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SESSÃO 18 - SUSTENTABILIDADE URBANA

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JUVENTUDE E CIDADE: REFLETINDO SOBRE A SUSTENTABILIDADE NO ESPAÇO URBANO Alexsandra Sousa141 Nara Diogo Rocha142 Verônica Salgueiro do Nascimento143 RESUMO Atualmente, cresce o número de pessoas de vários segmentos da sociedade preocupadas com o tema da sustentabilidade urbana. A presente pesquisa visou investigar as representações afetivas de jovens sobre a cidade que habitam. Participaram desse estudo 34 sujeitos beneficiados pelo programa federal Pró-Jovem Urbano na cidade de Sobral, estado do Ceará, Brasil. O estudo foi realizado durante o segundo semestre do ano de 2010 e foi iniciativa do Observatório da Infância e Juventude de Sobral, extensão do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará. Especificamente foram construídos mapas afetivos com os jovens. Buscou-se a compreensão psicossocial e sócio-cultural na relação entre subjetividade e espaço construído, enfatizando o afeto como grande agregador da percepção e do conhecimento sobre a cidade. As imagens apresentadas pelos participantes, em sua maioria, revelam o sentimento de agradabilidade pela cidade indicando satisfação em viver na cidade. Um outro sentimento revelado pelos mapas indicam a presença de contrastes, ou seja, o jovem afirma gostar de sua cidade, mas também apresentada preocupações com a degradação ambiental, ausência de paz e aumento do vandalismo. Entendemos que os jovens podem assumir papel de protagonista de ações inclusivas e solidárias, para tanto faz-se necessária a inclusão destes atores na reflexão e construção de referenciais para intervenções públicas e privadas interessadas no aumento da qualidade de vida nas regiões urbanas. PALAVRAS CHAVES: JUVENTUDE; CIDADE; SUSTENTABILIDADE URBANA 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho visou investigar os sentimentos dos jovens participantes do Pró-Jovem Adolescente em Sobral sobre esta cidade. Juventude e Adolescência, apesar de serem termos muitas vezes utilizados de forma intercambiável, tem sido referência de grupos populacionais distintos. Na década de 80 emergiram políticas voltadas para a garantia de direitos de crianças e adolescentes, sendo a adolescência legalmente posta entre 12 e 18 anos. As políticas de juventude tem avançado no Brasil desde a década de 90 devido principalmente à visibilidade que este segmento populacional tem conseguido, focalizando sobre tudo aqueles depois dos 18 anos e suas questões relativas a construção da autonomia na vida adulta. Em 2005, o governo federal lançou a Política Nacional de Juventude, da qual faz parte, o Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária – ProJovem. Esse programa acontece em quatro modalidades: ProJovem adolescente, ProJovem Urbano, ProJovem do campo e ProJovem Trabalhador, devido à diversidade de situações e condições deste segmento tão diverso. O trabalho de pesquisa abordou especificamente o ProJovem Adolescente, e assim não pretendemos nos deter nos demais, afirmando apenas que cada um deles destina-se a uma faixa etária e enfoca questões ligadas a especificidade retratada na sua nomenclatura. De acordo com a lei nº 11.692, de 10 de Junho de 2008, o ProJovem Adolescente é a modalidade destinada à faixa etária de 15 a 17 anos dos jovens cujas famílias são beneficiárias do Bolsa Família, são egressos ou estão cumprindo medidas sócio-educativas e vem de outros programas como o PETI.144 Visa garantir a proteção social básica, a convivência familiar e 141 Aluna 9º semestre do curso de Psicologia da UFC - Sobral 142 Mestra em Psicologia. Professora do Curso de Psicologia UFC Sobral 143 Doutora em Educação. Professora do Curso de Psicologia UFC Sobral 144 Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.

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comunitária, a reinserção do jovem no sistema escolar, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social. Articula 3 eixos estruturantes: participação cidadã, mundo do trabalho e convivência social, sendo 06 os temas transversais trabalhados: direitos humanos e sócio-assistenciais, trabalho, cultura, meio ambiente e esporte. Dessa forma, tal investigação torna-se relevante posto que os jovens envolvidos, além de estarem em situação de exclusão, procuram assumir, através do Pro-Jovem, ações de protagonismo do desenvolvimento da cidade. Esta pesquisa foi iniciativa do Observatório da Infância e Juventude de Sobral, extensão do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará, que tem como principais objetivos construir saberes e articular parceiros em torno da questão da infância e juventude de Sobral. Como um espaço de troca, criação e reflexão de ações voltadas as crianças e jovens, o Observatório tem como um de seus pressupostos a desnaturalização destes momentos da vida das categorias de análise a elas associadas, primando pelas diversas formas de pertencimento de crianças e jovens em nosso mundo. Ressaltamos que o objetivo geral deste estudo foi investigar os sentimentos dos jovens do ProJovem Adolescente de Sobral sobre a cidade. Especificamente foram construídos os mapas afetivos com os jovens participantes deste projeto em Sobral e procedeu-se à análise dos mesmos. Nossa intenção é gerar dados e provocar reflexões sobre os mesmos, divulgando os resultados no meio científico, bem como junto aos participantes. A seguir discorremos a respeito dos principais conceitos contemplados pelo estudo e nosso referencial teórico. QUADRO TEÓRICO Infância, Adolescência e Juventude constituem-se como categorias sociais de relevância a partir da Modernidade, tendo emergido, cada uma a seu tempo, como momentos estratégicos do desenvolvimento humano e, portanto, tornando-se alvo de diversas intervenções, muitas delas fundamentadas em saberes da Psicologia. Consideramos, portanto, tais noções como históricas e socialmente construídas, tendo a Psicologia influído em suas configurações, que também são afetadas pelas mudanças sociais e indicam formas pelas quais a sociedade cuida de sua transformação/manutenção. Com a redemocratização do país, na década de 1980, infâncias e juventudes, assim como outras minorias passam a compor diferentemente o quadro de preocupações sociais. Contemporaneamente o reconhecimento das diversas condições e situações destes momentos da vida, bem como o avanço das discussões no sentido de uma análise crítica e contextualizada de tais aspectos, tem exigido do saber psicológico um constante repensar de sua práxis. A seguir estão explicitadas algumas discussões que colaboram com a compreensão da proposta, situando a questão das juventudes e de sua participação na cidade, entrelaçadas aos conceitos de território e afetividade. 2.1 Juventudes O jovem, numa visão clássica, é aquele que retarda sua entrada em vários âmbitos e funções sociais, como o trabalho e obrigações familiares, por exemplo, para ocupar-se da preparação da sua vida futura. As transformações sócio-econômicas vivenciadas atualmente não permitem a muitos jovens essa condição de “moratória social” (Erikson, 1968). A compreensão da juventude no cenário da sociedade contemporânea, de acordo com Melucci (1997), de fato, esta fase não é mais somente considerada apenas sob o aspecto de uma condição biológica, mas também sob a compreensão de uma definição cultural. Com uma importante contribuição na área da sociologia da juventude, Groppo (2008, p.8) afirma que este período “Trata-se não apenas de limites etários pretensamente naturais ou objetivos, mas também, e principalmente, de representações simbólicas e situações sociais com suas próprias formas que têm importante influência nas sociedades modernas”. Ainda nessa perspectiva, o mesmo autor afirma que a categoria social da juventude assume importância fundamental para a possibilidade de compreensão sobre as diversas características presentes nas sociedades modernas, o funcionamento delas e suas transformações. Daí reside também o meu interesse em aprofundar conhecimentos sobre tal fase evolutiva.

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Assinalando a significativa transformação que os jovens têm passado, Peralva (1997) afirma que o jovem migra de um polo onde era percebido como promessa de futuro, para outro lugar, passando a ser visto como modelo cultural do presente. Ainda de acordo com esse autor, “Interrogar essas categorias permite não somente uma melhor compreensão do universo de referências de um grupo etário particular, mas também da nova sociedade transformada pela mutação” (Peralva, 1997, p. 23). O Núcleo de Opinião Pública (NOP) da Fundação Perseu Abramo (FPA) realizou, em novembro de 1999, uma pesquisa quantitativa com 1.806 jovens de 15 a 24 anos provenientes das 9 regiões metropolitanas do Brasil e do Distrito Federal, como parte da investigação sobre o imaginário social brasileiro. Abramo e Venturini (2000) problematizaram duas idéias básicas acerca da juventude, sendo elas a idéia de “passagem” e de “predisposição natural para a rebeldia”, à luz dos resultados da pesquisa supracitada. De acordo com os autores, compreender a juventude como passagem implica a noção de busca da identidade, valores, idéias, modos de agir, até a percepção da juventude como momento de instabilidade. Estas compreensões orientam as ações para a juventude no sentido da preparação da vida futura, levando a um retardamento da inserção em diversos âmbitos da vida social. A idéia de juventude como “predisposta à rebeldia” tem suas raízes, no entender de Abramo e Venturini (2000), na revolução Francesa e ganha força nos anos 60, com os movimentos sociais juvenis. Os autores analisam que tais concepções não colaboram para a compreensão da juventude brasileira hoje. Zanetti (2001) caracteriza a realidade dos jovens brasileiros a partir da vivência em um mundo globalizado, que dissolve identidades nacionais e promove hegemonias de países sobre outros. Neste mundo, a televisão e a internet geram expectativas sem mostrar suas possibilidades de realização, contribuindo para o crescimento da insatisfação e dos conflitos. A liberação sexual promovida pela cultura é cerceada pela Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis, gravidez não planejada e os riscos do aborto. As identidades passam a ser fortalecidas nas ruas, nos espaços das gangues e galeras, como proteção da violência que mata cada vez mais jovens. Por outro lado, no mundo do trabalho, não há vagas, nem nas universidades, nem no mercado formal. De acordo com esse cenário, faz sentido que as preocupações do jovem brasileiro sejam a violência e o desemprego, como demonstrado por Abramo e Venturini (2000). Ainda de acordo com os autores, os jovens também têm esperanças quanto ao futuro, baseando-se no esforço pessoal, no próprio empenho, e pensam que ter experiências importantes no presente é melhor que se preocupar com o futuro. De acordo com Zanetti (2001), 89% dos jovens expressam atitude negativa diante da realidade atual. De acordo com a pesquisa da FPA, os jovens consideram a política importante e vêem o alcance dela em seu cotidiano, no entanto, não se consideram aptos a influir nas decisões políticas. Abramo e Venturini (2000) atribuem esse fato à forma de se fazer política no Brasil, forma essa pautada no não reconhecimento da capacidade de contribuição dos jovens. Há muito mais jovens participando de organizações culturais que de organizações políticas. Os autores encerram sua discussão ressaltando que os desejos de transformação do mundo e a utopia fazem parte da juventude atual, que se considera com energia para participar desse processo. Zanetti (2001) encontra alto índice de atitude revolucionária, apesar do desgaste das instituições políticas. É válido ainda salientar que ”precisamos falar de juventudes no plural, e não de juventude, no singular, para não esquecer as diferenças e desigualdades que atravessam essa condição” (Abramo, 2005, p.43). Ou seja, há de se respeitar esses jovens em suas especificidades e tentar sempre contextualizar as percepções acerca destes. Velho e Duarte (2010, p.07) reforçam esse pensamento ao declararem: “o plural salienta a complexidade da sociedade moderno-contemporânea, ao mesmo tempo que busca evitar uma simplificação e um empobrecimento das importantes diferenças encontrada e analisadas”. Tal posicionamento vem somar aos que já foram apresentados, com a intenção de reforçar a necessidade de contextualização histórica e cultural de qualquer investigação sobre juventude (Frota, 2007, Abramo, 1997). 2.2. Juventudes e Cidade O município é o lugar no qual os indivíduos crescem, vivem, interagem com os outros, constroem sua história baseada no contexto e nos aspectos presentes ao seu redor. É mais

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precisamente na comunidade o melhor espaço para constituição e reconhecimento de sua identidade pessoal, social e municipal. Segundo Góis: A identidade municipal é um aspecto da identidade social, é o sentimento e a noção que o indivíduo tem de pertencer a certo espaço físico-social (município) que o faz e que por ele é feito, e de compreender esta relação como de integração e de diferenciação de si mesmo em relação a coletividade municipal, implicando aí o significado histórico, cultural, valorativo e vivencial dessa pertinência. Contém a consciência do modo de vida do lugar e a capacidade de apropriação desse espaço físico- social (Góis, 2003, p.95). Está claro portanto suas vias de encontro com a Psicologia Ambiental, uma vez que, para Moser (1998), "a psicologia ambiental estuda a pessoa em seu contexto, tendo como tema central as interrelações – e não somente as relações – entre a pessoa e o meio ambiente físico e social" (p.121). A noção de apropriação, advinda da psicologia histórico-cultural, foi iniciada por Vigotski e desenvolvida por Leontiev, como um mecanismo básico de desenvolvimento ser humano na passagem do intersubjetivo ao intrasubjetivo, passa, em Psicologia ambiental a ser estudada como apropriação do espaço. Pol (1996) destaca duas vias principais para que a apropriação aconteça: a da ação-transformação e a da identificação simbólica, onde os sujeitos agem sobre o espaço e identificam-se com aquele lugar transformado pela sua ação. Aqui as contribuições de Ponte, Bomfim e Pascual (2009) são relevantes pois, agregam a essas noções as questões apontadas pela psicologia histórico-cultural. De acordo com estes autores “a perspectiva histórico cultural da identidade de lugar entende que além da produção de sentidos e significados sobre o espaço, o que acontece é o reconhecimento do próprio sujeito nesse processo de significação”( Bomfim, Pascual e Ponte 2009). A Identidade Municipal emerge como fenômeno a ser considerado em ambas as perspectivas. Na sociedade atual percebe-se a influência que a globalização, com ênfase no modelo capitalista, exerce sobre os sujeitos que a constituem. Diante disso os indivíduos distanciam-se de suas raízes históricas e culturais, perdendo ferramentas importantes na constituição de si; bem como se enfraquecem para o embate que é a transformação de sua realidade pessoal e coletiva. A partir da relação com o lugar, sua cultura e sua história que o ser humano se constitui como sujeito, sendo que tais reflexões são apontadas como tarefas históricas para uma Psicologia da Libertação (Martin-Baró, 1998). Para Cassab (2001) mais do que um locus onde a subjetividade se produz, a cidade configura possibilidades e restrições, sendo um “outro” constituinte dos sujeitos. Os percursos dos indivíduos pela cidade são definidos por seus lugares de produtores e consumidores, circunscrevendo circuitos de inclusão e exclusão. Ao abordar a vivência dos jovens pobres na cidade conclui que esta tem sido espaço de risco de vida, onde são negociadas cotidianamente as possibilidades de sobrevivência. Segundo dados do Censo Demográfico de 2000, no Brasil, a população de jovens entre 15 a 24 anos é composta por mais de 34 milhões. Representam cerca de 20% da população brasileira, sendo que 80% deste total estão na área urbana. De acordo com o Fundo de População das Nações Unidas em 2003, o Brasil seria considerado como o quinto país do mundo com maior representação percentual de jovens, considerando a faixa de 10 a 24 anos (cerca de 51 milhões ou 30% da população total) (Abramo, 2005). Numericamente, os jovens compõem um grupo significativo de nossa população. No entanto, para além do aspecto quantitativo, tal grupo vem despertando interesse nos pesquisadores também por ser considerado como um grupo vulnerável em várias dimensões, estando presente com destaque nas estatísticas de violência, desemprego, gravidez não-desejada, falta de acesso a uma escola de qualidade e carências de bens culturais, lazer e esporte. Esse quadro revela-se como preocupante, na medida em que os jovens passam a ser referência para ênfases em dimensões problemáticas e não são explorados aspectos como o da criatividade e disponibilidade para a participação social, elementos a serem mais trabalhados com os jovens. Suscitados pela necessidade de ir ao encontro de um jovem concreto, morador da cidade de Sobral, integrante do ProJovem Adolescente fomos norteados pelo compromisso de romper com a barreira que fortaleçe a crença de que o jovem seria um “problema social”. Passamos agora a descrever nosso procedimento metodológico.

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3. METODOLOGIA 3.1 Contexto A cidade de Sobral foi criada em 1772, situa-se a noroeste no Estado do Ceará, a 224 Km² da capital do estado. O acesso é feito pela rodovia Br 222 que liga o Ceará ao Piauí e, consequentemente, ao Maranhão e ao Pará. Existe também uma ferrovia, atualmente usada, sobretudo, pelo grupo Votorantim. Em 2009 registrou o total de 182.431 mil habitantes. A população urbana é de 103. 868 mil habitantes (81,47%). A população rural é de 23.621 mil habitantes (18,53%). Possui uma área absoluta de 2.122,98 Km². Tem altitude de 69,49m². O clima tem uma variação entre tropical quente semiárido e tropical quente semiárido brando. Em 2007, o seu Produto Interno Bruto (PIB) foi de 1.752.648,00 obtendo o posto de 3ª economia do estado. O ProJovem Adolescente em Sobral é executado pela Fundação de Ação Social (FASM), órgão administrativo da Prefeitura de Sobral e conta com 1400 jovens em 56 coletivos. São 30 coletivos de 25 jovens na sede e 26 coletivos nos distritos. Os coletivos se encontram diariamente (excluindo sábados, domingos e feriados), com o apoio dos Centros de Referência da Assistência Social. Há um orientador contratado pela FASM e responsável por cada coletivo e que coordena os encontros , e um facilitador, responsável por trabalhar temáticas ligadas à Saúde, Educação, Cultura, Meio Ambiente, dentre outras, definidas pelo Ministério do Desenvolvimento Social. 3.2 Participantes: Como se trata de uma pesquisa de natureza qualitiativa, em que a construção dos dados se estabelece no diálogo entre participante e pesquisador (Gonzalez-Rey, 2002), o critério de escolha dos participantes será fazer parte do Pro-Jovem Adolescente em Sobral e desejar produzir o mapa afetivo. 3.3 Instrumentos: Os mapas afetivos, de acordo com Bomfim (2010) são uma metodologia que visa, a partir da captura de imagens e palavras, utilizar as representações para compreender as relações entre os sentimentos e o espaço. “Os desenhos e metáforas são recursos imagéticos reveladores dos afetos que, juntamente com a linguagem escrita dos indivíduos pesquisados, nos dão um movimento de síntese do sentimento. O desenho é a criação de uma situação de aquecimento para a expressão de emoções e sentimentos e a escrita traduz a dimensão afetiva do desenho. As metáforas são recursos de síntese, algutinadores da relação entre significados qualidades e sentimentos atribuídos aos desenhos. (p. 137) Foi entregue aos participantes uma folha de papel A4. Pediu-se que eles representem através de um desenho a cidade onde moram. Estiveram disponibilizados materiais como lápis de cor e canetas hidrocor. No verso desta folha estarão as seguintes questões: O que significa seu desenho? Que sentimentos ele representa? Que palavras resumem seus sentimentos? O que você pensa da cidade? A que você compara esta cidade? Que caminhos da cidade você percorre em seu cotidiano? Você participa de associações, grupos comunitários, esportivos ou religiosos? Quais? Você participa de movimentos sociais? Sexo ( ) M ( ) F Idade: ___, Origem, cidade e estado de residência habitual: Tempo de residência na cidade: Escolaridade: Não é pedida identificação. O jovem assinará o termo de consentimento livre e esclarecido em anexo. Os mapas são analisados mediante o quadro de análise apresentada por Bonfim (2010, p. 151).

Identificação

Estrutura

Significado

Qualidade

Sentimento

Metáfora

Sentido

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4. DISCUSSÃO E RESULTADOS A cidade de Sobral pode ser considerada um excelente exemplo da problemática atual no que diz respeito aos conflitos entre lógicas globais e locais. De acordo com Ferreira (2010) a cidade destaca-se no interior do Ceará pela história de privilégio político-econômico, pelo patrimônio arquitetônico, legado da aristocracia local dos séculos XVIII e XIX e por ser a primeira cidade cearense a ser tombada como patrimônio histórico nacional. Concentra um pólo industrial, uma forte movimentação comercial, constitui-se um núcleo central para a região em termos educacionais, com a presença de universidades e escolas públicas e privadas e ocentro de educação tecnológica, além de ser estratégica em termos de saúde, pela presença de hospitais regionais. A partir do fim dos anos 90 o gupo político que assume a cidade implementa uma série de medidas de requalificação urbana no sentido da modernização dos espaços urbanos através de grandes obras, objetivando o consumo visual do espaço e do tempo. Assim: “Sobral tem “Arco do Triunfo”(de Nossa Senhora), “MIT” e “Cristo Redentor” . Sobral tem “revitalização” da Beira-Rio, tem condomínio fechado, condomínio vertical embargado (por contravenção ecológica), te internet grátis na praça (em breve terá sem fio por toda a cidade), Sobral tem remoção de população pobre , tem indústria “deslocalizada”, tem lavadeiras estendendo roupas nas calçadas reluzentes do parque, tem casa-museu de bispo ultraconservador que sonhava fazer da cidade sua Pequena-Roma.” (Haesbert, 2010, p. 214) A união entre a “tradição” e a “modernidade” resulta, contudo na sensação de que incoerência que Haesbert (2010) caracterizou como espacialmente esquizofrênica, devido à contrastante opulência aparente em choque com a aridez e pobreza do sertão cearense, que oculta as contradições internas a si mesma, nas imagens que ostenta e consome. Escreve o autor: “Encontrar internet grátis, sem fio, para todos os que não tem computador, nem transporte público, nem esgotamento sanitário; constuir parques assépticos, museus e bibliotecas arquitetonicamente ostensivos, de “primeiro-mundo” com cascatas de água límpida que se projetam sobre um lago poluído por esgotos sem tratamento, onde resistem lavadeiras analfabetas que coram suas roupas sobre as calçadas impecáveis do parque... Paus de arara e moto-táxis suprem a crônica deficiência de transporte público, postos de saúde ajardinados com médicos mal pagos denunciam que mais vale é a imagem.” ( Haesbert, 2010, p.215) Surpreendentemente, os mapas afetivos produzidos pelos jovens pesquisados passam ao largo de exprimir as violentas contradições que marcam a cidade. As imagens apresentadas pelos participantes, em sua maioria, revelam o sentimento de agradabilidade pela cidade indicando satisfação em viver na cidade. Um outro sentimento revelado pelos mapas indicam a presença de contrastes, ou seja, o jovem afirma gostar de sua cidade, mas também apresenta preocupações com a degradação ambiental, ausência de paz e aumento do vandalismo. Como conclusão, entendemos que buscamos a compreensão psicossocial e sócio-cultural na relação entre subjetividade e espaço construído, enfatizando o afeto como grande agregador da percepção e do conhecimento sobre a cidade. Entendemos que os jovens podem assumir papel de protagonista de ações inclusivas e solidárias, para tanto faz-se necessária a inclusão destes atores na reflexão e construção de referenciais para intervenções públicas e privadas interessadas no aumento da qualidade de vida nas regiões urbanas. Tal processo encontra-se iniciado através de sua inserção nas políticas públicas através da participação no ProJovem, e precisa enraizar-se alimentando a rede que possibilite o aprofundamento de suas consciências e afetos em relação à construção da cidade. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abramo, Helena. (1997). Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. In: Peralva, Angelina. & Sposito, Marília. Juventude e contemporaneidade. Revista Brasileira de

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Educação. São Paulo: Associação Nacional de Pós-Graduação e pesquisa em Educação, 1997, p. 25-36. Abramo, Helena. (20005). Condição juvenil no Brasil contemporâneo. In: Abramo, Helena; Branco, Pedro (org). Retratos da juventude brasileira: análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo: Instituto Cidadania Abramo, Helena e Venturini, Gustavo. (2000). Juventude, política e cultura. Revista Teoria em Debate – Fundação Perseu Abramo, n. 45, jul./ago./set. Bomfim, Zulmira Áurea Cruz. (2010). Cidade e Afetividade: Estima e Construção dos Mapas Afetivos de Barcelona e de São Paulo. Fortaleza: Edições UFC. Bomfim, Z.A.C.; Pascual, J.G. & Ponte, A.Q (2009) Considerações Teóricas sobre Identidade de Lugar à luz da abordagem Histórico-Cultural. Psicologia Argumento [on line]. Disponível em: http://www2.pucpr.br/reol/index.php/PA?dd1=3375&dd99=view. Acessado em: 02/01/2010. Cassab, Maria Aparecida Tardin. (2001). Jovens pobre e a cidade: a construção da subjetividade na desigualdade. In: Castro, Lúcia Rabello de. Crianças e jovens na construção da cultura. Rio de Janeiro: Nau editora, FAPERJ editora. Erikson, Erik.(1968) Identidade: juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar. Ferreira, Diocleide Lima de. (2010). Espaços de Lazer em Sobral – Ceará, o “Cid marketing” e uma proposta de (re)invenção da cidade. In: Júnior, Martha Maria; Freitas, Nilson Almino de e Holanda, Virgínia Célia Cavalcante de. Múltiplos olhares sobre a cidade e o urbano: Sobral e Região em foco. Sobral: UECE/UVA. Frota, Ana Maria Monte C.(2007) Diferentes concepções da infância e da adolescência: a importância da historicidade para sua construção. In: Estudos e Pesquisas em Psicologia. UERJ, RJ, Ano 7, n° 1, (p.144-157). Góis, C.W.L. (2003). Psicologia Comunitária no Ceará. Fortaleza: Publicações Insitituto Paulo Freire. González rey, Fernando Luis (2002). Pesquisa qualitativa em psicologia. São Paulo: Pioneira Thomson Learning. Groppo, Luis Antonio (2000). Juventude: ensaio sobre sociologia e história das juventudes modernas. Rio de Janeiro, DIFEL. Haesbert, Rogério. (2010) Sobral: esquizofrenia da exceção. In: Júnior, Martha Maria; Freitas, Nilson Almino de e Holanda, Virgínia Célia Cavalcante de. Múltiplos olhares sobre a cidade e o urbano: Sobral e Região em foco. Sobral: UECE/UVA. Martín-Baró, Ignacio (1998). Psicología de la liberación. Madrid: Editorial Trotta S.A. Melucci, Alberto. (1997) Juventude, tempo e movimentos sociais. In: PERALVA, Angelina. & SPOSITO, Marília. Juventude e contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação. São Paulo: Associação Nacional de Pós-Graduação e pesquisa em Educação, p.3-14. Moser, G. (1998) Psicologia Ambiental. Estudos de Psicologia 3(1) .p. 121-130. Peralva, Angelina. (1997). O jovem como modelo cultural. In: Peralva, Angelina. & Sposito, Marília. Juventude e contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação. São Paulo: Associação Nacional de Pós-Graduação e pesquisa em Educação, p.15-22. Pol, E. (1996). La apropriación del espacio. In: L. Iñiguez & E. Pol (Eds.), Cognición, representación y apropiación del espacio . Barcelona: Publicacions Universitat de Barcelona. p. 45-62. Velho, Gilberto; Duarte, Luis Fernando Dias. (2010). Juventude Contemporânea: culturas, gostos e carreiras. Rio de Janeiro: 7letras. Zanetti, Hermes.(2001) Juventude e revolução: uma investigação sobre a atitude revolucionária juvenil no Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília.

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IMPLANTAÇÃO DE REDES-SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO EM FAVELAS DO RIO DE JANEIRO E SALVADOR E A QUESTÃO DA SUSTENTABILIDADE URBANA Mauro Kleiman¹ ¹Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Av. Pedro Calmon 550,Prédio Reitoria 5ºandar, sala 530,Rio de Janeiro-Brasil Priscylla Conceição Guerreiro dos Santos² ²Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Av. Pedro Calmon 550,Prédio Reitoria 5ºandar, sala 530,Rio de Janeiro-Brasil RESUMO O trabalho apresenta resultados e análise de pesquisa desenvolvida no âmbito do Laboratório Redes Urbanas do IPPUR-UFRJ sobre a efetividade social das tentativas de implantação de redes-serviços de água e esgoto em Favelas do Rio de Janeiro e Salvador. A partir de 1995 o Estado brasileiro, em conjunto com agências multilaterais que aportam recursos e ditam determinados padrões e normas para a dotação de serviços urbanos básicos em áreas faveladas, lançam Programas de Água e Esgoto que suscitam reflexões sobre seus reais impactos na alteração do quadro existente e no modo de vida das comunidades-alvo. Na ausência ou má-articulação para acesso a água e esgoto as camadas populares moradoras de favelas configuraram práticas cotidianas para suprir-se destes serviços básicos. Os Programas apesar de realizarem obras não levam em conta a cultura constituída por estas práticas; não se propõem a uma generalização de atendimento, criando “ilhas” de serviços; observa-se obras incompletas e de má qualidade, e um descasamento entre implantação mais de água que de esgoto, com impactos para uma real inserção no mundo urbanizado. Através de metodologia de avaliação qualitativa, contando com procedimentos de observação técnica de campo combinada com entrevistas com moradores, técnicos de governo e das empreiteiras, tomamos os casos de Favelas alvo do Programa Favela-Bairro, do PAC, Programa Ribeira-Azul (Salvador-Ba), entre outros, dos quais utilizamos as informações e análises para nossa reflexão nesta comunicação. Palavras-chave: Efetividade social, Favelas, intervenções públicas, Redes de água e esgoto. 1-INTRODUÇÃO No processo de urbanização brasileiro o acesso a água tem como marca principal a forte desigualdade sócio-espacial, sendo assimétrica beneficiando as camadas de maior renda, observando-se ausência e/ou precariedade de atendimento para as comunidades populares. (Vetter 1979; Kleiman 2002). Para estas, o Estado exime-se de prover acesso aos serviços. Tem-se uma "não-política" onde destaca-se a ausência de redes completas, o não-provimento de serviços ou seu mal provimento com uma configuração lenta, descontínua, sem manutenção e com problemas de operação em áreas de residência de camadas de baixa renda, principalmente em favelas e loteamentos periféricos. O atual momento, no final da primeira década do século XXI, em que a política de intervenção para urbanização de favelas se reatualiza através do PAC- Programa de Aceleração do Crescimento, em concomitância com a permanência de outros programas, possibilita um exame analítico renovado da problemática das condições de habitabilidade. A política de urbanização de favelas suscita a reflexão sobre seu alcance e limites. Sobre quais mudanças, e em que grau, o padrão de precariedade da infraestrutura de habitabilidade, que marca as favelas, poderia ser de fato alterado, e quais seus impactos sobre as práticas e sociabilidade cotidiana são as questões que suscitam maior reflexão. Conceitualmente tratamos a problemática da articulação de comunidades populares a serviços básicos a partir de um corte analítico da infraestrutura que traspasse seu entendimento corrente como objeto apenas técnico, considerando-o como equipamento social de solidarização urbana, onde as políticas de urbanização deveriam tomar em conta as práticas e sociabilidade de adaptação suscitadas pela ausência e/ou precariedade dos serviços.

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Inserimos assim a infraestrutura como objeto sócio-técnico no campo dos estudos da estruturação do território e sua relação com os modos de vida urbano. Apesar dos investimentos de vários Programas de Urbanização, a partir de meados dos anos 1990,seja por exemplo o Favela-Bairro no Rio de Janeiro,seja o Baía Azul nos Alagados em Salvador,persistem graves problemas de acesso,precariedade,e qualidade nos serviços de água e esgoto nas comunidades populares. A hipótese inicial é que dado o intenso adensamento e verticalização ocorrido nas favelas durante a primeira década do século XXI, combinado com sua tipologia urbanística e habitacional arquitetônica diferenciada, onde inexistia articulação com redes oficiais de água e esgoto ou precariedade de atendimento o quadro tem se agravado, e onde ocorreram obras de implantação dos serviços o modelo padrão utilizado pelos Programas não consegue apresentar capacidade de resposta às especificidades das comunidades populares. Ao analisar os dados das tendências recentes no período pós 95, notamos um certo “desvio” no padrão recorrente da estruturação urbana brasileira (Kleiman 1995,1998,2002). Reconhecidamente até meados dos anos 90 as redes não atingem homogeneamente as diferentes áreas das cidades brasileiras, concentrando-se naquelas poucas de camadas de maior renda aonde são inclusive periodicamente ampliadas e renovadas com técnicas sofisticadas, enquanto que nas demais áreas de camadas populares temos ausência ou precariedade das redes e sua prestação de serviços urbanos, notadamente nas favelas e nas periferias (Kleiman 2002). 2-METODOLOGIA A questão da urbanização de favelas tem sido abordada mais amplamente sob a ótica do fenômeno urbano como problemática institucional e de regularização fundiária( Conde e Magalhães,2004; Denaldi,2003; Maricato,2001; Davis ,2006;Valladares 2005); com a infraestrutura tomada ainda como objeto técnico que de forma isolada introduz-se nas favelas,(Azevedo Neto e Botelho,1991; Bastos e Soares, 1993;Tsutiya,Alem,1999), ao invés de sua abordagem social (Dupuy, 1985; Denaldi,2003; Javeau,1992; Juan,1995; Lindón,1999;Kleiman,1997,2002,/04/08). Para o estudo do caso brasileiro onde o conhecimento sobre a desigualdade sócio-espacial de acesso aos serviços urbanos apesar de apontar para a carência a que estão submetidas as classes populares ( Kleiman 2002) muito pouco se conhece sobre o quadro micro-localizado das condições de moradia quanto a habitabilidade. Os estudos sobre a infraestrutura de habitabilidade partem de um enfoque macroeconômico e macro-escalar, e centram-se nos dados quantitativos,quando principalmente para o estudo de áreas pobres necessitam ser explorados por uma avaliação qualitativa que permitam resgatar a realidade plena do padrão de moradia de áreas diferenciadas da cidade formal (Barbo e Shimbo,2006;Becker,1993,2007;Poupart et al.,2008) pela análise do lugar de moradia e do conjunto dos processos pelos quais as famílias e o coletivo dos moradores organizam suas respostas ante as condições de vida. (Frugoli.,2007;60;Moser e Weiss,2003).Parte-se então de um enfoque micro-localizado sobre as microsituações e suas microrotinas ( Juan, 1995; Giddens, 1995; Remy, 1981; Maffesoli, 1993) resgatando-se a pesquisa de campo nos espaços vividos (sociologia de observação); visitando os lugares, travando contato com a comunidade, observando seus hábitos e resgatando sua percepção sobre as condições de habitabilidade (Bourdieu,1990;Becker,1993;De Certeau,1990;Durkheim e Mauss,1995 ); entrevistando (LeFebvre, 1972) como maneira essencial de conhecer e compreender as condições de habitabilidade e o impacto de obras de infraestrutura de água e esgoto nas práticas cotidianas. Trabalhamos, assim sendo, com uma metodologia de avaliação qualitativa, através de procedimentos de observação técnica de campo combinada com entrevistas com moradores, técnicos de governo e das empreiteiras. Para nossos estudos temos tomado os casos de Favelas alvo do Programa Favela-Bairro, do PAC, Programa Ribeira-Azul(Salvador-Ba), entre outros, dos quais utilizamos as informações e análises para nossa reflexão nesta comunicação. 3-RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1-Favelas e infraestrutura de água e esgoto

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O Estado, utilizando-se do argumento jurídico que anotava como irregulares ora a ocupação das terras onde fincavam-se as moradias, no caso das favelas por exemplo,pratica uma política de ausência, não articulando estas áreas de habitação populares às modernas redes de infra-estrutura que vinham sendo implantadas e desenvolvidas nas cidades, muitas vezes ao lado destas áreas populares desde o final dos anos 1930. O que pode-se observar é que ao longo deste período de mais de 60 anos o Estado troca uma política de presença, abrangente e sistemática por barganhas políticas: é o momento de instalação de bicas d`água na parte baixa dos morros, uma caixa d’água aqui, outra ali, doação de canos e manilhas.., enfim o “toma lá da cá seus votos” conhecido como política clientelista (Oliveira, A., 1993; Kleiman, 1997, 2002, 2005). Diante da ausência do Estado, à semelhança da auto-construção da habitação, as camadas populares terão também a necessidade e mais um sobre-trabalho de auto-construírem sua infra-estrutura. Assim aparecem modelos de alternativas, sejam totalmente clandestinas (o “gato” na rede d` água), sejam “toleradas”, ou mesmo apoiadas pelos governos nos mutirões para canalizar-se a água, em que o Estado entrava com os canos. Mais difícil foram as tentativas de alternativas para a coleta de esgoto, e então ou “espeta-se” a rede pluvial (quando esta existe ), ou utiliza-se mesmo as “valas negras” e o “balão de fezes”. Quando conseguem constróem-se rede unitária, numa tradução do sistema francês do “tout-à-l`égout”, jogando nele a água da chuva, o esgoto, o lixo, móveis velhos,roupas...com as conseqüências que pode-se imaginar (Kleiman 1997, 2002, 2005). As favelas, visadas nos anos 1960-70 por uma política de remoção das áreas de interesse do capital imobiliário para zonas periféricas das cidades voltam a se expandir nos anos 80-90. No Rio de Janeiro e Salvador entre 20 a 40% da população mora em favelas (Maricato, 2001). A partir da década de 1980 observa-se a configuração de políticas institucionais de urbanização de favelas em substituição a idéia de remoção desenvolvendo-se um discurso de intervenção por meio de ações integradas-política de habitação com dotação de infraestrutura, equipamentos urbanos, etc.- que na realidade não se concretiza a não ser por alguns êxitos parciais e pontuais. A partir de meados da década de 1990 identificam-se Programas que propugnam a integração das favelas aos bairros, com o objetivo de inseri-las na cidade formal. Será neste contexto que identificam-se Programas de Água e Esgoto para prover acesso aos serviços às camadas de baixa renda. Estes programas com parte financiada por empréstimos de organismos internacionais, com contrapartida dos governos estaduais e/ou municipais, propõe-se a instalar redes completas de Água e Esgoto, articulando-as, seguindo normas e especificações técnicas regulares. Pensa-se ao introduzir-se estas redes nas áreas de camadas populares, integrá-las à cidade legal/oficial. Os primeiros destes programas são os aplicados no Rio de Janeiro: “Favela-Bairro”, o “Despoluição da Baía de Guanabara” e o “Nova Baixada”, e que depois serão replicados em outras cidades como o “Baía – Azul” e seu braço para a área popular o “Ribeira-Azul” em Salvador, e mais recentemente o PAC. A questão que coloca-se é que estes programas tem revelado-se pontuais atingindo apenas algumas áreas de renda baixa , e por outro aspecto seus resultados são parciais numa articulação à redes de água e esgoto, mas com problemas no serviço prestado (Kleiman 1997,2002,2005). 3.2- Reflexões sobre a implantação de água e esgoto em Favelas Uma política de forma abrangente e sistemática, induzida e financiada por organismos multilaterais (BID, OCDE) com contrapartida dos governos estaduais e locais, propõe implantar conjuntamente redes de água e esgoto, contendo todos os elementos que, articulados, podem possibilitar a existência de serviços urbanos básicos, pretendendo-se incluir as comunidades populares na cidade oficial/legal. Esta política que tomam nomes diferentes em cada lugar como já assinalamos acima tem um desenho comum: tem porte hiperdimensionado e sofisticação técnica, sendo de natureza macro-estrutural. Esta situação coloca em pauta elemento importante para a reflexão, qual seja se o modelo de rede utilizado para água e esgoto nas cidades brasileiras pode ser útil para as Favelas, pois o que nelas se aplica trata-se de uma uniformização de tipologia de rede e também de sua normatização (regras técnicas de engenharia, desde as peças componentes à implementação, operação e manutenção, e de tarifação). Este modelo padrão da rede de água e esgoto foi concebido para atender as áreas de maior renda. Em primeiro lugar, porque seu porte e sofisticação técnica exige sua alocação onde exista demanda solvável que minimamente reponha o custo de implantação, operação e

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manutenção, o que exclui as camadas populares, que não têm renda para pagar a tarifação do acesso. Em segundo lugar, seu projeto de engenharia prevê uma correspondência com a ortogonalidade das cidades, não encontrada na estrutura urbanística das áreas pobres onde as “ruas” são aquilo que sobra da superposição das casas, de modo que o modelo da rede não “consegue” nelas penetrar. O modelo standartizado de rede revela capacidade de responder a especificidade da demanda das áreas de camadas de maior renda, colocando problemas para uma resposta as de menor renda. A uniformização das redes portanto não conduz à universalização dos serviços.Os programas de água e esgoto para áreas de renda baixa sejam os concluídos, ou em andamento ou paralisados, impactam e alteram a vida nas comunidades do Rio e Salvador. No Rio de Janeiro os programas “Despoluição da Baía de Guanabara”, o “Nova Baixada” e o “Favela Bairro” apresentam componentes que possibilitariam de fato a configuração de verdadeiras redes de água e esgoto. Estes elementos estão sendo executados. O problema está em que, dados os atrasos, incompletudes, instalações apenas de engenharia civil, e falta de partes do que seriam a rede, o cumprimento da efetividade social dos serviços ainda não se fez sentir, ou apenas se fez pontual e parcialmente. Nas áreas onde a prática cotidiana era de pegar água de poço, bombeá-la na rua ou fazer a ligação clandestina e criou-se a expectativa de ter abastecimento canalizado com água tratada, a decepção é muito intensa de ver reservatórios prontos (foram feitos um total de oito) mas a água não chega a eles, e sem rede de distribuição para as casas. Em áreas onde conseguiu-se concluir as obras, a vida diária mudou. Contudo, as comunidades constatam obras incompletas, abandonadas, ou em processo de execução muito lento.Observam um “descasamento” entre as obras de água e esgoto: em alguns bairros foram feitas (ainda que algumas obras apenas parcialmente) obras de esgoto e não as de água, em outros as de água e não as de esgoto; em outros casos faz-se a pavimentação e drenagem das ruas, mas não a rede de esgoto. Como não existe completude registram os moradores problemas de frequência – a água não entra diretamente – insuficiência de volume para as necessidades familiares diárias, e muitos problemas de variação de pressão. Apareceram também indicações de problemas na qualidade biológica da água. No que concerne ao esgoto os moradores observam igualmente obras paradas ou inconclusas. Onde se construiu rede de coleta domiciliar, o sistema aplicado ao invés de ser o separador absoluto como determinado no projeto acabou sendo o unitário que junta água de chuva com esgoto. Esta “solução” provoca problemas de entupimentos, vazamentos e retorno de esgoto às casas, pois os canos do esgoto foram dimensionados para o sistema separador. Apesar de terem sido executados mecanismos de inspeção e limpeza o sistema unitário não da conta do volume de água de chuva somado ao de esgoto. Onde a rede coletora atendeu ao especificado no projeto, o cotidiano modificou-se, pois eliminou-se o mal cheiro, a impossibilidade de sair à rua, etc. Mas existe o problema do destino do esgoto estar sendo a rede pluvial mais próxima, por ausência da obra do tronco coletor que levaria o fluxo para uma estação de tratamento. Das duas estações de tratamento previstas, foi executada uma delas mas, devido à incompletude das obras, o que os moradores observam é que funciona à meia carga, e apresenta problemas devido à rede coletora abarcar água de chuva e esgoto junto, carreando grandes volumes e detritos para uma operação de tratamento que não previa este tipo de fluxo e matéria.Outro ponto assinalado pelos moradores é que, onde foram feitas as obras, existem problemas de manutenção da rede: vazamentos na rede água, rompimentos e entupimentos na rede de esgoto demoram muito a serem consertados ou não o são; e operacionais não atendendo as necessidades familiares diárias por completo. Quanto às favelas localizadas em morros verificamos que, de um lado, de fato, no tocante às obras de água e esgoto o perfil típico de precariedade e ausência mostra condição de ser alterado. Depois das obras o abastecimento pode fazer-se por uma modalidade de conexão com a rede do bairro, puxando-se a água através de um pequeno booster até um reservatório coletivo, e a partir deste saindo linhas em ramificação para o conjunto de domicílios. Antes das obras a frequência tendia a ser irregular, e pós-obras tende a ser regular e diária e a pressão de água forte com regularidade ao longo do dia, e o volume suficiente para as necessidades da família diárias, onde antes era insuficiente. No caso do esgoto, após as obras tem-se uma rede em sistema separador conectando-se por várias “linhas” relacionando a totalidade dos domicílios, com previsão para ligação efetiva com equipamentos (fossas, caixas de gordura), e comelementos de inspeção e limpeza. Contudo ocorre que, no mais das vezes, os bairros têm ausência ou precariedade de funcionamento das redes (notadamente a de esgoto), e por outro lado, o efetivo funcionamento das redes

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construídas mostram problemas de operação, pois a Cia. Estadual não quer assumir rede feita pela prefeitura, ou se faz a ligação não faz a manutenção, o que impede a efetividade plena dos serviços. Persistem, assim, alguns problemas de pressão, com variação ao longo do dia, não atingindo homogeneamente todas as casas. Ainda verificam-se manobras para levar água e uma parte a outra, e a questão de manutenção mostra-se difícil, com tempo para consertos chegando a levar de 10 a 14 dias, e de entupimentos na rede de esgoto que extravasa em vários pontos. A comunidade, observando sua não resolução pela companhia de água e esgoto, procuram resolvê-lo de maneira alternativa, vazando a tubulação ou lançando, de novo, o esgoto a céu aberto. A comunidade também aponta que nas favelas maiores só atendem-se parte dos domicílios. Os moradores, apesar de sentirem necessidade muito forte dos serviços de água e esgoto percebem incompletudes e um não atendimento pleno de suas demandas. Apontam para um “descasamento” entre a cultura e hábitos das comunidades e técnicas implantadas, ainda que normatizadas e regularizadas. Principalmente quanto ao esgoto consideram que as redes alternativas feitas em mutirão em sistema unitário atendem melhor suas necessidades. Percebem os moradores, igualmente, que a melhoria do local atrai para a proximidade novos usos, inclusive comerciais e pessoas que querem construir suas casas ali, o que concorre para um aumento da demanda por abastecimento de água e aumento do volume de esgoto. Notam uma melhoria nas condições de vida com as novas redes, mas creem que elas atendem tão somente a demanda atual, sem prever o crescimento que já começa a se observar. Em Salvador, o Programa Baía Azul (que na Península de Itapagipe ganha o nome de Ribeira Azul) trouxe repercussões na vida da população. O programa, embora com obras não concluídas, tem implicado em expectativas na população,pois prevê remanejamento das palafitas para casas em área aterrada com infra-estrutura básica. Os moradores das palafitas foram ocupando a maré desde 1942. Fizeram as casas sobre palafitas com pedaços de madeira que equilibram-se sobre pontes precárias; trouxeram a água e o esgotamento, lançando-os, junto com o lixo, na maré, e foram aterrando as áreas. São, portanto, 61 anos de práticas cotidianas de soluções individualizadas e alternativas coletivas para moradia, água e esgoto por si próprios.As obras, por sua amplitude, mexem no estabelecido e tem apresentado problemas. Os moradores assinalam que existem canos que estão sendo colados ao invés de atarrachados e assim com o uso vão afrouxando.Nos locais onde houve obras de redes de esgoto, na maior parte foi ainda feita a ligação esta sentindo problemas de entupimento, os moradores percebem a má qualidade dos materiais empregados e acabamento mal feito. Na nossa observação de campo encontramos de fato quadro onde o esgoto extravasa, e como as ruas não são pavimentadas forma-se uma lama que impede as crianças de brincar e os adultos de transitarem. Como o canal central de drenagem da área também não foi concluído a água da chuva não escoe e mistura-se com o esgoto e a lama. Existem moradores que estão desfazendo a obra feita pelo “Bahia Azul” desconectando-se do que seria uma rede oficial e recompondo sua ligação com a rede feita pela comunidade. Com o aterro da área objeto de obras, os moradores também dizem que maré tem ficado represada. Quando sobe, invade casas e os esgotos e lixo sobem. Diante desta situação agravada pela inexistência de varredura de lixo nas ruas (só é coletado nas casas) a prática cotidiana dos moradores tem sido de fazer o papel dos garis varrendo as ruas todas as manhãs, empurrar o esgoto para fora das casas, tapar poças e buracos nas ruas com entulho das obras, tentar escoar as águas e o esgoto furando as laterais do canal de drenagem, e com pás abrir caminho na lama. 4- A MODO DE CONCLUSÃO: PERSPECTIVAS E LIMITES DA INTRODUÇÃO DE REDES-SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO NAS FAVELAS Os Programas Especiais de água e esgoto para baixa renda introduzem um elemento de novidade no processo de urbanização brasileira, procurando, singularmente, dotar de água e esgoto áreas de camadas populares através de uma política de saneamento. A questão é que o faz por meio de um padrão idêntico ao utilizado nas áreas de maior renda: um desenho hiperdimensionado, com obras de grande porte e com sofisticação técnica, com alto custo. Não leva em conta as demandas dos movimentos populares urbanos, nem os conduz à esfera à esfera decisória. Não leva também em conta a tipologia habitacional e a estrutura urbana das comunidades populares, e passa por cima da cultura das práticas cotidianas que configurou-se na ausência de política.

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Não se trata de algo trivial a passagem da ausência e/ou precariedade de redes e serviços de água e esgoto para a sua disponibilidade . esta implica em novos hábitos cotidianos envolvendo mudanças na higiene corporal, no preparo de alimentos, na limpeza das casas, na saúde. Trata-se de uma mudança de modelo cultural que introduza novas práticas cotidianas, que são processos necessariamente lentos e que envolvem, inclusive, uma educação. Basta lembrar como ocorreu a introdução das modernas redes de água e esgoto em meados do século XIX em Paris e Londres, onde inicialmente foi necessário impor (dada a resistência encontrada), aos moradores construírem banheiros no interior das casas, o difícil aprendizado do uso do vaso sanitário e o impacto na sociabilidade pelo fato de não precisar mais sair de casa para ir ao banho/banheiro público, e para pegar água, e na melhoria dos índices de saúde. À imposição de equipamentos e hábitos seguiu-se a educação escolar que, ao longo do tempo, conduz a novas práticas que serão corriqueiras. De modo que a introdução de redes e serviços de água e esgoto trata-se de uma cultura que está sendo trazida mas não traduzida para a população de baixa renda. Esta, por vezes, reage reativando suas redes alternativas, não aceitando o elo com a rede oficial por esta não estar de acordo com suas práticas cotidianas cristalizadas, e não atendê-la de acordo com suas necessidades. Uma das reflexões que fazemos é a que trata da possibilidade do padrão das redes sofrer modificações para atender as especificidades do modo de vida configurado na periferia, e existir uma política de educação ambiental permanente (para crianças, jovens e adultos) que lhes permita fazer a passagem para a nova cultura. A outra reflexão feita refere-se a criação de centralidades dos pobres. A inexistência de um programa geral/universalizante de água e esgoto que atinja assim o conjunto de comunidades populares no interior de uma política urbana integrada, conduz à criação de ilhas de serviços, ainda que com problemas num “mar” de ausência e/ou precariedade. Devido à enorme carência no tocante à água e esgoto, quando inicia-se um processo de instalação destes serviços, mesmo com os problemas registrados,criam-se lugares parcialmente “fortes”. Isto porque, ao possibilitar-se a conexão com redes oficiais permite-se para além dos serviços básicos, a inserção da população de renda baixa na cidade oficial/legal. Trata-se de um passo para a resolução da questão do pertencimento – o sujeito acessando a cidadania. O sujeito deixa de ter que resolver por si só próprias questões que são da cidade. O problema está em que nas cidades brasileiras em geral, e no Rio e Salvador, objetos de nossa análise,não existe uma política de saneamento plena. Então, por um ângulo, provoca-se o aparecimento de algumas áreas de renda baixa sendo cobertas por água e menos por esgoto, tornando a situação mais dramática em relação a este. E por outro lado, mesmo com esta questão, desenha-se uma área atraente a novos moradores e atividades de comércio e serviço porque num “mar” de carência, ali encontra-se melhor fluxo de água, e se já tiver rede de esgoto, mais atraente ainda fica. Trata-se assim da configuração de uma espécie de centralidades de pobre, pois articulada à cidade oficial/legal, com serviços básicos, onde o sujeito tem a chance de ser cidadão, embora exista um longo caminho a percorrer entre as práticas cotidianas resultado de um modelo cultural de carência para aquelas advindas da utilização de novos equipamentos sanitários e de novos hábitos e modos de vida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1-Azevedo Netto, J. M.; Botelho, M. H. C . Manual de saneamento de cidades e edificações. São Paulo: PINI, (1991). 2-Barbo,A.R.C.,e Shimbo, I.. Uma reflexão sobre o padrão mínimo de moradia digna no meio urbano brasileiro. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Reginais, São Paulo, v. 8 n. 2 .p. 75-93, (nov. 2006). 3-Bastos, M. O. e Soares, M. de F. G. Urbanização de favelas. Cadernos IPPUR/UFRJ, Rio de Janeiro, v. VII n. 3.p.45-58, (dez. 1993). 4-Becker, H.S. Falando sobre a sociedade. In : Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais. Hucitec,São Paulo, p. 135-152.(1993). 5-Becker, H. S. Segredos e truques da pesquisa. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2007. 6-Bourdieu, P. Pontos de Referencia. In: Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990. 7-Conde, L. P.;Magalhaes, S. Favela-Bairro:uma outra história da cidade do Rio de Janeiro.

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de Janeiro, (1979).

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A AGENDA 21 LOCAL NUMA LÓGICA DA NECESSIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO DE UM PLANO ESTRATÉGICO PARA UM MUNICÍPIO: O CASO DA FIGUEIRA DA FOZ A. M. Rochette Cordeiro1, C. Barros2 1 CEGOT – Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal. 2 Mestranda de Geografia – Ordenamento do Território e Desenvolvimento e Bolseira de Investigação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal. RESUMO Nos últimos anos tem-se discutido o facto de o planeamento tradicional se ocupar essencialmente da regulação de elementos físicos no território, sem a implementação de uma visão de planeamento estratégico que defina um projecto de desenvolvimento sustentado para o território, assim como o de fortalecer as posições competitivas e a qualidade de vida dos cidadãos. Neste contexto, e assumindo uma metodologia própria de trabalho, o Município da Figueira da Foz encontra-se a desenvolver um projecto de Agenda 21 Local, seguindo um longo e participativo processo de definição do que deverá ser o Município nas próximas décadas, assente nos pressupostos da sustentabilidade, incluindo questões ambientais, aspectos económicos, sociais, de boa governação e partilha de poder. Este projecto, ao envolver os órgãos de poder local, os técnicos, os actores locais e os cidadãos, assume-se como uma oportunidade para que se venham a discutir os problemas, as oportunidades e as visões de futuro para o território municipal. O principal desafio será a construção de um instrumento de planeamento estratégico, que deverá ser um importante contributo para o incentivo da cidadania e participação, aumento dos níveis de confiança da população, potencializar recursos, definir acções de promoção da competitividade e sustentabilidade do Município, reforçar a qualidade de vida dos cidadãos, assim como, e numa lógica de futuro, servir de base para a realização de um Plano Director Municipal de 2ª geração. Palavras-chave: Agenda 21 Local, Desenvolvimento Sustentável, Município da Figueira da Foz, Planeamento Estratégico. INTRODUÇÃO Os constrangimentos financeiros que actualmente atingem muitas Autarquias do nosso país podem ser assumidos como janelas na oportunidade de desenvolver o processo de pensar e projectar o futuro dos seus territórios. No caso particular do Município da Figueira da Foz, os esforços de contenção financeira poderão corresponder a um necessário período de reflexão sobre os problemas com que o território municipal se depara, obrigando a um esforço mais exigente em termos de planeamento futuro, assente nos pressupostos da sustentabilidade, transparência, equidade, democracia participativa e responsabilidade partilhada. Neste sentido, e fazendo parte de um projecto mais vasto de planeamento estratégico, pretende-se com esta comunicação lançar as bases da definição do que será a Agenda 21 Local do Município da Figueira da Foz, assente num processo dinâmico que procure envolver todos os sectores da administração pública, empresários, técnicos especialistas, associações sociais e ambientais, escolas e cidadãos, na procura de soluções para a melhoria da qualidade de vida local. A Agenda 21 Local, tal como é referida no capitulo 28 da Agenda 21, aprovada na Cimeira da Terra, assume-se como um importante instrumento para a mobilização e participação dos cidadãos na definição de prioridades e na formulação de um plano de acção para o desenvolvimento local. É considerada uma forma privilegiada de envolvimento dos cidadãos e instituições locais na identificação dos principais problemas ambientais, sociais, económicos e outros que possam afectar o território municipal. A Agenda 21 Local do Município da Figueira da Foz constituirá um instrumento autárquico para

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o processo de desenvolvimento sustentável, sugerindo as linhas orientadoras do compromisso já assumido pelo Município em 1996 quando assinou a Carta de Aalborg. Deverá corresponder a um compromisso consubstanciado num conjunto de acções estratégicas a levar a cabo nas áreas consideradas prioritárias para a melhoria contínua do Município nas vertentes ambiental, económica, social e cultural. Tendo em consideração que a Agenda 21 Local da Figueira da Foz se encontra ancorada a um projecto estratégico integrado de ordenamento territorial, assente nos pressupostos da sustentabilidade, coesão, com uma forte dimensão de governança e democracia participativa, pretende-se com esta comunicação lançar as bases do que deverá vir a ser este projecto, assim como se fará a integração com outros instrumentos de planeamento territorial.

1. A AGENDA 21 LOCAL: CONTEXTO E ENQUADRAMENTO GERAL O novo paradigma de desenvolvimento económico e sócio-cultural passa necessariamente pela adopção de medidas e práticas que visem o uso racional dos recursos do planeta. Efectivamente foi a partir da década de 70 que a comunidade científica internacional começou a mobilizar-se para a discussão de problemas relacionados com a crescente procura de bens e serviços, apontando que o modelo predominante de desenvolvimento trouxe graves consequências ambientais, colocando em causa o futuro das gerações vindouras. Os grandes desastres ecológicos ocorridos a partir desta década (como por exemplo o acidente industrial de Seveso em 1976, o acidente nuclear de Chernobyl em 1986 e o derrame do petroleiro Exxon Valdez em 1989) colocaram a problemática ambiental no centro do debate, levando ao crescimento da consciência ambiental. A actuação da Organização das Nações Unidas tem sido fundamental para a internacionalização do debate em torno das problemáticas ambientais. Efectivamente, a noção de que o desenvolvimento suportado pelo crescente consumo dos recursos naturais não é sustentável num mundo finito, torna-se mais presente e, em 1972, na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, foi lançado o alerta de que os limites de recursos naturais não comportam o ritmo de crescimento da população. Mais tarde, em 1987 foi apresentado o Relatório Brundtland, elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente, no qual foi reconhecido que a degradação ambiental é o resultado de forças que conduzem à desigualdade e pobreza, propondo uma análise integrada de ambiente e desenvolvimento. Foi neste relatório “O Nosso Futuro Comum” que se adoptou o conceito de desenvolvimento sustentável, como o "desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações vindouras satisfazerem as suas próprias necessidades" [1]. Mas o grande passo para a Agenda 21 teve como génese a Conferência do Rio de Janeiro de 1992 sobre Ambiente e Desenvolvimento, onde cerca de 178 Estados participantes debateram a necessidade de uma urgente mudança de comportamento visando a preservação da vida na Terra. A conjugação entre desenvolvimento económico e conservação ambiental passa a ser acordada num plano de acção para a sustentabilidade no século XXI, denominado Agenda 21. A ideia fundamental deste documento era tornar possível a construção de um plano de acção assente num processo de planeamento participativo global, nacional e local, na procura de alternativas para um desenvolvimento equilibrado assente na preservação dos recursos naturais e na satisfação dos parâmetros da qualidade de vida para todos os cidadãos. A Agenda 21 Local surge no capítulo 28 deste documento, onde se afirma que muitos dos problemas e soluções referidas na Agenda 21 têm origem em problemas locais e que a participação e a cooperação das autoridades locais constitui um factor determinante no cumprimento desses objectivos. A Agenda 21 Local é então encarada como um “processo participativo, multisectorial, cuja implementação assenta num plano de acção congregando as prioridades locais. Sendo um processo estratégico e de longo prazo, conduzido pelos executivos municipais visando a melhoria da qualidade de vida das comunidades e integrando as vertentes social, económica e ambiental, assenta numa micro-estrutura física e com administração própria, agendando os problemas locais a longo prazo e criando uma visão sustentável para o futuro da comunidade” [2]. Assumindo-se como um instrumento importante para a mobilização e participação dos cidadãos, a Agenda 21 Local nasce, assim, da constatação de que o nível local por estar mais próximo das comunidades, dos seus problemas e dos seus interesses e soluções, ganha uma

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importância acrescida na implementação do desenvolvimento sustentável a nível local [3]. Dois anos depois da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, realiza-se a 1ª Conferência Europeia de Cidades e Vilas Sustentáveis, tendo sido promovida a discussão sobre a importância das cidades no desenvolvimento sustentável. É no reforço da abordagem local, em sincronia com os ideais promovidos pela Agenda 21, que se baseia a Carta de Aalborg, instrumento que surgiu desta conferência como auxiliar das autoridades locais das cidades europeias, no caminho para o desenvolvimento sustentável. No documento que saiu desta conferência, as cidades, vilas e unidades territoriais da Europa comprometem-se a desenvolver e implementar a sua própria Agenda 21 Local. Um marco importante para a definição actual dos contornos da Agenda 21 Local foi a 4ª Conferência Europeia das Vilas e Cidades Sustentáveis, realizada em Aalborg no ano de 2004. Nesta conferência identificaram-se os Compromissos de Aalborg (Quadro 1) para a delimitação estratégica de acção com vista à concretização de um desenvolvimento sustentável a nível local.

Quadro 1 – Compromissos de Aalborg. Compromissos de Aalborg

1. Governância2. Gestão Local para a Sustentabilidade3. Bens Comuns Naturais4. Consumo Responsável e Opções de Estilo de Vida5. Planeamento e Desenho Urbano6. Melhor Mobilidade, Menos Tráfego7. Acção Local para a Saúde8. Economia Local Dinâmica e Sustentável9. Equidade e Justiça Social10. Do Local para o Global

Os Compromissos de Aalborg, inspirados pela Carta de Aalborg estabelecem orientações flexíveis e uma abordagem integrada e transversal dos problemas locais. O processo exige vários passos integrados que vão desde a caracterização do estado do desenvolvimento local, ao estabelecimento de metas e à monitorização e avaliação do processo, o chamado ciclo de sustentabilidade (Figura 1). A primeira fase corresponde à caracterização do estado do desenvolvimento local de acordo com os referidos compromissos. A segunda fase consiste em dinamizar um processo participativo no sentido de se estabelecer metas e objectivos, seguindo-se o compromisso político da autoridade local, a implementação, monitorização e avaliação.

Figura 1: O Processo de Implementação dos Compromissos de Aalborg.

Fonte: Adaptado de The Aalborg Commitments Implementation Guide, ICLEI, 2006 [4]. A adopção por Portugal dos princípios de acção da Agenda 21 definidos na Conferência do Rio

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de Janeiro de 1992 sobre Ambiente e Desenvolvimento foi imediata, envolvendo os organismos da Administração e principais parceiros sociais. A temática em torno do desenvolvimento sustentável passou a suscitar uma maior atenção e interesse por parte dos decisores políticos e a integração deste conceito nas políticas e documentos estratégicos foi um imperativo. Mais tarde, e no sentido de dar expressão prática aos compromissos internacionais assumidos por Portugal, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) e da União Europeia (UE), foi desenvolvida a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável (ENDS). A ENDS corresponde a uma estratégia global de desenvolvimento que abrange o período compreendido entre 2005 e 2015 e apresenta como objectivo principal o de “retomar uma trajectória de crescimento sustentado que torne Portugal, no horizonte de 2015, num dos países mais competitivos e atractivos da União Europeia, num quadro de elevado nível de desenvolvimento económico, social e ambiental e de responsabilidade social.” Esta estratégia pretende, no essencial, operacionalizar as questões relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Neste objectivo, a Agenda 21 Local pode, desta forma, configurar-se como um instrumento mobilizador da sociedade portuguesa, dos diferentes parceiros sociais e, individualmente, de cada cidadão, para os desafios emergentes do desenvolvimento sustentável, aplicando as orientações da ENDS. De acordo com o último levantamento realizado (Setembro de 2009), cerca de 118 municípios portugueses tinham avançado no processo de implementação de uma Agenda 21 Local. Do mesmo modo, cerca de 21 freguesias apresentavam também uma Agenda 21 Local. Ainda assim, apesar do número crescente de municípios portugueses a adoptar uma Agenda 21 Local, Portugal continua a ser o país da Europa com um menor número de processos de Agenda 21 Local (http://www.cidadessustentaveis.info/portal.html). É num quadro de defesa da filosofia subjacente ao desenvolvido em termos internacionais e mesmo nacionais que se pretende desenvolver um projecto de Agenda 21 Local no Município da Figueira da Foz, num momento em que se pretende definir as linhas de orientação para um futuro sustentado deste território.

2. A AGENDA 21 LOCAL E A INTEGRAÇÃO COM OUTROS INSTRUMENTOS DE PLANEAMENTO TERRITORIAL

Nos últimos anos, a sociedade portuguesa em geral e muitos responsáveis políticos em particular, têm-se confrontado com o facto de o planeamento tradicional se ocupar, no essencial, da regulação de elementos físicos no território, não se discutindo nem implementando uma visão de planeamento estratégico que procure definir um projecto de desenvolvimento sustentado para o território, assim como o de fortalecer as posições competitivas e a qualidade de vida dos cidadãos. Neste quadro de análise, não pode deixar de ser realçado o facto de, num contexto de competitividade territorial que cada vez é mais pronunciado tanto a nível municipal como a nível regional, a perplexidade de se constatar que os planos meramente reguladores do uso do solo - os Planos Directores Municipais - continuarem a revelar-se a cada dia mais ineficazes, muito pelo facto de estes não comportarem objectivos de promoção económica, coesão social e de desenvolvimento urbano sustentado. Um número muito significativo de municípios portugueses (e nos quais se inclui o da Figueira da Foz) não dispõe de instrumentos estratégicos orientadores do seu desenvolvimento a médio ou longo prazo. Assim, e face às aceleradas mudanças sociais e económicas observadas num quadro de relativa ineficácia que os instrumentos de planeamento tradicionais apresentam, a aplicação das metodologias do planeamento estratégico às políticas de desenvolvimento territorial, tem sido apontada como uma solução pragmática e funcional na resposta aos contínuos desafios com que as comunidades territoriais se deparam, especialmente em meio urbano. Deste modo, e enquanto o planeamento tradicional se ocupa especialmente da regulação de elementos físicos no território (referenciação espacial dos usos e das actividades, definição das áreas de protecção, entre outras), uma visão de planeamento estratégico procura definir um projecto de desenvolvimento sustentado para o território, assim como fortalecer a sua posição competitiva e a qualidade de vida dos seus residentes. Tendo em consideração que os Planos Municipais de Ordenamento do Território (PMOT´s), enquanto planos de uso do solo não satisfazem todos os desafios colocados pelo

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desenvolvimento sustentável e visto que os processos de participação alargada recomendados pela Agenda 21 Local se revelam por vezes insuficientes em determinados pontos da sua realização, defende-se que os princípios estratégicos de sustentabilidade da Agenda 21 Local venham a ser integrados nos vários PMOT, bem como os próprios mecanismos de participação, num novo conceito de partilha de poder e num novo processo de cidadania e co-responsabilização que estas apresentam.

3. A AGENDA 21 LOCAL COMO INSTRUMENTO DE PLANEAMENTO ESTRATÉGICO PARA O MUNICÍPIO DA FIGUEIRA DA FOZ

Conscientes de que ainda existe um longo caminho a percorrer em matéria de sustentabilidade do seu território municipal, a Câmara Municipal da Figueira da Foz propôs-se a realizar um longo e participado processo de auscultação à população local e definição das linhas actuantes de desenvolvimento sustentável para o Município. A Agenda 21 Local da Figueira da Foz corresponde a um processo de democracia participativa, pelo que pretende contar com o envolvimento dos principais actores com influência no desenvolvimento do território municipal, assim como de todos os cidadãos deste município, que foram convidados a participar em todas as fases do processo. Partindo de um diagnóstico da situação actual de referência e estabelecendo metas a alcançar nas vertentes da protecção do ambiente, desenvolvimento sócio-económico e coesão social, a abordagem irá seguir uma lógica de visão estratégica complementar, procurando definir um projecto de desenvolvimento sustentado para o território da Figueira da Foz. A tarefa de implementação de uma Agenda 21 Local no Município da Figueira da Foz assenta num projecto mais vasto de ordenamento do território municipal, pretendo-se desenvolver um longo e participativo processo de definição do que deverá ser o Concelho nas próximas décadas, assente numa filosofia de “Cidade Sustentável, Território Coeso”. Neste contexto, o processo da Agenda 21 Local deverá culminar com a revisão do actual PDM (a qual se encontra a decorrer desde 1998), devendo este ser desenvolvido tendo como base uma lógica de pensar e construir um território, e segundo a filosofia de território (e cidade) sustentável. Deste modo, a Agenda 21 Local da Figueira da Foz deverá funcionar como um plano de carácter estratégico com visões a médio e/ou longo prazo, amplamente participado, o qual deverá culminar com a definição das linhas estratégicas de desenvolvimento para o Município. Esta peça assumirá uma importância decisiva em todo o processo de Planeamento e Ordenamento do Território do Município da Figueira da Foz. Pretende-se, assim, que a Agenda 21 Local do Município da Figueira da Foz, assente numa forte governação local participada, contribua para a definição dos problemas que afectam o Município e identifique as forças, recursos e visões a longo prazo no sentido da sustentabilidade local. 1.1. A Agenda 21 do Município da Figueira da Foz. Objectivos e Princípios Fundamentais A simples observação das diferentes nuances de planos estratégicos de município e/ou cidade que se observam tanto no espaço europeu como em Portugal deixam perceber o potencial e a importância que a Agenda 21 Local pode apresentar, isto mesmo tendo em consideração todas as ambiguidades e debilidades que foram encontradas em projectos anteriormente desenvolvidos. Apesar do processo de Agenda 21 Local não seguir normas e padrões rígidos para a sua implementação, esta deve ser baseada num processo que envolve: o compromisso dos vários intervenientes do território na preparação de um plano de acção de longo prazo visando o desenvolvimento sustentável; a consulta à comunidade e às organizações de âmbito local; o diagnóstico participado das condições sociais, económicas e ambientais e das necessidades locais; a construção participada da visão e dos objectivos locais; e a realização de processos de acompanhamento e de avaliação, assim como, de informação do processo [5]. Pretende-se que o processo de implementação de uma Agenda 21 Local no Município da Figueira da Foz corresponda a uma abordagem diferente dos modos tradicionais de planeamento. Deste modo, e através de uma metodologia que adiante se apresenta, a Agenda 21 Local colocará em debate as questões fundamentais sobre o futuro do Município, procurando respostas estratégicas para chegar a acções e projectos concretos.

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A Agenda 21 Local idealizada para o Município da Figueira da Foz procurará mobilizar todas as capacidades institucionais e da sociedade civil locais num processo transparente, eficiente, construtivo e virado para a acção, tendo por objectivo fundamental aumentar a qualidade de vida da população presente sem hipotecar a qualidade de vida das gerações futuras [6]. O objectivo fulcral da Agenda 21 Local da Figueira da Foz consiste na tentativa de concretizar a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos deste território. Este é o objectivo geral que poderá ser visível nos objectivos estratégicos definidos, que deverão passar, entre outros, por:

⋅ Conhecer e identificar os problemas ambientais, sociais e económicos, que condicionam o desenvolvimento do Município;

⋅ Incentivar a cidadania e a participação pública, contribuindo para uma democracia participativa;

⋅ Debater os problemas, as visões e as oportunidades da comunidade, identificando soluções a pôr em prática;

⋅ Definir um rumo e uma estratégia integrada, envolvendo a autarquia local, técnicos, organizações da sociedade civil e cidadãos;

⋅ Aumentar os níveis de confiança e optimismo dos cidadãos em matéria de desenvolvimento sustentável;

⋅ Inovar nas políticas locais e encontrar soluções criativas e mais eficientes a nível ambiental, económico e social;

⋅ Garantir uma melhor qualidade de vida para a população local, criando oportunidades em termos de emprego, habitação, espaços verdes, equipamentos colectivos, melhores serviços de saúde, educação e cultura, um ambiente saudável e sustentável para todos.

Muito para além de se aprovar um plano com linhas estratégicas de desenvolvimento sustentado, pretende-se valorizar a Agenda 21 do Município da Figueira da Foz enquanto processo, procurando aprofundar a democracia participativa, envolvendo cidadãos e instituições nos processos de decisão, criando mecanismos de transparência e partilha de responsabilidades, num território ainda pouco habituado a desenvolver projectos com este cariz dinâmico e participativo. Assim, o projecto da Agenda 21 Local para o Município da Figueira da Foz deverá, orientar-se pelos princípios de Transparência; Responsabilidade partilhada; Subsidiariedade; Estabelecimento de parcerias; Abordagem inter-sectorial e integrada; Equidade; Cooperação; Longo prazo, instaurando um processo de Democracia Participativa, em que se pretende aproximar os cidadãos, debater e procurar soluções para resolver os problemas que afectam o território municipal. 1.2. O processo de elaboração da Agenda 21 Local da Figueira da Foz A metodologia proposta para a Agenda 21 Local da Figueira da Foz tem em consideração as características singulares do Município, bem como a necessária articulação com os outros instrumentos de planeamento já existentes e os que deverão ser criados. Assente num processo participativo e multi-sectorial, a Agenda 21 Local da Figueira da Foz pretende apresentar uma metodologia algo inovadora, através: ⋅ Da criação de Fóruns de debate e participação pública em torno dos temas relevantes para o Município – não só os temáticos, mas também por unidades territoriais; ⋅ Do diagnóstico selectivo e da definição dos vectores estratégicos; ⋅ Da identificação de metas e visões de futuro; ⋅ Da definição e implementação de um “Plano de Acção”, com adequada monitorização. Um dos maiores problemas relacionados com a Agenda 21 tem residido na ausência de enquadramento legislativo. Efectivamente, um determinado território que queira implementar um processo de Agenda 21 Local tem de se apoiar em instituições internacionais como a United Nations Commission on Sustainable Development, muito embora esta não possua autoridade legislativa. A aplicação deste instrumento ao caso concreto do Município da Figueira da Foz deverá seguir, em termos globais, as linhas orientadoras publicadas no “Manual para a Implementação da Agenda 21 local - Guia Agenda 21 Local - Um desafio para Todos” [7], embora devam vir a observar-se algumas nuances, muito por força da necessidade de definir uma visão um pouco mais ampla de um projecto estratégico para um concelho com características muito variadas.

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Assim, todo o processo de planeamento da Agenda 21 Local pode ser definido em seis fases principais (Figura 2).

Figura 2: Fases de Implementação da Agenda 21 Local da Figueira da Foz.

1) Inicio do Processo Esta fase correspondeu ao arranque do projecto, com a definição da metodologia a adoptar e da estratégia de implementação da Agenda 21 Local. Nesta fase foi criada a estrutura de gestão, assim como começaram a ser sistematizadas as políticas, planos, projectos e actividades já definidos pelo Município em matéria de desenvolvimento sustentável. Pretendeu-se motivar os políticos e técnicos da Autarquia, mas, em especial, criar uma dinâmica com vista à mobilização e participação dos cidadãos em todo o processo. A estrutura de gestão foi constituída por dois grupos de trabalho com claras relações com a própria autarquia, o “Grupo de Decisores Autárquicos Eleitos”, o qual deve acompanhar e liderar o processo em termos políticos e conceder-lhe apoio, e o “Grupo Técnico Interdepartamental”, constituído pelas chefias e diferentes técnicos dos Departamentos e das Divisões da Autarquia (Figura 3). Foi também constituído, no seio da equipa de trabalho, o “Grupo de Fórum de Actores”, ou seja, um grupo de cidadãos locais que representam, globalmente mas não exclusivamente, o tecido empresarial local e sócio-cultural, o movimento associativo, as associações de ambiente, entre outros. Este apresenta, por um lado, uma abrangência sobre os diferentes vectores que vão ser analisados, e, por outro lado, assume-se como a estrutura central do que virá a constituir o Plenário do Fórum. Por último, o apoio técnico será prestado pelo “Grupo Consultor Externo”, que deverá oferecer um distanciamento relativamente às questões locais, algo que habitualmente pode condicionar o desenvolvimento de projectos desta índole.

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Figura 3: Estrutura de Gestão e principais etapas da Agenda 21 Local da Figueira da Foz.

2) Definição dos objectivos e vectores estratégicos No primeiro Plenário do Fórum 21 foi apresentado um Pré-diagnóstico de Sustentabilidade, no qual foi focada uma visão geral da situação do Município em termos ambientais, demográficos, económicos e sociais. Para este Plenário, foram convidados todos os cidadãos do Município a debater os principais problemas que o território enfrenta, assim como foram identificados os principais vectores estratégicos, que assumem importância determinante para o desenvolvimento do Município da Figueira da Foz. Para cada vector estratégico seleccionado deverão ser realizados diferentes fóruns temáticos que vão envolver os actores que mais se enquadrem em cada uma das temáticas (Figura 4).

Figura 4: Esquema de Participação nos Fóruns temáticos.

3) Construção do Diagnóstico de Sustentabilidade Esta fase, que se inicia com a reunião/debate onde irá ser apresentado um pré-diagnóstico, com base em todos os trabalhos e projectos que têm vindo a ser desenvolvidos sobre o território municipal, vai corresponder a todo um conjunto de actividades que passará pela divulgação do projecto e pelo envolvimento efectivo da população e dos actores locais, através de fóruns de discussão temáticos e sessões de discussão em todas as freguesias do Município. Nesta fase vão ser lançados os questionários à população local, nomeadamente junto das escolas, juntas de freguesia, empresas, instituições e cidadãos em geral. Estes inquéritos

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deverão ser a oportunidade para o conhecimento da dinâmica dos actores locais, das suas actividades, dos seus interesses, dos projectos das instituições e do nível de participação dos cidadãos. 4) Elaboração e Apresentação do Diagnóstico de Sustentabilidade As ideias e propostas definidas durante os Fóruns temáticos farão parte do diagnóstico de sustentabilidade, que deverá ser apresentado no 2º Plenário do Fórum 21. O relatório de sustentabilidade tem como objectivo reunir todas as informações recolhidas nas fases descritas anteriormente e definir as áreas prioritárias de acção que servirão de base para a definição das propostas de acção. 5) Concertação/Propostas de Acção Após os fóruns temáticos de discussão irá ser realizado um relatório para cada vector estratégico, assim como deverão ser definidas as propostas de acção. Esta fase culmina com a definição das estratégias de sustentabilidade e apresentação do “Plano de Acção”. 6) Implementação e Monitorização Fase em que se deverá proceder à avaliação do processo da Agenda 21 Local, da implementação das acções e dos seus resultados. Nesta fase pretende-se também “Aumentar Capacidades e Conhecimento”, através do aumento das capacidades institucionais e sociais no âmbito do desenvolvimento sustentável. Importa referir que poderá verificar-se uma constante adaptação dos objectivos, estratégias e acções decorrentes dos resultados obtidos durante o processo de participação pública. 3.3. Vectores de sustentabilidade e Eixos Estratégicos – uma proposta Num primeiro momento, a Agenda 21 Local, e em função do acordo preliminar em termos de grupo de acção e das reuniões realizadas nas 18 freguesias do Concelho da Figueira da Foz foi decidido integrar e desenvolver os quatro vectores da sustentabilidade plasmados nos vários documentos de referência para a temática do desenvolvimento sustentável (Figura 5).

Figura 5: Vectores da Sustentabilidade da Agenda 21 Local da Figueira da Foz.

Neste sentido, e à semelhança da esmagadora maioria dos territórios onde se desenvolvem projectos da mesma índole, o ambiente surge como uma preocupação central de análise e de procura de respostas no sentido do desenvolvimento territorial sustentável. Num primeiro momento, em termos de proposta de trabalho, a qualidade ambiental, a implementação de energias alternativas e os espaços verdes serão alguns dos temas de destaque para a garantia de um território ambientalmente sustentável (Figura 6). Por seu turno, as actividades económicas constituem um excelente indicador para avaliar a dinâmica dos territórios. Assim, e num contexto de crescente competitividade territorial, o perfil de especialização e os padrões de localização das empresas devem reflectir as oportunidades que as cidades devem oferecer às pessoas e às organizações que aí desenvolvem as suas actividades. A existência de actividades geradoras de bem-estar material e de emprego são uma condição essencial para o desenvolvimento territorial. Nesta vertente julgou-se pertinente a abordagem de temas relacionados com o Mar, o Turismo, a Economia Social, assim como os Clusters industriais, entre outros. A existência de condições sociais que assegurem a satisfação das necessidades básicas na área da saúde, educação, formação, habitação e equipamentos assumem uma importância vital no processo de desenvolvimento territorial, razão pela qual, e após a constatação das debilidades e potencialidades, em função de todo um conjunto de projectos que foram desenvolvidos ou que se encontram em fase de conclusão (Carta Educativa; Carta Desportiva, Plano Municipal de Emergência e Protecção Civil), os cidadãos foram desafiados a participar na definição e orientação de outros projectos, como por exemplo, o “Projecto Educativo Local”

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ou o projecto de “Cidades Saudáveis”. Por fim, as questões relacionadas com a cultura, hoje entendida como um pilar de importância estratégica para o desenvolvimento sustentável, englobam os aspectos relacionados com o património material e imaterial, com os eventos tradicionais, com a produção criativa e com eventos inovadores.

Figura 6: Vectores de Sustentabilidade e Eixos Estratégicos da Agenda 21 Local da Figueira da

Foz. A identificação dos principais vectores da sustentabilidade determinou assim a orientação dos eixos estratégicos a tratar pela Agenda 21 Local da Figueira da Foz. Existe normalmente uma tentação de incluir nos eixos estratégicos todos os problemas que afectam os territórios. No entanto, no caso da Figueira da Foz, julga-se que a Agenda 21 Local deveria ser selectiva na sua abordagem, concentrando-se nas áreas consideradas prioritárias para o desenvolvimento sustentável do território municipal. 3.4. A participação e envolvimento dos Cidadãos De acordo com a Agenda 21 um dos pré-requisitos fundamentais para atingir o desenvolvimento sustentável é a existência de uma participação pública alargada nos processos de decisão. O Capítulo 28 da Agenda 21 refere que “através da consulta e de consenso, as autoridades locais ouvirão os cidadãos e as instituições locais, cívicas, comunitárias, organizações empresariais e industriais, a fim de adquirir os conhecimentos necessários para formular as melhores estratégias” [3]. Neste sentido, existiu a necessidade de um aglutinar da população da Figueira da Foz em torno da sua participação activa no processo da Agenda 21 Local. Para tal, foi idealizado um plano de comunicação cujo objectivo foi o de sensibilizar, divulgar e informar todas as actividades que fossem sendo desenvolvidas no âmbito da Agenda 21 Local (Figura 7). Este plano serve, no essencial, para promover a divulgação de todo o processo da Agenda 21 Local, com vista a uma significativa participação da população no sentido da definição dos problemas e na formulação de soluções para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.

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Figura 7 – Plano de comunicação da Agenda 21 Local do Município da Figueira da Foz.

Durante todo o período de elaboração da Agenda 21 Local, a população da Figueira da Foz será convidada a participar nas várias etapas do processo através de: ⋅ Entrevistas aos principais actores locais. ⋅ Sessões de debate e reflexão nas freguesias; ⋅ Fóruns de participação e sessões temáticas; ⋅ Preenchimento dos inquéritos que serão distribuídos à população local; ⋅ Envio de sugestões através do website e do correio electrónico; A criação de um site de internet (www.agenda21figfoz.com) assume-se, desta forma, como uma importante plataforma de informação e participação, apelando-se à comunicação interactiva com todos os utilizadores (Figura 8). O site dispõe de informação genérica sobre o processo, objectivos e fases da Agenda 21 da Figueira da Foz. Para além disso conta com uma parte destinada à participação, com a possibilidade de os utilizadores responderem aos inquéritos, assim como lançar comentários e sugestões, numa lógica de fórum de debate online. A calendarização de todas as actividades a realizar, as noticias, os documentos de referência em matéria de sustentabilidade e as ligações úteis serão outros aspectos a valorizar nesta plataforma.

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Figura 8: Plataforma de participação online da Agenda 21 Local do Município da Figueira da

Foz. A divulgação de informação nos meios de comunicação social será uma peça fulcral para o sucesso da Agenda 21 Local. Para tal desenvolveu-se um conjunto de parcerias com a imprensa local e regional, no sentido de divulgar as actividades que vão sendo desenvolvidas no âmbito deste projecto. A colocação de posters alusivos à Agenda 21 Local (assim como de Mupis e painéis electrónicos), a distribuição de folhetos informativos e o envio de newsletters com informação relevante sobre o projecto serão também uma maneira de familiarizar a população com o processo, despertando o interesse para estas temáticas e facilitando a sua participação nos debates sobre o futuro do Município. Através destes meios pretende-se a participação efectiva da população que reside ou trabalha no Município da Figueira da Foz. Esta será convidada a participar quer nas reuniões, fóruns e plenários da Agenda 21 Local, quer através dos inquéritos que serão distribuídos ou que poderão ser respondidos através do website. Espera-se, portanto, que a implementação da Agenda 21 Local da Figueira da Foz seja um importante ponto de viragem, fomentando a participação e cidadania activa na procura de soluções que garantam uma melhoria da qualidade de vida de todos os cidadãos deste Município e possa mesmo assumir-se como uma peça fulcral no desenvolvimento do Plano Estratégico e de todo o processo de revisão do Plano Director Municipal. 4. CONCLUSÕES O processo de implementação de uma Agenda 21 Local, por não obedecer a um quadro normativo, assume um desafio ainda mais estimulante na procura da definição de uma metodologia que, por um lado siga as orientações das estratégias europeias e nacionais, e por outro, seja adaptada à realidade do território e do seu processo de ordenamento territorial. Num momento em que se pretende implementar uma Agenda 21 Local num Município com pouca tradição em projectos desta índole, ensaia-se com esta comunicação a metodologia a utilizar e a integração desta ferramenta com outros instrumentos de planeamento e ordenamento territorial. A Agenda 21 Local da Figueira da Foz deverá corresponder a um processo participado que consiga envolver os principais actores com influência no desenvolvimento do território municipal, assim como todos os cidadãos deste município, que serão convidados a participar em todas as fases deste processo. Pretende-se, e num quadro mais vasto de planeamento estratégico territorial, atingir os objectivos da Agenda 21 ao nível local, através da preparação e implementação de um plano de acção estratégico de médio e longo prazo dirigido às prioridades locais para o desenvolvimento sustentável e melhoria da qualidade de vida de todos os cidadãos do Município da Figueira da Foz. 5. BIBLIOGRAFIA 1. WCED (World Commission on Environment and Development), The Report of the World Commission on Environment and Development: Our Common Future, consultado em http://www.un-documents.net/wced-ocf.htm (1987). 2. ICLEI (International Council for Local Environment Iniciatives), Second Local Agenda 21 Survey - background paper no. 15, United Nations Department of Economic and Social Affairs, (2001). 3. WCED (World Commission on Environment and Development) Agenda 21, consultado em http://www.un-documents.net/agenda21.htm, (1992). 4. ICLEI (International Council for Local Environment Iniciatives), The Aalborg Commitments Implementation Guide, ICLEI (2006). 5. SELMAN, P., A Sideways Look at Local Agenda 21, Journal of Environmental Policy & Planning, 2:1, pp. 39-53, (2000). 6. FARINHA, J., Agenda 21 Local - Guia Metodológico de Apoio para Contextos Rurais e

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de Forte Interioridade, Associação de Municípios do Distrito de Évora e Diputación de Badajoz, Évora, (2005). 7. AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE, Guia Agenda 21 Local um desafio de todos - Manual, Agência Portuguesa do Ambiente, Amadora, (2007).

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“CAMPO TÉRMICO DA BAIXA ATMOSFERA URBANA EM CONDIÇÕES DE ACENTUADO ARREFECIMENTO NOCTURNO - O CASO DA FIGUEIRA DA FOZ (PORTUGAL) ” David Marques 1, Nuno Ganho 2, A.M. Rochette Cordeiro3, 1 Mestrando em Geografia Física, Ambiente e Ordenamento do Território e Bolseiro de Investigação da FLUC, Coimbra, Portugal. 2/3 Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT), Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal. RESUMO À escala do topoclima urbano intervêm diversos factores como a densidade de ocupação urbana do solo, a morfologia urbana, a topografia, a vegetação e a proximidade a importantes massas de água, responsáveis por contrastes térmicos e higrométricos espaciais. Em cidades de média dimensão, cujo povoamento urbano se insere num contexto topográfico mais ou menos movimentado, mesmo no litoral, a topografia é, frequentemente, o factor preponderante, em interacção com os demais factores, na manifestação dos campos termohigrométrico e de vento. É o que acontece na cidade da Figueira da Foz, onde a Serra da Boa Viagem, o oceano Atlântico e o estuário do Mondego, contribuem para um quadro topoclimático muito específico. Neste contexto, analisam-se, os resultados preliminares sobre o campo térmico nocturno evidenciado através de campanhas de observação itinerante de temperatura, efectuadas de automóvel, ao longo de um percurso no espaço urbano e periurbano da cidade da Figueira da Foz e da Serra da Boa Viagem, em noites de acentuado arrefecimento nocturno e circulações regionais de Leste. Palavras-chave: Topoclima urbano, Campo térmico, Ordenamento urbano, Figueira da Foz. 1. INTRODUÇÃO Vários têm sido os estudos que comprovam que à escala local e, particularmente em espaços urbanos, a acção antrópica modifica os balanços energéticos e interfere nas circulações atmosféricas da camada limite [1]. Estas modificações contribuem para a definição de um clima específico e ao mesmo tempo complexo - o clima urbano. Essa complexidade, surge como o resultado directo da interacção de vários factores a diferentes escalas, por vezes difíceis de equacionar. Intrinsecamente, o clima de uma cidade, é o resultado das características climáticas regionais e locais, em relação íntima com o relevo, com a ocupação do solo e com a morfologia urbana. Em meio urbano são, pois, vários os factores que modificam o mesoclima, e que advêm da especificidade do ecossistema urbano. É neste contexto que o fenómeno da Ilha de Calor Urbano – sinónimo de temperatura mais elevada na área central das cidades face aos espaços peri-urbanos e rurais envolventes - assume um lugar de destaque na investigação científica em Climatologia Urbana. Segundo Oke, citado por Vaz et al. [2], as principais causas da Ilha de Calor Urbano, são: • As modificações do balanço de radiação, sobretudo a retenção da radiação infra-vermelha ao nível das ruas; • A redução da evaporação e evapotranspiração devido à escassez de vegetação e a extensão de superfícies impermeabilizadas; • A redução da velocidade do vento (devido à elevada rugosidade do espaço urbano) e consequentemente das transferências de calor sensível; • A modificação da composição da atmosfera urbana; • A produção de calor pelas actividades humanas; • A acumulação de calor (e gradual libertação durante a noite) pelos edifícios e materiais de construção. Para além do fenómeno de ilha de calor, a ocorrência de inversões térmicas tanto em espaços urbanos e rurais, tem sido igualmente objecto de estudo no âmbito da climatologia. O

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conhecimento das áreas propensas à formação de “lagos de ar frio”, segundo uma lógica de planeamento, permite não só identificar as áreas de maior desconforto bioclimático perante situações de vagas de frio, mas ao mesmo tempo, identificar zonas propícias à formação de geada e de nevoeiros, logo, potenciais áreas de retenção de poluentes, especialmente no caso das cidades. Os “lagos de ar frio” associados a noites anticiclónicas de forte estabilidade atmosférica (vento fraco e reduzida nebulosidade), são o resultado de episódios de intenso arrefecimento radiativo junto ao solo (irradiação) e também pela drenagem de ar frio que se processa ao longo das vertentes por efeito da gravidade. A magnitude da drenagem e de acumulação do ar frio, está assim depende de vários factores: • Reduzida capacidade de absorção da atmosfera; • Reduzidos níveis de obstrução do horizonte; • Velocidade do vento reduzida; • Vertentes com declives acentuados; • Ausência de obstáculos ao longo da vertente (devido ao efeito de fricção da superfície nos fluxos de ar frio). 1.1 Enquadramento e caracterização da área em estudo Localizado no Centro Litoral de Portugal Continental o Município da Figueira da Foz apresenta uma área territorial de 379,1km2, o que corresponde a cerca de 18% da área do Baixo Mondego, (Figura 1). De média dimensão no contexto nacional, a cidade da Figueira da Foz desenvolve-se entre os paralelos da Serra da Boa Viagem (40º11’18”N) e do Estuário do Mondego (40º08’52”N), o que lhe confere características algo particulares.

Figura 1 – Enquadramento do Município da Figueira da Foz

Do ponto de vista morfo-estrutural este território integra na sua totalidade a Orla Meso - Cenozóica Ocidental, a qual consiste numa bacia sedimentar que se definiu a partir do Triássico, aquando das fases iniciais de “rifting” relacionadas com a abertura do Oceano Atlântico e onde ao longo dos tempos geológicos se foram depositando todo o género de materiais sedimentares. Nesta unidade, o substrato rochoso é constituído no essencial por material sedimentar, de onde se destacam rochas calcárias do Jurássico médio (Dogger) de maior pureza e compactação

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relativamente à restante litologia presente, nomeadamente rochas calco - margosas, arenitos vários, areias, argilas e aluviões de idade recente. Numa análise morfológica e hipsométrica (Figura 2), este território é marcado no seu sector centro - ocidental por uma linha de relevos de origem tectónica, que apresenta uma direcção sensivelmente de ONO-ESE e que, variando entre os 100 e os 257 metros de altitude, impõe uma barreira física em forma de esporão entre os sectores setentrional e meridional. Contudo, apesar de as suas altitudes raramente ultrapassarem os 250 metros, os pontos mais elevados coincidem com os afloramentos de calcários compactos, culminando este alinhamento no marco geodésico da Bandeira a 257 metros na Serra da Boa Viagem, ao passo que a Serra das Alhadas se desenvolve a um patamar inferior, tendo como altitude máxima 153 metros. Esta linha de relevos contínua, composta pelas Serras da Boa Viagem a ocidente e das Alhadas a oriente, apresenta uma estrutura monoclinal que se vai alargando progressivamente para Oeste, prolongando-se inclusivamente pelo oceano. Por acção de uma tectónica compressiva, a qual tem sido responsável pela subida da Serra, estes relevos terminam de forma brusca a Norte por uma escarpa de falha, colocando em contacto os calcários e margas do Lias com areias marinhas do Plistocénico médio a inferior [3].

Figura 2 – Hipsometria do Município da Figueira da Foz.

Deste modo, tanto a Norte como a Sul desta barreira orográfica, domina a platitude por extensas superfícies de baixas altitudes (inferiores a 100 metros), quer seja pelo plaino aluvial

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do Mondego, pela planície litoral, ou ainda, pelos baixos planaltos, quase todos arenosos ou cascalhentos. Quando se efectua a análise dos declives gerais e em especial dos declives preferenciais (<5º), verifica-se que 75,5% do Município apresenta declives inferiores a 5º, o que indica que estamos num território bastante plano. Por sua vez, as classes de maior declive que se podem considerar como superiores a 17˚, coincidem com os relevos da Serra da Boa Viagem e das Alhadas, particularmente nas vertentes voltadas a Norte, devido ao perfil abrupto que aí apresentam, muito por força da actuação da tectónica. Em termos climáticos, este território apresenta um clima de tipo mediterrâneo, modificado localmente pela topografia associada à Serra da Boa Viagem, pela proximidade do Oceano Atlântico e também pela presença do Estuário do Mondego, a que se associam ainda as modificações impostas pela morfologia urbana. Já, em termos demográficos, o Município da Figueira da Foz, no seu todo, apresentava no ano de 2001 uma população residente de 62601 habitantes, sendo que a cidade tinha, nesse momento censitário, 26621 habitantes, valor apurado em função dos quantitativos populacionais das Freguesias urbanas de Buarcos, São Julião da Figueira da Foz e Tavarede. Ao efectuar-se uma análise diacrónica do espaço construído no Município da Figueira da Foz no período compreendido entre 1947 e 2003, verifica-se um nítido crescimento da cidade e consequente aumento da pressão antrópica, nas Freguesias de São Julião, Buarcos e particularmente na de Tavarede (Figura 3). Nas últimas décadas, a cidade tem crescido para Norte, no sopé e ao longo da vertente meridional da Serra da Boa Viagem. Esse mesmo crescimento em termos de solos impermeabilizados foi também acompanhado por um aumento em determinados sectores periféricos do número de construções em altura (7-10 pisos).

Figura 3 – Evolução do construído entre 1947 e 2003 nas Freguesias de São Julião, Buarcos e

Tavarede. 1.2 Breve caracterização da morfologia urbana da cidade da Figueira da Foz

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A caracterização e classificação das áreas urbanas tem vindo a sofrer uma constante evolução nos últimos anos, no sentido da uniformização das classificações, da simbologia e da terminologia utilizadas, entre outros aspectos. Deste modo, para se caracterizar a morfologia urbana da cidade da Figueira da Foz, neste estudo utiliza-se um sistema de classificação baseado em zonas climáticas locais (ZCL) [4], o qual tem em consideração vários elementos, nomeadamente: o Sky View Factor (obstrução do horizonte), a razão altura/largura entre edificios, a fracção da superfície ocupada por edifícios, a percentagem de superfície impermeável, a altura média do edificado, a rugosidade da superfície e os fluxos de calor de origem antrópica. De uma forma geral, a cidade apresenta sectores que se enquadram nas ZCL Open-Set Midrise e Sparsely Built. Na ZCL Open-Set Midrise, predominam edifícios espaçados com 3-8 andares de altura, Sky View Factor ligeiramente reduzido, baixa densidade de tráfego e presença significativa de vegetação entre edifícios. Na ZCL Sparsely Built, as principais características prendem-se com construções de poucos andares, de baixa densidade e distribuídos no espaço de forma difusa, invadindo espaços eminentemente agrícolas.

Figura 4: ZLC Open-Set Midrise (esquerda) e ZLC Sparsely Built (direita) Fonte: Adaptado de Stewart e Oke, 2009.

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Figura 5 – Vista aérea sobre a cidade da Figueira da Foz. 2. METODOLOGIA Para determinar o campo térmico da baixa atmosfera urbana, adoptou-se uma metodologia alicerçada na realização de campanhas móveis de recolha de dados em vários pontos de observação, previamente definidos, em função de três factores principais: a topografia, a morfologia urbana e a densidade de construção urbana, de forma contemplar a maior heterogeneidade da amostra. Neste artigo dão-se conta dos resultados de uma campanha de observação itinerante realizada a 16 de Dezembro de 2010, durante a noite, sob condições meteorológicas de estabilidade atmosférica, ausência de nebulosidade, com circulação sinóptica de Leste. Dada a impossibilidade de se realizar uma leitura simultânea da temperatura do ar em todos os pontos de observação, mitigar a intervenção do factor tempo na variação térmica espacial, constitui uma das principais exigências da aplicação desta metodologia. Para tal aplicou-se a seguinte fórmula: Tcor = Tobs + V, sendo V = (t.vt) / tt, em que, para um determinado ponto do percurso, Tcor é a temperatura corrigida, Tobs a temperatura observada, V a taxa de variação da temperatura no tempo, t o tempo decorrido entre o início do percurso e o ponto de observação considerado, vt a variação total da temperatura entre o início e o fim do percurso e tt o tempo total decorrido entre o início e o fim do percurso. A obtenção de vt exige, como é pressuposto, que o percurso se inicie e termine no mesmo ponto de observação. Após a correcção da temperatura para cada ponto de observação, procede-se à interpolação espacial da variável em estudo. Neste caso utilizou-se um método de interpolação determinístico - o spline - em que a superfície resultante baseia-se no pressuposto da maior semelhança de proximidade, o que, ao contrário de outros métodos determinísticos, tem em maior consideração as variações espaciais localizadas da variável em estudo [5]. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Percurso itinerante do dia 16 de Dezembro de 2010 3.1.1 Condições Sinópticas A campanha de observação itinerante que permitiu obter os resultados que aqui se analisam, efectuou-se na noite de 16 de Dezembro de 2010, entre as 22.45h e as 00h, sob condições sinópticas de estabilidade atmosférica de origem anticiclónica. O estado do tempo em Portugal Continental, entre os dias 14 e 17 de Dezembro, foi condicionado por um vasto anticiclone centrado entre a Islândia e a Gronelândia, estendo-se em crista na direcção da Península

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Ibérica, determinando, nas regiões do Norte e Centro de Portugal Continental, céu em geral pouco nublado, temporariamente muito nublado por nuvens altas, vento fraco do quadrante Leste e inerentes condições de acentuado arrefecimento nocturno por irradiação (Figura 8).

Figura 6: Situação sinóptica de superfície às 00 UTC no dia 16/12/2010 Fonte: www.wetterzentrale.de 3.1.2. Análise do campo térmico na noite de 16 de Dezembro de 2010 Os dados obtidos com a realização desta campanha de observação itinerante, permitem uma abordagem preliminar sobre contrastes térmicos espaciais em noites de intenso arrefecimento nocturno, no inverno, no espaço urbano, peri - urbano e rural da Figueira da Foz (Tabela I e Figura 7). As características morfológicas desta área, onde se destaca a Serra da Boa Viagem, condicionam de forma decisiva o campo térmico local, destacando-se, neste caso particular, uma situação de forte inversão térmica, com uma intensidade de 6ºC num desnível de pouco mais de 200m, entre o topo e a base da Serra. A área de Quiaios, localizada no sopé da vertente setentrional da Serra da Boa Viagem, constitui a principal área de acumulação de ar frio, definindo um importante “lago de ar frio”, com o seu núcleo, de maior intensidade, de -0,8ºC, contrastando, em 5ºC a 7°C, com os espaços envolventes.

Tabela I – Registos da temperatura do ar (ºC) em cada ponto de observação, na noite de 16/12/2010

Ponto nº Designação Altitude (m) Temperatura do Ar (ºC)

(corrigida) 0 Praça da Borleteira 37 2,3 1 Av.Dr. Mário Soares I 48 2,3 2 Av.Dr. Mário Soares II 26 3,2 3 Rua Montalvo 24 2,3 4 Rua Rio de Cima (EB2,3 Infante D.Pedro) 23 3,7 5 Rua Dona Maria 22 4,1 6 Rua Sidónio Pais 14 4,5 7 Rua das Tamargueiras 20 4,9 8 Av. D.João II (marginal cemitério) 6 4,7 9 Rua do Monte Alto (Bifurcação) 74 3,9 10 Rua do Monte Alto (Serra de Buarcos) 120 4,1 11 Av. D.João II (urbanização) 9 3,6 12 Av.D.João II (Hotel Atlântida Sol) 12 5,5 13 Rua Estrada da Boa Viagem (I) 48 5,2 14 Rua Estrada da Boa Viagem (II) 109 6,6 15 Serra da Boa Viagem (Rest. Abrigo da Montanha) 178 5,5

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16 Rua do Parque Florestal 220 3,5 17 Miradouro da Bandeira 247 2,8 18 Serra da Boa Viagem (Rua de São Mamede) 200 3,4 19 Rua de São Mamede (II) 126 3,2 20 Rua de São Mamede (III) 74 -0,8 21 Quiaios (Largo do Padre Costa e Silva) 50 2,8 22 Rua da Creche Jardim Infância (Quiaios) 40 1,8 23 Rua da Figueira da Foz (Quiaios) 75 1,4 24 Cabanas (EN109) 124 2,6 25 Ferrugenta (EN109 Renault) 150 4,1 26 Saída Buarcos/Tavarede 24 3,3 27 EN109 (Sentido Figueira) 24 2,4 28 Rotunda Rua Arnaldo Sobral (entrada) 24 2,7 29 Rotunda Estrada de Coimbra 16 2,6 30 Rua Bartolomeu Dias (Meio) 18 3,1 31 Rua 28 da Infantaria 24 2,6 32 Rua Vasco da Gama (Meio) 18 3,4 33 Rua da República 10 3,5 34 Praça 8 de Maio 11 3,3 35 Rua da Restauração 18 3,5 36 Av. Dr. Joaquim de Carvalho 24 2,9 37 Rotunda Abadias 21 2,9 38 Av. Dr. Manuel Gaspar de Lemos (Escola) 24 4,1 39 Rotunda Cristina Torres 24 4,1 40 Av. 1º de Maio 25 3,1 41 Rua do Rancho das Cantarinhas 26 3,1 42 Rua Joaquim Sotto Mayor (Palácio) 25 3,7 43 Rua Dr. João de Barros (Hotel) 23 3,5 44 Rua Dr. Simões Barreto 23 5,7 45 Av. De Abril (Marginal) 10 5,3 46 Av. De Espanha (Capitania) 2 3,5 47 Av. Saraiva de Carvalho 8 2,8 48 Tavarede I 24 3,5 49 Tavarede II 25 5,3 50 R. José da Silva Ribeiro 35 3,6

A maior intensidade do “lago de ar frio”, neste sector, em noites de intenso arrefecimento radiativo deve-se a vários factores. Por um lado, as características morfológicas e a exposição solar (menor quantidade de energia recebida) da vertente setentrional, que, desenvolvida em calcários compactos, apresenta declives bastante significativos e comandos de vertente na ordem dos 150 metros. Estas características morfológicas potenciam a drenagem de ar arrefecido pela base, ao longo das vertentes, por acção da gravidade (fluxos catabáticos) e, que adquirem a sua máxima expressão em situações de circulações regional e sinóptica lentas, como é o caso. Por outro lado, a densidade de construção apresenta, aqui, índices muito baixos, predominando uma ocupação de solo de carácter florestal, constituído por um coberto vegetal do tipo arbustivo e arbóreo, em oposição à face meridional da Serra da Boa Viagem. A presença ou ausência de edifícios ao longo das vertentes e dos talvegues, interfere na dinâmica dos fluxos catabáticos, na medida em que, as construções urbanas, para além de modificarem o balanço energético local, libertando a energia recebida durante o dia de uma forma mais lenta, obstaculizam, por atrito, a drenagem de ar frio. Este factor justifica uma ligeira diminuição da intensidade do “lago de ar frio”, espacialmente circunscrita, em relação evidente com o aumento da densidade do construído na Vila de Quiaios. As diferenças de temperatura entre a base e o topo da Serra da Boa Viagem onde se

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observaram as temperaturas mais elevadas (6,6ºC), devem-se à sua posição topográfica sobreelevada, não deixando por isso mesmo de apresentar um padrão espacial de certa forma sui generis. É possível, ainda, identificar uma relação directa entre o basculamento da Serra para Este e a consequente diminuição da espessura da camada de inversão, sendo que entre a metade ocidental da Serra da Boa Viagem e o sector da Ferrugenta (112 metros), verifica-se uma diferença de temperatura de 2,5ºC. A vertente meridional da Serra da Boa Viagem, por seu turno, apresenta características morfológicas diferenciadas, com declives menos significativos e desenvolvida em Arenitos da Boa Viagem (Jurássico Superior) e do Carrascal (Cretácico Inferior), apresenta um perfil mais suave, destacando-se neste particular a importância da erosão hídrica na evolução morfológica da vertente, tendo as linhas de água “desenhado” vários vales de orientação geral NNO-SSO. A identificação de alguns locais de acumulação de ar frio na base da vertente meridional da Serra da Boa Viagem, relaciona-se com estes canais de escoamento de fluxos catabáticos que, de forma pulsar, vão drenando o ar frio para as áreas topograficamente deprimidas, como são disso exemplo os “lagos de ar frio” localizados na várzea de Buarcos, na coalescência dos vales do Monte Alto e de Azenha e, ainda na várzea de Tavarede, onde desemboca um vale de génese tectónica. Contrastando com estas situações de drenagem e acumulação de ar frio nos locais mais baixos, ao longo da faixa costeira, a influência do mar no campo térmico é evidente e traduz-se por temperaturas menos baixas do que as que se observam umas dezenas de metros mais para o interior, contribuindo para uma diminuição sensível dos níveis de desconforto bioclimático ligado ao frio, nas noites de inverno e sob influência deste tipo de condições de tempo.

Figura 7: Campo térmico local da Figueira da Foz na noite de 16/12/2010.

4. CONCLUSÕES Ainda que os resultados obtidos constituam os primeiros avanços no conhecimento do

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campo térmico da cidade da Figueira da Foz, é possível de imediato retirar algumas conclusões acerca dos contrastes térmicos espaciais que caracterizam este território em noites de acentuado arrefecimento por irradiação, nomeadamente: • Assume relativa importância a formação de um “lago de ar frio” principal localizado no sopé da vertente setentrional da Serra da Boa Viagem, na área de Quiaios e que, nesta noite de observação, apresentava uma anomalia térmica negativa de 6ºC; • No sopé da vertente meridional identificaram-se também outros locais de acumulação de ar frio nos sectores topograficamente deprimidos de Buarcos e de Tavarede; • As temperaturas mais elevadas verificadas na Serra da Boa Viagem, devem-se em grande parte à sua posição sobreelevada relativamente às áreas envolventes, mais baixas e mais frias; • Identificação das áreas de maior risco de acumulação de poluentes, especialmente em espaço urbano, o que constitui uma importante indicação para o planeamento territorial; • A constatação de que mesmo no litoral, perante condições de intenso arrefecimento radiativo, as influências topográficas se sobrepõem à influência marítima e ao efeito urbano. Porém, sob influência de outros tipos de condições de tempo, também no inverno, ou no verão, durante a noite, ou de dia, os campos térmicos locais apresentarão diferentes padrões e contrastes espaciais de diferente intensidade, o que servirá de base para a implementação de mais campanhas de observação de variáveis climáticas e para a prossecução da investigação topoclimática na área da Figueira da Foz. 5. Bibliografia 1. Arnfield, A., Two decades of urban climate research: a review of turbulence, exchanges of energy and water, and the urban heat island, International Journal of Climatology, Volume 23, Issue 1, 1-26, (2003). 2. Vaz, L. et al., Algumas considerações sobre o contributo do rio para o conforto bioclimatico urbano. Metodologia para formulação do indicador Riprocity nº2, Actas da conferência: Rios e Cidades, Oportunidades para a sustentabilidade urbana. Lisboa, 1-21, 2009. 3. Almeida, A., Dunas de Quiaios, Gândara e Serra da Boa Viagem. Uma abordagem ecológica da paisagem, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, (1995). 4. Stewart, I. et al., A New Classification System for Urban Climate Sites, Bulletin of the American Meteorological Society, Volume 90(7), 922-923, (2009). 5. Matos, J., Fundamentos de Informação Geográfica. Lidel, Lisboa, 424.