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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO SARA CIBELE RÊGO DE MEDEIROS O LUGAR DO PATRIMÔNIO URBANO NA DINÂMICA DA CIDADE NATAL-RN ORIENTADORA: PROFA. DRA. MÁRCIA SANT’ANNA Salvador 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

SARA CIBELE RÊGO DE MEDEIROS

O LUGAR DO PATRIMÔNIO URBANO NA

DINÂMICA DA CIDADE NATAL-RN

ORIENTADORA: PROFA. DRA. MÁRCIA SANT’ANNA

Salvador

2017

SARA CIBELE RÊGO DE MEDEIROS

O LUGAR DO PATRIMÔNIO URBANO NA

DINÂMICA DA CIDADE NATAL-RN

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal da

Bahia, vinculado à linha de pesquisa de Restauração,

Conservação e Gestão dos Bens Patrimoniais, como parte

dos requisitos para obtenção do título de Mestre em

Arquitetura e Urbanismo.

Orientadora: Márcia Sant’Anna.

Salvador

2017

MEDEIROS, Sara Cibele Rego.

O Lugar do Patrimônio Urbano na Dinâmica da Cidade Natal-RN / Sara Cibele Rego

de Medeiros – Salvador, 2017.

245 p. il.

Orientadora: Prof.ª. Márcia Sant’Anna.

Dissertação (mestrado) – Faculdade de Arquitetura – Universidade Federal da

Bahia, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, 2017.

1. Políticas públicas. 2. Centro histórico. 3. Dinâmica urbana. 4. Natal-RN.

SARA CIBELE RÊGO DE MEDEIROS

O LUGAR DO PATRIMÔNIO URBANO NA

DINÂMICA DA CIDADE NATAL-RN

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, da

Universidade Federal da Bahia, vinculado à linha de pesquisa de Restauração, Conservação e

Gestão dos Bens Patrimoniais, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre

em Arquitetura e Urbanismo.

Aprovada em: ____ / ____ / ________

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________

Profa. Dra. Márcia Sant’Anna – Orientadora Universidade Federal da Bahia – UFBA

___________________________________________

Prof. Dr. Eugênio D'Ávila Lins – Membro Interno Universidade Federal da Bahia – UFBA

___________________________________________

Profa. Dra. Natália Miranda Vieira de Araújo – Membro Externo Universidade Federal de Pernambuco – UFPE

AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família. Aos meus pais, Cícera e Manoel, pelo apoio nos momentos em

que arrisquei alçar voos mais altos, assim como pela acolhida nos momentos em que houve

quedas e acidentes de percurso. Aos meus irmãos, Lucas e Cecília, pela inspiração e companhia

nessa jornada acadêmica.

À Professora Marcia Sant’Anna, pela orientação, leitura atenta do trabalho,

conhecimentos transmitidos, e também pela compreensão, paciência e apoio, essenciais para

que eu pudesse concluir essa dissertação.

Aos professores Natália Vieira e Eugênio Lins, pelas importantes contribuições para a

evolução da pesquisa, desde a primeira banca de qualificação – à Natalia também pelo

incentivo de muitos anos.

Aos professores da UFRN José Clewton do Nascimento, pela disponibilidade para me

coorientar, caso fosse necessário, e por me apresentar ao conceito de totalidade; e Ruth

Ataíde, por me receber e acompanhar na atividade de Tirocínio Docente.

Aos profissionais que contribuíram diretamente com informações, através de entrevistas

ou disponibilização de dados: Onésimo Santos, Lytani Eufrásio, hoje ex-servidores do IPHAN-

RN; Maria Florésia Pessoa, da SEMURB; Carlos Ribeiro Dantas, da SETUR; Antônio Garcia, da

JUCERN; e ao arquiteto Haroldo Maranhão.

Aos amigos que, de perto ou de longe, se mantiveram na torcida. Aos que tornaram a

vida em Salvador tão agradável, incluindo os potiguares que também fizeram esse percurso

pela Bahia, Monique, Clara, Felipe e Maria Isabel. À Marina, Cinira e Lutero, que, junto com

Isabel, dividiram a morada em composições e períodos variados, estendendo-se à Gustavo e

Murilo. À Lumena, Cecília e Daniel, por me receberem durantes as viagens realizadas para dar

seguimento as orientações e outras demandas na fase final do mestrado.

À Danielle Maia, por me ajudar a lidar com minhas emoções nos momentos críticos desse

processo.

Ao Programa de Pós-graduação e Arquitetura e Urbanismo da UFBA, pela dupla

oportunidade de desenvolver essa pesquisa. Ao CNPq pela bolsa concedida, que permitiu a

estadia em Salvador durante a primeira fase do mestrado.

MEDEIROS, Sara Cibele Rego. O Lugar do Patrimônio Urbano na Dinâmica da Cidade Natal-RN.

245 f. il. 2017. Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-graduação em Arquitetura e

Urbanismo da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.

RESUMO

Esta dissertação trata do tema das políticas públicas para áreas urbanas de valor patrimonial, a

partir do estudo de caso da área central de Natal, Rio Grande do Norte. Tem-se como objetivo

geral avaliar a efetividade das políticas de preservação pensadas para o centro histórico de

Natal em face dos processos reais de produção do espaço urbano em andamento na cidade.

Para isto, utilizamos o referencial teórico metodológico de Santos (2006, 2012) e Harvey (2006,

2011, 2013, 2014) para fazer a leitura da dinâmica urbana da cidade, através da espacialização

no território dos usos residencial, comercial e institucional. Em um segundo momento nos

debruçamos sobre as ações dispensadas pelos três níveis de governo na antiga área central da

capital potiguar, dando ênfase as ações em curso atualmente, que são: o programa nacional

PAC-Cidades Históricas, coordenado pelo IPHAN; Operação Urbana Ribeira e a proposta de

revisão da Operação Urbana Consorciada Centro Histórico de Natal, capitaneado pela

Prefeitura Municipal; bem como o pacote de projetos contratado pelo Governo para a

Reabilitação do Centro Histórico de Natal. Por fim, iremos avaliar como o "projeto" de centro

histórico embutido nessas políticas se relaciona, leva em consideração, ou não, a dinâmica real

da cidade em sua totalidade.

Palavras-chave: Políticas públicas, centro histórico, dinâmica urbana, Natal-RN.

ABSTRACT

This dissertation deals with public policies for urban areas of heritage value, based on the case

study of the central area of Natal, state of Rio Grande do Norte, Brazil. The objective is to

evaluate the effectiveness of preservation policies designed for the historic center of Natal in

the face of the processes of production of the urban space in progress in the city. For this, we

use the methodological theoretical reference of Milton Santos (2006, 2012) and David Harvey

(2006, 2011, 2013, 2014) to read the urban dynamics of the city, through spatialisation in the

territory of residential, commercial and institutional uses. In a second moment, we focus on

the actions taken by the three levels of government in the central area, emphasizing the current

actions, which are: the national program PAC-Cidades Históricas, coordinated by the Instituto

do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a proposed revision for a Consortium

Urban Operation for the Historic Center of Natal, led by the City Hall, and the projects for the

Rehabilitation of the Historical Center of Natal, idealized and promoted by State Government

of Rio Grande do Norte. Finally, we will assess how the historical center "project" embedded in

these policies relates, takes into account, or not, the real dynamics of the city as a whole.

Keywords: Public policies, historic center, urban dynamics, Natal-RN.

ILUSTRAÇÕES

FIGURAS

Figura 1: Cartografia do cenário de fundação da cidade de Natal. ............................................ 39

Figura 2: Mapa de Natal em 1864 (Atlas do Império do Brasil) .................................................. 42

Figura 3: Master-plan da Cidade Nova 1901-1904. ..................................................................... 43

Figura 4: Raio visual que determina o controle de gabarito da ZET-3, na Praia no Meio. ........ 61

Figura 5: Vista do parcial da ZET-3 na Praia do Meio, com Petrópolis ao fundo. ...................... 62

Figura 6: Vista da ZET-3 na Praia do Meio com Santos Reis e a ZPA-7 ao fundo. ...................... 68

Figura 7: Vista aérea do Midway Mall. ......................................................................................... 84

Figura 8: Concentração de empresas ativas por Zona Administrativa-Natal ............................. 85

Figura 9: Concentração de empresas ativas por Zona Administrativa-Natal, sem categoria

jurídica “empresário” .................................................................................................................... 85

Figura 10: Bairros de Natal/RN que apresentam maior concentração de empresas ativas ...... 89

Figura 11: Movimento nas ruas do Alecrim. ................................................................................ 91

Figura 12: Comércio de rua na Cidade Alta. ................................................................................. 91

Figura 13: Verticalização na Av. Engenheiro Roberto Freira, no bairro de Ponta Negra, Natal.

...................................................................................................................................................... 105

Figura 14: Panorama da verticalização nos bairros de Tirol e Petrópolis, ao fundo, em Natal.

...................................................................................................................................................... 108

Figura 15: Verticalização na orla de Areia Preta. ....................................................................... 110

Figura 16: Panorama de verticalização na Av. Gustavo Cordeiro de Farias, na divisa entre os

bairros de Petrópolis, Rocas e Ribeira, Natal/RN. ...................................................................... 111

Figura 17: Diferença de escala na ocupação do centro histórico e a verticalização do entorno.

...................................................................................................................................................... 111

Figura 18: Residencial Maruim localizado na Ribeira. ............................................................... 114

Figura 19: Edifício da Prefeitura do Natal no bairro da Cidade Alta. ........................................ 121

Figura 20: Possível terreno para construção do Centro Administrativo do Município e Câmara

Municipal de Natal no bairro da Redinha................................................................................... 122

Figura 21: Forte dos Reis Magos, Natal-RN. ............................................................................... 132

Figura 22: Museu Café Filho, Natal-RN. ..................................................................................... 132

Figura 23: Edificação descaracterizada, situada na R. Dr. Barata, Ribeira, Natal-RN............... 137

Figura 24: Edificação descaracterizada, situada na Av. Tavares de Lira, Ribeira, Natal-RN. ... 137

Figura 25: Largo da Rua Chile com fachadas restauradas. ........................................................ 139

Figura 26: Edificações selecionadas pelo Programa Rehabitar Ribeira para execução de

operações imobiliárias. ............................................................................................................... 142

Figura 27: Área de atuação do Projeto Becos e Travessas. ....................................................... 143

Figura 28: Proposta do Programa Becos e Travessas para a Travessa Venezuela. .................. 143

Figura 29: Travessa José Alexandre Garcia recuperada pela iniciativa privada. ...................... 143

Figura 30: Intervenção no Largo do TAM com a implantação do Museu da Cultural Popular no

prédio da antiga rodoviária. ........................................................................................................ 147

Figura 31: Praça do Pôr-do-Sol e Mercado do Peixe ao fundo. ................................................ 147

Figura 32: Terminal Marítimo de Passageiros, na Ribeira. ........................................................ 150

Figura 33: Vista a partir da Av. Tavares de Lira, no centro histórico tombado, para a Av. Gustavo

Cordeiro de Farias, Ribeira-Natal. ............................................................................................... 177

Figura 34: Vista da Praça Augusto Severo na Ribeira, com edifícios verticalizados ao fundo. 178

Figura 35: Obras na Praça do Estudante, Cidade Alta, Natal. ................................................... 193

Figura 36: Imóvel localizado na Rua Chile, Natal, tombado pelo Governo do RN. .................. 200

Figura 37: Terreno onde foi divulgada a construção de edifício vertical, não construído, na

Ribeira. ......................................................................................................................................... 216

Figura 38: Edifício recém-lançado próximo à Av. Rio Branco, na Cidade-Alta, Natal. ............. 216

Figura 39: Espacialização das ações do PAC-CH em Centro Histórico de Natal. ...................... 218

Figura 40: Espaço público na Av. Duque de Caxias. ................................................................... 219

Figura 41: Estado atual dos espaços públicos da Av. Duque de Caxias. ................................... 219

MAPAS

Mapa 1: Subdivisão de bairros e zonas administrativas, com destaque para os bairros de Cidade

Alta e Ribeira, Natal-RN ................................................................................................................. 37

Mapa 2: Mancha de evolução urbana de Natal. .......................................................................... 46

Mapa 3: Zoneamento proposto pelo Plano Diretor de Organização Físico-territorial do

Município de Natal-1984............................................................................................................... 58

Mapa 4: Zoneamento estabelecido pelo Plano Diretor de Natal de 1994. ................................ 67

Mapa 5: Zoneamento estabelecido pelo Plano Diretor de Natal de 2007. ................................ 74

Mapa 6: Zoneamento incidente sobre o bairro de Ponta Negra segundo o PDN de 2007. ...... 78

Mapa 7: Eixos com concentração de comércio e localização dos shopping centers – Natal/RN.

........................................................................................................................................................ 87

Mapa 8: Mapa de renda média por bairro de Natal/RN segundo o Censo 2010. ..................... 90

Mapa 9: Zoneamento por predominância de uso nos bairros de Cidade Alta, Ribeira Rocas –

Natal/RN. ........................................................................................................................................ 93

Mapa 10: Espacialização da atuação dos incorporadores imobiliários na década de 2000-2010.

...................................................................................................................................................... 100

Mapa 11: Zona Administrativa Sul de Natal ............................................................................... 104

Mapa 12: Bairros da Zona Administrativa Leste de Natal ......................................................... 109

Mapa 13: Bairros das Zonas Administrativas Norte e Oeste de Natal. ..................................... 117

Mapa 14: Principais centralidades – Natal/RN .......................................................................... 130

Mapa 15: Delimitação da Zona Especial de preservação Histórica – ZEPH e Zona Especial

Portuária – ZEP ............................................................................................................................ 137

Mapa 16: Delimitação do tombamento do Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico

do Município de Natal/RN ........................................................................................................... 146

Mapa 17: Delimitação da área de atuação do Plano de Ações para as Cidades Históricas–

Natal/RN. ...................................................................................................................................... 159

Mapa 18: Mapa de Operação urbana Ribeira – 1997 ............................................................... 168

Mapa 19: Área de Operação Urbana Ribeira – 2007 e Perímetro de Reabilitação Integrada 172

Mapa 20: Subdivisão do perímetro da proposta de OUC Centro Histórico de Natal .............. 180

Mapa 21: Espacialização das propostas apresentadas pela Minuta de Lei apara a OUC-CHN.

...................................................................................................................................................... 187

Mapa 22: Projetos Contratados pelo Governo do Estado do RN ............................................. 190

QUADROS

Quadro 1: Bens tomados pelo Governo do estado do RN nos bairros fundacionais. ............. 134

Quadro 2: Ações contempladas pelo PAC Cidades Históricas em Natal-RN. ........................... 163

Quadro 3: Resumo das prescrições urbanísticas e incentivos fiscais previstos na OUR/1997.

...................................................................................................................................................... 170

Quadro 4: Resumo das prescrições urbanísticas e incentivos fiscais previstos na OUR/2007.

...................................................................................................................................................... 173

Quadro 5: Comparação dos quadros de obras previstos na OUR/1997 e OUR/2007 ............. 175

Quadro 6: Resumo das prescrições urbanísticas e incentivos fiscais propostos para a OUC

Centro Histórico de Natal. ........................................................................................................... 182

Quadro 7: Histórico de representantes políticos nas instâncias municipal e estadual desde o

início da década de 1990. ........................................................................................................... 192

Quadro 8: Política de preservação em Natal-RN subdividida por tipo de ação. ...................... 198

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ARH – Área de recuperação histórica

ARU – Área de renovação urbana

CBA – Coeficiente de aproveitamento básico

CEPAC – Certificado de Potencial Adicional de Construção

CHN - Centro histórico de Natal

CODERN – Companhia Docas do Rio Grande do Norte

FUNCART – Fundação Capitania das Artes

IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal

IFRN – Instituto Federal de Rio Grande do Norte

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

IPLANAT – Instituto de Planejamento Urbano de Natal

IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano

ISSQN – Imposto sobre serviços de qualquer natureza

JUCERN – Junta comercial do Rio Grande do Norte

OODC – Outorga onerosa do direito de construir

OU – Operação Urbana

OUC – Operação urbana consorciada

OUCCHN – Operação Urbana Consorciada Centro Histórico de Natal

OUR – Operação Urbana Ribeira

PAC – Programa de Aceleração do Crescimento

PAC-CH – Programa de Aceleração do Crescimento das Cidades Históricas

PCH – Programa de Cidades Históricas

PDN – Plano Diretor de Natal

PMCMV – Programa Minha Casa Minha Vida

PRSH – Programa de Revitalização de Sítios Históricos

REFESA – Rede Ferroviária Federal S. A.

SECTUR – Secretaria Turismo no Município

SEMURB - Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo

SETUR – Secretaria Turismo do RN

TPC – Transferência do Potencial Construtivo

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura

ZA – Zona administrativa

ZAB – Zona de adensamento básico

ZAd – Zona adensável

ZEP – Zona Especial Portuária

ZEPH – Zona Especial de Preservação Histórica

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................14

1.1.A ÁREA CENTRAL DE NATAL ............................................................................................................. 19

1.2.PATRIMÔNIO E O PLANEJAMENTO/DESENVOLVIMENTO URBANO ................................................ 21

1.3.METODOLOGIA – A CIDADE INSERIDA NA TOTALIDADE DA PRODUÇÃO CAPITALISTA .................... 27

1.4.ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO ......................................................................................................... 34

2. A FORMAÇÃO E O ORDENAMENTO URBANO DE NATAL ..................................................................39

2.1.A FORMAÇÃO DO ESPAÇO DA CIDADE E AS PRIMEIRAS TRANSFORMAÇÕES .................................. 39

2.2.REGULAÇÃO URBANA E O PAPEL DO ESTADO NA DINÂMICA INTRAURBANA ................................. 51

2.2.1. Plano Diretor de Organização Físico-territorial do Município ...................................................... 55

2.2.2.Plano Diretor de Natal de 1994 .................................................................................................... 62

2.2.3.Plano Diretor de Natal de 2007 .................................................................................................... 71

3. A DINÂMICA URBANA ATRAVÉS DA ESPACIALIZAÇÃO DOS USOS ....................................................81

3.1.ESPACIALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES COMERCIAIS ............................................................................. 81

3.1.1.A supremacia das Zonas Administrativas Sul e Leste de Natal: proliferação de equipamentos modernos versus centros tradicionais ................................................................................................... 82

3.1.2.A expansão recente do circuito superior da economia para a ZA-Norte ...................................... 95

3.1.3.A dinâmica comercial e as preferências locacionais em Natal ...................................................... 96

3.2.O MERCADO IMOBILIÁRIO NA PRODUÇÃO DE HABITAÇÃO ............................................................ 97

3.2.1.A supremacia da Zona Administrativa Sul ................................................................................... 101

3.2.2.Zona Administrativa Leste e a antiga área central ...................................................................... 106

3.2.3.A expansão do mercado imobiliário para as ZA-Oeste e ZA-Norte ............................................. 114

3.2.4.A dinâmica do mercado imobiliário na produção de habitação e as preferências locacionais......118

3.3.USO INSTITUCIONAL ...................................................................................................................... 120

3.4.CONSIDERAÇÕES SOBRE A DINÂMICA URBANA DE NATAL ........................................................... 124

4. POLÍTICA PATRIMONIAL EM NATAL ...............................................................................................132

4.1.AS PRIMEIRAS INICIATIVAS – INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO DE PATRIMONIALIZAÇÃO ... 132

4.2.PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO DAS CIDADES HISTÓRICAS ............................... 148

4.2.1.Antecedentes... ........................................................................................................................... 148

4.2.2.Caracterização do Programa ....................................................................................................... 150

4.2.3.A Atuação do PAC-CH em Natal .................................................................................................. 155

4.3.OPERAÇÕES URBANAS NA ÁREA CENTRAL DE NATAL ................................................................... 165

4.3.1.Proposta de Minuta de Lei para Operação Urbana Consorciada Centro Histórico de Natal....... 176

4.4.PROJETOS DE REABILITAÇÃO URBANA DO CENTRO HISTÓRICO DE NATAL – GOVERNO DO RN ... 188

4.5.CONSIDERAÇÕES PARCIAIS SOBRE A POLÍTICA DE PRESERVAÇÃO URBANA EM NATAL ................ 194

5. O LUGAR DO CENTRO HISTÓRICO NA CIDADE DE NATAL ...............................................................205

5.1.O PROCESSO DE PATRIMONIALIZAÇÃO DA ÁREA CENTRAL DE NATAL EM UMA VISÃO TOTALIZANTE...........................................................................................................................................205

5.2.PERSPECTIVAS PARA A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO DA ÁREA CENTRAL DE NATAL ............... 217

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................227

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................234

ANEXOS .................................................................................................................................................241

14

1. INTRODUÇÃO

O tema de políticas dispensadas às áreas urbanas valoradas como patrimônio cultural

vem sendo trabalhado por inúmeras pesquisas, também, mais recentemente, a relação destas

áreas patrimoniais e o papel que vêm assumindo no planejamento urbano contemporâneo.

Nesse contexto, a presente pesquisa trata do tema das Políticas de Preservação do Patrimônio

Urbano no Brasil, realizando um estudo de caso sobre o centro histórico de Natal, capital do

estado do Rio Grande do Norte.

No âmbito local, nos últimos anos, registramos um número crescente de pesquisas

desenvolvidas sobre a área urbana central de Natal e a questão patrimonial que a permeia.

Embora seu valor patrimonial (histórico) tenha sido inicialmente fruto de uma ação municipal

no final da década de 1980, nota-se um aumento dessas pesquisas após os anos 2000,

especialmente depois do tombamento federal do Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e

Paisagístico do Município de Natal, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-

IPHAN, e do lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento das Cidades Históricas-

PAC-CH. Alguns desses estudos parecem ser movidos pela mesma questão: Por que as ações

implementadas na área não vêm logrando êxito em relação a sua conservação?

O questionamento posto não é simples de ser respondido. Há, no entanto, vários

caminhos para tentar encontrar respostas: a qualidade dos projetos executados/intervenções

propostas; a relação da população com a área; a atribuição de valor, desde sua

institucionalização e rebatimento na gestão da área urbana; as políticas desenhadas para a

área; o papel desempenhado pela área central dentro da dinâmica urbana da cidade; são

algumas possibilidades. Os dois últimos pontos interessam particularmente à presente

pesquisa. Os demais caminhos expostos foram objeto de pesquisas recentes, e complementam

este estudo (ASSUNÇÃO, Gabriela, 2014; MEDEIROS, Elaine, 2014; SILVIERO, Fernando, 2014;

OLIVEIRA, Fernanda, 2016).

Vale esclarecer que este não era o enfoque inicial desta pesquisa, que, mais uma vez,

propunha-se a estudar aquela localidade a partir da relação de seus usuários para com o

patrimônio cultural, em contraponto às políticas e ações empreendidas pelo poder público.

Entretanto, percebemos que, a despeito disto, não tínhamos respostas para algumas questões

que viriam antes: qual é o papel que a antiga área central desempenha atualmente na dinâmica

15

urbana do município? A dinâmica urbana atual da cidade contribui para que as ações

empreendidas naquela área sejam realmente efetivadas? Ou ainda, qual o lugar do patrimônio

na política de planejamento urbano de Natal? E, de fato, qual o potencial de efetividade que

aquelas ações têm para desencadear uma dinamização da área, aliada à sua preservação?

Desta maneira, o recorte da pesquisa passou da área central de Natal para considerar, de

forma mais ampla, a cidade como um todo e, assim, o lugar do patrimônio na atualidade. O

objeto tornou-se a relação entre a política de conservação do patrimônio dispensada à área

central de Natal e a dinâmica urbana da cidade atual. Assim, o objetivo geral desta pesquisa é

avaliar a efetividade e a chance de viabilidade das políticas de preservação pensadas para o

centro histórico de Natal, em face dos processos reais de produção do espaço urbano em

andamento na cidade. Para tanto, os objetivos específicos compreendem: 1. Investigar a

dinâmica urbana de Natal, através da espacialização dos usos em seu território, e, nela, o papel

ocupado pela antiga área central; 2. Verificar o que propõem as políticas e ações atualmente

delineadas para área central, acerca das funções atribuídas ao centro histórico e as

possibilidades projetadas para o futuro deste setor; 3. Avaliar como o "projeto" de centro

histórico embutido nessas políticas se relaciona, leva em consideração, ou não, a dinâmica real

da cidade em sua totalidade.

Discussões públicas locais vêm reafirmar a importância dessa pesquisa, como é o caso da

matéria do Novo Jornal, do dia 29 de setembro de 2013, intitulada “Revitalização depende da

dinâmica urbana”. Esta notícia levanta questões sobre a desarticulação das ações de

tratamento da área histórica de Natal em relação à dinâmica urbana da cidade, a importância

de uma política de gestão à longo prazo, e, ainda, o binômio turismo e cultura como temas das

ações, em contraponto ao cotidiano da cidade. Outro exemplo é o debate acerca da

preservação do Hotel Reis Magos1, frente à ameaça iminente de demolição da edificação. Sobre

este assunto, Vinicius Galindo (2015) nos lembra que um aspecto está ausente do debate

patrimonial no âmbito potiguar, e, especificamente, ao debate sobre o Hotel, ou seja, o do

planejamento do desenvolvimento urbano.

O conceito geral de que o “novo” representa progresso e o “antigo” é sinônimo de atraso e estagnação é muito presente e difundido entre a

1 Um dos exemplares de arquitetura moderna na cidade, como era também o antigo estádio conhecido como “Machadão”, que foi demolido em 2011 para dar lugar à nova “Arena das Dunas”. O Hotel Reis Magos está localizado no bairro Praia do Meio, no entorno da área central de Natal.

16

sociedade. Infelizmente, os gestores e os planejadores de uma grande parte dos municípios brasileiros pensam assim. Em Natal e no RN, esse cenário não é diferente. O que acontece é que, na prática, o setor privado, atuando através e sob a justificativa do mercado, acaba por assumir o planejamento urbano, ditando o modelo de desenvolvimento das cidades (GALINDO, 2015, p.02).

O presente estudo parte, assim, da percepção da ausência de uma política mais

sustentável para o patrimônio na área central de Natal, da preocupação com os riscos de ações

acríticas e pouco embasadas com relação a este patrimônio, e da intenção de problematizar a

abordagem com relação ao centro antigo da cidade.

Embora a delimitação de uma Zona Especial de Preservação Histórica, em 1990, tenha

sido reconhecida como uma ação importante para a preservação do estoque edilício de parte

da área central da cidade – proibindo demolições ou construções sem a prévia autorização do

órgão municipal de urbanismo –, o instrumento não foi capaz de frear ações de

descaracterização dos prédios. Outrossim, aliada à ausência de uma política de preservação e

gestão para a área histórica que fosse capaz de reinseri-la na dinâmica urbana real da cidade,

essa legislação com característica restritiva pode ter inibido investimentos na área, não

contribuindo para reversão do quadro de abandono de vários imóveis, especialmente no bairro

da Ribeira.

As iniciativas de requalificar a área através do uso habitacional2 ou por meio do uso da

Operação Urbana Ribeira, com os seus incentivos fiscais voltados para atrair novos

investimentos e usos, não surtiram grandes efeitos. Dentro do perímetro de interesse histórico

da Ribeira encontra-se apenas um imóvel destinado à função habitacional, o Edifício Bila, que

foi adaptado para apartamentos por meio da iniciativa de um italiano que, contudo, encontrou

dificuldades de obtenção de financiamento para venda das unidades (MEDEIROS e VIEIRA,

2011, p.10). Percebemos, assim, que a despeito das variadas investidas em planos de

revitalização do patrimônio arquitetônico da área central de Natal, estas ainda não foram

suficientes para desencadear um processo de conservação mais abrangente e sustentável. Na

prática, as ações executadas limitaram-se a intervenções pontuais e isoladas. Tentar reanimar

2 Proposta de política habitacional, Rehabitar Ribeira, elaborado no âmbito do Programa de Revitalização se Sítios Históricos-PRSH, da CAIXA Econômica Federal, realizado em parceira com a Embaixada da França da França no Brasil e a Prefeitura de Natal.

17

o bairro através do entretenimento e lazer tem sido a intenção mais forte desde as primeiras

iniciativas.

Hoje, frente ao tombamento do Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico do

Município de Natal por parte do IPHAN, aprovado em 20103, observamos um movimento mais

intenso de ações de revitalização na área central, como: o Plano de Ação do PAC- Cidades

Históricas (elaborado pela Superintendência do IPHAN-RN e em implementação); um edital de

licitação para desenvolvimento e execução de projetos de intervenção na área, promovido pelo

órgão estadual de preservação (Fundação José Augusto); a nova lei da Operação Urbana

Consorciada Centro Histórico de Natal (proposta pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente

e Urbanismo); além de iniciativas de eventos culturais periódicos, advindas, inicialmente, de

leis incentivo à cultura, e continuadas por atores privados, compõem o quadro atual das

iniciativas que impactam o recém-reconhecido Centro Histórico de Natal.

Reconhecemos que a delimitação de uma poligonal de proteção, estabelecida pelo

reconhecimento de seus valores patrimoniais, tem uma importante função de preservação,

mas não é suficiente para conservar uma área urbana histórica de forma sustentável, nos

moldes em que tal instrumento se mantém até hoje. Conforme explica Leonardo Castriota

(2008), o processo de expansão do conceito de patrimônio, que passa a englobar um conjunto

de bens maiores e uma multiplicação de interlocutores, implica a necessidade de novas

posturas de tratamento. Este contexto implica alterações nas bases das políticas de gestão do

patrimônio, para as quais instrumentos como o do tombamento se mostram limitados e

insuficientes, especialmente no que diz respeito à dimensão urbana, que aqui nos interessa em

particular.

A especificidade do ambiente urbano sugere um condicionante particular, pois, em sua

natureza, é intrínseco um processo de transformação constante. Sendo assim, o governo se

destaca com o importante papel, junto com a sociedade, de “orientar essa renovação e

transformação, para que a paisagem urbana evolua de maneira equilibrada e não predominem

3 Os estudos para a instrução de tombamento tiveram inicio em 2006, tendo o processo sido oficialmente aberto em 2008. O tombamento do conjunto urbano foi aprovado desde 2010 pelo Conselho Consultivo, e a notificação do tombamento provisório foi publicada no D.O.U. em 23/07/2012, seção 3, p. 13. A homologado foi efetivada através da Portaria Nº 72, de 16 de julho de 2014, publicada no D.O.U. em 18/07/2014, seção 1, p.11.

18

apenas os interesses econômicos imediatos de determinado segmento”. (CASTRIOTA, 2009,

p.88).

O instrumento do tombamento sozinho não garante, assim, o estabelecimento e a

manutenção da dinâmica de uma área, capaz de assegurar a sua função urbana e social na

cidade. De outro modo, não sendo esta dinâmica integrada à cidade, a área histórica pode se

constituir como mais um museu a céu aberto, o que não é desejado. Em se tratando do Centro

Histórico de Natal, outras pesquisas já se debruçam especificamente sobre o recente processo

de tombamento e a relação do discurso que o justifica com o zoneamento de proteção

(MEDEIROS, 2014; OLIVEIRA, 2016).

Já o grande montante de investimentos disponibilizados para a revitalização da área,

através do PAC-Cidade Históricas e da intenção do Governo do Estado de financiar projetos de

restauro, deixam dúvidas quando à efetividade dos mesmos: estariam se repetindo antigos

equívocos?

Fernando Carrión (2002) destaca a diversidade de situações em que os centros históricos

se apresentam em diferentes cidades e que seria, portanto, inconveniente tratá-los como

realidades únicas e baseadas na imposição de modelos reducionistas. Para este autor, o

conceito de centro histórico deve ser pensado a partir das relações que lhe deram atributo, ou

seja, é importante observar a relação dessa área com a cidade, pois é ela que especifica os

conteúdos e os temas de funcionalização e centralidade. Para tanto, é necessário retomar a

discussão entre patrimônio e centralidade.

Neste sentido, Heliana Comin Vargas e Ana Luisa Howard de Castilho (2006, p.267)

identificam que a análise e compreensão da dinâmica urbana é uma das deficiências

identificadas nos processos de requalificação de áreas urbanas centrais, o que reforça a

importância de pesquisa como a que apresentaremos. As autoras apontam, ainda, a hipótese

de as demandas da população não terem sido consideradas, levando à má utilização das

intervenções realizadas.

Desta maneira, acreditamos que o presente estudo complementa, embora não esgote,

uma visão crítica e reflexiva sobre o Centro Histórico de Natal. Entendemos que o desenho das

políticas públicas, a iniciativa de atores privados, além da compreensão da dinâmica

intraurbana da cidade e da posição do centro histórico, também compõem aspectos

19

importantes e decisivos em uma efetiva preservação que garanta a função social do patrimônio.

Portanto, a presente pesquisa visa a contribuir com os demais estudos sobre o Centro Histórico

e Natal, inter-relacionados e interdependentes, bem como para uma visão mais abrangente da

complexa questão de conservação de uma área urbana patrimonial.

1.1. A ÁREA CENTRAL DE NATAL

A delimitação do Centro Histórico tombado pelo IPHAN corresponde a frações de três

bairros. Nos dois primeiros bairros de fundação da cidade localiza-se a poligonal de

tombamento propriamente dita: Cidade Alta e Ribeira. Desde a formação inicial da antiga área

central, a Cidade Alta foi predominantemente mais residencial e lócus concentrador do poder

administrativo, enquanto a Ribeira nasceu, em seguida, como bairro comercial, embora

também tenha tido a presença de residências de comerciantes. Uma porção que abriga as

instalações da antiga Rede Ferroviária Federal S.A - REFESA, no bairro das Rocas, está incluída

na delimitação da área de entorno.

Atualmente, no bairro fundacional localizam-se a Prefeitura de Natal, Assembleia

Legislativa do Rio Grande do Norte e Tribunal Judiciário do Estado, igrejas, museus e ainda um

núcleo residencial4 dentro do perímetro tombado, ao passo que a área de entorno abrange um

polo de comércio, que hoje possui caráter cada vez mais popular e, como ocorre com o

comércio de rua, se torna deserto fora do horário comercial. Do outro lado, fora das poligonais

de tombamento, uma comunidade de baixa renda está localizada às margens do Rio Potengi –

o Paço da Pátria. A Ribeira, por sua vez, mantém o Porto e comércios relacionados a ele, alguns

serviços institucionais5, pequenos estabelecimentos culturais que tentam manter viva a área e

uma parcela de edificações fechadas. O uso residencial agora se concentra nas bordas do

bairro, no local conhecido como “Ribeira Alta”, que se constitui como um novo foco de

verticalização da cidade6, e a comunidade do Maruim, que acabou de passar por processo

4 De acordo com João Batista Carmo Junior (2014, p.177), baseado em dados do censo 2010, a renda média da população moradora do bairro da Cidade Alta é de 3,89 salários mínimos. 5 Tais como Junta Comercial, Procon, o Juizado de Pequenas Causas, Teatro Alberto Maranhão, Jornal Tribuna do Norte. Destacando-se aqui a recente saída da SEMURB, de um edifício próprio, para um bairro da Zona sul da cidade pagando aluguel. 6 Segundo Ingrid Nascimento (2012), os novos edifícios construídos naquela área são destinados a uma população cujo perfil socioeconômico se aproxima mais do bairro de Petrópolis, seu vizinho, de renda média-alta (12,32 salários mínimos). Entretanto, percebemos que alguns empreendimentos mais próximos da cota baixa da Ribeira possuem um padrão menos luxuoso.

20

realocação tendo em vista a expansão do Porto7. As Rocas, que desde a sua formação foi

predominantemente residencial e abrigava os trabalhadores do porto, manteve seu perfil

residencial de classe média-baixa, e, atualmente, parte das antigas instalações da REFESA

passou a abrigar uma unidade do Instituto Federal do Rio Grande do Norte-IFRN.

Esse primeiro núcleo urbano descrito é cercado por bairros tradicionais que abrigam

segmentos sociais distintos. O Alecrim, localizado a sudoeste seguindo o curso do Rio Potengi,

é conhecido como um bairro popular, com frações marcadas pelo uso residencial, mas que

também abriga um dos mais fortes comércios de rua da capital. Ao sul do bairro fundacional, o

Barro Vermelho é um bairro tipicamente residencial e bastante verticalizado, com um perfil

socioeconômico populacional de renda média-alta8. Os bairros de Petrópolis e Tirol à leste, os

primeiros bairros planejados que permanecem ainda hoje como os mais elitizados da cidade,

sofrem uma verticalização crescente com substituição do acervo edilício – incluindo

exemplares de arquitetura moderna – e inserção de um comércio mais seletivo. No extremo

norte e nordeste dessa parte da cidade, os bairros de Santos Reis, onde está localizado o Forte

dos Reis Magos, e da Praia do Meio se aproximam ao perfil das Rocas, e abrigam as primeiras

praias urbanas e hotéis, dando origem ao mercado turístico natalense, especialmente no

segundo. No primeiro estão localizadas, ainda, uma área de proteção ambiental (ZPA-7) e as

comunidades de baixa renda Brasília Teimosa e Vietnã.

Após perder status para a famosa praia de Ponta Negra, no limite sul do município,

atualmente, essas praias urbanas centrais são intensamente frequentadas pela população que

as cerca. No entanto, percebe-se uma tentativa de reforçar seu uso turístico, com a instalação

de um centro de artesanato e investimentos públicos de reurbanização da orla. Nesse contexto,

a Praia do Meio vem sendo também alvo de uma discussão sobre preservação, envolvendo o

Hotel Reis Magos, conforme apontado anteriormente. Uma vez que essa área costeira possui

controle de gabarito pelo Plano Diretor de Natal - PDN, o debate inclui assuntos como

verticalização, especulação imobiliária e planejamento urbano, já que se aponta o risco de

pressões para mudança da legislação urbanística municipal.

7 Segundo Santos (2002), a ampliação do Porto e a consequente retirada da comunidade concorrem para o esvaziamento da área. 8 A média da renda mensal é de 9,38 salários mínimos, segundo o censo de 2010 e é quarto lugar na classificação dos bairros por renda (CARMO JUNIOR, 2014, p.178).

21

A relação entre desenvolvimento/planejamento urbano e preservação do patrimônio

urbano embora atual, não é exatamente nova, e, como veremos a seguir, estão relacionados

em suas origens.

1.2. PATRIMÔNIO E O PLANEJAMENTO/DESENVOLVIMENTO URBANO

Segundo Françoise Choay (2006), a ideia de patrimônio cultural e a prática

preservacionista são caracterizadas principalmente pela constante transformação, visto que

são produtos de práticas sociais, relacionadas a contextos históricos, políticos e econômicos

diversos. O surgimento das áreas urbanas como objeto patrimonial autônomo decorreu da

evolução de mesmo conceito de “patrimônio". Entretanto, o reconhecimento de valores

patrimoniais próprios das áreas urbanas, e a preocupação com a preservação desses setores,

apareceram somente com o desenvolvimento dos estudos urbanos em uma perspectiva

histórica sobre a cidade, que se desenvolveu quatro séculos depois.

O surgimento do conceito de patrimônio cultural deriva, segundo Choay (2006), da ideia

de antiguidade, cuja origem remete ao século XV (renascimento e humanismo), e que no século

XVIII ganhou a denominação de “monumento histórico” no contexto da Revolução Francesa.

Durante o século XIX o ideário da preservação do patrimônio manteve sua atenção voltada para

o monumento, quando este também se sagrou assunto institucional dos governos nacionais,

primeiramente na França. Mas foi também no final deste período que apareceram as ideias

que levariam à noção de patrimônio histórico urbano.

Foi no contexto da Revolução Industrial e das grandes transformações urbanas com vistas

à modernização das cidades, pautadas no discurso higienista – dentre elas aquela empreendida

por Haussmann em Paris –, que surgiram, na Europa, as primeiras inquietações com a

destruição de áreas urbanas históricas. Na Inglaterra, se destacou Jonh Ruskin, que, desde

1860, reconheceu o valor da arquitetura doméstica e da malha urbana, e, alguns anos à frente,

o arquiteto e historiador vienense Camillo Sitte. Ao estimar a beleza da cidade antiga e sua

utilidade pedagógica para o desenvolvimento urbano, Sitte empreendeu uma análise das

disposições espaciais de dezenas de áreas urbanas históricas e foi responsável, assim, por

desenvolver o estudo da morfologia urbana, em 1889. Conforme Choay (2006, p.189) esse

olhar “marca uma etapa na teorização das disciplinas do espaço”, apesar de colaborar também

22

para uma conservação museal das áreas urbanas históricas, ao tratá-las como partes isoladas

da cidade.

Os contornos atuais e a denominação de “patrimônio urbano” são atribuídos à

contribuição de Gustavo Giovannoni, no início do século XX. Choay (2006, p. 194) esclarece que

desde o artigo “Vecchia città ed edilizia nuova”, de 1913, o italiano inseriu o patrimônio urbano

como um elemento constituinte na discussão do urbanismo. Assim, teria conseguido realizar

a síntese dos dois pensamentos apresentados anteriormente, atribuindo “simultaneamente um

valor de uso e um valor museal aos conjuntos urbanos antigos, integrando-os numa concepção

geral de organização do território”.

Giovannoni estava ciente das transformações impostas pela expansão urbana e, diante

da desintegração e fragmentação da cidade, preconizava a existência de duas escalas, nas quais

conjuntos antigos poderiam assumir a função de unidades de vida cotidiana, interligados a uma

escala maior através de infraestruturas. Na sua compreensão, a cidade antiga ao mesmo tempo

constituía um monumento em si mesmo, assim como também um tecido vivo, e deveria estar

integrado a um plano diretor (piano regolatore) de diferentes alcances – local, regional e

territorial –, relacionando-se com a vida atual (CHOAY, 2006, p. 200).

Apesar disso, na virada dos séculos XIX e XX, o tratamento empregado para a preservação

dos centros antigos não deixaria de ser o isolamento dos mesmos em relação ao resto da

cidade, como foi o caso do centro de Viena com a construção da Ringstrasse no lugar das

muralhas antigas. Ou seja, embora a intenção fosse relacionar o centro antigo a outras áreas

da cidade, permanecia separado da dinâmica da cidade. Fundamentar a preservação e

restauração do espaço urbano em procedimentos análogos aos que Camillo Boito previa para

os monumentos arquitetônicos representa também um dos pontos de crítica ao pensamento

de Giovannonni, fundamentado na inadequação e ausência de instrumentos próprios à escala

urbana do patrimônio.

Desta maneira, a preocupação com a preservação de áreas urbanas históricas, e sua

valoração enquanto objeto patrimonial autônomo (e não apenas subordinado ao contexto do

monumento histórico) está relacionada ao desenvolvimento urbano das cidades e ao

aparecimento do urbanismo enquanto disciplina. Nessa conjuntura de análise histórica e

constituição da cidade como objeto de estudo, situam-se também os olhares para a cidade

antiga enquanto objeto admirável e dotado de valor.

23

Mas apesar de o urbanismo e a noção de patrimônio urbano serem contemporâneos,

não significa que inicialmente caminhassem na mesma direção para a conservação das áreas

de valor histórico. Percebemos, por outro lado, que o interesse na preservação dos centros

urbanos antigos surgiu como um instrumento de resistência, na contramão da prática então

vigente de grandes intervenções físicas nas cidades, que seguiam um modelo modernista de

desenvolvimento descomprometido com a preocupação conservacionista (CHOAY, 2006).

Posteriormente, o discurso preservacionista foi incorporado ao pensamento urbanístico

hegemônico.

No século XX essa prática preservacionista expandiu-se para todo o mundo. A partir dos

anos 1930, deu-se início ao reconhecimento oficial do valor patrimonial de áreas urbanas, à

exemplo da criação da Lei Francesa sobre a Proteção dos Sítios e Paisagens. Iniciou-se, assim,

a expansão dessa ideia, que tomaria um ritmo maior com a disseminação de reconstruções

após a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, em 1937 foi criado o órgão federal de proteção do

patrimônio, então denominado de Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –

SPHAN, e principiaram ações de proteção inclusive na escala urbana, com o tombamento de

seis cidades históricas no estado de Minas Gerais, conforme esclarece Marcia Sant’Anna (1995,

p.122-123).

Dessa forma, no Brasil o patrimônio e urbanismo também nasceram juntos, no contexto

de primazia do pensamento do movimento moderno. Também no caso brasileiro a valoração

de áreas urbanas como patrimônio nasceu no mesmo momento da institucionalização do órgão

de preservação nacional, marcando uma ação pioneira em relação à política preservacionista

internacional, ainda que sua abordagem estivesse relacionada à de um monumento. Apesar

disso, o número de áreas urbanas tombadas como patrimônio cultural só cresceu a partir de

1950, em decorrência da industrialização e da expansão das cidades, como também da

ampliação do conceito de patrimônio em nível internacional. Nesse período, a seleção desses

patrimônios urbanos é incitada por uma ideia de documentação da história (SANT’ANNA,

1995).

A partir de 1960, em resposta às maciças reconstruções do pós-guerra na Europa, aliadas

ao crescimento exponencial das cidades, os movimentos em favor da preservação

aumentaram, sendo instituídas novas leis nesse sentido. Na França, a Lei Malraux de 1962, de

acordo com Sant’Anna (1995, p.59-60), aliou a preservação de áreas urbanas à reabilitação do

24

estoque imobiliário, sem conter, todavia, preocupações relacionadas à função dessas áreas na

estrutura das cidades. Já na Lei Italiana, criada em 1967, a codificação legal da preservação de

áreas urbanas está fundamentada em termos de zoneamento urbano, relacionando e dando

papel de destaque à noção de centralidade.

Assim, após ser instituída a ideia de patrimônio urbano, foi nesse período que o debate

sobre os centros históricos se estabeleceu com a identificação de sua função na estrutura

urbana. Inicialmente, partiu-se do pressuposto de que os centros antigos não possuíam

condições de acolher as demandas modernas, e, em resposta a essa questão, criaram-se novos

“centros direcionais” a fim de abrigarem funções centrais e, dessa forma, permitir a

preservação dos setores mais antigos. As primeiras críticas à refuncionalização total ou à

monofuncionalização alteraram superficialmente esse modelo, quando a concepção se voltou

para a importância da manutenção do caráter polifuncional dos centros antigos, que passariam

a dividir algumas funções com os centros direcionais. No entanto, as funções atribuídas aos

setores históricos continuavam sendo as habitacionais, culturais e comerciais, artesanais ou

análogas. (Ibidem, p. 60-65)

A partir de 1975 propagou-se no âmbito internacional a ideia da integração dos setores

históricos à “vida coletiva de nossa época”. Esse tema foi exposto nas Recomendações de

Nairóbi, em 1976, relativas à salvaguarda dos conjuntos históricos e à sua função na vida

contemporânea, considerando-se que “sua salvaguarda e integração na vida contemporânea

são elementos fundamentais na planificação das áreas urbanas e do planejamento físico-

territorial” (UNESCO, 1976, p.1). Para Choay (2006, p.223) este documento “continua sendo a

exposição de motivos e argumentação mais complexas em favor de um tratamento não museal

das malhas urbanas”. Em suma, a discussão preservacionista que se iniciou a partir do

isolamento dos setores históricos em relação à cidade, passa a reconhecer a importância das

funções centrais.

Para Natália Vieira (2007), a necessidade de aliar o desenvolvimento e a modernização à

preocupação preservacionista, discutida exaustivamente na metade do século XX, resultou no

surgimento do conceito de “Conservação Integrada ao desenvolvimento urbano”. Este conceito

foi introduzido pela “Carta Europeia da Herança Arquitetural” e, posteriormente, na Declaração

de Amsterdã, ambas de 1975, tendo como marco prático a experiência da cidade de Bolonha,

na Itália. Este conceito parte do pressuposto de que a cidade é um organismo vivo em contínua

25

transformação, tornando-se insuficiente, para o objeto patrimonial urbano, o discurso

preservacionista focado no objeto material, por meio da restauração e proteção dos valores

históricos e artísticos.

Ao passar a tratar as áreas urbanas patrimoniais como parte integrante das cidades, ao

invés de condená-las ao isolamento, novos desafios são impostos, como o problema do limite

e da gestão das transformações. Não obstante, Vieira (2007, p. 65) também constata que “a

abordagem predominantemente social das práticas iniciais (anos 70 e início dos anos 80) vai

sendo progressivamente substituída por uma abordagem de cunho econômico (anos 80 e 90).

Passou-se, assim, de uma modernização pela renovação, no início do século XX, para uma

modernização por meio da preservação no final do mesmo século.

Finalmente, após grande difusão na década de 19609, a partir da década de 1980, assistiu-

se na Europa ao que Choay (2006) chamou de “inflação do patrimônio”, que representa a

última expansão apresentada pela autora: a expansão do público dos monumentos históricos,

após a expansão cronológica e tipológica dos bens patrimoniais. Esse fenômeno esteve

associado à democratização do saber, mas, sobretudo ao advento da sociedade de lazer, do

turismo cultural e da indústria cultural. É nesse contexto que o patrimônio histórico foi

convertido, para além da sua função de saber e prazer, em produto cultural, prevalecendo o

valor econômico sobre o seu valor de uso. A partir dessa problemática, a autora identificou dois

sistemas de valorização e dois estilos de conservação: o que se estabelece sob o signo do

respeito, e o que se funda na rentabilidade, que se tornou desde então dominante. Ancoradas

tanto na indústria cultural como na evolução da economia urbana, as intervenções nos centros

históricos tomaram dois rumos principais: o da transformação em produto cultural para

consumo, ou o da destinação para fins econômicos.

No cenário brasileiro, o turismo surgiu na virada dos anos 1960 e na década seguinte

como uma possibilidade de viabilização econômica para a preservação dos centros históricos,

conforme aponta Vieira (2007, p.19), bem como enquanto uma tentativa de corrigir os efeitos

da desvalorização (provocada pela conduta de salvar as áreas históricas das transformações

9 Na Europa, desde a década de 1960 a conjuntura política e econômica de recessão dos países centrais também motivou uma apropriação das áreas urbanas históricas através da habitação, e a incorporação da questão patrimonial às políticas de desenvolvimento urbano e habitacional - renovação urbana com preservação. De uma forma geral, essa aproximação entre preservação e planejamento e gestão urbana, segundo Sant’Anna (2004, p.20), iria a dar início a inserção do patrimônio no circuito de mercadorias.

26

urbanas através do isolamento), de acordo com Sant’Anna (2004, p.28). Favoreceram, ainda,

essa aproximação o contexto da globalização econômica e o desenvolvimento da indústria

turística. Os resultados de intervenções com o mote do turismo puderam ser percebidos nas

décadas seguintes, 1970 e, mais claramente, nos anos de 1980. Para Vieira (2007, p.21), na

prática brasileira podem ser observados mais fortemente a partir dos anos 1990 “processos de

excessiva valorização econômica das áreas históricas que acabaram por esvaziar

significativamente o valor cultural”.

Instituiu-se, assim, um processo de assimilação do discurso preservacionista ao modelo

capitalista de desenvolvimento urbano e de competitividade entre cidades no contexto

contemporâneo. Concomitantemente ao processo de apropriação do patrimônio pela indústria

cultural, também ocorreu a absorção do planejamento e desenvolvimento urbano pela lógica

econômica do capital. Esses dois processos se imbricam quando o patrimônio cultural é

convertido em produto e instrumento de promoção, como meio de agregar vantagens

competitivas às cidades, no quadro de concorrência global que se estabeleceu, sendo dessa

forma incorporado ao seu desenvolvimento econômico. Estabelece-se, dessa maneira, o

envolvimento do mercado com a produção dos espaços urbanos. No Brasil um quadro

semelhante é identificado a partir dos anos 1990 (SANT’ANNA, 2004).

A partir da relação entre o surgimento do patrimônio urbano e do urbanismo enquanto

disciplina, bem como da aproximação do capital do desenvolvimento urbano, fica clara a

indissociabilidade entre a condição do patrimônio cultural das cidades e o contexto sócio

econômico mais amplo. Com base nessa constatação, buscamos um referencial teórico-

metodológico que embasasse essa análise a partir de uma visão mais abrangente e que

esclarecesse sobre lógica que opera na produção do espaço na contemporaneidade.

Assim, para a compreensão do funcionamento da dinâmica urbana da cidade sentimos a

necessidade de entender como o sistema econômico capitalista atua nas cidades e, mais

recentemente, nas áreas de valor cultural. Este aporte teórico-metodológico foi embasado no

discurso do geógrafo inglês David Harvey. Não obstante, outros conceitos surgiram como

subsídios para a análise de um tema tão especifico (as políticas de preservação para áreas

urbanas patrimoniais) por meio de uma visão mais ampla. O conceito de “totalidade” foi então

introduzido a partir do pensamento do geógrafo brasileiro Milton Santos. Para a compreensão

27

da dinâmica urbana utilizamos a contribuição de Flávio Villaça, especialmente no que diz

respeito à aproximação dos temas das centralidades e da “preservação” dos centros históricos.

1.3. METODOLOGIA – A CIDADE INSERIDA NA TOTALIDADE DA PRODUÇÃO CAPITALISTA

Para compreender a condição do patrimônio urbano e das políticas de preservação

direcionadas a essas áreas, não se pode dissocia-los do contexto de produção do espaço

urbano. Igualmente, a produção do espaço está vinculada a um contexto sócio econômico mais

amplo. Esse mútuo condicionamento entre uma realidade localizada e uma conjuntura mais

ampla é apresentado pelo geógrafo Milton Santos (2006), a partir da categoria analítica do

espaço, baseada no conceito de “totalidade”. Essa noção está, por sua vez, associada ao próprio

entendimento do espaço como um fato social.

O espaço é definido por este autor como um conjunto indissociável de sistemas de

objetos e de ações, ou seja, é constituído de formas-conteúdos: “como uma forma que não tem

existência empírica e filosófica se a considerarmos separadamente do conteúdo e um conteúdo

que não poderia existir sem a forma que abrigou” (SANTOS, 2006, p.14). A relação de

fertilização desses sistemas que compõem o espaço se dá através de um movimento constante

de criação e recriação, em um processo dinâmico de totalização10.

A noção de totalidade, enquanto categoria analítica, é fundamentada em uma visão

totalizante do mundo, formando uma unidade, que, por sua vez, é maior do que a somatória

das partes e que está constantemente se refazendo. Isto porque há uma relação mútua entre

as partes e o todo, mas é a totalidade que explica as partes. No espaço, conforme explica Santos

(2006, p.74), “essas áreas geográficas de realização concreta da totalidade social têm papel

exclusivamente funcional, enquanto as mudanças são globais e estruturais e abrangem a

sociedade total, isto é, o Mundo, ou a Formação Socioeconômica”. O que decorre também na

definição do espaço, que “é, antes do mais, especificação do todo social, um aspecto particular

da sociedade global” (idem, p. 77). Dessa maneira, a produção do espaço se dá sob a influência

de uma ordem social universal, que, por sua vez, incorpora as particularidades locais. Essa

10 Totalização sendo o processo constante de movimento de refazimento de quadros de totalidade.

28

reciprocidade nos permite apreender como a lógica global influencia, ou se reflete, na

materialização local.

Desse modo, a totalidade é potência latente, enquanto real-abstrato, como um conjunto

de possibilidades circunscritas em uma ordem universal que se torna real-concreto através das

formas e do ato, ou seja, histórica e geograficamente realizada no espaço particular. Ao

concretizar-se em uma combinação específica de variáveis diante das condições locais, o

espaço produzido torna-se condicionante para as próximas manifestações, enquanto

preexistência, estabelecendo-se uma relação recíproca de influência entre o particular e o

universal: “tornada forma-conteúdo pela presença da ação, a forma torna-se capaz de

influenciar, de volta, o desenvolvimento da totalidade, participando, assim, de pleno direito, da

dialética social” (SANTOS, 2006, p. 81). Portanto, se é necessário a compreensão da lógica

universal, também é importante considerar as circunstâncias do meio histórico geográfico

manifestado, para o qual Santos propõe uma análise dialética do universal para o particular, e

vice-versa.

Face ao exposto, podemos compreender que o centro histórico está inserido em um

contexto mais amplo da cidade que, por sua vez, está relacionado a cenários ainda maiores no

âmbito socioeconômico mundial – em termos de tendências políticas, econômicas e culturais.

Essa interrelação entre a lógica global e o particular se reflete também nas posturas políticas

adotadas para a requalificação da área de valor patrimonial. Da mesma forma, a cidade

produzida influencia na eficácia das ações empreendidas sobre o espaço urbano. Assim, por

exemplo, as ações de reinserção de antigas áreas centrais na dinâmica cotidiana da cidade

dependem, também, da dinâmica intraurbana municipal em curso.

A relação entre aspectos econômicos (de reprodução do capital), a produção urbana e os

movimentos culturais em seus contextos históricos sociais também é reforçada pelo geógrafo

David Harvey (2006; 2013a; 2013b; 2014). A ideia do espaço enquanto produto social é

igualmente compartilhada por este autor, o que se torna a base para a seu foco maior: a

atuação das relações sociais capitalistas e da acumulação do capital na produção do espaço.

Nesse sentido, sua teoria também nos ajuda a compreender como a lógica do capital atua na

formação do espaço, fornecendo um panorama geral (conforme metodologia proposta por

Santos), a partir do qual se estabelecerá a análise do nosso objeto de estudo: a eficácia e o

29

potencial das políticas de conservação do patrimônio da área central de Natal frente à dinâmica

da cidade.

De acordo o referido autor, o capitalismo produz uma geografia específica para o seu

funcionamento, que serve ao propósito da acumulação do capital: “um ambiente construído

que funciona como um sistema de recurso vasto, humanamente criado, compreendendo valores

de uso incorporados na paisagem física, que pode ser utilizado para a produção, a troca e o

consumo” (HARVEY, 2013b, p.315). Compreendendo o capitalismo como um processo

dinâmico (de acumulação do capital), que, em sua totalidade, inclui tanto a produção como a

circulação e o consumo, o espaço ganha papel de destaque, pois, através da organização

espacial, se torna possível diminuir o tempo de circulação e de giro do capital em uma busca

constante de anular o espaço pelo tempo. Parte-se do princípio de que, para que o capital e o

trabalho possam se tornar mais móveis, uma parte do capital deve ser imobilizado no espaço

em forma de infraestrutura para produção e circulação (rodovias e transporte), ou como meio

de assegurar a rentabilidade em tempos de crise de sobreacumulação, como veremos mais à

frente.

Tendo em vista que, no capitalismo, os elementos do ambiente construído tornam-se

mercadorias geograficamente ordenadas, a posição relativa desses elementos no espaço, mais

que um incidente, torna-se um atributo fundamental. Nesse sentido, “toda a questão da

ordenação espacial do ambiente construído tem então de ser considerada; a decisão de onde

colocar um elemento não pode ser divorciada do ‘onde’ dos outros” (HARVEY, 2013b, p.316).

Dessa maneira, as decisões locacionais dos capitalistas individuais moldam a geografia da

produção.

Por outro lado, Harvey esclarece que parte do valor de uso pode ser melhorado com

investimentos na propriedade. Assim sendo, além do atributo da localização, em si, poder ser

convertido em mais valia, os capitalistas concorrentes podem também investir em melhorias

de transporte/acesso, por exemplo, ou pressionarem o poder público para investir naquela

localidade a fim de aumentar a produção de sua renda.

A dialética da produção e dominação do espaço, apresentada por Santos, aparece

também em Harvey, como um dos paradoxos que o capitalismo enfrenta: a construção de uma

geografia à sua maneira, futuramente funcionará como barreira para a sua própria expansão,

sendo necessária a constante destruição e reconstrução da paisagem (HARVEY, 2006, p.143).

30

Ou seja, o processo de feitura da cidade “é tanto produto como condição dos processos sociais

de transformação em andamento” (Ibidem, p.163). Não obstante, ambos os pensamentos nos

permitem alicerçar a ideia de que a produção e conformação do espaço da cidade, o espaço

produzido em suas particularidades, têm influência no funcionamento e no lugar ocupado pelas

áreas centrais na dinâmica da cidade, pois, na verdade, fazem parte do mesmo processo. Bem

como, por conseguinte, na efetividade das ações empreendidas para sua salvaguarda e

promoção como patrimônio cultural inserido na dinâmica cotidiana.

Além da construção de um ambiente para a produção direta, o espaço sob o capitalismo

também é produzido como meio de resolução das crises do capital, conforme citado

anteriormente no caso da sobreacumulação. Isto se dá porque o capitalismo, enquanto

processo dinâmico e, para sua sobrevivência, necessariamente expansível, é repleto de

contradições internas que irrompem em crises periódicas. Essas crises decorrem justamente

da saturação do sistema que, incapacitado ou diminuído em sua disposição de crescimento e

acumulação, necessita constantemente se expandir. A depender da natureza das crises, as

soluções podem passar pela intensificação da criação de demandas e de produção de novos

produtos (HARVEY, 2006). Tratando-se da produção do espaço, porém, em Harvey ganham

evidência os ajustes espaciais e temporais que podem também ser implementados em

conjunto.

O ajuste espacial se dá através da expansão do sistema para outras localidades pré-

capitalistas, com a capacidade de absorver excedentes de capital-mercadoria, ou para

encontrar condições, mão-de-obra e/ou matérias-primas baratos que permitam o retorno do

lucro. No ajuste temporal os investimentos se deslocam da produção e consumo imediatos

(primeiro circuito) e passam a ser empreendidos no segundo e terceiro circuitos do capital.

Neles, os investimentos são direcionados para projetos de longo prazo, que, viabilizados pelo

sistema de crédito e pela criação do capital fictício, são capazes de absorver montantes de

capital e força de trabalho excedentes. Nesses arranjos o investimento é redirecionado para a

criação de capital fixo em infraestruturas para produção (fábricas, portos, aeroportos etc.) e na

formação de um fundo/estoque de consumo, no segundo circuito; ou investidos em

infraestrutura social de pesquisa e desenvolvimento, no terceiro circuito. Harvey (2014, p.94)

sublinha que as soluções do segundo circuito frequentemente têm uso conjunto, configurando

um “ambiente construído para a produção e o consumo”.

31

A solução de investimento em fundos de consumo interessa-nos em particular, pois é

através desse setor do segundo circuito de acumulação do capital que atua o mercado

imobiliário, por meio de incorporadores imobiliários e da indústria da construção civil, na

produção de bens de consumo, principalmente ligados à habitação. Este ramo da produção do

espaço tem se evidenciado como um meio de produção de valor e de acumulação do capital

através da urbanização das cidades, e, por esse motivo, se configura como um dos principais

indicadores do estudo da dinâmica urbana nesta pesquisa.

Em todo esse processo de produção do espaço sob o capitalismo, o poder público torna-

se importante, uma vez que as legislações e o planejamento urbano funcionam como

mecanismos que configuram a materialização particular das cidades. No que diz respeito à

governança urbana, Harvey (2013a) esclarece que a partir da década de 1970, na mudança do

modelo de produção capitalista fordista para o modelo flexível de produção, houve também

uma modificação no modelo de administração das cidades. Uma das características dessa nova

conjuntura é o aparecimento de um “empreendedorismo urbano” na gestão das cidades, após

a crise do Estado de bem-estar Keynesiano, caracterizado por uma postura empreendedora da

administração local em relação ao desenvolvimento urbano.

Embora as características da lógica de acumulação capitalista não tenham sido alteradas

substantivamente, há uma concepção nova do espaço- tempo: cada vez mais comprimido,

favorecido pelas novas tecnologias que aceleram a produção e o consumo, diminuindo o tempo

de giro do capital. O aumento da mobilidade espacial torna os capitalistas mais sensíveis a

pequenas qualidades espaciais dos lugares, o que propicia um panorama de grande

concorrência urbana em escala global. Daí a grande importância da publicidade e da criação

uma imagem síntese atrativa, onde o city-marketing torna-se uma ferramenta importante na

administração e urbanização das cidades. Harvey resume as caraterísticas dessa nova postura

administrativa local:

Normalmente, o novo empreendedorismo urbano se apoia na parceria público-privada, enfocando o investimento e o desenvolvimento econômico, por meio da construção especulativa do lugar em vez da melhoria das condições num território específico, enquanto seu objetivo econômico imediato (ainda que não exclusivo) (HARVEY, 2006, p.172).

Nesse cenário contemporâneo, onde as cidades passaram a disputar os investimentos do

capital através do fornecimento de benefícios e vantagens locacionais e de qualidade do

32

ambiente, o patrimônio cultural é definido como um dos meios para a criação de uma imagem

atrativa para fins de concorrência. Muitas pesquisas no campo patrimonial têm destacado um

forte vínculo desse novo modelo às posturas políticas de revitalização de áreas históricas11.

Apesar disso, vale ressaltar que submetidos a essa tendência estão não somente o

patrimônio, mas a cultura e a arte de maneira abrangente, assim como o espetáculo em geral,

dos eventos aos megaprojetos e empreendimentos âncora, os atrativos do turismo e do

lazer/entretenimento – favorecidos pela mudança do foco da produção para a prestação de

serviços. Nesse sentido, também entram em cena a Copa do Mundo, recentemente sediada no

Brasil, por exemplo, e outros símbolos, além do patrimônio, que possam ser usados pela

administração na criação de uma imagem-síntese atrativa, incluindo-se o ambiente natural –

no caso de Natal, as praias e o clima são os protagonistas.

Nesse caminho em que o empreendedorismo urbano busca uma identidade local, um

caso inaugural foi o da renovação urbana da área portuária de Baltimore, nos Estados Unidos,

na década de 1970. O status de “sucesso” foi associado ao caso de Harbor Place, por ter

aumentado o número de empregos no setor turístico, consolidando o poder da parceria

público-privada, e até mesmo gerando um sentimento de vinculação da população com o lugar.

Informações que representam antes de tudo, conforme destaca Harvey (2013a, p.183), um

êxito político, que é disseminado internacionalmente a despeito de uma realidade que “era de

empobrecimento crescente e deterioração urbana generalizada”, ou ainda “apesar de o

impacto sobre a pobreza, a falta de habitação, a assistência médica e o fornecimento de

oportunidades de educação na cidade ter sido insignificante e, talvez, negativo” (idem, p. 90 e

91).

De uma forma geral, como reflexo dessa lógica, percebe-se uma maior submissão do

Estado aos interesses privados do capital. O mercado imobiliário passa a operar com cada vez

mais força nas cidades, utilizando-se de diversos artifícios e tentando influir, inclusive, sobre as

legislações urbanísticas.

11 São alguns exemplos: VIEIRA (2000), sobre os casos de Recife e Salvador; NASCIMENTO (2011), acerca das cidades de Icó e Sobral, no Ceará; e SANT’ANNA (2004), que aborda as experiências de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo.

33

Em suma, para Harvey, a produção do espaço é antes de tudo um processo fruto de

relações sociais que se materializam, do qual participam diversos atores sociais e onde

coexistem interesses conflituosos. Essa produção está inserida em uma lógica de acumulação

do capital, caracterizada, sobretudo, pela busca de lucros e geração de mais capital, que,

embora não tenha mudando substancialmente, passou por uma transformação a partir da

década de 1970. Desde então, se assiste, com mais intensidade, a inserção da produção cultural

no circuito de acumulação do capital. Dessa forma, para se compreender o patrimônio cultural,

que está inserido em uma totalidade de aspectos socioespaciais de funcionamento da cidade,

faz-se necessário uma análise da produção desse espaço através de seus atores mais influentes.

Diante da constatação de que o capital vem ditando, com sua força, o desenvolvimento

urbano de nossas cidades, buscou-se então identificar como os atores privados vêm operando

na cidade de Natal. Do mesmo modo, conforme explicitado, a localização relativa dos

elementos no ambiente construído não é um acaso, mas, sim, reflete a materialização de

estratégias de produção de mais valia que ativamente produzem o espaço. Então, para fazer a

leitura da dinâmica intraurbana da cidade de Natal buscou-se identificar as preferências do

capital na distribuição espacial de seus investimentos através do mercado imobiliário,

especialmente o residencial, bem como a localização e distribuição das funções comerciais e

institucionais.

Através dessa análise da dinâmica urbana, também é possível retomar ao tema do

patrimônio e o conceito de centralidade – entendendo-se como centralidade uma área

congregadora de atividades, comerciais, administrativas, e sociais (econômicas, políticas e

lúdicas), que se sobressai no funcionamento da cidade. Sob a ótica de Flávio Villaça, os centros

têm características que acabam por otimizar o uso do tempo, oferecem as possibilidades “de

minimizarem o tempo gasto e os desgastes e custos associados aos deslocamentos espaciais

dos seres humanos” (VILLAÇA, 1998 apud SILVA, 2002, p.17).

De outro lado, ficou evidenciado também que as posturas políticas do Estado têm papel

de destaque enquanto reguladores do espaço urbano ou facilitadores das ações empreendidas

pelo capital. Nesta pesquisa, trataremos da legislação urbanística municipal, e, em particular,

nos debruçaremos sobre a política pública direcionada à área central, com destaque para

aquelas relativas à preservação do patrimônio. A política voltada para a área central histórica

de Natal já foi analisada recentemente sob o aspecto da conservação integrada (SOUZA, Daline,

34

2013), no entanto, este estudo deu ênfase à questão da participação da sociedade nas etapas

e elaboração de implementação das ações. Aqui, a aproximação com este conceito se dá pela

via da relação necessária entre política de preservação e política urbana de maneira mais

ampla.

1.4. ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

Diante do exposto, o presente estudo possui um caminho metodológico que se inicia no

entendimento da dinâmica intraurbana de Natal, para, em seguida, analisar os objetivos e a

pertinência das propostas em curso para a revitalização da área central de Natal com relação

ao contexto mais amplo da cidade. Assim, dividimos a dissertação em duas partes. O momento

inicial responderá a demanda do primeiro objetivo específico estabelecido para a pesquisa,

com o intuito de compreender a produção do espaço e a dinâmica intraurbana da cidade atual,

utilizando-se para isto dados secundários e primários. Inicialmente, tratamos de realizar um

resgate histórico da formação do território natalense e do seu desenvolvimento urbano, para,

em seguida, empreender uma análise do ordenamento urbano municipal.

As normatizações urbanas, enquanto instrumentos que regulam a ocupação do solo na

cidade, ditam “como” (em que condições) e “onde” se deve ocupar o território, definindo a

construção (legal) em grande e em menor escala em locais predeterminados. Dessa forma, tais

instrumentos legais determinam onde o capital (especialmente aquele diretamente ligado à

produção de bens fixos ou “imóveis”) pode se reproduzir em maior escala e, portanto, com

maiores ganhos, assim como, por outro lado, onde há restrições limitantes. Dessa maneira, esta

também é uma forma de atuação do Estado na produção da cidade, importando para este

estudo averiguar o papel que estas leis possivelmente tiveram/têm na produção da cidade.

Para empreender essa análise, nos interessa em particular estudar os parâmetros normativos

que indicam as possibilidades de aproveitamento máximo dos terrenos para construção, tais

como: coeficiente de aproveitamento e gabarito, ou a possibilidade de aplicação de

instrumentos urbanísticos – como a Transferência de Potencial Construtivo-TPC e a Outorga

Onerosa do Direito de Construir-OODC, bem como identificar os espaços especiais com

limitações impostas. Estes índices serão observados em sua distribuição espacial no território

da cidade de Natal, a fim de identificar os locais onde as diretrizes sejam mais permissivas ou

não, e, mais à frente, verificar se há uma relação com os espaços de maior concentração de

35

investimentos. E, ainda, como a área central de Natal é compreendida e regulada nessas

legislações.

A partir do entendimento de que uma centralidade é composta pela junção de diversos

usos, no capítulo seguinte abordaremos a distribuição espacial dos usos comercial, habitacional

e institucional, a fim de compreender o panorama atual da dinâmica das centralidades na

cidade de Natal. Apresentaremos dados sobre a espacialização do uso comercial baseados em

estudos já realizados sobre a distribuição dos circuitos da economia urbana na cidade,

complementados com as informações da Junta Comercial do Estado do RN - JUCERN sobre o

número de empresas ativas registradas e sua espacialização no território, coletadas em 2015.

Em seguida, expomos a espacialização do mercado imobiliário na produção de habitação com

dados dos alvarás de construção emitidos pela Prefeitura do Natal (Secretaria Municipal de

Meio Ambiente e Urbanismo – SEMURB) entre os anos 2011 e 2014, complementados com

informações extraídos de Queiroz (2010; 2012) sobre os anos 2000 e 2010, e a produção de

moradias no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida-PMCMV, a partir de Campos (2015).

Por último, trataremos rapidamente da tendência de localização especificamente de órgãos da

administração pública estadual e municipal, tendo em vista a dificuldade de levantamento de

dados sobre o uso institucional que envolva outros atores sociais.

Na segunda parte dessa pesquisa nos debruçamos sobre política patrimonial incidente

na área central de Natal, atendendo ao segundo objetivo específico. Nessa parte, foram

utilizadas bases de dados secundárias e primárias, especialmente documentos elaborados

pelas instituições públicas que têm como função a salvaguarda e a promoção da questão

patrimonial. Para complementar e esclarecer algumas questões, também foram realizadas

entrevistas com atores sociais envolvidos nas principais ações identificadas. Inicialmente, é

apresentado um levantamento histórico das ações empreendidas com vistas à preservação do

patrimônio cultural no Rio Grande do Norte, bem como um panorama atual da questão

conservacionista que permeia a área de estudo. Assim, trataremos em subtópicos específicos

das três principais ações em curso atualmente, que incidem sobre os bairros da área central e

têm a questão da conservação do patrimônio como escopo. Estas ações são empreendidas

pelos três níveis de governo, a saber: o Programa de Aceleração das Cidades Históricas-PAC-

CH, do Governo Federal e sob a coordenação do IPHAN, a Operação Urbana Consorciada Centro

36

Histórico de Natal, de iniciativa da Prefeitura Municipal, e o projeto do Centro Histórico de

Natal, capitaneado pelo Governo do Estado do RN.

Por fim, um último capítulo desenvolvido contém o cruzamento dos conteúdos

abordados nos capítulos anteriores, respondendo ao terceiro objetivo específico da pesquisa.

Nele, buscaremos avaliar os motivos que permeiam as políticas de preservação do patrimônio

cultural em Natal, e as possíveis consequências em termos de impacto no sentido do

fortalecimento do papel do centro histórico na dinâmica da cidade, bem como no que diz

respeito à promoção da conservação física do patrimônio da área e no significado social dessa

preservação. Enfim, analisaremos a efetividade das políticas de reinserção da área central de

valor patrimonial na dinâmica cotidiana da cidade, com vistas à sua conservação de maneira

sustentada.

37

Mapa 1: Subdivisão de bairros e zonas administrativas, com destaque para os bairros de Cidade Alta e Ribeira, Natal-RN

Fonte: Elaborado pela autora sobre base cartográfica de SEMURB (2005)

Nota: Destaque para Área Especial de Interesse Histórico segundo zoneamento do Plano Diretor de Natal/2007. Nesta área ainda incidem as delimitações da Zona Especial de Preservação Histórica/1990, assim como as

poligonais de tombamento e entorno por parte do IPHAN/2010.

38

PARTE I - A DINÂMICA INTRAURBANA DE NATAL-RN

39

2. A FORMAÇÃO E O ORDENAMENTO URBANO DE NATAL

2.1. A FORMAÇÃO DO ESPAÇO DA CIDADE E AS PRIMEIRAS TRANSFORMAÇÕES

A fundação da cidade de Natal se inseriu na lógica de ocupação da colônia promovida por

Portugal em finais do século XVI, consistindo em uma etapa fundamental do que viria a ser

chamado de conquista Leste-Oeste – uma necessidade premente para a manutenção das terras

lusitanas do Nordeste do Brasil, especialmente acima de Pernambuco. Foi fundada então, em

25 de dezembro de 1599, um ano após a construção do Forte dos Reis Magos, a quarta cidade

oficialmente reconhecida como tal no Brasil, embora as suas dimensões e importância

econômica não justificassem este título.

Estrategicamente fundada no alto de uma colina12, situação semelhante a diversas

cidades colonizadas por portugueses, a cidade mais se constituía em um pequeno aldeamento.

E assim se manteve por quase dois séculos, uma vez que seu isolamento em relação à capitania

dificultou o adensamento e desenvolvimento econômico, não havendo, também, atrativos ou

atividades que impulsionassem seu crescimento nesse meio tempo. A configuração inicial

pouco ia além da rua que ligava as duas cruzes que limitavam a posse portuguesa, hoje Rua da

Conceição, que controlava os acessos ao caminho do Forte, ao norte, e levava ao Rio de Beber

Água, ao sul, formando um pequeno agrupamento de casas e uma Igreja. (CASCUDO, 1999,

p.52)

Figura 1: Cartografia do cenário de fundação da cidade de Natal.

Fonte: MIRANDA, 1999.

12 Na localidade hoje denominada Praça André de Albuquerque no bairro da Cidade Alta.

40

Limitada por obstáculos naturais no seu entorno (rio e dunas), o crescimento da cidade

de Natal se deu, inicialmente, em direção à área alagadiça que levava ao Forte dos Reis Magos,

o atual bairro da Ribeira, ainda assim enfrentando grandes dificuldades. Mas, logo em seguida,

sua expansão ficou restrita ao sentido sul (sudoeste e sudeste) do território. O panorama

urbano geral da época se constituía, portanto, da Cidade alta como núcleo de fundação da

cidade, contando com a Igreja Matriz, e a Ribeira como área alagadiça de ligação ao Forte dos

Reis Magos (MEDEIROS e TRIGUEIRO, 2009).

Dois séculos depois (em 1777), a área de ocupação havia se expandido muito pouco em

relação ao assentamento de fundação, apenas com um número de casas superior ao século

anterior. Ao desenho urbano foi incrementada a Rua Grande, delimitando a praça do lado mais

próximo do Rio Potengi (àquela época conhecido como Rio Salgado), onde foi construída a Casa

de Câmara e Cadeia em 1772 (demolida em 1910). A Cidade Alta mantinha sua importância

como sede, onde se localizavam as instituições administrativas e religiosas, mas sendo

majoritariamente residencial, local de moradia de famílias tradicionais. Entretanto, a partir do

final do século XVIII, a cidade passou a se expandir em direção à área mais baixa em direção ao

forte, em resposta às demandas comerciais em expansão13.

Durante o século XIX, a economia do Rio Grande do Norte passou a se desenvolver de

maneira mais significativa, principalmente por meio da produção crescente de algodão. As

atividades relacionadas ao açúcar, sal e a criação de gado também eram importantes, no

entanto, o algodão despontou como o primeiro produto de exportação do estado, que chegou

a ser um dos principais produtores do país no início do século seguinte. Pedro Lima (2001, p.24)

esclarece que o crescimento econômico advindo do algodão propiciou o desenvolvimento da

infraestrutura do estado, com grande repercussão na urbanização da capital.

A partir de então, com a economia em ascensão e acompanhada de outros eventos,

desencadeou-se o processo de modernização de Natal:

De fato, este processo se iniciou, embora lentamente, a partir da segunda metade do século XIX. Desde então, assiste-se a uma série de ações e acontecimentos que contribuíram para a construção de Natal como uma cidade moderna. A organização da burocracia, com a criação de novas instituições e suas instalações; ações higienistas e de embelezamento; criação

13 De acordo com Jeanne Nesi (2002, p.92), há registros de concessão de terras pelo Senado da Câmara de Natal que datam do século XVIII na Rua da Praia, na Ribeira, de onde se permite apreender a existência de edificações habitacionais de taipa.

41

de infraestrutura urbana e de serviços; e um plano de expansão urbana estão entre as realizações que, iniciadas por volta de 1850, tomaram impulso ou se consolidaram nas primeiras décadas do século XX. (LIMA, 2001, p. 25)

Assim, começaram a ser construídos os primeiros prédios de pedra e cal na Rua da Praia14,

na área ribeirinha, destinados ao comercio atacadista, especialmente de açúcar e algodão. Em

1860 iniciaram-se as obras para implantação do porto, com reestruturação do cais de

embarque (Cais do Salgado), seguidas de obras de acesso ao ancoradouro interno, o que se

estendeu até meados do século seguinte. Conforme aponta Yuri Simonini (2010), essas

iniciativas tinham por objetivo fomentar o desenvolvimento da capital, através do provimento

de acesso à cidade15 e, consequentemente, de impulsionamento do comércio para a sua

inserção no cenário nacional e mundial e a manutenção da sede do poder político do estado.

Estas preocupações se davam porque, até o final do século XIX, com o isolamento físico de

Natal dentro do próprio estado – sem nenhuma, ou pouca e precária, ligação com as províncias

vizinhas – a economia do RN ainda dependia do mercado de Pernambuco, para onde se escoava

a produção do estado por meio do porto de Recife.

A partir das últimas décadas daquele século (XIX), deu-se início à ocupação mais veloz da

Ribeira. A sede do governo do Estado foi transferida da Rua da Conceição, no alto da colina,

para um imóvel na Rua do Comércio16, onde permaneceu entre os anos de 1886 e 1902. Devido

à implementação de infraestrutura, a abertura de linhas férreas17 e o incremento das atividades

portuárias, a Ribeira passou a ser alvo de investimentos e crescimento econômico continuado

nos primeiros anos do século XX. As linhas ferroviárias facilitaram a conexão da capital com o

interior do estado, bem como a construção da ponte de ferro sobre o Rio Potengi, em 1916,

permitiu a ligação rodoviária definitiva com as demais cidades vizinhas. Neste período, porções

14 Também denominada de Rua da Alfândega, Rua do Comércio, Rua Tarquínio de Souza e atual Rua Chile (NESI, 2002; IPHAN, 2007). 15 Segundo SIMONINI (2010), o isolamento da capital em relação às outras cidades da capitania corroborava para a manutenção de um cenário de pouco desenvolvimento e estagnação econômica de Natal. Este isolamento devia-se principalmente às condições do meio físico-geográfico do local de fundação – o cordão de dunas de um lado e o rio de difícil navegação do outro –, que, além de investimentos, demandavam conhecimento de engenharia que viabilizassem soluções técnicas. 16 Antiga Rua da Praia e atual Rua Chile, no bairro da Ribeira, Natal-RN. 17 Entre 1881-83 foi construída a ferrovia Nova Cruz Railway Company, ligando Natal a cidade de Nova Cruz-RN. Esta ferrovia foi comprada pela Great Western of Brazil que a expandiu, entre 1901-03, até o município de Independência (hoje Guarabira), na Paraíba, facilitando a ligação com Recife através da Estrada de Ferro Recife a Limoeiro. Em 1906 a Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, ou Estrada de Ferro Sampaio Corrêa, ligou Natal à Ceará-Mirim, e em 1912-15 foi construída a Companhia Estrada de Ferro de Mossoró S.S., ligando Porto Franco (em Areia Branca) a Alexandria/Sousa-PB (OLIVEIRA in FERREIRA e DANTAS, 2006, p. 46-47).

42

de terras alagadiças na Ribeira foram sendo aterradas e receberam construções de armazéns,

casas iam surgindo atraídas pelas divisas que o porto passava a gerar. O local onde só moravam

os guardas dos armazéns, antes isolados, passou a ser também local de residência dos

negociantes do Rio Grande. Neste contexto, a área urbana mais baixa passou a abrigar uma

maior diversidade de atividades que o núcleo fundacional, e a rivalizar, também, em população

com o bairro da Cidade Alta.

Figura 2: Mapa de Natal em 1864 (Atlas do Império do Brasil)

Largos e Praças: A. Praça da Matriz; B. Praça de Antônio; C. Praça do Palácio; D. Largo do Quartel; E. Largo do Rosário. Igrejas: a. N. S. da Apresentação (Matriz, 1694); b. N.S.do Rosário; c. S. Antônio; d. Bom Jesus. Edifícios Públicos: 1. Palácio do Governo; 2. Assembleia Provincial; 3. Câmara Municipal; 4. Thesouraria da Fazenda; 5. Thesouraria Provincial; 6. Alfândega; 7. Atheneu; 8. Quartel de Linha; 9. Quartel do Corpo Policial; 10. Hospital

Militar; 11. Cadeia (1722).

Fonte: Candido Mendes de Almeira (1868) apud MIRANDA (1999).

Na transição entre os séculos XIX e XX também começam a ser influentes as ideias

europeias de modernidade, o pensamento sanitarista, o higienismo e o embelezamento.

Segundo Lima (2001, p. 43), a partir da Proclamação da República, o Rio Grande do Norte

passou a ser governado “por uma espécie de oligarcas esclarecidos” que, tendo tido acesso a

estudos no exterior, entraram em contato com as ideias em voga no cenário internacional. As

transformações urbanas na malha existente começaram através de “restrições à pobreza”,

alinhamento de ruas, dotação de bom gosto e boa arquitetura em fachadas e mudança de

algumas delas, especialmente na Av. Silva e Jardim (ALMEIDA, 2007). Destacaram-se dentre as

obras daquele período o aterro e construção da Praça Augusto Severo, na Ribeira, o

saneamento e embelezamento do riacho do Bica/Baldo, no extremo sul do bairro da Cidade

Alta, e a construção do boulevard da Avenida Junqueira Alves, que ligava os dois primeiros

bairros da cidade.

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Durante as três primeiras décadas do século XX, foram desenvolvidos três planos

urbanísticos18 para Natal, mas apenas um foi implementado. Neste sentido, entre os anos de

1901 e 1904 foi executada a primeira proposta de expansão da cidade, o Plano Cidade Nova ou

Polidrelli19, que criou o terceiro bairro de Natal20, a Cidade Nova. Para Gisele de Medeiros

(2011), este Plano constitui-se na primeira ação que marcou a segmentação do espaço da

cidade por classes sociais, uma vez as ruas reticuladas e mais modernas da época atraíram a

elite natalense.

Figura 3: Master-plan da Cidade Nova 1901-1904.

Fonte: MIRANDA, 1999.

Diante dessa primeira expansão, começou a se conformar uma região que ficaria

conhecida como “centro da cidade”, composta pelos dois bairros de Cidade Alta e Ribeira, que

18 Plano de Sistematização de Natal, elaborado pelo arquiteto Giácomo Palumbo em 1929, uma proposta que compreendia aspectos sanitários e ambientais; o Plano Geral de Obras, de autoria do Escritório Saturnino de Brito, prevendo sistema de abastecimento de água e esgotamento sanitário, e contemplando propostas de melhoramentos urbanos, construção de edifícios públicos, e bairro jardim, que desencadeou no Plano de Expansão de Natal, de 1935. (LIMA, 2006, p.28). 19 Antoni Polidrelli foi o agrimensor italiano que executou a proposta. Esta consiste de uma malha xadrez composta por oito avenidas e catorze ruas, implantadas em um terreno relativamente regular, que recebeu o nome de Cidade Nova, e atualmente corresponde aos bairros de Petrópolis e Tirol. Constuiu-se em um plano de expansão urbana que, afastado da malha precedente, não interviu na cidade existente. Mas, segundo LIMA (2001, p. 40), tentou conectar-se através do prolongamento de algumas vias abertas naquela época. 20 Em FERREIRA et al (2008, p.61) se esclarece que já existiam outros núcleos de ocupação além da Cidade Alta e Ribeira, a exemplo do Alecrim que, de caráter mais popular, mesmo consolidado não era ainda reconhecido como bairro. Local onde havia sido implantado o cemitério da cidade em 1855-56, segundo CASCUDO (1999, p.356), o bairro do Alecrim foi oficializado em 1911, sendo assim o quarto bairro da cidade. Igualmente há menções da existência de pescadores residindo na região do Areal, nas Rocas, em maior número a partir de princípios do século XX (CASCUDO, 1999, p.246).

44

passaram a se conectar por meio do transporte de bondes, implantando em 190821. Em 1935,

foi realizado o prolongamento da Avenida Rio Branco até a Ribeira, passando a haver duas vias

de ligação entre os referidos bairros.

O impulso gerado através da chegada da aviação e a construção do Porto aéreo de Natal

no rio Potengi, em 1928, em conjunto com a influência das ideias em voga na Europa, a

modernização, os bondes descendo as ladeiras, a iluminação pública e o calçamento das vias,

deram início ao apogeu da Ribeira. Acompanhado de todo esse desenvolvimento, o período da

Segunda Guerra Mundial compreendeu os dias de glória do bairro enquanto centro ativo e

boêmio de Natal. Nesse período, a população natalense que era de 55 mil habitantes, recebeu

10.000 soldados americanos e batalhões de soldados brasileiros, o que dinamizou não somente

o setor militar, mas também a vida econômica da cidade (MEDEIROS e TRIGUEIRO, 2009).

Porém, com o fim do grande conflito e os crescentes avanços tecnológicos no transporte,

a cidade de Natal foi perdendo sua importância enquanto localização estratégica22, ao passo

em que ocorreu um declínio das atividades de apoio direto e indireto à precedente presença

norte-americana. Esses acontecimentos instalaram uma crise social e econômica, com maior

impacto sobre os bairros fundacionais. O intenso crescimento demográfico, que vinha

ocorrendo desde a instalação da base americana, foi intensificado pelo movimento migratório

provocado pelas secas, ocorridas na segunda metade da década de 1950 no interior do estado,

o que agravou a situação da capital potiguar e tornou mais evidente a carência de habitação.

(DANTAS, 2003).

Esse cenário acelerou o deslocamento da concentração de atividades na direção sul da

cidade. Facilitado o acesso entre os bairros baixo e alto, muitos estabelecimentos comerciais

que resistiram à saída dos americanos foram subindo a encosta e se instalando nas novas vias

largas e arborizadas da Cidade Alta23. O bairro da Cidade Alta, por sua vez, perdeu um volume

21 Inicialmente à tração animal, logo substituído pelo sistema de bonde elétrico, em 1911. 22 Nos anos 1920 Natal se destacaria no sistema aeroviário sulamericano, por seu posicionamento estratégico entre três continentes: Américas, África e Europa. Assim, “Caes da Europa” (termo primeiramente utilizado pela Ministro Victor Konder) tornou-se o emblema utilizado pelas elites dirigentes de Natal em vistas de modernizar o bairro da Ribeira. A importância da localização de Natal seria confirmada com a instalação da maior base americana fora dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial (SIMONINI, 2010; FERREIRA e DANTAS, 1998). 23 Entre as avenidas Rio Branco (aberta em 1802 sob o nome de Rua Nova, recebendo o nome atual em 1888) e Deodoro da Fonseca, área localizada a sudeste do núcleo de fundação da cidade.

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maior seus moradores mais abastados para as áreas mais nobres de Cidade Nova (Petrópolis e

Tirol).

Além disso, a estadia americana em Natal havia deixado como herança o delineamento

da estrutura física de expansão da cidade, uma vez que a instalação dos equipamentos militares

promoveu a consolidação de vias de circulação. Durando o período, surgiram os eixos formados

pela Avenida Alexandrino de Alencar, ligando as bases brasileiras da marinha e exército,

respectivamente no Alecrim e na Cidade Nova (hoje bairro de Tirol); e pela construção da

Parnamirim Road, hoje Avenida Hermes da Fonseca, que ligava a base de hidroaviões na Rampa

da Limpa24, de onde também saía o oleoduto até a base aérea americana Parnamirim Field, ao

sul da capital. Conforme aponta Lima (2001, p.75), a construção da Avenida Hermes da

Fonseca25, que correspondeu à extensão de uma das vias projetadas pelo Plano Polidrelli,

reforçou a forma de ocupação da cidade do lado direto do rio Potengi, representando o

principal eixo de expansão sul da cidade. Ainda segundo este autor, posteriormente, vários

bairros e conjuntos habitacionais passaram a se desenvolver em função da proximidade com

esses eixos, como os bairros do Alecrim, Lagoa Seca, Tirol e Lagoa Nova (ver Mapa 2).

De acordo com Tamms Campos e Angela Ferreira (2013), as políticas habitacionais do

governo federal, entre as décadas de 1940 e 1980, também tiveram grande influência na lógica

de ocupação e estruturação urbana de Natal. Aferiu-se este processo a partir da espacialização

das propostas de localização dos empreendimentos financiados pelos programas habitacionais

em dois momentos: a produção pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões - IAP’s e,

posteriormente, por meio da Política Nacional de Habitação-PNH e do Sistema Financeiro de

Habitação-SFH.

24 Como era conhecida a área alagadiça ao norte da Ribeira. O edifício da Rampa localiza-se hoje no bairro de Santos Reis e atualmente passa por obras, que contemplam a construção de uma edificação contemporânea, ao lado, para abrigar um museu da aviação. 25 Trecho desde a Avenida Prudente de Morais, em Petrópolis, até a Avenida Bernardo Vieira, quando passa a ser nomeada Avenida Senador Salgado Filho e, mais a frente, BR-101. No sentido contrário, o prolongamento desta mesma via corresponde à Avenida Engenheiro Gustavo Cordeiro de Farias, desde Petrópolis até chegar à Ribeira.

46

Mapa 2: Mancha de evolução urbana de Natal.

Fonte: CAMPOS e FERREIRA, 2013, com modificações.

Através dos IAP’s, que atuaram em Natal entre anos de 1941 e 1964, foram registrados

496 processos imobiliários26. Os empreendimentos habitacionais construídos neste contexto

ainda se concentraram nos bairros contíguos ao centro – principalmente nos bairros de Cidade

26 Distribuídos entre o Instituto dos Industriários – IAPI, Instituto dos Servidores Públicos e Federais – IPASE, Instituto dos Comerciários – IAPC, e Instituto dos Bancários – IAPB.

47

Alta, Petrópolis, Tirol e Alecrim –, contribuindo para o adensamento e consolidação dessa

região que ainda concentrava as principais atividades centrais, embora começassem a aparecer

também nos bairros ao sul dessa região – chegando aos bairros de Lagoa Nova e Nova

Descoberta27.

Não obstante, a Ribeira continuava apresentando sinais de declínio desde a saída dos

soldados americanos. Diante desse fato e aproveitando o contingente de imigrantes vindos do

interior do estado, na década de 1960, o bairro recebeu a construção de um Terminal

Rodoviário vislumbrando uma recuperação de suas atividades econômicas, o que não

aconteceu (NOBRE e PEREIRA, 2008). No final desta década, a realidade da cidade já havia se

modificado, os terrenos começavam a se tornar escassos no núcleo urbano central e diversas

indústrias haviam começado a se instalar na direção sul da cidade. Somando-se à existência de

grandes terras improdutivas na periferia e a indefinição dos limites do município, estes fatores

impulsionaram a expansão física de Natal a partir deste período. Iniciou-se então o processo

de loteamento que prosseguiu nas décadas de 1970 e 1980. Em vinte anos, a malha urbana de

Natal praticamente dobrou de tamanho em um processo claro e rápido de expansão urbana

através da ocupação de áreas periféricas e de suburbanização (MIRANDA, 1999).

Esta expansão se deu no contexto da Política Nacional de Habitação-PNH instituída a

partir de 1964. O Sistema Financeiro de Habitação-SFH, composto por agentes como as

Companhias Habitacionais-COHAB’s e os Instituto Nacional de Orientação à Cooperativas-

INOCOOP’s, produziu, em Natal, 63 conjuntos habitacionais entre os anos de 1974 e 1986.

Somou um total de 41.217 unidades habitacionais distribuídas, em geral, nos bairros periféricos

da cidade, inclusive na margem norte do rio Potengi. A disponibilidade de glebas e o preço do

solo repercutiram, mais uma vez, na distribuição da produção por faixas de mercado em áreas

claramente diferenciadas. Na porção norte do território, com menos infraestrutura e mais

distante do centro, houve atuação exclusiva das COHAB’s, cuja produção era destinada à

população com rendimento de 1 a 3 salários mínimos; enquanto os INOCOOP’s atuaram

predominantemente na porção sul da cidade, para uma população com renda entre 3 e 5

salários mínimos. Assim, para Ferreira (1996, apud CAMPOS e FERREIRA, 2013, p. 07) “a

27 De maneira menos expressiva houve implantação de empreendimentos habitacionais nos bairros de Quintas, Lagoa Seca, Nova Descoberta, e, inclusive, em Ponta Negra, em um número ainda menor. Em sua maioria estes foram destinados aos servidores públicos federais (CAMPOS e FERREIRA, 2013).

48

localização dessas habitações materializa o processo de divisão sócio-espacial e a submissão do

Estado ao mercado imobiliário”, já que também não havia diretrizes oficiais de ocupação do

território.

Neste período também ocorreu o espraiamento das atividades econômicas e

institucionais na cidade. Desde a década de 1970 haviam começado a ser construídos

importantes equipamentos públicos na direção sul. Dentre os quais, destacaram-se os

primeiros edifícios da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN, do Centro

Administrativo do Estado, ambos às margens da Avenida Senador Salgado Filho28, e o estádio

de futebol municipal Castelo Branco29, vizinho aos prédios do governo. Tais equipamentos

foram considerados por Lima (2001, p.81), junto com os conjuntos habitacionais, uma “marca

do processo de urbanização/modernização, ao longo do período dominado pelo regime militar”.

Desta maneira, a sede do Governo deixou a Cidade Alta, na área central, e corroborou com a

expansão das atividades para a região sul da cidade. Reforçando o esvaziamento da área

central, que não alcançou a revitalização esperada com o Terminal Rodoviário, um novo prédio

para este equipamento foi construído entre 1977 e 1981 no bairro de Cidade da Esperança, na

zona administrativa oeste da cidade (NOBRE e PEREIRA, 2008).

Ainda na década de 1970, dentro da política desenvolvimentista e dos incentivos da

Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste-SUDENE para a industrialização, foram

criados o Distrito Industrial de Natal-DIN e o Parque Têxtil Integrado no município vizinho de

Extremoz, no limite norte da capital. Essa ação, além de corroborar para aumentar a demanda

por habitação na região ao norte do rio Potengi, impulsionou a implantação de

estabelecimentos comerciais a partir da década de 1980, com o apoio do poder público. De

acordo com Joseara Lima de Paula (2010, p. 47), o estado cedeu terrenos para a construção

dos primeiros supermercados daquela área, localizados nos bairros de Igapó, e posteriormente

no bairro Potengi, às margens das duas principais avenidas, Tomáz Landim e João Medeiros

Filho.

A atividade turística também recebeu grandes investimentos nesse período, quando teve

início a construção do projeto Via Costeira, em 1979, fazendo a ligação das praias urbanas

28 Prolongamento da Avenida Hermes da Fonseca, a partir do cruzamento com a Avenida Bernardo Vieira. 29 Em 1989 o nome foi alterado para Estádio João Cláudio de Vasconcelos Machado, quando passou a ser mais conhecido como Machadão.

49

centrais ao bairro litorâneo de Ponta Negra, ao sul. Desde os anos 1950, diante do pouco

desenvolvimento industrial na cidade, o prefeito Djalma Maranhão propôs o direcionamento

do desenvolvimento econômico de Natal para as suas belezas naturais e exploração via

turismo, inicialmente concentrado nas praias centrais (principalmente Praia do Meio e Praia

dos Artistas). Esta atividade se consolidou definitivamente na década de 1980, quando a

economia do estado passou a girar em torno da oferta de serviços, com destaque para o

turismo e a exploração crescente da praia de Ponta Negra. (LIMA, 2001).

De maneira geral, a partir da década de 1980 começaram a emergir grandes

empreendimentos comerciais, supermercados e o primeiro shopping center da cidade, na

direção sul do município e nos locais de antigas fábricas. A verticalização, que timidamente teve

início na década anterior, passou gradativamente a aumentar. Na década de 1990, o

crescimento continuado na direção sul da cidade resultou no processo de conurbação com o

município vizinho de Parnamirim. A partir deste período, o processo de verticalização tornou-

se mais intenso devido a vários fatores, como aumento da população, a ocupação de todo o

território municipal e o crescimento do setor da construção civil.

A polaridade da região sul também foi reforçada pelos acessos terrestre e aéreo à capital.

Apesar de ser acessível por terra pelos lados norte e sul através da BR 101, que cruza o

município, o acesso sul é considerado a principal porta de entrada da cidade30, pois, através

dele, se faz a comunicação com o sul do país, sendo utilizado ainda para conexão com a BR 304

na direção de oeste (para Mossoró, segunda maior cidade do RN, Fortaleza e demais estados

das regiões nordeste e norte), ficando o acesso norte restrito à ligação com os municípios do

litoral norte do estado. O aeroporto também se manteve no município vizinho de Parnamirim,

no lado sul de Natal até 2014, quando foi transferido para São Gonçalo do Amarante, no limite

norte da capital.

Como veremos no próximo capítulo, na última década, a ampliação do sistema de crédito,

permitindo o acesso a novos consumidores, a investimentos em infraestrutura urbana, aliados,

ainda, ao retorno de programas habitacionais do governo federal, com o Programa Minha Casa

Minha Vida-PMCMV, permitiram uma intensificação das atividades comerciais, incluindo o

mercado imobiliário, e a expansão urbana para novas áreas em Natal. Esse processo reforçou

30 Onde se localiza o Pórtico dos Reis Magos, marcando a entrada da capital potiguar.

50

algumas centralidades já existentes, assim como vem criando, mais recentemente, novas

tendências de crescimento da cidade, que repercutem sobre o lugar e a função do centro

antigo na dinâmica intraurbana.

Apesar da posição geográfica central no território municipal, durante o processo de

desenvolvimento da capital potiguar, seu núcleo originário ocupou um lugar marginal dentro

do sistema viário, que se expandia na direção sul e era conectado à região norte, até pouco

tempo atrás, apenas por uma ponte sobre o rio Potengi. No entanto, a inauguração da Ponte

Newton Navarro, em 2007, aumentou a acessibilidade do setor fundacional no desenho urbano

atual, devido à sua proximidade com a nova infraestrutura31. Assim, resgatou-se a posição

geograficamente estratégica desse setor antigo, em associação ao desenvolvimento da ZA-

Norte da capital, que corrobora para ampliar o fluxo na região.

O grande destaque dado à nova ponte como marco da cidade já se percebe na exploração

de sua imagem e a consequente valorização, ou expectativa de ocupação por parte do mercado

imobiliário, da área próxima. Atrelado a isso, os vetores de investimentos imobiliários, que

anteriormente se concentravam na zona administrativa sul da cidade, nos bairros de Lagoa

Nova, Ponta Negra, Cidade Satélite, e mesmo em Eucaliptos e Nova Parnamirim, no município

conurbado – ou seja, ao longo das Avenidas Senador Salgado Filho, Engenheiro Roberto Freire

e Airton Senna –, voltaram-se em direção ao centro antigo. Estimulada ou facilitada pelos

poderes públicos, a porção lindeira à Av. General Gustavo de Farias passou a ser uma das

localidades visadas pelo mercado, especialmente na porção conhecida como Ribeira Alta.

Os dezessete edifícios previstos para a área, alguns já finalizados, totalizam

aproximadamente 773 novas unidades habitacionais e têm como público alvo a classe média

alta e alta. O bairro da Ribeira, por ser menos valorizado em comparação ao seu vizinho,

possibilita a compra de terrenos mais baratos, quando, na verdade, os empreendimentos são

vendidos como se estivessem locados em Petrópolis. Esta estratégia permite uma maior

margem de lucro para os empresários imobiliários. Além da facilidade de infraestrutura

estabelecida, se valem da proximidade com uma porção supervalorizada da cidade, com

possibilidade de exploração da mesma paisagem, a vista do Rio Potengi e o marco da nova

31 Muito embora essa consequência não tenha sido intencional. Mais se aproxima, de fato, de uma ação de implementação de infraestrutura turística voltada para a temática de praias, ligando as praias urbanas de Natal ao litoral norte da RMN, ao formar um eixo viário costeiro desde a praia de Ponta Negra até a praia de Jenipabu.

51

ponte Newton Navarro de um lado e o mar do outro. (MEDEIROS e RODRIGUES, 2009 e

VELOSO, 2011).

Atualmente, a dinâmica urbana de Natal é formada por um sistema de múltiplas

centralidades, onde ainda se destaca a área fundacional da cidade, especialmente devido à

resistência do comércio de rua, de caráter cada vez mais popular, e a localização de algumas

instituições públicas da gestão municipal no bairro da Cidade Alta. Neste bairro também

permanece um núcleo residencial de renda média baixa, inclusive no entorno da área tombada

do centro histórico da cidade, ao passo que na Ribeira este uso concentra-se nas bordas do

bairro, com um recente adensamento em sua porção sudeste de cota mais alta, associado à

verticalização acima mencionada. A Ribeira possui um comércio de rua menos expressivo, onde

se destaca, sobretudo, a atividade portuária, além de conter algumas instituições públicas e

espaços destinados a cultura.

Corrobora ainda para manter o centro antigo em evidência, no contexto policêntrico

atual, o fato de o setor ser bem servido pelo sistema de transporte público de ônibus, e ligado

à região metropolitana também através do sistema de trens urbanos. O fluxo de deslocamentos

da população da RMN hoje é polarizado entre as viagens com destino à antiga área central

(deste as zonas administrativas norte, sul e oeste e municípios de Ceará-Mirim, São Gonçalo do

Amarante e Extremoz ao norte e Parnamirim ao sul) e em direção à região sul da cidade,

perpassando as várias centralidades localizadas na região (principalmente desde a zona

administrativa norte e munícipios vizinhos, e abrangendo o fluxo que faz a ligação entre centro

antigo e zona sul).

Passamos a analisar, no item a seguir, o Ordenamento Urbano de Natal a fim de

compreender a relação com o desenvolvimento e dinâmica urbana atual da cidade.

2.2. REGULAÇÃO URBANA E O PAPEL DO ESTADO NA DINÂMICA INTRAURBANA

No item anterior foi possível apreender como o estado atuou no papel de promotor da

produção do espaço urbano na cidade de Natal, em momentos diversos. Inicialmente, as

primeiras expansões ocorreram de maneira espontânea, ocupando locais próximos às rodovias

e ferrovias de ligação com o interior do estado (a exemplo do Alecrim), mas também através

da intervenção direta do estado na criação de novos bairros (Cidade Nova, hoje Petrópolis, e

Tirol). Durante a década de 1940, a cidade cresceu na direção das vias construídas pelo poder

52

público, para a ligação das várias bases militares construídas naquela época. A partir da década

de 1960, a urbanização de Natal passou a ser regida pela atuação de programas sociais de

moradia e do crescente mercado da construção civil, através, principalmente, da produção de

conjuntos habitacionais. Como não havia legislação que estabelecesse diretrizes de ocupação

do território, o resultado foi a formação de um espaço segregado e ocupado segundo os

interesses dos setores empresariais. Regidos pelas estratégias de obtenção de mais lucros, a

ocupação ocorreu também de maneira fragmentada, deixando vazios urbanos e ocupando

áreas longínquas que logo atingiriam os limites do território municipal.

Até a década de 1980, a formação do espaço físico de Natal deu-se sem regulações ou

planos que fornecessem diretrizes para o crescimento da cidade. Conforme mencionado no

item anterior, no início do século XIX foram elaborados três planos urbanísticos de expansão

para Natal. Entretanto, no contexto do urbanismo em voga, aquelas propostas, mais de

desenho urbano, restringiam-se a uma área que pouco ia além dos dois bairros centrais –

expandindo-se para onde hoje estão os bairros de Rocas e Santos Reis, ao norte, e incluindo os

bairros de Petrópolis e Tirol, que formavam a Cidade Nova. A grande expansão da malha

urbana, que se iniciou após a Segunda Guerra Mundial, e especialmente a partir dos anos 1970,

ocorreu então sem diretrizes ou planejamento prévio.

No Brasil, a institucionalização do planejamento das cidades ocorreu em escala nacional32

durante o Regime Militar, como forma de viabilizar, de maneira sistemática, as políticas de

desenvolvimento com vistas a superar o quadro de debilidade econômica em que se

encontrava o país – decorrente da crise instalada durante a administração de Juscelino

Kubitschek, aliada à instabilidade política que resultou no golpe militar. Em um momento de

redefinição do padrão da política urbana nacional, passou-se por um processo de criação e

reformulação de órgãos públicos, como a abertura do Ministério do Planejamento em 1964,

além de programas e projetos no setor da habitação, quando foram criados o Banco Nacional

de Habitação-BNH, também em 1964, e o Serviço Federal de Habitação e Urbanização-

SERFHAU, regulamentado em 1966. Através deste último foi estabelecida a execução da

política nacional na esfera do planejamento local, com ênfase no desenvolvimento regional.

Nesse contexto, surgiram os Planos Diretores de Desenvolvimento Local e Integrado-PDDLI,

32 De acordo com DANTAS el all (in FERREIRA e DANTAS, 2006, p. 260), em São Paulo, por exemplo, desde 1947 já havia sido criado o Departamento de Urbanismo.

53

que funcionavam como instrumentos de controle de repasse de recursos federais para os

municípios. (DANTAS et all, in FERREIRA e DANTAS, 2006, p. 257-265). Os PDDLI’s se tornaram,

assim, base para os primeiros planos urbanísticos municipais, como também ocorreu em Natal.

Dessa maneira, depois de três décadas sem novas proposições de planos para a cidade,

o final dos anos 1960 marcou o início da transição do urbanismo para o planejamento urbano

na capital potiguar. Entre 1967 e 1984 foram elaboradas três propostas para Natal, no entanto

as duas primeiras não foram implementadas e a última apenas parcialmente. Na década de

1990 houve uma mudança nos rumos do planejamento urbano em Natal, como reflexo de

discussões empreendidas em âmbito nacional por direitos urbanos. Por fim, a última

formulação do Plano Diretor de Natal-PDN ocorreu em 2007 e permanece em vigor, mas em

vias de passar por uma nova atualização.

A primeira dessas propostas que deram início à transição para o planejamento urbano

local foi Plano Urbano e de Desenvolvimento de Natal, contratado durante a gestão do prefeito

Agnelo Alves e elaborado pelo escritório paulista Serete S.A. Engenharia e Jorge Wilheim

Arquitetos Associados, em 1967. Considerado por alguns autores (LIMA, Pedro, 2001) o

primeiro Plano Diretor de Natal, em verdade o Plano Serete, como ficou conhecido, se

constituiu de um estudo que, atendendo à cartilha daquele período, realizou um amplo

diagnóstico da realidade local. Em um momento de transição, este Plano ainda

fundamentando-se na visão da intervenção urbanística33 como instrumento de

desenvolvimento, conforme expôs o próprio autor da proposta (Idem, p. 273). Dentre as

principais proposições estava a criação de um centro administrativo, mais moderno, nos

moldes do modelo de Brasília.

Como não chegou a ser executado – também em virtude da cassação do prefeito Agnelo

Alves pelo regime ditatorial –, serviu principalmente para cumprir a obrigatoriedade necessária

para o repasse de recursos federais. Entretanto, ao construir um importante arquivo de

informações sobre o município, embasou sobremaneira a elaboração da Lei que instituiu

oficialmente do Plano Diretor do Município de Natal, seis anos depois. Fato que se viabilizou

através da continuidade de parte da equipe local que acompanhou a elaboração do Plano

33 Segundo DUARTE (2010, p 145) e DANTAS et all (2006), o Plano Serete contemplava projetos especiais com o objetivo de criar uma imagem para a cidade, dando atenção para a criação de marcos de referência, parques urbanos, paisagismo e sinalização, incorporando também a urbanização de assentamentos informais e o adensamento e desenvolvimento econômico dos setores secundário e, principalmente, terciário.

54

Serete, reunida na Assessoria Municipal de Planejamento-AMPLA, na criação da legislação

urbanística municipal.

Completando o processo de institucionalização do planejamento urbano, o primeiro

Plano Diretor de Natal - PDN foi oficialmente aprovado em 1974, através da Lei 2.211 daquele

ano. Uma vez que foi elaborado com base no Plano Serete, ambos possuíam características

semelhantes: incorporaram o pensamento racionalista, com ênfase em um macrozoneamento

funcional e destaque para a hierarquia viária, e, em nenhum deles, havia menção à porção ao

norte do rio Potengi.

A proposta de Lei para o primeiro PDN distinguia-se por abandonar a ideia de

intervenções projetuais, direcionando-se apenas para o planejamento global da ocupação

urbana, cuja elaboração ficou a cargo de uma equipe local de servidores e técnicos. Deixando

como legado, assim, a criação de instituições públicas com atribuição de gerir e propor

intervenções no espaço urbano, como a Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação

Geral-SEMPLA (sucessora da AMPLA) e o Conselho de Planejamento Urbano do Município de

Natal-CONPLAN34. A despeito da criação dessa instância, o momento político da Ditadura

corroborava para que não houvesse participação popular, representando ainda um plano

tecnocrático.

Segundo Lima (2001), o PDN de 1974 caracterizou-se mais como uma ação que se

preocupava em justificar legalmente a ocupação precedente, do que propriamente interferir

na estrutura da cidade. Na proposta de 1974 ainda não havia, de fato, instrumentos de controle

e ordenamento do uso do solo. Ou seja, o zoneamento e as prescrições do plano traduziam as

tendências de ocupação da cidade, que ainda crescia espontaneamente.

De toda forma, tendo em vista que a proposta previa a complementação dos detalhes

para implementação em uma etapa posterior, que nunca chegou a ser regulamentada, o Plano

não foi executado. Dessa maneira, dois anos depois (1976) se iniciou a montagem de uma

equipe para discussões sobre a revisão da Lei, que foi concluída com a aprovação de um novo

Plano, em 1984.

34 Nessa primeira composição, os representantes deste Conselho, em sua maioria, mantinham relação direta com o poder, seja político ou econômico, configurando um processo ainda sem participação popular.

55

2.2.1. Plano Diretor de Organização Físico-territorial do Município

A Lei 3.175 de 29 de fevereiro de 1984, que estabeleceu o Plano Diretor de Organização

Físico-territorial do Município, foi aprovada quando o território do município de Natal já era

considerado totalmente urbanizado. Conforme explica Duarte (2010, p.170)

até o início dos anos 1980 se consolidava em Natal um processo de ocupação dispersa e fragmentada da malha urbana, em que se encontravam grandes vazios, com a transformação do solo rural em urbano e a expansão do perímetro da cidade que havia começado nas décadas anteriores, inicialmente em razão dos parcelamentos privados (a partir de 1940) (...) e seguida da intervenção dos órgãos estatais inicialmente na década de 1960, com forte aceleração a partir de meados de 1970.

Sua aprovação deu-se em uma conjuntura política de crescente mobilização social,

decorrente do contexto nacional de reorganização para a abertura democrática, assim como

de críticas ao modelo de planejamento autoritário e tecnocrático, dando início aos movimentos

em defesa dos direitos urbanos. Mas também foram provocadas por discussões locais,

especialmente referentes à construção da Via Costeira35 e de um empreendimento hoteleiro

verticalizado na Av. Pinto Martins, em Areia Preta 36 (DUARTE, 2010). O momento de

redemocratização política favoreceu para que houvesse um mínimo de participação social

durante a elaboração da proposta37, embora a consciência da importância da normatização e

a pressão popular sobre ela fossem incipientes.

35 As críticas e a mobilização da sociedade civil incorriam sobre a ausência de discussão e o caráter impactante, social e ambientalmente, da proposta. Inicialmente se previa, além da urbanização de Mãe Luiza (considerada àquela época como favela), a criação de áreas turística com 5 hotéis de 15 andares, zonas residenciais com grupos de 7 a 9 habitações coletivas verticais (de alto padrão - não executadas) e dois prédios públicos, sendo construído apenas o Centro de Convenções. O projeto original da Via Costeira passou por quatro modificações, em razão de pressões e disputas da iniciativa privada para conquistar uma fração de terra da área. A determinação do número e tipologia dos edifícios hoteleiros foi modificada para 12 empreendimentos de 3 andares, variando, em outras proposições, para 20 e 19 empreendimentos. Para um melhor detalhamento sobre o tema, ver a tese de Marise Costa de Souza Duarte (2010, p. 153-169). 36 A proposta inicial compreendia dois edifícios de 17 andares, entretanto, em face da reação da comunidade do Alto do Juruá, localizado no entorno do empreendimento, o projeto do Novotel foi modificado. (COSTA, 2010, p. 204 e 205). 37 Segundo Ruth Ataide, (2013), que participou da equipe técnica durante a elaboração deste Plano, a proposta inicial foi elaborada pelo corpo técnico e, a partir de 1982, foi discutida em diversas sessões públicas. O texto da Lei passou a incluir, ainda, mais cinco membros na composição do CONPLAN, entre os quais algumas entidades profissionais (além de arquiteto-IAB e engenheiro, advogado-OAB, sociólogo, economista e geólogo) e representantes de sociedade civil, através da Federação de Conselho Comunitário. Esta composição de 16 membros é a que permanece até a atualidade, sob a denominação de Conselho Municipal de Planejamento Urbano e Meio Ambiente-COMPLAM. Dessa forma, adiantou a gestão democrática participativa no planejamento urbano, que foi formalizada obrigatoriamente a partir da Constituição Federal de1988.

56

Entretanto, apesar das críticas ao modelo de planejamento vigente desde a década de

1970 e dos movimentos de reforma urbana da década de 1980, esta Lei se encarregou de

concluir e complementar as propostas iniciadas desde os Planos de 1968 e 1974. Afirmou,

assim, a supremacia da ordem tecnocrática e do planejamento racional sintonizados com o

modelo dos PDDLI’s. Poucas propostas tentaram se alinhar às discussões daquela época, como

a tentativa de assumir a responsabilidade sobre a política habitacional do município, quando

se acrescentou um item tratando do assunto na legislação urbana – “Seção V - Dos programas

habitacionais e das edificações de interesse social”. A proposta passou a condicionar a

localização das construções de habitações, promovidas pelo estado, ao conhecimento e

parecer do órgão responsável, porém sem surtir muitos efeitos38.

Por outro lado, o PDN de 1984 foi o primeiro instrumento que aprofundou as

especificações das regras de controle e ocupação do solo, apesar das tentativas anteriores

(ATAIDE, 2013, p. 406). A tradução espacial dos seus princípios foi realizada através de um

macrozoneamento, dividindo o território em Área Urbana (AU), Área de Expansão Urbana39

(AEU) e Área de Preservação Permanente (AEP); e um micro zoneamento aplicável apenas na

AU, baseado na escala do setor e em função da divisão dos usos, de maneira hierarquizada,

para os quais eram estabelecidas diretrizes específicas para as construções.

As diretrizes construtivas gerais estabeleciam o cálculo do gabarito a partir de uma

relação entre testada, recuo e largura da via, com limite máximo de 65m para toda a cidade.

As especificidades dos índices urbanísticos e dimensões dos lotes foram determinadas para

usos específicos, divididos entre usos conforme, tolerado e não conforme40, segundo o

zoneamento do solo proposto para as: Zonas de Predominância Residencial - ZR (1 a 8), Zonas

de Comércio Central – ZCC (1 a 5), Zonas de Comércio Setorial – ZCS (1 a 3), Zona de Comércio

38 Apesar do Artigo 183 da Lei estabelecer a obrigatoriedade de consulta sobre a localização de loteamentos de interesse social ao órgão de planejamento, e ao CONPLAN, a forma de produção/critério de localização com vistas à inclusão social dessas moradias não mudou, mantendo-se a construção em localizações periféricas do território. 39 Art.247 – Fica considerada área de Expansão Urbana a parcela do território municipal compreendida entre os limites estabelecidos pelo artigo 1º, da Lei nº 2.221, de 23 de julho de 1974, para a Zona Urbana, e o limite do município. 40 O PDN de 1984 estabeleceu, para cada zona, usos considerados “conforme”, representando aqueles usos mais adequados à área delimitada e que determinavam a nomenclatura da mesma, e usos “tolerados”, abrangendo usos diversos que já existiam ou poderiam ser instalados, observando as determinações fixadas na Lei 3.175/1984.

57

Local – ZCL, Zona de Prestação de Serviço – ZS, Zonas de Comércio Atacadista – ZCA (1 e 2) e

Zonas Industrial – ZI (1 a 3).

Como é possível verificar no Mapa 3, a região ao norte do rio Potengi apareceu pela

primeira vez na legislação urbanística de Natal. Porém, em sua maioria como área de expansão,

sob a denominação de AEU e ainda sem prescrições construtivas definidas. Uma pequena faixa

delimitada como Zona Industrial-ZI-3, correspondendo ao Distrito Industrial de Natal criado na

década de 1970.

De uma forma geral, o PDN de 1984 fixou a maior parte do território com índices de

aproveitamento equivalente à área do terreno (índice 1,0) nas ZR, que representavam a maior

parte do território a leste do rio Potengi, conforme se verifica na macha amarela do Mapa 3 –

quase a totalidade das regiões oeste e sul da cidade, e cerca de metade da região leste. O

coeficiente de 1,2 foi estabelecido nas ZI, situadas em uma fração a oeste no bairro de Bom

Pastor, e uma faixa ao longo da Av. Senador Salgado Filho/BR-101 na direção sul da cidade –

onde já haviam sido instaladas algumas indústrias, desde a década de 1960, demarcadas em

cinza no mapa. Contudo, destaca-se a proposta que permitia altos índices construtivos em

pequenas frações do território, especialmente na antiga área central da cidade.

Não obstante, segundo defende Ataíde (1997, apud DUARTE, 2010, p. 180), o tamanho

dos lotes determinado pelo PDN de 1984 atendia aos interesses do mercado imobiliário, já que

as dimensões estabelecidas eram grandes (variando entre 250m² a 450m² nas ZR) e não

correspondiam às condições de acesso à terra por parte da maioria da população. Dessa forma,

ainda conforme a autora, a legislação municipal teria impulsionado as construções

verticalizadas. Com efeito, o estudo de Luiz Alessandro Queiroz (2012, p.159) aponta que a

verticalização das construções em Natal, iniciada no município na década de 1970, apresentou

um crescimento durante a década de 1980.

58

Mapa 3: Zoneamento proposto pelo Plano Diretor de Organização Físico-territorial do Município de Natal-1984.

Onde: ZR-Zona Residencial, ZC-Zona de Comércio, ZS-Zona de Serviço, ZI- Zona Industrial, ZER-Zona especial de Recuperação Urbana, ZET-Zona Especial de Interesse Turístico, ZEM-Zona Especial Militar, ZEA-Zona Especial Administrativa, ZEU-Zona Especial Universitária, ZEEU-Zona Especial de Expansão Urbana, ZEP-Zona Especial

Portuária, ZEL-Zona Especial de Lazer, ZP-Zona de Preservação.

Fonte: Ruth Ataíde (2013).

59

As áreas delimitadas para os usos comercial ZCC, de importância central e maior

influência, e a ZS de prestação de serviços possuíam os maiores potenciais construtivos, com

índices de aproveitamento que poderiam chegar a 6,0 para os usos conformes (desde que

observando o limite de gabarito total de 65m e o calculado para o terreno especifico, em função

de seu tamanho e da largura da via de localização). Essas ZCC e ZS estavam demarcadas na área

central da cidade, abrangendo grande parte dos bairros de Cidade Alta, Ribeira, Petrópolis,

parte das Rocas, Praia do Meio e Tirol, bem como uma fração no bairro do Alecrim. No mapa

de zoneamento é possível verificar as manchas vermelhas presentes nos bairros referidos,

destinadas ao uso comercial, e o fragmento em azul escuro destinado ao uso de serviços.

Ainda em termos de maior potencial construtivo, seguiam-se as áreas de comércio de

abrangência setorial ZCS, com índice de aproveitamento do terreno de até 3,5, e as porções

destinadas ao comércio atacadista ZCA, podendo chegar a um aproveitamento de 1,6.

Localizados em porções (demarcadas também em vermelho no Mapa 3) dos bairros de Quintas

e Bom Pastor, a oeste do município, e margeando as Av. Capitão Mor Gouveia, ao cruzar o

bairro de Nazaré, a Av. Senador Salvador Filho em Lagoa Nova e a Av. Engenheiro Roberto Freire

em Capim Macio, na direção sudeste. Ou seja, nas principais avenidas da cidade, sendo a Av.

Capitão Mor Gouveia o logradouro onde havia sido construída a nova Rodoviária da capital do

RN, em 1981.

Na área central da cidade apenas uma pequena fração estava delimitada como Zona

Especial de Recuperação-ZER, correspondendo à parte da Cidade Alta onde ainda hoje se

concentra a uso residencial no bairro, além da porção referente à Comunidade do Maruim na

Ribeira41, parte das Rocas se estendendo para um trecho de Santos Reis (além da Comunidade

de Mãe Luiza e uma porção nas Quintas). Uma fração margeando o rio Potengi foi reservada

como Zona Especial Portuária-ZEP, mas em sua maioria a área central de Natal possuía, no PDN

de 1984, os máximos índices permissivos de construção, inclusive áreas onde se situavam

edificações históricas que a própria Lei se propunha a preservar. Além disso, em função dos

maiores índices construtivos estabelecidos por uso para a região, privilegiavam-se, para a maior

parte dos bairros de fundação da cidade, a função comercial, imediatamente seguida por uma

área de predominância de serviços, e o uso residencial se apresentava nas bordas do conjunto

41 Relocada em 2016 para um condomínio de apartamentos no bairro das Rocas, viabilizado pelo Programa Minha Casa, Minha Vida. A área onde se localizada a Comunidade será utilizada para a expansão do Porto de Natal.

60

urbano inicial – ao sul por zonas de predominância residencial-ZR, e ao norte pelas ZER citadas,

representativas das ocupações de classes sociais menos privilegiadas.

É oportuno destacar que o PDN de 1984 introduziu a ideia de preservação do patrimônio

cultural em seu objetivo geral42, proibiu o parcelamento e urbanização de imóveis que

pudessem “atingir ou comprometer a preservação histórica, artística, paisagística” (Art. 124 da

Lei 3.175/1984), porém sem estabelecer critérios valorativos nem diretrizes urbanísticas

específicas, ou mesmo a delimitação desses “locais de interesse histórico, artístico ou

paisagístico”. Para o cumprimento dos objetivos do PDN foi criada a Zona Especial de

Preservação Histórica – ZEPH, por meio da Lei 3.942 de 1990, que abrangeu porções dos bairros

de Cidade Alta e Ribeira, e será melhor analisada no capítulo 4 desta dissertação. Importa saber

que, somente a partir de então, diretrizes urbanísticas mais restritivas foram regulamentadas

e passaram a incidir sobre uma parte da área central de Natal.

Além das áreas distintas para as funções, este Plano introduziu em seu microzoneamento

as “Áreas Especiais”43 e “Zonas de Preservação”44. Dentre as quais está a delimitação da Zona

Especial Portuária-ZEP, uma porção que margeia o rio Potengi no bairro da Ribeira (incluindo

uma pequena fração da Cidade Alta) e abriga até hoje o Porto de Natal, tendo seus parâmetros

urbanísticos regulamentos pela Lei 4.069 de 21 de maio de 1992, o que será retomado no item

4.1 deste trabalho. Igualmente, dentre as maiores contribuições dessa proposta está a

instituição das Zonas Especiais Turísticas -ZET ao longo da orla marítima (excetuando-se a

Redinha, na margem esquerda do Rio Potengi), que foram regulamentadas depois e

permanecem até hoje em vigência.

42 Art 3º - O Plano de Organização Físico-Territorial visa alcançar o desenvolvimento físico racional e harmônico da estrutura urbana no Município, capacitando-o a assegurar condições adequadas de habitação, circulação, trabalho e lazer, bem como a preservar prédios e sítios notáveis pelos valores históricos, culturais, paisagísticos e ecológicos e, de uma forma geral propiciar a melhorias das condições. (NATAL, Lei 3.175/1984, grifo nosso). 43 Segundo o Art 55 (Lei 3.175/1984), Parágrafo único: “para efeitos desta Lei, entendem-se como: Zona Especial – Área do território do Município que recomende disciplina especial em função de sua destinação específica, localização, características ecológicas, históricas, paisagísticas, culturais e sociais”. Foram instituídas no micro zoneamento as seguintes zonas: Zona Especial de Recuperação Urbana-ZER; Zona Especial de Interesse Turístico-ZET; Zona Especial Militar-ZEM; Zona Especial Administrativa-ZEA; Zona Especial Universitária-ZEU; Zona Especial de Atividades Múltiplas-ZEAM; Zona Especial de Expansão Urbana-ZEEU; Zona Especial Portuária-ZEP, Zona Especial de Lazer-ZEL, conforme o Mapa 2. 44 Divididas entre Zonas de Preservação Permanente e Moderada. De acordo com o Art 9º da Lei 3.175/1984, “por áreas de preservação permanente entende-se as que por suas características físicas, ecológicas, culturais, históricas ou paisagísticas, exijam cuidados especiais de manutenção ou restauração de seu estado, a fim de proteger, preservar ou recuperar o meio ambiente e os patrimônios natural e cultural do município”.

61

Em 1987 foram regulamentadas duas ZET’s. A primeira foi definida pela Lei n° 3.607 de

18 novembro daquele ano, ZET-1, ampliando a proteção do patrimônio cênico-paisagístico da

enseada da praia de Ponta Negra ao complementar o Decreto nº. 2.236, de 19 de julho de

1979, que havia criado uma área non aedificandi às margens da Av. Engenheiro Roberto Freire.

A Lei nº 3.639, de 10 de dezembro de 1987, regulamentou a ZET-3 da Praia do Meio, Areia

Preta e Santos Reis (Praia do Forte), fixando um controle de gabarito escalonar variando entre

30m e 7,5m, na via mais próxima da praia (ver Figura 5). Conforme ilustra a figura abaixo, este

gabarito foi estabelecido por meio de um ângulo visual desde o ponto de observação no alto

da Av. Getúlio Vergas, com foco em pontos específicos da paisagem: visando o Forte dos Reis

Magos e, do outro lado, a Ponta do Morcego (uma porção que avança em direção ao oceano).

Finalmente, em 1994 foi aprovada a Lei n. 4547, que veio regulamentar a área da ZET-2,

correspondendo à Via Costeira, prevendo baixos índices construtivos e gabarito variando entre

2 pavimentos (7,5m) e 4 pavimentos (15m) para o uso de serviços incluindo hotéis45. A

definição dessas áreas de controle de gabarito representa um importante movimento na

proteção da paisagem da cidade, que marcará a legislação urbanística de Natal, somando-se

novos esforços para a ampliação dessa preservação, como veremos a seguir.

Figura 4: Raio visual que determina o controle de gabarito da ZET-3, na Praia no Meio.

Fonte: Marise Duarte (2010).

Nota: Além deste, há mais dois gráficos que auxiliam a determinar o gabarito da ZET-3.

45 Que sofreu modificações com a Lei Complementar nº30 do ano de 2000 e no PDN de 2007, que reduziu o gabarito de novas construções para o nível da Av. DInarte Mariz, com exceção dos locais onde a topografia já obstrua a paisagem, ficando estabelecido o limite máximo de 7,5m para construção.

62

Figura 5: Vista do parcial da ZET-3 na Praia do Meio, com Petrópolis ao fundo.

Fonte: Autoria de Canindé Soares, disponível em http://www.csfotojornalismo.net.

Embora tenham existidos avanços nos temas da preservação ambiental, conforme

expõem Duarte (2010, p.176) e Ataíde (2013, p. 418), essa proposta não incorporou outros

instrumentos de gestão capazes de garantir a democratização do acesso à cidade. Por exemplo,

as Áreas Especiais de Recuperação Urbana-AER, que apontavam as áreas críticas introduzidas

apenas no corpo textual, não foram devidamente definidas no território nem foram

regulamentadas. A preocupação de “impedir o rebaixamento econômico da propriedade

urbana”, expressa entre os objetivos da Lei (Art. 4º da Lei 3.175/1984), já existente na proposta

de 1974, revelava a sustentação de uma ocupação produzida a partir de interesses específicos

e segregada por classes sociais. O que acabava por funcionar também como legalização da

ocupação existente e da defesa dos valores econômicos, favorecendo o mercado imobiliário,

resguardados da mistura de usos considerados promíscuos e funções conflitantes em uma

mesma área. As prerrogativas de reforma urbana, surgidas do debate nacional desde o início

da década de 1980, só foram incorporados no nível local a partir da década seguinte.

2.2.2. Plano Diretor de Natal de 1994

O processo de redemocratização do país após a fim do Regime Militar, aliado aos debates

sobre reforma urbana e, finalmente, a promulgação da Constituição Federal em 1988,

construíram um momento favorável para a mudança de paradigma e instauração de uma nova

política urbana em nível nacional. A partir de então, o direito à moradia digna e adequada, a

defesa do meio ambiente e do patrimônio paisagístico e cultural foram reconhecidos como

direitos fundamentais, assim como a função social da propriedade e a instauração do Plano

Diretor como instrumento principal da política de desenvolvimento e expansão urbana.

63

Em consonância com a instituição da Carta Federal de 1988, aliaram-se em níveis

estadual e municipal aprovações de leis que incluíam as novas diretrizes da carta magna: a

Constituição Estadual do RN (de 03 de outubro de 1989), a Lei Orgânica do Município de Natal-

LOM (de 03 de abril de 1990) e o Código de Meio Ambiente do Município (Lei 4.100 de 19 de

junho de 1992). Estas normas convergiram para instaurar um “sistema de proteção dos direitos

ao meio ambiente e à moradia e seus espaços especiais no meio urbano” (COSTA, 2010, p.224).

Desta maneira, estes novos documentos jurídicos contribuíram para impulsionar a revisão do

PDN, e consequente elaboração de uma nova proposta, aprovada em 1994.

No plano econômico local, evidenciava-se a decadência do setor industrial e a ascensão

do setor terciário, e a intensificação da verticalização, pois, segundo Duarte (2010, p.236-237),

a organização da capital potiguar como um polo prestador de serviços provocou a formação de

uma demanda solvável por habitação, ao atrair novos residentes para a cidade. Ainda de acordo

com essa autora, a consolidação do projeto Via Costeira-Parque das Dunas e o desenvolvimento

do turismo aliado às belezas naturais de Natal corroboraram para que a orla marítima e as áreas

de beleza cênicas se constituíssem, definitivamente, como forte alvo de cobiça pelo mercado

imobiliário. Essa conjuntura de reconfiguração econômica e urbana, aliada ao avanço no

neoliberalismo no contexto da globalização, repercutia em Natal também sob a forma de

pressões do capital imobiliário para revisão da legislação urbanística (ATAIDE, 2013).

À vista disso, o processo de elaboração do Plano Diretor de Natal de 1994 foi

caracterizado por uma forte discussão entre interesses antagônicos, sofrendo críticas por parte

das instituições que representam os empresários do ramo imobiliário. O intenso debate

corroborou para que se instaurasse uma nova visão sobre a cidade e a gestão urbana, dirigindo-

se a cidade real como lugar de conflitos de interesses e contradições, onde o município passaria

a atuar, em princípio, como mediador, orientando os agentes que atuam na produção do

espaço urbano.

A primeira proposta de revisão da Lei foi elaborada em 1990 e ainda não continha

princípios alinhados com as discussões em pauta naquele período, mas em consonância com a

metodologia dos PDDLI’s. Naquele momento, a participação de setores sociais, especialmente

dos que estavam envolvidos no Movimento Nacional de Reforma Urbana-MNRU e da LOM,

além de pesquisadores da UFRN, contribuiu com os debates para a construção das novas

normas de planejamento urbano local em consonância com o momento democratização dos

64

direitos urbanos. Através de uma discussão pública, realizada em 1991, foi elaborado um

Termo de Referência contemplando a proposta de objetivos do Plano, seu escopo e método,

quando se construiu finalmente um aporte teórico metodológico tendo como base a nova visão

de planejamento urbano, levantado pela ação do MNRU. Seguiu-se, assim, um longo processo

de discussão para o desenvolvimento do novo PDN, que Ataíde (2013, p. 419) divide em três

momentos: um processo de ampla consulta popular, quando foram realizadas 35 reuniões de

bairros na cidade em 1992; um debate prolongado no CONPLAM durante o ano de 1993, em

torno da proposta preliminar; e a discussão na Câmara Municipal que deu seguimento a

aprovação da proposta final no ano seguinte46. Esse processo de revisão contou ainda com a

consultoria da arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, contratada pela Prefeitura em 1993.

Finalmente, a Lei Complementar Nº07 de agosto de 1994, aprovada durante a gestão do

Prefeito Aldo Tinoco, ex-presidente do IPLANAT, deu forma jurídica ao terceiro ordenamento

urbano de Natal. Essa proposta representou um marco na transformação para um novo modelo

de gestão urbana municipal, pois, a partir de então, a política urbana municipal passou a ser

baseada nos princípios democráticos e redistributivos, determinada, principalmente, por meio

do cumprimento da função social da cidade e da propriedade. Conforme expõe o Art 2º da Lei,

este PDN tinha como objetivo:

O pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade, garantindo um uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado de seu território, de forma a assegurar a todos os seus habitantes condições de bem estar e segurança nos termos dos artigos 118 e 119 da Lei Orgânica do Município.

Segundo o Art.5º da Lei do PDN de 1994, a função social seria cumprida quando a

propriedade fosse utilizada para o desenvolvimento das atividades urbanas de maneira

compatível com a capacidade de infraestrutura instalada e suprimento dos serviços, da

qualidade do meio ambiente, a segurança e a saúde dos que utilizam, bem como das

propriedades vizinhas. Dessa maneira, os critérios estabelecidos para assegurar o cumprimento

dos objetivos e as diretrizes para alcançá-los basearam-se, especialmente, nas ideias de:

preservação, proteção e recuperação do meio ambiente e da paisagem urbana (de valor cênico-

paisagístico, histórico-cultural), do interesse social, bem como da racionalização e adequação

46 Para mais detalhes sobre o processo de construção do Plano Diretor de Natal de 1994, ver DUARTE, 2010, p. 238-250.

65

do uso da infraestrutura urbana e distribuição equânime dos custos e benefícios das obras e

serviços de infraestrutura urbana.

Ainda mantendo a o zoneamento como eixo estruturador da ocupação do solo, o PDN de

1994 introduziu um novo padrão de ocupação do solo, que se mantem até a atualidade,

baseada em uma visão em dois níveis de controle urbanístico. Partindo, a princípio e pela

primeira vez, de uma visão equânime da cidade, passou-se a admitir a convivência de múltiplas

funções e atividades em todo o território e estabeleceram-se parâmetros gerais de ocupação,

sobretudo a partir do adensamento e coeficiente de aproveitamento básico do solo. Em um

segundo momento, passaram a ponderar as particularidades de determinados locais, em

função de suas características urbanísticas, ambientais e culturais, aprofundando-se e

prescrevendo-se parâmetros urbanístico-construtivos diferenciados ou propondo-se ações

especiais.

Desta maneira, a proposta de macrozoneamento dividiu o território em três zonas: Zona

Adensável-ZAd, Zona de Adensamento Básico-ZAB e Zona de Proteção Ambiental-ZPA, tendo

as duas primeiras possibilidades de construção distintas. Em um nível mais especifico, foram

apontados os espaços especiais, em face dos seus componentes socioeconômicos, ambientais

e culturais, com necessidade de ações particulares de recuperação e/ou proteção, classificadas

em: Áreas de Controle de Gabarito-ACG, Áreas de Operação Urbana-AOU e as Áreas Especiais

de Interesse Social-AEIS. Sendo a AOU neste documento direcionada para os bairros de Cidade

Alta e Ribeira, porém ainda sem detalhamento ou regulamentação.

Diante desse zoneamento, propôs-se de maneira inédita uma diretriz de isonomia no

controle do processo de uso e ocupação do solo. Os parâmetros de construção gerais foram

estabelecidos através da Densidade Básica de 180 hab/ha e Coeficiente de Aproveitamento

Básico-CAB de 1,8, propostos de maneira comum para todos os terrenos da cidade e aplicáveis

automaticamente na ZAB47, caraterizada por compor espaços com pouca ou nenhuma oferta

de infraestrutura urbana. Essas prescrições urbanísticas foram flexibilizadas na ZAd48, definida

como “aquela onde as condições do meio físico, a disponibilidade de infraestrutura e a

47 Nos Planos Diretores anteriores, além do zoneamento funcional, as diretrizes também se baseavam em diferentes índices de densidade, como exemplifica o Art.48 da Lei 3.175/1984: “As zonas diferenciam-se entre si pelos usos, aproveitamento e dimensões dos lotes, índices urbanísticos e densidade demográfica”. 48 Com previsão de revisão de seus parâmetros urbanísticos e estoque edificável a cada 2 anos.

66

necessidade de diversificação de uso possibilitem um adensamento maior que aquele

correspondente aos parâmetros básico” (Art. 12- Lei Complementar Nº05 de 1994). Assim, de

acordo com as características de cada bairro os parâmetros construtivos eram menos

restritivos, obedecendo aos limites fixados e mediante o pagamento de Outorga Onerosa do

Direito de Construir-OODC.

Conforme verificamos no Mapa 4, o PDN de 1994 demarcou a ZAd como duas grandes

áreas, compreendendo quase a totalidade a ZA-Leste do município, onde se localiza a área

berço da cidade, e partes contiguas das ZA-Oeste e Sul; e mais uma porção do lado esquerdo

do rio Potengi, na ZA-Norte, compreendendo os bairros de Igapó e Potengi.

Contraditoriamente, esta região norte não era provida de infraestrutura de

saneamento49, mas possuía um dos limites mais altos para o coeficiente de aproveitamento

dos terrenos, onde se poderia chegar a um índice de 4,5 (para usos não residenciais, e cujo

aumento do coeficiente de aproveitamento não necessitava de pagamento de OODC – Art 19º

da Lei Complementar Nº07/1994).

Os maiores índices construtivos previstos por esse ordenamento urbano foram

destinados para os bairros de Tirol, Petrópolis, Barro Vermelho e Lagoa Seca, na ZA-Leste, cujo

coeficiente poderia alcançar 5,5. Os bairros que compõe a área urbana central de Natal, Cidade

Alta e Ribeira, também Santos Reis e Praia do Meio possuíam coeficiente de aproveitamento

máximo de 3,0, bem como os demais bairros que compões a ZAd, incluindo o bairro de Lagoa

Nova. Apenas para as Rocas foi estabelecido um limite de 3,5 (ver Tabela 1).

49 De acordo com o Anuário de Natal de 2013, a ZA-Norte de Natal possuía apenas 7,43% dos domicílios com ligação em rede geral de esgoto ou pluvial. Nesse sentido, em 2015 o Governo do RN iniciou obras para implantação do sistema de rede de saneamento na ZA-Norte de Natal, com a previsão de tornar a capital potiguar 100% saneada.

67

Mapa 4: Zoneamento estabelecido pelo Plano Diretor de Natal de 1994.

Fonte: Ruth Ataíde (2013).

Se analisarmos o macrozoneamento proposto e as Áreas Especiais delimitadas,

verificamos algumas sobreposições que limitavam a reprodução do capital imobiliário em

grande escala em área valorizadas e localizadas nas ZAd. As ACG foram introduzidas neste PDN-

68

1994 através da compreensão de que “mesmo passíveis de adensamento, visam proteger o

valor cênico-paisagístico de trechos da cidade” (Art. 23 da Lei Complementar Nº07/1994). Tais

áreas correspondendo às ZET’s criadas pelo PDN-1984, conforme mencionado anteriormente,

e abrangem a orla marítima desde o Forte dos Reis Magos ao Morro do Careca em Ponta

Negra50, sendo acrescida uma região com limite de verticalização no entorno do Parque das

Dunas51, do seu lado esquerdo. Diante desse fato, percebemos que apesar de estar na ZAd pelo

PDN-1994 quase todo o bairro de Praia do Meio constitui ACG, que corresponde à ZET-3, bem

como o bairro de Santos Reis, que ainda tinha grande parte do seu território delimitado pela

ZPA-7, na área do estuário do rio Potengi (ver Figura 6). A partir desse ordenamento urbano, os

bairros de Capim Macio, Lagoa Nova, Nova Descoberta e Tirol, na ZA-Sul, também passaram a

ter frações com restrição sobre o gabarito das edificações – o que causou grande resistência

dos empresários do ramo construtivo/imobiliário durante a fase de aprovação da Lei, visto que

estes bairros compreendem uma área valorizada da cidade, conforme relata Duarte (2010, p.

262-266).

Figura 6: Vista da ZET-3 na Praia do Meio com Santos Reis e a ZPA-7 ao fundo.

Fonte: http://www.csfotojornalismo.net.

De maneira similar, os bairros de Cidade Alta e Ribeira foram compreendidos pelo

macrozoneamento como ZAd, mas também foram definidos como AOU, definida como “aquela

que, embora passível de adensamento, apresenta valores históricos-culturais significativos para

o patrimônio da cidade e que carecem de formas de recuperação e revitalização” (Art. 24, Lei

Complementar Nº07/1994). Parte da área de AOU foi regulamentada em 1997, através da Lei

50 Apesar disso, o trecho costeiro localizado no bairro de Areia Preta não foi contemplado no raio de proteção visual pela Lei 3.639/87, que determinou o limite de gabarito na ZET-3. 51 Subdividida em três áreas com limites de altura diferentes: ente 6m, 15m e 30m máximos, crescente no sentido sul-norte.

69

Nº 4.932, de 30 de dezembro, que institui a Operação Urbana Ribeira-OUR. Retornaremos à

proposta com mais detalhes quando direcionarmos o estudo para a área central de Natal, no

capítulo 4. Em resumo, o perímetro de atuação da Lei nº 4.932/1997 abrangia quase todo o

bairro da Ribeira e foi dividido em duas subáreas, com índices urbanísticos diferentes para a

Área de Recuperação Histórica-ARH e para a Área de Renovação Urbana-ARU, além de ter

previsto incentivos fiscais para ocupação da região. O índice construtivo da área delimitada

passou a ser de 1,8, mas, com o pagamento de OODC ou mediante contrapartida, em valor

monetário ou através de execução de obra prevista na Lei, o coeficiente construtivo poderia

alcançar 3,0, ou 5,5 para usos especificados (hotelaria, edifícios garagem e habitação). Ou seja,

o mesmo permitido pelo PDN de 1994 para os demais usos.

Através desse ordenamento urbano, também foram introduzidos grande parte dos

mecanismos de gestão que orientam a política urbana do município até hoje, a saber: os

instrumentos de Outorga Onerosa do Direito de Construir-OODC, Transferência do Potencial

Construtivo-TPC, Imposto Territorial Progressivo (ou IPTU progressivo no tempo) e

Parcelamento e Edificação Compulsórios, e o Consórcio Imobiliário. Conforme visto acima,

através do pagamento de OODC52, ou seja, do pagamento por área construída adicional (acima

no coeficiente básico) até o valor delimitado na Lei, viabilizou-se a flexibilização dos parâmetros

construtivos nas ZAd. A utilização do instrumento de TPC ficou dirigida às propriedades

contidas em ZPA ou onde não se poderia utilizar o CBA construtivo de 1,8 por limitações

impostas pela lei, e cuja área adicional não utilizada seria transferível para qualquer imóvel

situado em ZAd, desde que atendendo às prescrições máximas formuladas no PDN. O IPTU

progressivo no tempo e o Parcelamento e Edificação Compulsórios foram direcionados para a

ZAd e AEIS, a fim de assegurar a função social da propriedade ao enfrentar processos de

retenção especulativa da terra, e o Consórcio Imobiliário aplicado exclusivamente nas AEIS,

como forma de viabilizar os planos de urbanização. Vale destacar que as AEIS foram

introduzidas no texto da Lei, porém delimitadas apenas como áreas de “favelas” e como uma

mancha de “concentração de vilas”, deixando a regulamentação das áreas para outro

momento.

52 Correspondendo a 1% do valor do empreendimento, com base em orçamento compatível com o Custo Unitário Básico-CUB, fornecido pelo Sindicato da Construção Civil-SINDUSCON-RN. (Art. 16, § 2º da Lei Complementar Nº 07/1994).

70

Embora esse PDN de 1994 tenha se destacado como um dos Planos Diretores da primeira

geração pós-Constituição Federal – que representou o Brasil na Conferência Mundial do

Habitat II, em Istambul – a municipalidade encontrou dificuldade em sua aplicação (DUARTE,

2010, p. 250). Os diversos obstáculos, de natureza jurídica, urbanística e política, foram dando

resultado a duas atualizações na Lei. A mobilização para essas alterações da legislação

urbanística teve início no período de mudança de governo na Prefeitura de Natal, quando Vilma

de Farias assumiu o cargo53, em 1997, e tendo como escusa a previsão da Lei de rever os

parâmetros a cada dois anos de vigência do PDN.

A primeira revisão foi registrada através da Lei Complementar Nº 022 de 18 de agosto de

1999, que tentou, sem sucesso, extinguir a ACG do entorno do Parque das Dunas. Mas resultou

na revisão de parâmetros construtivos a favor da rentabilidade dos terrenos54, além de incluir

os bairros de Pajuçara e Redinha, na ZA-Norte, como ZAd (ATAIDE, 2013, p. 446). Outra

proposta de alteração do PDN-1994 surgiu da pressão do mercado imobiliário para a mudança

da legislação incidente sobre Ponta Negra, alegando compensação em relação aos

investimentos públicos em saneamento, melhoramento viário e intervenções na área costeira.

O resultado foi a aprovação da Lei Complementar n.27, de 3 de novembro de 2000, que

representou a segunda modificação do PDN e teve como principal objetivo possibilitar o maior

adensamento naquele bairro. Parte do bairro deixou de constituir ZAB e passou a ser parte da

ZAd, com o coeficiente de aproveitamento modificado de 1,8 para 3,5, provocando uma forte

verticalização e a consequente sobrecarga da infraestrutura na área, como veremos mais à

frente.

De uma forma geral, o PDN de 1994 foi o primeiro a efetivamente possibilitar uma

participação mais ampla da sociedade em sua construção, colaborando com os avanços nos

direitos urbanos, à moradia e ao meio ambiente, mas ainda com pouca participação na fase de

controle da implementação. As dificuldades de implementação e as várias tentativas de

flexibilização dos parâmetros reguladores expuseram também as suas fragilidades, desde o

processo de elaboração e efetivamente durante sua implementação. As leis que modificaram

53 Autores como Marise Duarte (2010, p.288) e Luiz Alessandro Queiroz (2012, p.173) observaram uma espécie de associação entre o Governo Municipal e os empresários da construção civil que, junto com o Secretário de Meio Ambiente e Urbanismo Moacyr Gomes, concordavam para a revisão do PDN-1994. 54 Tais como: aumento do adensamento básico de 180hab/ha para 225hab/ha para toda a cidade, aumento de taxa de ocupação e impermeabilização do solo em 15 bairros, diminuição de recuos em alguns casos, além da proposta de novo método de cálculo do potencial construtivo para projetos de uso residencial.

71

o PDN, editadas em 1999 e 2000, foram conduzidas pelos interesses do mercado imobiliário,

com o aval do executivo e a maioria do legislativo (COSTA, 2010). Além disso, muitas Áreas

Especiais – ZPA’s e ZEIS’s – deveriam ter sido regulamentadas, mas apenas uma minoria teve

suas especificações instituídas por Decretos, assim como instrumentos urbanísticos instituídos

pela legislação não foram utilizados – a exemplo do Fundo de Urbanização, não implementado,

e o TPC, que até 2009 havia sido implementado apenas em ocasiões especiais de interesse da

Administração, segundo a pesquisa de Duarte (2010, p. 284). No que se refere ao patrimônio

cultural, esse Plano Diretor apresentava uma ideia genérica de interesse histórico nos dois

bairros fundacionais, que já eram demarcados pela ZEPH desde 1990, acrescentando a

possibilidade de uma Operação Urbana nessa área. A regulamentação da Operação foi feita

apenas para a Ribeira, como será visto no item 4.3 deste trabalho, ou seja, os Decretos que

detalhavam essa área (ZEPH e OUR) delimitavam porções distintas como de valor patrimonial.

2.2.3. Plano Diretor de Natal de 2007

Passados dez anos de vigência do PDN de 1994, mais um processo da revisão se iniciou a

partir de 2004, com a montagem e capacitação da equipe responsável pelos estudos, o que

implicou mais três anos para se construir uma nova Lei. Naquele momento mais um grande

marco legal já havia sido instituído no âmbito nacional do planejamento urbano, com a edição

do Estatuto da Cidade em 2001, impulsionando mais mobilização e debates sobre a vida nas

cidades.

O contexto político local também favoreceu a construção de uma nova normatização

urbanística, tendo em vista que os representantes do Executivo do Município e do Estado do

RN defendiam interesses em comum. Além de estarem ligados ao mesmo partido político (PSB),

ambos haviam composto a chapa vencedora da eleição municipal de 2000 para gerir a capital,

e se separaram para concorrer também na eleição estadual seguinte. A partir de 2001, o Vice-

prefeito Carlos Eduardo Alves assumiu a liderança da cidade de Natal, em virtude do

afastamento da Prefeita Vilma de Farias para se candidatar a Governadora do RN, sagrando-se

vencedora para o mandato de 2002-2005, e sendo reeleita em 2006 (mandato até 2009).

72

Enquanto Carlos Eduardo também se elegia como Prefeito de Natal na eleição municipal de

2004, mantendo-se no cargo no mandato seguinte, entre 2005-200855.

Durante o processo de elaboração da minuta de projeto de lei para o novo ordenamento

urbano, a participação da população intensificou-se, o que não impediu que ocorresse uma

conturbada fase de aprovação da proposta final pelo Poder Legislativo – para a aprovação na

Câmara dos Vereadores – evidenciando-se, mais uma vez, as fragilidades dos direitos

instituídos. No período entre a aprovação do PDN anterior (1994) e esta revisão da legislação

urbanística haviam surgido novos arranjos espaciais, que reforçaram a importância de Natal na

escala territorial. De forma geral, verificou-se a intensificação do processo de urbanização e o

crescimento da pressão dos setores imobiliário e da construção civil, desencadeando mais

conflitos na elaboração da nova proposta.

Através de reuniões temáticas, oficinas e seminários, incluindo a participação da

sociedade civil – através de oficinas de esclarecimento sobre os instrumentos de gestão e de

sensibilização da população, realizadas nas quatro zonas administrativas da cidade – construiu-

se uma primeira proposta de Projeto de Lei, aprovada na Plenária Final da Conferência de

Revisão do Plano Diretor de Natal, em abril de 2006. A partir de então se iniciaram os conflitos

de interesse e pontos de vistas divergentes sobre a cidade, primeiramente no próprio Conselho

Municipal de Planejamento Urbano e Meio Ambiente-COMPLAM.

Durante os debates naquele Conselho, foram reformuladas algumas normas que

divergiam dos princípios e objetivos orientados pelo Estatuto da Cidade e presentes nas

deliberações da sociedade traduzidas na proposta. Não sendo acatadas algumas proposições

de revisão, as mesmas questões voltaram a parecer no momento de apreciação pelo

Legislativo, sob a forma de emendas na Câmara Municipal56 para flexibilização das normas. As

principais pautas levantadas tratavam do aumento do coeficiente de aproveitamento básico-

CAB da cidade, de 1,2, segundo proposto no Projeto de Lei em discussão, para 1,4; a inclusão

55 Após a administração de Micarla de Souza, pelo PV (2009-2012), Carlos Eduardo Alves retornou novamente ao cargo após a eleição de 2012, pelo PDT, sendo o atual Prefeito da cidade. 56 O processo de apreciação da proposta e aprovação do PDN-2007 na Câmara Municipal foi extenso e envolveu vários episódios polêmicos. Incluindo tentativas de não tornar públicas todas as propostas de emendas e marcar a votação final de maneira secreta, resultando ainda em abertura de inquérito sobre corrupção de alguns vereadores por venda de votos. O detalhamento sobre todo o transcurso para a aprovação da Lei Complementar nº 82 na Câmara Municipal de Natal foi realizado por Marise Costa de Souza Duarte, em sua tese de doutorado (DUARTE, 2010, p.384 - 409).

73

de dois bairros da região norte no quadro de coeficientes de aproveitamento mais flexíveis da

ZAd; a redução na cobrança da OODC; a supressão da possibilidade de o Poder Executivo

instituir novas áreas non aedificandi, e, mais uma vez, a tentativa de alterar a ACG do entorno

do Parque das Dunas57, dentre outras.

De maneira geral, a Lei Complementar nº 82 de 2007, que instaurou o atual PDN, deu

continuidade ao Plano anterior, mas acrescentou questões de sustentabilidade urbana e de

proteção ao patrimônio cultural. Manteve-se a estrutura do zoneamento em dois níveis, com

diminuição da ZAd, no macrozoneamento, e ampliação da proteção dos espaços especiais,

tanto ambientais como sociais. Nesse PDN foi introduzido o conceito de função socioambiental

da propriedade urbana, a atividade econômica sustentável e a proteção do patrimônio histórico

cultural da cidade dentre as suas diretrizes, e a ideia de controle e revisão sistemática do Plano.

Em termos teóricos, a preservação do patrimônio histórico e cultural da cidade ganhou

mais espaço no corpo da Lei, uma vez que passou a fazer parte dos critérios para cumprimento

dos objetivos do PDN, assim como condição para o cumprimento da função socioambiental da

propriedade. De acordo com o inciso IV do Art 5º, “a propriedade urbana atenderá a função

socioambiental quando os direitos decorrentes da propriedade individual não suplantarem ou

subordinarem os interesses coletivos e difusos”, cumprindo os requisitos de: uso para atividades

urbanas em razão compatível com a capacidade da infraestrutura instalada e suprimento dos

serviços; com a qualidade do meio ambiente, segurança e saúde dos usuários e propriedade

vizinhas, em consonância com o PDN de 1994; além de se acrescentar a “preservação, de

conformidade com o estabelecimento em lei especial, da flora, da fauna, das belezas naturais,

do equilíbrio ecológico e do patrimônio histórico e artístico”. Nesse sentido, os bairros da Cidade

Alta e Ribeira também passaram a ser definidos como Zona Especial de Interesse Histórico-

ZEIH.

57 Aprovada temporariamente – apesar de estudos apontarem os danos ambientais e urbanos da proposta – subtraindo-se um quarteirão no trecho entre a UFRN e a Av. Bernardo Vieira. Entretanto, uma medida liminar da justiça suspendeu a modificação da ACG do entorno do Parque das Dunas, restabelecendo o quadro constante inicialmente na Proposta de Lei anterior à modificação. Segundo DUARTE (2010, p.405), no intervalo de tempo entre a aprovação da Lei Complementar Nº82/2007 e essa decisão judicial que revogava a diminuição da ACG, teriam sido aprovados três empreendimentos da área suprimida.

74

Mapa 5: Zoneamento estabelecido pelo Plano Diretor de Natal de 2007.

Fonte: Ruth Ataíde (2013).

75

No que diz respeito à preservação do meio ambiente, ocorreu a expansão do perímetro

de algumas ZPA’s58, bem como a delimitação de novas áreas de preservação – criando a ZPA-

10 e a delimitação da ZET-459 na Redinha, restringindo o gabarito na área –, assim como se

intensificou a proteção paisagística na ZET-2, através de um controle mais rigoroso do gabarito

– limitando as construções até a cota da Av. Dinarte Mariz. Com a aprovação da nova legislação

urbanística, introduziu-se também um novo entendimento das AEIS60, ampliadas em conceito

e delimitações. Criou-se a AEIS da Vila de Ponta Negra61 e incorporou-se outra categoria,

compreendida como “áreas sob influência de empreendimento de impacto socioeconômico

cultural e paisagístico” e denominada AEIS 2. Foram incluídas nesse grupo áreas em Santos

Reis, Rocas, Jacó/Rua do Motor e Alto do Juruá, localizadas próximas à orla marítima da cidade,

sob a perspectiva do risco de sofrerem uma dinâmica de transformação em razão do

crescimento turístico e econômico. A estas AEIS ficaram restritas as construções a 7,5m de

altura e proibidos os remembramentos ou desmembramentos, até a devida regulamentação e

criação de um Plano de Urbanização.

Em relação às diretrizes construtivas para o macrozoneamento, foi suprimida a fixação

de um adensamento, e o gabarito passou a ser limitado em 65m nas ZAB e 90m nas ZAd. O

coeficiente de aproveitamento básico, para toda a cidade e aplicável nas ZAB, baixou para 1,2,

assim como os coeficientes máximos de maneira geral também diminuíram, conforme é

possível verificar na Tabela 1. Observa-se, assim, que com a última revisão do PDN os maiores

impactos em relação ao decréscimo de potencial construtivo foram nos bairros de Barro

Vermelho, Lagoa Seca, Tirol e Petrópolis, bem como os bairros da região norte que deixaram

de compor a ZAd no novo Plano. O bairro de Ponta Negra também voltou a constituir-se como

ZAB, após um processo rápido e intenso de verticalização decorrente da aprovação de Lei

Complementar N º 27/2000, citada anteriormente. Além disso, o valor do pagamento pela

58 ZPA-1 abarcando uma região denominada San Vale, formada por parte dos bairros de Cidade Nova, Candelária e Pitimbu; ZAP-8 compreendendo o manguezal da ZA-norte e incluindo o estuário do rio Potengi/Jundiaí; e ZPA-9 composta por lagoas e dunas no transcurso do rio Doce, faceando a margem da ZA-oeste de Natal. 59 Embora fosse nomeada à Redinha uma ACG pelo PDN de 1994, aquela legislação ainda não havia delimitado seu perímetro. No entanto, apesar da definição do perímetro ainda há a necessita de regulamentação, aplicando-se o limite de gabarito de 7,5m enquanto não forem estabelecidas as normas específicas para a área. 60 A partir do conceito de “déficit habitacional”, incluindo as condições de habitabilidade. No PDN de 1994, as AEIS de restringiam as favelas, vilas e loteamento irregulares, deixando parte da população, inclusive com renda de 0 a 3 salários mínimos, e que ocupavam assentamentos informais sem condições de habitabilidade. 61 Haviam sido criadas a AEIS Mãe Luiza em 1995, Passa da Pátria em 2002 e Jardim progresso em 2004.

76

OODC passou a ser mais custoso e gradativamente calculado de acordo com o ano de vigência

da Lei, dobrando ou quadruplicando o custo para construir acima do coeficiente básico (2% no

primeiro ano, 3% no segundo ano, e 4% a partir do terceiro ano, sobre o valor da área

construída adicional62).

Tabela 1: Tabela comparativa de Coeficientes de Aproveitamento Construtivos Máximo estabelecidos

Pelos PDN de 1994 e 2007.

ZONA

ADMINISTRATIVA BAIRROS

COEFICIENTE DE APROVEITAMENTO

MÁXIMO

PDN 1994 (Coeficiente básico 1,8)

PDN 2007 (Coeficiente básico 1,2)

LESTE

Alecrim 3,0 2,5

Barro vermelho 5,5 3,5

Lagoa Seca 5,5 3,5

Cidade Alta 3,0 3,0

Tirol 5,5 3,5

Ribeira 3,0* 3,0**

Petrópolis 5,5 3,5

Rocas 3,5 2,5

Santos Reis 3,0 2,5

Areia Preta 3,0 2,5

Praia do Meio 3,0 2,5

OESTE Nordeste 3,0 2,5

Dix-Sept Rosado 3,0 2,5

Quintas 3,0 2,5

SUL

Nova Descoberta 3,0 3,0

Lagoa Nova 3,0 3,0

Ponta Negra 3,5*** Coeficiente básico****

NORTE

Iguapó 4,5 Coeficiente

básico

Potengi 4,5 Coeficiente

básico

* Com a Lei de Operação Urbana Ribeira 1997, o coeficiente de aproveitamento máximo poderia chegar a 5,5 para alguns usos. ** A revisão da Operação Urbana Ribeira, através da Lei Complementar nº 78 de 2007, estabeleceu um coeficiente máximo de 3,5 e até 4,0, em alguns casos especificados. ***Para parte do bairro e após aprovação da Lei Complementar n.27, de 3 de novembro de 2000; ****Com restrições de proibição de remembramentos e gabarito máximo de 4 pavimentos nas áreas residências de Ponta Negra e Alagamar.

Fonte: Elaboração própria a partir na Lei Complementar nº07/1994 e Lei Complementar nº 82/2007.

62 Conforme mencionado anteriormente, no PDN de 1994 era de apenas 1% fixo em cima do valor do empreendimento.

77

Ademais dos instrumentos introduzidos no PDN anterior, foram estabelecidos na nova

legislação o Direito de Preempção, os Planos Setoriais, além da adição de Utilização

Compulsória (ao instrumento do Parcelamento e Edificação Compulsórios) e da Desapropriação

com pagamento em títulos. A Operação Urbana passou a ser nomeada Operação Urbana

Consorciada e sua aplicação foi expandida para outras áreas da cidade63, além dos bairros de

Cidade Alta e Ribeira – embora continue existindo apenas a Operação Urbana Ribeira com

regulamentação, conforme se verificará no item 4.3 dessa pesquisa.

Por outro lado, aliaram-se à preservação do patrimônio cultural outros instrumentos

urbanísticos. O instrumento da TPC absorveu a demanda relativa à “proteção e preservação do

patrimônio histórico, cultural, natural e ambiental” (Art. 66, Lei Complementar nº 082/2007),

especificando-se dentre as áreas cedentes de potencial construtivo os imóveis localizados na

ZEPH64, além das subzonas de preservação das ZPA’s, áreas non aedificandi e áreas de

regularização fundiária e para implantação de equipamentos públicos. O Consórcio Imobiliário

também passou a ser aplicado à ZEPH, além das AEIS, com o objetivo de viabilizar “um plano

de urbanização ou de recuperação de imóvel edificado para fins de habitação de interesse

social” (Art. 82, Lei Complementar Nº 082/2007). Ainda segundo a nova Lei, a preferência de

compra de imóvel pelo Município através do Direto de Preempção poderia incidir, sob

regulamentação, em imóveis localizadas nas áreas non aedificand, nas ZPA’s, AEIS e na Zona

Especial de Interesse Histórico, compreendida pelos bairros de Cidade Alta e Ribeira.

Na área central, uma nova Lei de OUR também foi editada em 2007 (Lei Complementar

nº 79 de 4 de janeiro), propondo coeficientes construtivos um pouco acima do que ficou

estabelecido pelo PDN de 2007 – entre 3,5 e 4,0, quando o ordenamento jurídico municipal

estabeleceu o coeficiente de 3,0 para o bairro. Dessa maneira, a área de incidência da OUR

passou a se equiparar, e em casos específicos a ultrapassar, ao bairro vizinho de Petrópolis,

bem como os demais bairros no entorno deste, que tiveram seus índices construtivos reduzidos

com a revisão do PDN naquele mesmo ano.

Para o bairro de Ponta Negra ficou prevista a aplicação do instrumento do Plano Setorial

com o objetivo de detalhar o ordenamento do uso e ocupação do solo urbano da área. Como

63 Os bairros de Redinha, Pajuçara, Potengi e Igapó, na ZA-Norte; Cidade Alta, Ribeira, Rocas, Santos Reis, Praia do Meio e Areia Preta, na ZA-Leste; Candelária e Ponta Negra na ZA-Sul; e Planalto na ZA-Oeste. 64 Zona Especial de Preservação Histórica, criada pela Lei 3.942/1990, mencionada anteriormente.

78

ainda não foi regulamentado, desde então, se estabeleceu algumas restrições como a proibição

de remembramentos e gabaritos superiores a 4 pavimentos nas áreas residenciais de Ponta

Negra e Alagamar – compreendendo também área que sofreu o impacto da verticalização com

a flexibilização das normas anteriormente. Considerando-se o zoneamento estabelecido com

o novo ordenamento urbanístico de 2007, incluindo-se as Áreas Especiais (AIES, ZPA, e ZET-1),

Ponta Negra, um dos bairros mais cobiçados pelo mercado imobiliário passou a ser alvo de

fortes impedimentos e restrições construtivas, com diretrizes urbanísticas inferiores inclusive

àquelas da ZAB, em pelo menos metade de seu território. Conforme é possível verificar no

Mapa 6, apenas a porção demarcada em amarelo escuro não sofreu restrições adicionais,

podendo seguir as diretrizes gerias da ZAB.

Mapa 6: Zoneamento incidente sobre o bairro de Ponta Negra segundo o PDN de 2007.

Fonte: Camila Furukava, 2012.

Percebemos, portanto, que os espaços mais propícios à obtenção de lucro, através da

produção de bens imóveis, foram reduzidos com a aprovação do PDN de 2007. A legislação

urbanística passou a ser mais restritiva, em termos de coeficiente de aproveitamento

79

construtivo, em toda a cidade – embora o gabarito máximo tenha passado a ser de 90m nas

ZAd. Os bairros da ZA-Norte (Igapó, Potengi, Redinha e Pajuçara) e Ponta Negra, na ZA-Sul,

deixaram de ser espaços favoráveis para a reprodução do capital em maior escala. Com a

redução dos índices urbanísticos, os bairros da ZA-Leste que tinham o maior potencial de

construção pelo PDN de 1994 passaram a se aproximar dos dois bairros da ZA-Sul integrantes

da ZAd. Os bairros de Lagoa Nova e Nova Descoberta, na região sul, junto com os bairros de

Cidade Alta e Ribeira, na área central, foram os únicos a manterem os mesmos coeficientes

construtivos com a revisão do PDN. No entanto, os bairros fundacionais da cidade e o de Nova

Descoberta possuem maiores restrições construtivas por conterem Áreas Especiais65 – AOU,

ZEP e ZEPH na área central e AEIS e ACG com limite de 15m para todo o bairro mais ao sul.

A diminuição dos índices construtivos, aliada ao aumento das áreas especiais, bem como

à quantidade de instrumentos urbanísticos disponíveis, tentam convergir para a efetivação dos

direitos democráticos à cidade e mediar a ação do capital privado. Ao passo que diminuem as

possibilidades de reprodução de capital pelo solo criado, entretanto, as áreas protegidas e com

limitações construtivas ficam sob constante ameaça, devido às pressões do mercado

imobiliário para modificação da legislação, em busca de lucro.

Marise Duarte (2010, p.209) já constatou o desejo permanente, e reforçado a cada

mudança administrativa, do mercado imobiliário pela alteração do controle de gabarito da ZET-

3. É neste trecho da Praia do Meio onde está localizado o Hotel Reis Magos, objeto de conflito

de interesses entre o atual proprietário, que o quer demolir, e a sociedade civil que criou um

movimento “Resiste Reis Magos” em defesa de sua preservação. A pressão exercida pelos

empresários do ramo da construção civil se estende a todas as áreas com atrativos cênico-

paisagísticos da cidade e também ocorre na expectativa de mudança com a regulamentação

das ZPA-07, próxima ao estuário do rio Potengi e ao norte da área fundacional da cidade, ou

mesmo dos rumos de desenvolvimento da ZA-Norte (incluindo a regulamentação da ZPA-08 e

ZET-4, no bairro da Redinha), enquanto condicionante para o investimento na área central de

Natal.

65 Uma fração do bairro de Lagoa Nova também compõe ACG do entorno do Parque das Dunas, mas representa cerca de 1/5 do seu território e está majoritariamente ocupada pelo Campus central da UFRN. Uma área relativamente pequena, se comparado ao fato de que todo o bairro de Nova Descoberta está inserido na referida ACG.

80

Em que pese à fragilidade dessas áreas especiais, constata-se que a preocupação com a

proteção do patrimônio cênico-paisagístico, especialmente da orla, é uma preocupação antiga

na legislação municipal, o que se mantém até o regulamento urbanístico atual. Esta estrutura

de preservação tem possibilitado ganhos para a qualidade ambiental da cidade em diversos

embates contra o avanço do mercado imobiliário, em momentos e locais variados da cidade,

como será observado ao longo do item 3.2 da pesquisa.

81

3. A DINÂMICA URBANA ATRAVÉS DA ESPACIALIZAÇÃO DOS USOS

3.1. ESPACIALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES COMERCIAIS

A expansão das atividades econômicas para além da área central de Natal acompanhou

a expansão urbana da cidade, (re) produzindo um efeito de desigualdade sócio espacial que

caracteriza a formação e transformação do território natalense. Efeito este semelhante ao de

fragmentação urbana e segregação socioespacial identificado por Campos e Ferreira (2013) e

Queiroz (2012) na produção de habitação na capital potiguar. Para Dalyson Morais e Edna

Furtado (2011, p. 6), a análise dos circuitos da economia urbana em Natal também apontaram

para uma seletividade e segmentação das atividades no espaço intraurbano na “formação de

espaços com fortes desigualdades de renda e de equipamentos técnicos”.

Morais e Furtado (2011) realizaram uma análise da dinâmica espacial da cidade de Natal

através da compreensão das atividades econômicas presentes em seu território. Para tanto,

interpretaram a economia urbana a partir da existência de dois circuitos, à luz da teoria de

Milton Santos (2008): o circuito superior caracterizado por serviços e comércio modernos, de

maior nível técnico e montante de capital; e o circuito inferior marcado pelo uso não intensivo

de capital e que, portanto, constitui-se em pequenas atividades de comércio e serviço não

modernos, voltados principalmente para atender uma demanda de renda mais baixa da

população.

De acordo com o estudo desses autores, a expansão dos circuitos da economia urbana

teria sido impulsionada por fatores como a tecnificação do território e a capilaridade das

finanças. O primeiro fator, com grande participação do Estado, compreende investimentos em

implantação de sistemas de engenharia, que aumentam a fluidez da configuração espacial em

determinados locais. O segundo diz respeito às facilidades possibilitadas pelo sistema de

crédito, aumentando a demanda consumidora e, consequentemente, possibilitando o

crescimento dos setores de comércio e serviços.

Com a expansão e consequente desconcentração das atividades econômicas, em Natal

notou-se um deslocamento das atividades mais modernas para a região sul da cidade, com a

criação de novos equipamentos (supermercado e shopping centers) de grande poder de

capital. O surgimento de novos equipamentos dotados de centralidade, conforme aponta

82

Thiago Queiroz (2011, p.13), mudou a dinâmica do entorno dos mesmos, bem como promoveu

uma mudança nos modos de consumo da população.

3.1.1. A supremacia das Zonas Administrativas Sul e Leste de Natal: proliferação de

equipamentos modernos versus centros tradicionais

Como foi possível visto no capitulo 2, a partir da década de 1970 teve início a formação

de outras centralidades e a implantação dos primeiros grandes equipamentos modernos de

comércio. As redes de supermercados, que haviam chegado à cidade na década de 197066, se

difundiram nas décadas se seguintes, de 1980 e 1990, pela região sul67.

O primeiro shopping-center instalado em Natal foi inaugurado em 1984. O Shopping-

Center Cidade Jardim, localizado na Avenida Engenheiro Roberto Freire, na ZA-Sul da cidade.

Em 1992, se iniciou a configuração de uma forte centralidade na Avenida Salgado Filho, com a

inauguração do Natal Shopping Center, reforçada com a chegada do supermercado da rede

francesa Carrefour. Vale relembrar que próximo a esses já se encontravam o Centro

Administrativo do Estado, construído em 1974, e o principal acesso ao campus central da UFRN,

cuja construção foi iniciada em 197268. Em 1997, foi inaugurado o Praia Shopping, no limite

entre os bairros de Capim Macio e Ponta Negra, na Av. Engenheiro Roberto Freire (ver Mapa

7).

Os equipamentos comerciais do tipo shopping centers, que concentram atividades

diversas, tanto comerciais como de lazer e serviços, além da oferta de estacionamento, são

empreendimentos que contribuem de forma significativa para a reprodução e valorização do

espaço urbano, uma vez que impulsionam grandes transformações de uso e ocupação do

66 O primeiro supermercado de Natal, o Nordestão, uma empresa do Estado, foi construído em 1972, no bairro do Alecrim; em seguida foram inauguradas outras filiais em Petrópolis (1975), Lagoa Nova (1976), Cidade Jardim (1978), Santa Catarina (1981), Igapó (1990), Tirol (2008) e recentemente em Nova Parnamirim (2012). Informações obtidas no site: http://www.nordestao.com.br/conheca-o-nordestao/. 67Hipermercados dos grupos Bompreço e Pão de açúcar em Lagoa Nova, ambos da década de 1980; e, na década de 1990, um supermercado do grupo Carrefour, em Candelária. 68 A Escola de Engenharia, onde hoje funciona o Departamento de Artes, foi o primeiro prédio a ser construído neste sítio destinado ao campus central da universidade, ainda em meados da década de 1960. (TRIGUEIRO, CAPPI e NASCIMENTO, 2010).

83

espaço onde estão inseridos. De acordo com Gerson Nascimento (2007, p. 7), essas

transformações:

ocorrem a partir de uma ocupação planejada, uma vez que serve de mecanismo de valorização acelerada e dirigida do espaço que tem como consequência a formação de um centro indutor de valor e segregação socioespacial, cujo efeito amplia-se por todo o seu entorno.

Esses estabelecimentos comerciais surgem no interior do tecido urbano, criando nichos

de consumo, tranquilos, seguros e isolados. Acabam por tornarem-se “refúgio da classe média

que não mais suporta o desconforto dos centros e subcentros tradicionais” (SILVA, José

Borzacchiello da, 1996, p. 3 apud NASCIMENTO, 2007, p. 6).

Seguindo o fenômeno de proliferação de equipamentos deste tipo, no início dos anos

2000 foram implantados na Avenida Eng. Roberto Freire os supermercados Extra e Hiper

Bompreço. Mais recentemente, esta via vem sendo intensamente ocupada por Faculdades

privadas, atraindo grande contingente de estudantes para a área. Neste mesmo período,

inauguram-se várias lojas de mercado de atacado e varejo na BR 101, próximo à ligação com o

município vizinho Parnamirim. Esses, por sua vez, atendem aos consumidores de vários

municípios da Região Metropolitana de Natal-RMN.

Nascimento (2007, p. 7) chama atenção para o fato de que até o ano de 2005 todos os

shoppings centers de Natal estavam localizados na Região Administrativa Sul, fato que só

mudou quando foi inaugurado, nesse ano, o maior centro comercial deste tipo da cidade. O

Midway Mall está localizado em um cruzamento que constitui a espinha dorsal da cidade, entre

as Avenidas Salgado Filho e Bernardo Vieira, no limite entre as Zonas Administrativas Leste e

Sul (ver Mapa 7). Nesta localidade já havia grande movimento trazido pela presença do atual

Instituto Federal do Rio Grande do Norte -IFRN (sede construída em 1967), um campus da

Universidade Potiguar (fundada em 1981), maior instituição privada de nível superior,

Faculdade de Odontologia da UFRN (1963-66), Supermercado Nordestão (1978) e a

proximidade com hospitais, como o Walfredo Gurgel (1971).

84

Figura 7: Vista aérea do Midway Mall.

Fonte: Autoria de Canindé Soares, acessada em http://www.csfotojornalismo.net

A partir desse panorama, Morais e Furtado (2011, p. 7) observaram que o circuito

superior da economia urbana predomina nas Zonas Administrativas Sul e Leste de Natal,

embora se perceba uma expansão para outras regiões nos últimos anos, com destaque para a

Zona Administrativa Norte do município. Conforme o cadastro da Junta Comercial do Rio

Grande do Norte (JUCERN) há em Natal aproximadamente 66 mil empresas ativas

atualmente69. A partir desse banco de dados constatamos que há, de fato, uma concentração

de empresas nas Zonas Administrativas Sul e Leste de Natal, respectivamente com 33%

(21.969) e 27% (17.787) das empresas ativas na cidade (Figura 1). O que fica ainda mais evidente

se desconsiderarmos a categoria jurídica de “empresários” da análise, objetivando apreender

aquelas atividades que possam atrair mais fluxos populacionais e investimentos de capital

privado (Figura 8 e Figura 9).

O propósito de eliminar essa categoria é de suprimir da análise da dinâmica

comercial/urbana da cidade os “Microempresários Individuais”. Através da Lei Complementar

nº 128, de 19 de dezembro de 2008, o MEI, como também é conhecido, foi criado com o

objetivo de alcançar os trabalhadores informais, oferecendo-lhes condições especiais para que

se registrem (tais como isenção dos tributos federais, pagamento fixo mensal – atualmente R$

69 Status de empresas ativas e abertas até setembro de 2015.

85

40.40 e R$ 44,40 –, em função do valor do salário mínimo, que se destinará ao pagamento de

ICMS ou ao ISS, e à Previdência Social, dando acesso a benefícios como auxílios maternidade,

doença e aposentadoria). Compreende, portanto, um trabalhador que atua por conta própria,

e que se legaliza como microempresário com a condição de faturar no máximo 60mil reais por

ano. Além disto, há uma facilidade de registro, que pode ser feito pelo próprio trabalhador em

um sistema online, sem necessidade de ir até a sede da JUCERN.

Este quadro de facilidades desencadeou um grande aumento de registros de empresas

na cidade. Mais perceptível a partir de 2010, quando se verificou um aumento de 124% (6.557)

das empresas abertas em relação ao ano anterior, 2009 (2.924), que se mantinha semelhante

ao de 2008 (2.843), anteriormente a lei supracitada. Considerando esta categoria jurídica, por

exemplo, o bairro de Potengi, na Zona Administrativa Norte de Natal, ocuparia o 3º lugar em

número de empresas ativas, atrás apenas dos bairros de Lagoa Nova e Alecrim, e a frente de

Ponta Negra, Tirol, Cidade Alta, dentre outros, o que parecia não corresponder à realidade da

dinâmica da cidade, em termos de centralidades dominantes.

No sistema da JUCERN, o MEI está classificado como “microempresa” no que diz

respeito ao porte, e “empresário” segundo a natureza jurídica. Todo “empresário” é

necessariamente cadastrado como “microempresa”, mas a “microempresa” pode ter

categorias jurídicas diferentes (como “empresa individual de responsabilidade LTDA” ou

“sociedade empresária limitada”). Logo, constatando que o número de “microempresas” é

maior que o número de “empresário”, pelo qual optamos por eliminar esta categoria jurídica

na análise. Assim, o universo examinado passou a ser de 23.572 empresas ativas e abertas até

setembro de 2015.

Figura 8: Concentração de empresas ativas por Zona Administrativa-Natal

Fonte: Elaborado pela autora com dados da JUCERN (2015)

Figura 9: Concentração de empresas ativas por Zona Administrativa-Natal, sem categoria jurídica

“empresário”

Fonte: Elaborado pela autora com dados da JUCERN (2015)

86

Com base no estudo de Edna Furtado (2005, apud MORAIS e FURTADO, 2011, p. 08 e 09)

foram identificados três principais eixos de concentração de atividades do circuito superior em

Natal, formados pelas seguintes vias: 1. Av. Senador Dinarte Mariz, (conhecida como Via

Costeira70), prolongando-se pela Av. Engenheiro Roberto Freire, em Ponta Negra, e Rota do Sol,

que dá acesso ao litoral sul do RN; 2. BR 101 e seus prolongamentos, Av. Senador Salgado Filho

e Av. Hermes da Fonseca, conectando o principal acesso sul da cidade, e cortando todo o

território leste do município (cruzando os bairros de Lagoa Nova, Tirol e Petrópolis); 3. Av.

Prudente de Morais, conectando-se pelas Av. Nilo Peçanha, Av. Governador Getúlio Vargas e

Av. Presidente Café Filho, na via litorânea (Mapa 7).

No primeiro eixo se concentram as atividades voltadas ao turismo, com implantação de

hotéis de luxo na Via Costeira, bem como de pousadas, restaurantes, centros de artesanato e

serviços diversos de apoio (como locadoras de veículos), especialmente concentrados no bairro

de Ponta Negra71. Neste sentido, além dos próprios investimentos privados, o poder público

também tem um importante papel na distribuição do comércio na cidade. Além da provisão de

infraestrutura, outro tipo de atuação do Estado é o intenso incentivo à atividade turística,

predominantemente voltada para a temática de sol e mar. A política voltada para esse assunto

foi iniciada com a inauguração do Hotel Reis Magos, em 1965, na Praia do Meio, se intensificou

com construção da Via Costeira e, posteriormente, com a Rota do Sol, ligando as praias urbanas

de Natal ao litoral sul do estado. No ano de 2000, a Praia de Ponta Negra teve sua orla

reurbanizada, com a construção de um novo calçadão e implantação de quiosques.

70 Construída em 1985, sob o governo de José Agripino e no âmbito da política de incentivo ao projeto turístico da cidade, ligando as praias urbanas de Natal (da porção central: Praia do Forte, Praia do Meio, Praia dos Artistas, Areia Preta) às praias do litoral sul da cidade (Ponta Negra) e estado. Sua ligação com a Praia da Redinha chegou em 2007, com a construção da Ponte Newton Navarro. 71Porém, também extensivo ao bairro vizinho de Capim Macio, especialmente em relação a serviços de apoio e alimentação, como aponta o estudo de Ana Maciel e Zuleide Lima (2014, p. 11): de 7 estabelecimentos existentes em 1987 na sua principal via, a Av. Eng. Roberto Freire, passa a ter 32 estabelecimentos nos anos 2000, conforme dados do Sebrae.

87

Mapa 7: Eixos com concentração de comércio e localização dos shopping centers – Natal/RN.

Fonte: Elabora pela autora sobre base cartográfica da SEMURB (2005).

88

Ainda de acordo com o referido estudo de Furtado (2005), no segundo eixo estariam

localizadas as principais atividades de comércio e serviços da cidade, eixo histórico de expansão

da cidade. E o último eixo se destacaria como o setor financeiro e médico hospitalar, com uma

concentração destacada no bairro de Petrópolis72, conforme aponta Edseisy Tavares (2010, p.

9 e 69-121). Ao analisar o território usado para instalação de serviços de saúde privada em

Natal, a autora assinala que esta concentração confirma a seletividade locacional desses

empreendimentos, que, tornados mercadorias, obedecem à lógica capitalista das empresas e

da produção do espaço.

Em vista do exposto, verificamos que o eixo Av. Senador Salgado Filho e Av. Engenheiro

Roberto Freire se configurou como o de maior fluidez de pessoas e mercadorias, favorecendo

e sendo favorecido, pela implantação de empreendimentos tais como: universidades,

shoppings centers, supermercados e hipermercados, comércios e serviços em geral. Assim,

este eixo

acabou se tornando área de atuação dos agentes hegemônicos de nível local, regional, nacional e até internacional e dessa forma, redefiniu a atividade do comércio na cidade de Natal, que no passado, como já explicado, se configurava no centro da cidade (MORAIS e FURTADO, 2011, p. 7).

De uma forma geral, este território seria o mais utilizado pelos turistas, bem como

também se tornou o mais frequentado pela maior parte da população natalense. Este eixo é

privilegiado com infraestrutura, onde se concentram grande número de sistemas de

engenharia que, em sua maioria, providos pelo Estado, se constituem como forte atrativo para

as empresas do circuito superior da economia, uma vez que ampliam a fluidez ao acesso e

distribuição de bens e pessoas. Cortam também os bairros com população de maior

rendimento salarial da cidade, como é possível verificar no Mapa 8 abaixo.

Com efeito, verificamos que os bairros que concentram o maior número de empresas

ativas são aqueles que margeiam ou são cortados pela Av. Senador Salgado Filho e Av. Hermes

da Fonseca, ambas as vias que representam prolongamentos da BR 101, bem como pela Av.

Engenheiro Roberto Freire. Se estabelecermos um ranking dos bairros que abrigam a maior

quantidade de empresas ativas em Natal, o grande líder seria o bairro de Lagoa Nova, na Zona

72 A autora percebe mais recentemente uma expansão desses equipamentos de saúde privados para o bairro de Lagoa Nova, na Zona Administrativa Sul, na década de 1990, em sua maioria de médio porte; assim como uma dispersão para outros subespaços da cidade a partir dos anos 2000. Apesar disso, a concentração no bairro de Petrópolis ainda é mantida. (TAVARES, 2010, p. 122-165).

89

Administrativa Sul, com 3.976 empresas ativas e uma média anual de 276 novos registros de

empresas, nos últimos anos (2009-2014). A segunda maior concentração de empresas está

localizada no bairro de Tirol, com um total de 2.362 estabelecimentos e uma média de 169,83

novos cadastros por ano. Este bairro é constituinte da Zona Administrativa Leste e vizinho do

bairro de Lagoa Nova.

Em termos de concentração total de empresas ativas, o bairro do Alecrim ocupa o

terceiro lugar, abrigando 1.799 empresas. Entretanto, se considerarmos o número de

estabelecimento abertos nos últimos anos, a partir de 2009, este bairro cai para sexto lugar

(com uma média de cadastros de 91,83/ano) e é ultrapassado por bairros da Zona

Administrativa Sul: Capim Macio (1.696 total e 133,50/ano), Candelária (1.535 empresas e

média de 121,50/ano) e Ponta Negra (1.738 estabelecimentos, com média de novas aberturas

de 117,50/ano). Ou seja, perde destaque para aqueles bairros lindeiros ao eixo viário de maior

fluxo, abordado acima.

Em todo caso, os bairros de Lagoa Nova, Tirol, Candelária, Capim Macio, Ponta Negra,

Alecrim, Cidade Alta e Petrópolis, todos localizados nas Zonas Administrativas Leste e Sul de

Natal, juntos computam 15.709 empresas ativas, o que representa 68% em relação ao total

existente na cidade.

Figura 10: Bairros de Natal/RN que apresentam maior concentração de empresas ativas

Fonte: Elaborado pela autora com dados da JUCERN (2015).

90

Mapa 8: Mapa de renda média por bairro de Natal/RN segundo o Censo 2010.

Fonte: Elabora sobre base cartográfica da SEMURB (2005) com dados de CARMO JUNIOR (2014).

A despeito dos eixos apontados como concentradores de atividades comerciais, os

bairros de Alecrim e Cidade Alta também se destacam na dinâmica de centralidades em Natal.

O fato desses setores não constarem no estudo de Furtado (2005) se dá por dois motivos:

primeiro porque aqueles eixos foram apontados em relação à expansão das atividades

econômicas, e esses dois bairros são os primeiros a se delinearem enquanto centralidades na

formação da cidade; segundo porque se trata mais especificamente da expansão de atividades

relacionadas ao circuito superior da economia. Conforme apontam Morais e Furtado (2011, p.

91

16), apesar da dispersão do circuito inferior pelo território natalense, estes dois bairros são

considerados centralidades no que diz refere a esse setor da economia urbana.

Figura 11: Movimento nas ruas do Alecrim.

Fonte: Autoria de Canindé Soares, acessada em http://www.csfotojornalismo.net

Figura 12: Comércio de rua na Cidade Alta.

Fonte: Google street view.

O Alecrim é historicamente marcado pelo caráter popular, desde sua formação abrigou

uma população vinda do interior do estado, e é onde se localiza até hoje a feira livre mais

afamada da capital potiguar. Este bairro permanece sendo o maior centro de comércio popular

da cidade e, neste sentido, parece não ter sofrido impactos do processo de expansão do

município e da criação de novas centralidades mais modernas. A Cidade Alta compreende,

conforme visto no capítulo 2, o lócus de fundação da cidade e em parte constitui hoje o centro

histórico tombado. Neste percebe-se uma mudança de perfil sócio econômico da população

residente, bem como da característica do comercio ali instalado, pois com o crescimento da

cidade o comércio mais sofisticado passou a priorizar outras regiões. Ou seja, este setor sofreu

os impactos da criação de novas centralidades.

Nota-se, entretanto, que nos dois bairros há presença de ambos os circuitos da economia

urbana, com um forte comércio varejista formal e diversificado, constituído de lojas de móveis

e vestuário em geral, dentre outros. Na Cidade Alta ainda se encontram unidades das maiores

lojas de departamento de vestuário, como Riachuelo, C&A, Marisa, Renner, e as Lojas

Americanas, grande número de óticas e agências bancárias públicas e privadas, da Caixa

Econômica Federal, Banco do Brasil, Bradesco, Santander e HSBC. No Alecrim encontram-se

igualmente um comercio de móveis populares, sapatarias e agências bancárias, mas também é

o lugar “onde tudo o mais tem”. A centralidade no âmbito do circuito inferior da economia foi

constatada pelo fato desses bairros também abrigarem elevado contingente de atividades com

características informais.

92

No Alecrim, mais que na Cidade Alta, o comércio ambulante se instala nas calçadas, uma

vez que no bairro fundacional o comércio formal exerceu mais pressões para impor restrições

e fiscalização na ocupação dos passeios. As duas localidades possuem em comum a criação de

áreas específicas para concentração do comércio popular, os chamados shoppings populares.

No Alecrim, o camelódromo, como também é conhecido, foi construído ainda na década de

1980, enquanto na Cidade Alta a intervenção do poder público local foi empreendida em 1997,

significando que a mudança de perfil socioeconômico da região chegou anos depois e que,

mesmo assim, ainda é menos popular em relação à outra centralidade. Vale ressaltar que,

conforme exposto anteriormente, o comércio do primeiro bairro da cidade localiza-se em sua

maioria entre a Avenida Rio Branco e Avenida Deodoro da Fonseca, isto é, concentra-se em

uma porção ao lado do núcleo de fundação da capital, que hoje é protegida por legislação

patrimonial – nesta predominam as instituições públicas e o uso residencial.

Em se tratando da área central da cidade, a Ribeira, segundo bairro de fundação e

igualmente constituinte do centro histórico tombado, apresenta empreendimentos de ambos

os circuitos da economia urbana73, segundo Lucia Alves Araújo (2015, p.7). Estes

estabelecimentos comerciais estão localizados nas vias mais importantes da área que está sob

proteção. Se destacam a Av. Duque de Caxias, principal via do bairro e que apresenta maior

fluxo de ônibus e carros, abrigando, em sua maioria, estabelecimentos do circuito superior,

como o Banco do Brasil, Jornal Tribuna do Norte, Salão/Café, imobiliária, loja de móveis para

escritório, posto de gasolina, somando 10 estabelecimentos; a Av. Tavares de Lira, mais

equilibrada em termos de atividades por circuito, constituindo-se em um setor especializado

com atividades ligadas à pesca; enquanto o circuito inferior encontra-se disperso pela área,

mas marca uma concentração particular na Rua Doutor Barata, com serviços de relojoeiros,

tornearias, consertos e manutenção de equipamentos74.

73 Considerando uma amostra de 66 empreendimentos pesquisados (do universo de 620), localizados naquelas vias de maior concentração de atividades comerciais e de serviços, 36 poderiam ser enquadrados, pelas suas características, no circuito superior, enquanto 30 comporiam o circuito inferior da economia urbana. Os estabelecimentos que combinam comércio e serviços, seguido pelo comércio, compõem a maioria do circuito superior, ao passo em que no circuito inferior os serviços são mais numerosos para a caraterização dos estabelecimentos foram considerando variáveis tais como organização, tecnologia (objetos técnicos utilizados, ex. computador, scanner, softwares, etc.), publicidade e porte do empreendimento, dentre outros. (ARAUJO, 2015, p. 185). 74 As demais vias que agrupam atividades econômicas são: Rua Chile, Rua Frei Miguelinho, Rua Câmara Cascudo, Travessa Aureliano e Rua Sachet (entorno da Praça Augusto Severo), Av. Engenheiro Hildebrando de Góis, Av. Rio Branco e Rua Almino Afonso, sendo as últimas três localizadas fora da área considerada de valor patrimonial. O

93

Mapa 9: Zoneamento por predominância de uso nos bairros de Cidade Alta, Ribeira Rocas – Natal/RN.

Fonte: Elaborado pela autora sobre base cartográfica da SEMURB (2005), com informações do IPHAN (2010) e a partir de visitas à área.

De uma forma geral, para além do lazer e entretenimento, a predominância de atividades

econômicas localizadas na Ribeira envolve serviços diversos. Heitor Silva (2002) já acusava há

alguns anos a substituição das atividades de lazer e entretenimento instaladas após a

intervenção Fachadas da Rua Chile, em 1996, por aquelas relacionados a presença do Porto.

Não obstante, alguns estabelecimentos relacionados a cultura e ao lazer foram abertos no

bairro mais recentemente75. Assim, convivem na área atividades relacionadas à proximidade

entorno da Praça Augusto Severo reúne atividades do circuito inferior, como bares e lanchonetes, que pode se relacionar à existência de muitos pontos de ônibus no local, mas também contando com a presença de comércio de produtos de pesca, incluída no circuito superior da economia. 75 Com destaque para Nalva Café e Salão (desde a década de 1990), Bar Blackuot (de 1997 a 2004), Centro Cultural Casa da Ribeira (desde 2001), Centro Cultural DoSol (desde o início da 2000); alguns mais recentes, como o Armazém Hall (desde 2007), Espaço Cultural Buraco da Catita (desde 2009), Galpão 29 (desde 2011), Consulado Bar (desde 2011), Ateliê Bar e Petiscaria (desde 2012); além do Teatro Alberto Maranhão que já existe desde 1904A dissertação “Nos tempos do blackout: cena musical, práticas urbanas e a ressignificação da Rua Chile, Natal-RN” de Carlos Cunha (2014) apresenta esse cenário foi movimentado entre os anos de 1997 e 2004.

94

com o Rio Potengi e à presença do Porto, incluindo agenciamento de navios e uma empresa de

mergulho profissional, além de indústrias que fazem a movimentação de produtos através do

Porto76. Existem ainda estabelecimentos de consertos e manutenção, como oficinas mecânicas,

refrigeração e instalação de bombas, especialmente os de pequeno porte, que seguem o

padrão do tido de atividade existente em áreas degradadas das cidades.

Os bairros da antiga área central de Natal são os que apresentam um índice menor de

crescimento de atividades comerciais nos últimos anos. Considerando a porcentagem das

empresas abertas, entre janeiro de 2009 e setembro de 2015, em relação ao total de empresas

ativas, a Ribeira apresenta o menor quadro de crescimento de toda a cidade. O número de

empresas abertas nos últimos anos representa apenas 26,9% frente ao conjunto total de

estabelecimentos em atividade com endereço no bairro, o que já lhe confere o 15º lugar no

contexto municipal em quantidade de empresas ativas atualmente (428 empresas ativas na

Ribeira, sendo destas 115 abertas depois de 2009). Cidade Alta e Alecrim apresentam, nesta

ordem, uma taxa de crescimento de 35,6% (1.571 empresa, sendo 559 abertas a partir de 2009)

e 35,2% (1.799 empresas, das quais 635 foram abertas nos últimos anos). Dessa forma,

constatamos que na Cidade Alta e Alecrim, por serem centralidades mais antigas, a maioria das

empresas ali localizadas foi aberta em anos mais distantes.

A concentração de investimentos nos bairros das zonas administrativa sul e leste da

capital é notada mesmo através dos alvarás de construção expedidos entre os anos de 2011 e

2014, para o uso não residencial. Como no Plano Diretor de Natal os usos são divididos em

residencial e não residencial, os alvarás de construção emitidos pela SEMURB possuem esta

subdivisão. Embora não seja possível diferenciar as intenções de construção pelos usos

institucional ou comercial, ou por seus requerentes, para efeito deste estudo e diante dessa

limitação, sublinhamos a hegemonia dos bairros de Lagoa Nova (50 alvarás), Ponta Negra (28

alvarás) e Tirol (21 alvarás) também para licenciamento de construções de uso não residencial.

Evidenciam-se ainda os bairros de Candelária (16), Capim Macio (15), na região sul da cidade,

e Alecrim (8) e Petrópolis (5) em menor quantidade, na zona leste.

76 Como a indústria de alimentos M. Dias Branco, que possui uma unidade de moagem e fabricação de massas instalada no local desde 2000 – o Grande Moinho Potiguar – e recebe grande montante de trigo através dos navios que atracam na área.

95

3.1.2. A expansão recente do circuito superior da economia para a ZA-Norte

Recentemente, percebe-se de maneira mais acelerada a expansão das atividades

comerciais para a região norte da capital norte-rio-grandense. A maior e atualmente mais

populosa Zona Administrativa da cidade encontra-se apartada fisicamente do resto do

território municipal pelo Rio Potengi77. Apesar da criação do Distrito Industrial de Natal (DIN)

na fronteira com o Município de São Gonçalo do Amarante, em meados da década de 1970, a

segregação físico-territorial contribuiu para que, por duas décadas, desde sua formação, a

constituição dessa região norte estivesse ligada quase que exclusivamente ao uso residencial

de uma população de menor poder aquisitivo. Possuía um mercado incipiente, mas que visava

atender às demandas imediatas locais, com pequenos estabelecimentos de comércio ou

serviço. Entretanto, a partir da década de 1990, assistiu-se a um crescimento do setor terciário

nesta região, que foi ainda mais intensificado nos anos posteriores (MEDEIROS e PAZ, 2010, p.

5-9).

Depois dos anos 2000, notou-se uma crescente reconfiguração espacial da ZA-Norte, com

instalação de equipamentos de maior porte característicos do circuito superior da economia

urbana. De maneira também seletiva, essas novas instalações concentram-se ao longo da

Avenida João Medeiros Filho (Estrada da Redinha), especialmente na porção que compreende

os bairros de Potengi e Igapó, respectivamente. Onde só havia uma unidade da rede de

Supermercados Nordestão (construído em 1981), chegam unidades das Redes Carrefour (2006)

e Atacadão (2008), e foram construídos o Partage Norte Shopping e o Shopping Estação,

inaugurados em dezembro de 2007 e em outubro de 2008 (Mapa 7). O bairro de Potengi possui

atualmente 765 empresas ativas e uma média de novos registros de 59 empresas ao ano (entre

2009-2014), o que lhe confere a nona posição em relação ao quadro dinâmico da cidade.

De acordo com os registros da JUCERN, os bairros dessa região norte da cidade

apresentaram as maiores taxas de crescimento do setor terciário. Em cinco bairros, dos sete

que compõem a região, o número de empresas abertas a partir de 2009 representou mais da

metade do total de empresas ativas. Essa recente expansão pode ser relacionada à construção

77 A Ponte rodoferroviária Costa e Silva, mais conhecida como Ponte de Igapó, foi construída em 1969, e recebeu obras de duplicação na década de 1990 (MEDEIROS e PAZ, 2010, p.04). Somente em 2007, foi inaugurada uma segunda via de ligação com o centro da cidade, a Ponte Newton Navarro, localizada na outra extremidade do território da Zona Administrativa Norte.

96

da segunda ponte que liga a Zona Administrativa Norte ao resto da cidade, a Ponte Newton

Navarro, que foi inaugurada em novembro de 200778. Facilitada a fluidez do espaço, o capital

encontrou um local novo para expandir seus investimentos e receita. É importante destacar

que em 2014 ocorreu a relocação do Aeroporto Internacional do estado, antes situado na

cidade de Parnamirim, na fronteira sul de capital, para o município de São Gonçalo do

Amarante, vizinho à Zona Administrativa Norte de Natal e acessível pela ponte de Igapó79.

Apesar dessa nova dinâmica que influi sobre a mudança de usos e ocupação de uma

porção específica da Zona Administrativa Norte de Natal, a maior parte das novas instalações

do circuito superior da economia é composta por filiais de empresas que já existem em outros

locais da cidade. Com base nisto, compreende-se que a região se configura como um novo

espaço de expansão do capital, mas esta dinâmica atende ainda a uma demanda da própria

região. O quadro atual, considerando seus estabelecimentos comerciais, apesar de crescente,

não é capaz de repercutir ainda em um fluxo de pessoas de outras regiões da cidade. A abertura

da sede da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte-UERN no bairro de Potengi pode

ampliar o destaque dessa região norte no contexto da cidade (ver no Mapa 7 a Av. João

Medeiros Filhos, onde será inaugurada a sede da UERN).

3.1.3. A dinâmica comercial e as preferências locacionais em Natal

De uma forma geral, percebemos então uma reestruturação urbana que faz emergir

novas centralidades ao longo de avenidas de maior circulação na cidade, marcando uma

relação direta entre processo de reestruturação viária e realocação do terciário (QUEIROZ,

2011, p. 18). Nesses corredores de circulação mais importantes da cidade, especialmente

naquelas vias de acesso à região sul, predominam as atividades modernas do circuito superior,

ao passo em que as atividades do circuito inferior difundem-se de maneira generalizada pelo

território, com concentração significativa em polos na região central da cidade (MORAIS e

FURTADO, 2011, p. 7).

78 O projeto existia desde 1992, mas teve perspectivas reais de implementação somente em 2005, quando da publicação da licitação para execução da obra. 79 Um segundo acesso está planejado para ser construído ao sul de Natal, via município de Macaíba, saindo da capital pela BR 101.

97

Portanto, essas novas áreas dotadas de centralidade transformam-se “no lugar de signos

incentivados pela mídia” e redefinem os fluxos e a divisão espacial do trabalho. Estas novas

centralidades passaram a competir com o comércio do centro tradicional, e a Cidade Alta

perdeu ainda mais clientes para os novos super equipamentos comerciais, mais

especificamente, os shopping centers. Ou, em verdade, foi esvaziado ainda mais do seu caráter

de “comércio burguês” para se direcionar cada vez mais para um público popular.

Ao confrontarmos o cenário da antiga área central da cidade com as novas centralidades,

verificamos que, juntos, os bairros de Cidade Alta, Ribeira, mas também Rocas e Santos Reis,

possuem 2.104 empresas, o que ainda é inferior à quantidade existente no bairro de Tirol. Se

acrescentarmos na contabilidade o bairro do Alecrim, o número alcançado ainda é menor,

embora próximo, do registrado em Lagoa Nova.

3.2. O MERCADO IMOBILIÁRIO NA PRODUÇÃO DE HABITAÇÃO

De acordo com Ângela Ferreira (1992), o surgimento do mercado imobiliário em Natal

remete ao período da ocupação americana na cidade (1940-1950), quando a implantação de

bases militares e a construção de vias de ligação entre as mesmas favoreceram a expansão da

malha urbana. Neste mesmo período houve um incremento populacional, o que propiciou o

aquecimento do mercado e o aumento da demanda por moradia.

Essa fase foi sucedida pelo surgimento de políticas públicas direcionadas à provisão de

habitação, que desencadearam a construção de vários conjuntos habitacionais pela cidade,

conforme visto no capítulo anterior– item 2.1. O capital acumulado através da ação desses

programas governamentais de habitação, até a década de 1980, permitiu que empresas de

construção e incorporações imobiliárias continuassem a investir na produção de moradias

mesmo no intervalo de tempo marcado pela ausência de políticas públicas para este setor

(entre o fim do BNH em 1986, até 2009 quando se laçou o PMCMV). Assim, tais programas

interferiram tanto na estrutura física da cidade, “mas também no desenvolvimento da indústria

da construção, que passou a ocupar um significativo papel na economia urbana e no poder

local” (FERREIRA, 1996, apud CAMPOS e FERREIRA, 2013, p. 08).

98

Gráfico 1: Evolução da produção imobiliária de habitação em Natal-RN (área construída e unidades habitacionais)

Fonte: QUEIROZ, 2012 (a).

De acordo com Luiz Alessandro Queiroz (2012, p.06), a produção imobiliária em Natal

vem crescendo desde 1980, apresentando alguns picos em 1995 e crescimento acelerado nos

anos 2000. Segundo o autor, esse quadro apresentou ligação com os diferentes momentos da

economia nacional. A produção imobiliária na década de 1980 foi associada a uma abundância

dos financiamentos oficiais via Sistema de Financiamento da Habitação, enquanto o

crescimento do período seguinte, 1990, foi influenciado pelo plano real e a sobrevalorização

da moeda, com seu pico e decréscimo. Já nos anos 2000, foram identificados dois momentos

particulares, cujo marco divisório corresponde à crise econômica internacional de 2008. O

gráfico a seguir apresenta o panorama da produção de habitação pelas incorporadoras

imobiliárias, desde a década de 1980, até o fim da primeira década deste século, em associação

com os eventos citados.

A partir da virada do século XXI, o município assistiu ao maior boom imobiliário em sua

história. Referindo-se somente à produção de moradia, um censo realizado no período de 2000

a 2010 revelou 380 novos empreendimentos cadastrados nos Cartórios de Registro Imobiliários

da cidade, somando 32 mil unidades habitacionais e 4 milhões de metros quadrados

construídos80. Isto significa uma produção seis vezes maior do que em cada uma das décadas

80 A pesquisa documental se debruçou sobre os “Registros de Incorporação”, que consiste num conjunto de documentos que as empresas (incorporações imobiliárias) são obrigadas, por meio da Lei nº 4.591/64 - que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias -, a depositar nos cartórios anteriormente ao

99

anteriores, que apresentaram a construção de cerca de 5 mil unidades habitacionais cada uma

(1980 e 1990) (QUEIROZ, 2012).

Queiroz (2012) associou este boom imobiliário às mudanças macroeconômicas e ao

aperfeiçoamento e flexibilização do sistema financiamento de habitação81, que foram decisivos

na ampliação do crédito imobiliário, favorecendo o crescimento da produção.

Complementando estes fatores, o surgimento do Programa Nacional Minha Casa Minha Vida

(PMCMV), em 2009, preencheu uma lacuna que o setor não havia alcançado por falta de

interesse dos promotores imobiliários, dando conta da população com renda entre 0 e 6

salários mínimos.

A partir de 2003 iniciou-se o novo processo de reaquecimento da produção imobiliária

na cidade. Beneficiado também pelas mudanças conhecidas como “pacote da construção”82,

que a partir de 2004 ampliaram o acesso a créditos imobiliários e propiciou o consumo de

habitações. Entretanto, uma particularidade ocorrida em Natal favoreceu a recuperação do

mercado e lhe imprimiu nova fase a partir do surgimento de um fenômeno chamado “mercado

imobiliário-turístico”.

Este se referiu a combinação da produção imobiliária com a forte expansão do turismo

no município que, aliado a desvalorização do real frente ao euro, desencadeou em um fluxo

crescente de turistas estrangeiros, especialmente de origem europeia (portugueses, espanhóis

e noruegueses, em sua maioria). Atraídos pelo clima e as belezas naturais, além dos baixos

preços, estes turistas deram origem a um mercado de segundas residências na capital potiguar.

Atuaram tanto como consumidores e até como promotores, chegando a representar 35% do

mercado imobiliário no início da década de 2000-2010. Por este motivo, e permitidos pela

anúncio de venda das unidades autônomas. Tais documentos englobam, por exemplo, escritura de compra e venda dos lotes envolvidos, certidões negativas da empresa promotora, memorial de incorporação, projeto arquitetônico, quadros de áreas e de custos. (QUEIROZ, 2012). 81 A partir de 1997 passou a existir dois sistemas de financeiros complementares para habitação: o Sistema Financeiro de Habitação baseado em fundos paraestaduais, criado em 1964 e que passou por uma reformulação em seu marco regulatório em 2004, e o Sistema Financeiro Imobiliário, criado em 1997, este capturando recursos junto ao mercado de capitais (bancos particulares, por exemplo), se tornando atrativo para determinadas faixas de mercado (QUEIROZ, 2012). 82 Série de mudanças, que abarcam “a regulamentação da alienação fiduciária para os bens imóveis, a instituição do patrimônio de afetação, o fortalecimento do mercado de securitização e, principalmente, a redução gradativa da taxa de juros” (QUEIROZ, 2012, p.11).

100

legislação83, percebeu-se uma significativa construção de empreendimentos tipo flats, em sua

maioria, posteriormente, convertidos em edifícios residenciais e de tipologia de condomínio

club, “caracterizada pela grande quantidade de unidades com pequena área privada”

(QUEIROZ, 2012 (b), p.06).

Mapa 10: Espacialização da atuação dos incorporadores imobiliários na década de 2000-2010.

Fonte: QUEIROZ, 2012.

A estreita relação do setor com o turismo ganhou visibilidade nacional e, atraídos por

matérias de jornais, alguns promotores imobiliários de outros estados e até de outros países

começaram a expandir sua atuação em solos potiguares. Este evento caracterizou a segunda

fase referente à primeira década do século XXI. Assim, um novo ciclo cresceu a partir dos anos

2008-2009, quando, apesar da instabilidade internacional, o mercado imobiliário no Brasil

83 Conforme abordado no item 2.2 desta dissertação, com a aprovação da Lei Complementar n.27/ 2000, que alterou o PDN-1994, aumentou-se o potencial construtivo no bairro de Ponta Negra, permitindo o maior aproveitamento de pequenos terrenos, através de construção verticalizada.

101

conseguiu se manter equilibrado e em crescimento. Em Natal destacou-se a inserção de

investidores de atuação nacional, vinculados ao mercado de capitais, que aqueceu

significativamente o mercado imobiliário na cidade, com uma produção maior do que as

empresas locais.

A consequência sobre o espaço urbano de Natal foi uma mudança de padrão de ocupação

da cidade. A atuação privada na construção de habitações, nesta década, revelou a

preeminência da produção imobiliária na zona administrativa sul da cidade. De acordo com

Queiroz (2012), este lugar que era ocupado pela zona administrativa leste até o fim da década

de 1990, onde se localiza a área central que abriga o berço da cidade.

3.2.1. A supremacia da Zona Administrativa Sul

Especialmente a partir de 2002-2003, a zona administrativa sul de Natal manifestou um

crescimento acelerado e maior que as outras áreas do município, chegando a alguns momentos

a representar o triplo da produção das demais zonas. Este crescimento relaciona-se,

inicialmente, ao fenômeno imobiliário-turístico supracitado. O bairro de Ponta Negra ganhou

destaque, tanto da ZA-Sul, quanto com relação a toda a cidade. Além da vocação turística, por

abrigar a mais importante praia urbana e carta postal da cidade – Morro do Careca –, outros

fatores que colaboraram para esse adensamento:

Os investimentos públicos – Via Costeira e Rota do Sol – conferiram acessibilidade excepcional tanto às praias urbanas quanto ao litoral sul. O saneamento do bairro estimulou as pressões pelas mudanças na legislação urbanística que, aumentando o potencial construtivo dos terrenos, permitiu o uso de pequenos lotes para a construção de flats. (QUEIROZ, 2012(b), p.08).

102

Gráfico 2: Unidades habitacionais (m²) produzidas por zona administrativa de Natal-RN.

Fonte: QUEIROZ, 2012

A intensificação da produção de empreendimentos habitacionais em Ponta Negra,

verificado a partir de 2002, e o decréscimo do porte das construções a partir de 2012, pode ser

atribuído à mudança da legislação urbanística municipal. Conforme visto no item 2.2, a pressão

dos empresários dos ramos da construção e imobiliário resultou na edição de uma Lei (Lei

Complementar n.27), no ano de 2000, que permitiu construções acima do coeficiente básico

do município, tornando parte do bairro Zona Adensável-ZAd com novo coeficiente construtivo

de 3,5. Esta alteração resultou em uma intensa verticalização da área, ao ponto de

sobrecarregar a infraestrutura existente. No entanto, com a revisão do PDN em 2007, todo o

bairro voltou a ser compreendido como Área de Adensamento Básico, inclusive com mais

restrições até que seja regulamentado um Plano Setorial, para detalhando das características

e normas mais adequadas para a região. A proibição de remembramentos de lotes pode ter

ocasionado a diminuição de construções de grande porte, uma vez que os terrenos maiores

podem ter se tornado mais escassos.

103

Gráfico 3: Alvarás de construção expedidos para uso residencial entre 2011 e 2014 – ZA Sul de Natal/RN

Fonte: Elaboração da autora a partir de dados da SEMURB/PMN.

O bairro de Lagoa Nova ocupou o terceiro lugar no que diz respeito ao número de alvarás

aprovados (60), no entanto apresenta a maior área construída licenciada nestes anos,

totalizando o dobro de área construída apresentada por Ponta Negra e mais do a área

licenciada em cada uma das demais zonas administrativas da cidade (somando-se os bairros

que as compõem). A elevada quantidade de área construída licenciada indica que este bairro é

bastante visado para investimentos na produção de grandes empreendimentos habitacionais,

pelo mercado imobiliário. Esta evidência se confirma quando verificamos que 52 dos 60 alvarás

aprovados para construção são de projetos habitacionais multifamiliar, caracterizando uma

intensificação do uso do solo através da verticalização.

104

Mapa 11: Zona Administrativa Sul de Natal

Fonte: Elaborado pela autora sobre base cartográfica de SEMURB (2005).

105

Figura 13: Verticalização na Av. Engenheiro Roberto Freira, no bairro de Ponta Negra, Natal.

Fonte: Acervo da autora, 2017.

Nota: os terrenos na margem esquerda constituem Área non aedificandi pelo Plano Diretor do município.

Em menor intensidade também se destaca, e segue a mesma lógica indicativa de

investimentos de maior porte em empreendimentos habitacionais (maior relação entre área

construída por alvará), o bairro de Capim Macio. Este ocupou o terceiro lugar na ZA-Sul em

relação à área construída licenciada e a quarta colocação em número de alvarás emitidos

nestes anos. Dentre os 47 alvarás de construção, 28 se destinam ao uso multifamiliar, um

número equivalente ao apresentado para o bairro de Ponta Negra (29 dos 118).

Por outro lado, no caso do bairro de Pitimbu, o elevado número de alvarás de construção

aprovados não esteve associado a uma quantidade expressiva de área construída. Apesar de

ter apresentado a segunda maior quantidade de alvarás expeditos (74) no período de 2011 a

2014, tanto em relação à ZA-Sul ou considerando todos os bairros da cidade, a maioria deles

referiu-se ao uso residencial unifamiliar (66). A quantidade de alvarás emitidos para o uso

residencial multifamiliar em Pitimbu foi igual ao aprovado para o bairro vizinho de Neópolis (8).

De maneira similar, neste bairro também ocorreu a mesma situação caracterizada pela

baixa relação de área por construção licenciada, assim como foi possível notar o mesmo em

Capim Macio, Candelária e Ponta Negra em anos isolados. No capítulo anterior observamos

que todos estes bairros são definidos como Zonas de Adensamento Básico no PDN. Nos bairros

mais valorizados dentre estes, mais próximos das novas centralidades e com possibilidade de

exploração da paisagem, percebe-se que o mercado imobiliário tenta tirar o maior proveito das

possibilidades construtivas, o que ocorre em alguns momentos específicos, mas não se torna

106

uma constante, devido, provavelmente, aos parâmetros construtivos fixados pela legislação

urbanística. Ao passo em que no bairro de Pitimbu, no extremo sul da capital, a ocupação ainda

é, de uma forma geral, menos densa.

O bairro de Nova Descoberta apresentou a menor quantidade de intenções de

construção, oficializadas nos pedidos à SEMURB. Ressalta-se que historicamente o bairro de

característica popular foi demarcado pela legislação urbanística municipal por Áreas Especiais,

de controle de gabarito, por estar no entorno do Parque das Dunas, bem como constitui AEIS.

3.2.2. Zona Administrativa Leste e a antiga área central

Ao mesmo tempo em que a produção imobiliária na região sul da cidade cresceu a partir

da virada do século, a ZA-Leste em 2005 exibiu um decréscimo, isoladamente. Porém, apareceu

com mais estabilidade entre os anos 2006-2008 e com boa recuperação pós-crise internacional.

Tal fato foi associado por alguns autores a uma mudança de estratégia dos agentes imobiliários

locais frente à crise econômica. Este pensamento defende que a crise econômica internacional

repercutiu negativamente no mercado de segunda residência voltado para o público

estrangeiro e mais concentrado em Ponta Negra, o que teria compelido os empresários a

buscar novas táticas de reprodução do capital. De acordo com Gilene Cavalcante (2011), estes

investidores se apropriaram do espaço socialmente hierarquizado da cidade para retomar a

produção de edifícios de alto padrão na região leste da cidade, direcionando-se para uma

população local com maior poder de compra.

No período entre 2000 e 2010, o bairro da ZA-Leste que apresentou a maior

concentração de novos empreendimentos promovidos pelas Incorporadoras Imobiliárias foi o

Tirol, ocupando o segundo lugar no contexto da cidade (QUEIROZ, 2012). Historicamente este

bairro se manteve entre os mais valorizados da cidade e com os melhores serviços de

infraestrutura. Além disso, conforme apontado no item anterior, a partir de 2005, passou a

abrigar o maior shopping center da cidade, o Midway Mall, reforçando a centralidade daquela

região, onde já se localizavam diversos equipamentos no entorno (hospitais e instituições

educacionais, por exemplo). O bairro de Petrópolis apareceu em segundo lugar em relação ao

investimento dentro desta região leste, mas em razão de sua menor área, da pouca

disponibilidade de lotes e do alto valor do solo, obriga a uma menor produção.

107

A hegemonia do bairro de Tirol no cenário de produção de habitação na ZA-Leste da

cidade confirmou-se também no número de alvarás de construção emitidos pela SEMURB para

o uso residencial, entre os anos de 2011 e 2014, conforme o Gráfico 4. A relação entre o

número de alvarás de construção aprovados neste período e a elevada área construída

licenciada revela uma ocupação densa, característica de grandes empreendimentos

imobiliários verticalizados. Os dados de área construída licenciada lhe conferiram o terceiro

lugar em investimentos no quadro da cidade, no entanto, em termos de número de alvarás sua

posição caiu para nono – inclusive atrás de bairros que representam o interesse mais recente

do mercado. A maioria das licenças aprovadas para construção, nestes anos, correspondem a

empreendimentos habitacionais multifamiliares (28 dos 29).

Gráfico 4: Alvarás de construção expedidos para uso residencial entre 2011 e 2014 – ZA Leste de Natal/RN

Fonte: Elaboração da autora a partir de dados da SEMURB/PMN.

Nota: Só aparecem no gráfico os bairros que tiveram alvarás de construção expedidos neste período. Os bairros de Mãe Luiza, Praia do Meio, Rocas e Santos Reis não apresentação ocorrência de alvarás de construção em

nenhum dos anos analisados.

Por outro lado, o bairro de Petrópolis apresentou intenções de produção variadas entre

os anos de 2011 e 2014, ora mantendo o segundo lugar de destaque na ZA-Leste, ora

apresentando uma produção pequena e sendo ultrapassado por outros bairros. Petrópolis

manteve-se no segundo lugar de destaque na ZA-Leste apenas do ano de 2012, porém perdeu

108

sua posição em número de alvarás de construção registrados para o Barro Vermelho, nos anos

de 2011 e 2014, e para Areia Preta em 2013, bem como no total do período para estes bairros

(8 alvarás de construção expedidos para Petrópolis, 9 para Areia Preta e 12 para o Barro

Vermelho). Em termos de área construída, perdeu destaque também para o bairro de Lagoa

Seca de maneira isolada em 2011. No panorama geral destes anos, a área construída licenciada

é equivalente, embora ligeiramente menor84, que a apresentada para o Barro Vermelho. Isto

significa que o número de empreendimentos é menor em Petrópolis, mas com porte médio

maior, ou seja, apesar de um quadro variado ao longo dos anos analisados, Petrópolis ainda

representou um forte alvo de interesse do mercado imobiliário no contexto da região.

Figura 14: Panorama da verticalização nos bairros de Tirol e Petrópolis, ao fundo, em Natal.

Fonte: Acervo da autora, 2017.

Nota: a porção direita da imagem refere-se à área de controle de gabarito do entorno do Parque das Dunas, com uma fração ocupada pele 16º Batalhão Infantaria Motorizada do Exército Brasileiro e sua respectiva vila militar.

O bairro de Areia Preta, apesar de constituir um pequeno território, representa a única

porção da faixa costeira em Natal onde não há controle de altura para as edificações. Como foi

verificado no item 2.2, parte do bairro está delimitado pela ZET-3 desde o PDN de 1984,

entretanto a área não foi incluída no raio de proteção visual das praias urbanas centrais,

estabelecido através da Lei 3.639/8785. Em decorrência disso, tornou-se um local estratégico

para o mercado imobiliário explorar os atrativos cênicos das praias, intensificando o uso através

da implantação de tipologias verticalizadas de alto padrão (ver Figura 15), que contrasta com

84 O total de área construída licenciada, de 2011 a 2014, para o bairro de Petrópolis foi de 77.594,81m², enquanto o Barro Vermelho apresentou um somatório de 79.339,29m². 85 Segundo o autor da proposta, Eudes Montenegro Galvão (apud DUARTE, 2010, p. 200-201), a partir da Igreja de Areia Preta, as construções existentes na época já limitavam a vista da paisagem da praia e, por isso, o gabarito a partir de lá ficou liberado. Não obstante, naquele momento não se previu a intensa ocupação daquela área e a forte verticalização, produzida pelo mercado imobiliário, que, por fim, resultou na obstrução visual do Farol de Mãe Luiza.

109

padrão e construção presente no bairro vizinho da Praia do Meio, compreendida pelo controle

de gabarito, e com a AEIS de Mãe Luiza, ao fundo.

Mapa 12: Bairros da Zona Administrativa Leste de Natal

Fonte: Elaborado pela autora sobre base cartográfica de SEMURB (2005).

110

Figura 15: Verticalização na orla de Areia Preta.

Fonte: Acervo da autora, 2017.

Dentre os bairros que intercalaram a posição de segundo lugar de destaque nesta zona

administrativa, o Barro Vermelho apresentou os números mais consistentes, apresentando

uma média entre 2 e 4 alvarás de construção expedidos por ano, em um total de 12 no período

de 2011 a 2014, sendo 10 deles de uso residencial multifamiliar e com projetos variando entre

16 e 23 pavimentos. Este quadro explicitou uma estabilidade do seu processo de verticalização

e a continuidade de implantação da tipologia já encontrada no bairro. Representou também

uma recuperação em relação à década de 2000 a 2010, quando a produção de habitação no

bairro, através das Incorporadas Imobiliárias, foi superada pela apresentada na Ribeira no

mesmo período (QUEIROZ, 2012).

Dessa forma, é importante destacar o bairro da Ribeira, objeto legalmente declarado de

interesse histórico pela legislação municipal86 e que abriga uma porção do hoje reconhecido

Centro Histórico de Natal, tombado pelo IPHAN. O número de novos empreendimentos

lançados no bairro na primeira década dos anos 2000 ultrapassou o bairro de Barro Vermelho,

que tradicionalmente recebia mais investimentos em anos anteriores. Nas imagens a seguir, é

possível verificar os novos edifícios que foram construídos na Av. Gustavo Cordeiro de Farias

(entre os bairros de Petrópolis, Rocas e Ribeira) e a diferença de escala desse padrão de

ocupação verticalizado com a região do centro histórico da cidade, composta por edificações

de menor altura.

86 Delimitado como Zona Especial de Preservação Histórica desde o Plano Diretor de 1984 e regulamentada em 1990.

111

Figura 16: Panorama de verticalização na Av. Gustavo Cordeiro de Farias, na divisa entre os bairros de Petrópolis, Rocas e Ribeira, Natal/RN.

Fonte: Acervo da autora, 2017.

Figura 17: Diferença de escala na ocupação do centro histórico e a verticalização do entorno.

Fonte: Autoria de Canindé Soares, acessada em http://www.csfotojornalismo.net Nota: Os edifícios localizados do meio da imagem para a esquerda correspondem a recente ocupação da Av.

Gustavo Cordeiro de Farias.

O estudo de Natalia Medeiros e Raissa Rodrigues (2009, p.32 e 33) destacou que a

construção do Edifício João Olimpo na Av. Gustavo Cordeiro de Farias, em 2003, chamou a

atenção dos empreendedores por ser um dos mais altos e mais luxuosos da cidade, provocando

um processo de valorização do seu entorno e possibilitando a oferta de produtos para um

público com maior poder aquisitivo (ver edifício mais alto das imagens acima). A construção

deste empreendimento foi apontada como um marco que consolidou a área como eixo de

112

verticalização, dez anos depois da primeira construção de tipologia vertical naquela via ter

surgido - o Condomínio Dom Heitor construído em 1993.

Pesquisas que se debruçam especificamente sobre esse fenômeno de verticalização na

Ribeira apontaram que esses empreendimentos recentes se aproximam do perfil de alto

padrão encontrado no bairro vizinho, Petrópolis87. Contudo, verificamos que a informação das

áreas úteis dos apartamentos demonstra uma variação de tipologias, com unidades

habitacionais grandes (entre 93m², 149m², 214m² até 358m²), possivelmente de alto padrão,

mas também com apartamentos menores no padrão médio do mercado (57m², 67m² e

75,45m²). Ingrid Nascimento (2012, p.78-85) constatou que os empreendedores que

investiram na área usavam, em seu discurso, termos como “Nova Petrópolis” ou “Ribeira Alta”,

e a menção ao bairro vizinho constava inclusive em alguns materiais de divulgação, em slogans

ou mesmo alterando o próprio endereço do condomínio. Além disso, a paisagem, com vista

para o mar e para o Rio Potengi, também era explorada como estratégia de promoção e venda

dos condomínios. A menção ao bairro histórico apareceu em slogans de dois dos

empreendimentos analisados, o que levou esta autora a relacionar as recentes intervenções

do poder público na área como um atrativo ao mercado imobiliário – ou, pelo menos, em parte,

já que outros investidores preferem não citar essa aproximação (Idem, p.86 e 87).

Ressaltamos aqui que o lançamento desses empreendimentos no período também

esteve associado à mudança da legislação urbanística municipal. Como foi verificado no item

2.2 desta dissertação, tal bairro está definido como pertencente a Zona Adensável-ZAd, dentro

do PDN atual, e é também alvo de aplicação do instrumento de Operação Urbana Ribeira-

OUR88. Observamos no capitulo anterior que, com a mudança de legislação urbanística ocorrida

no ano de 2007, diminuiu-se a margem de lucro para os investimentos em construção no bairro

de Petrópolis89, que se equiparou às possibilidades construtivas do bairro da Ribeira. Uma vez

que o instrumento da OUR existia desde 1997 sem apresentar efeitos visíveis até então, e só

depois de 2007 houve uma ocupação mais densa no bairro, o fator mudança de parâmetros

87 Bairro que abriga uma classe social mais favorecida, ocupando o segundo lugar no ranking de bairros de maior renda media mensal (com média de 12,32 salários mínimos), de acordo com o censo de 2010, sendo o primeiro colocado no censo anterior, do ano 2000. Enquanto a Ribeira está posicionada em oitava colocação, com uma média de 7,06 salários mínimos. (CARMO JUNIOR, 2014, p. 177 e 178) 88 Em vigor desde 1997 e atualizada pela Lei Complementar Nº 079, de 04 de janeiro de 2007. 89 Com a mudança do PDN de 1994 para o de 2007, o coeficiente básico de aproveitamento construtivo no município passou de 1,8 para 1,2, assim como o coeficiente máximo do bairro de Petrópolis diminuiu de 5,5 para 3,5 (com pagamento de outorga onerosa).

113

construtivos no PDN parece ter mais peso sobre o interesse recente de construir na Ribeira, do

que os incentivos fiscais oferecidos por aquele instrumento.

Medeiros e Rodrigues (2009, p. 38) constataram, através da realização de entrevistas,

que os empreendedores não possuíam um conhecimento profundo do instrumento OUR, não

estando essa Operação entre os motivos que levaram ao investimento na área. Segundo essas

autoras, outros fatores chamaram a atenção do mercado imobiliário: a disponibilidade de

terreno e o menor preço da terra, a proximidade com um polo residencial verticalizado já

consolidado e voltado para um público de alta renda, a Av. Getúlio Vargas em Petrópolis, além

da possibilidade exploração de atributos cênico-paisagísticos semelhantes, as transformações

econômicas do público consumidor, bem como a própria legislação urbanística, acima

mencionada.

Não obstante, em visitas à área é possível observar que alguns empreendimentos

anunciados anteriormente não foram construídos. Além disso, considerando-se os alvarás de

construção emitidos entre 2011 e 2014, verificamos que houve uma queda em relação aos

investimentos na produção de habitação na Ribeira. Neste período foram expedidos apenas

dois alvarás de construção no bairro, sendo um deles de tipologia verticalizada (ver Gráfico 4).

Destacamos ainda que o alvará de construção aprovado em 2014 corresponde à construção do

condomínio destinado aos moradores da comunidade do Maruim, que sofreu recentemente

um processo de remoção de sua área originária. O projeto é constituído de um conjunto de

edifícios de quatro pavimentos, com unidades habitacionais de 43m² para abrigar 170 famílias

(TRIBUNA DO NORTE, 2015). O novo empreendimento destinado às famílias relocadas está

localizado em um terreno doado pela Prefeitura do Natal e recebeu ainda recursos do PAC, no

âmbito do PMCMV, da ordem de R$ 12,2 milhões para a construção. Situa-se próximo às

edificações da REFESA, que passou a abrigar umas das sedes do IFRN, após restauração e

adaptação dos galpões e prédio da rotunda.

O projeto completo de remoção da comunidade inclui ainda a construção de um

Complexo Comercial e Turístico “Praça Pôr do Sol”, utilizando parte da antiga área ocupada

pela comunidade nas Rocas (45% do terreno será devolvido ao Porto de Natal - CODERN). A

proposta prevê a instalação de 24 boxes comerciais e um centro de descasque de camarão,

para atender às famílias que trabalham com o beneficiamento do produto.

114

Figura 18: Residencial Maruim localizado na Ribeira.

Fonte: Acervo da autora, 2017.

Em se tratando ainda de área central e seu entorno imediato, podemos pontuar ainda

que nos bairros Cidade Alta e Alecrim foram emitidos dois alvarás de construção de uso

residencial cada, sendo que um alvará em cada bairro corresponde ao uso residencial

multifamiliar, de tipologia vertical. Nos bairros de Rocas, Santos Reis e Praia do Meio não foram

identificados intenções oficiais de construções com uso residencial. Nessa região incidem

restrições de construção pela legislação urbanística, através de controle de gabarito da ZET-3,

a ZPA-7 e o estabelecimento da AEIS-2 – com proibição de remembramentos e

desmembramentos nos terrenos e limite de altura de 7,5m até que sejam regulamentadas.

Sabemos também que, em áreas menos visadas/opacas, a construção de edificações ocorre

muitas vezes sem o licenciamento urbanístico dos órgãos públicos competentes, sendo estas

construções, geralmente, de pequeno porte. Esta situação também pode ser inferida para os

bairros das zonas administrativas norte e oeste de Natal, que apresentam um número menor

de alvarás licenciados.

3.2.3. A expansão do mercado imobiliário para as ZA-Oeste e ZA-Norte

A partir da última década, também se observou a expansão do mercado imobiliário para

outras áreas da cidade, como as ZA-Norte e ZA-Oeste, que eram, até então, excluídos da lógica

de produção de grandes condomínios habitacionais. Anteriormente, nas décadas de 1980 e

1990, notava-se o direcionamento da produção imobiliária para uma região provida de

infraestrutura e que concentrava uma população com renda superior, compreendida pelas ZA-

115

Leste (especialmente Tirol e Petrópolis) e Sul (Lagoa Nova, Capim Macio e Ponta Negra) da

cidade. Naquele período, os bairros localizados ao sul da cidade (Candelária, Neópolis, Capim

Macio, Ponta Negra e Pitimbu) eram considerados como zona de expansão (QUEIROZ, 2010,

p.200 e 201). Atualmente, as regiões norte e oeste da capital ocupam o lugar de áreas de

expansão, enquanto a região sul encontra-se já consolidada, apresentando na última década

uma produção maior que a área central leste.

Alguns fatores favoreceram a assimilação das áreas a oeste e norte do município pelo

mercado privado de habitação. Segundo Queiroz (2012), a implantação de instituições jurídicas

(Tribunal Regional do Trabalho, Justiça Federal e o Ministério Público do RN) próximas à ZA-

Oeste podem ter valorizado a área aos olhos do mercado imobiliário, funcionando como

atrativos para investimentos privados – inicialmente com setor de serviços (escritórios

jurídicos) e posteriormente condomínios residenciais. Ao mesmo tempo em que houve uma

grande produção de empreendimentos construídos no âmbito do PMCMV no bairro do

Planalto, já na periferia da capital.

Os bairros da ZA-Oeste, especificamente Planalto e Guarapes também se destacam pelo

número de alvarás e áreas construídas licenciadas no intervalo de tempo entre 2011 e 2014.

Porém, acredita-se que a maioria dos alvarás emitidos para o bairro de Guarapes corresponde

aos 12 empreendimentos “Village da Prata”, ofertados pela Prefeitura Municipal no âmbito do

PMCMV (TRIBUNA DO NORTE, 2013). O bairro do Planalto apresenta um número expressivo de

alvarás de construção emitidos, semelhante à quantidade aprovada para Tirol, embora com

área construída inferior. Possivelmente alguns destes licenciamentos se refiram também a

empreendimentos destinados ao financiamento pelo PMCMV.

Informações específicas sobre o Programa MCMV reforçam essa relação. Através dele

foram contratadas pela Caixa Econômica Federal (CEF) 23.532 unidades habitacionais na Região

Metropolitana de Natal - RMN, no período entre novembro de 2009 a junho de 2014 (CAMPOS,

2015). Dentre estas, 3.792 unidades habitacionais estão localizadas em Natal, sendo 896

destinadas à demanda da faixa 01 (com renda familiar até R$ 1.600,00) e 2.896 produzidas pelo

mercado imobiliário para o público da faixa 02 (com renda familiar de até R$5.000,00). Do total

de 25 empreendimentos concebidos no âmbito do PMCMV em Natal, no período acima

referido, apenas quatro (04) são destinados à população de renda menor, enquadrada na faixa

01 do Programa, e estão todos localizados na ZA- Oeste da cidade. A espacialização dos outros

116

21 empreendimentos produzidos pelo mercado imobiliário e ofertados ao público da faixa 02,

com renda superior (até RS 5.000,00), é assim distribuída: quatorze (14) deles situam-se na

mesma porção oeste supracitada do município; três (03) empreendimentos foram construídos

na ZA-Norte da cidade; e quatro (04) empreendimentos na ZA-Sul. Nenhum empreendimento

foi construído pela iniciativa de empreendedores imobiliários no contexto no PMCMV na ZA-

Leste de Natal, historicamente a porção da cidade com maior infraestrutura e onde se localiza

a fração urbana que deu origem a cidade, onde se localiza o seu Centro Histórico90.

Na ZA-Norte, além do seu isolamento com relação ao resto da cidade, por ser a única

zona a situar-se a margem norte do rio Potengi91, o PDN atual é bastante rígido nessa região92,

devido à falta de infraestrutura de saneamento e à presença da área de preservação de mangue

– ZPA-8. O tímido crescimento apresentado na década de 2000 a 2010 estava relacionado a

empreendimentos de pequeno e médio porte dentro do PMCMV, distribuídos nos quatro

bairros mais importantes: Potengi, Pajuçara, Redinha e Nossa Senhora da Apresentação

(QUEIROZ, 2012(a)). De acordo com as licenças para construção, emitidas pela SEMURB entre

2011 e 2014, a ZA-Norte apresentou um número baixo de área construída licenciada, embora

uma considerável quantidade alvarás tenha sido emitida nos bairros de Nossa Senhora da

Apresentação e Pajuçara, nos anos de 2011 e 2012. Parte destes alvarás de construção também

podem corresponder a empreendimentos destinados ao PMCMV.

90 Estes dados se referem aos empreendimentos contratados pela CAIXA Econômica Federal, a partir de dados obtidos da Tese elaborada por Tamms Campos (2015). Os empreendimentos construídos no âmbito do PMCMV na Ribeira e os 12 no bairro de Guarapes, mencionados anteriormente, não estão contabilizados naquele estudo. Possivelmente, por serem ofertados pela Prefeitura do Natal, estes não tiveram a participação do referido banco. 91 Ligada desde 2007 por duas pontes, quando até então havia apenas uma opção. 92 No PDN de 1994 alguns bairros (Potengi e Igapó, posteriormente acrescentando Pajuçara e Redinha) dessa região constituía a Zona Adensável. Contudo o PDN de 2007 determinou que toda a ZA-Norte se constituísse como Zona de Adensamento Básico.

117

Mapa 13: Bairros das Zonas Administrativas Norte e Oeste de Natal.

Fonte: Elaborado pela autora sobre base cartográfica da SEMURB (2005).

Não obstante, já é possível perceber o interesse do mercado imobiliário pela área,

claramente atraídos pela paisagem do rio, da nova ponte (que se tornou um dos cartões postais

da cidade) e a vista de toda a cidade a partir da margem oposta. Apreende-se este fato por

meio da divulgação de alguns projetos de edifícios verticais que chegaram a ser construídos

parcialmente, mas foram embargados pela Prefeitura e terminantemente proibidos na revisão

do PDN em 2007. Trata-se do Condomínio Residencial Riverside, que previa a construção de

sete torres de 15 pavimentos, e o Condomínio Nova Petrópolis, com previsão de cinco torres

118

chegando até 21 pavimentos, ambos no bairro da Redinha, tiveram alvarás de construção

expedidos em 2007, utilizando parâmetros do Plano Diretor anterior que considerava a Área

Adensável. Estes empreendimentos foram objeto de Ação Civil e tiveram suas construções

embargadas, por estarem situados em ZPA 8 (Zona de Proteção Ambiental Ecossistema

Manguezal e Estuário Potengi/Jundiaí), instituída pelo PDN de 1994 e delimitada no PDN de

2007. Como o primeiro já havia iniciado a construção de uma torre, o empreendimento foi

lançado desta maneira (DUARTE, 2011, p. 478 e 479).

Neste sentido, destaca-se, mais uma vez, a importância e o ganho proporcionado pela

Legislação municipal na preservação do meio ambiente e do patrimônio cênico-paisagístico da

cidade. Contudo, com as obras de saneamento em curso, aliadas à aproximação do processo

de revisão da legislação urbanística municipal, é possível que ocorram pressões no sentido de

englobar essa porção na cidade como Zona Adensável.

3.2.4. A dinâmica do mercado imobiliário na produção de habitação e as preferências

locacionais

Em síntese, apesar da expansão da produção imobiliária para todas as Zonas

Administrativas da cidade, percebeu-se na década de 2000-2010 uma forte concentração de

investimentos privados para produção habitacional na região Sul, que representou 66% dos

empreendimentos registados pelas incorporadoras imobiliárias (QUEIROZ, 2012). As ZA Leste

e Oeste ficaram com 20% cada uma, e a ZA-Norte com porcentagem mínima, que não chega a

1%.

Os alvarás de construção emitidos pela SEMURB para o uso residencial entre os anos

2011 e 2014 confirmaram a supremacia dos bairros de Lagoa Nova, Ponta Negra e Tirol no

cenário de produção de habitação em relação à cidade, com destaque também para Capim

Macio, como é possível verificar no Gráfico 5. Assim, estes bairros compõem o principal alvo

de investimentos que participam do segundo setor da economia urbana, que visam obter lucros

através da intensificação do uso do solo e de sua mercantilização – associada, por vezes, à

exploração da valorização historicamente enraizada. Este cenário pode ser relacionado à

combinação de três fatores: a legislação urbana municipal, a localização e o tamanho dos

bairros. Observamos que, dentre eles, os bairros de Lagoa Nova e Tirol estão compreendidos

pela ZAd no PDN, permitindo índices construtivos superiores ao básico estabelecido para a

119

cidade, enquanto a produção em Ponta Negra apresentou crescimento e diminuição em

momentos relacionados à mudança dos parâmetros normativos de construção para a área.

O panorama apresentado ainda demostrou um equilíbrio nas intenções de construção

nos bairros de Petrópolis, Barro Vermelho e Areia Preta, que se destacam em relação à ZA-

Leste, mas em menor proporção ao cenário da cidade. Apesar de também constituírem a ZAd

na legislação urbanística atual, estes bairros possuem um território pequeno, o que pode

justificar o menor número de alvarás expedidos, em relação aos bairros hegemônicos e até aos

que passaram a se destacar na periferia do município.

Gráfico 5: Alvarás de construção expedidos para uso residencial entre 2011 e 2014 - Natal/RN

Fonte: Elaboração da autora a partir de dados da SEMURB/PMN.

A análise da dinâmica de produção de habitação apontou também rumos mais recentes

de expansão para as ZA-Oeste, especialmente representado pelos bairros de Planalto e

Guarapes, e ZA-Norte, mais concentrado no bairro de Pajuçara. Esta expansão esteve em certo

grau relacionada ao PMCMV, assim como, no caso da região norte, à construção de uma nova

via de ligação com a porção à direita do rio Potengi – Ponte Nilton Navarro. Dessa maneira, o

capital imobiliário encontrou sua forma de reprodução e aumento de lucro através da

capacidade de aquisição de terrenos mais baratos nas áreas periféricas do município.

120

De maneira geral, é possível verificar que esses bairros hegemônicos em relação à

produção de habitação estão localizados também ao longo das principais vias da cidade,

correspondendo ao eixo composto pelas Av. Hermes da Fonseca, Av. Salgado Filho e Av.

Engenheiro Roberto Freire, apontado no item anterior. A apropriação do espaço

historicamente produzido e socialmente hierarquizado da cidade evidencia-se ainda mais

quando consideramos que bairros como Alecrim, Quintas e Nordeste, por exemplo, também

possuem parâmetros construtivos mais permissivos segundo o PDN de 2007, mas ainda não

parecem atrativos ao mercado imobiliário, possivelmente por serem bairros com

características populares, abrigando uma população de menor poder aquisitivo.

3.3. USO INSTITUCIONAL

Conforme visto no capítulo 2, desde a década de 1970 verifica-se a migração do uso

institucional para a região sul da cidade. A Sede do Governo Estadual que ocupava um edifício

na Cidade Alta foi deslocada para o primeiro vetor de expansão da cidade. As construções de

um Centro Administrativo do Governo do Estado do RN e dos primeiros prédios da UFRN

precederam o surgimento de uma forte centralidade naquela região. Nos anos 1990, como

também apontado anteriormente, os primeiros grandes empreendimentos modernos de

comércio foram inaugurados nas proximidades dessas instituições – os primeiros shoppings

centers, supermercados de empresas internacionais.

Entretanto, mesmo com a criação do Centro Administrativo do Estado, alguns órgãos

permaneceram instalados em edifícios na área central. Dois deles estão localizados no bairro

da Ribeira: o PROCON e a Junta Comercial-JUCERN, ocupando edifícios de valor histórico e

arquitetônico na área protegida por legislações municipal e federal. A JUCERN construiu ainda,

recentemente, um novo edifício, vizinho ao precedente que passará a funcionar como arquivo

da instituição, o que indica a solidez da sua instalação naquela localidade. A Assembleia

Legislativa localiza-se na Cidade Alta, ocupando uma edificação moderna construída em 198393,

o Palácio José Augusto, dentro do perímetro de proteção rigorosa do tombamento do IPHAN,

na Praça 7 de setembro. Esta praça destaca-se pela presença de outras instituições públicas,

93 http://www.al.rn.gov.br/portal/p/historia, acesso em 10/12/2015.

121

sendo também endereço do Tribunal de Justiça do RN, da Pinacoteca do Estado94 e da

Prefeitura Municipal da cidade do Natal.

No que se refere às intuições do poder municipal, a Sede da Prefeitura atualmente está

instalada em edificação tombada pelo município, e dentro do perímetro de tombamento do

IPHAN, no bairro fundacional de Natal, a Cidade Alta. Esta edificação constitui inclusive umas

das ações do PAC-Cidades Históricas e está sendo objeto de desenvolvimento de projeto de

restauração atualmente. As Secretarias Municipais encontram-se dispersas pela cidade, porém

com uma perceptível concentração na área central e vizinhança: notadamente na Cidade Alta,

mas também na Ribeira95, Petrópolis, Tirol, e, com menor quantidade, em Areia Preta e Lagoa

Nova, Lagoa Seca, Dix-Sept Rosado ao Sul.

Figura 19: Edifício da Prefeitura do Natal no bairro da Cidade Alta.

Fonte: Acervo da autora, 2015.

Vale salientar que algumas dessas instalações são alugadas pela Prefeitura, o que

resultou como justificativa para o início de uma movimentação com a finalidade de construir

um Centro Administrativo Municipal. Dessa maneira, destacamos, como tendência atual de

localização do uso institucional na cidade, a intenção de construção de um Centro

Administrativo do Município e da Câmara Municipal na Zona Administrativa Norte da cidade.

94 Palácio Potengi, igualmente chamado de Palácio da Cultura, local da antiga sede do Governo do Estado do RN. 95 Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (STTU), Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SEMSUR)

122

Após averiguar um terreno na zona administrativa oeste, em 2013, o atual local escolhido

para a construção desses edifícios é uma gleba localizada no bairro da Redinha, na porção norte

da cidade, próximo à Ponte Newton Navarro. O terreno, com uma área de 234.893,87m², está

localizado em uma Zona Especial de Interesse Turístico (ZET-4), na faixa litorânea do município,

que necessita ainda de regulamentação para que a construção possa ser liberada. A verba para

construção seria viabilizada através de um empréstimo ao Banco Nacional de

Desenvolvimento- BNDES, e tem custo estimado de 27 milhões de reais.

Figura 20: Possível terreno para construção do Centro Administrativo do Município e Câmara Municipal de Natal no bairro da Redinha

Fonte: Tribuna do Norte.

A justificativa para este investimento é baseada nos gastos com aluguéis que chegam a

R$ 372 mil por mês. Com efeito, a locação de edifícios para funcionamento de órgãos públicos

é uma dificuldade enfrentada pelo poder municipal. A Secretaria de Educação, por exemplo,

quando quis sair do edifício Novohotel, em Areia Preta, teve dificuldades para encontrar outro

local para se instalar e permanece, junto com a Secretaria Municipal de Saúde, naquele edifício.

Por anos, a Secretaria de Educação esteve instalada no Edifício Ducal, na Cidade Alta, e foi

novamente este mesmo edifício, dentre os disponíveis, avaliado como o mais viável para

abrigar os servidores da educação em 2013, mas devido a um parecer do Corpo de Bombeiros,

a mudança/retorno para o edifício não aconteceu.

Por outro lado, o caso da mudança de sede da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e

Urbanismo-SEMURB mostra que o pagamento de aluguel ocorre, por vezes, em detrimento da

123

ocupação de imóveis de propriedade da Prefeitura. A saída da instituição de um edifício

próprio, localizado na Ribeira, para ocupar outras instalações mediante pagamento de aluguel

ocorreu em 2010. Depois que deixou o edifício próprio, a instituição já passou por três

endereços no bairro de Lagoa Nova. A mudança de sede foi inclusive objeto de ação do

Ministério Público, que solicitou justificativas para o gasto de R$ 63mil reais mensais com

aluguel em detrimento da edificação de propriedade pública. Notícias sobre a antiga sede da

Secretaria revelam que o abandono da edificação levou à precariedade do imóvel e repercutiu,

inclusive, negativamente em seu entorno imediato. (TRIBUNA DO NORTE, 2012)

Diante do quadro de instabilidade política econômica nacional atualmente, aliada à falta

de regulamentação da ZET-4, a possível construção do complexo está paralisada atualmente.

Devido à baixa arrecadação do município, a Prefeitura adiou o empréstimo dos recursos ao

BNDES. Por outro lado, a permanência neste terreno dependerá das diretrizes de construção

que serão estabelecidas para área a zona especial em que se situa, já que o projeto prevê a

construção de dois edifícios de 5 pavimentos, totalizando 11.500m² de área construída. (NOVO

JORNAL, 2015).

A criação de grandes estruturas administrativas em áreas afastadas e novas das cidades

foi uma ação recorrente na década de 1970, que ocorreu tanto em Natal, no caso da construção

do Centro Administrativo do Estado, como em outras cidades brasileiras. Entretanto, os

resultados desse movimento já são conhecidos. Em Salvador, por exemplo, a saída das

instituições públicas para o novo Centro Administrativo já é reconhecida como um dos

principais fatores que contribuíram para o esvaziamento do seu centro antigo.

Caso o Centro Administrativo do Município seja realmente construído na região norte, a

ação trará consequências para a antiga área central de Natal. A primeira será a diminuição do

uso institucional e consequente esvaziamento de alguns prédios, a exemplo da própria

edificação que abriga a sede atual da Prefeitura. Em segundo, a área central se tornará local de

passagem para as pessoas que se destinarão ao novo Centro Administrativo através da Ponte

Newton Navarro, especialmente a Ribeira, que é um dos dois caminhos para se acessar a ponte,

já que o outro trajeto seria via Petrópolis e Praia do Meio.

Isso quer dizer também que tal instalação em outra região repercutirá na diminuição da

mistura de usos na área central, defendida atualmente como a melhor composição para

estimular a vivência e a dinâmica das cidades. Com destaque para a eliminação da função de

124

sede do poder político, enfraquecendo a dinâmica de centralidade que ainda resta em alguns

desses setores de valor patrimonial, como é o caso do centro histórico de Natal. Um uma vez

que, na capital potiguar, o uso institucional contribui, ainda hoje e apesar da fuga do poder

estadual para a região sul da capital, para manter os atributos de centralidade nessa área, parte

significativa de sua dinâmica, assim como aspectos simbólicos importantes para a população,

percebe-se o impacto negativo que a mudança do centro administrativo poderá causar. Esse

tipo de ação, que afasta usos importantes dos setores urbanos históricos, abre caminho para a

perda de qualidade urbana e intervenções que privilegiam a exploração do patrimônio via

turismo e entretenimento como estratégia de revitalização urbana. O que, como já se sabe,

não colabora para a sustentabilidade e dinamização efetiva da região, além de afastar esses

setores do uso cotidiano da população.

A ciência desses impactos agrava a insistência em se utilizar essa mesma estratégia na

atualidade, como se verifica no nível das intenções Natal e efetivamente na cidade de Belo

Horizonte. Embora a iniciativa seja oficialmente lançada pela Prefeitura de Natal, certamente

há, no pano de fundo, interesse de agentes econômicos na expectativa de valorização de novas

áreas que permitam a exploração e reprodução do capital através da urbanização. Pois,

conforme explicita Harvey (2011, p.122), “a produção do ‘urbano’(...) tornou-se ao longo do

tempo mais estreitamente ligada à acumulação do capital, até o ponto em que é difícil distinguir

uma da outra”, já que a urbanização se constitui como um dos principais meios de absorver o

excesso de capital.

3.4. CONSIDERAÇÕES SOBRE A DINÂMICA URBANA DE NATAL

As informações expostas nos capítulos 2 e 3 nos permitem fazer algumas constatações.

A análise da legislação urbanística de Natal revelou que a parcela do espaço urbano

historicamente mais desenvolvida foi a que permaneceu no quadro de maiores possibilidades

construtivas durante as revisões do PDN. Essa fração do território corresponde à área que se

expandiu ao sul da capital na década de 1970, quando o Estado atuou de maneira decisiva,

facilitando a migração das atividades para essa região.

Assim, contatamos que, à medida que a cidade cresceu, novas centralidades surgiram e

também realizaram esse movimento de expansão para áreas mais distantes. Percebemos que

o uso institucional por vezes funcionou como atrativo para a formação de um espaço mais

125

visado. A UFRN e o Centro Administrativo do Estado precederam a instalação de grandes

equipamentos modernos em seu entorno. A expansão ocorreu igualmente na direção oeste da

cidade, quando as instituições públicas do poder judiciário (Tribunal Regional do Trabalho,

Justiça Federal e o Ministério Público do RN) chamaram a atenção do mercado imobiliário para

o entorno), conforme apontou Queiroz (2012).

De maneira geral, observamos uma concentração de atividades nessa região

historicamente elitizada da cidade, que corresponde ao espaço valorizado pelo mercado,

compreendendo uma região provida de infraestrutura pelo Estado, bem como pela instalação

de grandes estabelecimentos privados. Parte desse espaço ainda é rico em atrativos cênicos-

paisagístico, o que somado aos incentivos ao turismo e melhoramentos de acessibilidade das

vias na direção sul da cidade, induziu a criação de uma centralidade temática no bairro de Ponta

Negra.

A partir da análise empreendida, constatamos a tendência de concentração de novos

equipamentos modernos de comércio nos bairros que margeiam as principais avenidas da

cidade, em termos de importância e concentração de infraestrutura, facilitando o fluxo de

pessoas e mercadorias. Dentre os oito bairros que abrigam a maior parte das empresas ativas

atualmente (ver Figura 10), todos localizados nas ZA-Leste e ZA-Sul, apenas Cidade Alta e

Alecrim não são cortados pelos principais eixos de fluidez na cidade. Nos outros seis bairros

que possuem grande número de empresas em atividade, e que se localizam no eixo de

expansão sul da cidade, a população residente apresenta os maiores rendimentos mensais da

cidade (ver Mapa 8), isto é, representam uma demanda solvente de consumidores com alto

poder de compra. Parte dessa região corresponde também à que se destaca pela produção de

habitação, especialmente da tipologia vertical como representante dos novos costumes de

morar.

Os alvarás de construção para o uso habitacional, expedidos pela SEMURB entre 2011 e

2014, confirmam que a intenção de construção se concentra nos bairros de Lagoa Nova, Tirol

e Ponta Negra, estando eles nos primeiros lugares em relação à grande área construída

projetada, ou ao número de alvarás expedidos (rever Gráfico 5). Estes bairros compreendem,

ou compreenderam temporariamente, no caso de Ponta Negra, a Zona Adensável pelo

ordenamento urbano municipal, além de serem bairros valorizados e possuírem um grande

território. A mudança do PDN em 2007 repercutiu mais perceptivelmente no porte das

126

construções no bairro de Ponta Negra, já que este voltou a ser integrante da Zona de

Adensamento Básico, contudo, o número elevado de alvarás emitidos sugere que o interesse

dos investidores nesse bairro litorâneo ainda se mantém.

O bairro da Lagoa Nova, que se evidenciou como grande concentrador de empresas

ativas e com forte produção de habitação, apresenta características semelhantes ao seu vizinho

Tirol: no que diz respeito à proximidade física e por concentrar grande número de sistemas de

engenharia, além de serem cortados pelas mesmas vias principais da cidade. Compartilham,

portanto, da mesma fluidez e acessibilidade territorial, com as vantagens de disponibilizarem

áreas maiores para construção, o que permitem a provisão de estacionamento nos

empreendimentos – já que este é apontado como um problema presente nos bairros mais

tradicionais.

Não obstante, o capital encontra seus meios de expansão para outras áreas da cidade,

cada vez mais próximas da fronteira do município, e até para as cidades vizinhas. Mesmo

através da produção desencadeada pelo âmbito do PMCMV percebemos que a hierarquização

do espaço também é reforçada. Em clara consonância com a teoria de Harvey – quando

discorre sobre a importância de atuação do Estado nos ajustes em momentos de crises e da

urbanização como estratégia de absorver mão de obra e gerar capital, via sistema de crédito

em produção de bens/projetos de longa duração – este programa consistiu uma alternativa

para dinamizar o setor da construção civil no contexto de uma crise internacional de 2007-

2008, mesmo quando expõe o objetivo de diminuir o déficit habitacional.

Sobre este aspecto, Campos (2015) verificou que o número de moradias produzidas pelo

referido Programa em Natal representa apenas 16,11% do total construído em toda a da Região

Metropolitana que a circunda, sendo possível perceber ainda que em sua maioria a oferta na

capital foi direcionada para faixa de maior renda, segundo classificação da política, e executada

pelo mercado privado de habitação por meio do PMCMV-FGTS. Enquanto o público da faixa de

renda 01 foi empurrado para as franjas da cidade e até para além dos limites da capital. Desta

maneira, esta autora observou que a atuação do PMCMV entre 2009 e 2014 na RMN, ao

atender aos propósitos do capital, deu continuidade ao processo de espraiamento espacial e

diferenciação social iniciado deste as primeiras transformações com vistas à expansão da

cidade e também da atuação de políticas habitacionais em momentos anteriores (1930 a 1980).

127

Nesse contexto, verificamos que no limite sudoeste do município está um dos principais

eixos de expansão atual da capital, especialmente nos bairros de Planalto e Guarapes, cujo

adensamento recente foi promovido através do PMCMV. Percebe-se ainda o início de uma

produção na ZA-Norte, com participação também do programa governamental para moradia

no bairro de Pajuçara, ainda pouco expressiva em relação à cidade, mas que aponta para uma

possível valorização, devido, também, aos investimentos públicos em curso na região. Esta

tendência é reforçada quando observamos que os bairros da região norte apresentam o maior

crescimento em número de abertura de empresas, nos últimos anos.

A partir do cenário apresentado, é possível apreender as estratégias de espacialização da

produção capitalista na cidade. Em busca do máximo lucro – reprodução e acumulação do

capital –, os incorporadores imobiliários, por vezes, utilizam a estratégia de cruzar baixo valor

do terreno com máximo aproveitamento permitido pela legislação, encontrando espaço nas

áreas extremas da cidade, como é o caso do bairro do Planalto. Em outros casos, direcionam

empreendimentos mais caros para aquelas localidades cujas vantagens assim possibilitam, por

serem privilegiadas com infraestrutura, acessibilidade e, às vezes, pela paisagem natural (como

por exemplo ocorre em Ponta Negra; nos casos de Petrópolis, e mais recentemente a Ribeira,

além de parte dos bairros de Tirol e Capim Macio com vista para o Parque das Dunas).

O avanço do mercado imobiliário de habitação para uma fração da Ribeira, na década de

2000-2010 especialmente após 2007, foi motivado por aspectos econômicos e em decorrência

da mudança da legislação urbanística local, que equiparou as possibilidades construtivas da

Ribeira ao bairro de Petrópolis, conforme explicado no item 3.2. Verifica-se, nos últimos anos,

que um transbordamento do mercado imobiliário para a porção mais antiga da cidade tem

diminuído na Ribeira e começado a aparecer na Cidade Alta. De todo modo, esse movimento

de aproximação não chegou a influir, até agora, na dinâmica da área com concentração de

valores patrimoniais, já que no setor histórico ainda permanece o estado de degradação e

abandono das edificações, especialmente no bairro ribeirinho.

Na área central, os bairros de Alecrim e Cidade Alta permanecem em destaque na

dinâmica urbana atual especialmente pelo seu caráter popular, característico do comércio de

rua. Nesses dois bairros e, em menor grau, na Ribeira, verificamos a presença de

estabelecimentos de ambos os circuitos da economia urbana, com destaque para a presença

do Ponto no bairro ribeirinho. Na Cidade Alta, a evidência frente à dinâmica da cidade é

128

reforçada pela presença de instituições públicas, bem como pelo aspecto simbólico de ser o

bairro de fundação e ter ocupado o lugar de centralidade única e dominante, junto com a

Ribeira, na cidade até a primeira metade do século XX.

Constatamos que uma parte das instituições da administração pública se encontra ainda

localizada na antiga área central da cidade, com estabelecimentos pontualmente espalhados

pela cidade. Apesar disso, a construção de um Centro Administrativo do Município na ZA-norte

pode ter influência negativa sobre a dinâmica desse setor antigo, ao diminuir um dos usos que

lhe dão mais atributo, historicamente e no cenário atual.

De acordo com o estudo de Thiago Queiroz (2011, p. 17), o bairro da Cidade Alta

permanece sendo visto como o “centro da cidade”, sem, necessariamente, agregar o seu valor

histórico96. Convergindo para o que Villaça (1998) defende sobre os centros tradicionais,

quando afirma que mesmo quando não se constituem mais como centros urbanos na

configuração e dinâmica urbana atual, permaneceram com o status pelo seu papel simbólico

de área central.

Retomando a questão da centralidade na dinâmica urbana, destacamos três pontos ao

longo do eixo identificado como de maior fluidez do território – formado pelas Av. Senador

Salgado Filho e Av. Eng. Roberto Freire – sendo estes (Mapa 14):

- uma forte centralidade entre os bairros de Tirol e Lagoa Nova, que são vizinhos e

agrupam a maioria dos investimentos privados para os usos habitacional e comercial. Assim

como canalizam grande fluxo de pessoas por abrigar o Midway Mall, localizado na espinha

dorsal que liga o referido eixo à Av. Bernardo Vieira na direção da região norte da cidade;

- um segundo ponto de centralidade na Av. Salgado Filho, nas imediações do Natal

Shopping e UFRN, contando ainda com o Shopping Via Direta, Carrefour e próximo ao Centro

96 Em pesquisa realizada com usuários (85) e trabalhadores (50) de empreendimentos localizados na Av. Roberto Freire, foi questionada a opinião deles sobre qual era o centro de Natal. Os resultados indicam que, para a maioria, a Cidade Alta ainda é o centro da cidade (45% das respostas). Quanto à escolha de consumir na nova centralidade ao invés da ‘principal’, as respostas mais frequentes foram: a distância da residência, a aglomeração excessiva de pessoas no centro, a falta de estacionamento, e congestionamentos; optando-se, em contrapartida, pelas comodidades de proximidade da residência, pela qualidade de produtos, pelo fácil acesso e espaços para estacionamento. Ou seja, a perfil de consumidor da nova centralidade, corresponde a um perfil social de renda mais alta e de morador do entorno imediato d anova centralidade (QUEIROZ, 2011, p.17).

129

Administrativo do Estado. Está localizada no bairro de Lagoa Nova, mas bem próximo ao bairro

de Candelária e Capim Macio;

- uma terceira localidade central no bairro de Ponta Negra, que também é alvo de grandes

investimentos privados, com a presença de atividades comerciais bastante relacionadas ao

turismo e lazer. Cujo acesso passa pelo bairro de Capim Macio, que também sofre reverberação

de ambas as centralidades que o circunda, esta e a anterior;

Além destes, pontuamos as centralidades dos bairros de Alecrim e Cidade Alta, uma vez

que ainda se evidenciam na dinâmica da cidade, pelo seu comércio de rua tradicional. No último

ainda considerando outros aspectos comentados acima. Percebemos que o centro antigo de

Natal ainda possui atributos de centralidade, mais especificamente relacionados aos usos

comerciais e institucionais, além do status simbólico de “centro da cidade” para uma parcela

da população. Em relação ao comércio, entretanto, este sofre com a concorrência de outras

centralidades mais fortes neste aspecto, especialmente induzidas por equipamentos modernos

como shoppings e hipermercado, que oferecem mais conforto ao consumidor/visitante.

Por fim, a área em destaque na ZA-Norte é representativa da centralidade em escala local

e potencialmente crescente para os próximos anos, tendo em vista o quadro de fatores que

poderão influir sobre esta porção do território. Além da relocação do Aeroporto do estado,

destacamos a proposta de construção de Centro Administrativo do Município na Redinha,

próximo à nova ponte Newton Navarro, bem como o investimento atual no saneamento dessa

região da cidade (previsto para ser finalizado em 2017), que poderá resultar em pressões para

a mudança da legislação incidente sobre a área.

Em suma, parece-nos que o centro histórico de Natal, embora não ocupe o lugar de

centralidade única no corpo da cidade atual, ou de centro principal, ainda consegue encontrar

seu espaço na dinâmica da cidade, que possui hoje um esquema policêntrico. Apesar disto, no

contexto em que se busca a multiplicação do lucro e, para isto, da área do solo, o centro

histórico, por limitações de construção, não se constitui como um dos principais alvos de

interesse do mercado. Problemas de falta de estacionamento, na dificuldade de adaptação

para a acessibilidade, juntamente com o alto custo de recuperação em prédio histórico e da

falta de flexibilidade dos financiamentos disponíveis, foram apontados pelo presidente do

130

Sindicato da Indústria da Construção Civil- Sinduscon-RN como inviabilizadores para se investir

nas edificações mais antigas97.

Mapa 14: Principais centralidades – Natal/RN

Fonte: Elabora pela autora sobre base cartográfica da SEMURB (2005).

97 Depoimento do Presidente do Sindicado da Industria da Construção Civil do RN, exposto no Seminário Ribeira em Foco, realizado em julho de 2015 em Natal-RN.

131

PARTE II - AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A ÁREA CENTRAL DE NATAL-RN

132

4. POLÍTICA PATRIMONIAL EM NATAL

4.1. AS PRIMEIRAS INICIATIVAS – INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO DE PATRIMONIALIZAÇÃO

Semelhante às trajetórias internacional e nacional, as ações iniciais de salvaguarda do

patrimônio no Rio Grande do Norte se fundaram na proteção de imóveis isolados. A primeira

operação ocorreu em 1948, e se tratava do tombamento federal por parte do IPHAN do Forte

dos Reis Magos, com inscrição no Livro de Tombo Histórico. Símbolo da ocupação da área, sua

primeira construção foi realizada ainda do século XVI (1598), mas a edificação atual data de

1628. Os seguintes tombamentos ocorreram duas décadas depois, quando foi implantada uma

unidade do IPHAN98 em Natal. A proteção incidiu sobre outras duas edificações que se localizam

no bairro de fundação da cidade, sendo eles o antigo Palácio do Governo e uma residência do

período colonial, representando um dos poucos exemplares que sobreviveu desta época e que

hoje abriga o Museu Café Filho99.

Figura 21: Forte dos Reis Magos, Natal-RN.

Fonte: http://natal.rn.gov.br

Figura 22: Museu Café Filho, Natal-RN.

Fonte: http://tribunadonorte.com.br

Na década de 1970, Natal foi uma das cidades contempladas pelo Programa Integrado de

Reconstrução das Cidades Históricas – PCH. Este projeto surgiu no contexto em que se coloca

em pauta o valor econômico do patrimônio cultural – após a publicação das Normas de Quito

– e foi criado inicialmente para os estados do Nordeste, com a intenção de aliar

98 O Escritório Técnico do IPHAN em Natal esteve subordinado às Superintendências de Pernambuco, Paraíba e do Ceará, em diferentes períodos, até que o ano de 2011, quando finalmente foi instituída uma Superintendência do IPHAN-RN. (OLIVEIRA, 2016, p. 83). 99 Ambos localizados no perímetro de tombamento federal do Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico do Município de Natal, aprovado desde 2010 pelo Conselho Consultivo (Notificação do tombamento provisório publicada no D.O.U. em 23/07/2012, seção 3, p. 13), e homologado através da Portaria Nº 72, de 16 de julho de 2014 (publicada no D.O.U. em 18/07/2014, seção 1, p.11).

133

desenvolvimento ao turismo e à preservação do patrimônio (SANT’ANNA, 1995, p.152-161). Na

capital potiguar os projetos executados com financiamento do programa foram os restauros e

adaptações do Forte dos Reis Magos e da antiga Casa de Detenção de Natal, transformada em

Centro de Turismo, além de mais oito obras em outras cidades do interior do estado (CORRÊA,

2012).

Neste período houve uma propagação de órgãos estaduais de preservação no Brasil em

função da referida política. Logo, por esta ocasião, foi criada a lei estadual de tombamento e

delegada à Fundação José Augusto-FJA a competência de salvaguardar o patrimônio no estado

do RN. Esta instituição havia sido criada em 1963, no contexto de um Programa de

Desenvolvimento Cultural, como parte da política de implementação de infraestrutura social

instituída durante a administração de Aluízio Alves no Governo do estado (DANTAS, 2003).

Inicialmente tinha a função de formação educacional e de constituição de estudos e

documentação, mas através da Lei Nº 4.775, de 3 de outubro de 1978, que “dispõe sobre a

proteção do patrimônio histórico e artístico do Estado”, se delegou à FJA o papel de instância

executora da proteção, vinculada à Secretaria de Educação e Cultural do Estado. O Decreto nº

8.111, de 12 de março de 1981, que regulamentou a lei supracitada, estabeleceu as

especificidades do tombamento em nível estadual e instituiu os instrumentos de preservação

no Rio Grande do Norte. Este órgão acabou se tornando o responsável pela política cultural do

estado, sendo a preservação do patrimônio apenas uma de suas atribuições.

Além de agir como unidade local executora do PCH, em parceria com o IPHAN, a atuação

do referido órgão no campo do patrimônio esteve majoritariamente voltada para o

tombamento de bens culturais isolados no estado. Estão sob a proteção do governo estadual

um total de 129 bens tombamentos em todo o território do Rio Grande do Norte, incluindo

outros municípios. Dentre estes, 36 estão concentrados na área composta pelos bairros de

Cidade Alta e Ribeira (ver quadro abaixo), mais 8 nos bairros do entorno100

100 Caixa D’água das Rocas; Antiga base de Hidroaviões-Rampa, em Santos Reis; Antiga Casa de Detenção-Centro de Turismo, na Praia do Meio; Biblioteca Pública Câmara Cascudo, Casarão da Av. Deodoro n° 479, Maternidade Escola Januário Cicco, Academia Norteriograndense de Letras, em Petrópolis. Ainda são tombados em Natal a Antiga Ponte de Igapó, a Cidade da Criança e o Farol de Mãe Luiza.

134

Quadro 1: Bens tomados pelo Governo do estado do RN nos bairros fundacionais.

Cidade Alta: Ribeira:

Antigo Liceu Industrial, Casa do Estudante de Natal, Casa do Padre João Maria, Casa da Av. Fundação Jose Augusto, Casarão da Junqueira Aires, Igreja de N.S. do Rosário dos Pretos, Igreja de Santo Antônio, Igreja Matriz N.S. da Apresentação, Instituto Histórico e Geográfico do RN, Antigo QG-Memorial Câmara Cascudo, Ordem dos Advogados do Brasil, Prédio Antigo do Hospital Varela Santiago, Residência de Luís Câmara Cascudo, Solar Bela Vista, Travessa Pax Natal, Casa da Estudante Natal, Casarão n° 22 – Magestic, Coluna Capitolina, Casa na Rua da Conceição n° 613, Casa na Rua da Conceição n° 617, Casa na Rua da Conceição n° 621, Casa na Rua da Conceição n° 623, Casa da Av. Deodoro ° 518.

Antiga Capitania dos Portos Natal, Antiga Residência de Jovino Barreto-Colégio Salesiano, Antigo Palácio do Governo da Rua Chile, Antigo Prédio da Escola Domésti.ca de Natal-Centro Clinico da Ribeira, Associação Comercial de Natal, Estação Central de Natal, Grande Hotel, Grupo Escolar Augusto Severo, Junta Comercial do Estado, Teatro Alberto Maranhão, Casa de Luis Barros, Casa onde Nasceu Café Filho, Cine Nordeste, Câmara Cascudo n° 398.

Fonte: Fundação José Augusto.

Ações lideradas pelo poder municipal se iniciaram na transição entre as décadas de 1980

e 1990 e estavam relacionadas inicialmente ao zoneamento do Plano Diretor de Natal, bem

como à criação dos primeiros projetos de revitalização do bairro da Ribeira. A atribuição de

valores patrimoniais através de tombamento municipal só foi instituída pela Lei nº 5.1919, de

16 de maio de 2000, que “dispõe sobre a preservação e o tombamento do patrimônio histórico

cultural e natural do Município do Natal”. Através deste documento, foram estabelecidas como

instâncias responsáveis pela preservação um setor específico da Secretaria Municipal de Meio

Ambiente e Urbanismo101-SEMURB e a Fundação Cultural Capitania das Artes-FUNCART. Os

primeiros tombamentos aprovados pelo Conselho Municipal de Cultura só ocorreram, no

entanto, em 2010 e incidiram sobre as edificações do Palácio Felipe Camarão102, sede atual da

101 Extinto Setor de Patrimônio Histórico, Arquitetônico e Paisagístico – SPHAP-SEMURB. Segundo Maria Florésia Pessoa, Secretária Adjunta de Planejamento urbano e Ambiental, a supressão deste setor foi sugerida em 2013, na última reforma administrativa prevendo diminuição de gastos institucionais. (Entrevista realizada em 11/02/2015). 102 Imóvel construída em 1922, de feição eclética, edificado no mesmo sítio onde havia a antiga Presidência da Intendência Municipal.

135

Prefeitura de Natal no bairro da Cidade Alta, e do edifício do Colégio Estadual Atheneu

Norteriograndense103, em Petrópolis. No ano seguinte, em 2011, foi tombado pelo Município

o Cemitério do Alecrim.

Dessa forma, em Natal, as primeiras ações relacionadas ao reconhecimento de valores

patrimoniais em um conjunto urbano, ficaram a cargo do poder municipal. Conforme dito

anteriormente, se deram de maneira integrada aos instrumentos de planejamento urbano. O

germe da preocupação com o patrimônio urbano da cidade apareceu no Plano Diretor de Natal

de 1984, quando se estabeleceu entre seus objetivos e diretrizes gerais a preservação de

“prédios e sítios notáveis pelos valores históricos, culturais, paisagísticos e ecológicos”

(CAMARA MUNICIPAL, 1984, Art 3º, p. 02 – Lei 3175 de 05/12/1983 aprovada em 29/02/1984),

criando-se para isto “Áreas de Preservação Permanente, que diziam respeito a locais que “por

suas caraterísticas físicas, ecológicas, culturais, históricas ou paisagísticas, exijam cuidados

especiais de manutenção ou restauração de seu estado, a fim de proteger, preservar ou

recuperar o meio ambiente e os patrimônios natural e cultural do Município” (idem, p.04). Deste

a aprovação deste instrumento normativo ficou proibido o parcelamento do solo ou a

urbanização de imóveis que pudessem comprometer ou atingir áreas de “preservação

histórica, artística, paisagística” (idem, Art. 124, p.26). A instituição e regulamentação de uma

Zona Especial de Preservação Histórica – ZEPH, para atender ao objetivo do PDN-1984, ocorreu

anos à frente, em 1990.

Assim, a Lei 3.942, de 09 de julho de 1990, que trata da ZEPH, delimitou uma área

constituída por frações dos bairros da Cidade Alta e Ribeira, além de um pequeno trecho das

Rocas, tendo como objetivo a “preservação de prédios e sítios notáveis pelos valores históricos,

arquitetônicos, culturais e paisagísticos” (NATAL, 1990, Art 1º, p.01). A área protegida foi

dividida em subzonas com predominância de usos, seguindo os preceitos racionalista e

funcionalista do Plano Diretor em vigência na época (PDN-1984). Dessa maneira, instituiu-se

as seguintes áreas: Subzona de predominância residencial (SZ-1), Subzona de predominância

institucional (SZ-2) e duas Subzonas de comércio e serviços (SZ-3 e SZ-4), para as quais foram

definidos os usos permitidos e tolerados, com prescrições construtivas distintas para cada um

deles. (Mapa 15).

103 Primeira instituição pública de ensino do Brasil, criada em 1834, cuja sede atual, que corresponde ao prédio tombado, foi construída em 1954.

136

As prescrições urbanísticas para cada subzona tratavam da delimitação de gabarito,

coeficientes de aproveitamento, recuos, dentre outros. O limite de gabarito estabelecido foi de

7,50m (2 pavimentos) em três das subzonas, podendo chegar a 12,50m (até 4 pavimentos) na

SZ-3, que compreende a porção leste da Ribeira, locada a partir da segunda rua paralela ao rio

Potengi e adentrando o continente, destinada, prioritariamente, ao uso de serviços. O recuo

frontal ficou dispensado na maior porção da área protegida, sendo estabelecido o afastamento

de 5,00m apenas para alguns usos104 na SZ-2, que, de maneira geral, mas não homogênea,

corresponde à ocupação menos densa do conjunto. O principal mecanismo de proteção

instituído nesta lei foi baseado na proibição de demolições e modificações no parcelamento do

solo sem a prévia autorização do Órgão de Preservação Histórica do Município.

Esta iniciativa se constitui, portanto, como legislação restritiva, que foi importante para

a preservação mínima das características urbanísticas de parcelamento e volumetria do

conjunto urbano e, principalmente, para evitar um processo possível de substituição do seu

acervo edilício ou renovação urbana em geral – especialmente quando o PND de 1984 previa

os maiores índices construtivos para a região central da cidade. Entretanto, ainda que a Lei

continue em vigência até os dias atuais, com a carência de fiscalização, ela não foi suficiente

para evitar um processo de descaracterização das edificações através de reformas, muitas

vezes realizadas de maneira irregular. Menos ainda, de estimular, sozinha, a ocupação da área.

Um faixa lindeira ao curso do Rio Potengi no bairro da Ribeira foi definida como Zona

Especial Portuária-ZEP dois anos depois (Lei Nº 4069 de 21 de maio de 1992). Esta área

compreende toda a extensão da Rua Chile, adentrando mais um quarteirão na porção sul do

bairro. Para esta subzona 2 foram permitidos usos comerciais, de serviços, instrucionais e

industriais, nessa porção deu-se continuidade às prescrições urbanísticas estabelecidas na

ZEPH proibido o recuo frontal e estabelecido o gabarito também em 2 pavimentos. A subzona

1, deste a entrada do porto no Largo da Rua Chile e se estendendo ao norte e a leste até a Av.

Duque de Caxias na porção próxima às Rocas, foi reservada às atividades industriais e de

serviços exclusivamente, sendo obrigatório o recuo frontal de 5m. Não foi estabelecido limite

de gabarito para esta subzona e o coeficiente construtivo foi fixado em 1,6.

104 Para os usos tolerados de: S-1 prestação de serviço de âmbito local, CV-1 usos comerciais varejistas de âmbito local, e RU residencial unifamiliar; onde a Lei estimula o uso predominantemente Institucional de âmbito local e setorial INS-1 e INS-2. (PREFEITURA MUNICIPAL DO NATAL, 1990a).

137

Figura 23: Edificação descaracterizada, situada na R. Dr. Barata, Ribeira, Natal-RN.

Fonte: Google maps

Figura 24: Edificação descaracterizada, situada na Av. Tavares de Lira, Ribeira, Natal-RN.

Fonte: Google maps

Mapa 15: Delimitação da Zona Especial de preservação Histórica – ZEPH e Zona Especial Portuária – ZEP

Fonte: Elaborado pela autora com sobre base cartográfica da SEMURB (2005).

138

É importante destacar uma proposta que, embora não tenha se concretizado como uma

ação ou mesmo enquanto um projeto oficial, surgiu nesse período e influenciou outras

propostas com o objetivo de revitalizar a área berço da capital potiguar. A ideia de implantação

de um Corredor Cultural em Natal apareceu de modo incipiente ainda na década de 1980,

divulgada em notícias de jornais locais e promovido pela FJA, em parceria com a Prefeitura e a

Fundação Roberto Marinho, em um contexto em que era implantado o Corredor Cultural do

Rio de Janeiro. Em 1991, a proposta ganhou mais destaque ao ter sido apresentada, através da

publicação de um artigo no Congresso Brasileiro sobre Patrimônio Histórico e Cidadania, que

ocorreu em São Paulo (OLIVEIRA, Fernanda, 2016). A intenção era a estruturação de um eixo

que concentrava edificações de destaque, e com caraterísticas de monumentalidade, entre o

marco zero da cidade, a Praça André de Albuquerque, descendo pela atual Av. Câmara Cascudo

até o largo da Ribeira, onde localiza-se a Praça Augusto Severo105.

Conforme visto anteriormente, a Ribeira compreende a área que apresentou os

primeiros sinais de declínio da área central, com redução de população e atividades diversas,

logo, foi neste bairro que se iniciam ações visando à recuperação da dinâmica urbana, aliada à

ideia de preservação patrimonial. Depois da desativação do Terminal Rodoviário na Praça

Augusto Severo, os primeiros anos da década de 1990 foram marcados por uma grande

mobilização no sentido de reanimar a área. Ainda no plano das reflexões iniciais, foi realizado

pela Prefeitura, em 1993, o Seminário Ribeira Velha de Guerra, que discutiu a problemática de

preservação do bairro. Em decorrência desta discussão, a partir de 1994, começaram a ser

pensadas propostas de intervenções, que resultaram no Projeto Viva Ribeira. Este compreendia

uma proposta de revitalização do bairro por meio da previsão de projetos de iluminação,

calçamento e recuperação de fachadas na Rua Chile.

Este período foi marcado por intervenções em conjuntos urbanos no cenário nacional,

como o caso do Pelourinho, em Salvador, e a Rua do Bom Jesus, em Recife, que tinham parceria

com as Tintas Coral. Em Natal, criou-se um Escritório Técnico da Ribeira, que funcionada na

sede do Instituto de Planejamento Urbano de Natal-IPLANAT106 e desenvolveu a proposta feita

105 Dentre as principais edificações localizadas nesse trecho estão: primeira Catedral de Natal, a Igreja do Rosário dos Pretos, O Instituto Histórico e Geográfico do RN, o Palácio Potengi (antiga sede do governo), o Palácio Felipe Camarão (sede da Prefeitura), a atual sede da OAB (prédio que abrigou o Congresso Legislativo do RN), a Capitania das Artes (antiga capitania dos Portos), os Solares Bela Vista, a casa do intelectual Câmara Cascudo, a antiga sede do jornal a República e o TAM. 106 Atual Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – SEMURB.

139

pelo então Secretário de Turismo do Município, Carlos Alberto Medeiros, inicialmente para a

pintura de 12 fachadas no Largo da Rua Chile, também com apoio das Tintas Coral.

Figura 25: Largo da Rua Chile com fachadas restauradas.

Fonte: NATAL, 2007.

Com a forte articulação estabelecida entre o presidente do IPLANAT, o Prefeito da cidade

e o Secretário Municipal de Turismo, aumentaram-se os recursos financeiros e o projeto foi

ampliado. A dotação orçamentária proveniente do Ministério do Turismo, que era de 300 mil

reais, passou a dispor de 500 mil reais e contemplou a recuperação de 45 fachadas, em

edificações localizadas entre as Ruas Tavares de Lira e a Esplanada Silva e Jardim, ou seja, a

primeira grande metade da extensão da Rua Chile. A ação passou a ser chamada de “Fachadas

da Rua Chile” e foi executada entre os anos de 1996 e 1997.

A intervenção tinha o intuito de funcionar como um projeto piloto, que despertasse o

interesse público para a área e contribuísse para alavancar uma ação mais abrangente no

bairro, demonstrando a importância da preservação do acervo histórico a partir da adaptação

para novos usos. Mobilizou, no período, uma equipe interdisciplinar com arquitetos e

arqueólogos, e instituições públicas, tais como a Prefeitura Municipal, com destaque para o

IPLANAT, a Secretaria Municipal de Turismo-SECTUR, como já mencionado, e a Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, que disponibilizou alguns professores para o desenvolvimento

de pesquisas arqueológicas durante a execução do projeto107, contando ainda com a

consultoria do arquiteto pernambucano José Luiz da Mota Menezes.

107 Informações provenientes de entrevista realizada com o arquiteto Haroldo Maranhão, coordenador do projeto, realizada em Natal, em junho de 2014.

140

No entanto, os resultados da ação dividem opiniões. Para Daline Souza (2013), bem como

seus entrevistados, incluindo empreendedores culturais que se instalaram após a intervenção,

o projeto foi responsável por promover o bairro, através da implantação de bares nos imóveis

recuperados, o que criou uma demanda mais estável de frequentadores e a possibilidade de

promoção de eventos variados. Desta maneira, teria sido responsável por evocar o próprio

cenário cultural da cidade, dentro do qual a área se inseriu deste então. Já aqueles que estavam

no local antes das obras apontaram conflitos e disputa pelo espaço, que teriam afastado os

frequentadores e empreendedores anteriores ao projeto. Sobre este assunto, Carlos Cunha

(2014) esclarece que a Rua Chile não havia passado por um processo total de abandono, uma

vez que, apesar da degradação física, permaneciam ali vários estabelecimentos ligados à

atividade portuária, bem como alguns bares e quiosques (cigarreiras, conforme o falar local),

além de instituição públicas, como o Banco do Brasil e a Secretaria da Fazenda. Pelo contrário,

segundo defende o autor, a existência prévia de uma dinâmica naquele logradouro teria

contribuído para a eleição do local como objeto da intervenção. Neste sentido, teria ocorrido

em Natal um processo de substituição de usuários no local da intervenção – semelhante, porém

em menor escala, do que ocorreu na intervenção da década de 1990 no Pelourinho, em

Salvador.

Se, por um lado, o objetivo do projeto foi alcançado ao ganhar o reconhecimento dos

proprietários de estabelecimentos comerciais no entorno, a falta de continuidade de

investimentos públicos no local foi vista como negativa por estes atores. Assim, essa ação pode

ser considerada como pontual e, portanto, incapaz de reverter o quadro de abandono e

estagnação do setor.

Segundo depoimento do arquiteto Haroldo Maranhão, que participou ativamente dessas

primeiras ações, naquela época também foi elaborado um Plano de Reabilitação da Ribeira,

que chegou a ser encaminhado ao Ministério do Turismo com o intuito de captar recursos para

sua viabilização. Entretanto, devido à mudança de governo municipal, a mobilização

conseguida nos anos anteriores perdeu força e o referido Plano ficou esquecido. De acordo

com Heitor Silva (2002), o Projeto Ribeira: Plano de Reabilitação teria pleiteado participação

nos programas nacionais Monumenta-BID108 e no Programa de Reabilitação Urbana de Sítios

108 O Programa Monumenta, estabelecido em 1996 através de uma parceria entre IPHAN e o Banco Interamericano de Desenvolvimento-BID, atuou até 2010 em 26 cidades brasileiras: Alcântara (MA), Belém (PA),

141

Históricos-URBIS109, sem obter sucesso na sua aprovação, já que, pelo menos no último, os

recursos eram destinados para sítios históricos tombados – o que não era o caso de Natal

naquela época. Como nunca chegou a ser lançado ou divulgado, há pouco conhecimento sobre

o documento. Sabe-se, entretanto, que o Plano pretendia atuar em diversos níveis e frentes

temáticas, englobando intervenções em edifícios, infraestrutura de circulação e iluminação,

organização da comunidade, promoção dos usos cultural, turístico, e habitacional, etc. Ou seja,

o documento teria em seu escopo várias ações que seriam lançadas posteriormente.

Neste período, também ocorreu a regulamentação da Operação Urbana Ribeira-OUR,

cuja Lei foi aprovada em 1997, se inserindo entre os planos estratégicos que visam a ocupação

e recuperação da área. A lei concedeu isenção e redução de tributos municipais, a fim de

incentivar o uso residencial e estimular as atividades artísticas, culturais, turísticas e de lazer,

buscando a recuperação do patrimônio histórico-cultural, arquitetônico, urbanístico e a

qualidade ambiental. A proposta foi reeditada em 2007, propondo poucas alterações, que

contemplaram mudança nos índices construtivos e nos incentivos fiscais oferecidos, e

atualmente passa pelo processo de revisão e ampliação, estendendo-se à Operação Urbana

Consorciada Centro Histórico de Natal, o que será analisado com mais detalhe no item 4.3 da

pesquisa.

No âmbito do Programa de Revitalização de Sítios Históricos-PRSH foi desenvolvido, a

partir de uma parceria entre a CAIXA Econômica Federal e o Governo Francês, o Programa

ReHabitar Ribeira. Este se caracterizava como uma política habitacional voltada para a

preservação dos edifícios e dos conjuntos arquitetônicos, aproveitando-se a infraestrutura já

existente. Iniciado em 2001, porém com publicação somente em 2007, o Programa tinha como

objetivo estimular o uso habitacional no Perímetro de Reabilitação Integrada (PRI)110, através

Cachoeira (BA), Congonhas (MG), Corumbá (MS), Diamantina (MG), Goiás (GO), Icó (CE), Laranjeiras (SE), Lençóis (BA), Manaus (AM), Mariana (MG), Natividade (TO), Oeiras (PI), Olinda (PE), Ouro Preto (MG), Pelotas (RS), Penedo (AL), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), São Cristóvão (SE), São Francisco do Sul (SC), São Paulo (SP), Serro (MG). Sobre os critérios de priorização das ações contempladas pelo Programa, ver SANT’ANNA (2004, p. 260-261). 109 Criado através da Portaria Ministerial nº 554 de 2000. Gerido pelo Ministério da Cultura, tendo o IPHAN como órgão executor, e contando ainda com parceria com a Caixa Econômica Federal. O programa, que selecionou 4 cidades para a implementação experimental numa primeira fase e mais 3 na segunda, só conseguiu avançar em Sobral (CE), onde foi iniciado, e em Mariana (MG) onde foram concluídos os termos de referência de seus planos (SANT’ANNA, 2004, p. 294) 110 Dentro da metodologia para intervenção, previa-se inicialmente a intervenção em cinco imóveis e, posteriormente, a ampliação do trabalho para um perímetro pré-estabelecido, chamado de Perímetro de

142

da elaboração de estudos de viabilidade, melhoramento do acesso aos financiamentos,

redução de custo e prazos, dentre outros (NATAL, 2007). Das 15 edificações identificadas pelo

estudo como passíveis de adequação para unidades habitacionais, cinco foram alvo de

detalhamento e criação de um Dossiê com informações sobre propriedade, características e

estado da edificação, bem como propostas de reuso (ver Figura 26). A Prefeitura de Natal tentou

realizar operações imobiliárias para adquirir os imóveis desse grupo prioritário, sem sucesso

em nenhuma delas. Apenas o Edifício Bila passou pela reforma, por meio de uma iniciativa

privada e que utilizou um projeto diferente do que a SEMURB havia proposto. Posteriormente,

o poder público municipal conseguiu obter a propriedade de dois outros imóveis, um através

de doação pela União, outro por meio da compra de uma edificação que estava à venda e em

situação regular. Para ambas foram desenvolvidos estudos de projeto para recuperação e

reuso, o que não ocorreu até o momento.

Figura 26: Edificações selecionadas pelo Programa Rehabitar Ribeira para execução de operações imobiliárias.

Fonte: NATAL, 2007.

No âmbito da mesma publicação do Rehabitar, também revelou-se a proposta intitulada

“Becos e Travessas” (ver Figura 27), com o objetivo de promover a “requalificação destas para

o uso de pedestres, tornando-as mais atraentes, confortáveis e seguras” (NATAL, 2008, p. 87).

Reabilitação Integrada – PRI. Este era constituído pelos quarteirões localizados entre a Av. Duque de Caxias e a Rua Chile, desde a Rua Sachet, no Largo do TAM, até a Esplanada Silva Jardim.

143

Com os projetos, desenvolvidos pelo Setor de Patrimônio Histórico da Secretaria de Meio

Ambiente e Urbanismo do Município – SEMURB, pretendia-se transformar sete becos e

travessas, pouco ou mal frequentados, em calçadões iluminados para uso de pedestres,

tratando-se tanto a área física da travessa como também as edificações lindeiras a esta. Até o

momento, somente a Travessa José Alexandre Garcia teve projeto implementado, através de

uma parceria com a iniciativa privada (ver Figura 28 e Figura 29).

Figura 27: Área de atuação do Projeto Becos e Travessas.

Fonte: NATAL,2007.

Figura 28: Proposta do Programa Becos e Travessas para a Travessa Venezuela.

Fonte: NATAL,2007.

Figura 29: Travessa José Alexandre Garcia recuperada pela iniciativa privada.

Fonte: Google street view.

144

Como integrante do Programa de Reabilitação de Áreas Centrais, do Ministério das

Cidades, a partir de 2005 foi elaborado, pela Universidade Federal do Rio Grande no Norte –

UFRN, um estudo interdisciplinar intitulado Plano de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais –

Ribeira (PRAC-Ribeira). Um dos objetivos da ação era dotar a municipalidade de informações

necessárias para sua atuação através de um diagnóstico da área. Esta proposta tinha como

principal viés o incentivo à realização de múltiplas atividades, sendo a habitação a principal

delas, apontando-se ainda diversas reestruturações físicas para a área.

Este Plano ainda propunha uma nova delimitação para o centro histórico de Natal, a partir

do perímetro da ZEPH, incluindo-se a área do porto e expandindo os limites do perímetro até

o Rio Potengi, de forma a “devolver a cidade para o rio” e “retomar a relação corpo d’água e

cidade”. Neste sentido, propunha-se a abertura de visuais para o rio, através da demolição das

edificações sem interesse histórico e da relocação da Capitania dos Portos do RN e a retirada

das empresas pesqueiras e depósitos para o novo Terminal Pesqueiro Público do RN111, e a

utilização de alguns imóveis remanescentes para atividades culturais e de apoio. Também foi

recomendada a incorporação de parte do bairro das Rocas, onde estão localizados edifícios e

alguns galpões antigos da Rede Ferroviária Federal-RFFSA, na delimitação do centro histórico,

uma vez que compõe “um dos mais raros conjuntos representativos do acervo histórico e

arquitetônico ferroviário intacto do país” (TINOCO et all, 2008, p. 195).

O Plano possuía ainda dois eixos de intervenção estruturadores, compostos pela Avenida

Tavares de Lira e a Rua Chile, onde se concentram os imóveis de interesse histórico. Para esses

eixos indicava-se o estímulo a novas atividades, com a criação de um polo turístico-cultural,

prevendo-se também a criação um largo, tendo como elemento de destaque o rio Potengi.

Enquanto nos dois eixos se concentrariam atividades como artesanato, feiras, shows, desfiles,

boates, bares e restaurantes, o comércio e a prestação de serviços menores ficariam instalados

na parte mais central do bairro.

Paralelamente, as ações começaram a ser direcionadas também ao bairro que abrigou o

primeiro assentamento da cidade. Em 2007, foi promovido, pelo extinto Setor de Patrimônio

Histórico-SPH da SEMURB, o seminário Cidade em Alta: perspectivas do Centro Histórico,

semelhante ao acontecido anos atrás na Ribeira, mas com a intenção de trazer à tona a reflexão

111 Localizado na porção sul do bairro. Embora a edificação já tenha sido concluída, necessita ainda de obras que deem o devido acesso às suas instalações. O Governo do Estado pretende inaugura-lo ainda no ano de 2017.

145

sobre a importância de se preservar também o conjunto histórico desse bairro. Um ano antes

a equipe da Superintendência do IPHAN-RN havia iniciado um estudo para compor o dossiê de

instrução para o pedido de tombamento do centro histórico de Natal, que, a princípio, se

restringia à proteção do núcleo de fundação da cidade, no bairro da Cidade Alta.

Segundo Fernanda Oliveira (2016, p.12-14) o resumido corpo técnico da instituição,

aliado à preocupação com a capacidade de gestão da área protegida, colaboraram para que a

primeira proposta se detivesse apenas sobre uma porção no bairro fundacional de Natal. Após

a visita de técnicos do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização-DEPAM à área do

centro histórico de Natal, recomendou-se que a proposta de tombamento passasse a englobar,

também, parte da Ribeira. Dessa maneira, o tombamento do “Conjunto Arquitetônico,

Urbanístico e Paisagístico do município de Natal”112, conforme nomenclatura adotada, foi

aprovado pela 66ª Reunião do Conselho Consultivo do IPHAN, no final do ano de 2010, com

indicação para inscrição no Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico e no Livro

de Tombo Histórico. (IPHAN, Processo de Tombamento Nº 1558-T-08).

Mesmo recente, a delimitação das poligonais de tombamento e de entorno, aprovadas

pelo Conselho Consultivo do IPHAN, foi objeto de alguns estudos. Estas pesquisas apontaram

as fragilidades do processo de reconhecimento dos valores e delimitação das áreas de

proteção, que ocorreu de maneira verticalizada/centralizada e sem participação social

(OLIVEIRA, 2016); assim como destacaram as contradições existentes entre o discurso

valorativo que justificou o tombamento e seu rebatimento na delimitação da área tombada

(MEDEIROS, 2014). Em ambas as pesquisas, argumenta-se que essas fragilidades resultam em

empecilhos para a gestão efetiva da área reconhecida como patrimônio cultural do Brasil, que

se deseja preservar e promover.

Segundo constatou Elaine Medeiros (2014, p.171), a área delimitada como Centro

Histórico configurou-se a partir de duas posturas: apesar das características urbanas terem sido

um dos principais argumentos para o tombamento do conjunto, a poligonal traçada contempla

apenas o traçado urbano do bairro da Ribeira, enquanto na Cidade Alta o instrumento

restringiu-se à proteção de bens monumentais, o que se aproxima da proposta idealizada pelo

Corredor Cultural anos atrás. Além disso, embora o CHN tenha sido reconhecido pelo seu valor

112 Para simplificar e facilitar a leitura, nesta dissertação nos referimos a esse conjunto como Centro Histórico de Natal-CHN.

146

cênico-paisagístico, exercendo grande destaque a presença do rio Potengi, o mesmo não foi

incorporado à área protegida. Dessa forma é possível verificar no Mapa 16 que o perímetro

aprovado inclui 17 edificações tombadas na Cidade Alta – sendo 2 tombamentos federais e as

demais protegidas em nível estadual –, e 7 construções tombadas pelo Governo do Estado no

bairro da Ribeira, além de 25 edificações de destaque, em uma área mais ampla e contínua.

Mapa 16: Delimitação do tombamento do Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico do Município de Natal/RN

Fonte: IPHAN, 2010.

O tombamento do Centro Histórico de Natal ocorreu após um período de atualização

conceitual e de posicionamento do IPHAN, registrado na publicação “Política de preservação

do patrimônio cultural no Brasil: diretrizes, linhas de ação e resultados: 2000/2010”, conforme

destaca Medeiros (2014, p.31). A heterogeneidade característica do conjunto urbano de Natal

valorado como patrimônio demonstrou a ampliação do entendimento acerca da

representatividade cultural do Brasil, assim como decorreu do interesse em expandir o acervo

protegido pela instituição, incluindo novos bens que narrassem a história do país – reforçado

pelo fato de que Natal era a única capital que não possuía um centro histórico tombado pelo

referido órgão público. As motivações que levaram a equipe local do IPHAN-RN a pedir o

147

tombamento compreenderam, além dos valores patrimoniais atribuídos ao sítio, o avanço do

mercado imobiliário em direção à área central e a expectativa de captação de mais recursos

para ações de preservação, como é possível verificar na própria instrução do pedido:

(...) o reconhecimento e valorização do referido sítio através do seu tombamento, irá facilitar a atração de linhas de investimentos, que permitirão a execução de ações preservacionistas, além de atuar como medida disciplinadora das pressões exercidas sobre o local (IPHAN, Processo de Tombamento Nº 1558-T-08, p. 04).

Durante o processo de avaliação do tombamento federal do centro histórico de Natal, já

foram iniciadas atividades para pleito de financiamento junto ao novo programa nacional de

preservação do patrimônio urbano, o Programa de Aceleração do Crescimento das Cidades

Históricas – PAC-CH. Em 2009, a unidade do IPHAN-RN recebeu reforço técnico através da

contratação de uma arquitetura e urbanista consultora para elaboração do Plano de Ação para

as Cidades Históricas de Natal, sendo uma condição exigida para inscrição no referido

Programa. Nesse período, conseguiu-se uma mobilização e interação entre diversos atores

patrimoniais, especialmente instituições públicas, como veremos a seguir.

Figura 30: Intervenção no Largo do TAM com a implantação do Museu da Cultural Popular no prédio

da antiga rodoviária.

Fonte: NATAL, 2007.

Figura 31: Praça do Pôr-do-Sol e Mercado do Peixe ao fundo.

Fonte: Acervo da autora, 2017.

Dentre as intervenções físicas realizadas na área podemos pontuar a reforma do Largo

do Teatro Alberto Maranhão, na Praça Augusto Severo, juntamente com a adaptação da Antiga

Rodoviária para abrigar um Museu do Folclore Djalma Maranhão (ver Figura 30); a repaginação

do canteiro da Avenida Duque de Caxias e instalações de novos postes de iluminação pública,

e o projeto do conjunto do Canto do Mangue – antigo local de comercialização de peixe,

requalificando-o em uma praça chamada Praça do Pôr do sol, juntamente com a criação do

Mercado do Peixe (ver Figura 31). Essas obras foram executadas entre os anos de 2007 e 2009,

e, juntas, somaram um investimento de 5 milhões de reais. Além de estarem previstas no

148

quadro e obras da OUR, para Gabriela Assunção (2014, p.82-83), as intervenções físicas

executadas pelo poder público na área central remetem à expectativa de criação de um espaço

idealizado para a cultura e o turismo na cidade – havendo inclusive placa de sinalização com

esta informação na área. Esta ligação é reforçada pela publicização do vínculo entre o projeto

o Largo do Teatro Alberto Maranhão a criação do Corredor Cultural Câmara Cascudo.

4.2. PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO DAS CIDADES HISTÓRICAS

4.2.1. Antecedentes

O Programa de Aceleração do Crescimento das Cidades Históricas (PAC-Cidades

Históricas ou PAC-CH), criado em 2009, está vinculado ao grande programa que foi iniciado

pelo governo federal dois anos antes, se constituindo como uma das suas linhas de ação. No

contexto de uma política que se baseia em “um modelo de desenvolvimento econômico e social,

que combina crescimento da economia com distribuição de renda113”, o Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC) foi criado no ano de 2007 e se encontra, desde 2011, em sua

segunda fase.

Com destaque para a ampliação de investimentos em infraestrutura, o programa atua

em eixos relacionados ao transporte, a geração e transmissão de energia, ampliação do acesso

à água e luz, e habitação – especificamente através do Programa Minha Casa, Minha Vida. Além

de investimentos em áreas sociais, como a construção de equipamentos públicos de saúde,

educação e lazer. O PAC-CH, que abordaremos a seguir, está inserido no eixo Cidade Melhor,

que inclui obras de acesso aos diretos básicos de saneamento, mobilidade urbana e prevenção

de áreas de risco.

Na capital potiguar os recursos do PAC previram financiamento de obras nas zonas

administrativas leste, sul e norte, incluindo o acesso ao Aeroporto de São Gonçalo do Amarante

e a revitalização da linha férrea que liga Extremoz à Natal114. Dentre as ações localizadas na

área central de Natal, estão a dragagem e aprofundamento do leito do rio e construção de mais

uma área para atracação de navios no Porto (o Berço 4), a construção do Terminal Marítimo de

113 http://www.pac.gov.br/sobre-o-pac, acesso em 21 de maio de 2014. 114 Cartilha Regional do 9º Balanço do PAC 2 no Rio Grande do Norte, disponível em: http://www.pac.gov.br/sobre-o-pac/publicacoesregionais, acesso em 22 de maio de 2014.

149

Passageiros-TMP115, a reurbanização da comunidade do Maruim116, prevendo ainda a

requalificação da Av. Rio Branco e a substituição do sistema de abastecimento de água nos

bairros da Ribeira, Rocas, Santos Reis e Praia do Meio e ampliação em outros bairros – mas não

incluiu a substituição do sistema de esgoto e drenagem na área central, que também é antiga

e necessita de reparos.

Nas demais áreas da cidade incluiu obras de drenagem em Ponta Negra, Capim Macio,

Lagoa Nova (entorno da Arena das Dunas117), ampliação do sistema de abastecimento de água

na ZA-norte, implantação de corredores de ônibus nas principais vias da cidade118, assim como

uma reestruturação da Av. Engenheiro Roberto Freire, na ZA-Sul, e a reforma do centro de

Convenções de Natal, na Via costeira, próximo a Ponta Negra.

Desta maneira, percebemos que o PAC viabilizou a atualização de parte da infraestrutura

da área central, mas não a incluiu nas ações de drenagem e saneamento que também precisam

passar por melhorias, conforme foi apontado no Seminário Ribeira em Foco, realizado em 2015.

Apesar dos bairros de Cidade Alta e Ribeira serem quase 100% servidos de infraestrutura, há

pontos de alagamento no bairro da Ribeira, que recebe afluentes dos bairros de cota mais alta

em períodos de chuva e, igualmente, o sistema de saneamento precisa ser revisto e substituído

em toda área.

As obras de dragagem do rio e construção do TMP foram concluídas e utilizaram recursos

equivalentes a R$ 44 milhões e R$ 72 milhões, respectivamente (ver Figura 32). A construção do

conjunto habitacional para realocação da população da comunidade do Maruim também foi

concluída (ver Figura 18), no âmbito do PMCMV, com R$ 4.346,57 milhões em recursos

115 Incluindo a adaptação do antigo frigorífico localizado no Largo da Rua Chile. 116 Há recursos previstos também para a urbanização das localidades do Detran, na ZA Oeste, Alagamar e Via Sul, na ZA Sul, Mãe Luiza e Assentamento da Guarita (Quintas), na ZA Leste; Parque das Dunas, Nossa Senhora da Apresentação, Comunidade África, na ZA Norte da cidade, mais a elaboração de um Plano Local de Habitação. O eixo de Comunidade Cidadã prevê ainda a ampliação de equipamentos como Unidades Básicas de Saúde, creches e pré-escolas, cobertura e construção de novas quadras esportivas e o Centro de Iniciação ao esporte e Ginásio poliesportivo distribuídos na cidade, no entanto, não foi identificada a localização de tais equipamentos. 117 Sendo a maior concentração de recursos no ponto de drenagem urbana sustentável da Arena das Dunas, que, sozinho, corresponde a R$ 126 milhões, ou seja, mais da metade dos recursos de todas as obras de drenagem, que somam um valor de R$ 227.203,63 milhões (PAC 2 | 11º balanço 2011-2014 Rio Grande do Norte, 2015). 118 Avenida Prudente de Morais, que corta as zonas administrativas leste e sul da cidade; Avenida, Presidente Prudente no Alecrim, zona administrativa leste; e Avenida João Medeiros Filho, na zona administrativa norte.

150

investidos – restando ser realizada a reurbanização de parte da antiga ocupação para abrigar

um Centro de descasque de Camarão para a comunidade pesqueira.

Figura 32: Terminal Marítimo de Passageiros, na Ribeira.

Fonte: http://www.riograndedonorte.net

4.2.2. Caracterização do Programa

De acordo com a publicação que apresentou o PAC Cidades Históricas, em 2009, o

programa se beneficia das experiências anteriores de planos nacionais voltados para o tema do

patrimônio urbano, a saber, o Programa de Cidades Históricas-PCH (1973-1983) e,

especialmente, o Programa Monumenta (1999-2010), se aproximando de uma continuidade

do último. O Monumenta enfrentou, pela primeira vez, o desafio de agregar estratégias de

desenvolvimento local, econômico, cultural urbano e social, nas ações de preservação de 26

cidades tombadas e contempladas pelo programa através, especialmente, do desenvolvimento

do turismo cultural. A nova proposta tinha a pretensão de avançar, em relação às primeiras

políticas de preservação, no que se refere à interação do planejamento entre várias instâncias

governamentais, a iniciativa privada e, principalmente, a sociedade civil.

Deste modo, conforme sua cartilha de divulgação, o programa em evidência é

caracterizado, primeiramente, por ser uma política transversal que integra os Ministérios da

Cultura, das Cidades, da Educação e do Turismo, agências como o BNDES e Caixa Econômica

Federal, conformando uma política que associa ações de preservação às demais políticas

públicas de turismo, educação e desenvolvimento econômico. Já o envolvimento das instâncias

governamentais nos níveis estadual e municipal é considerado como uma aposta em novos

caminhos de uma Política Nacional para o setor do Patrimônio Cultural. Instituir uma nova

151

Política Nacional de Patrimônio Cultural119 de gestão compartilhada, incluindo as Cidades

Históricas nos programas e linhas de financiamento da agenda social do Governo Federal, era

uma das principais intenções do programa. Esta foi uma das diferenças positivas apontadas

pelo Diretor do PAC-CH, Robson de Almeida, em relação ao Monumenta.

Além de instituir uma política intergovernamental-transversal, outro passo à frente em

relação às políticas anteriores seria a participação da sociedade civil em todas as etapas, desde

o desenvolvimento do Plano de Ação, que as cidades devem elaborar para pleitearem recursos,

até a execução das propostas – sugerindo-se a realização de oficinas participativas para sua

elaboração, a fim de garantir a legitimidade das ações e pactuação das prioridades. O terceiro

avanço interessa particularmente ao objetivo da dissertação e diz respeito à nova forma de ver

as cidades históricas, considerando a dinâmica urbana da cidade como um todo no diagnóstico

local e na construção das ações a serem executadas nos centros urbanos. Constituindo-se,

assim, como “o primeiro programa de preservação que atuará de modo amplo no território

urbano, abordando o patrimônio das cidades como algo intrínseco à dinâmica urbana” (BRASIL,

2009a, p.05).

Dessa forma, a metodologia proposta busca compreender a problemática da preservação

de forma mais abrangente, em nível territorial, aprofundando e ampliando a conceituação de

patrimônio cultural120. À vista disso, foi recomendado que a área de atuação do Plano fosse

delimitada a partir da compreensão dos processos urbanos da cidade em sua totalidade, não

se restringindo apenas ao perímetro de bens tombados. A leitura da dinâmica urbana partiria,

assim, de um enfoque sobre as questões estruturantes da cidade, que permitisse dar subsídios

para propor ações que vinculassem o desenvolvimento social às potencialidades do seu

patrimônio cultural, envolvendo “questões relativas à preservação, urbanização, dinâmica

econômica e desenvolvimento social” (BRASIL, 2009b, p.22).

O Plano de Ação para as Cidades Históricas representa o principal instrumento pensado

para o planejamento integrado da gestão do patrimônio cultural, que o programa se propôs e

119 Cria para isso o Fórum Nacional do Patrimônio Cultural, como um espaço de interlocução para a integração de uma agenda comum sobre o tema no país, e com a intenção de permanecer sendo realizado em período bianual. 120 As etapas propostas para a elaboração do Plano de Ação, segundo a cartilha do programa, compreendem as fases de: elaboração de um Diagnóstico Local; definição dos Objetivos (geral, específicos e delimitação da atuação do plano); e das Ações (proposição das ações e prioridade entre elas), e Pactuação, estabelecida por meio de um Acordo de Preservação do Patrimônio Cultural (APPC).

152

a instituir, pois visa definir objetivos e prioridades comuns, e orientar a atuação conjunta de

todos os agentes atuantes e usuários da área central. Destarte, este deveria se configurar como

um acordo entre todas as instâncias da administração pública, setor privado e sociedade civil,

elaborado sob a coordenação do IPHAN, visando garantir a convergência de investimentos e

evitando sobreposição dos mesmos, bem como o compartilhamento de competências e

atribuições dentro do planejamento comum. O Plano de Ação foi pensado para traçar um

cenário de 4 anos, quando deveria ser revisado.

Com a finalidade de contribuir para o ordenamento e planejamento do crescimento

urbano, a proposta inicial do PAC-CH posicionou o patrimônio cultural como eixo indutor e

estruturante, visando intervir diretamente nos processos de esvaziamento populacional e

funcional dos centros tombados. Para tanto, mais que ações de reabilitação de imóveis e

requalificação de espaços urbanos tombados, pretendia-se que as ações também viabilizassem

o saneamento ambiental, a melhoria do transporte público, implantação de habitações sociais,

além de fomentar cadeias produtivas locais, especialmente atividades econômicas tradicionais.

A prioridade das ações deveria considerar, dentre outras coisas, “a complementariedade e

diversidades das ações e seus potenciais, no tempo e no território”. (BRASIL, 2009b, p.22).

A partir da leitura dos seis objetivos121 e das linhas de ação122 propostos inicialmente pelo

programa, alguns estudos sinalizavam que o mesmo abordava premissas ancoradas na

Conservação Urbana Integrada (SOUZA, 2013; CASTRIOTA et al, 2011). Especificamente por

envolver os desígnios de manter as estruturas físicas e sociais, a partir do fomento à

participação e à promoção de habitação social, legitimando a manutenção do tecido social

existente e a diversidade desejada. O artigo elaborado por Castriota et al (2011, p.107), vincula

o PAC-CH, bem como o Monumenta, ao conceito de conservação integrada, por apresentarem

no discurso pressupostos de integração entre políticas de patrimônio à política urbana e ao

planejamento urbano e regional, e “não se concentrar em meras intervenções físicas sobre os

121 Os objetivos do Programa são: 1. Promover a requalificação urbanística dos sítios históricos e estimular usos que garantam seu desenvolvimento econômico, social e cultural; 2. Investir em infraestrutura urbana e social; 3. Ampliar o financiamento para a recuperação de imóveis Privados; 4. Recuperar monumentos e imóveis públicos com destinação de uso de interesse social; 5. Fomentar o desenvolvimento das cadeias produtivas locais; 6. Promover o patrimônio cultural, o intercâmbio, a formação e a capacitação de agentes, técnicos e gestores. 122 As linhas de ação estão distribuídas em três eixos: 1. Produção de conhecimento e informação; 2. Dinamização e valorização dos sítios históricos; 3. Planejamento e gestão.

153

conjuntos históricos, o PAC sinaliza para um plano mais amplo de conservação que inclui, entre

outras, ações de planejamento a longo prazo, estímulo econômico e educação patrimonial”.

Não obstante, ao analisar as estratégias e ações123 apresentadas na cartilha do PAC-CH,

é possível perceber incentivos ao desenvolvimento do turismo às vezes relacionado ao

desenvolvimento econômico e social, como nos casos de melhoramento de espaços de venda

de artesanato e a capacitação de agentes locais para o desenvolvimento do turismo cultural.

Ou seja, o programa estabelece uma relação estreita entre desenvolvimento social e

desenvolvimento econômico via turismo. E é esta última atividade que permeia quase todos os

seus objetivos, uma vez que também se relacionam com as requalificações urbanísticas, ao

prever a sinalização turística no meio urbano de valor patrimonial.

Em outras palavras, é possível inferir que os incentivos ao turismo são usados como meio

de desenvolvimento econômico da localidade para a geração de emprego, ao mesmo tempo

em que se mesclam com ações de promoção do patrimônio e com ações sociais de capacitação.

Como também, o investimento em infraestrutura e promoção de requalificação urbanística é

direcionado para esses dois aspectos: social e turístico, tendo “o patrimônio cultural como

elemento estratégico para o desenvolvimento social” (BRASIL, 2009b, p.07).

Constatamos, portanto, uma continuidade das políticas nacionais de preservação de área

urbanas, no que se refere ao foco no desenvolvimento econômico e no turismo cultural nas

áreas históricas como caminho para tal fim. Por seu curso, esse modelo foi estabelecido na

década de 1980 na intervenção no centro histórico de Quito, e que inspirou o desenho do

Programa Monumenta no Brasil (SANT’ANNA, 2004, p. 254).

As notícias sobre o lançamento do PAC-CH ilustram essa ideia. As informações que

constam no noticiário sobre este evento destacam a ligação direta entre o programa e o

123 Dentre as estratégias e ações, destacava-se a recomendação de que a recuperação das edificações fosse atrelada a implantação de usos que se vinculassem ao desenvolvimento econômico, social e cultural – prioritariamente de equipamentos sociais e comunitários, instituições de ensino e culturais (museus, pontos de difusão da cultura, dentre outros), habitação de interesse social e usos de apoio ao turismo (albergue). Já as requalificações urbanísticas poderiam englobar a recuperação do espaço para prover a acessibilidade universal, a instalação de mobiliário urbano, sinalização turística e a iluminação de destaque de monumentos. As ações de promoção do patrimônio e capacitação envolveriam a formação de agentes para o desenvolvimento do turismo cultural e de multiplicadores, para atuarem na difusão do tema em escolas, universidade e centros comunitários, bem como a produção e disseminação de informações sobre dos bens culturais. Para incrementar a capacidade local de geração de emprego, sugeriu-se a qualificação e espaços destinados à produção e venda de artesanatos, bem como a realização de oficinas de capacitação.

154

desenvolvimento do turismo, associando ao uso sustentável e à promoção de emprego e renda,

nas palavras do Presidente Lula: “esse programa fomenta a economia do país ao estimular o

turismo”, e como meio de promover o patrimônio cultural, de acordo com a fala do ministro

do turismo, Luiz Barretto: “cada vez mais, o turismo incorpora as tradições, os saberes e os

costumes do nosso povo, contribuindo para manter viva a nossa história e a nossa memória"124.

Além disso, após sete anos de sua criação, verificamos que os avanços pretendidos pelo

programa têm ficado mais no plano teórico. Apesar do PAC-CH apresentar, de maneira inédita,

uma preocupação com aspectos de apropriação social dos projetos e a busca por propostas de

cunho mais sustentável, na prática a experiência vem demonstrando a persistência de alguns

equívocos identificados em políticas precedentes, conforme aponta Sant’Anna (2016, p. 72):

o PAC-CH tem sido executado de modo diverso e tem repetido – e até ampliado– vários dos equívocos mais importantes que foram cometidos no período do PCH. Para começar, ao cortar o financiamento da conservação de imóveis privados e transformar os planos de ação num mero elenco de obras desconectadas, o PAC-CH não apresenta qualquer alternativa consistente de dinamização econômica e de uso socialmente significativo do patrimônio urbano, para além da velha, já desgastada e pouco produtiva fórmula do “patrimônio, turismo e lazer”.

Em termos operacionais, a implantação do PAC-CH até o momento tem esbarrado em

dificuldades relacionadas à baixa participação social (especialmente da continuidade dessa

participação, quando ocorreu na fase inicial), assim como à continuidade da interação entre as

instituições que pactuaram do Acordo de Preservação do Patrimônio Cultural-APPC para

execução do programa. A demora na adequação e aprovação das ações também foi um ponto

problemático, atrasando a liberação e repasse dos recursos devido aos aspectos burocráticos

do processo, o que também se relaciona ao despreparo e/ou insuficiência de corpo técnico em

algum momento/instância do encaminhamento das propostas à presidência nacional do

programa. Além disso, mais recentemente acrescentou-se o problema de acesso aos recursos

financeiros para dar seguimento à execução das ações selecionadas. Diante da crise econômica

e política que o país enfrenta desde 2015, a contingência dos recursos do Governo Federal tem

afetado a continuidade do programa.

124 Disponível em: http://www.ecodesenvolvimento.org/noticias/governo-lanca-pac-das-cidades-historicas. Acesso em 21 de maio de 2014.

155

A proposta inicial do programa se direcionava as cidades que possuíssem patrimônio

protegido, ou em processo de reconhecimento, e que formulassem Planos de Ação

“consistentes para enfrentar os problemas estruturais que afetam suas áreas históricas”, de

acordo com a metodologia proposta (BRASIL, 2009a, p.04). Além disto, visava contemplar as

cidades sede da Copa do Mundo de 2014 e todas as capitais dos estados brasileiros. Nesse caso,

Natal respondeu a esses três critérios de participação, uma vez que o processo de tombamento

do centro histórico estava em curso durante o lançamento do programa (com processo aberto

em 2008 e aprovação pelo Conselho Consultivo do Patrimônio em 2010), e também sediaria

jogos da Copa do Mundo de futebol. Ademais, a capital potiguar está incluída entre os 40

destinos indutores do desenvolvimento turístico regional.

A expectativa inicial do programa era atender a 173 cidades, em todos os estados

brasileiros, com o intuito, ainda, de ampliar a metodologia do PAC-CH para o Sistema Nacional

de Patrimônio Cultural, abrangendo todo território do país. Em 2013, foram selecionadas 426

propostas, em 44 cidades de 20 estados brasileiros, e disponibilizados 1,6 bilhões para

execução destas ações. Tendo em vista esse quadro geral, passaremos a nos ater ao caso

específico da atuação do PAC-CH na cidade de Natal-RN.

Para a presente pesquisa, interessa avaliar a relação da política patrimonial empreendida

em Natal frente à dinâmica urbana atual, o que representa, como visto, um dos pontos

levantados pelo PAC-CH. Assim, identificaremos a seguir as propostas que constam no Plano

de Ação das Cidades Históricas para a capital potiguar, abordando também o seu processo de

construção e aquelas ações eleitas para financiamento pelo Programa.

4.2.3. A Atuação do PAC-CH em Natal

Em 2009, a Superintendência Estadual do IPHAN-RN deu início à elaboração do Plano de

Ação para a capital potiguar, quando foram realizadas três oficinas participativas, seguido a

metodologia proposta pelo PAC-CH. Os produtos elaborados pela equipe local, com o auxílio

de um consultor contratado via UNESCO e alocado no IPHAN-RN, nos deram as informações de

como se deu o processo em Natal no pleito do financiamento do programa a que nos

debruçamos. Compunha a equipe do IPHAN neste período a consultora Anna Rachel Baracho,

contratada para a elaboração do Plano de Ação para as Cidades Históricas de Natal. O reforço

do quadro técnico para acompanhamento dos programas promovidos pelo órgão tem sido uma

156

prática recorrente, identificada também durante a execução Monumenta. Dessa maneira, cria-

se uma estrutura executora paralela, que, ao final dos programas, deixam poucas contribuições

internalizadas na Instituição.

Tivemos acesso aos Documentos Técnicos sobre os títulos e temáticas de: 1. Diagnóstico

do Patrimônio Cultural; 2. Mapas e bases cartográficas, sistematização das reuniões técnicas e

demandas de capacitação; 3. Diretrizes, Linhas de Ações propostas; e 4. Planejamento das

etapas de implementação, Agentes envolvidos e Propostas de Monitoramento e Gestão. Além

do documento da proposta final intitulado “Plano de Ação para Cidade Históricas – Natal/RN”.

Segundo o Documento Técnico 1, o primeiro passo para construção do Diagnóstico Local

foi a realização de uma Chamada Pública e Oficina de apresentação do Plano de Ação para

Cidades Históricas, em agosto de 2009, quando foi criada uma rede de agentes sociais e

elaborada uma planilha para sua identificação. Desde então, uma equipe técnica composta por

representantes da Superintendência do IPHAN-RN, da Fundação Cultural Capitania das Artes-

FUNCARTE e do Setor de Patrimônio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo-

SEMURB 125, ficou responsável pelo desenvolvimento do Plano de Ação para Natal. O Termo de

Compromisso foi, então, firmado entre Prefeitura Municipal de Natal, Governo do Estado do

RN e IPHAN, em setembro de 2009.

A sistematização das reuniões técnicas entre os parceiros e o processo de realização de

oficinas participativas consta no Documento Técnico 2. Segundo este documento, as reuniões

foram consideradas um instrumento importante, tanto em termos de articulação das ações a

serem propostas, como no que diz respeito à sua eficácia no compartilhamento e

sistematização dos dados já existentes. O relatório esclarece que a Primeira Oficina teve como

objetivo a capacitação dos técnicos e ocorreu em Brasília, no mês de agosto de 2009.

Posteriormente, foram realizadas duas oficinas participativas no âmbito municipal, tendo sido

enviados convites a diversas secretarias do poder público municipal e estadual, e outras

instituições e órgãos que atuam na área delimitada para o plano.

A Segunda Oficina Participativa ocorreu em 28 de setembro de 2009 em Natal, contou

com a participação da consultora nacional Margareth Uemura e teve o objetivo de tornar

125 Setor extinto durante o processo de modernização da gestão administrativa do município, em 2013. As questões relacionadas ao patrimônio cultural passaram a ser tratadas, no âmbito municipal, pelo setor de Projetos da SEMURB.

157

públicos os resultados do Diagnóstico Local, a apresentação do perímetro de atuação do Plano

e os cinco objetivos gerais e alguns específicos, previamente estabelecidos pela equipe técnica

em decorrência do estudo realizado. Após a oficina, ocorreu uma reunião técnica entre

algumas entidades126, quando foram distribuídas planilhas com os objetivos, sua discussão e

complementações, seguindo-se a divulgação dos resultados obtidos nesta etapa via correio

eletrônico “com a finalidade de manter a rede de parceiros informada acerca do andamento do

processo” (IPHAN, 2010a, p.25).

A partir do Diagnóstico local realizado, foi delimitado para atuação do programa um

perímetro contíguo, que compreende os bairros que abrigam o centro histórico tombado, seus

vizinhos imediatos, assim como aqueles que permitem o acesso às duas pontes sobre o rio

Potengi, fazendo a conexão com todo o território municipal (ver Mapa 16). Esta área abrange,

além do centro histórico, um conjunto ferroviário nas Rocas, delimitado pela poligonal de

entorno do tombamento, o Forte dos Reis Magos, em Santos Reis, e o setor que corresponde

ao primeiro plano de expansão da cidade (Plano da Cidade Nova ou Polidrelli, criado em 1901),

com seus exemplares de arquitetura eclética, protomoderna e modernista, nos bairros de

Petrópolis e Tirol.

A presença destes dois bairros foi justificada também por sofrerem um processo que

ameaça de substituição seu acervo arquitetônico, em decorrência da dinâmica de verticalização

e mudança de usos, especialmente para implantação de serviços – hospitais e clínicas privadas,

comércios, lojas de decoração e moda. Já a razão de se incluir os bairros mais populares foi a

existência de manifestações culturais importantes, bem como por estarem localizados no

entorno imediato do centro histórico e, historicamente, terem sido ocupados nos primeiros

períodos de formação da cidade. As duas pontes, além de serem elementos importantes que

possibilitam a conexão com a ZA-norte, foram incluídas pelo potencial de valoração cênica.

Além deste perímetro de atuação localizado na área central, alguns outros pontos da cidade

também recebem menção pelo Plano, tendo em vista que acolhem algumas manifestações

culturais. Essa evidência implicou na indicação e importância de receberem ações de fomento

126 Esta reunião foi realizada nas instalações da Superintendência do IPHAN RN no dia 29/09/2009, e contou com a presença da equipe técnica do Plano, a Secretaria Municipal de Turismo, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo, a Secretaria Municipal de Habitação Social, Regularização Fundiária e Projetos Estruturantes, a Fundação Cultural Capitania das Artes e a Fundação José Augusto.

158

cultural e educação patrimonial – Vila de Ponta Negra e nos bairros de Felipe Camarão, Mãe

Luiza e Bom Pastor.

Os objetivos gerais e específicos apontados no Plano de Ação das Cidades Históricas para

Natal relacionaram-se à resolução de problemas, detectados na fase de diagnóstico local, para

os quais foram estabelecidos os seguintes objetivos gerais:

1. Melhorar e ampliar a infraestrutura existente na área de interesse histórico, bem como em seu entorno imediato, a fim de se consolidarem ações que incentivem o uso e a vivência dos espaços; 2. Implementar atividades, programas e ações de fomento cultural e educação patrimonial a fim de salvaguardar, ampliar o conhecimento e estimular a formação de identidade com o patrimônio material e imaterial da cidade; 3. Intensificar as ações de incentivo ao turismo nas áreas de interesse histórico, criando estrutura necessária para a instalação de programas e equipamentos para a recepção dos turistas e para a incorporação de tal atividade pelos habitantes locais; 4. Promover o uso habitacional no centro histórico, revertendo o processo de esvaziamento, atraindo novos usos e garantindo a preservação dos imóveis de valor histórico-cultural; e 5. Revisar e ampliar a legislação vigente, garantindo um maior poder de fiscalização por parte dos órgãos competentes e promovendo a proteção necessária ao patrimônio edificado do centro histórico da cidade.

Dando-se continuidade à construção do Plano, entre a 2ª e 3ª Oficinas teve início a

elaboração e definição das ações, mantendo-se a comunicação via correio eletrônico. Nesta

fase foi solicitado a cada instituição ou órgão que indicasse quais ações, dentro do seu quadro

de competência e propostas existentes, dialogavam diretamente com os objetivos definidos

para o Plano local e as linhas de ações possíveis do Programa. A Terceira Oficina Participativa

foi realizada em 23 de outubro de 2009, quando foi apresentada uma lista de ações. Segundo

o relato que consta no Documento Técnico 2, os parceiros consideraram o prazo curto para

apresentar as proposições, o que resultou na não indicação de ações por parte de alguns órgãos

e/ou instituições nesta fase, apesar da articulação entre os participantes.

159

Mapa 17: Delimitação da área de atuação do Plano de Ações para as Cidades Históricas–Natal/RN.

Fonte: Elaborado pela autora sobre base cartográfica da SEMURB (2005) e informações do IPHAN (2009).

Ao acompanhar duas oficinas participativas para o desenvolvimento do Plano de Ação do

PAC-CH em Natal, Souza (2013) também denunciou o número reduzido de representantes da

sociedade civil, assim como o pouco tempo disponível para realização das oficinas – que, ao

serem realizados no período de um turno, impossibilitaram o aprofundamento da discussão.

160

Com tais características, inferiu-se que as oficinas mais se constituíram em apresentação da

proposta e explicação do Plano de Ação, do que da construção conjunta do produto final. Nesse

sentido, a associação das prerrogativas iniciais do programa com os preceitos da conservação

integrada é posta em dúvida devido à forma como se deu o processo de participação da

sociedade civil em Natal, sendo mais consultivo do que deliberativo. Segundo a autora, este

fato contribui para que política patrimonial em Natal não seja efetiva, do ponto de vista da

participação social. O que seria comprovado pelo pouco conhecimento sobre o conteúdo do

Plano de Ação ou, de outra maneira, pela crítica a suas ações, por parte da população

entrevistada (idem, p.138).

O próprio IPHAN reconheceu o número reduzido de participantes como um dos principais

entraves do processo de elaboração do Plano de Ação para Natal. Desde a chamada pública

realizada em agosto de 2009, e ainda comum às duas oficinas participativas, a pouca

participação de agentes importantes se mostrou uma grande dificuldade. Inicialmente,

observou-se na Chamada Pública a ausência de agentes privados, moradores dos bairros e

órgãos voltados ao turismo. Já na primeira oficina participativa, não compareceram

especialmente Secretarias do Governo do Estado, o que foi explicado pelo pouco tempo para

a divulgação e cumprimento desta etapa de elaboração de objetivos. A falta de interesse do

governo do estado para com o plano foi atribuída, ainda, à mudança de Governo prevista para

o ano seguinte, tornando as decisões indefinidas, bem como a abrangência local do plano.

Segundo o Documento Técnico 2, verificou-se uma maior articulação entre os agentes

que atuam diretamente com o fomento cultural e a educação patrimonial na fase de indicação

das ações, especialmente devido à maior participação de instituições educacionais, como o

Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFRN e o Instituto Federal de Ciência e

Tecnologia do RN – IFRN. À vista disso, embora se tivesse a pretensão de atender a todos os

eixos das linhas de ação elegíveis, se sobressaíram inicialmente ações de fomento cultural e

educação patrimonial. Neste Documento foram apontadas demandas de capacitação no

âmbito dos docentes do ensino fundamental, de agentes ligados ao setor turístico, dos técnicos

de secretarias e fundações municipais e estaduais, bem como da urgência de dotar os setores

de aprovação, licenciamento de obras e fiscalização com informações sobre as especificidades

relativas à área de interesse histórico. Foi destacada também, no setor de serviços, a

161

necessidade de qualificação de mão de obra para atuação direta do plano, aperfeiçoamento

dos ofícios ligados à construção civil e restauro.

Não obstante, a partir do Documento Técnico 3 constatamos que também foram

propostas várias ações de dinamização e valorização do patrimônio, notadamente aquelas

relacionadas a requalificações urbanísticas e a criação de atrativos para a área de interesse

histórico, com a perspectiva de alterar a dinâmica atual e intensificar a vivência no setor. As

diretrizes que nortearam o estabelecimento das ações, de acordo com o mesmo Documento,

foram, principalmente: o posicionamento do patrimônio cultural como eixo indutor da política

pública conjunta, o compartilhamento das competências e atribuições, incluindo a participação

social, valorização dos marcos simbólicos, históricos e culturais locais, e a garantia de

implementação dos instrumentos de política urbana estabelecidos no Estatuto da Cidade e no

Plano Diretor do Município de Natal. De maneira geral, no caso de Natal as linhas de ação que

se destacaram, nesse primeiro momento, foram: a formação de técnicos; desenvolvimento e

aplicação de instrumentos de gestão integrada; recuperação, valorização e uso do patrimônio

cultural; recuperação e promoção de usos em imóveis privados; e o fomento às atividades

produtivas locais.

Os Documentos Técnicos 3 e 4 trazem as ações apontadas, entre aquelas que foram

pactuadas entre as secretarias e que possuíam recursos, as pactuadas entre as secretarias, mas

sem recursos, e as ações que não foram pactuadas (ver Anexo 1Erro! Fonte de referência não

encontrada.). Posteriormente, aquelas ações que não haviam sido pactuadas entre os agentes

envolvidos foram eliminadas, dentre outras, constando uma lista de 27 ações no documento

intitulado “Plano de Ação para Cidades Históricas – Natal/RN” (ver Anexo 2).

É interessante observar que as ações de recuperação das edificações de destaque

estavam enquadradas no objetivo geral de incentivo ao turismo nos referidos Documentos

Técnicos, migrando para o objetivo de promover o uso habitacional, com o papel de reverter o

esvaziamento e funcionar como atração de novos usos e preservação dos imóveis, na proposta

do Plano de Ação. Enquanto as ações não pactuadas se relacionavam ao objetivo de melhoria

e ampliação de infraestrutura, incluindo provisão de segurança/policiamento, modernização

dos serviços de trens urbanos e das estações de passageiros da CBTU; a melhoria das condições

sanitárias de acondicionamento do pescado nas Rocas e incentivo à inserção da atividade na

cadeia produtiva; a articulação do projeto urbano da área liberada após a remoção da

162

comunidade do Maruim com propostas do PAC-CH; e ao objetivo que visa a ampliação da

legislação, incluindo o ordenamento viário e aumento da fiscalização sobre as intervenções.

A partir de reuniões entre a equipe do IPHAN-RN e os representantes dos poderes

executivos municipal e estadual, foram definidas prioridades para as ações do programa em

Natal. Estas reuniões tinham o intuito de compensar a ausência de alguns órgãos durante a

fase de elaboração do Plano, bem como a intenção de captar o apoio direto do poder público.

Em novembro de 2009 ocorreu o encontro entre a consultora local da UNESCO para o PAC-CH,

o Presidente da Fundação José Augusto127 e o então vice-governador, Iberê Ferreira de Souza.

Em janeiro de 2010 foi a vez da reunião com a então Prefeita de Natal, Micarla de Souza. Após

assegurar contrapartida municipal, o que se firmou mais diretamente foi o contato em torno

das ações específicas de implantação do “Circuito Cultural”. Foi formado um grupo para

elaboração deste Circuito, com reuniões periódicas ocorridas entre fevereiro e março de 2010.

A partir de abril foram concentrados esforções para criação do Comitê Estadual de

Acompanhamento do Plano de Ação, e a elaboração da minuta do termo de Acordo de

Preservação do Patrimônio Cultural-APPC.

Dessa maneira, foram apontadas como prioridades para implementação as ações de

educação patrimonial, especialmente com moradores da área tombada, e a estruturação do

Circuito Cultural, dada a abrangência e amplitude desta ação. Esta proposta abarca trechos dos

bairros de Cidade Alta, Ribeira e Rocas, com eixos projetuais estruturantes, contemplando a

recuperação de edificações de valor patrimonial, requalificação urbana, acessibilidade de

passeios públicos, projetos de sinalização, luminotécnico e embutimento de fiação aérea.

O último Documento Técnico apresenta, também, o item “Implementação do PAC-CH

Natal-Proposta de Monitoramento e Gestão”, onde só foi previsto a criação de um “Comitê

Estadual de Acompanhamento” e sua Câmara Técnica, com uma composição que contenha

representantes das três esferas administrativas responsáveis pela gestão do patrimônio local.

Apesar de estas instâncias serem importantes para a efetivação do plano, não houve definição

de critérios ou indicadores para acompanhamento e análises periódicas sobre a execução das

ações e cumprimento dos objetivos, ou dos resultados alcançados, sejam eles positivos ou

repercussões negativas. Dessa forma, também se verifica que não foram previstos mecanismos

127 Órgão estadual de preservação e gestão cultural.

163

de participação continuada da população, nem a previsão de indicadores para avaliar a

execução da política, mesmo quando estes foram sugeridos metodologia do programa. Além

disso, a previsão de revisão do Plano de Ação a cada 4 anos não vem sendo efetuada, o que

ocorre em nível nacional, principalmente devido ao atraso no comprimento das ações

inicialmente selecionadas.

Quadro 2: Ações contempladas pelo PAC Cidades Históricas em Natal-RN.

OBRAS Parceiros EXECUTORES

Restauração:

Forte dos Reis Magos IPHAN

Palácio Felipe Camarão Prefeitura Municipal do Natal

Casarão do Arquivo Arquidiocesano IPHAN

Casarão da Escola de Danças do Teatro Alberto Maranhão

Governo do Estado do RN

Antigo Grupo Escolar Augusto Severo (Núcleo de Extensão da UFRN)

UFRN

Antigo Armazém Real da Capitania - Casa do Patrimônio IPHAN

Edifício da Semut UFRN

Teatro Alberto Maranhão Governo do Estado do RN

Requalif icação:

Praças do Centro Histórico (13 no total) Governo do Estado do RN

Reabil itação:

Antigo Hotel Central - habitação de interesse social Prefeitura Municipal do Natal

Fonte: Elaborado com base em dados do IPHAN, 2009.

Em 2013 foram selecionadas as ações que receberiam recursos do Programa, quando

foram contemplados projetos em 44 cidades brasileiras, dentre as quais estava a capital do RN.

Nesse momento, verificou-se que, a despeito da indicação de um número bem maior de

propostas, foram elencados apenas 12 projetos para serem executados em Natal. Mais ainda,

apesar de inicialmente terem sido apontadas diversas ações voltadas para a valorização das

manifestações cultural e educação patrimonial, além da identificação de demandas para

capacitação de diversos atores sociais, as ações que permaneceram até o final do processo de

seleção para financiamento pelo programa se resumiram a intervenções físicas. Entre estas, se

sobressaíram as de restauração de edificações e uma ação de requalificação de espaço público,

como é possível verificar no Quadro 2.

É importante destacar que algumas dessas ações não constavam no Plano de Ação

elaborado para a área central de Natal. Ao elegerem ações que não estavam previstas no Plano,

anulou-se o processo de construção de uma política compartilhada que visasse à melhoria

global de uma área urbana de interesse histórico, e resumiu-se ao elenco de obras de interesse

164

dos entes governamentais. Estas ações finais, por sua vez, remetem apenas a dois objetivos

propostos pelo Plano, quais sejam, aqueles voltados ao desenvolvimento do turismo, aliando-

se a necessidade de provisão (parcial) de infraestrutura (acessibilidade e iluminação),

especialmente através da ação de requalificação das praças e espaços urbanos públicos. A única

ação que se relacionava à promoção do uso habitacional, por meio da reabilitação do antigo

Hotel Central para implantação de moradias de interesse social, também foi modificada para

dar lugar à sede do Grupo de Trabalho de Projetos Estruturantes da Ribeira e Entorno-

COOPERE, criado oficialmente em 2015128 com o intuito de reunir e afinar as ações em curso

na Ribeira e entorno, coordenado pela SEMURB129.

De acordo com o ex-Superintendente do IPHAN-RN, Onésimo Santos130, a eleição final

destas ações foi feita pelo comitê nacional do PAC-CH, em Brasília, envolvendo, ainda,

interesses políticos diversos131. Segundo ele, um dos critérios para seleção era a viabilidade de

execução das obras, o que, por exemplo, levou a descartar a ação de embutimento da fiação

de iluminação pública na área do centro histórico de Natal, devido à complexidade e falta de

mão de obra qualificada para execução. Esta informação foi confirmada pelo Diretor do PA-CH,

Robson de Almeida132, que esclareceu, também, que a escolha final das ações foi feita pelo

Ministério do Planejamento, destacando a ação de requalificação das praças do centro

histórico de Natal como uma das principais ações de requalificação urbana selecionadas pelo

Programa.

Diante desse panorama, verificamos que na fase inicial de elaboração do no Plano de

Ação para Natal é possível identificar algumas das premissas apontadas por Castriota et al

(2011), que aproximariam o PAC-CH do conceito de conversação integrada, quando

considerou-se a abrangência territorial para atuação do programa e apontou-se a promoção

128 Através do Decreto N.º 10.706 de 27 de maio de 2015, tendo com o objetivo “promover a integração entre os órgãos da Administração Municipal, Estadual, Federal e demais setores da sociedade civil, viabilizando a formulação, implementação e acompanhamento de projetos, estudos e ações de natureza diversa no Bairro da Ribeira e Entorno”. 129 De acordo com depoimento de um representante da UFRN convidado a integrar o grupo, a criação do mesmo teve como pano de fundo a organização do evento “Ribeira em Foco”, realizado em julho de 2015. Assim, se constituindo mais a partir da demanda de levantamento das ações direcionados ao bairro, para apresentá-los a população, do que estabelecer um real diálogo para criação de soluções conjuntas. 130 Entrevista realizada em 06 de junho de 2014, quando o arqueólogo estava à frente da instituição. Em 2015 houve uma mudança no cargo, que atualmente é ocupado pela arquitetura e urbanista Andréa Costa. 131 O Teatro Alberto Maranhão, por exemplo, já havia passado por outras reformas nos últimos anos, mas por interesse do Governo do Estado a edificação foi apontada como objeto de uma das ações. 132 Entrevista realizada em 10 de outubro de 2014, por ocasião da visita às obras do PACCH em Recife/PE.

165

de educação patrimonial como um dos principais focos de atuação, assim como o

fortalecimento das manifestações culturais e a preocupação em investir em qualificação

profissional da população. Entretanto, por não ser obrigatória a contemplação de todas as

linhas de ação elegíveis estabelecidas pelo Programa, as ações aprovadas para financiamento

via PAC-CH contemplam mais, ou apenas, o eixo de valorização dos sítios históricos, com

intervenções em edificações isoladas e de requalificação no espaço público. O que pode ser

verificado não só no caso de Natal, como também no quadro de todas as cidades participantes.

As ações elegidas para receberem financiamento do PAC-CH em Natal em sua maioria se

reduzem a obras de restauro em edificações isoladas, concentradas no centro histórico

tombado.

Algumas propostas levantadas pelo Plano de Ações do PAC-CH começaram a ser

implementadas pela Superintendência Regional do IPHAN no RN. Em 2012, foram feitas oficinas

de educação patrimonial com uma estrutura desenvolvida para atender públicos distintos: os

moradores na área central, bem como a população em geral, estudantes e profissionais da área

de arquitetura e urbanismo e servidores públicos. Também foram elaborados e distribuídos

panfletos informativos sobre o instrumento do tombamento e o Conjunto Urbanístico,

Paisagístico do Centro Histórico de Natal.

Outras ações indicadas nos Documentos Técnicos elaborados durante do processo de

inscrição para o Programa foram incorporadas no estudo de revisão e ampliação do

instrumento de Operação Urbana Consorciada, como veremos mais no item a seguir. São

exemplos, as propostas de regularização das comunidades de baixa renda localizados no

entorno da área central e a ação de qualificação de mão de obra para atuar nas obras de

requalificação do patrimônio cultural.

4.3. OPERAÇÕES URBANAS NA ÁREA CENTRAL DE NATAL

O instrumento urbanístico da Operação Urbana-OU se insere no contexto de construção

de alternativas para implementação de parcerias entre o setor público, enquanto mediador, e

o investimento privado nas ações sobre o espaço urbano. Também é um dos instrumentos

destinados a recuperar e redistribuir parte da valorização fundiária produzida no próprio

processo de urbanização. Entende-se por Operação Urbana Consorciada, segundo definição do

Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001):

166

o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental. (BRASIL, 2001, p. 30, art. 32).

De acordo com Ermínia Maricato e João Sette Whitaker Ferreira (2002), a ideia de

corresponsabilidade da gestão urbana por todos os agentes produtores do espaço apareceu na

década de 1970, quando, nos Estados Unidos e Europa, começou a decair a arrecadação do

Estado – relacionado ao esgotamento do modelo fordista-taylorista e à reestruturação

produtiva. O instrumento da OU surgiu, também, no contexto de superação da rígida legislação

modernista, quando se buscava novos instrumentos, mais flexíveis e capazes de tratar áreas

específicas de forma diferenciada.

As Operações Urbanas em áreas centrais fazem parte de programas que visam à

renovação de espaços degradados. No Brasil, desde o Programa de Reabilitação de Áreas

Urbana Centrais, promovido pelo Ministério das Cidades a partir de 2003, este tema tem sido

fomentado na agenda do planejamento das cidades. No entanto, já havia algumas experiências

de planos locais precedentes a esse programa e à concepção do instrumento pelo Estatuto da

Cidade, como, por exemplo, as Operações Urbanas Anhangabaú e do Centro em São Paulo,

criadas na década de 1990 (SANT’ANNA, 2004).

Em que pese o potencial do instrumento para traçar estratégias de transformação do

território, o perigo existente diz respeito à tentativa dos empreendedores de impor seus

interesses nas transformações urbanísticas, uma vez que a OU pode provocar, por meio de um

novo ordenamento territorial, o acirramento das exigências do mercado imobiliário. Desta

maneira, as principais críticas aos processos de intervenção urbana se referem à dimensão

social, posto a ausência ou insuficiência de ações de caráter social, o que pode concorrer para

um processo de gentrificação. Esta é considerada a falha mais comum e perversa nesse tipo de

operação sobre a cidade.

De acordo com Marina Toneli Siqueira (2014, p. 409), gentrificação é ”um processo de

redesenvolvimento urbano que leva à elitização social e expulsão de grupos vulneráveis”,

caracterizado por três aspectos fundamentais: a existência de um espaço potencialmente

gentrificável, ou seja, onde se identifique a necessidade de investimento, o que permitirá a

extração de mais-valia através do redesenvolvimento; a elitização social com a expulsão de

167

grupos vulneráveis; e a transformação da paisagem construída. Segundo esta autora, as

Operações Urbanas teriam em sua própria estrutura de funcionamento as três dimensões

apontadas133. Não obstante, há outras dimensões contingentes do processo relacionados

diretamente a definição de cada plano urbanístico, seus objetivos e estratégias, assim como

múltiplos mediadores, incluindo organização social, influência política, interesse do mercado

imobiliário, entre outros, resultando em processos particulares para cada caso.

Nesse sentido, Maricato e Ferreira (2002) advertem sobre a importância de relativizar

seu potencial enquanto instrumento de democratização do espaço urbano, especialmente no

caso do Brasil, tendo em visto que a realidade social e urbana do nosso país – aqui, a maior

parte da população das grandes cidades está fora do mercado formal, muito mais que nos

países industrializados. Uma OU motivada exclusivamente pela possibilidade de gerar

arrecadação, em troca de benefícios que atraiam os investimentos privados, pressupõe o

interesse prévio do mercado imobiliário. Dessa maneira, corre-se o risco de intervir apenas nos

locais já valorizados, ou, muitas vezes, acaba implicando em investimento vultosos do poder

público a fim de atrair a atenção de empreendedores para a área.

Para estes autores, o efetivo comprometimento do instrumento com o interesse público

da população, depende, antes de tudo, de uma questão política. O que inclui a participação

ativa da sociedade na regulamentação da Operação, e no controle durante sua implementação.

Também depende da maneira como é incluído e detalhado no Plano Diretor Municipal e das

contrapartidas exigidas:

não está na tecnicalidade do instrumento a fonte do seu uso fortemente regressivo, contrário ao interesse social. Ele não tem a propriedade, por si só, de ser nocivo ou benéfico na construção da cidade democrática e includente. A questão está em sua formulação e implementação no nível municipal. (MARICATO e FERREIRA, 2002, p. 2 / 217)

Conforme visto no capítulo 2, em Natal o instrumento da Operação Urbana-OU foi

introduzido pelo PDN de 1994 como uma Área Especial que deveria ter destinação específica

ou normas próprias de uso e ocupação do solo. Neste ordenamento urbano, a OU foi dirigida

nomeadamente aos bairros gêneses da cidade, Ribeira e Cidade Alta, sendo definida como

133 A definição de um espaço que necessita de redesenvolvimento, prevendo, portanto, a transformação do espaço físico, e acarretando a expulsão de usos e usuários que não estimulados pelo plano urbanístico. (SIQUEIRA, 2014, p. 401-405).

168

aquela área que “embora passível de adensamento, apresenta valores histórico-culturais

significativos para o patrimônio da cidade e que carecem de formas de recuperação e

revitalização” (Lei Complementar Nº 07, de 05/08/1994, Art. 24, p.07). Dessa forma, na capital

potiguar o instrumento urbanístico nasceu em consonância com a preocupação com o

patrimônio cultural urbano134.

Destarte, a primeira regulamentação do instrumento ocorreu com a Lei 4.932 de 30 de

dezembro de 1997, instituindo a Operação urbana Ribeira-OUR na perspectiva de revitalização

do bairro em que incide, tendo como objetivos:

a promoção do desenvolvimento urbano, a melhoria da qualidade de vida dos seus moradores e usuários, o incentivo ao uso residencial, às atividades turísticas, culturais e artísticas, a valorização do patrimônio histórico, artístico, cultural, arquitetônico e urbanístico, mediante a melhoria da infra-estrutura local e da qualidade ambiental da área. (Lei 4.932/1997, Art. 2º, p.01)

Nesta primeira edição ficou estabelecido um estoque de 50.000m² de área edificável,

delimitando um perímetro dividido em subzonas: Área de Recuperação Histórica – ARH, e Área

de Renovação Urbana – ARU, conforme figura abaixo.

Mapa 18: Mapa de Operação urbana Ribeira – 1997

Fonte: Elaborado pela autora sobre base cartográfica da SEMURB (2005) e dados da Lei4.932 de 30 de

dezembro de 1997

134 A dissociação com o tema foi efetuada apenas com a revisão do PDN em 2007, que ampliou a possibilidade de aplicação do instrumento para outras áreas da cidade. Apesar disso, a regulamentação efetiva do instrumento incidiu, particularmente, na Ribeira, com o objetivo de realizar melhoramentos e a revitalização do bairro. Até os dias atuais, a Operação Urbana Ribeira-OUR permanece sendo a única experiência de uso do instrumento em Natal.

169

Com o intuito de criar um ambiente com condições favoráveis a novos investimentos,

que pudessem alavancar um processo de recuperação e revitalização do conjunto urbano de

valor histórico, o conteúdo da lei estabeleceu coeficientes urbanísticos diferenciados para a

área de incidência. Previu ainda mecanismos de incentivos fiscais, como isenção ou redução de

alíquota do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial – IPTU, redução da alíquota de

Imposto Sobre Serviços–ISS e isenção da Taxa de Licença, a fim de incentivar a ocupação e a

recuperação de prédios históricos e a instalação de serviços específicos e a promoção de

eventos culturais (ver Quadro 3). Além disso, foi definida uma lista de ações (Quadro de Obras)

a serem executadas no âmbito da Operação, e prescrita a criação de uma instância de gestão

da operação – Comitê de Gestão do Escritório Técnico, e de um Fundo específico da Operação.

Conforme visto no item 2.2 desta dissertação, no PDN em vigor naquela época (Lei

3.175/1994) a Ribeira estava definida como Área Adensável-AAd, podendo alcançar um

coeficiente de aproveitamento máximo de 3,0, mediante o pagamento de OODC. Na área da

OUR este índice poderia chegar a 5,5 para usos residencial e hoteleiro em ambas as áreas, e

edifícios-garagem apenas na ARU. Nesse caso, percebe-se que devido ao limite de gabarito da

ARH (de 7,5m, a exceção das edificações lindeiras à Av. Duque de Caxias que poderia alcançar

15m), esse índice seria possível apenas na ARU e na Av. Duque de Caxias. Além disso, para

incentivar ainda mais o uso habitacional, a OODC era gratuita para estabelecimentos

destinados a essa função em toda a área da OUR, assim como era igualmente sem custos a

OODC para construção de edifícios-garagem na ARU.

Assim, apesar de o discurso da Lei de OUR-1997 intencionar o incentivo aos usos diversos,

incluindo institucional135, é possível constatar que os usos residencial, de estacionamento e

aquele direcionado a atividade turística (hotelaria) eram os que permitiam mais vantagens de

aproveitamento construtivo. Para os demais usos, os parâmetros construtivos estabelecidos

pela OUR se equiparavam aos previsto pelo PDN-94. A única diferença estava na possibilidade

de oferecer contrapartida através de execução de obra, para além da opção de pagamento de

OODC.

135 Art 5 - II - o incentivo à diversificação dos diferentes usos do solo na área, priorizando os usos residencial, institucional, turístico, cultural, de lazer e a criação de áreas de estacionamento. (Lei Nº 4.932, de 30 de dezembro de 1997).

170

Além disso, a maior redução sobre ISS era obtida quando da promoção de serviços

relacionado ao lazer e entretimento (cinemas, “taxi dancing” e congêneres; bailes, shows,

festivais, recitais e congêneres; execução de música). É importante mencionar que no mesmo

ano que se criou a OUR, foi aprovada a Lei que institui o Projeto Djalma Maranhão (Lei Nº 4.838

de 09 de julho de 1997), de incentivos fiscais para realização de projetos culturais no município.

Ou seja, os incentivos da OUR não atuavam sozinho nesse campo.

Quadro 3: Resumo das prescrições urbanísticas e incentivos fiscais previstos na OUR/1997.

OPERAÇÃO URBANA RIBEIRA – Lei 4.921/1997

Prescrições urbanísticas

Área C. A. Contrapartida Gabarito Recuos

ARU 3,0;

5,5**

OODC;

ou

Execução de obra prevista na Lei****

- Conforme ARH nas vias que fazem limite com o perímetro;

- Não estabelecido para as demais áreas;

- 3m frontal;

1,5m laterais e fundos.

ARH 3,0;

5,5***

- 7,5m;

- 15m na Av. Duque de Caxias

- Não obrigatório.

- conforme o ARH quando fizer fronteira.

*o coeficiente de aproveitamento máximo para a Ribeira segundo o PDN/1994 era de 3,0, mediante pagamento de OODC, sendo o coeficiente básico para a cidade de 1,8.

** para usos residencial, edifício-garagem e atividade hoteleira.

*** para serviços de hotelaria.

**** no valor equivalente a 1% do empreendimento a ser aprovado, e 4% para legalização de edificações existentes (em desacordo com a legislação).

Incentivos fiscais

IPTU

- Isenção total por 4 anos para restauração total de imóvel, ou em reforma para uso residencial;

- Isenção total por 3 anos para restauração parcial de imóvel;

- Isenção total por 2 anos para recuperação total ou de subunidade;

= Redução em 25% em obras de conservação total de imóvel já restaurado antes da vigência da lei.

ISS

- Redução de 25% para serviços instalados na área da OUR;

- Redução de 50% quando o serviço for instalado em prédio que tenha sido restaurado totalmente;

- 75% para serviços de cinemas, taxi-dancings e congêneres; bailes, shows, festivais, recitais e congêneres; execução de música, individualmente ou por conjunto.

Taxa de licença

- Isenção decorrente da localização de estabelecimento na área da OUR, em prédios que tenham passado por intervenção de restauração total ou parcial, recuperação total ou de subunidade, no primeiro ano de vigência da lei;

- Isenção decorrente de execução de obras e serviços de engenharia e urbanização de áreas, obras de restauração total, restauração parcial e recuperação total ou de subunidade.

Fonte: Elaborado pela autora a partir da Lei 4.932 de 30 de dezembro de 1997.

Em relação aos incentivos para a recuperação e preservação do acervo de interesse

patrimonial, verificamos que a isenção máxima do IPTU corresponde a 4 anos, o que representa

um desconto baixo em relação ao alto custo de uma obra de restauração. Apesar de o valor do

171

imposto no bairro da Ribeira ser um dos mais caros da cidade136, com valor médio de R$ 875,17

(tomando-se como referência os dados de IPTU de 2009, IBAM, 2010, p. 32), aferimos que a

isenção do imposto pelo período máximo previsto na Lei de OUR-1997 soma um montante total

de R$ 3.500,68, possivelmente não sendo um atrativo para empreendedores e proprietários

dos imóveis.

Também estava previsto instrumento de Transferência do Potencial Construtivo-TPC137

não utilizado, condicionado à execução de restauração de edificações ou conjuntos valorados

como de importância histórico-paisagística, através de tombamento em qualquer nível. A área

adicional poderia ser transferida para outro imóvel localizado no bairro, desde que não

ultrapassasse 50% do coeficiente de aproveitamento permitido para a quadra em que se situa

o lote receptor. Aqui cabem algumas ressalvas. A primeira é que o instrumento já estava

previsto no PDN-1994 para todas as áreas que não pudessem alcançar ao coeficiente básico de

aproveitamento de 1,8 por limitações da Lei, como pode ser visto no item 2.2. Assim, ao se

condicionar a utilização do mesmo instrumento às edificações tombadas, que são poucas

diante de todo o acervo arquitetônico da área, este mecanismo se tornou mais restritivo na

OUR. Em segundo lugar, esse instrumento só se torna efetivo se o mercado imobiliário tiver

interesse em construir no local que pode receber a área construída adicional, o que não parecia

ser o caso da Ribeira naquela época.

Sem gerar resultados e passados dez anos da Lei de OUR, esta foi revisada resultando na

Lei Complementa Nº 09 de 04 de janeiro de 2007. Apesar de datar do mesmo ano, a revisão da

OUR foi feita anteriormente à aprovação do Plano Diretor vigente (Lei Complementar Nº 082,

de 21 de junho de 2007), que ajustou o seu entendimento em consonância com o Estatuto da

Cidade (2001) e detalhou o conteúdo do instrumento urbanístico. O perímetro da OUR

permaneceu praticamente igual na lei revisada: diminui apenas um quarteirão na Área de

Renovação Urbana-ARU (que se tornou um campo de futebol) e acrescentou em seu escopo

uma Área Adensável-AAd, seguindo a mesma designação proposta pelo PDN para o bairro.

136 Segundo os dados da SEMUT, entre 2007 e 2009 (NATAL-Modernatal, 2010, p. 29 e 32), apenas os bairros de Tirol, Areia Preta e Petrópolis apresentam valores médios de IPTU mais caros que a Ribeira. 137 Calculado através da diferença entre a área máxima construtível do lote e a área construída nele existente.

172

Mapa 19: Área de Operação Urbana Ribeira – 2007 e Perímetro de Reabilitação Integrada

Fonte: Elaborado pela autora sobre base cartográfica da SEMURB (2005) e dados da Lei Complementar Nº 09 de 04 de janeiro de 2007.

Desta forma, a nova versão manteve a estrutura de 1997 com a introdução de algumas

alterações. A OUR de 2007 incluiu em seus objetivos o incentivo aos usos de serviço e

comércio, não apontados na anterior, embora ainda tenham sido priorizados os usos

“residencial, institucional, turístico, cultural, de lazer e a criação de áreas de estacionamento”

(Art 5º, Inc. II, p. 01). Foram feitas alterações nas prescrições urbanísticas, com a definição de

novos coeficientes de aproveitamento, conforme é possível verificar no Quadro 4. O coeficiente

de aproveitamento na área sob incidência do instrumento aumentou para todos os usos (3,5),

enquanto o máximo estabelecido pelo PDN de 2007 para o bairro permaneceu o mesmo (3,0).

Assim, os novos parâmetros urbanísticos oferecidos pela OUR revisada passaram a ser mais

vantajosos, de uma forma geral138.

A OODC passou a ser oferecida gratuitamente para uma quantidade de usos mais

abrangente, além do residencial e de estacionamento, os estabelecimentos com uso

institucional, turístico, cultural e de lazer também passaram a poder usufruir do maior potencial

construtivo sem ônus adicionais. Este benefício passou a ser aplicado tanto para a ARH como a

138 Apesar no coeficiente máximo para a área da OUR ter sido reduzido de 5,5 para 4,0, a possibilidade de todos os usos usufruírem do índice máximo geral de 3,5 continua sendo vantajosa, especialmente com a revisão do PDN em 2007, que reduziu os potenciais construtivos dos bairros vizinhos.

173

ARU. As vantagens de área excedente para construção passaram a ser oferecidas também para

a Área Adensável-AAd. Nessa subárea, poderiam atingir o coeficiente construtivo máximo de

4,0 os empreendimentos de uso residencial que executassem, a mais, uma quantidade mínima

de 50% de unidades habitacionais para um público de faixa de renda média ou baixa, não

necessariamente no mesmo local.

Quadro 4: Resumo das prescrições urbanísticas e incentivos fiscais previstos na OUR/2007.

OPERAÇÃO URBANA RIBEIRA – Lei Complementar 09/2007

Prescrições urbanísticas

Área C. A.* Contrapartida Gabarito Recuos

ARU 3,5 Contrapartida em obras prevista na lei**

90m Conforme PDN/2007

ARH 3,5 7,5m; 1,5m nos fundos

AAd

3,5 Contrapartida em execução de obra prevista na Lei – equivalente ao valor de três vezes a OODC 90m

Conforme PDN/2007

4,0*** Contrapartida em obras de unidades residenciais

*o coeficiente de aproveitamento máximo para a Ribeira segundo o PDN/2007 é de 3,0, mediante pagamento de OODC, sendo o coeficiente básico para a cidade de 1,2.

** valor calculado conforme o disposto em regulamento. Com 40% de desconto no primeiro ano de vigência da Lei.

*** para empresa que execute o equivalente a, pelo menos, 50% das habitações requeridas, em unidades residenciais para faixas de renda média ou baixa, não necessariamente no mesmo empreendimento.

Incentivos fiscais

IPTU

- Isenção por 15 anos para imóvel localizado na área da OUR que passe por restauração total, adaptando-o para o uso residencial;

- Isenção por 15 anos para imóveis de propriedade de clubes náuticos reconhecidos de utilidade pública, localizados na área da OUR;

- Isenção por 10 anos para imóvel localizado na área da OUR que passe por restauração parcial;

- Isenção por 5 anos para imóvel localizado na área da OUR que passe por recuperação total de subunidade;

- Redução de 30% em obras de conservação total de imóveis já restaurados anteriormente a vigência da lei.

ISSQN

- Redução de 30% para serviços*** estabelecido na área da OUR;

- Redução de 60% para serviços*** estabelecido em imóvel totalmente restaurado, localizado na área da OUR;

Redução de 60% para prestação de serviços**** (relacionados à eventos culturais) realizado na área da OUR.

Taxa de licença

Idem OUR 1997

Fonte: Elaborado pela autora a partir da Lei Complementar Nº 09 de 04 de janeiro de 2007.

Permaneceu a possiblidade de aplicação da TPC, agora além de edificações ou conjuntos

tombados, ampliando-se sua aplicação para todos aqueles imóveis que se localizam na área de

OUR, podendo transferir área adicional para outro imóvel no bairro sem pagamento de OODC.

174

Introduziu-se o Direito de Preempção que incidiu sobre os imóveis localizados na área

delimitada como Perímetro de Reabilitação Integrada-PRI (ver Mapa 19).

A partir do exposto afere-se que, de uma forma geral, os incentivos foram ampliados na

nova versão com o intuito de viabilizar os objetivos do instrumento. Tanto em relação à

ampliação dos usos incentivados, como em vantagens construtivas através de novas

prescrições urbanísticas e coeficientes de aproveitamento. Os casos de gratuidade da OODC

nas ARH e ARU ampliaram, passando a ser oferecida para o uso institucional. Aumentaram-se

também os montantes e períodos de isenções dos impostos para impulsionar a conservação e

restaurações dos imóveis da área, bem como para estimular uma dinâmica através da

prestação serviços. Percebe-se, no entanto, que os usos mais vantajosos segundo os estímulos

oferecidos pelo regulamento continuam sendo o habitacional e os relacionados ao turismo e o

lazer (pela redução de ISSQN).

Segundo o estudo elaborado pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal-IBAM,

em 2010, na prática, o instrumento gerou poucos recursos, pois os incentivos fiscais concedidos

destinaram-se, basicamente, à realização de eventos. Além disso, esses incentivos efetivados

não estiveram atrelados à recuperação do acervo arquitetônico da área e não foram

identificados registros de concessão de isenção de IPTU pela Secretaria Municipal de

Tributação-SEMUT. Levando em consideração uma pesquisa realizada em 2010 sobre o Edifício

Bila, na Ribeira, aferimos que os incentivos fiscais relativos ao IPTU, previstos no instrumento,

também não foram efetivados. Esta edificação foi restaurada e transformada para uso misto

com habitações (apartamentos) e está localizada na Av. Duque de Caxias, ou seja, na ARH

segundo a OUR. Entretanto o empreendedor que executou as obras não pôde usufruir da

redução prevista sobre o referido imposto (MEDEIROS e VIEIRA, 2011, p.10)

No que diz respeito às ações previstas para a área da OUR, constatamos que o Quadro de

Obras estabelecido nas duas versões da Lei, de 1997 e 2007, é praticamente idêntico (ver

Quadro 5). As atividades e projetos compreendiam ações de naturezas diversas e abrangentes:

desde serviços gerais de manutenção da infraestrutura (pavimentação, drenagem e esgoto,

recuperação do mobiliário urbano); iluminação pública; pintura e sinalização dos monumentos;

instalação de boxes de polícia e outros de informações turísticas; promoção de eventos;

campanhas de divulgação da história do bairro com destaque para as atividades culturais;

incentivo geral ao uso habitacional; além de intervenções físicas no espaço urbano.

175

As pequenas diferenças compreendem a retirada da ação de implantação do Museu da

Rampa no quadro de obras da lei de 2007, bem como da intervenção no canteiro da Av. Duque

de Caxias. Abarcam também a ampliação de algumas intervenções para outros locais: a ação

de pintura e recuperação de fachadas e cobertas do “sítio histórico da Rua Chile”, na lei de

1997, passa a abranger o “sítio histórico” de maneira mais ampla na segunda versão da OUR;

inclusão do Projeto Becos e Travessas139 na ação de implantação de calçadões; inclusão do

playground da rótula Rocas/Ribeira na ação de restauração e implantação de esculturas,

pinturas e outras melhorias; a ação de iluminação pública passa a prever o embutimento da

fiação aérea, além da instarão de luminárias.

Quadro 5: Comparação dos quadros de obras previstos na OUR/1997 e OUR/2007

Atividade/Projeto Localização pela OUR/1997 Localização pela OUR/2007

Manutenção - Pavimentação e recuperação do mobiliário urbano e paisagístico, drenagem e esgoto da Ribeira e demais equipamentos.

- Idem OUR/1997

Pintura e sinalização indicativa de monumentos e sítios históricos

- Praças, ruas, avenidas e pontos históricos e turísticos. - Pintura e recuperação do sítio histórico da Rua Chile

- Idem OUR/1997 - Pintura e recuperação de fachadas e cobertas de imóveis do sítio histórico

Implantação de calçadões - Cais da Tavares de Lyra, Praça Augusto Severo/Rodoviária Velha, Canto do Mangue

- Cais da Tavares de Lyra, Praça Augusto Severo/Rodoviária Velha, Canto do Mangue, Becos e Travessas da Ribeira

Restauração e implantação de esculturas, pinturas e outras melhorias

- Praça Augusto Severo (esculturas, pinturas, ponte da Rodoviária, relocação da Coluna do Baldo para o Museu da Rampa), Praça José da Pena

- Praça Augusto Severo/Rodoviária (esculturas, pinturas, ponte da Rodoviária), Praça José da Pena, Playgraound da Rótula Rocas/Ribeira

Campanha de divulgação sobre o bairro, seus monumentos e edifícios históricos

- Mídia local, sobre todo o bairro, mas, enfatizando a área da primeira ocupação, os equipamentos de atividades culturais

- Mídia local, sobre todo o bairro, mas, enfatizando a área da primeira ocupação, os equipamentos de atividades culturais, a história do bairro e sua relação com a cidade - 2007

Promoção de eventos artísticos

- Capitania das Artes, Teatro Alberto Maranhão, bares, cabarés artísticos. - Carnaval, Carnaval da Saudade, Micareme e Ciclo Natalino.

- Capitania das Artes, Teatro Alberto Maranhão, bares, cabarés artísticos, boates e restaurantes;

- Idem OUR/1997

Segurança Pública e informações turísticas

- Toda a área: instalação de boxes da Policias; implantação de policiamento ostensivo; instalação de postos de informações e apoio à atividade turística.

- Idem OUR/1997

Sistema Viário

- Implantação do Projeto de reorganização do sistema viário a Ribeira, elaborado pela STU; - Disciplinamento e relocação de estacionamento, terminais, garagens de ônibus, evitando o conflito com bens culturais tombados ou outros de importância histórica; - Reorganização do canteiro da Av. Duque de Caxias com deslocamento da parada de ônibus da Praça José da Penha

- Removido; - Idem OUR/1997 - Removido; - Sinalização e manutenção.

Projeto Largo do Teatro - - Praça Augusto Severo e Estação Rodoviária

Iluminação pública Toda a área: - instalação de luminárias de vapor de sódio;

Toda a área: - Idem OUR/1997 - Retirada da fiação aérea e substituição por via subterrânea.

139 Compreendendo as Travessas: Venezuela, Argentina, México, José Alexandre Garcia, em uma primeira etapa; Beco da Quarentena, Cais da Tavares de Lira e Largo da Travessa Aureliano em um segundo momento (PREFEITURRA DO NATAL/REHABITAR EM NATAL, 2008).

176

Urbanização da área do Porto e do Canto do Mangue/solução para a comunidade do Maruim

- Área do Porto (ZEP), Canto do Mangue, Comunidade do Maruim

- Idem OUR/1997

Utilização do Rio Potengi

- Construção do Terminal de Ferryboats, interligando a Ribeira com a Redinha;

- Criação de Terminal Turístico de Barcos para passeio nas praias urbanas de Natal;

- Deck do rio Potengi.

- Construção do Terminal de Ferryboats (balsas), interligando a Ribeira com a Redinha;

- Idem OUR/1997

- Idem OUR/1997

Habitação - Todo o bairro. - Idem/1997

Fonte: Elaborado pela autora com base na Lei 4.932 de 30 de dezembro de 1997 e na Lei Complementar Nº 09 de 04 de janeiro de 2007.

Dentre estas, foram executadas pelo poder público as intervenções na Praça Augusto

Severo e Av. Duque de Caxias, que envolvem parte das ações de intervenção no sistema viário,

restauração e melhoria das praças e iluminação pública. A promoção de eventos é o que mais

tem ocorrido, auxiliado pela Lei Djalma Maranhão, de 1997, que também estimula ações

culturais através de abatimentos fiscais. A ação de urbanização da área do Porto envolve vários

projetos em andamento. Foi construído recentemente um Terminal Marítimo de Passageiros,

estão em andamento a ampliação do Porto, a relocação da comunidade do Maruim e a

reurbanização da Praça do Pôr do Sol (Canto do Mangue), assim como a construção do Terminal

Pesqueiro do Estado (necessitando a construção do acesso), no extremo sul da área, em obras

desde 2009. O calçadão da Travessa Aureliano foi executado pela iniciativa privada.

Por outro lado, não avançaram as ações relacionadas ao incentivo ao uso habitacional,

aos serviços de manutenção da infraestrutura de saneamento e drenagem da área, ao projeto

de segurança pública e informações turísticas, dentre outras intervenções apontadas. Ressalta-

se que a estrutura de gestão da operação não funcionou, pois nem o Comitê Gestor nem o

Escritório Técnico foram implementados, fragilizando a divulgação do instrumento e

inviabilizando a ação de monitoramento.

4.3.1. Proposta de Minuta de Lei para Operação Urbana Consorciada Centro Histórico de Natal

O período de vigência da lei da OUR-2007 encerrou-se em 2013 e, desde 2010, vem

sendo estudada a possibilidade de revisão e ampliação do instrumento para uma área mais

abrangente. Esta ampliação leva em consideração o tombamento do Centro Histórico de Natal,

por parte do IPHAN, que compreende porções dos bairros de Cidade Alta e Ribeira, além de

uma fração das Rocas. Visa responder também à conjuntura atual da cidade, que envolve,

conforme abordado anteriormente, a retomada de investimento privados via mercado

177

imobiliário avançando na direção da Ribeira, bem como, no âmbito da política patrimonial, o

Plano de Ação do PAC-CH e as ações executadas pelas diversas instâncias.

É importante ressaltar que há um ponto de conflito entre os instrumentos federal e

municipal que passaram a incidir, concomitantemente, sobre a antiga área central de Natal.

Parte da Área de Entorno sob tutela do IPHAN, que tem como função a preservação da

ambiência do Perímetro de Tombamento, sobretudo através do controle do gabarito, é

também definida pela OUR como Área de Renovação Urbana-ARU, onde se pode alcançar

índices construtivos acima dos parâmetros básicos previsto pelo PDN (ver Figura 33 e Figura 34).

Pela Lei da OUR, o coeficiente de aproveitamento máximo nesta porção urbana é de 3,5,

o que pode afetar a visibilidade da área tombada e se mostra incompatível com os valores

patrimoniais. Este fato pode ser visto, a princípio, como prejudicial à OU, pois diminui a

possibilidade de arrecadação que se conseguiria via aplicação de OODC. Em todo caso, este

fato reforça a necessidade de revisão do instrumento urbanístico municipal, para se adequar

ao novo contexto.

Figura 33: Vista a partir da Av. Tavares de Lira, no centro histórico tombado, para a Av. Gustavo Cordeiro de Farias, Ribeira-Natal.

Fonte: Acervo da autora, 2017.

178

Figura 34: Vista da Praça Augusto Severo na Ribeira, com edifícios verticalizados ao fundo.

Fonte: Acervo da autora, 2017.

Neste sentido, a Prefeitura de Natal contratou, em 2010, a consultoria do Instituto

Brasileiro de Administração Municipal-IBAM com o intuito de desenvolver uma nova minuta de

lei, que deverá ser chamada de Operação Urbana Consorciada Centro Histórico de Natal –

OUCCHN. O referido documento faz parte do Projeto de Modernização da Gestão

Administrativa e Fiscal do Município de Natal (ModeRNatal), que visa a atualização da política

de ordenamento da cidade. No final de 2011, essa proposta foi apresentada em audiência

pública, entretanto, até agora, não foi implementada. De acordo com a Secretária Adjunta de

Informação, Planejamento Urbanístico e Ambiental da SEMURB, Maria Florésia Pessoa140, a

nova lei de OUCCHN ainda não foi aprovada por falta de vontade política. O mesmo ocorre com

a revisão do Plano Diretor de Natal, que também está atrasado. Assim, analisamos a proposta

da Minuta de Lei da OUCCHN considerando que o estudo embasará a revisão da legislação

urbanística municipal, prevista para ocorrer em 2017.

Verificamos que a primeira alteração proposta é a ampliação da área de abrangência da

Operação Urbana, a fim de compreender toda porção elevada a Patrimônio Cultural do Brasil

e protegida pelo IPHAN, compatibilizar ambos os instrumentos e conciliar a preservação com a

renovação urbana. O IBAM propõe, assim, que a extensão de aplicação da nova lei passe a

contemplar os bairros de Cidade Alta, Ribeira, Rocas e Santos Reis.

Como já foi visto, nos três primeiros bairros mencionados estão distribuídas as poligonais

de proteção do tombamento federal. A incorporação do bairro de Santos Reis é justificada por

estar associado à área mais antiga da cidade, desde o seu processo de formação e ocupação,

140 Entrevista realizada em 11 de fevereiro de 2015.

179

mantendo até os dias atuais o uso residencial vinculado à área central. Por conseguinte,

ressalta-se a importância de se sustentar o padrão da sua ocupação atual, com permanência

de seus residentes, igualmente dotando-a de melhorias em infraestrutura e de requalificação

do espaço público, a serem incluídas no âmbito da operação. Além disso, percebeu-se a

necessidade de monitoramento da área, com relação ao possível avanço do mercado

imobiliário, devido ao bairro abrigar o Forte dos Reis Magos.

O novo perímetro da OUCCHN passaria, assim, a incluir a Área Tombada e a Área de

Entorno definidas pelo IPHAN. Seriam estabelecidas, ainda, novas Áreas de Renovação Urbana-

ARU, para aquelas porções “que reúnem condições para maior adensamento e otimização da

infraestrutura”, e Áreas de Adensamento Restrito-AAR, compreendidas como aquelas que o

“tecido urbano atual deve ser mantido, tendo como prioridade a permanência da população

residente com investimentos em infraestrutura e requalificação urbana”, abrangendo o bairro

de Santos Reis, a maior parte das Rocas e frações menores da Ribeira e Cidade Alta. Além disso,

são destacados os assentamentos precários ou com situação de risco, constituintes do Plano

Municipal de Redução de Riscos, localizados na área de abrangência do instrumento, para os

se estabelece a criação de projetos específicos de urbanização e relocação quando necessário.

Assim, a nova proposta expõe uma preocupação com a garantia das condições de

permanência da população existente naqueles bairros, bem como recomenda a promoção de

habitação para públicos de diferentes faixas de renda. Passa, ainda, a incentivar a instalação de

usos diversificados na área, em conformidade com o que já propõe o PDN141. Ganhando

especial destaque como uma “ação estratégica para revitalização da área”, sugere-se o

incentivo ao uso institucional, designadamente para a instalação de órgãos da administração

pública dos três níveis de governo. (NATAL, 2010, p. 57, 67 e 68), ao contrário do que pretende

fazer o poder municipal ao construir um Centro Administrativo no bairro da Redinha, conforme

visto no capítulo anterior.

141 Em contraponto ao PDN de 1984, que se baseava em um microzoneamento funcional por usos predominantes, desde a revisão do PDN em 1994 passou-se a incentivar a convivência de múltiplos usos em todas as áreas da cidade, desde que submetidos à capacidade da infraestrutura urbana instalada e a compatibilização com as condições ambientais. Assim o macrozoneamento estabelecido na legislação urbana municipal passou a ser especificado em zonas de adensamento básico, zonas adensáveis e zonas especiais.

180

Mapa 20: Subdivisão do perímetro da proposta de OUC Centro Histórico de Natal

Fonte: NATAL, 2010.

181

As novas prescrições urbanísticas passariam a ser: coeficiente básico de 1,0 para toda a

área de OUCCHN, podendo usufruir de um maior aproveitamento construtivo o empreendedor

que pagar contrapartida financeira pela OODC. A proposta considera que os bairros têm

particularidades que resultam em diferentes possibilidades de adensamento e renovação, e,

consequentemente, em parâmetros urbanísticos próprios. Dessa maneira, os coeficientes

construtivos máximos previstos na Minuta de Lei são distintos para cada Área de Renovação

Urbana nos três bairros que as contêm: a ARU da Ribeira oferece a maior vantagem construtiva,

atingindo um coeficiente máximo de 4,0; na ARU da Cidade Alta este pode chegar a 3,0; e na

ARU das Rocas o índice máximo alcançado é de 2,5 (ver Quadro 6).

Nas ARU da Ribeira e da Cidade Alta o gabarito máximo proposto pode chegar a 90m

(limite fixado pelo PDN para todo o município), enquanto na ARU das Rocas esta altura tem

limite em 12m, igual ao da Área de Entorno do Tombamento. Na Área de Tombamento, em si,

o limite de altura é de 7,5m e o recuo frontal pode ser proibido “quando a preservação do

arruamento e ocupação dos lotes for característica histórica a ser preservada” (NATAL/IBAM,

2010, p. 83).

Na nova proposta introduz-se a ideia de utilização de Certificados de Potencial Adicional

de Construção-CEPACs, caso o município ache necessário e válido. Este mecanismo é previsto

pelo Estatuto da Cidade como uma forma de captação de mais-valia urbana, e consiste na

venda de certificados, desvinculados da existência de um projeto ou da posse de um lote, que

poderão ser posteriormente convertidos em direito de construir acima do potencial básico,

desde que respeitando as diretrizes estabelecidas pela Lei da OUC. Dessa forma, possibilitaria

ao Município antecipar recursos para execução de obras de melhoramento da área, que podem

favorecer uma nova dinâmica de investimentos. A utilização deste mecanismo, entretanto,

precisa ser estudada, pois, de acordo com Maricato e Ferreira (2002), pode convergir para a

institucionalização da especulação imobiliária, caso se subordine apenas aos interesses do

mercado em troca de recursos, e se não estiver vinculado às necessidades reais do setor e da

população.

182

Quadro 6: Resumo das prescrições urbanísticas e incentivos fiscais propostos para a OUC Centro Histórico de Natal.

OUC Centro Histórico de Natal – Minuta de Lei – IBAM/2010

Prescrições urbanísticas

Área C. A.* Contrapartida Gabarito Recuos

Área Tombada 1,0

-

7,5m 1,5m nos fundos**

Entorno Tombamento

1,0 12m 1,5m nos fundos**

ARU Cidade Alta 3,0 Contrapartida financeira por OODC, calculada com base no valor do m² do imóvel, seguindo a fórmula:

OODC = (área excedente/ CAbásico) x VT

Onde, área excedente = diferença entre área construída requerida e o potencial construtivo básico.

90m Código urbanístico

ARU Ribeira 4,0 90m Código urbanístico

ARU Rocas 2,5 12m Código urbanístico

Assentamentos /AEIS

1,0 - 12m Código urbanístico

*o coeficiente de aproveitamento básico igual a 1,0 para toda a área de incidência da OUCCH de Natal.

** recuos frontal e laterais não obrigatórios. Sendo os mesmo proibidos quando a preservação do arruamento e ocupação dos lotes for caraterística a ser preservada.

Incentivos fiscais

IPTU

Isenção, pelo período de vigência da Lei (12 anos), para:

- imóveis localizados na Área tombada e de Entorno que passem por restauração total – condicionada à conservação da edificação;

- imóveis de uso residencial na Área Tombada e de seu entorno;

- Imóveis que tenho projetos de restauração total ou parcial aprovados, com o compromisso de execução pelo proprietário (sob a pena de revogação da isenção e cobrança do montante devido)

- Os imóveis de clubes náuticos reconhecidos de utilidade pública no perímetro da OUC.

ISSQN

- Redução de 30% para serviços (Anexo 5) estabelecido na Área Tombada ou de seu Entorno ;

- Redução de 60% para serviços (Anexo 5) estabelecido em imóvel totalmente restaurado, localizado na Área Tombada ou de Entorno do Tombamento;

- Redução de 60% para prestação de serviços (itens XX a XXXIV do Anexo 5 - relacionados à eventos culturais) realizado na Área Tombada ou seu Entorno.

Taxa de licença

- Isenção decorrente da localização de estabelecimento na Área Tombada ou de seu Entorno, em prédios que tenham passado por intervenção de restauração total ou parcial, recuperação total ou de subunidade, no primeiro ano de vigência da lei;

- Isenção decorrente de execução de obras e serviços de engenharia e urbanização, obras de restauração total, para obras de restauração parcial e recuperação total ou de subunidade situadas na Área Tombada ou de Entorno do Tombamento.

Fonte: Elaborado pela autora com informações de NATAL, 2010.

183

Além da utilização dos institutos de TPC, Direito de Preempção e Consórcio Imobiliário,

propõe-se, ainda, a tomada de posse de imóveis identificados como subutilizados pelo Poder

Público Municipal e a possibilidade de utilização do TPC como forma de indenização para

aquisição de imóveis na Área Tombada e Área de Entorno do Tombamento, necessários à

consecução dos objetivos da lei.

A fim de facilitar a atuação dos órgãos de patrimônio na área protegida, bem como para

preservar os exemplares relevantes do seu acervo arquitetônico, a minuta de lei propõe uma

classificação dos imóveis segundo o grau de preservação e de interesse para a leitura do

conjunto arquitetônico e urbanístico. São apontadas três categorias, tendo como base o dossiê

de instrução do tombamento elaborado pelo órgão federal de preservação:

I. Conservação Rigorosa – imóveis de grande importância histórica e/ou arquitetônica, tombados ou não, que mantém a maioria das características originais ou que sofreram alterações ao longo do tempo, sendo, entretanto, passíveis de restauro e que devem ser conservados integralmente.

II. Conservação Intermediária – imóveis de relevância histórica e/ou arquitetônica, que sofreram alterações ao longo do tempo, principalmente internas, mas que preservam ainda as características externas originais.

III. Conservação Volumétrica – imóveis importantes para a leitura do conjunto tombado, cuja volumetria deve ser preservada, sendo permitidas intervenções desde que não comprometam o conjunto no qual se insere.

Propõe-se que essa classificação possa incidir sobre quaisquer imóveis ou conjunto, que

se julgue adequados, localizados na área de abrangência da OUCCH, inclusive nas ARU. Sugere-

se, ainda, que a lista de imóveis de conservação rigorosa possa ser atualizada a qualquer

momento, a partir da edição das normas municipais ou por parte do IPHAN. Desta maneira,

estabelecendo a possibilidade de inclusão de bens segundo a classificação proposta, a minuta

de lei institui um mecanismo flexível de preservação que desvincula a necessidade de revisão

da lei ou da própria utilização do instrumento de tombamento, segundo expõe o relatório feito

pelo IBAM. Aquelas edificações não apontadas nestas categorias serão consideradas passíveis

de serem renovadas, seguindo as prescrições urbanísticas definidas na OUCCHN e mediante a

aprovação dos órgãos de preservação.

A minuta de lei propõe também que as obras de reforma ou restauração de edificações

existentes ou, eventualmente, de novas construções localizadas na área tombada e de entorno,

possam ser dispensadas do cumprimento de algumas exigências do código urbanístico do

município. No intuído de viabilizar mais intervenções, as dispensas referem-se aos parâmetros

184

de dimensões mínimas de compartimentos, iluminação e ventilação destes, assim como o

tamanho mínimo de unidades habitacionais142.

Além disso, a nova proposta tem o intuito de promover a regularização de construções,

reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente. Nas áreas de

tombamento e entorno, a regularização ocorreria através de parecer do órgão municipal de

patrimônio e desde que cumpram as orientações do Escritório Técnico da Operação. Sobre este

assunto, uma das diretrizes da proposta da lei salienta que a recuperação e manutenção do

conjunto arquitetônico e urbanístico tombado, inclui “quando for adequado, a retirada de

elementos que comprometam a morfologia original das edificações tais como empachamentos

e marquises” (Art. 6º, Inc I, IBAM, 2010, p. 69). Nas demais áreas, a regularização se daria

mediante pagamento de contrapartida financeira.

O documento elaborado pelo IBAM propõe algumas mudanças no mecanismo de

concessão de incentivos fiscais. Para concessão das isenções temporárias do IPTU, nas áreas de

tombada e de entorno, propõe-se a desvinculação entre obras de restauração, total ou parcial,

e a destinação do imóvel ao uso residencial. O projeto de lei também indica a possibilidade de

admissão de isenções a partir da emissão de licenças de execução de obras de restauração,

aprovadas pelo órgão municipal responsável – a SEMURB. Assim, seriam ampliadas as

possibilidades de acesso aos benefícios para os casos em que o proprietário realizar obras de

restauração no imóvel, condicionada à sua manutenção; ou instalar uso residencial, reforçando

o estímulo a esta função habitacional na área; bem como para os imóveis para os quais forem

aprovados projetos de restauração total ou parcial, com o compromisso de execução destes –

podendo ser revogado o benefício caso o proprietário não execute o projeto.

Para facilitar o controle do mecanismo de incentivos ficais, sugere-se que a concessão

dos benefícios – IPTU, ISSQN e Taxa de Licenciamento de execução de obras – passe a ser válida

pelo mesmo período de vigência da Lei de OUCCHN. O IBAM avaliou que o tempo de 6 anos de

vigência da OUR foi curto para alcançar o objetivo de recuperação e revitalização do Centro

Histórico. Considerando que este processo seja de longo prazo, propõe-se que a validade da

lei de OUCCHN seja de 12 anos, com revisões periódicas a cada 3 anos. Dessa maneira, a

142 Esta dispensa aplica-se apenas aos casos em que as novas construções não admitam soluções técnicas para cumprir as exigências legais, com custo razoável que viabilize a edificação; quando da inserção de nova construção em conjunto de valor histórico cultural tais exigências possam ser inadequadas; ou em razão da preservação de características originais de bens de valor histórico e cultural.

185

proposta amplia as possibilidades de concessão de isenção de IPTU, mas reduz o número de

anos do desconto, que poderia chegar a 15 anos de dispensa na OUR-2007. A alíquota do ISSQN

permanece reduzida em 30% e 60%, aplicadas agora às áreas de tombamento e entorno. De

maneira semelhante a Lei da OUR, a maior redução deste imposto refere-se à instalação e

serviços em imóvel que seja restaurado, ou quando os serviços prestados sejam referentes ao

entretenimento e lazer143.

Para nova lei de OUCCHN, o estudo do IBAM sugere a adoção das mesmas linhas

programáticas do PAC-CH para o quadro de obras proposto: Produção de Conhecimento e

Gestão de informação; Planejamento e Gestão; Dinamização e Valorização do Patrimônio

Cultural, onde, nesta última, estão inseridas as intervenções urbanas. Destacam-se, nas duas

primeiras linhas programáticas, a indicação de realização de inventário em toda a área da

OUCCHN, o que inclui também a ARU; a formação de mão de obra para a população local; a

formação continuada dos técnicos; bem como a criação de um banco de projetos para subsidiar

a captação de recursos. Estas proposições foram apontadas durante a elaboração do Plano de

Ação para as Cidades Históricas para Natal, no âmbito do PAC-CH.

As ações da terceira linha programática se apresentam subdivididas em: conservação de

bens tombados, requalificação urbanística, infraestrutura urbana e social, projetos especiais e

projetos de reurbanização de assentamentos precários ou com situação de risco. De maneira

geral, propõe-se a retomada de projetos antigos, tais como o Rehabitar, Becos e Travessas e a

requalificação do conjunto da Rua Chile, com a ampliação dos pontos de intervenção. Para a

conservação dos bens tombados propõe-se, além de pintura e sinalização, obras de

acessibilidade e recuperação de edificações de valor históricos para habitação de interesse

social. Nas requalificações urbanísticas, propõe-se a extensão da requalificação do conjunto

histórico para toda a Av. Tavares de Lira e, além dos locais apontados pela OUR e o projeto

143 OS serviços são listados em um Anexo V na Minuta de Lei e referem-se a: exibições cinematográficas; espetáculos circenses; programas de auditório; parques de diversões, centros de lazer e congêneres; boates, taxi-dancing e congêneres; shows, ballet, danças, desfiles, bailes, óperas, concertos, festivais e congêneres; feiras, exposições, congressos e congêneres; bilhares, boliches e diversões eletrônicas ou não; competições esportivas ou de destreza física ou intelectual, com ou sem a participação de espectador; execução de música; produção, mediante ou sem encomenda prévia, de eventos, espetáculos, entrevistas, shows, ballet, danças, desfiles, teatros, óperas, concertos, recitais, festivais e congêneres; fornecimento de música para ambientes fechados ou não, mediante transmissão por qualquer processo; desfiles de blocos carnavalescos ou folclóricos, trios elétricos e congêneres; exibição de filmes, entrevistas, musicais, espetáculos, shows, concertos, desfiles, óperas, competições esportivas, de destreza intelectual ou congêneres; recreação e animação inclusive em festas e eventos de qualquer natureza.

186

Becos e Travessas, passam a fazer parte do quadro de propostas o conjunto Ferroviário nas

Rocas, as Praças André de Albuquerque e João Tibúrcio, bem como o conjunto da Rua João

Pessoa na Cidade Alta. Os projetos especiais apontados pela minuta de lei são o Terminal

Turístico Portuário e o Terminal Pesqueiro. (ver Mapa 21)

Ainda no que se refere às ações previstas, a proposta de lei aponta a intenção de

promoção de usos diversos, com especial destaque para o uso habitacional, a regularização de

imóveis e de assentamentos precários, projetos de educação e qualificação da população. O

incentivo ao uso habitacional na área é mais enfatizado quando se propõe a produção de

unidades de habitação de interesse social e a reurbanização dos seis assentamentos precários

localizados na área de abrangência da OUCCHN. Ao mesmo tempo, ainda se enfatiza a

reafirmação do centro histórico no roteiro turístico de Natal.

Apesar de considerar o quadro de obras das duas leis de OUR vagos em suas propostas,

o estudo do IBAM para a OUCCHN não avança no detalhamento das ações nomeadas. Em

audiência pública realizada em janeiro de 2012, a inexistência de um projeto urbano que

englobe estas ações, foi apontada, pela avaliação do Ministério Público do RN, como uma

fragilidade do novo instrumento, o que já era identificado nas duas versões da OUR. O fato de

não ter sido criado um Escritório Técnico local para gerir a área de incidência do instrumento,

também colaborou para a ineficiência da proposta, devendo-se, portanto, evitar o mesmo

equívoco.

187

Mapa 21: Espacialização das propostas apresentadas pela Minuta de Lei apara a OUC-CHN.

Fonte: NATAL, 2010.

188

4.4. PROJETOS DE REABILITAÇÃO URBANA DO CENTRO HISTÓRICO DE NATAL – GOVERNO DO RN

Durante o processo de elaboração do Plano de Ação para o PAC-CH em Natal identificou-

se uma carência de projetos técnicos existentes no universo do Centro Histórico, o que

dificultava a captação de recursos para execução de obras. Assim, a partir desta demanda, o

Governo do Estado capitaneou uma ação de contratação de um pacote de projetos executivos

para a Reabilitação do Centro Histórico de Natal. Através da Secretaria do Estado de Turismo-

SETUR, com interveniência da Fundação José Augusto, o edital de licitação para contratação de

serviços de elaboração de projetos foi lançado em 2010.

No âmbito do Programa Regional de Desenvolvimento do Turismo-PRODETUR foram

assegurados recursos, via Ministério do Turismo, da ordem de R$ 2 milhões de reais para ações

na área central de Natal. A princípio, estão garantidas as execuções daqueles projetos que

também compõem o quadro de ações do PAC-CH, tendo como executor o Governo no Estado

e recursos do Ministério da Cultura: a restauração do Teatro Alberto Maranhão, do Casarão da

Escola de Danças do Teatro Alberto Maranhão-EDTAM e a requalificação das praças do Centro

Histórico, somando 13 espaços públicos. Entretanto, o intuito é que, tendo os projetos em

mãos, se passe a captar recursos para execução total144. No próprio documento do Termo de

Referência-TR determina-se que os projetos sejam elaborados em conformidade com as

normas padrão e critérios de elegibilidade do PRODETUR Nacional, ”sendo passível de

financiamento pelo programa” (GOVERNO DO RN – TERMO DE REFERÊNCIA, 2010, p.10).

O Termo de Referência-TR, que define os projetos a serem contratados, foi elaborado

pelo arquiteto Haroldo Maranhão, a convite do Secretário de Turismo, em conjunto com a

consultora do PAC-CH no IPHAN-RN, Anna Rachel Baracho. Este documento esclarece que a

área crítica de abrangência do Projeto de Reabilitação Urbana do Centro Histórico corresponde

às áreas de tombamento e entorno estabelecidas pelo órgão federal.

De acordo com o TR do Projeto Básico de Licitação, a implementação do projeto de

Reabilitação do Centro Histórico de Natal visa “dinamizar o sítio histórico de fundação da cidade

a fim de tornar a área um importante centro aglutinador da cultura local, ampliando os serviços

144 Informação obtida a partir de entrevista realizada com a arquiteta da Secretaria Estadual de Turismo-SETUR, Maria Helena Furtado, que compõe a equipe de análise dos projetos. Realizada em Natal em 03/06/2014.

189

prestados, o uso dos espaços públicos e motivando uma nova dinâmica na área” (idem, p. 04).

O quadro dos objetivos específicos nos permite verificar o plano idealizado para o centro

histórico da cidade. Conforme estes objetivos, pretende-se que os projetos solucionem o atual

estágio de degradação e abandono em trechos do espaço urbano, adequem o espaço à

acessibilidade e mobilidade, aprimorando o desenvolvimento de atividades turísticas e

culturais e dinamizando a área.

O programa de necessidades está dividido em duas partes: reabilitação urbana,

abrangendo soluções de drenagem, reordenamento viário e estacionamento, inclusive de

áreas de embarque e desembarque de ônibus de turismo, mobiliário urbano e equipamentos

de apoio (boxes de informação, guaritas etc.), calçadões, espaços de lazer e revitalização de

logradouros públicos; e a criação de um Centro Cultural Cidade Alta, a ser instalado no edifício

da Fundação Capitania das Artes–FUNCART, compreendendo um ponto de informações,

administração e instalações sanitárias, com espaços de eventos e exposições. Além disto, o

escopo das atividades contratadas abrange estudos arqueológicos, avaliação de impactos

ambientais, estudos de viabilização socioeconômica e plano de gestão dos equipamentos

propostos.

A ideia do Centro Cultural remete à proposta do uso original idealizado para o prédio da

FUNCART, que pretendia instalar um complexo cultural no edifício acessível pela Av. Câmara

Cascudo, a Capitania das Artes, mais uma construção no terreno posterior, que nunca foi

executada. Na proposta do projeto de reabilitação do CH de Natal, este equipamento

funcionaria como indutor do processo de requalificação da área, uma vez que está localizado

estrategicamente no meio do Corredor Cultural, entre os bairros da Cidade Alta e Ribeira, assim

como possibilitaria uma maior vitalidade do setor ribeirinho – já que o terreno disponível para

abrigar a nova construção também tem testada para a Avenida do Contorno, que margeia o Rio

Potengi. 145

Além da concepção do Centro Cultural, também contempla-se projetos de restauração

do Teatro Alberto Maranhão-TAM e do edifício da Escola de Dança do TAM-EDTAM146,

145 Depoimento do arquiteto Haroldo Maranhão, componente da equipe que elaborou o Termo de Referência para contratação de serviços elaboração dos projetos para o Centro Histórico de Natal. Entrevista realizada em Natal, em 02/06/2014. 146 Edificação que abrigou temporariamente o Palácio do Governo, localizado na Rua Chile, no bairro da Ribeira.

190

conforme mencionado acima. O pacote de projetos também abarca intervenções em um

conjunto de 34 áreas públicas, entre praças e vias, assim como as fachadas de 62 edificações

públicas. Segundo um dos arquitetos responsáveis pela elaboração do TR, a seleção das

edificações que a serem contempladas com projetos levou em consideração os edifícios

tombados e os de destaque, a partir do mapeamento elaborado pelo IPHAN. Isto fica claro

quando confrontamos o Mapa 16 (p. 146), do Tombamento do IPHAN, e o Mapa 22 (p. 190) que

expõe as intervenções propostas pelo Projeto de Reabilitação aqui abordado. Apesar de se

mencionar que o estado de conservação dos edifícios, em especial os que estavam em

condições precárias, ser um dos critérios que balizaram a escolha desses projetos, o

mapeamento das edificações que serão contempladas com projetos de restauração das

fachadas revela que todas as edificações de destaque foram apontadas intervenção.

Mapa 22: Projetos Contratados pelo Governo do Estado do RN

Fonte: Elaborado pela autora sobre base cartográfica da SEMURB (2005)

191

Assim, embora o discurso da proposta deixe transparecer uma preocupação que

aproxima os temas de preservação e centralidade, pretendo influir sobre e dinâmica urbana da

área, tanto a preservação do patrimônio como a dinamização econômica e social são buscadas,

neste projeto, exclusivamente através da função cultural e turística. Nesse sentido, a proposta,

apesar de atual, retoma a ideia de Corredor Cultural idealizada anos antes.

A elaboração dos projetos teve início em 2012 pela empresa vencedora da licitação

pública, a pernambucana Cunha Lanfermann Engenharia e Urbanismo LTDA-EPP147, e o

produto final foi apresentado em 2015. Segundo depoimento do arquiteto da SETUR, Carlos

Ribeiro Dantas148, o processo de análise durante a elaboração e a aprovação dos projetos foi

feita pela equipe da referida Secretaria do Estado, em diálogo com técnicos do IPHAN-RN.

Destacamos que o TR previa a composição de um Comitê Gestor de Acompanhamento que

integrasse também a Prefeitura de Natal, como terceiro membro. A constatação da falta de

participação do ente municipal ocorreu quando, por ocasião da reunião do recém-criado grupo

COOPERE, verificou-se a incompatibilidade entre os projetos apresentados pela CL Engenharia

para as praças do centro histórico de Natal e uma proposta de acessibilidade para alguns dos

mesmos espaços urbanos, desenvolvida para ser parte do “legado da Copa do Mundo” de 2014,

e que não chegou a ser executada.

Apesar de previsto no TR, os projetos para o Centro Cultural no prédio da FUNCART e de

embutimento da fiação elétrica no centro histórico não foram desenvolvidos. No primeiro caso,

porque houve divergência entre a proposta apresentada e as intenções da Prefeitura municipal

para o uso do referido prédio.

Essa falta de diálogo entre as instâncias municipal e estadual envolve também questões

políticas. Historicamente há um grupo de três famílias que comandam a política no RN (Alves,

Maia e Rosado), dentre as quais duas mantiveram alianças em períodos alternados que

propiciaram um alinhamento de interesses entre Prefeitura de Natal e Governo do RN durante

147 Mesma empresa vencedora de outras licitações para desenvolvimento de projetos no estado: em 2009 ganhou a licitação para desenvolver o projeto executivo para o Museu da Rampa, cuja concepção é do escritório local CRD Arquitetos Associados, através de contrato com o Governo do RN; em 2012, para elaboração de estudos de concepção, projetos básico e executivo de engenharia do Complexo Turístico do Cajueiro de Pirangi, em Parnamirim, cidade vizinha à capital; e em 2013 para elaborar os projetos de arquitetura, restauro e complementares do Forte dos Reis Magos, tendo como contratante o IPHAN. 148 Informação cedida pelo arquiteto da SETUR, Carlos Ribeiro Dantas, que compunha a equipe de acompanhamento do desenvolvimento dos projetos para o centro histórico de Natal, em entrevista realizada em Natal em 24/11/2017.

192

vários mandatos (ver Quadro 6, com destaque das alianças estabelecidas). Não obstante, a

partir de 2009 iniciou-se um movimento de desalinhamento político entre os representantes

dessas duas instâncias, e que corresponde ao período em que foram lançadas as ações mais

recentes para a área central de Natal, analisadas nesta pesquisa com mais atenção e dentre as

quais está incluído o referido projeto de requalificação para o CH. No mandato que se iniciou

em 2009, a prefeitura de Natal passou por uma administração conturbada, quando o

protagonismo da instância municipal sobre as ações na área central da capital começou a

enfraquecer – uma vez que não avançaram mais as discussões sobre a OUCCHN, nem as ações

do PAC-CH assumidas no acordo estabelecido no Plano de Ação –, seguido pelo retorno dos

Alves ao comando municipal em 2013. Por outro lado, em 2011 assumiu a governadoria a

família Rosado (que tradicionalmente atuou mais na porção oeste do estado) e, na eleição

seguinte, deu-se continuidade a divergência entre os representantes políticos locais – Robinson

Faria venceu a disputa eleitoral contra Henrique Eduardo Alves-PMDB, que era apoiado pelo

prefeito de Natal.

Quadro 7: Histórico de representantes políticos nas instâncias municipal e estadual desde o início da década de 1990.

Prefeitura de Natal Governo do RN

1989-1993 - Wilma Maia* - PDT 1987-1991 – Geraldo Melo - PMDB

1991-1994 – José Agripino Maia - PFL / 1994-1995 – Vivaldo Costa-PL (Vice-Governador)

1993-1997 - Aldo Tinoco - PSDB

1995-1999 – Garibaldi Alves Filho - PMDB

1997-2001 - Wilma de Faria- PSB

1999-2002 - Garibaldi Alves Filho-PMDB / 2002-2003 – Fernando Freire-PPB (Vice-Governador) 2001-2002 - Wilma de Faria- PSB

2002-2005 - Carlos Eduardo Alves- PSB (vice-Prefeito)

2003-2007 – Wilma de Faria - PSB

2005-2009 - Carlos Eduardo Alves - PSB 2007-2010 – Wilma de Faria - PSB / 2010-2011 - Iberê Ferreira-PSB (Vice-Governador)

2009-2012 - Micarla de Sousa - PV / 2012 - Paulinho Freire - PP (Vice-Prefeito) / 2012-2013 - Ney Lopes Junior- DEM (Presidente da Câmara Municipal) 2011-2015 – Rosalba Ciarlini Rosado - DEM

2013-2017 - Carlos Eduardo Alves – PDT 2017-atual 2015-atual – Robinson Faria - PSD

Fonte: Elaborado pela autora. *a Política Wilma de Faria foi casada com Lavosier Maia, após a separação trocou o uso do

sobrenome.

193

Diante dessa conjuntura, foram concluídos os projetos de requalificação das 11 praças,

incluindo os espaços públicos da Parada Metropolitana e Largo do Memorial Câmara Cascudo,

e de algumas vias, como a Rua Santo Antônio, na Cidade Alta, Rua Chile, Rua Câmara Cascudo,

Travessas México, Venezuela e Argentina, na Ribeira. Além da recuperação das edificações do

TAM e EDTAM e a restauração das fachadas de 62 edificações, conforme predefinido.

Os recursos financeiros para execução dos projetos estão assegurados apenas para

aqueles que foram contemplados pelas ações do PAC-CH, que correspondem, como vimos no

item 4.2, a requalificação das praças do centro histórico, sem as propostas feitas para as vias

apontadas anteriormente, e a recuperação dos edifícios do TAM e EDTAM. A execução das

obras nas praças do centro histórico foi iniciada este ano pela MK Engenharia Serviços de

Construções e tem a previsão de ser concluída até o final de 2018. A primeira praça recuperada

será a Praça do Estudante, na Cidade Alta, e ainda passarão por obras as Praças Santa Cruz da

Bica, André de Albuquerque, Padre João Maria, Praça 7 de Setembro, Dom Vital, Prefeito

Djalma Maranhão, João Tibúrcio e Praça das Mães Martha Salem, no mesmo bairro

fundacional, e as Praças Augusto Severo, José da Penha, na Ribeira, além do Largo Memorial

Câmara Cascudo e a Parada Metropolitana.

Figura 35: Obras na Praça do Estudante, Cidade Alta, Natal.

Fonte: https://www.novonoticias.com.

Com projetos concluídos e recursos assegurados pelo PAC-CH, a recuperação dos prédios

do TAM e EDTAM espera pelo processo licitatório para que sejam executadas as obras. A

demora para que isto ocorra se deve ao fato dos recursos do programa federal contemplarem

apenas a recuperação da edificação, mas não a sua funcionalidade. Dessa maneira, foi preciso

194

capitar recursos adicionais para execução do projeto cênico e luminotécnico do Teatro, a fim

de que o bem pudesse ser requalificado por inteiro. O Governo do Estado conseguiu

recentemente um convênio para complementar o valor necessário e há a expectativa que a

licitação seja lançada em breve.

Também por falta de recursos, as vias que foram contempladas com projetos não terão

obras executadas. O representante da SETUR ressalta, ainda, que a restauração das fachadas

não será realizada pelo Governo estadual, isto porque algumas das edificações que foram

objeto de projeto são de propriedade privada. Nesse sentido, o arquiteto ressalta a importância

de ser feita uma ação de incentivo para a participação desses proprietários, que teriam acesso

aos projetos já elaborados.

4.5. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS SOBRE A POLÍTICA DE PRESERVAÇÃO URBANA EM NATAL

A partir do panorama apresentado neste capítulo, podemos sintetizar as ações de

preservação do patrimônio cultural em Natal nas categorias de (a) leis e instrumentos

urbanísticos, (b) programas nacionais, (c) intervenções físicas e (d) estudos e propostas não

implementadas.

As leis de tombamento nas diferentes esferas governamentais, criadas em períodos

distintos (1937, 1979, 2001), não produziram muitos efeitos além da proteção legal sobre os

monumentos tombados, assim influíam sobre os bens considerados de destaque em cada

escala de atribuição. A maior atuação neste sentido veio da esfera Estadual, com 47 bens

tombados em Natal, conforme mencionado no item 4.1. Entretanto, o impacto mais amplo

ocorreu com o tombamento federal do conjunto urbano do Centro Histórico de Natal, pelo

IPHAN em 2010. A partir desse momento, as ações dos demais entes governamentais passaram

a considerar os dois bairros mais antigos da cidade nas suas respectivas políticas de

preservação. Antes disso, as ações com fins de preservação do patrimônio urbano variavam

entre aquelas que incidiam sobre ambos os bairros, ou se direcionavam a apenas um deles,

principalmente ao bairro da Ribeira.

Através do levantamento das ações direcionadas à área central de Natal foi possível

verificar que, se a lei municipal de tombamento ocorreu tardiamente, apenas no ano de 2000,

a primeira concepção de conjunto urbano de valor cultural foi encabeçada pela Prefeitura de

195

Natal, através de seu Ordenamento Urbano de 1984 e, mais precisamente, a partir da

delimitação da ZEPH, cuja lei foi instituída em 1990. A atribuição de valor feita ao conjunto

urbano se deu por meio da compreensão da área como importante do ponto de vista histórico

e ambiental, capaz de corroborar para a melhoria da qualidade de vida, conforme previa o PDN,

tanto é que estava inserida no zoneamento das Áreas Especiais junto com as Zonas de

Preservação Ambiental.

Apesar disso, e do PDN de 1994 ter previsto o instrumento de Operação Urbana para a

preservação dos dois primeiros bairros da cidade, a regulamentação do instrumento foi

direcionada exclusivamente para a Ribeira, criada em 1997 e revisada em 2007. Ou seja,

embora ambos os bairros tenham sido reconhecidos como detentores de valores e

merecedores de preservação desde o PDN de 1984, as ações começam a incidir apenas no

bairro da Ribeira, sendo por vezes dado a esse bairro o título de “sítio histórico de Natal”.

Acreditamos que isso ocorreu porque, como visto no item 2.1 desta dissertação, foi na Ribeira

onde mais pesou o processo de esvaziamento e degradação, o que demandou mais atenção,

enquanto a Cidade Alta, apesar de também ter sofrido uma mudança de público para grupos

sociais menos abastados, ainda possui um comércio de rua tradicional, instituições religiosas e

governamentais, ligadas à gestão pública, e um núcleo residencial consolidado.

Em meio a esse conjunto de determinações propiciadas por leis e instrumentos

urbanísticos, apenas a OUR tinha o intuído de influir sobre a dinâmica da área em que atuava

no sentido de revitalizá-la, enquanto as demais tinham o objetivo principal de preservar os

exemplares arquitetônicos de valor histórico e cultural tombados, ou do conjunto, no caso da

ZEPH e do recente tombamento federal o centro histórico. Através de sua estrutura de atuação,

na ZEPH essa preservação estava condicionada à manutenção do uso do solo de maneira pouco

flexível, reforçando a ideia de função comercial para a Ribeira, e de lócus de Poder público e

residencial na porção da Cidade Alta, propondo o congelamento funcional desse setor na

cidade. Já a OUR propunha a revitalização do bairro da Ribeira atuando principalmente através

da modificação do Ordenamento Urbano na área de incidência e oferendo incentivos fiscais

para que atividades e usos dinamizassem esta porção da cidade. A partir do zoneamento

proposto por este instrumento, a fração destinada à preservação seria menor que a área

delimitada pela ZEPH nesse bairro, ou seja, a própria municipalidade ainda não tinha um

consenso sobre a área detentora de valores a ser preservada, enquanto as duas leis coexistiam.

196

A partir de um panorama geral, verificamos também que Natal foi contemplada na

maioria dos programas nacionais que envolviam a preservação e/ou revitalização do

patrimônio urbano, deixando de ser contemplada apenas no Monumenta e no URBIS, como

mencionado no item 4.1. É importante enfatizar que, em meio a estes programas nacionais nos

quais Natal teve participação, apenas o PCH e o PAC-CH foram capitaneados pelo IPHAN,

enquanto os outros foram iniciativas dos Ministérios das Cidades (PRAUC) e CAIXA Econômica

Federal em parceria com o Governo Francês (PRSH-ReHabitar). Isso significa que para o IPHAN

a área central de Natal não se destacava, até poucos anos atrás, enquanto conjunto urbano de

valor patrimonial de abrangência nacional, de maneira suficiente para participar das suas ações

direcionadas aos centros históricos. Também é sabido que a política de atuação da instituição

é guiada primeiramente pelo tombamento, que funciona, de certa forma, como pré-requisito

para implantação de ações de promoção e revitalização dos bens culturais protegidos. Assim

como, a seleção dos bens a serem salvaguardados historicamente esteve condicionada à forte

vinculação com o estilo colonial ou, mesmo com a expansão para outros estilos e bens

representativos de momentos históricos de formação do Brasil, ao atributo da homogeneidade

arquitetônica, características que não se destacam no caso da área central de Natal.

Dentre as políticas nacionais das quais participou, apenas duas resultaram em

intervenções diretas através de obras físicas: o PCH e o atual PAC-CH, ainda em andamento. No

entanto, no PCH as intervenções foram pontuais, uma vez que objetivavam o fortalecimento

do turismo, se direcionando para aquelas estruturas mais adequadas a abrigar e desenvolver

esta atividade, não necessariamente no núcleo central das cidades. Nos outros dois programas

em que Natal foi contemplada, os investimentos resultaram em pesquisas e produção de

materiais para registro e divulgação dos diagnósticos e propostas desenvolvidas, como foram

os casos do ReHabitar, no âmbito do PRSH, e o PRAC Ribeira pelo PRAUC. Dessa maneira, parte

das propostas compõe o grupo de intervenções físicas executadas e outra porção se constitui

em estudos realizados sem efetivação. (Ver Quadro 8).

O Rehabitar Ribeira e o PRAC Ribeira compõem, portanto, o grupo de ações que se

constituem de estudos que não foram implementados. A despeito disso, ambos apresentam

importantes propostas para a área central de Natal. O primeiro, partidário da ideia de

reabilitação de áreas urbanas subutilizadas, sobretudo através do reforço do uso habitacional,

apresentando estudos concretos de adaptação para reuso de edificações. Do PRAC-Ribeira

197

destaca-se a realização de um amplo estudo dos imóveis do bairro, subsidiando a sugestão de

medidas de proteção aos imóveis e conjuntos com características históricas ainda preservadas,

bem como, de maneira inédita, propondo alternativas flexíveis para dinamização da área

através, inclusive, da substituição dos imóveis descaracterizados. De maneira isolada, dentre

as ações não implementadas também podemos apontar a ideia do Corredor Cultural de Natal,

pois, embora não tenha sido lançada, também nunca foi abandonada totalmente.

Duas décadas após as primeiras intervenções de preservação do patrimônio edificado no

RN – que restaurou e adaptou poucas edificações de maneira isolada, através do PCH – a

primeira ação de intervenção física executada no conjunto urbano da área central de Natal,

com o fim de revitaliza-la149, foi também a única desvinculada de uma política mais ampla

estruturada. Considerando que embora se fale nos projetos Ribeira Viva e Ribeira: Plano de

Reabilitação, estes não chegaram a ser sistematizados em meios de divulgação pública, ou seja,

não foram lançados oficialmente. Ademais, como a proposta do último projeto não foi

aprovada para financiado nos programas que pleiteou, o resultado prático dessas propostas foi

apenas o projeto de revitalização de parte da Rua Chile.

A maioria das demais intervenções físicas executadas estava prevista no quadro de obras

da OUR, entretanto não foram financiadas através de recursos gerados pelo instrumento

urbanístico, mas sim de maneira desvinculada e com recursos oriundos exclusivamente da

Prefeitura. Estão relacionadas a obras de reestruturação viárias e requalificação urbana no

trecho de maior fluxo da Ribeira, a implantação de equipamentos como o Museu da Cultura

Popular e o Terminal Marítimo de Passageiros (este último com recursos provenientes do

Governo Federal). Outra intervenção, que não tem relação direta com a preservação do

patrimônio, mas influi diretamente sobre a área central é a construção do Terminal Pesqueiro,

de iniciativa do Governo no RN – ainda não inaugurado.

149 Também na década de 1960, a construção da rodoviária estadual na Praça Augusto Severo, na Ribeira, a despeito da intenção de recuperar a dinâmica do bairro não estava relacionada à ideia de preservação da área urbana enquanto bem de valor patrimonial.

198

Quadro 8: Política de preservação em Natal-RN subdividida por tipo de ação.

Leis e instrumentos urbanísticos

Plano Direto de Natal-1984;

Zone Especial de Preservação Histórica-ZEPH-1990;

Operação urbana Ribeira - 1997/2007;

Leis de tombamento nas três esferas governamentais (Federal-1937, Estadual- 1981 e Municipal- 2000);

Tombamento do centro histórico de Natal pelo IPHAN - 2010.

Programas nacionais de preservação

Programa das Cidades Históricas -1973-1983;

Programa de Revitalização de Sítios Históricos-PRSH – 2001-2007;

Programa de Reabilitação de Áreas urbanas Centrais-PRAUC - 2004-2007;

Programa de Aceleração das Cidades Histórica – PAC-CH – 2009 (em andamento);

* Não participou do Monumenta e URBIS

Ações de intervenção físicas

realizadas

Restauração Forte e Cadeia Pública/Centro de Turismo, Igreja do Galo (PCH - 1976);

Fachadas da Rua Chile - 1997;

Largo do Teatro e Museu Cultura Popular Djalma Maranhão (Prefeitura de Natal) e Av. Duque de Caxias (previstas na OUR) - 2008;

Canto do Mangue: Praça do Pôr do Sol e Mercado do Peixe-Rocas; Praça e Mercado das Rocas - 2008;

Terminal Público Pesqueiro- 2009-não inaugurado;

Terminal Marítimo de Passageiros - 2014;

Ampliação do Porto (em andamento);

Relocação da comunidade Maruim e Centro de Descasque de Camarão (2017);

Reforma Praça André de Albuquerque (Prefeitura de Natal) - 1999;

Restauração IHG-RN e Anexo, Sedes do Iphan Cidade Alta e Ribeira (IPHAN).

Estudos e propostas não implementadas

Corredor Cultural – 1983;

Becos e Travessas - 2007;

ReHabitar Ribeira (PRSH -2001-2007);

PRAC-Ribeira (PRAUC) - 2004-2007

Fonte: Elaborado pela autora a partir do levantamento de dados.

No que diz respeito aos recursos financeiros, só na Ribeira, o PRAC (2006) estimou um

valor de R$29.992.764,06 necessários para a realização das intervenções propostas pelo

estudo, enquanto os projetos em curso no bairro, levantados na época, somavam um

investimento de R$ 8.124.653,70. A partir da comparação dos valores apresentados pelo

estudo sugere-se, portanto, que os recursos empregados ainda estão aquém da demanda

existente, que ainda requereria um investimento na ordem de quatro vezes mais do que vem

199

sendo direcionado na recuperação da área150. Acrescentando-se os valores estimados pelo

PAC-CH (R$ 19.215.945,94) e o investido pelo Governo do Estado para a contratação do pacote

de projetos (R$ 2.226.916,53), os recursos disponibilizados atualmente somam mais de R$

21.442.862,47151 em ações nos dois bairros fundacionais, ou seja, um montante de recursos

inédito para a recuperação do patrimônio urbano de Natal.

A partir da análise detalhada das ações atualmente em curso para a área central,

verificamos que as três iniciativas estão imbricadas e relacionadas ao recente contexto do

tombamento do centro histórico de Natal. Constatamos que algumas demandas apontadas na

fase de elaboração Plano de Ação do PAC-CH para Natal, foram assumidas pelas instâncias

governamentais municipal e estadual. Nessas ações, é possível verificar aspectos positivos e

negativos.

O Plano de Ação para cidades históricas em Natal definiu uma área de atuação

abrangente e conseguiu uma parceria interessante entre os entes públicos, mas as ações

selecionadas para execução não foram coerentes com os princípios iniciais do Programa, que

inovava ao inserir o patrimônio na dinâmica da cidade. A seletividade através de interesse

político no PAC-CH fica clara quando verificamos que, por exemplo, imóveis que estão sob

proteção governamental e que foram identificados pelo estudo PRAC-Ribeira, em 2006, como

sem uso e em estado de degradação avançado, não foram apontados nem na fase de

elaboração do Plano de Ação, em 2009, muito menos selecionados para compor ações

financiadas pelo programa (ver Figura 36).

Um possível impedimento para pleito aos recursos do PAC-CH é a propriedade dos

imóveis, o que reforça a importância da linha de ação de Financiamento para Recuperação de

Imóveis Privados, que estava inicialmente prevista neste programa. Mesmo já tendo se

mostrado como um bom caminho, em alguns casos, até agora essa vertente de atuação não foi

150 Das ações propostas apenas a relocação dos moradores da antiga Comunidade do Maruim foi posta em prática, com recursos do PMCMV. Entretanto, o projeto completo para a área ainda envolve a reurbanização de parte das casas remanescentes (as que margeiam a praça) para criação de um espaço de tratamento de camarão e comercialização, destinado aos trabalhadores da comunidade. 151 As ações de Requalificação das praças do centro histórico, Restauração do Teatro Alberto Maranhão e Restauração do casarão da escola de danças do TAM não tiveram o valor divulgado, em razão da possibilidade de uso do regime diferenciado de contratação - RDC.

200

implementada pelo Programa. Por outro curso, a implantação desse tipo de política só será

possível se a questão fundiária dos centros antigos for enfrentada.

Figura 36: Imóvel localizado na Rua Chile, Natal, tombado pelo Governo do RN.

Fonte: Google street view (2017).

A inciativa do Governo do Estado tem a boa intenção de construir um banco de projetos

para viabilizar a captura de recursos para execução de obras no centro histórico da capital. No

entanto, a fragilidade encontra-se do escopo desses projetos, que retomam a ideia do Corredor

Cultural de Natal. Este tipo de proposta, como visto, foi idealizada ainda na década de 1980, e

vê nas atividades turísticas e culturais, bem como na restauração de fachadas de imóveis e na

requalificação do espaço público, a única, ou a principal, saída para dinamizar a área. Ações

desse tipo se ligam à vertente do urbanismo contemporâneo que prioriza a estetização e a

transformação da cidade em atrativo de fácil leitura.

A minuta de Lei para a OUC-CHN propõe várias questões interessantes: além da expansão

da aplicação do instrumento, propõe um sistema flexível de preservação das edificações; a

preocupação com a questão social, especialmente em relação às comunidades de baixa renda

existentes na área, a promoção de habitação de interesse social e a prevenção em relação ao

avanço do mercado imobiliário sobre os bairros de Rocas e Santos Reis, constituídos

majoritariamente de residências unifamiliares. Mas repete alguns equívocos já denunciados na

OUR, como a indicação de um quadro de obras sem detalhamento de um projeto urbano ou

de indicação de prioridades de execução.

Dessa maneira, percebemos que, no âmbito local, as motivações e ações de

patrimonialização foram polarizadas em dois locais de interesse e temáticas: de um lado a

201

gestão municipal atuou principalmente através de legislações e instrumentos urbanísticos

(PDN, ZEPH e OUR), tendo direcionado mais esforços para o bairro da Ribeira e incluindo

também investimento em algumas intervenções físicas (na Rua Chile e no Largo Augusto Severo

e na Av. Duque de Caxias, como integrantes do quadro de obras previsto na Lei da OUR). Por

outro lado, outros atores se esforçaram por valorizar uma porção mais próxima do bairro

fundacional, mais direcionada ao tema cultural e turístico152. De maneira geral, além do número

expressivo de tombamentos de bens individuais, o Estado teve maior participação nas políticas

que envolveram o uso turístico do patrimônio, primeiramente atuando como instancia

executora do PCH, na década de 1970, e recentemente propondo a reabilitação do centro

histórico da capital através da contratação de projetos para o centro histórico da capital

potiguar – que previa a criação de um centro cultural para dinamização e apoio à atividade

turística.

Em ordem cronológica, as ações que incidiram sobre área central de Natal articuladas ao

seu valor patrimonial narram sobre diferentes espaços e estratégias que podemos sintetizar da

seguinte maneira:

- Cidade Alta e Ribeira enquanto espaços de valor histórico e patrimonial a serem preservados

em nome da qualidade ambiental da cidade por meio de um ordenamento do uso e da

ocupação do solo rigoroso, prevendo a separação de usos e o controle da volumetria do

conjunto das edificações (ZEPH-1990);

- o resgate da Ribeira boêmia e sua promoção enquanto símbolo de cultura, do patrimônio, do

lazer e turismo, revitalizado através da restauração de edificações do conjunto e implantação

de usos culturais e de lazer (Fachadas da Rua Chile-1997);

- a Ribeira como sítio para múltiplas funções (porém incentivando prioritariamente as

atividades de hotelaria, habitação e estacionamentos), subdividido em área de preservação e

área de renovação urbana. Revitalizado através de incentivos para a ocupação e restauração

das edificações históricas, promoção de eventos culturais e artísticos, restauração e pintura de

fachadas e projetos de utilização do rio com fins de lazer e turismo (deck, terminal de barcos

152 Onde se destaca a pessoa de Jeane Nesi, que desde sua atuação da FJA e por anos a frente do Escritório Técnico (posteriormente Superintendência do IPHAN-RN), direcionou esforços para a valorização a Cidade Alta, tendo capitaneado a abertura do processo de instrução do tombamento do Centro Histórico de Natal.

202

de passeio), bem como de obras de requalificação urbana de ruas e praças financiadas por

recursos gerados pela renovação da parte considerada sem valor patrimonial (OUR-1997);

- a Ribeira enquanto área central de infraestrutura subutilizada, reabilitada por meio da

implantação do uso habitacional nas edificações históricas, e da requalificação de espaços

públicos dos becos e travessas do bairro (PRSH-ReHabitar Ribeira/ Projeto Becos e Travessas);

- a Ribeira enquanto sítio histórico e espaço de múltiplas funções, com destaque para a

habitação, o lazer (cultura e esporte) e o turismo. Reabilitado através de uma gestão e

normatização flexíveis (permitindo demolições das edificações descaracterizadas e novas

construções), um amplo programa de turismo cultural, intervenções viárias, bem como pela

criação de polos cultural e turístico na Rua Chile, gastronômico na Av. Tavares de Lira,

desportivo nas Rocas e comercial e transporte intermodal na praça Augusto Severo

(PRAUC/PRAC Ribeira - 2004-2007);

- a Cidade Alta e a Ribeira representando o centro histórico de Natal e compondo o quadro do

patrimônio cultural do Brasil, representando um registro histórico da ocupação das capitanias

ao norte do país (tombamento pelo IPHAN-2010);

- a compreensão do Centro Histórico como integrante de uma rede de manifestações culturais

e da dinâmica urbana, com grande demanda de políticas para promoção do patrimônio

imaterial e de infraestrutura, porém revitalizado através, apenas, da restauração de edificações

isoladas e requalificação das praças (PAC-CH-2009);

- o CH de Natal como um Corredor Cultural, ligado à receptividade do turismo e lazer,

revitalizado através de restauração de fachadas, requalificação do espaço público (com

destinação de locais para ônibus de turismo) e criação de um Centro Cultural (Projeto

Reabilitação do CHN-Governo do RN/Secretaria de Turismo -2012-2015- em execução parcial);

- o CH de Natal como espaço conectado ao seu entorno, de múltiplas funções e diversificado

em sua composição social. Reabilitado através da parceria com a iniciativa privada e a

renovação de frações sem valor histórico; incentivos para instalação de múltiplos usos,

prioritariamente o institucional e habitacional, um programa de assistência à população, assim

como a execução de projetos antigos de requalificação urbanísticas, incluindo novos pontos de

intervenção nos bairros de Cidade Alta e Rocas, e a reafirmação do roteiro turístico na área

(OUC-CHN-proposta de 2010).

203

De maneira geral, verificamos que, de uma legislação que trabalhava a área com a

separação de usos, na ZEPH, e o direcionamento seletivo de atividades culturais na intervenção

na Rua Chile, as ações a partir da OUR de 1997 passaram a propor, em seus discursos, a reunião

de usos diversos convivendo na área. Essa ideia reforçaria a característica de centralidade,

segundo os aspectos defendidos por Villaça (1998).

A partir de então, a maioria das ações que propuseram influir sobre a dinâmica da área

urbana central, ou da Ribeira mais especificamente, tinham o intuito de reforçá-la como uma

área de múltiplas funções, incentivando, destacadamente, os usos residencial e de lazer,

envolvendo usos culturais e turísticos. Apesar disso, apenas o ReHabitar possuía o foco para a

função habitacional e apresentou propostas mais concretas de intervenção, que

paradoxalmente não saíram do papel, por diversos fatores – falta de interesse de

empreendedores, ausência de linha de financiamento especifica, dificuldade de acesso aos

proprietários dos imóveis etc.

Diante deste cenário, se evidencia o fato de ações de educação patrimonial estarem

pouco presentes em meio às políticas patrimoniais apresentadas em Natal apesar de ser um

nas maiores necessidades apontadas pelo Plano de Ação do PAC-CH. Após o tombamento do

CH pelo IPHAN, a Superintendência local realizou oficinas com diversos atores sociais, as quais

representaram a única iniciativa neste sentido. Da mesma forma, a participação da sociedade

na construção e na tomada de decisão sobre as políticas de preservação do patrimônio é

recente, tendo ocorrido apenas na fase de elaboração do referido Plano para o PAC-CH, e na

forma de uma audiência pública para apresentar a proposta para a OUC-CHN. As demandas

sociais apresentadas pelo Diagnóstico Local e as ações propostas nesse campo no Plano de

Ações do PAC-CH não foram postas em prática.

Por conseguinte, podemos constatar que as estratégias implementadas para a

preservação e revitalização da área central resumem-se à intervenções para restauração de

fachadas do conjunto urbano ou de edificações isoladas, e na requalificação dos espaços

públicos nas principais vias, além de uma forte vinculação da atividade turística e

entretenimento como meio de resgatar a dinâmica da área.

Portanto, ao analisarmos as ações em curso, percebemos que estas reproduzem, em

parte, as estratégias empreendidas em outros momentos. O PAC-CH e o Projeto de Reabilitação

idealizado pelo Governo do Estado, com a contratação de projetos executivos para a área

204

central, convergem principalmente para os temas do turismo cultural e recuperação de imóveis

como estratégia de revitalização da área. Apesar de também propor intervenções semelhantes,

a proposta da OUC-CHN avança nos aspectos relacionados à assistência à população, mas a sua

execução é incerta, pois, além de não ter sido aprovada até o momento, as ações previstas na

Minuta de Lei não são detalhadas.

As vozes citadas, de quem vivencia a realidade cotidiana da área, soam como ecos de

uma teoria bastante conhecida: requalificar uma área urbana de valor patrimonial é mais do

que restaurar fachadas; envolve ações que impulsionem verdadeiramente uma dinâmica capaz

de se sustentar, ou seja, coerente com a realidade local:

“[...] o projeto que tem aprovado com verba do PAC de quarenta e quatro milhões vai revitalizar fachadas e são sessenta e duas fachadas com tintas e iluminação, “beleza”, mas isso dura um ano e depois de um ano se isso não for ocupado propriamente, se não der função, se não tiver melhoria da iluminação e do problema maior de segurança pública, né?! Mas, se não criar pelo menos uma área de interesse da segurança pública, dificilmente vai mudar, além dos incentivos fiscais que têm que ser garantidos, que é uma lei que “ta” sendo reeditada, né?! [...] eles também estão com essa promessa de reeditar e incentivar os empresários a virem pra cá, só que se esse conjunto todo não for feito, além de fomento constante à participação [...], eu continuarei vendo a revitalização da Ribeira com muito ceticismo, por conta desses dezesseis anos, eu já vi essa revitalização duas vezes, uma de fachada e outra de calçada e não saiu disso [...] Revitalizar é dar função, criar pertencimento, incentivar uma educação patrimonial e incluir esse espaço da cidade como um espaço de interesse para o turismo, para o comércio [...] tudo que tem hoje não contempla nada disso, as ações são feitas só pra ficar bonito” (depoimento de Carlos Henrique Lisboa Fontes in SOUZA, 2013, p. 140).

205

5. O LUGAR DO CENTRO HISTÓRICO NA CIDADE DE NATAL

O conceito de totalidade enquanto categoria analítica (SANTOS, 2012), utilizada nesta

dissertação, propõe uma leitura dos eventos através de uma relação entre o global e o local,

visto que ambos se influenciam mutuamente e fazem parte, em última análise, de uma

realidade única. Dessa maneira, ao cruzarmos os dados da dinâmica urbana e as políticas

patrimoniais empreendidas na área urbana central de Natal, analisados nos capítulos

precedentes, verificamos que em ambos os campos houve influências externas, mas esses

campos não dialogaram entre si. O processo de patrimonialização em Natal sofreu influência

das reflexões teóricas e práticas desenvolvidas no âmbito nacional, mas pouca atenção foi dada

aos aspectos locais da dinâmica urbana na concepção das ações direcionadas à antiga área

central.

Seguindo essa abordagem, analisaremos a seguir a relação entre o processo de

patrimonialização do centro histórico de Natal e o contexto mais global da produção do espaço

da cidade. Ou seja, a análise também foi feita em uma escala em se considera a cidade como

contexto maior, onde estão inseridas as ações direcionadas para a uma parte especifica do

território, que corresponde, nesse trabalho, à área central de Natal. A partir da análise

empreendida, inferimos que as consequências locais do crescimento e desenvolvimento

urbano e econômico da capital não favoreceram as políticas voltadas para o patrimônio cultural

da área central, nem foram analisadas com o cuidado necessário ou levadas em conta no

processo de patrimonialização que visava à dinamização desse bem cultural urbano.

5.1. O PROCESSO DE PATRIMONIALIZAÇÃO DA ÁREA CENTRAL DE NATAL EM UMA VISÃO TOTALIZANTE

Sabe-se que a ideia de preservação de um patrimônio histórico e artístico no Brasil teve

início na década de 1930, quando se iniciou uma movimentação para criação de um órgão

público com a incumbência de resguardar o patrimônio cultural brasileiro. Neste período a

concepção de uma cultura brasileira era constituída por aqueles bens relacionados ao período

colonial e ao modernismo, então em busca por hegemonia nos campos da arte e da arquitetura.

Quando se tombou o Forte dos Reis Magos (primeira ação de preservação no RN), na década

1940, o entendimento sobre o patrimônio e herança cultural do Brasil ainda era formado pela

vanguarda modernista. O núcleo urbano da cidade de Natal não se enquadrava nessa

206

compreensão, uma vez que, em decorrência das dificuldades enfrentadas nos três primeiros

séculos de formação – na ocupação do território, devido aos obstáculos geográficos do

entorno, e consequente subdesenvolvimento econômico pelo seu isolamento –, produziu uma

arquitetura modesta, construída com adaptações e uso de materiais e mão de obra locais.

Além disso, naquele período, a cidade de Natal se concentrava na região leste do território e

os bairros fundacionais ainda representavam o centro ativo mais importante da capital. O

bairro da Ribeira estava em uma dinâmica ascendente e logo passaria pelo seu auge enquanto

bairro boêmio e comercial.

A partir dos anos 1950, no plano nacional, deflagrou-se um processo mais intenso de

urbanização e industrialização, bem como estabeleceu-se uma ideia desenvolvimentista no

projeto político federal. Nesse contexto, o patrimônio e as áreas centrais começaram a ser

vistas ou como entraves ao desenvolvimento econômico ou como potencialmente utilizáveis

nesse projeto, através da exploração da atividade turística. No entanto, esse movimento ainda

estava relacionado aos circuitos turísticos mais consagrados, a partir da ideia inicial do que

representava o patrimônio histórico e artístico nacional.

Na década de 1960, a malha urbana de Natal já havia iniciado um processo de expansão

para áreas mais longínquas, o que ocorreu sem a existência de um planejamento que regulasse

o crescimento da cidade. Esse processo associou a criação de um mercado de loteamentos

privados a políticas públicas de produção de habitação social e foi facilitada, também, pela

construção de importantes vias de conexão entre o núcleo central da urbe e as áreas de

expansão (herança da implantação de bases militares durante a Segunda Guerra Mundial).

Dessa maneira, o período representou uma primeira fase de enfraquecimento do centro

dinâmico constituído pelo núcleo urbano fundacional da cidade, uma vez que algumas funções

foram migrando para outras áreas, novas e mais valorizadas. Diante da fuga de atividades do

primeiro núcleo dinâmico, a construção da Rodoviária na Praça Augusto Severo, no bairro da

Ribeira, aproveitou o fluxo de imigrantes vindo do interior para tentar restabelecer a dinâmica

local. Apesar de a área central já ter começado a sofrer os efeitos da expansão urbana nessa

época, ainda não havia se formado uma concepção valorativa desse conjunto urbano em

nenhum nível governamental ou na sociedade. Com a implantação uma estrutura do IPHAN no

207

estado, as ações de preservação foram direcionadas para o tombamento de mais duas

edificações no bairro da Cidade Alta153.

No campo político local foram dirigidas ações para dois temas: a criação da Fundação

José Augusto enquanto instituição de promoção da cultura do estado, ao mesmo tempo em

que também se desenvolvia a ideia do turismo como meio de crescimento econômico e a

exploração das praias enquanto atrativos, o que direcionou investimentos para a orla marítima

urbana. Segundo Oliveira (2016), a atuação da FJA no campo cultural representou um dos

fatores que levaram a seleção da capital potiguar a participar do primeiro programa nacional

de preservação do patrimônio, o PCH, na década de 1970, aliado ao potencial turístico da

cidade e por ela estar inserida na região nordeste, priorizada pelo programa em sua fase inicial.

A atenção para com o patrimônio cultural neste programa, em verdade, estava vinculada à

perspectiva de desenvolvimento econômico através do turismo, ideia que teve início com a

política desenvolvimentista ainda nos anos 1950, comentada acima. Dessa maneira, a

estratégia local se somou ao plano nacional e as ações se vincularam à criação de atrativos

turísticos em edificações isoladas, não necessariamente localizadas na área central. Esta

continuava a perder cada vez mais força no contexto urbano de expansão, com investimentos

públicos sendo concentrados em outras áreas da cidade, incluindo a mudança do poder

executivo estadual para um novo Centro Administrativo no eixo de expansão sul da capital.

A partir dos anos 1980, a ideia de patrimônio cultural começou a se ampliar,

flexibilizando-se os critérios estéticos de seleção de bens para proteção e passando-se a

abranger a recém reconhecida arquitetura modesta enquanto detentora de valor cultural.

Nessa conjuntura, a atribuição de valor e a ideia de preservação da área central de Natal

surgiram vinculadas às premissas de preservação do meio ambiente e de áreas socialmente

frágeis, levantadas no campo do urbanismo e refletidas na legislação urbana local, aprovada

em 1984.

A regulamentação da Zona Especial de Preservação Histórica, em 1990, abrangendo parte

dos bairros de Cidade Alta e Ribeira, era operacionalizada através do controle urbanístico de

construção e do uso do solo, além de restrições de demolição e parcelamento dos imóveis. As

153 O edifício do antigo Palácio do Governo (ou Palácio Potengi, que hoje é a Pinacoteca do estado) e uma residência do período colonial localizada na Rua da Conceição (que abriga hoje o Museu Café Filho e também é conhecida como “sobradinho” ou “véu de noiva”, devido ao declive acentuado de uma das paredes externas).

208

frações dos bairros fundacionais que não foram incluídas nessas áreas especiais, contudo, eram

contempladas com os maiores coeficientes construtivos previstos pelo PDN-1984, destinados

aos usos comercial e de serviços. Apesar disso, os novos equipamentos mais modernos

optavam por se instalar nas áreas de expansão, o que se acelerou nessa década. A área central

já havia sofrido o esvaziamento do uso institucional e o poder público ainda passou a atuar de

maneira mais intensa na construção de conjuntos habitacionais, agora em zonas periféricas do

município no âmbito da política implementada pelo antigo BNH. Ou seja, se por um lado o PDN-

1984 previa os maiores índices construtivos para o uso comercial na área central de Natal, o

estado induzia a expansão física da malha urbana e atraía o interesse privado a se estabelecer

nas áreas novas da cidade.

Além disso, a legislação também favorecia o esvaziamento da função habitacional da área

central, quando previa a instalação desse uso apenas em seu entorno. No período em que a

verticalização começou a se desenvolver com maior velocidade, o panorama de produção de

habitação por incorporadores se destacava nos bairros de Lagoa Nova, Tirol e Capim Macio,

entre as principais preferências locacionais, conforme analisou Queiroz (2012) na década de

1990. Dessa maneira, aliando-se à regulamentação das Zonas Especiais (ZEPH e ZEP) com

características restritivas, o contexto urbano de crescimento e investimentos públicos nas

novas áreas não favorecia a dinamização da área central, que estava em processo de declínio

cada vez mais perceptível.

Diante desse quadro, com a desativação da Rodoviária da Ribeira, que se mudou para a

região oeste no bairro de Cidade da Esperança, o processo de declínio e esvaziamento de

funções da área central se intensificou. Situação essa que não foi, nem poderia ser, nos moldes

em que foi construída, revertida unicamente pela legislação urbanística restritiva existente.

Esse tipo de atuação se aproxima do modelo de conservação apontado por Leonardo Castriota

(2008), que se originou da década de 1960, quando já se tinha noção da necessária vinculação

entre os temas do patrimônio e do planejamento urbano, mas se atuava fortemente no

controle e normatização das áreas valoradas, em detrimento do encorajamento de utilização

do seu estoque edificado.

Neste período, principiava-se também a discussão sobre a criação de um Corredor

Cultural em Natal, voltado para o eixo de ligação entre o marco zero na Cidade Alta até o largo

no bairro ribeirinho, onde se concentram várias edificações de destaque. Apesar de ser

209

divulgada em âmbito nacional em 1991, a ideia do Corredor Cultural de Natal não se

desenvolveu neste período, mas seria retomado em outros momentos, e foi, gradativamente,

sendo apropriada por atores da sociedade ligados ao ramo turístico.

A política com o mesmo nome, o Corredor Cultural do Rio de Janeiro, criado em 1979,

representava uma inspiração de gestão urbana aliada à preservação do patrimônio, apoiada

em um ordenamento urbanístico detalhado e incentivadora da permanência das atividades

existentes – aproximando preservação e planejamento urbano. Por outro curso, a concepção

do Corredor Cultural de Natal estava vinculada à ideia de valorização da memória local, sem

muitos detalhes operacionais, assim como passou a se filiar ao objetivo de produzir um atrativo

turístico, com o fim de prolongar a estadia média dos visitantes que vinham à cidade conhecer

as praias amplamente divulgadas. Ou seja, mesmo a concepção do patrimônio da área central

de Natal como atrativo turístico esteve, por muito tempo, subordinada ao patrimônio

constituído pelas belezas naturais do estado, com a função apenas de atrativo secundário.

Embora sem sucesso na sua implementação, essa proposta nunca foi abandonada e, pelo que

foi visto ao longo deste trabalho, parece ter retornado com força no momento atual.

Como apontado anteriormente, a ampliação do interesse pelo tema do patrimônio

urbano, semelhante àquela identificada com a “inflação do patrimônio” na Europa por Choay

(2006), também foi verificada no Brasil especialmente a partir da década de 1990. Ocorreu

tanto no campo das ideias, ampliando-se as fronteiras temporais e tipológicas dos bens, como

na proliferação de intervenções físicas (VIEIRA, 2007) e na ampliação de programas

capitaneados pelo poder público, em níveis local e nacional (SANT’ANNA, 2004). Cresceu

também localmente a preocupação com a antiga área central de Natal, em face de seu

crescente processo de degradação e do seu potencial turístico e de atração de novas atividades

urbanas. Assim, nesta década ocorreram diversas ações no sentido de dinamizar a área central,

com mais ênfase para o bairro da Ribeira, tanto no plano teórico da discussão, como em

intervenções físicas executadas, bem como na elaboração de planos e novos instrumentos

urbanísticos.

De acordo com Sant’Anna (2004), também nos anos de 1990 consolidou-se o processo

de vinculação do patrimônio cultural ao aproveitamento econômico, tendência que teve início

no final dos anos 1960 – após um intervalo que vinculou a pratica preservacionista as questões

sociais e de política urbana, na década de 1980. Conforme exposto no início desta pesquisa,

210

esse processo esteve intimamente ligado à apropriação da cultura e do meio urbano como

mercadorias no sistema capitalista avançado, assumindo o patrimônio o potencial de gerador

de imagens diferenciadas, vinculadas à identidade urbana, funcionando como veículo de

marketing para atrair investimentos para as cidades, num contexto de grande competitividade

(HARVEY, 2013a). Nesse período ocorreram intervenções nas áreas centrais em diversas

cidades brasileiras, com a proliferação em várias capitais nordestinas de um modelo instituído

na recuperação do Pelourinho, em Salvador. Esse tipo de intervenção ocorreu nas cidades de

Recife e Fortaleza, assim como também ditou uma das principais ações na área urbana central

de Natal no mesmo período, o projeto “Fachadas da Rua Chile”.

Esperava-se que esta intervenção fosse suficiente para alavancar uma retomada de

ocupação e a dinamização do bairro da Ribeira, o que, como vimos, ocorreu de maneira pontual

e temporária. Conforme apontado por Santos (2006) e Harvey (2006), a realidade concretizada

pela produção do espaço funciona, no sentido oposto, como condicionando para as ações

seguintes. Nessa perspectiva, verificamos que o contexto da cidade naquele período

compreendia a instituição de um novo PDN (1994), a intensificação da verticalização, assim

como o fortalecimento das novas centralidades. Dessa maneira, apesar desta ação aumentar o

movimento cultural e atividades de entretenimento no local do projeto, os investimentos

privados nesse momento foram direcionados com mais força para a região sul de Natal. Aliados

os investimentos públicos em infraestrutura urbana e turística, e tendo a paisagem natural

como qualificador do espaço, o capital encontrou um lugar propício para se reproduzir através

de investimentos localizados, dando origem a uma centralidade temática no bairro de Ponta

Negra, voltada, justamente, para as atividades de turismo e lazer, e constituindo-se em um

forte concorrente das atividades instaladas na área central.

Logo em seguida, criou-se a OUR em 1997, regulamentando o instrumento previsto pelo

PDN de 1994. Embora na legislação urbanística o instrumento fosse indicado para a

preservação dos bairros de Cidade Alta e Ribeira, o foco no bairro ribeirinho reforçou a visão

desta área como o sítio histórico da cidade. Assim como analisado nesta dissertação, suas

propostas foram pouco atraentes para o mercado, diante dos parâmetros estabelecidos pelo

ordenamento urbano e do contexto mais amplo da cidade, e não influíram na transformação

da dinâmica do bairro. Conforme explica Harvey (2013b), o capitalismo constrói uma geografia

comprometida com o propósito de acumulação do capital. Neste sentido, os empresários

211

buscam locais onde haja a possibilidade de reprodução dos investimentos, seja através de

criação de solo em construções maiores, ou na escolha de espaços valorizados/qualificados,

que permitem uma maior rentabilidade. Dessa maneira, verificamos que a legislação

urbanística local previa índices urbanísticos mais proveitosos nos bairros de Petrópolis, Tirol,

Barro Vermelho e Lagoa Seca na mesma ZA-Leste, e iguais aos estabelecidos pela OUR para

outros bairros mais novos, como Lagoa Nova, que já apresentava um número elevado de

empreendimentos construídos nessa década. Portanto, a edição da Lei da OUR parece não ter

levado em consideração essas relações, que não ofereciam um contexto propício para a

efetividade do instrumento.

Além disso, poucos anos após a aprovação da Lei da OUR, a legislação urbana foi alterada

e impactou a dinâmica do mercado imobiliário. O aumento da pressão da iniciativa privada

sobre a gestão municipal resultou na edição de uma lei, no ano de 2000, que modificou o PDN-

1994, possibilitando o adensamento de uma área antes compreendida como de ocupação

básica. Dessa forma, a legislação urbanística cedeu ao interesse do capital imobiliário e

favoreceu a verticalização do bairro de Ponta Negra, que passou a canalizar um grande

montante de investimentos privados, somados às melhorias promovidas pelo poder público. O

fortalecimento da verticalização em toda a cidade, nesse período, foi beneficiado através da

criação do “pacote da construção” pelo governo federal, que aumentou a oferta de crédito

imobiliário e reduziu os preços de itens da construção civil, possibilitando o aumento da oferta

de habitação e da reprodução do lucro pelos empresários. Diante desse cenário, a

concentração de empreendimentos no referido bairro foi a maior da cidade na década de 2000-

2010, considerando a produção das incorporadoras imobiliárias (QUEIROZ, 2012).

A primeira década do novo milênio foi caracterizada por diversos eventos (mudança do

PDN, crise econômica mundial) que influíram sobre a dinâmica da cidade de Natal, assim como

no campo do patrimônio cultural foram registradas algumas iniciativas direcionadas à área

central. Embora não implementados, dois importantes estudos foram realizados para o bairro

da Ribeira. Na prática, atuou-se através da vigência da OUR (embora sem resultados práticos)

e da execução de obras de melhorias na Ribeira. Nesse período também teve início a

elaboração da instrução para o tombamento do centro histórico pelo IPHAN-RN, retornando à

atenção para a importância do bairro da Cidade Alta, enquanto sitio de fundação da cidade e

de um conjunto de edificações de valor patrimonial.

212

Nos primeiros anos da década de 2000, principiou-se a criação de uma política que visava

aliar o reuso de edificações históricas com o incremento do uso habitacional na área central, o

Rehabitar. A importância dada ao uso residencial nos centros das cidades cresceu desde a

década de 1960 na Europa, e no Brasil começou a ser levantado no plano teórico a partir do

final da década de 1970, devido à compreensão de que este uso possibilitaria a ocupação da

área em tempo integral, bem como contribuía para complementar a ideia de mix de usos, além

de aliar promoção social à valorização econômica do patrimônio (SANT’ANNA, 1995, p.191).

Esta ação estava vinculada a uma política de escala nacional, através do PRSH, mas, no âmbito

local, enfrentou várias dificuldades que impediram sua implementação. Apesar dos estudos de

viabilidade realizados em diversas edificações na Ribeira, a ação se mostrou sem força antes

mesmo de ser posta em prática, devido a entraves relacionados à falta de interesse de alguns

proprietários e à falta de linhas de financiamento adequadas, resultando apenas na publicação

de um livro com suas propostas.

O contexto local da dinâmica da cidade não favorecia, tampouco, a implantação da

proposta, já que a análise atenciosa da produção imobiliária e do ordenamento urbanístico

permite compreender que os agentes privados estavam mais interessados nos bairros com

melhores condições legais para construção. Os dados sobre a produção de habitação pelas

incorporadoras em Natal, entre 2000-2010, mostravam a hegemonia dos bairros mais

valorizados da ZA-Leste e da ZA-Sul no quadro de investimentos, especialmente o de Ponta

Negra, onde ocorria um forte processo de verticalização após a mudança da legislação, além

de Tirol e Lagoa Nova (QUEIROZ, 2012). Soma-se a isso a imagem da Ribeira estar, muitas vezes,

relacionada a um bairro historicamente comercial, que se desenvolveu pela presença do Porto,

e ao seu apogeu enquanto centro ativo comercial durante a estadia americana no RN – apesar

de também ter sido local de residências de comerciantes e de alguns personagens importantes

para a história e cultura do estado (por exemplo, Café Filho). Por esta forte associação

comercial dificultou, muitas vezes, a ideia de transformá-lo em um local residencial.

Não obstante, pesquisas de demanda habitacional revelaram o interesse de um

considerável número de natalenses em morar no bairro da Ribeira (MONTEIRO; TRIGUEIRO,

ROAZZI, et al., 2003), assim como os moradores do Edifico Bila também se mostraram

satisfeitos em residir na localidade, mesmo apontando as dificuldades de estacionamento e os

problemas de falta de segurança (MEDEIROS e VIERIA, 2011). Apesar disso, e a despeito de

213

todo o cenário urbano desfavorável, o estudo ainda conseguiu identificar o interesse de alguns

investidores privados, que realizaram a compra de duas edificações dentre aquelas destacadas

pelo Rehabitar – uma delas foi o Edifico Bila que passou por adaptação para uso misto com

residencial, a outra foi o Edifício Arpege/Galhardo154. Esses indícios demonstram o potencial de

ações de estímulo e promoção de habitação na região central para determinadas faixas de

renda, entretanto, ainda seria necessário enfrentar as dificuldades operacionais.

Além da dinâmica urbana desfavorável, alguns fatores inviabilizaram as cinco tentativas

de operação imobiliária empreendidas pela Prefeitura, com vistas a adquirir os imóveis no

âmbito desta ação. Entre os motivos estavam a falta de interesse dos proprietários, devido à

estimativa de valor de venda, a impossibilidade de acesso aos herdeiros, assim como a

dificuldade de enquadramento no programa de financiamento da CAIXA através do Programa

de Arrendamento Familiar-PAR. Estes obstáculos são comuns a diversas áreas centrais de

cidades brasileiras e demonstram a urgência em realizar a regularização fundiária desses

setores históricos, e em utilizar instrumentos urbanísticos que prezam pelo cumprimento da

função social da propriedade, a fim de impedir processos de abandono das edificações ou a

retenção especulativa, além de possibilitar ações que recuperem e deem uso aos imóveis. Da

mesma maneira, reforçam a necessidade de se construir uma linha de financiamento adequada

ao problema da restauração/adequação de edificações históricas, e de compra e venda de

subunidades. É importante destacar que nem mesmo as duas edificações que passaram para a

propriedade da Prefeitura (Hotel Central e Valparaíso) conseguiram ser reabilitadas.

As dificuldades enfrentadas pela ação do Rehabitar Ribeira demonstram os pontos fracos

dessa política e apontam o caminho necessário para resolução dos obstáculos encontrados. A

não utilização de instrumentos urbanísticos adequados legitima a indiferença dos proprietários

das edificações que, em alguns casos, também esperam uma valorização por meio de

investimentos públicos que repercuta no valor do imóvel. Colabora também com a falta de

interesse dos investidores privados, que, em sua maioria, ainda preferem outras áreas para

empreender por serem mais proveitosas – por terem menos impedimentos burocráticos ou

em termos de aproveitamento construtivo –, assim como desencoraja a iniciativa de alguns

agentes privados que se dispõem a empreender na área. A morosidade para conseguir o abono

154 Contudo, esta edificação não foi objeto de recuperação e parte do prédio desabou em 2015.

214

do IPTU e a dificuldade de conseguir financiamento para venda das unidades residências foram

alguns empecilhos enfrentados, por exemplo, pelo investidor que recuperou o Edifício Bila

(MEDEIROS e VIEIRA, 2011).

Apesar do estudo aprofundado e das pistas reveladas pelas dificuldades enfrentadas por

esta ação, as demais políticas continuaram reproduzindo em seus discursos o incentivo ao uso

habitacional sem enfrentar as questões necessárias para que isso se torne viável. O PRAC-

Ribeira, realizado em 2006, retomou a ideia de incentivo a múltiplas funções, propondo como

pilares os usos habitacional, cultural e turístico, apresentando um “Plano de Valorização

Turístico Cultural” e sugerindo vários pontos de intervenção, que se estendiam também para o

conjunto ferroviário localizado nas Rocas. Sua maior contribuição, entretanto, foi o diagnóstico

de todas das edificações e usos no bairro, apontando aquelas com porte e potencial para

abrigar uso misto com habitação e, inclusive, ressaltando o problema da situação fundiária dos

imóveis vazios. Ao contrário do que objetivava a ação, que era oferecer subsídios/informações

para auxiliar a municipalidade na gestão da reabilitação da área central, a revisão da OUR foi

concretizada sem aproveitar os estudos e as propostas indicadas. Apresentou uma estrutura

igual à anterior, com modificações no quadro de incentivos, no entanto, sem se ater ao

problema da irregularidade fundiária ou das recomendações para o conjunto de edificações

apontadas como de interesse para preservação.

No momento em que se editava a nova Lei da OUR também ocorria, no âmbito local, uma

mudança na legislação urbana, e estava em curso uma crise econômica em escala global. Ao

mesmo tempo em que os parâmetros oferecidos pela OUR revisada pareciam mais vantajosos,

diante da redução do coeficiente de construção pelo PDN de 2007 para toda a cidade, foi

verificado um crescimento na produção de edifícios justamente no bairro da Ribeira. Por essa

correspondência temporal, o processo de verticalização na porção alta da Ribeira é muitas

vezes associado à nova OUR. No entanto, um olhar atento aos eventos socioeconômicos, à

dinâmica do mercado imobiliário, bem como aos parâmetros urbanísticos estabelecidos pelo

PDN-2007 para toda a cidade, revela que esse processo pode não ter vínculo com a Operação

Urbana atuante na Ribeira, mas sim com uma nova estratégia do mercado imobiliário diante

das mudanças que impactaram os coeficientes construtivos na cidade. Cabe mencionar ainda

que a nova Lei da OUR foi aprovada anteriormente à revisão do PDN e, em última análise, foi a

revisão da legislação urbanística municipal que potencializou as propostas de índices

215

construtivos na OUR, ao diminuir os coeficientes para o resto da cidade. Isto exemplifica a

correlação entre a política urbana e territorial e as ações voltadas à preservação da área central,

ressaltando a importância de estudos como este, e a necessidade de considerar esta correção

na política de preservação de setores urbanos.

Apesar de considerarmos que o processo de verticalização na Ribeira está mais associado

aos eventos acima mencionados, a existência da Lei da OUR, que previa a verticalização da

porção leste do bairro, pode ter despertado a atenção dos empresários para essa possibilidade.

Entretanto, as obras de requalificação do espaço urbano realizadas na Ribeira, e que estavam

previstas no Quadro de Obras do instrumento, foram executadas com recursos próprios da

Prefeitura e não a partir de contrapartidas geradas pela própria operação urbana.

Em outros trabalhos (VELOSO, Maísa, 2011, p. 06), o processo de verticalização aliado ao

uso residencial na cota alta da Ribeira foi compreendido como potencialmente positivo no

sentido de propiciar uma nova vitalidade à área. Entretanto, percebemos que esses novos

empreendimentos não impactam a dinâmica da porção do bairro de interesse histórico, que

deveria ser o principal objetivo de ações como a OUR, pois passados alguns anos da chegada

desses novos moradores não se observa mudanças efetivas no quadro de degradação da

porção reconhecida como patrimônio cultural, que continua com muitos imóveis vazios.

Embora seja necessário um estudo especifico para verificar essa situação, entendemos que o

cotidiano desses novos moradores não está conectado à vida da área do seu entorno imediato,

mas pode estar mais relacionado aos bairros próximos, que se tornam caminho para as áreas

concentradoras de atividades comerciais e de serviços voltados para a classe média e que se

tornaram novas centralidades, e que, além disso, oferecem serviços não encontrados na

Ribeira, como mercados, padarias, etc.

Ademais, com a aprovação do tombamento do centro histórico de Natal pelo IPHAN em

2010, colocou-se uma nova conjuntura para a Área de renovação urbana-ARU definida pela

OUR, já que parte da mesma área foi definida como perímetro de entorno do tombamento. Em

visitas recentes à área é possível verificar que alguns empreendimentos divulgados para a cota

alta da Ribeira não foram construídos (ver Figura 37), enquanto percebe-se uma dinâmica de

construção de novos edifícios na fração leste do bairro da Cidade Alta (ver Figura 38), que está

fora dos zoneamentos que visam a preservação do patrimônio da área central – ZEPH e

Tombamento IPHAN –, e faz limite com os bairros de Petrópolis e Tirol, historicamente visados

216

pelo capital imobiliário. O movimento parece ser de transbordamento da dinâmica imobiliária

desses bairros para as proximidades, na direção onde é possível obter mais coeficiente de

construção pela legislação vigente na Cidade Alta e Ribeira – já que Rocas, Santos Reis e Praia

do Meio sofrem restrições por conterem áreas especiais segundo o PDN (ZET’s, ZPA’s e AEIS-

2). Isso não significa, contudo, que não haja interesse por essas áreas, pois, pelo contrário,

estão em constante tensão para que se modifiquem os parâmetros urbanísticos nelas

incidentes a fim de se atender aos interesses dos empresários.

Figura 37: Terreno onde foi divulgada a construção de edifício vertical, não construído, na Ribeira.

Fonte: Acervo da autora, 2017.

Figura 38: Edifício recém-lançado próximo à Av. Rio Branco, na Cidade-Alta, Natal.

Fonte: Acervo da autora, 2017.

Dessa maneira, constatamos que à medida que ações eram implementadas na antiga

área centra de Natal, a expansão da cidade produzia uma força centrifuga de instalação de

investimentos públicos e privados. O poder público teve um papel de destaque na criação de

novas áreas atrativas para o capital e bem servidas de infraestrutura, além de provocar a fuga

de instituições para a região sul da capital. Mais recentemente, observa-se a retomada do

interesse por áreas no entorno do centro antigo, devido, também, aos novos arranjos viários e

à dinâmica urbana que se expande para a ZA-norte da cidade. Diante desse contexto, do

tombamento do centro histórico e do montante de investimento públicos direcionados a essa

área central, pelas ações em curso, criam-se novas expectativas pela sua recuperação e

dinamização.

217

5.2. PERSPECTIVAS PARA A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO DA ÁREA CENTRAL DE NATAL

A partir do tombamento do CH de Natal pelo IPHAN, a visão conflitante sobre a área

detentora de valor cultural, foi substituída pelo entendimento de uma área de valor cultural

mais abrangente – embora a ZEPH ainda permaneça em vigor e haja ressalvas sobre as

poligonais delimitadas pelo IPHAN. Portanto, este foi o primeiro passo que ditou as ações que

estão em curso para a destinação deste recém-reconhecido patrimônio cultural urbano do

Brasil. Entre as ações recentes analisadas nesta dissertação estão o PAC-CH, a proposta para a

Operação Urbana Consorciada Centre Histórico de Natal-OOCCHN e o projeto de Reabilitação

do Centro Histórico do Governo do RN. Conforme apontado no capítulo anterior, as três

iniciativas estão, de certa forma, relacionadas em suas origens, mas, às vezes, apresentam

estratégias antagônicas.

Percebemos que em um primeiro momento o Plano de Ação elaborado para o PAC-CH

em Natal levou em consideração as prerrogativas iniciais do programa, que previa e inovava ao

inserir o patrimônio na dinâmica territorial da cidade. A leitura ampla da cidade foi considerada

para a definição da área de atuação do programa, que presou por aqueles bairros com presença

de acervo histórico de edificações, bem como pela conectividade territorial da área central com

o conjunto da cidade, considerando a ligação com a ZA-Norte, na outra margem no rio, por

meio das duas pontes de ligação. Propôs ainda uma atuação que se estendia para além dos

bairros fundacionais de Natal, considerando as práticas culturais existentes nos bairros de

Cidade da Esperança e Vila de Ponta Negra, nas ZA-Oeste e Sul da cidade.

No Diagnóstico Local foram observados os processos de especulação imobiliária,

concentrados nos bairros de Tirol e Petrópolis, bem como de esvaziamento dos bairros mais

antigos de Cidade Alta e Ribeira. O diagnóstico reforçou, ainda, a existência de alguns

problemas elementares, porém de extrema importância, como a ausência de dados fundiários

dos imóveis e a necessidade de políticas direcionadas à promoção de conhecimento mais

amplo sobre o patrimônio de Natal, educação patrimonial e incentivo às manifestações

culturais. Apontou também carências pouco explicitadas no âmbito da política destinada à área

central, como a ausência de serviços de apoio à habitação.

Apesar disso, nenhuma ação financiada pelo programa se propôs a enfrentar esses

entraves. Não se propôs tampouco nenhuma ação para as áreas além do CH tombado (Figura

218

39), nem incentivos para a criação ou a melhoria de sedes para os grupos culturais apontados

no Diagnóstico. Pouca atenção foi dada às funções destinadas aos imóveis selecionados para

financiamento pelo PAC-CH. A tirar pelo caso do Palácio Felipe Camarão, que sedia parte das

instalações da Prefeitura de Natal, pois, embora se especulasse a construção do Centro

Administrativo do poder Municipal em outra área da cidade, não foi definido previamente um

uso secundário para a edificação, que seria restaurada com recursos do Programa.

Figura 39: Espacialização das ações do PAC-CH em Centro Histórico de Natal.

Fonte: IPHAN, 2015.

As prioridades definidas acabaram por favorecer a criação de um “Circuito Cultural” para

o centro histórico tombado, que remete ao Corredor Cultural idealizado desde a década de

1980. Esta proposta enquadra-se somente na linha de ação de “dinamização e valorização dos

sítios históricos” do Programa e responde a apenas dois dos cinco objetivos gerais propostos

no Plano de Ação construído para Natal. Os objetivos gerais, específicos e ações apontadas no

Plano de Ação das Cidades Históricas para Natal relacionaram-se à resolução de problemas,

detectados na fase de diagnóstico local, sistematizados em: infraestrutura urbana e serviços;

fomento cultural e educação patrimonial; estruturação do turismo; promoção do uso

habitacional; e revisão e ampliação da legislação, para proporcionar maior poder de fiscalização

e proteção. Verificamos, entretanto, que as ações selecionadas respondem apenas àqueles

219

objetivos relacionados à infraestrutura, que são parcialmente atendidos ao aliarem-se às

melhorias ao incentivo à atividade turística. As ações resultantes se resumiram, assim, ao

mesmo clichê restauração de edificações e requalificação do espaço urbano. A incapacidade

de conseguir uma conservação sustentada através da recuperação de espaços físicos também

pode ser ilustrada pela inclusão de Av. Duque de Caxias neste plano, apesar de ter sido alvo de

intervenção em 2007 – incluindo acessibilidade de iluminação com postes temáticos e outros

mobiliários.

Figura 40: Espaço público na Av. Duque de Caxias.

Fonte: Acervo da autora, 2017.

Figura 41: Estado atual dos espaços públicos da Av. Duque de Caxias.

Fonte: Acervo da autora, 2017.

Considerando a relação de influência mútua entre o contexto mais amplo e o particular,

proposto por Santos (2006), verificamos que a estratégia de revitalizar o CH de Natal através

da criação de um produto cultural para o turismo parece ter dois obstáculos que podem

impedir ou dificultar sua sustentabilidade. Um deles está relacionado à questão do

fortalecimento da cultura no município, o que está intimamente ligado à necessidade de

políticas voltadas às manifestações culturais imateriais e a difusão e compartilhamento de

informações e conhecimento, através de ações de educação patrimonial. Sem a dimensão

social, transformar a área central de Natal em produto para turista ver significará a criação de

um cenário vazio de significados – algo já verificado em outras intervenções e criticado no plano

teórico. Por conseguinte, ações de restauração de fachadas e requalificação de calçadas, como

estão previstas na proposta atual do Governo do Estado para o centro histórico de Natal, não

darão conta sozinhas de dinamizar a área de maneira sustentável. Conforme aponta Sant’Anna

(2016), desde o PCH já foi possível compreender que esse tipo de intervenção física visando

unicamente à atividade turística não produz resultados sustentados. No âmbito local a própria

220

intervenção Fachadas da Rua Chile é um exemplo que pode constatar a efemeridade desse tipo

de ação, que, passados vinte anos, perdeu quase todo o seu efeito155.

Além disto, já há na área alguns equipamentos culturais que vem sendo subutilizados. A

própria Capitania das Artes, local escolhido para a construção do Centro Cultural proposto pelo

Governo do Estado como um projeto âncora que dinamizaria a área, já representa o embrião

da proposta, sendo sede do Ballet Municipal de Natal e de sua escola, contendo espaço para

exposição e amplo estacionamento capaz de abrigar eventos, mas não tem grande

repercussão. O que parece ser o caso é a falta de estruturação administrativa e a destinação

de recursos para a promoção cultural em si, o que se configura como o segundo entrave

identificado, e não necessariamente a falta de um espaço físico. Outro caso que exemplifica

isto é o Museu da Cultura Popular Djalma Maranhão, instalado no edifício modernista da antiga

rodoviária na Praça Augusto Severo, que pouco tem dinamizado seu entorno ou repercutido

no fortalecimento cultural da cidade ou no crescimento do turismo na área desde sua

inauguração em 2008. Mesmo sendo um equipamento recente, o museu já passou por

períodos sem atividades abertas ao público, tendo como principal uso o de abrigar audiências

do executivo municipal no miniauditório que contém, o que reforça a falta de

comprometimento com a promoção da cultura na política local. Até mesmo o emblemático

Teatro Alberto Maranhão, uma das edificações históricas mais presentes no simbolismo da

população sobre a Ribeira, a história e o centro histórico em si, encontra-se fechado esperando

restauração, mesmo já tendo sido objeto de intervenção há poucos anos. Desse modo, significa

dizer que sustentar a área unicamente através de usos culturais não é uma solução efetiva sem

que haja o fomento dessa atividade, ou a existência de demanda real para isso.

Enquanto isso, os shoppings centers que se proliferam na região sul da cidade têm

agregado, além dos usos comercial e de serviços, a função de lazer, contando com praças de

alimentação diversificadas, cinemas cada vez mais numerosos, modernos e confortáveis, e até

mesmo a existência de teatros, como é o caso do Teatro Riachuelo localizado no Midway Mall,

155 Conforme o depoimento do arquiteto responsável pela execução do projeto, Haroldo Maranhão, a intervenção foi responsável por chamar a atenção do público para o bairro. Nesse sentido, podemos considerar que em termos simbólicos esse efeito ainda permanece. A implantação de outros equipamentos culturais foi mais recente, mas podem ter alguma relação ao despertar desse interesse. No entanto, a reportagem do jornal Nono Notícias destaca que no local da intervenção na Rua Chile, quase nenhum empreendimento despontado na década de 1990 sobreviveu de maneira independente, restando apenas dois. (Disponível em: http://www.novonoticias.com/cult/revitalizacao-da-rua-chile-duas-decadas-depois-pouca-coisa-sobreviveu. Acesso em 24/04/2017).

221

que hoje representa o maior equipamento deste tipo na cidade. Assim, o impacto desses

grandes equipamentos dotados de centralidade, conforme explicitado no capítulo 2, é forte

sobre a dinâmica do comércio e também sobre os espaços de cultura, representando uma

concorrência importante também nesse segmento. O fechamento dos cinemas de rua é um

exemplo concreto desse movimento, que ocorre, também, devido à insegurança e violência

urbana que atingem as cidades na atualidade. O que reforça a necessidade de uma política

cultural mais forte em relação aos equipamentos concentrados na área central, bem como de

segurança pública, para que venham a ganhar espaço na dinâmica da cidade156.

A outra dificuldade diz respeito à imagem, às políticas e dinâmicas turísticas

historicamente vinculadas aos temas “sol e mar”, que, como vimos no capitulo 2, criou uma

forte centralidade no litoral sul da cidade. Desde a primeira edição da OUR em 1997 o uso

ligado à hotelaria foi incentivado nessa zona com os maiores índices construtivos, enquanto já

se promovia desde a década de 1980 a criação de um polo hoteleiro na Via Costeira, através da

doação de terrenos à beira mar para investidores privados construírem suas estruturas. Assim

como crescia a atividade turística em Ponta Negra na década de 1990, desencadeando a

instalação de uma série de hotéis e pousadas no bairro – redirecionando a atividade que

inicialmente se desenvolveu nas praias centrais do Forte, Praia do Meio, Praia dos Artistas e

Areia Preta. O projeto da Rota do Sol, a implantação do calçadão em Ponta Negra e a recente

intervenção na orla nas praias urbanas centrais, demonstra que o tema “sol e mar” ainda

continua em destaque.

Portanto, de certa forma, a vinculação do turismo ao centro histórico de Natal, que ainda

persiste como principal atividade que perpassa a política para a área, esbarra também na

concorrência com as praias – urbanas centrais, do litoral sul e norte – e, no contexto atual,

principalmente com a centralidade turística do bairro de Ponta Negra na dinâmica da cidade.

Apesar de um certo grau de vinculação da cultura e da história ao bairro da Ribeira, também

em decorrência da concentração de ações de preservação e revitalização neste bairro, em

156 A área central de Natal concentra o maior número de equipamentos culturais da cidade, como museus (Museu de Arte Sacra, Museu da Cultura Popular Djalma Maranhão), a Pinacoteca do Estado, Capitania das Artes, Casa Câmara Cascudo, Teatro Alberto Maranhão; além de inciativas privadas de espaços culturais como Nalva Café Salão, Ateliê Flavio Freitas, Casa da Ribeira; sedes de grupos culturais como o Espaço A3, Espaço Gira Dança, e associações como as do Beco da Lama, Escolas de Samba (no bairro das Rocas). Mesmo assim, esse conjunto de espaços destinados à cultura tem tido pouca força em relação à dinamização da área de maneira abrangente e frente ao contexto municipal.

222

Natal, o patrimônio ainda não foi utilizado como estratégia de marketing urbano e

governamental da cidade em larga escala e o centro histórico de Natal não faz parte do

imaginário relacionado à cidade. O clichê “sol e mar” continua sendo fortemente relacionada à

Cidade do Sol, como também é conhecida capital do RN, a história da cidade pouco é conhecida,

nem as suas manifestações culturais, o que significa dizer que ao direcionar a atividade turística

para a área central, esta terá ainda uma grande concorrência com os atrativos costeiros da

capital e municípios vizinhos, que também costumam ser visitados157.

Destarte, é importante que se invista em fortalecimento das atividades culturais, visando

prioritariamente à inserção da área no contexto dinâmico da cidade e os seus habitantes, em

oposição à busca de uma população flutuante de visitantes. Deste modo, evita-se a criação de

um cenário falso no centro histórico e o turismo pode surgir, de maneira mais sustentável

relacionada a um contexto autêntico, como consequência. Além disso, é importante que se

atue de maneira responsável aliando-se o fomento a essas atividades a uma política de

monitoramento e controle de seus impactos, pois já se sabe também que se a cultura é capaz

de ajudar a dinamizar áreas centrais – embora não sozinha –, especificamente aquelas com

valores patrimoniais pelo seu apelo histórico e cultural, também implica repercussões em

termos de valorização do solo, que podem levar a um processo de gentrificação158.

No caso estudado, apesar da aparente complementariedade de ações pelos entes

públicos nas três esferas, identificamos incoerências entre o que se propõe através das políticas

de preservação para a área central de Natal e a atuação do poder público. Podemos citar

exemplos como a proposta de incentivo ao uso institucional no centro histórico, prevista na

Minuta de Lei para OUCCHN, enquanto o poder executivo municipal tem a intenção de

construir um Centro Administrativo em outra área, retirando os órgãos públicos que ainda se

localizam nos bairros centrais da cidade. Algo semelhante ocorreu na década de 1970, quando

o Governo do Estado criou seu Centro Administrativo, induzindo a expansão para a região sul

da cidade, capitaneando a criação de uma nova centralidade em seu entorno, que

157 Como a Praia de Jenipabu, que se localiza na cidade vizinha de Extremoz, ao norte da capital; o “maior cajueiro do mundo”, localizado em Pirangi, no municio de Parnamirim, ao Sul; ou até mesmo a famosa para de Pipa à 80km de Natal. 158 Ver, por exemplo, o caso da área central de São Paulo, em SANT’ANNA (2004).

223

posteriormente passou a competir com a antiga área central e contribuiu para o seu processo

de esvaziamento e decadência.

Se as funções habitacional e comercial foram afastadas em outros períodos – de maneira

oficial através de políticas públicas ou pela dinâmica interurbana da cidade em expansão –

atualmente, o conjunto das ações em curso direciona a área central majoritariamente para

usos liados à atividade turística, esvaziando-a também da função política e concentradora do

uso institucional dos poderes públicos, o que consiste um dos seus principais atributos e de

produção de vínculos com a população local.

Alguns outros usos existentes na área aparecem de maneira conflituosa nas políticas e

ações empreendidas. O incentivo fiscal à permanência de clubes náuticos, existente nas duas

versões da OUR e permanente na proposta da OUCCHN, é contrariado pela execução

equivocada do projeto do Terminal Marítimo de Passageiros, que avançou à frente da saída de

barcos do clube Centro Náutico Potengy. Vale destacar que o TMP permanece sem uso desde

sua inauguração em 2014159. A atividade pesqueira, que se mantém desde o surgimento do

bairro ribeirinho, sempre foi negada pelas ações preservacionistas, sendo considerada como

de baixa atratividade de público pelo PRAC Ribeira. Em geral, se propõe substituir esse uso,

concentrado na proximidade com o rio e na Rua Chile, pela atividade turística, deslocando essa

atividade para o Terminal Público Pesqueiro do estado, situado na porção sul do bairro, que

ainda necessita de acesso à construção finalizada.

A má qualidade dos projetos na área e seu entorno imediato se repete em outras obras

e repercute negativamente na dinâmica local. É o caso da reforma do Mercado das Rocas que,

além da demora para conclusão, foi inaugurado este ano e permanece desocupado por motivo

do desconforto térmico de seu ambiente interno. Algo semelhante acontece no Mercado do

Peixe, localizado no mesmo bairro e construído no período da requalificação da Praça do Pôr

do Sol/Canto do Mangue160, em 2008, pois sua estrutura foi pouco adaptada à atividade e

159 A obra, integrante do PAC, deveria ter sido inaugurada antes da Copa do mundo de futebol de 2014, com o intuito de receber o público que viessem assistir aos jogos na cidade, mas a obra atrasou. O terminal permanece parado, sem receber autorização para operar em cruzeiros para o arquipélago de Fernando de Noronha. No inicio de 2017 a Companhia Docas do RN-CODERN, do Porto de Natal, disponibilizou o salão do edifício para aluguel e realização de eventos. 160 Nessa mesma área está prevista a requalificação de parte da área ocupada pela comunidade do Maruim, para criação de um centro de descasque de camarão e um centro comercial, como contrapartida do Porto de Natal pela reintegração de uma porção do terreno para sua expansão.

224

dificulta a troca de ar, corroborando para que permaneça um forte odor de peixe em seu

interior.

De modo semelhante, o baixo comprometimento na execução das obras também ocorre

na restauração da antiga Rampa, no bairro de Santos Reis, cuja proposta prevê ainda a

construção de uma edificação contemporânea, ao lado, para instalação de um museu da

aviação. A obra permaneceu paralisada por cerca de dois anos (desde outubro de 2014), após

terem sido recuperadas as alvenarias e no estágio em que foi retirada a cobertura da

edificação161, que é tombada em nível estadual. De forma grave e antagônica, a restauração

abandonou o edifício às intempéries, se deteriorando a espera de uma atitude do governo do

estado – que além de responsável pela sua preservação é o contratante e fiscal dos serviços de

execução da obra, que foi retomada recentemente. Assim, a baixa qualidade e a morosidade

na execução das intervenções além de paralisar as atividades existentes (restaurante e passeios

de barco que saiam do local), retardam as propostas que visam à dinamização do local. Esses

casos contribuem significativamente para que permaneça a falta de credibilidade, por parte da

população e da iniciativa privada, na política de preservação e na requalificação da área central.

O projeto da OUCCHN recomenda a ampliação do instrumento e a modificação dos

índices construtivos da área, mas o poder de alcance das proposições depende, também, da

conjuntura integral da legislação urbanística do município, que deve ser editada em breve, uma

vez já se ultrapassou o prazo de revisão indicado. No contexto atual, considerando-se como

referência o PDN de 2007, o documento da Minuta de Lei para a OUCCHN sugere para a Ribeira

um índice construtivo superior a qualquer outro bairro da cidade, sendo de 4,0, maior inclusive

que nos bairros que vêm se destacando na dinâmica de investimentos do mercado imobiliário,

tais como Lagoa Nova, Tirol, Petrópolis, Barro Vermelho, ou, até mesmo, do índice que Ponta

Negra obteve durante o intervalo de 2000 a 2007, quando ocorreu uma intensa verticalização

no bairro. Para as Áreas de renovação urbana-ARU’s dos bairros de Cidade Alta e Rocas, a

proposta equivale aos índices previstos no PDN, porém a OODC seria calculada com um valor

mais alto devido a maior diferença até o índice básico de 1,0 previsto para toda a área da

Operação, enquanto o índice construtivo básico da cidade é de 1,2. O mercado imobiliário

161 A paralização da obra ocorreu porque se identificou um erro de calculo no projeto estrutural da construção do Memorial do Aviador, uma edificação nova situado ao lado do prédio da Rampa. O que não justifica o abandono da obra estando a edificação antiga sem a mínima proteção de sua cobertura.

225

também vem avançando para o bairro da Cidade Alta, de maneira lenta e com menos

intensidade do que o processo verificado na Ribeira entre 2007 e 2010.

Consideramos que os atuais vetores de expansão, identificados nos lados sudoeste e

norte da cidade, provavelmente ainda permanecerão em crescimento, com indícios de que se

intensificarão na ZA-Norte, em decorrência dos investimentos públicos em saneamento e

infraestrutura viária em curso. Além disso, essas melhorias podem ser utilizadas como

argumento para o mercado imobiliário pressionar pelo adensamento dessa zona administrativa

como fez no ano de 2000 no bairro de Ponta Negra. Nesse sentido, não acreditamos que a

proposta de OUCCH reverterá essas tendências. Entretanto, o crescimento na direção norte do

município recoloca a área central em evidência, como ambiente estratégico, geograficamente

central em relação ao espaço urbano utilizado pela população162.

Levando-se em consideração que o mercado imobiliário já encontrou na área central um

local para expansão dos investimentos e uma maneira de reproduzir o capital, a ação do OUCCH

pode transformar a Ribeira em uma das mais fortes localidades a propiciar a verticalização no

contexto da cidade e, de fato, desencadear a intensificação de vetor de expansão já instalado

na porção alta do bairro. Isto significa que, a depender dos rumos ditados pela revisão do PDN,

o impacto sobre o bairro da Ribeira poderá ser mais forte e, por conseguinte, intensifica-se a

necessidade de monitoramento, controle das ações e de proteção da população residente em

seu entorno.

Neste sentido, o estudo para a OUCCH propõe a regulamentação urbanística das AEIS

presentes na área, incluindo a regularização fundiária e um programa de atendimento social,

com assessoria de arquitetura e jurídica, projetos de urbanização das comunidades, bem como

sugere a produção de unidades habitacionais de interesse social. Vale lembrar que esse tipo de

iniciativa deve ser executada em conjunto com a política habitacional do município,

destacando-se a necessidade de interligação das ações destinadas à área central em

consonância com a política e o planejamento urbano da cidade como um todo. Logo, a

162 Conforme explicado anteriormente, há em Natal uma separação física e simbólica entre a ZA-Norte e o resto da cidade, tendo em vista a existência do rio Potengi, a pouca acessibilidade à margem norte e a sua formação historicamente associada a uma população de renda inferior. Dessa maneira, compreendemos que para a os moradores da margem sul do rio a área central era, na prática, pouco acessível e marginal, pois se localiza na ponta do território que compreende essa porção da cidade. Na medida em que se fortalece a centralidade no lado norte da capital e o fluxo entre as margens de intensifica, a acessibilidade da área central retorna ao primeiro plano.

226

implementação dessas propostas depende desse diálogo e do comprometimento dos agentes

envolvidos, bem como da disponibilidade de recursos para tal.

É importante frisar novamente que o processo de verticalização que vem sendo

observado da Ribeira desde 2007 não tem reverberado em melhoria da dinâmica da porção

histórica do bairro. Dessa maneira, liberar a renovação de alguns setores da área central não

implica necessariamente na efetivação de uma política de preservação sustentada do

patrimônio urbano, se não houver atenção e um comprometimento com as ações para essa

fração a ser conservada que, teoricamente, constitui o principal objeto da operação urbana.

O contexto atual da política de valorização do patrimônio urbano em Natal tem a seu

favor o montante de investimentos disponível pelos programas e ações em curso, assim como

o reposicionamento da antiga área central enquanto espaço estratégico no território e no

sistema viário urbano. Isto reforça também a importância de se implementar medidas

preventivas contra um possível processo de gentrificação, e de se criar mecanismos de

monitoramento das ações e de seus impactos na ocupação da área, bem como na recuperação

do seu acervo arquitetônico.

Por outro lado, a principal função atribuída à área central ainda permanece sendo a de

um lugar de memória e um atrativo cultural para o turismo, já que as ações com recursos

assegurados presam pela implementação dessa atividade, sem que tenham sido enfrentados

os entraves para a efetivação do discurso de incentivo ao uso habitacional. Além disso, se no

projeto e planejamento da cidade a área central não for tratada como um ponto importante,

considerando os esforços de dinamização da área, as ações com vistas à sua revitalização têm

poucas chances de obter sucesso, pois ficam à mercê das intenções do mercado privado. A

persistência nesse tipo de postura representa a continuidade de uma abordagem que vê o

centro histórico como isolado da dinâmica da cidade, o que já foi superado no campo teórico

desde a década de 1970, como verificamos na introdução dessa pesquisa. Significa também,

ignorar as relações de centralidades existente na dinâmica urbana.

227

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa tratamos de estudar a relação entre as ações de preservação da área

central de Natal, enquanto espaço de valor cultural, e a dinâmica urbana da cidade em sua

totalidade. Para isto, também foi feito um resgate histórico sobre a evolução e

desenvolvimento urbano de Natal, bem como sobre o processo de evolução da ideia de

proteção e promoção do patrimônio cultural, com destaque para a área central da capital. O

levantamento desses aspectos se torna necessário, pois, como frisa Carrión (2002), é

importante compreender os atributos que deram origem ao que se conhece hoje centro

histórico da cidade.

Em síntese, o contexto da dinâmica intraurbana de Natal passou a ser a de uma cidade

composta por várias centralidades que, tendo sido principiadas na expansão da década de

1970, consolidaram-se definitivamente depois da década 1990 e, atualmente, convivem e

concorrem com a centralidade antiga. A atuação do poder público teve grande importância na

formação dessas novas centralidades e na migração de atividades para a região sul da cidade.

Estas centralidades reúnem grandes equipamentos modernos de comércio, instituições

públicas, empresas e/ou a produção privada de habitação pelo mercado imobiliário,

canalizando fluxos diários da população e concentrando oportunidades de atividades e

empregos.

Se ampliarmos o olhar e considerarmos o sistema atual no qual estamos inseridos, em

que o capital sempre procura os meios mais fáceis para se reproduzir, conforme explica Harvey

(2006), é possível compreender porque os investimentos privados na produção de habitação

se concentraram nos bairros de Lagoa Nova, Tirol e Ponta Negra, principalmente, onde a

legislação foi mais permissiva e há uma grande valorização do solo, por vezes também

associada à presença de belezas naturais como qualificador do espaço.

De uma maneira geral, no Brasil, o valor patrimonial ainda não foi capaz de se traduzir

em atrativo para o mercado imobiliário. Na área central de Natal, segundo o presidente do

Sinduscon-RN, ainda não há um cenário seguro para investimentos privados e espera-se que

os projetos saiam do papel e convirjam para um projeto único capaz de “melhorar a segurança

necessária para que se invista da Ribeira”. Esse cenário envolve tanto a questão da segurança

pública quanto o sentido de se minimizarem os riscos de perda financeira dos investimentos, a

228

fim de se ter mais garantia de retorno em lucro. De acordo com este representante, este

quadro ainda dependerá da regulamentação da Zona de Preservação Ambiental - ZPA-7,

localizada no bairro de Santos Reis próximo ao estuário do Rio Potengi, bem como da

implantação do Centro Administrativo e Câmara Municipal na Redinha, de políticas de

incentivos ficais e da vida na área. Dessa maneira, compreende-se que essas ações no entorno

da área central também teriam o potencial de contribuir com a sua valorização, pois a

implantação do complexo administrativo na margem oposta do rio ampliaria o fluxo na região,

além de haver a expectativa de serem estabelecidos parâmetros construtivos que permitam

investimentos na referida ZPA, que possui grande atrativo cênico-paisagístico.

Percebe-se, a partir deste depoimento, que se espera uma valorização da área para que

os investidores possam atuar com mais intensidade, enfatizando-se o papel e a

responsabilidade do poder público em desencadear um cenário mais favorável para os

empresários. Ainda assim, já é perceptível um retorno de interesse que avançam sobre a área

central e entorno do centro histórico, especialmente na Ribeira, em decorrência de um ajuste

estratégico do mercado imobiliário diante do arranjo dos índices urbanísticos da legislação

municipal, conforme explicado no item 5.1, bem como na expectativa dessa valorização.

A identificação do aspecto mutável do objeto urbano, em detrimento das

particularidades relativas aos monumentos isolados, e a necessidade de alinhar preservação do

patrimônio ao planejamento urbano já foi feita há algum tempo, no entanto, no campo prático,

as políticas de preservação patrimonial ainda continuam seguindo uma lógica arcaica de ações

pontuais direcionadas à recuperação de monumentos. Mesmo o PAC-CH, que tinha em seu

objetivo inicial inserir o patrimônio cultural em uma leitura mais ampla da cidade, passou por

uma mudança durante a execução da política. Conforme visto no Capítulo 4 desta dissertação,

apesar de a metodologia do Programa prever a elaboração de um Plano de Ação amplo e

participativo como condição prévia para a seleção das ações, a indicação das ações em Natal

acabou passando pela peneira da viabilidade técnica, financeira e de menor tempo operacional,

bem como pela antiga pressão de interesses políticos.

As intenções, no nível do discurso, de incentivar múltiplos usos para a área central

coadunam com as teorias mais recentes de preservação do patrimônio urbano. Entretanto,

verificamos que as estratégias idealizadas para o caso de Natal acabam por reforçar usos

específicos, com destaque para a atividade turística e cultural, primordialmente. As propostas

229

ainda não puseram em prática medidas de enfrentamento de questões essenciais à

implementação das propostas ligadas ao uso habitacional, como, por exemplo, um

financiamento adequado e a regularização fundiária dos imóveis.

Apesar de já terem sido apontados em vários estudos, os problemas de regularização

fundiária das áreas centrais das cidades brasileiras, verificado também no caso específico de

Natal, bem como da necessidade de criação de linhas de financiamento adequadas a

intervenções no construído, eles continuam sendo postergados. Persistem as mesmas

estratégias fundamentadas primordialmente em intervenções físicas sem resultados

sustentados, em detrimento do enfrentamento de questões estruturantes. A urgência de

realizar a regularização fundiária dos imóveis do centro histórico de Natal é reforçada pela

pesquisa realizada no âmbito do PRAC-Ribeira, onde se constatou que no bairro estudado

apenas 20% dos 175 imóveis identificados como subtilizados/sem uso estavam com situação

regular do registro do imóvel – ou seja, possuíam cadastros de propriedade compatíveis na

Secretaria de Tributação e no 3º Cartório de Ofício de Notas (PRAC-Ribeira, 2008, p. 153).

Diversos instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto das Cidades podem se somar à

luta pela preservação e gestão de áreas de valor patrimonial. No entanto, inserir a preservação

do patrimônio no planejamento urbano é mais do que regulamentar instrumentos urbanísticos

aplicados às áreas centrais de valor cultural reconhecido, uma vez que a existência de leis não

significa de maneira direta a efetivação das medidas previstas. Entendemos que estes

instrumentos devem, de fato, ser construídos a partir de uma leitura séria e abrangente da

dinâmica urbana da cidade e do ordenamento urbano municipal de maneira completa, para

que se compreenda a interligação entre esses dois aspectos e as propostas sejam inseridas de

maneira coerente na realidade local.

Como vimos no caso de Natal, alguns desses instrumentos estão previstos na legislação

urbanística e incidem sobre a área central de Natal, como o Direito de Preempção, a Operação

Urbana e a TPC, mas pouco foi efetivado através dessas ferramentas. Além disso,

compreendemos que a regularização fundiária é um dos primeiros passos para que essas

ferramentas tenham eficácia na aplicação, pois sem que se tenha conhecimento e contato com

os proprietários dos imóveis dessas áreas, nenhum trâmite pode ser iniciado.

Percebemos, portanto, que a política de preservação em Natal permanece separada da

política urbana: o instrumento Operação Urbana e as ações de incentivo à instalação de usos

230

não levam em consideração a legislação urbanística de todo o município, que permite, e é

estimulado através de investimentos públicos em infraestrutura, o fortalecimento de novas

centralidades em outras regiões do município; não há diálogo com a política habitacional para

atuação conjunta das instâncias governamentais; e há divergência de interesse ou

hierarquização de investimentos no campo do turismo entre os temas de praia e patrimônio

cultural. Assim, a área central continua sendo tratada de maneira isolada do resto da cidade,

tematicamente direcionando o turismo cultural como saída para resgatá-la do estado de

estagnação e abandono de uma parcela das edificações. Ao passo em que não se enfrentam os

problemas estruturantes da área, que impedem ou dificultam a dinamização através de

investimentos privados e do incremento do uso habitacional, que contribuiriam para a inserção

dessa porção histórica na dinâmica cotidiana da cidade.

Por outro lado, percebemos ao longo deste trabalho que o Ordenamento Urbano de

Natal possui uma importante estrutura de proteção ambiental e paisagística, com força

suficiente para impedir avanços do capital em busca de reprodução pela urbanização em áreas

com qualidades cênicas marcantes para a cidade. Conforme apontam José Clewton do

Nascimento, Natalia Vieira-de-Araújo e Paulo Nobre (2016, p. 12), essas áreas especiais

delimitadas pelo PDN “contribuem para manter fortes referências visuais, que fornecem

identidade ao tecido urbano, fazem parte do imaginário coletivo e se destacam no contexto

social da cidade”. Dessa maneira, essa ferramenta se mostra como uma importante aliada para

somar esforços na preservação do patrimônio cultural, podendo compor o que vem sendo

chamando de “paisagem cultural”, capaz de integrar o aspecto cultural ao natural. Apesar de

haver uma grande variedade de abordagens em torno dessa categoria, de acordo com Rafael

Winter Ribeiro (2007, p.111) “é na possibilidade de valorização da integração entre material e

imaterial, cultural e natural, entre outras, que reside a riqueza da abordagem do patrimônio

através da paisagem cultural e é esse o aspecto que merece ser valorizado”.

Mesmo entre as ações direcionadas a essa porção histórica da cidade é possível verificar

conflitos e contradições. No âmbito da instância pública municipal encontram-se estratégias

divergentes, que vão além da dificuldade de definição da área detentora de valor cultural

(diferente na ZEPH da ARH da OUR, por exemplo). Ao mesmo tempo, direcionam-se propostas

de fortalecimento de usos diversificados na área central, incluindo o uso institucional, mas

propõe-se também a construção de um Centro Administrativo em outra região. Este tipo de

231

movimento reforçaria o problema de esvaziamento de mais edificações e da área de modo

geral, diminuiria a força da centralidade que resiste ao processo de modernização e expansão

da cidade, e esvaziaria seu simbolismo enquanto centro de poder institucional, que representa

uma das mais fortes associações e atributos desse setor urbano. Algo parecido com o que

ocorreu nos anos 1970 com a saída do poder estadual do centro antigo para a região sul da

cidade e, como vimos, insiste em ser retomada em pleno século XXI.

Os obstáculos enfrentados no desenvolvimento dessa pesquisa, no que se refere ao

acesso a informações dos alvarás de construção, bem como a extinção do setor que tratava do

patrimônio cultural na estrutura da SEMURB/Prefeitura de Natal, exemplificam o despreparo

de uma estrutura administrativa que dê conta de gerir as ações com relação à área central de

Natal. Essa estrutura gestora é essencial para o sucesso de ações que lidam com a

complexidade do patrimônio urbano e, mesmo tendo sido prevista nas duas versões da Lei de

Operação Urbana Ribeira, nunca existiu para acompanhar a operacionalização do instrumento.

Essa carência dificulta também o monitoramento necessário para auferir os ganhos e as

necessidades de adaptação que possam surgir no processo de aplicação da política.

Além da inexistência da estrutura gestora da OUR, constatou-se nessa pesquisa a criação

de outras equipes paralelas que não funcionam de maneira efetiva nem articulada. Uma delas

é o “Comitê Gestor de Acompanhamento das ações de interesse histórico de Natal”,

estabelecido no Termo de Referência para contratação de projetos de reabilitação para o CH

da cidade, que, como vimos, na prática não contou com a participação do ente municipal no

processo de análise e desenvolvimento das propostas. De maneira semelhante, o COOPERE,

apesar de ter sido criado a partir do momento em que se identificou a ausência de diálogo

entre os atores e projetos atuantes no bairro da Ribeira, funcionou mais como um grupo de

troca de informações, do que no esforço para a gestão conjunta da área. Ademais, esta equipe

se volta exclusivamente para as ações direcionadas para o bairro ribeirinho, e não para a área

central ou o centro histórico de maneira abrangente.

Assim, o que a princípio parecia ser uma aproximação ao diálogo entre as três esferas

governamentais nas ações destinadas ao recém-reconhecido Centro histórico de Natal, na

verdade externou os conflitos existentes no campo político. A atual conjuntura, em que os

representantes administrativos locais são de grupos políticas de oposição, ajuda a explicar o

pouco diálogo entre as instâncias municipal e estadual nas ações em curso, quando o Governo

232

do RN passou a atuar de maneira mais interessada sobre o centro histórico da capital, ao passo

em que se percebe pouco movimento da municipalidade em dar continuidade as ações

propostas da OUCCHN e as ações sobre sua responsabilidade dentro do PAC-CH. A falta de

uma unidade gestora para a área central de Natal permanece, portanto, como um dos

principais entraves para criação de uma política de preservação mais efetiva.

Outra dificuldade enfrentada na pesquisa diz respeito à abordagem do tema políticas

públicas, que é inserido num quadro instável, pois o que se propõe nem sempre é posto em

prática. Por exemplo, no caso estudado, a crise política e econômica recente pela qual passa o

país, bem como a falta de regulamentação da ZPA-7 e ZET-4 no nível local, afetam as intenções

de construção do Centro Administrativo do Município, assim como ocorre com o

enfraquecimento do PAC-CH em escala nacional. Ressalta-se que esta pesquisa tratou de

estudar o conteúdo das intenções existentes e seus possíveis impactos sobre a questão

preservacionista em Natal. Podemos considerar, inclusive, que a não implementação de

algumas ações podem ser passo positivo para repensar as propostas, como o caso da

diminuição da função institucional da área central da cidade. Ademais, o próprio conceito de

”totalidade”, utilizado como embasamento teórico-metodológico, propõe o seu constante

refazimento.

Também não se pode deixar de reconhecer que a identificação dos agentes sociais e

econômicos por trás dos processos de produção do espaço constitui um aspecto importante

para a compreensão mais aprofundada de temas que envolvem o patrimônio urbano. Nesta

pesquisa, tentou-se compreender a ação dos atores privados através da espacialização das

funções habitacional e comercial na cidade, bem como pelo uso institucional e a análise da

legislação urbanística local, para compreender a atuação do Estado. Entretanto, devido a

limitações de acesso às informações, quando do início do levantamento dos dados, bem como

pela falta de tempo hábil para complementação posteriormente, não foi possível, no âmbito

deste trabalho, detalhar os agentes que atuaram na produção desse espaço examinado. Nesse

sentido, estudos sobre os agentes que participam da produção do espaço em Natal e a

possibilidade de utilização do instrumento de paisagem cultural representam possíveis

desdobramentos dessa pesquisa.

Não obstante, espera-se que o exercício metodológico, aqui desenvolvido, possa

representar um reforço no caminho para seleção de ações mais adequadas e eficazes para

233

áreas urbanas de interesse patrimonial. Que levem em consideração seu papel na dinâmica

urbana e seu lugar na legislação urbanística, pois só assim é possível construir uma política

coerente com a realidade e com mais chances de sucesso.

234

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240

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VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/FAPESP, 1998. 373f.

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ANEXOS

Anexo 1: Quadro de Ações pactuadas com e sem recursos e não pactuadas, apontadas durante a elaboração do Plano de Ação para as Cidades Históricas – Natal/RN.

AÇÕES PACTUADAS ENTRE SECRETARIAS E COM RECURSOS

Obra de Macro Drenagem do trecho Tirol/Petrópolis/Cidade Alta;

Programa Rua Chile, Rua Esplanada Silva jardim, Av. Tavares de Lira – Acessibilidade das calçadas e paginação de piso;

Programa “Acessibilidade das calçadas e Sinalização das Ruas” - Cidade Alta, Ribeira, Santos Reis, Rocas, Alecrim;

Produção de filmes e programas de TV voltados à divulgação do patrimônio cultural;

Difusão e promoção do patrimônio cultural: produção e impressão de material para a divulgação dos monumentos históricos;

Oficinas e cursos de capacitação de educação patrimonial; Inventários e mapeamentos do patrimônio imaterial por meio das metodologias do S-INRC, SICG, entre outros;

Inventários e mapeamentos do patrimônio material; - Inventário do patrimônio edificado (cidade Alta, Rocas, Petrópolis, Tirol, Alecrim) - Inventário e mapeamento do acervo da arte sacra do município de Natal

Elaboração impressão de manual de conservação de imóveis;

Elaboração e impressão de cartilhas educativas sobre tombamento para serem distribuídas entre os moradores/usuários do perímetro de tombamento do Centro Histórico de Natal;

Análise da legislação local contemplando a revisão de parâmetros urbanísticos para o perímetro de tombamento.

Estruturar o projeto do Circuito Cultural de Natal incluindo; - A criação de espaços receptivos (boxes de informação, lojas de conveniências e artesanato, banheiros, etc.); - Projeto luminotécnico para destaque de fachadas; - Projeto de embutimento de fiação aérea em trechos do circuito cultural;

- Projeto de sinalização e identificação de monumentos; - Disponibilização de Internet gratuitamente para os turistas nos boxes de informações turísticas municipais;

Recuperar os prédios de valor histórico públicos e privados e requalificar o espaço urbano - Requalificação da Santa Cruz da Bica; - Obras de conservação do Anexo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte; - Obras de conservação do “Sobradinho” – Museu Café Filho; - Obras de conservação do antigo Palácio do Governo – Pinacoteca do Estado; - Obras de conservação das Igrejas do Rosário, de Nossa Senhora da Apresentação e de Santo Antônio; - Projeto de recuperação e conservação da Fortaleza dos Reis Magos; - Criação de um banco de projetos para submissão de editais de apoio a ações na área de preservação do patrimônio cultural;

- Programa Becos Travessas (1ª etapa); - Programa Becos Travessas (2ª etapa); - Programa Beco da Lama;

Implantar o Plano Local de Habitação de Interesse Social com atendimento às famílias de baixa renda;

Aperfeiçoar a legislação urbanística local visando ao aproveitamento de usos habitacionais em áreas do Centro Histórico.

Estudos sobre os instrumentos de gestão urbana relacionados aos objetivos de proteção do patrimônio edificado inventariado, visando a sua aplicação num Plano que assegure a salvaguarda dos exemplares arquitetônicos de relevância histórica e merecedores de proteção. (Bairros de Tirol, Petrópolis e Alecrim);

Criar mecanismos que regulamentem o uso e ocupação do solo, evitando a retenção de terra vazia; (consultoria, regulamentação da legislação – instrumentos urbanísticos)

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Revisar e melhorar a legislação no tocante à publicidade de forma a diminuir a poluição sonora e visual nas áreas comerciais centrais da cidade;

Estudos sobre os instrumentos de gestão urbana relacionados aos objetivos de proteção do patrimônio edificado inventariado, visando a sua aplicação num Plano de Operação Urbana para os bairros de Cidade Alta e Rocas;

Criar projetos necessários à implementação da Lei de Operação Urbana Ribeira (considerando-a no atual estágio de revisão por parte do órgão competente).

AÇÕES PACTUADAS ENTRE SECRETARIAS E SEM RECURSOS

Adquirir tubos e conexões e contratar empresa terceirizada para a execução dos serviços destinados à substituição de redes coletoras de esgotos com diâmetros hoje subdimensionados e com mais de 30 anos de uso e para melhoria e ampliação de estações elevatórias de esgotos existentes;

Adquirir tubos e conexões e contratar empresa terceirizada para a execução dos serviços destinados à substituição de redes de distribuição de água em cimento amianto com mais de 30 anos de uso.

Estruturar o projeto do Circuito Cultural de Natal incluindo: - Obra de iluminação de destaque e embutimento de fiação aérea em trechos do circuito cultural (ARTICULAR COM O ESTADO); - Implantação de sinalização e identificação de monumentos (ARTICULAR COM O ESTADO) - Projeto de acessibilidade de passeios públicos; - Ordenar e/ou delimitar pontos alternativos de parada de embarque e desembarque para veículos de turismo, bem como, criar áreas de estacionamento para os mesmos.

Recuperar os prédios de valor histórico públicos e privados e requalificar o espaço urbano:

- Articular os usos no Parque Ferroviário/Complexo da Rotunda - Oficina, museu e percurso histórico‛;

- Criação do Centro Cultural – Capitania das Artes

Projeto de recuperação de edificações de valor histórico para habitação de interesse social na Ribeira/Rehabitar;

Utilização da linha de financiamento de imóveis privados

AÇÕES NÃO PACTUADAS

Implementar a segurança pública, principalmente no horário noturno e nos finais de semana;

Estender a atuação da polícia turística ao centro histórico;

Criar parceria entre a guarda municipal e a polícia militar/civil;

Recuperar a iluminação pública;

Melhoria das condições sanitárias de condicionamento do pescado na área das Rocas e incentivo à inserção da atividade na cadeia produtiva;

Articulação do projeto urbano da área liberada após a remoção da comunidade do Maruim com as propostas do PAC Cidades Históricas;

Modernização do serviço de trens urbanos, bem como, das estações de passageiros da CBTU;

Melhorar a fiscalização e o ordenamento de trânsito nas áreas centrais;

Aumentar a efetividade na fiscalização, coibindo demolições indiscriminadas de frações do centro histórico para dar lugar a estacionamentos.

Fonte: IPHAN, Plano de Ação para as Cidades Históricas – Natal-RN, Documento Técnico nº 03, 2010.

Observação: Foram destacadas, em negrito, aquelas ações que constam no Plano de Ação para Cidades Históricas - Natal-RN.

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Anexo 2: Objetivos (gerais e específicos) e ações propostas pelo Plano de Ação para as Cidades Históricas – Natal/RN

OBJETIVO 1- Melhorar e ampliar a infraestrutura existente na área de interesse histórico, bem como em seu entorno imediato, a fim de se consolidarem ações que incentivem o uso e a vivência dos espaços.

Objetivos específicos: Ações propostas:

• Ampliar e recuperar a rede de drenagem de águas pluviais;

• Ampliar e melhorar a rede de abastecimento de água e a rede coletora de esgoto;

• Implementar a segurança pública, principalmente no horário noturno e nos finais de semana;

• Intensificar a segurança das áreas definidas historicamente como sendo de preservação

cultural;

• Recuperar a iluminação pública, prever iluminação especial para prédios históricos, bem como, o embutimento de fiação em alguns trechos;

• Adequar os acessos, calçadas e passeios de pedestres, respeitando a legislação vigente;

• Articular os agentes em torno da discussão da ampliação do Porto de Natal.

• Redefinir as ligações das linhas de ônibus com o centro histórico;

• Melhorar a qualidade do serviço de trens urbanos, bem como da estação de passageiros da CBTU;

• Estender a atuação da polícia turística ao centro histórico;

• Implantar limpeza pública e coleta de lixo de forma sistematizada, já prevendo a coleta seletiva de lixo;

• Ampliar e criar mecanismos de manutenção do projeto Potengi Vivo/IDEMA;

• Criar parceria entre a guarda municipal e a polícia militar/civil.

• “Projeto de Macro Drenagem do trecho Tirol/Petrópolis/Cidade Alta”

• “Adquirir tubos e conexões e contratar empresa terceirizada para a execução dos serviços destinados à substituição de redes coletoras de esgotos com diâmetros hoje subdimensionados e com mais de 30 anos de uso e para melhoria e ampliação de estações elevatórias de esgotos existentes”

• “Adquirir tubos e conexões e contratar empresa terceirizada para a execução dos serviços destinados à substituição de redes de distribuição de água em cimento amianto com mais de 30 anos de uso.”

• “Programa Rua Chile e Rua Esplanada Silva jardim – Acessibilidade das calçadas e paginação de piso”.

• “Programa ‘Acessibilidade das calçadas e Sinalização das Ruas’ - Cidade Alta, Ribeira, Santos Reis, Rocas, Alecrim”

OBJETIVO 2 - Implementar atividades, programas e ações de fomento cultural e educação patrimonial a fim de salvaguardar, ampliar o conhecimento e estimular a formação de identidade com o patrimônio material e imaterial da cidade.

Objetivos específicos: Ações propostas:

• Produzir material com o aporte da educação patrimonial para informar e divulgar o conhecimento acerca do patrimônio material e imaterial local;

• Implementar políticas patrimoniais de apoio às manifestações culturais existentes;

• Instituir programas de recuperação e manutenção para monumentos, espaços e logradouros públicos.

• “Produção de filmes e programas de tv voltados à divulgação do patrimônio cultural”

• “Difusão e promoção do patrimônio cultural: produção de material de divulgação dos monumentos históricos”

• Oficinas e cursos de capacitação de educação patrimonial;

• Inventários e mapeamentos do patrimônio imaterial por meio das metodologias do S-INRC, SICG, entre outros;

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• Inventários e mapeamentos do patrimônio material;

OBJETIVO 3 - Intensificar as ações de incentivo ao turismo nas áreas de interesse histórico, criando estrutura necessária para a instalação de programas e equipamentos para a recepção dos turistas e para a incorporação de tal atividade pelos habitantes locais.

Objetivos específicos: Ações propostas:

• Estruturar espaços receptivos (boxes de informação, lojas de conveniências e artesanato, banheiros, etc.);

• Ampliar a sinalização e identificação dos monumentos e espaços públicos;

• Articular os vários projetos para a elaboração e implementação de um projeto único para o Corredor Cultural de Natal;

• Ordenar e/ou delimitar pontos alternativos de parada de embarque e desembarque para veículos de turismo, bem como, criar áreas de estacionamento para os mesmos.

• Iluminação de destaque e embutimento de fiação aérea em trechos do corredor cultural;

• Implantação de sinalização e identificação de monumentos no corredor cultural;

• “Disponibilizar Internet gratuitamente para os turistas nos boxes de informações turísticas municipais”.

OBJETIVO 4 - Promover o uso habitacional no centro histórico, revertendo o processo de esvaziamento, atraindo novos usos e garantindo a preservação dos imóveis de valor histórico-cultural.

Objetivos específicos: Ações propostas:

• Incentivar o uso residencial, comercial e de uso misto buscando atingir uma diversidade social e geração de renda para a população, além de evitar a subutilização e o abandono dos prédios históricos;

• Valorizar e promover atividades que atraiam a população para os espaços públicos do centro;

• Viabilizar o atendimento habitacional das comunidades atingidas pelas intervenções realizadas no perímetro de ação do plano;

• Recuperar os prédios de valor histórico públicos e privados;

• Prever no Plano Local de Habitação de Interesse Social o atendimento às famílias de baixa renda;

• Aperfeiçoar a legislação urbanística local visando ao aproveitamento de usos habitacionais em áreas do Centro Histórico.

• “Projeto de recuperação de edificações de valor histórico para habitação de interesse social na Ribeira”/ Rehabitar

• “Requalificação da Santa Cruz da Bica”;

• “Obras de conservação do Anexo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte”

• “Obras de conservação do ‘Sobradinho’ – Museu Café Filho”

• “Obras de conservação do Palácio do Governo – Pinacoteca do Estado”

• “Obras de conservação das Igrejas do Rosário, de Nossa Senhora da Apresentação e de Santo Antônio”;

• “Criação de um banco de projetos para submissão de editais de apoio a ações na área de preservação do patrimônio cultural ”

• “Programa Becos Travessas (1ª etapa)”

• “Programa Becos Travessas (2ª etapa)”

• “Programa Beco da Lama”

• “Complexo da Rotunda - Oficina, museu e

percurso histórico”

• “Projeto de recuperação e conservação do Forte dos Reis Magos”

OBJETIVO 5 - Revisar e ampliar a legislação vigente, garantindo um maior poder de fiscalização por parte dos órgãos competentes e promovendo a proteção necessária ao patrimônio edificado do centro histórico da cidade.

Objetivos específicos: Ações propostas:

• Regulamentar uma legislação que proteja as unidades arquitetônicas, bens e monumentos

• Estudos sobre os instrumentos de gestão urbana relacionados aos objetivos de proteção do patrimônio edificado inventariado, visando a sua aplicação num

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existentes fora do perímetro da Zona Especial de Preservação Histórica (ex. Petrópolis, Tirol e Alecrim);

• Criar mecanismos que regulamentem o uso e ocupação do solo, evitando a retenção de terra vazia;

• Melhorar a fiscalização e o ordenamento de trânsito nas áreas centrais;

• Revisar e melhorar a legislação no tocante à publicidade de forma a diminuir a poluição sonora e visual nas áreas comerciais da cidade;

• Aumentar a efetividade na fiscalização, coibindo demolições indiscriminadas de frações do centro histórico para dar lugar a estacionamentos.

• Propor mecanismos para criação da Lei de Operação Urbana Cidade Alta;

• Criar projetos necessários à implementação da Lei de Operação Urbana Ribeira (considerando-a no atual estágio de revisão por parte do órgão competente).

Plano de Operação Urbana para os bairros de Cidade Alta e Rocas;

• Estudos sobre os instrumentos de gestão urbana relacionados aos objetivos de proteção do patrimônio edificado inventariado, visando a sua aplicação num Plano que assegure a salvaguarda dos exemplares arquitetônicos de relevância histórica e merecedores de proteção. (Bairros de Tirol, Petrópolis e Alecrim).

Fonte: IPHAN, Plano de Ação para as Cidades Históricas – Natal/RN, 2010.