que envolvem o evento danoso, tais como ter o motorista freado bruscamente antes do embate, ter acionado por diversas vezes o farol alto, acionado a buzina, entre tantos outros elementos.

Nesta toada, parece muito difícil que um mo-torista, embriagado ou não, que cause mortes no trânsito, aja com dolo eventual. Até mesmo por egoístico e deplorável interesse material, a

lógica “não quero colidir meu carro esportivo importado porque ele custa caro”, não veria como resultado “aceitável” a produção de uma colisão ou um atropelamento.

Nunca é demais repetir: mesmo a culpa cons-ciente ou a mais intensa culpa não se equiparam ao dolo eventual. O dolo eventual não guarda relação com graus de culpa, tampouco corres-ponde à irresponsabilidade extremada. Trata-se de questão subjetiva, de aferição da intenção ou da ausência de intenção do agente.

concluSõeS

Como não se confunde dolo eventual com a culpa consciente e, comumente, nos casos de aci-dentes automobilísticos (envolvendo motoristas embriagados ou não), não há elementos indiciários claros de ter o agente agido com dolo eventual, não podem os agentes públicos agir com rigor exces-sivo, seja a pretexto de “fazer justiça”, seja porque estão sob a pressão da opinião pública.

É certo caber à Justiça dar uma resposta à sociedade, sua destinatária, mas também igual-mente correto que aos juízes “não é dado fugir à responsabilidade de um julgamento, atirando-a aos jurados, lavando suas mãos na pia do conflito emocional”, como bem dito por Pierangeli.4

Se assim é, cabe ao motorista embriagado que provoca mortes no trânsito (evidentemen-te excetuadas as hipóteses de dolo direto), ser indiciado, no inquérito policial, como incurso no Código de Trânsito Brasileiro, quando não houver indícios claros de que tenha agido com dolo eventual.5 Transformá-lo em réu perante o júri e não a justiça comum, pese o princípio in dubio pro societate inerente à vestibular fase do processo e à pronúncia, ante os mesmos indícios acima descritos, não corresponde ao mais aba-lizado dogmatismo penal nem à medida social-mente mais adequada. Igualmente, ao final, se não houver prova clara do dolo eventual, com base na aplicação do princípio in dubio pro reo, deverá o autor ser responsabilizado pela prática de homicídio culposo, devendo o juiz de direi-to atentar para as circunstâncias do art. 59 do Código Penal para elevar as penas, se caso for.

Ademais, de lege ferenda, cabe ao Poder Le-gislativo, ante o clamor popular e o aumento da violência no trânsito, debruçar-se sobre a questão, com urgência, mas sem precipitação, para que se altere o quadro atual, na busca de uma solução de não se equiparar a um frio assassino o motorista embriagado que mata. Mas, ao mesmo tempo, candente a necessidade de se encontrar uma fórmula legal para que aquele que age com tamanha irresponsabi-

4 PIERANGELI, José Henrique. Morte no Trânsito: culpa consciente ou dolo eventual? São Paulo: Revista Justitia, 2007 – volume 197. p. 47-63.5 Remeta-se ao item 2: o causador de acidentes de trânsito condenado pela prática de homicídio culposo, na condição de veículo automotor, incorre no art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro.

lidade também não se sinta impune e, assim, incentivado a comportar-se indevidamente na condução de veículos automotores. Talvez a criação de uma nova causa de aumento de pena, a proibição de determinadas penas alter-nativas (como fez a Lei “Maria da Penha”, Lei nº 11.340/2006) ou então a obrigatoriedade de cumprimento de determinadas sanções possam fazer frente às necessidades sociais. Também convém não olvidar a necessidade de aperfeiçoamento do tipo penal do crime de perigo de dirigir sob efeito de substâncias em-briagantes (e sua punição efetiva) e a revisão do entendimento jurisprudencial e doutriná-rio sobre o “direito” de não ser colhida prova da embriaguez ante a recusa do motorista a soprar o etilômetro (apelidado “bafômetro”) ou a fornecer sangue, como importantes fato-res preventivos.

Por fim, nunca é demais recordar não ser o direito penal o único modo de enfrentamen-to da questão. Neste caso específico, o aumento da fiscalização administrativa e, acima de tudo, a educação, surtirão efeitos benéficos a todos e, quiçá, com a somatória de todas as providências, deixe o Brasil de figurar como um dos países com trânsito mais violentos do mundo,6 evi-tando-se tantas internações, aposentadorias pre-coces, gastos de toda ordem e, principalmente poupando-se milhares de vidas. n

6 Informe sobre la situación mundial de la seguridad vial: es hora de pasar a la acción. Organização Mundial de Saúde, 2009. p. 12 e 240-247.

Por fim, nunca é demais recordar não ser o direito penal o único modo de enfrentamento da questão

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Os instrumentos de políticas urbanas existentes no ordenamento jurídico brasileiro são consequên-cia de uma longa luta da população, iniciada na década de 1960, devido ao surgimento dos proble-mas urbanos no Brasil. Aproximadamente quarenta anos depois, foi promulgada a Lei nº 10.257/2001, conhecida como Estatuto da Cidade, fruto de mui-ta negociação e pressão sobre o Congresso Nacio-nal e o Governo Federal. Esse diploma, regulamen-tando o disposto no art. 1821 da nossa Constituição, traça diretrizes jurídicas visando consolidar o direi-to urbanístico; obter uma gestão democrática das cidades; instrumentalizar a regularização fundiária dos assentamentos informais em áreas urbanas mu-nicipais; e estabelecer uma ordem urbana mais justa e inclusiva nas cidades brasileiras.

Concebe-se, sob a perspectiva filosófica rous-seauniana,2 que a propriedade privada, assim como as próprias leis, surge em um momento his-tórico no qual o homem se vê obrigado a inventar mecanismos para sobreviver em comunidade, rom-pendo com a igualdade e liberdade natural, inerente a todos os indivíduos. Em tal momento, a autonomia em relação aos seus semelhantes se desfaz e o ho-mem passa a evoluir em situação de dependência em relação a outro homem. Isto é, ao produzir em um pedaço de terra, que na teoria seria um espaço per-tencente à sociedade, o homem começa a adquirir frutos e, na intenção de preservar a sua produção dos demais indivíduos, toma para si aquele espaço físico.

Dessa forma, nasce a necessidade de limitar o que seria de um e o que seria do outro, não cabendo mais a possibilidade de existir espaços sociais de produ-ção, uma vez que o trabalho individual traz o sen-

1 A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Art. 182, Constituição Federal de 1988.2 Perspectiva extraída, entre outras obras, de: ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. Trad. Pietro Nasseti. Revisado por Antonio Carlos Marquês. 20ª ed. São Paulo: Martin Claret, 2001. p. 128.

reFlexÃo SoBre a QueSTÃo urBana

BraSileira

Juliana Somekh1 é estudante do 7º semestre do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; participou, em 2010, do curso de Regularização Fundiá-ria de Assentamentos Informais, no Instituto Pólis; atual pesquisadora do PIBIC-CEPE com a tese “Direito à pro-priedade e as políticas urbanas brasileiras: limites e pos-sibilidades”, sob orientação da Professora Doutora Silvia Carlos da Silva Pimentel.

1 “Art. 1º, Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da pro-priedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.Art. 2o. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da pro-priedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.” Lei nº 10.257 de 2001(Estatuto da Cidade).

timento de posse. Para viabilizar esta limitação em uma sociedade que objetiva o estado de paz, e não de guerra, criam-se leis e estrutura-se um governo.

Em virtude disso, a relação do homem e da propriedade se concretiza pela produção para provisão e pela habitação, enquanto o Direito, ante sua função de organizador da sociedade por meio de leis, legitima a propriedade privada e res-palda as desigualdades existentes.

No mesmo sentido da concepção de Rousseau,3 historicamente entende-se que o surgimento da propriedade urbana precisou ser regulado pelo di-reito para que se estabelecesse a organização social.

O desenvolvimento das cidades, na Europa e no mundo, se deu pela industrialização, uma vez que a comercialização ocorria de forma mais eficaz nos polos urbanos. A propriedade urbana aparece, nes-te momento, como um ambiente fabril, em que se objetiva apenas a produção. Os trabalhadores da época originalmente moravam no campo e se des-locavam para a cidade somente para trabalhar. No entanto, a distância de um local para o outro se tor-nou inviável enquanto percurso diário, obrigando os trabalhadores, com suas famílias, a se mudarem para os polos urbanos. Foi então que as proprie-dades urbanas, além de servirem para produção, passaram a convir também para o fim habitacional.

No Brasil, a questão da propriedade seguiu ló-gica semelhante. No período colonial, a divisão das sesmarias possibilitou a criação de grandes latifún-dios. Contudo, a não demarcação de tais terrenos obrigou a Coroa Portuguesa a criar uma legislação que estabelecesse e delimitasse os territórios e seus respectivos proprietários. Como resultado, surgiu a Lei de Terras, em 1850, a primeira lei a discipli-nar a questão da propriedade em nosso país, a qual inaugurou a relação entre Direito e propriedade, até então inexistente na região.

3 ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem e os funda-mentos da desigualdade entre os homens.

Em 1930, inicia-se um período de industria-lização e desenvolvimento dos polos urbanos nacionais e, consequentemente, a necessidade de uma legislação que regulasse o domínio das pro-priedades urbanas . Durante os 30 anos que se se-guiram, o Estado foi omisso, não afetando, porém, o ritmo do desenvolvimento industrial, de modo que o fluxo de trabalhadores para as cidades con-tinuava, como forma de aproximação dos locais de trabalho, lazer, estudo e saúde.

No início da década de 1960, setores sociais passaram a se mobilizar na tentativa de mudar a realidade das cidades brasileiras. Em 1963, o Ins-tituto dos Arquitetos do Brasil propôs ao Con-gresso Nacional uma reforma urbana, que, no entanto, foi temporariamente inviabilizada, devi-do ao golpe militar em 1964.

Em virtude do desenvolvimento econômico, houve exponencial crescimento populacional nas cidades, o que acarretou o surgimento de favelas, assentamentos urbanos, cortiços, con-juntos habitacionais e loteamentos periféricos, degradando o meio ambiente e deteriorando a qualidade de vida nas cidades.

Na década de 1980, diante da abertura polí-tica lenta e gradual, os temas da reforma urbana ressurgiram, com o intuito de modificar o perfil excludente que se configurava nas cidades bra-sileiras, clarividente pela precariedade na habita-ção, no transporte, na ocupação do solo urbano e

(...) Enquanto o direito, ante sua função de organizador da sociedade por meio de leis, legitima a propriedade privada e respalda as desigualdades existentes

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saneamento básico, consequência clara da omis-são do Poder Público.

O Poder Constituinte Originário de 1988, tomando por base, enfim, a noção da função so-cial da propriedade, cria o capítulo “Da Política Urbana”, da Constituição Federal, visando asse-gurar a valorização imobiliária; proteger, recu-perar e preservar o meio ambiente; dar acesso à moradia para todos; distribuir de forma justa os ônus e benefícios decorrentes do processo de ur-banização; e promover a regularização fundiária e a urbanização das áreas ocupadas por popula-ção de baixa renda.

O art. 182, desse capítulo, reza a necessidade de diretrizes fixadas em lei para a execução da política de desenvolvimento urbano, tendo por escopo “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.4

Assim, sob a vigência da Constituição Cida-dã, organizou-se o Fórum Nacional da Reforma Urbana, visando dar continuidade ao debate com o Congresso Nacional e regulamentar o capítulo das políticas urbanas mediante legisla-ção competente.

Doze anos depois, em 2001, a Lei nº 10.257 é promulgada, mais conhecida como Estatuto da Cidade. Trata-se da lei que regula o capítulo referente às políticas urbanas da Carta Suprema,

4 Art. 182, CF/88.

determinando as diretrizes para o seu desen-volvimento no que tange à União, aos Estados e aos Municípios, objetivando, com isso, a ga-rantia da função social da propriedade urbana e da cidade. Além disso, disciplina o desenvol-vimento de gestões democráticas nas cidades e o direito a cidades sustentáveis, com o fito de assegurar o bem-estar dos cidadãos, a segurança e o bem coletivo.5

5 Art. 2º da Lei 10.257 de 2001. Estatuto da Cidade: “Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – ga-rantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social; IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais; VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar (...); VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconô-mico do Município e do território sob sua área de influência; VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência; IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais; XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos; XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população; XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais; XV – simplificação da legislação de par-celamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais; XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social.”

Desde a promulgação do Estatuto da Cidade, em 2001, tem-se priorizado a popularização das políti-cas urbanas, buscando concretizar o que se encontra previsto na legislação, de modo a inserir a popula-ção no processo de efetivação.

O problema é que as questões urbanas, so-ciais e ambientais, que afetam a vida da maioria dos brasileiros que vivem em cidades, não foram supridas com o surgimento normativo de ins-trumentos e políticas urbanas em nossa Cons-tituição, ou mesmo com a criação do Estatuto da Cidade e programas do Poder Executivo, tais como o “Minha Casa, Minha Vida”.

Segundo publicação de estatística do IBGE, 6% (seis por cento) da população brasileira vive em ocupações irregulares, sendo as cidades bra-sileiras da região Sul e Sudeste as que mais con-centram domicílios nesta condição. Assim, tem--se que as metrópoles brasileiras, em sua maioria, permanecem cercadas por habitações irregu-lares, que degradam o meio ambiente e, ainda, colocam a vida de pessoas em perigo por serem construídas em áreas de risco.6 O Poder Público não tem apenas o dever de regulamentar as nor-mas de relevância social, como deve, também, atuar de forma a cumprir o que essas normas propõem, tendo em vista que a política urbana perde sua razão de ser se não é adimplida.

Os fenômenos contemporâneos da globaliza-ção, do crescimento populacional e do desenvol-vimento urbano mundial nos levam à inevitável reflexão acerca da necessidade de uma reforma urbana no Brasil. É realmente importante enten-der o Estatuto da Cidade e as políticas urbanas brasileiras para que o Direito Urbanístico se de-senvolva e promova o bem-estar social.

Ainda que tenha ganhado espaço no ordena-mento jurídico brasileiro, a questão urbana precisa

6 Site consultado: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=2057&id_pagina=1 Acesso em 12 de fevereiro de 2012.

ser ainda muito estudada e trabalhada, para que a parcela da população em condições habitacionais subumanas, em áreas de proteção ambiental e de risco social, seja amparada por nossa legislação e te-nha garantido seu direito fundamental.

Uma das formas de se trabalhar esta questão seria com a inclusão de tal disciplina na grade obrigató-ria das faculdades de Direito do nosso país, já que muitos não entendem a dimensão dos problemas urbanos ou mesmo as possibilidades que o Direito oferece para a resolução deste ponto.

As dificuldades existentes não impedem que profissionais das mais diversas áreas atuem de forma a concretizar a legislação vigente para assegurar os direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros, con-ferindo sentido sociológico ao Direito Urbanístico.7

A luta para que o Poder Público deixe de ser omisso não cessou e muito menos as ações sociais. A esperança de mudanças e inclusão social continuará, bem como a de mobilização da coletividade.

“Mas ele diz: ‘Livre-se desses pensamentos som-brios’,

E se livra desses pensamentos sombrios.E o que poderia dizer,E o que poderia fazerDe melhor?” Robert Desnos. n

7 Ferdinand LASSALLE. O que é uma Constituição?

muitos não entendem a dimensão dos problemas urbanos ou mesmo as

possibilidades que o direito oferece para a resolução deste ponto

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a r t i g o n a t á l i a P i n C e l l i

Entre as inúmeras ramificações proporciona-das pelo ordenamento jurídico, o Direito Penal é aquela que interfere de maneira mais agressiva na regulação da vida em sociedade – nas palavras de Rogério Greco, “com o direito penal, objetiva--se tutelar os bens que, por serem extremamente valiosos, não do ponto de vista econômico, mas sim político, não podem ser suficientemente pro-tegidos pelos demais ramos do Direito”.1 Assim, o conceito moderno de direito penal representa, acima de tudo, um escudo de direitos do indi-víduo contra o Estado. Pode-se exemplificar a relevância desse escudo protetivo através do Código Penal Brasileiro, que, logo em seu art. 1º, não traz o conceito de crime, mas limita o poder do Estado ao determinar que “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. A Consti-tuição Federal do Brasil de 1988 faz esta mesma previsão no art. 5°, XXXIX.

Duas das principais correntes na evolução do Direito Penal são as escolas Clássica e Po-sitiva. Se, por um lado, a escola Clássica possui inspiração iluminista (o que abrange, inclusive, a existência de um contrato social) e analisa a pena enquanto uma resposta da ordem jurídica ao ato do criminoso, por outro lado, a escola Positiva faz do Direito uma ciência, interpreta a pena como um instrumento de defesa social, além de ser responsável pelo desenvolvimento da criminologia, disciplina que estuda, a partir de um enfoque no criminoso, o crime, o delin-quente, a vítima e o controle social dos delitos – conforme define Zaffaroni, a “criminologia é a disciplina que estuda a questão criminal do ponto de vista biopsicossocial”.2 Da tensão en-

1 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 13ª ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011. p. 2.2 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henri-que. Manual de Direito Penal Brasileiro, Volume 1 – Parte Ge-ral. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p.144.

um DireiTo penal Do inimigo envolTo

em conTrovÉrSiaS

Natália Pincelli é estudante do 5º semestre do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Monitora em Direito Penal do Professor Doutor Gustavo Octaviano Diniz Junqueira

tre essas duas escolas, surgiram diversos movi-mentos da política criminal, entre eles o Direi-to Penal do Inimigo.

A origem do Direito Penal do Inimigo é in-certa. Contudo, Thomas Hobbes pode ser consi-derado como um dos principais precursores des-te movimento. Em sua obra consagrada, Leviatã, Hobbes traçou o perfil do inimigo como sendo aquele que desrespeita o soberano.3 Dessa forma, quem atenta contra o governante coloca-se fora do pacto social firmado e, em decorrência disso, não se fala em penas, mas em uma completa sub-missão dos considerados inimigos.

Além da definição elaborada por Hobbes, ou-tros autores propuseram-se, ao longo da história, a demarcar com clareza o conceito de inimigo – citam-se Immanuel Kant4 e Carl Schmitt.5 To-davia, destaca-se, entre eles, Günther Jakobs,6 a quem se pode atribuir a principal tese sobre o conceito de Direito Penal do Inimigo.

Para desenvolver sua teoria, Jakobs parte da di-ferenciação entre cidadão e inimigo.7 Trata-se de duas esferas distintas dentro de uma mesma rea-lidade penal, as quais dificilmente se manifestam em seu estado puro. Em linhas gerais, cidadão é o indivíduo considerado como parte integrante de um contrato social firmado. O inimigo, por sua vez, é aquele que se coloca às margens do Di-

3 HOBBES, Thomas. Leviatã ou a Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 1ª ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003. p. 260.4 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007. p. 128. Vide, também, o capítulo Alguns esboços jusfilosóficos do livro Direito Penal do Inimigo – Noções e críticas.5 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007. p. 136 e 137.6 Ao longo da obra Direito Penal do Inimigo – Noções e críti-cas, Jakobs discorre, juntamente com Meliá, sobre os pormenores da teoria do Direito Penal do Inimigo. 7 Desde o início de sua obra Direito Penal do Inimigo – No-ções e críticas, Jakobs atenta para a diferenciação, inclusive ter-minológica, entre cidadãos e inimigos, explicitando, entre outras coisas, a existência de dois Direitos Penais distintos voltados para cada um deles.

reito e não oferece garantias de que obedecerá às normas do contrato. Para Jakobs, são inimigos, por exemplo, os terroristas, os autores de crimes sexuais e os delinquentes organizados.

Por se encontrar fora da esfera dos cidadãos, o inimigo não é juridicamente tratado enquanto pessoa, mas sim como fonte de perigo – “Ele só é considerado sob o aspecto de ente perigoso ou daninho”.8 A justificativa para tal premissa é o fato de que o inimigo não oferece qualquer se-gurança de que conduzirá seus comportamentos pessoais em coerência com o Direito e, conse-quentemente, “não só não pode esperar ser tra-tado ainda como pessoa, mas o Estado não deve tratá-lo como pessoa, já que do contrário vulne-raria o direito à segurança das demais pessoas”.9

Três grandes características podem ser aponta-das no tocante ao Direito Penal do inimigo. Em primeiro lugar, cita-se a possibilidade de adianta-mento da punibilidade, o que é incomum, tendo em vista que, geralmente, o Direito Penal recai sobre ato já provocado pelo sujeito. Em segundo lugar, tem-se a desproporcionalidade das penas. Finalmente, o terceiro viés do movimento é a relativização e, até mesmo, a supressão de garan-tias processuais. Desse modo, o Direito Penal do Inimigo constitui-se de elevadas penas e míni-mas garantias individuais.

8 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007. p. 18.9 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 40.

o inimigo não é juridicamente tratado enquanto pessoa, mas sim como fonte de perigo

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a r t i g o

Ao contrário do que ocorre com o Direi-to Penal destinado ao cidadão, o qual deve ser respeitado e a quem devem ser disponibilizadas todas as garantias processuais, o Direito Penal do Inimigo é destinado apenas aos que atentam permanentemente contra o Estado e que, por isso, serão expostos à coação física.

Justamente por pregar uma forte intervenção penal em favor do cidadão, que faz parte do con-

trato social, o Direito Penal do Inimigo enseja inúmeras controvérsias, a começar pela própria denominação do movimento, a qual, segundo as palavras de Luis Gracia Martín, “suscita ya en cuanto se pronuncia determinados prejuicios motivados por la indudable carga ideológica y emocional del término enemigo”.10 11 Jakobs ca-tegoricamente afirma logo no início de Direito Penal do Inimigo – Noções e críticas que a denomi-nação utilizada não pretende, sempre que citada, soar pejorativa;12 entretanto, o termo inimigo por si só já conduz a uma rejeição emocional por parte da sociedade no tocante aos excluídos da esfera cidadã.

10 MARTÍN, Luis Gracia. Consideraciones Críticas Sobre el Actualmente Denominado “Derecho Penal del Enemigo”. Re-vista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, 2005. p. 3.11 Tradução livre: “Suscita já quando se pronuncia determina-dos preconceitos motivados pela indubitável carga ideológica e emocional do termo inimigo”.12 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 21.

Faz-se notório ressaltar que o verdadeiro Di-reito Penal encontra-se vinculado à Constitui-ção Democrática de cada Estado,13 uma vez que se propõe a proteger os bens jurídicos de maior relevância para a convivência em sociedade. As-sim sendo, as críticas relativas ao Direito Penal do Inimigo somente podem ser observadas em Estados que admitam, no texto constitucional, a associação entre Direito Penal e defesa de garan-tias individuais.

Isso porque, nos governos ditos totalitários, a legislação como um todo já é articulada com base na guerra contra os inimigos – meramen-te são reconhecidos possíveis dispositivos de coação. Os regimes democráticos, por sua vez, são formados, também, por direitos e garantias fundamentais, de modo que a denominação “Direito Penal do Cidadão” torna-se um pleo-nasmo. No contexto de um Estado Democráti-co, o Direito Penal do Inimigo pode, então, ser visto como contraditório, porque representa um “não direito”, contrapondo-se, portanto, às garantias fundamentais existentes em um regi-me não totalitário.14

Em relação às características principais do Di-reito Penal do Inimigo, podem-se atribuir crí-ticas severas, quando analisadas sob o prisma da proteção de direitos individuais e da proporcio-nalidade entre pena e delito.

O Direito Penal do Inimigo não rejeita a ideia de penas desproporcionais. Ao inimigo, identifi-cado “mediante a atribuição de perversidade, me-

13 GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo (ou Inimigos do Direito Penal). Revista Jurídica Unicoc, Ano II, nº 2, 2005. p. 3.14 Ao contrário do que ocorre em regimes totalitários, nos Estados Democráticos de Direito, caracterizados, também, por serem regulados por uma Constituição, os cidadãos são titulares de direitos individuais, inclusive políticos, oponíveis ao próprio Estado (SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4ª ed., 10ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 49-54). Assim sendo, o Direito Penal do Inimigo, enquanto movimento que relativiza certos direitos individuais, só fará sentido dentro de um Estado que não só preveja como, também, resguarde tais direitos.

diante sua demonização”,15 aplica-se uma pena cujo significado não resulta apenas de uma con-tradição fática, mas, também, de guerra a fim de garantir a segurança diante dos inimigos.

Nesse sentido, é estabelecida uma polêmica entre o Direito Penal do Inimigo e o Direito Penal do Estado de Direito. Enquanto este prega a proporção entre a aplicação da pena e o de-lito praticado, aquele se caracteriza pela defesa de penas desproporcionais, com base no perigo apresentado pelo indivíduo.

O Direito Penal do Estado de Direito, corre-tamente, propõe seja feita uma ponderação entre o bem lesionado e o bem de que alguém possa ser privado a fim de que o delito cometido tenha, efetivamente, uma relação valorativa com a pena. Deve-se, portanto, buscar a proporcionalidade, o que não é almejado pelo Direito Penal do Inimigo.

No âmbito da defesa de direitos fundamen-tais ao indivíduo, ressalta-se que ao inimigo não se reconhecem garantias penais e processuais – principalmente o direito ao devido processo legal. Trata-se o inimigo com inferioridade e desvaloriza-se a dignidade da pessoa humana. “Pessoa humana”, a princípio, pode soar como uma expressão pleonástica, porém, acaba por ex-pressar com clareza o fato de cada ser humano carregar consigo a dignidade da humanidade in-teira. Nega-se, ao inimigo, a condição de pessoa, negando-lhe, por conseguinte, sua dignidade.

O Direito Penal do Inimigo é posto sob ques-tionamento, ademais, pelo fato de que, nele, as pe-nas surgem como solução/remédio para aniquilar o inimigo. A imputação do cidadão será feita com base no princípio acusatório a partir de todas as garantias processuais, enquanto a imputação do inimigo será feita com base no princípio inquisi-

15 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 97.

tório.16 Nesse sentido: “O duplo sistema de im-putação de Jakobs17 suprime seculares garantias constitucionais do Estado Democrático de Direi-to, como expressamente propõe: o processo con-tra o inimigo não precisa ter forma de justiça”.18

Cabe, neste momento, tecer algumas conside-rações sobre a distinção entre Direito Penal do autor e Direito Penal de ato, devido à sua notória relevância para a compreensão do Direito Penal do Inimigo. Para isso, convém aprofundar a dis-tinção entre o Direito Penal de culpabilidade e o Direito Penal de periculosidade.

A culpabilidade representa a reprovabilidade de uma conduta. Trata-se de um conceito gra-duável segundo o qual a pena é uma espécie de pagamento. De acordo com essa concepção de Direito Penal, o sujeito tem liberdade de escolha e, portanto, o limite da pena é o grau da culpa-bilidade – “O direito penal de culpabilidade é aquele que concebe o homem como pessoa”.19

O Direito Penal de periculosidade, por sua vez, sustenta que o homem não é livre para realizar suas escolhas: ele é determinado e, nessa hipótese, não se fala em culpabilidade. Para a determinação

16 O princípio inquisitório é aquele marcado pela presença de variadas formas de coação. Assim sendo, com base nesse princípio “o Estado elimina direitos de modo juridicamente ordenado” (JAKOBS, Günther; MELIÁ, Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críti-cas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 38).17 O duplo sistema de imputação descrito por Jakobs se carac-teriza por uma polarização no Direito Processual Penal. Tem-se, de um lado, uma espécie de imputado, comumente referido como sujeito processual, permeado por todas as garantias processuais. Em contrapartida, há outro tipo de imputado, o qual estará sujeito à coação e a quem serão relativizadas e, até mesmo, derrogadas certas garantias processuais – cita-se, como exemplo, a supressão do direi-to de um preso contatar seu defensor (JAKOBS, Günther; MELIÁ, Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 38).18 DOS SANTOS, Juarez Cirino. O Direito Penal do Inimigo – ou O Discurso do Direito Penal Desigual, pesquisado no site www.cirino.com.br, acesso em 30 de dezembro de 2011. p. 11.19 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, Volume 1 – Parte Geral. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 108.

o direito Penal de periculosidade sustenta que o homem não é

livre para realizar suas escolhas: ele é determinado

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da pena, que, nesse caso, significa ressocialização,20 considerar-se-á, apenas, o grau de determinação do sujeito na prática do delito ou, em outras pala-vras, o grau de periculosidade.

Embora não haja uma definição incontestável, pode-se dizer que o Direito Penal do autor, em oposição ao Direito Penal de ato, o qual pune o autor por aquilo que ele faz, “é uma corrupção do direito penal, em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma ‘forma de ser’ do autor, esta sim considerada verdadei-ramente delitiva”.21 Conforme previu a escola Positiva, o autor é um ser inferior e seu delito, apenas fruto de sua má condução de vida.

A punição dos inimigos por antecipação, de acordo com sua periculosidade, retoma a ideia de criminalização com base na análise do perigo que o inimigo pode representar. Tem-se uma “apli-cação antecipada de pena como segurança para impedir fatos futuros”.22 Argumenta-se que esse Direito Penal prospectivo, em substituição ao re-trospectivo, fere o princípio da culpabilidade.

Tal princípio apresenta, ao menos, três signi-ficados. O primeiro deles diz respeito à análise da possibilidade de censura quanto ao fato pra-ticado; o segundo refere-se à medição da san-ção penal; finalmente, o terceiro representa uma imposição da subjetividade da responsabilidade penal, ou seja, não há conduta sem que haja dolo ou culpa por parte do agente.

Ao se optar pela aplicação antecipada da pena, não há como analisar a possibilidade de censura

20 Conforme explica Zaffaroni, no Direito Penal de periculosidade “a pena ressocializa neutralizando a periculosidade” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, Volume 1 – Parte Geral. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 108 (tabela comparativa).21 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, Volume 1 – Parte Geral. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 110.22 DOS SANTOS, Juarez Cirino. O Direito Penal do Inimigo – ou O Discurso do Direito Penal Desigual, pesquisado no site www.cirino.com.br, acesso em 30 de dezembro de 2011. p. 8.

do ato praticado, visto que este ato sequer foi consumado. Dessa forma, tanto a medição da sanção quanto a imposição da subjetividade da responsabilidade se tornam impossibilitadas. Em decorrência de não se punir a culpabilidade do agente, pena e medida de segurança deixam de ser realidades distintas e passam a se confundir.

O Direito Penal do Inimigo é, portanto, um Di-reito Penal de periculosidade e, consequentemen-te, manifestação do direito penal do autor. Daí, o questionamento da legitimidade desse movimento da política criminal atual. A partir da punição com base na personalidade do agente, permite-se uma nova demonização, reproduzindo Manuel Cancio Meliá,23 de determinados grupos de delinquen-tes. Condena-se, primeiramente, a atitude interna corrompida do agente, sendo o delito apenas um espelho, um reflexo da pessoa do infrator.

Há, dessa forma, a possibilidade de crimi-nalização de determinado modo de vida sem a necessidade de ocorrência de um delito. Ao substituir o grau de culpabilidade pelo grau de periculosidade, esse movimento, difundido por Jakobs, não só afronta o princípio da legalidade (ao permitir a punição de atos anteriores alheios ao delito) como, também, contamina o princípio da dignidade da pessoa humana, já que é negada ao inimigo a própria condição de pessoa.

O Direito Penal do Inimigo, sem dúvida, admite a possibilidade de condutas arbitrárias e imprevisí-veis por parte dos Poderes Executivo e Judiciário, visto que apenas o modo de condução de vida de um sujeito pode levar a punições sem a necessi-dade de que haja ocorrido, de fato, um delito que ensejasse a condenação do agente. Vale dizer, con-dutas de natureza arbitrária e imprevisível podem ser consideradas, também, irracionais, no sentido de que deve prevalecer a definição tripartida de

23 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 97.

crime, segundo a qual apenas é crime o fato típi-co, antijurídico e culpável.24 Assim, a punição com a ausência de delito é capaz de acarretar uma in-criminação vaga e indeterminada, colocando em risco o Estado Democrático de Direito, de forma a regredirmos ao Estado-Polícia.

Das acentuadas controvérsias sobre o Direito Penal do Inimigo aqui expostas, conclui-se que as polêmicas acerca do tema ainda não se finali-zaram. Jakobs sustenta a institucionalização desse movimento, resguardando a divisão entre cida-dãos e inimigos a fim de que estes últimos possam ser impedidos, mediante coação, de destruir o or-denamento jurídico.25 Em contrapartida, muitas são as alegações no sentido de que “nesse modelo processual penal inexiste atividade cognitiva de um julgador imparcial, consubstanciada na veri-ficação empírica de fatos concretos”,26 de modo que se determinadas garantias ao devido processo legal são limitadas e, até mesmo, suprimidas para o

24 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 13ª ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011. p. 141.25 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 40.26 MALAN, Diogo Rudge. Processo Penal do Inimigo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 59, 2006. p. 26.

inimigo, “então o Estado Democrático de Direito está sendo deslocado pelo estado policial”.27

Cabe, então, aos magistrados o papel de con-trolar a seletividade arbitrária do processo penal para que o Direito Penal do autor não se mani-feste em sua plenitude. Sabe-se que, na prática, o Direito Penal de ato também não se realiza de maneira completa em nenhum lugar. Espera-se, porém, que os operadores do direito tenham dis-cernimento para limitar ao máximo, mediante aplicação da racionalidade, a punição baseada no modo de ser do agente a fim de que não se en-xovalhe o valor da dignidade humana. n

27 DOS SANTOS, Juarez Cirino. O Direito Penal do Inimigo – ou O Discurso do Direito Penal Desigual, pesquisado no site www.cirino.com.br, acesso em 30 de dezembro de 2011. p. 20.

cabe aos magistrados o papel de controlar a seletividade arbitrária do processo penal para que o direito Penal do autor não se manifeste em sua plenitude

Referências bibliográficasBONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed., 1ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 1994.BRUNO, Aníbal. Direito Penal – Parte Geral. 2ª ed., Tomo 1º. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1959.DOS SANTOS, Juarez Cirino. O Direito Penal do Inimigo – ou O Discurso do Direito Penal Desigual, pesquisado no site www.cirino.com.br, acesso em 30 de dezembro de 2011.GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo (ou Inimigos do Direito Penal). Revista Jurídica Unicoc, Ano II, nº 2, 2005.GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 13ª ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011.HOBBES, Thomas. Leviatã ou a Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 1ª ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003.JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010.MALAN, Diogo Rudge. Processo Penal do Inimigo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 59, 2006.MARTÍN, Luis Gracia. Consideraciones Críticas Sobre el Actualmente Denominado “Derecho Penal del Enemigo”. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, 2005.SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4ª ed., 10ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007.ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, Volume 1 – Parte Geral. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

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o direito enquanto veículo: a trajetória de uma

É notório que grandes ju-ristas são objeto de admira-ção dos estudantes de Direito. Contudo, essa não é a trilha de todos os futuros bacharéis, uma vez que o curso abre um leque de possibilidades. Estu-dante do 7º semestre de Direi-to da PUC-SP, Beatriz Bulla é uma das poucas de sua sala que não têm o Exame de Ordem da OAB como grande meta. A jornalista recém-formada pela Faculdade Cásper Líbero vê relação entre os princípios bá-sicos do Direito e o mundo do jornalismo. Mais do que pro-fissionalmente, pretende usar seus conhecimentos jurídicos como cidadã.

Esta seção pretende mos-trar a atuação de alunos da gradua ção na formação de suas carreiras, relatando seus caminhos e motivações ao se iniciar profissionalmente.

Beatriz, personagem desta primeira edição, esbarrou no Direito no meio de sua carrei-

ra como jornalista. A jovem de 21 anos estagiou por um ano no site jurídico Última Instân-cia e, com mais três colegas do portal, escreveu o livro Justiça no Trabalho – 70 anos de direitos, obra publicada pela Alameda Casa Editorial em dezembro de 2011. No mesmo mês, ela terminou a faculdade de Jor-nalismo, o 6º semestre de Di-reito e o Curso Intensivo de Jornalismo Aplicado do jornal O Estado de São Paulo – um misto de extensão universitá-ria e treinamento profissional.

o Dia a Dia

A rotina, como é de se su-por, não era das mais tranqui-las. “Acho que só fui capaz de continuar porque eu sentia prazer em tudo o que fazia”, relata. Relembrando o can-saço, conta que conciliar o treinamento no Estadão com as duas faculdades e o traba-lho de conclusão do curso de

Jornalismo – um documentá-rio de 50 minutos – foi “quase um atestado de insanidade”. “Prometi para mim mesma nunca mais assumir tanta coisa em pouco tempo. Mas sei que isso dura só até o próximo de-safio”, confessa.

DoiS munDoS

Beatriz Bulla iniciou a fa-culdade de Direito quando entrava no segundo ano de Jornalismo. “Comecei a cur-sar Jornalismo com 17 anos e me encontrei. E me encantei. Sabia que aquela era a minha profissão, mas achava que a faculdade de Jornalismo se-ria muito genérica”. Unindo a vontade de se aprofundar em algum assunto com o in-teresse por política, decidiu estudar Direito. “Continuei com as duas faculdades por-que entendo a relação dos en-sinamentos de Direito com a política e passei a ver nos jor-nais matérias que, de alguma forma, passavam pelo Direito Administrativo, Penal, Cons-titucional”, diz. O Direito não só supriu seu anseio por aprofundamento, como tam-bém ampliou suas opções de

trabalho. Bia, como gosta de ser chamada, acredita que a segunda faculdade ajudaria na construção de sua carreira em qualquer área, enriquecendo sua formação como cidadã. “O Direito ajuda a relativizar e refletir as questões huma-nas, equilibrando pontos de vista”, afirma.

Ela relata que as duas áreas se assemelham no que se refe-re ao instrumento de trabalho (o “poder da palavra”, como gosta de chamar) e na relação com pessoas. Destaca ainda a necessidade em ambos de sempre haver contraditório. Contudo, mesmo com as re-lações existentes, Bia enfrenta a conciliação de dois univer-

A questão multidisciplinar da Faculdade de direito

revela a dispensabilidade do bacharel estar adstrito

a togas e gravatas

jornalistaisabELa oLiVa Cassará E CLara ProCE PiNto sErVa

O Direito ajuda a relativizar e refletir as questões humanas, equilibrando pontos de vista.

Beatriz Bulla: estudante do 7º semestre de direito da PuC-sP

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sos distintos. “Às vezes brinco que são mundos diferentes”, e explica: “O volume de traba-lho no Jornalismo é grande, a exigência também, mas o am-biente é mais leve. As pessoas não usam terno e gravata, o vocabulário é menos formal. Todos podem (e devem, mui-tas vezes) trabalhar com pá-ginas de redes sociais abertas. Precisam estar antenados com o que acontece na internet, na música, na cidade. Tudo pode virar uma pauta. Em troca, passam finais de semana de plantão e podem perder uma festa porque algo aconteceu na última hora e precisa sair no jornal do dia seguinte. No Direito, as coisas, comparati-vamente, são mais planejadas, às vezes mais burocráticas, mas os salários são maiores”.

Sobre as diferenças acadê-micas, expõe: “A relação dos alunos com a faculdade tam-bém é diferente. As aulas de Jornalismo exigem, sim, téc-nica e conteúdo, mas pedem muito repertório pessoal. Se você deixar de ler o texto de um teórico da comunica-ção para tirar o atraso da sua coleção de Piauís ou de New Yorkers, você pode não ir tão bem na prova, mas isso não será uma grande falha na sua vida profissional. Pelo con-trário. No Direito não é bem assim. Se você não estudar o livro de Direito Processual Ci-vil vai ter problemas”. Para a estudante, o desafio em lidar com as diferenças e conviver nesses dois ambientes é um exercício enriquecedor.

DireiTo, JornaliSmo e TraBalho

Especada em sua dupla for-mação, Beatriz estagiou no site Última Instância, importante difusor de notícias jurídicas. Neste cenário, reconhece que o curso da PUC-SP a auxilia em seu discernimento quanto

às informações que transmite, de modo a identificar concei-tos, entender a linguagem dos juristas e interpretar acórdãos e decisões judiciais. Outro aspecto facilitador é a aces-sibilidade no meio acadêmi-co dos professores de Direito, facilitando o agendamento de entrevistas.

Diferentemente do que seria de se imaginar, Beatriz explica que, apesar da facul-dade lhe servir de amparo, até os seus colegas com formação exclusiva em Jornalismo têm elevado conhecimento jurí-dico. “Eles são quase bacharéis em Direito, de tanto que pes-quisam e lidam com o tema. E são jornalistas competentes o suficiente para ligar para um advogado e tirar alguma dúvi-da quando é preciso.”

Há um dito popular que diz que, para ter uma existência completa, uma pessoa deve es-crever um livro, ter um filho e plantar uma árvore. Beatriz, mesmo com apenas 21 anos, já quitou o primeiro requisito. Inicialmente o projeto consis-tia em produzir um especial comemorativo dos 70 anos de

criação da Justiça do Trabalho para o Última Instância, cujo lançamento veio a ocorrer em 1º de maio de 2011. “Tudo foi feito com antecedência, com muito trabalho e em equi-pe”, diz. Ela chegou a viajar para o Rio de Janeiro a fim de realizar uma entrevista com Arnaldo Sussekind, único ju-rista ainda vivo entre os que participaram da elaboração da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

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“O resultado de todo o especial ficou tão legal que se pensou em fazer um livro partindo daquele material”, explica. As matérias já existen-tes serviram de pontapé para a realização de novas entrevistas e apurações maiores. Beatriz foi incumbida de reeditar al-gumas entrevistas e realizar novas, tendo como entrevista-das pessoas relevantes na cons-trução da Justiça do Trabalho no país ou representativas do desenvolvimento desse setor, além de elaborar a descrição do perfil de cada entrevistado.

Beatriz enfatiza que o traba-lho foi coletivo e que “houve muita orientação, muita con-versa, todas as dúvidas eram discutidas. Tudo na equipe do Última Instância funcionava assim, e na Alameda, editora responsável pela publicação, também”. Assinam a obra Bea triz Bulla, Fabiana Barre-to Nunes, Mariana Ghirello e William Maia, com repor-tagens também de Daniella Dolme e Thassio Borges. “O livro Justiça do Trabalho é um exemplo concreto de como o Direito pode me ajudar no envolvimento com projetos interessantes”, observa.

A história da jovem jorna-lista ilustra a efetiva possibili-dade de um aluno da gradua-ção buscar uma formação completa, adequando suas ati-vidades às suas metas de mé-dio a longo prazo. A estudante mostra que o curso de Direito servirá a cada um de acordo com suas ambições, não se res-tringindo a togas e leis. E mais: com determinação, é possível fugir da mediocridade e ga-nhar destaque na área de atua-ção que se ambiciona. n

O livro Justiça do Trabalho é um exemplo concreto de como o Direito pode me ajudar no envolvimento com projetos interessantes.

o livro Justiça no Trabalho – 70 anos de direitos, obra publicada com mais três colegas, em dezembro de 2011

O curso de Direito servirá a cada um de acordo com

suas ambições.‘

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estante Fórum jurídicoum livro é um mundo mágico cheio de pequenos símbolos que podem ressuscitar os mortos e dar vida eterna aos vivos. Leia. Pense. discuta*

No presente livro, o advogado Pierre Monreau busca, por meio de uma série de entrevistas, apro-ximar o leitor da história dos mais influentes ad-vogados do Brasil, como Márcio Thomaz Bastos, Priscila Corrêa da Fonseca, Modesto Carvalho-sa, Miguel Reale Júnior, Eros Grau, Ary Oswal-do Mattos Filho, Alexandre Bertoldi e Antonio Meyer, todos respondendo a perguntas sobre a descoberta da apaixonante arte do Direito, de acordo com os sonhos e conquistas de cada um.

A série de entrevistas cativa o leitor mostran-do que acima do estudo, do poder de conven-cimento, e da habilidade com a palavra, está a paixão pela ciência do Direito, a qual, em alguns casos, demora para aflorar no indivíduo.

Este é, sem dúvida, um livro que todos os profissionais ligados à área do Direito devem ler. Não só aqueles que almejam a carreira de advocacia, mas sim todos aqueles que desejam se inspirar nas grandes figuras que se destacam hoje na história do Direito.

Pierre moreau, ilustre advogado, formado pela PuC-sP em 1991, mestre e doutor pela mesma instituição, membro do Conselho do insper – sP, é sócio-fundador da Casa do saber – sP e presidente do ideabank.

Justiça o que é fazer a coisa certaMi C h a E L J. s a N dE Ltradução: Heloísa matias e maria alice máximo349 páginas / Editora: civilização Brasileira

Com base nas aulas ministradas na Universi-dade de Harvard, Michael J. Sandel, em seu livro Justiça – O que é fazer a coisa certa busca, em uma linguagem simples e atual, analisar os dilemas enfrentados por nossa sociedade a partir da apli-cação prática do pensamento filosófico clássico. “Aristóteles, Immanuel Kant, John Stuart Mill e John Rawls figuram, todos eles, nestas páginas.”

Muito mais que simplesmente ensinar a im-portância do Mito da Caverna, de Platão, ou do Utilitarismo, de Jeremy Bentham, Michel Sandel procura demonstrar ao leitor que a filosofia clás-sica continua presente em nossos pensamentos e influencia tanto governos como as pessoas em suas mais diversas atitudes.

Assim, os diversos temas abordados pelo livro vão desde a crise financeira nos Estados Unidos, o pa-gamento de benefícios aos executivos com dinheiro público, a influência do Estado na economia, a es-colha de quem deve viver ou morrer em determi-nadas situações, até o preço da felicidade. Todos esses tópicos vêm tratados sob a perspectiva da justiça.

grandes advogadosPiE r r E Mor E aU (organização)351 páginas Editora: casa do Saber

código da vidas aU Lo r a Mos467 páginas editora: Planeta

O livro Código da Vida tem como história prin-cipal um caso verídico em que o jurista advogou com maestria. No caso, Saulo Ramos defende um homem que foi acusado pela ex-mulher de ter abusado sexualmente dos próprios filhos. Tido pela consciência popular como “culpado” antes do julgamento, o homem entra no escritório do jurista implorando por sua defesa. A partir deste momento, a história gravita entre questões sobre a possibilidade de defesa de qualquer indivíduo e a dúvida acerca da inocência.

Além do suspense trazido pelo caso, o leitor se prende às curiosíssimas experiências de vida de Saulo Ramos, as quais ele conta no decorrer do livro. Sua infância no interior de São Paulo, o seu papel no governo de Jânio Quadros, os cargos de Ministro da Justiça e Consultor-Geral da República no governo Sarney, e sua atuação na promulgação da atual Constituição Federal, são exemplos dos fatos narrados na obra.

Elaborado como um livro de memórias e po-lêmico pela exteriorização de alguns pensamen-tos do jurista, Código da Vida leva o leitor para o mundo do direito vivido por este influente advogado brasileiro. Envolvente e cheio de sus-pense, a obra certamente irá prender o leitor até a última página.

Saulo ramos é advogado, foi oficial de Gabinete do governo de jânio Quadros e ministro da Justiça de 1989 a 1990, no governo de José sarney.

É por essa abrangência e conteúdo reflexivo que o livro Justiça deve fazer parte da leitura obri-gatória de quem quer compreender melhor o que é justiça e, consequentemente, a vida. Porque, nas palavras de Michel, “É profunda a convicção de que justiça envolve virtude e escolha: meditar sobre justiça parece levar-nos inevitavelmente a meditar sobre a melhor maneira de viver”.

Quem quiser conhecer mais sobre o autor, seu curso em Harvard e sobre o livro pode acessar o site www.justiceharvard.org/about/michael-sandel/. No site é possível ler sobre o autor, conhecer seu curso e, o mais interessan-te, assistir a doze aulas (em inglês) em que o autor trata dos mais diversos temas atuais, com essa visão filosófica e crítica, que são suas prin-cipais características.

michael J. sandel, influente filósofo, professor de Filosofia Política na universidade de Harvard, desde 1980, onde leciona o concorrido curso “Justiça”, que já foi visto por mais de 15 mil alunos.

Este livro não é uma história das ideias, e sim uma jornada de reflexão moral e política

Lições de quem ensina e aprende em exercício permanente

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A Associação Sapientia de Alunos e Ex-Alunos da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo é uma associação civil, sem fins lucrativos, criada com o objetivo de (i) promo-ver e estimular a integração entre alunos, ex-alunos e professores da Graduação e Pós-Graduação do curso de Direito da PUC-SP, (ii) colaborar com a comunidade puquiana na busca de uma faculdade mais completa por meio da promoção de ativida-des culturais, tais como palestras, cursos, simpósios, bolsas de estudo e aquisição de livros.

Além disso, queremos reacender as chamas de orgulho, união, perseverança e justiça social, que sempre foram características de nossos alunos, para tornar nossa “Gloriosa” e nossa sociedade um lugar melhor.

Dessa forma, devemos elevar nossa faculdade de Direito a um patamar que ela realmente merece, colocando-a à frente de qualquer outro ideal. Não basta ser 5 estrelas no MEC, tem que ser completa para os alunos, com oportunidades de desenvolvi-mento intelectual, social e profissional.

Nesse sentido, recém-nascida, nossa Associação já lançou a revista Fórum Jurídico, inovadora, de conteúdo abrangente, com matérias e artigos visan-do incentivar os novos alunos a se apaixonarem pela história da PUC-SP e atrair os antigos alunos para mais perto de nossa faculdade. E não vai parar aqui! Temos grandes planos para nossa “Gloriosa”.

Entre os projetos da Associação, destacamos os seguintes:• revista Fórum Jurídico – revista discente da Facul-dade de direito da PuC-sP. Com o corpo editorial forma-do apenas por alunos da graduação, a revista Fórum Ju-rídico busca incentivar o desenvolvimento profissional

e pessoal dos discentes, com a possibilidade de publi-cação de artigos jurídicos, aprendizado com o conteúdo e contato direto com grandes ex-alunos do direito PuC.• palestras e cursos – A Associação Sapientia realizará palestras e cursos para os alunos, buscando diversificar os temas de interesse e trazer profissionais das mais di-versas áreas para que os estudantes possam ter contato direto e tirar dúvidas com especialistas formados pela PuC.• Doação de livros – Efetuaremos doações de livros à faculdade para que os estudantes tenham acesso a acervos mais novos e atualizados.• Banco de currículos – Para os alunos que estiverem procurando estágio, a Associação formará um banco de currículos em que os alunos poderão incluir seus dados, experiências e a área onde desejam estagiar. esse banco de currículos ficará à disposição e em contato direto com escritórios, empresas e órgãos públicos para que estes possam procurar estagiários que combinem com o perfil do local de trabalho.

Além dos mencionados, temos diversos ou-tros projetos, mas, para isso, precisaremos de todo o apoio dos puquianos. Assim, convidamos você a fazer parte da nossa Associação. Para isso, des-taque e preencha o formulário que consta na página ao lado e entregue para um de nossos re-presentantes, juntamente com o comprovante de pagamento do plano selecionado ou, se preferir, envie a documentação para [email protected].

Vamos, juntos, continuar a construir a história do ”Direito PUC”, história de resistência, de luta pela Democracia, de superação e de justiça, só que agora repleta de oportunidades para o desenvolvi-mento intelectual, social e profissional.

Esperamos por você!

PUC além das salas de aulaAtividades culturais, palestras e bolsa de estudos são algumas das metas da Associação, que promove a integração entre aluno e professor

Dados pessoais

nome do associado

data de nascimento Sexo

estado civil nacionalidade

Documentos

CPF nº oab

rG Seção

endereço para correspondência

Endereço

complemento

bairro CeP

cidade Estado

Dados para contato

Telefone 1 Fax

telefone 2

E-mail

Dados profissionais

Local de trabalho

Posição atual

ano de graduação na PuC

Local de pós-graduação

plano de associação

aluno da graduação Ex-aluno da graduação, aluno ou ex-aluno

r$ 40,00 por ano pagos à vista do mestrado/doutorado

r$ 60,00 por ano pagos à vista

FiCha de insCrição associação Sapientia de alUnos e ex-alUnos da facUldade de direito da PUc-sP

Dados para depósito bancárioassociação de alunos e ex-alunos da Faculdade de direito da Pontifícia universidade Católica de são Paulobanco santander (033) agência 3004 Conta 13-005685-9 CnPJ 14.671.140/0001-04

r e v i s t a

P a t r o c í n i o

a P o i o