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O jornalismo explicativo multiplataforma no jornal Nexo 1 Gabriel Rizzo Hoewell 2 Resumo: O artigo analisa a prática do jornalismo explicativo no jornal Nexo, com base na cobertura da votação, na Câmara dos Deputados, da denúncia contra Michel Temer. Através da Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977), avaliam-se materiais publicados sobre o tema, no dia 2 de agosto de 2017, no site (7 conteúdos), no Facebook (9), no Twitter (15) e na newsletter (7). O quadro teórico toma o jornal como dispositivo (MOUILLAUD, 1997), estabelecendo-se o sentido de seu conteúdo editorial e seu contrato de comunicação (CHARAUDEAU, 2009) na articulação entre as plataformas. O conceito de jornalismo explicativo (FORDE, 2007; FINK; SCHUDSON, 2013; NORRIS, 2015) é constituído tendo em mente a produção ciberjornalística na convergência (SALAVERRÍA et al, 2010). O roteiro de análise leva em conta a estrutura do título e das chamadas e a exploração das potencialidades da web (CANAVILHAS, 2014). Verifica-se que a articulação entre dispositivos constrói o sentido da informação e reforça a função explicativa do jornal, evidenciada em títulos e chamadas. Recursos multimídia, hipertexto e acesso à memória potencializam a contextualização. Palavras-chave: jornalismo explicativo; Nexo; jornalismo multiplataforma; ciberjornalismo; jornal 1 Artigo enviado na modalidade Interatividade, Novas Narrativas e Convergência. 2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro do Laboratório de Edição, Cultura e Design (LEAD), e-mail: [email protected].

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O jornalismo explicativo multiplataforma no jornal Nexo 1

Gabriel Rizzo Hoewell2

Resumo: O artigo analisa a prática do jornalismo explicativo no jornal Nexo, com base na cobertura da votação, na Câmara dos Deputados, da denúncia contra Michel Temer. Através da Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977), avaliam-se materiais publicados sobre o tema, no dia 2 de agosto de 2017, no site (7 conteúdos), no Facebook (9), no Twitter (15) e na newsletter (7). O quadro teórico toma o jornal como dispositivo (MOUILLAUD, 1997), estabelecendo-se o sentido de seu conteúdo editorial e seu contrato de comunicação (CHARAUDEAU, 2009) na articulação entre as plataformas. O conceito de jornalismo explicativo (FORDE, 2007; FINK; SCHUDSON, 2013; NORRIS, 2015) é constituído tendo em mente a produção ciberjornalística na convergência (SALAVERRÍA et al, 2010). O roteiro de análise leva em conta a estrutura do título e das chamadas e a exploração das potencialidades da web (CANAVILHAS, 2014). Verifica-se que a articulação entre dispositivos constrói o sentido da informação e reforça a função explicativa do jornal, evidenciada em títulos e chamadas. Recursos multimídia, hipertexto e acesso à memória potencializam a contextualização.

Palavras-chave: jornalismo explicativo; Nexo; jornalismo multiplataforma; ciberjornalismo; jornal

1 Artigo enviado na modalidade Interatividade, Novas Narrativas e Convergência. 2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro do Laboratório de Edição, Cultura e Design (LEAD), e-mail: [email protected].

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Introdução A liberação dos polos de emissão de informação e o consumo ubíquo

proporcionados pelos dispositivos móveis (LEMOS, 2007) trazem mudanças no

jornalismo. No Brasil, consomem-se mais notícias em plataformas de redes sociais

que em veículos impressos desde 2014, com 57% dos brasileiros pesquisados pelo

Reuters Institute, em 20173, acessando informações noticiosas pelo Facebook e

12%, pelo Twitter. Para Bell e Owen (2017), a influência do Facebook sobre o

consumo de notícias no mundo não tem precedentes no jornalismo. Assim, é

fundamental pensar o jornalismo no cenário da convergência a partir das múltiplas

plataformas que, articuladas, compõem o sentido da informação.

Também é preciso refletir, nessa conjuntura, sobre o papel do jornalismo em

meio à superabundância de informação impulsionada pela alteração no fluxo

informativo. Nesse contexto, surgem o jornalista como curador de notícias e as

newsletters de curadoria (CAMARGO, 2015) e ascende o jornalismo explicativo.

Neste artigo, abordam-se dois fenômenos que se desenham a partir desse mesmo

pano de fundo: o jornalismo explicativo e o jornalismo multiplataforma.

Pretende-se analisar a prática do jornalismo explicativo multiplataforma no

Brasil, tendo como veículo exemplar o Nexo. Para análise, toma-se a cobertura da

votação, na Câmara dos Deputados, da denúncia de corrupção passiva contra

Michel Temer, no dia 2 de agosto. Analisam-se, para isso, a estrutura de títulos e

chamadas e a exploração, com finalidade explicativa, das potencialidades da web.

1. O jornalismo multiplataforma no cenário de convergência O processo de convergência jornalística integra ferramentas, métodos de

trabalho e linguagens, requerendo que jornalistas produzam e distribuam conteúdos

por múltiplas plataformas, de acordo com a linguagem de cada uma (SALAVERRÍA

et al 2010). Para Kolodzy (2009), a convergência jornalística é uma nova maneira de

pensar, produzir e entregar as notícias, usando o potencial das mídias para alcançar

um público diverso e distraído. A convergência e as novas narrativas que surgem

nessa conjuntura estão, portanto, diretamente ligadas à distribuição multiplataforma.

3 Disponível em: <goo.gl/HJMnX2>.

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As peculiaridades da produção, da distribuição e do consumo de informações

nas diferentes plataformas relacionam-se ao conceito de dispositivo. O discurso de

um jornal não está solto no espaço, mas envolto em um dispositivo, que o formata e

prepara o sentido, afirma Mouillaud (1997). Para ele, dispositivos são lugares

materiais ou imateriais nos quais se inscrevem os textos, sendo texto qualquer forma

de inscrição. Eles têm como característica a possibilidade de se encaixar em outros

dispositivos. Isso permite pensar os aspectos da materialidade ligados em rede,

considerando o encaixe em outras esferas que contribuam para a produção do

sentido (GRUSZYNSKI, 2016).

Dessa forma, propõe-se pensar o jornalismo multiplataforma tomando-se as

diferentes plataformas (site, página no Facebook, newsletter etc.) como dispositivos

que conformam os textos e se encaixam para produzir sentido. O contrato de

comunicação (CHARAUDEAU, 2009), nesse cenário, se estabelece na articulação

entre as várias manifestações do jornal, resultando de características próprias à

situação de troca (como o dispositivo ou a finalidade do discurso) e características

discursivas, que remetem ao como dizer. A partir desses elementos, o emissor

recorta o mundo e o integra a um sistema de pensamento, compondo os diversos

textos formatados pelos dispositivos.

A relevância de se pensar o jornalismo a partir da articulação entre as

múltiplas plataformas é crescente quando as plataformas de redes sociais se

consolidam como publicadoras. Bell e Owen (2017) identificam três mudanças nos

modelos de distribuição no jornalismo nos últimos vinte anos: a saída do analógico

para o digital, a ascensão da web social e a atual dominância do mobile. As duas

últimas andam juntas, já que a web social se consolida com o aumento do uso dos

smartphones. Assim, plataformas de mídia social ajudam a moldar o conteúdo

jornalístico. “Oferecendo incentivos às organizações noticiosas por tipos específicos

de conteúdos (...) ou ditando a atividade dos publicadores através de padrões de

design, as plataformas são explicitamente editoriais” (BELL; OWEN, 2017).

2. O jornalismo explicativo

Outra característica do cenário de convergência é a aceleração da sociedade

e a superabundância de informação. Novas lógicas de controle informacional

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redefinem os fluxos de informação (LEMOS, 2007), acelerando-os. Em uma nova

relação com tempo e com o espaço, a sociedade se torna 24/7 e o ciclo de notícias

também (KOLODZY, 2009). Mas, apesar de aumentarem as ofertas de conteúdo,

diminui o tempo para o consumo.

Nesse cenário, Pavlik (2001) entende que cabe ao jornalismo contextualizar,

conectar acontecimentos e interpretar. Para Salaverría (2015, p.82) cabe ao

jornalista “lidar com a superabundância de informação, filtrando o grão em meio de

tanta palha”. Dines (20094 apud REGINATO, 2016) defende que o fluxo contínuo de

informações impossibilita a fundamental contextualização, cabendo ao jornalista

contextualizar e organizar a informação.

É preciso representar racionalmente o mundo em atividade corrente para

prover saberes de conhecimento, diz Charaudeau (2009). Esses saberes são

classificados por ele em três categorias, de acordo com a atividade discursiva: pode-

se dar conta do mundo descrevendo-o, contando-o ou explicando-o. Na categoria

explicativa, relevante para esse artigo, a percepção mental é determinada pela

explicação dos motivos, intenções e desdobramentos dos acontecimentos.

Assim é possível delinear-se o que se entende como jornalismo explicativo.

Parisi (1999) o define como o que provê contexto histórico, sociológico, econômico a

eventos atuais. Há divergência sobre essa nomenclatura. Forde (2007) lista como

sinônimos reportagem explicativa, interpretativa, em profundidade e analítica – que

Parisi (1999) busca diferenciar. Fink e Schudson (2014) optam por reportagem

contextual. A criação do Prêmio Pulitzer de jornalismo explicativo, em 1985, ajuda a

nomear a prática. Entre os requisitos para o troféu, estão a complexidade do tema, o

conhecimento do assunto para além do comum no jornalismo e uma apresentação

clara (FORDE, 2007). O trabalho de Forde (2007, p.227) baseia o que este artigo

chama de jornalismo explicativo: “explicação e interpretação de eventos complexos e

fenômenos localizados em um contexto social, político e cultural”. Para Fink e

Schudson (2014), toda “matéria contextual” vai além do “quem, o quê, quando,

onde” de um evento recente. Norris (2015, n.p.) resume: “se o conteúdo da notícia

se concentra no ‘Quem, O Que, Quando e Onde’, o jornalismo explicativo parece

informar o leitor do ‘Como e por que’”.

4 DINES, A. O papel do jornal e a profissão de jornalista. São Paulo: Summus, 2009.

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A prática vem pelo menos desde os anos 1930 nos EUA, mas Fink e

Schudson (2014) detectam um aumento da presença de notícias explicativas desde

a segunda metade do século 20, enquanto decrescem as notícias que se atêm

“somente aos fatos”. No contexto da convergência, seu uso tende a ser ainda mais

recorrente.

3. Uma análise do Nexo Para discutir o produto jornalístico explicativo multiplataforma, propõe-se

investigar o Nexo, que se define como “um jornal digital para quem busca

explicações precisas e interpretações equilibradas sobre os principais fatos do Brasil

e do mundo” (NEXO, online). O Nexo conta com site, plataformas de redes sociais,

como Facebook e Twitter, e newsletters5. Segundo estimativas da SimilarWeb6, o

site teve, em julho de 2017, 1,4 milhão de visitas. Dos acessos por computador, 46%

vinham de redes sociais, 28% eram diretos, 19%, de sites de busca, 5%, de outros

links e 2%, por e-mail. Não há estimativas para tráfego mobile. Do tráfego vindo de

redes sociais, o Facebook responde por 90% e o Twitter, por 7%.

A partir da discussão teórica e dos dados, propõe-se que a análise do

jornalismo explicativo no Nexo investigue o conteúdo produzido no site, no

Facebook, no Twitter e na newsletter. As duas redes sociais foram identificadas

como as principais para produção e distribuição de conteúdo do Nexo, enquanto a

newsletter é prática crescente no jornalismo (CAMARGO, 2015).

Como corpus, tomou-se o conteúdo produzido para essas plataformas,

durante o dia da votação, na Câmara dos Deputados, da denúncia de corrupção

passiva contra o presidente Michel Temer7. Trata-se de um assunto de relevância

jornalística e de relativa complexidade, sendo de interesse do jornalismo explicativo.

Levantaram-se os conteúdos sobre o assunto publicados, no dia 2 de agosto, no site

5 Durante o fechamento deste texto, já após a análise dos dados, o Nexo lançou um aplicativo, o a_nexo, que traz o mesmo conteúdo da newsletter enviada por e-mail. 6 Disponível em: <goo.gl/XAuJ74>. 7 O Presidente da República, Michel Temer, foi acusado pelo procurador-geral da República de ser beneficiário de propina paga pela empresa JBS em troca de favores. Pela primeira vez na história do Brasil, um presidente foi acusado de crime comum no exercício do mandato. A denúncia surge em meio a grande crise política no país, com uma série de investigações e acusações ocorrendo. Reconhece-se, assim, a relevância e a complexidade do assunto. A denúncia foi arquivada, com 263 deputados votando pelo arquivamento, contra 227 defendendo o andamento da investigação.

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(7), no Facebook (9), no Twitter (15) e na newsletter (7). Estes são estudados a

partir da Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977).

Para sistematizar a análise, propõe-se um roteiro que considera: a) estrutura

do título ou chamada da postagem e b) exploração das potencialidades da web

(interatividade, hipertextualidade, multimidialidade e memória) (Fig.1). A análise da

estrutura do título (no site) ou da chamada (nas outras plataformas) presta atenção a

indicadores da finalidade explicativa do texto, identificando elementos que

estabelecem um pré-acordo com o leitor (MOUILLAUD, 1997).

Já interatividade, hipertexto, multimídia e memória são recursos que permitem

contextualização e por isso merecem atenção na análise do jornalismo explicativo

(PAVLIK, 2001). Para analisar multimidialidade, é base o instrumento de Masip et al

(2011), que permite classificar elementos multimídia como complementar (faz parte

da notícia, é atual e permite entender a informação), ilustrativo (não faz parte da

notícia, não é atual e/ou pode ser entendido sem a notícia) e independente (sem

vinculação com outro elemento informativo). Para analisar a memória, parte-se da

ferramenta de Palacios e Ribas (2011), que listam como aspectos dinâmicos da

memória a recuperação histórica, a contextualização e a ampliação. Enquadram-se,

no primeiro tipo, links que resgatem acontecimentos passados, no segundo, links

que expliquem o termo destacado e, no terceiro, links que levem a informações

adicionais. Por fim, ainda se verificam o destino para o qual os hipertextos levam e a

utilização de recursos interativos com finalidade explicativa.

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Figura 1 - Roteiro para análise do jornalismo explicativo multiplataforma do Nexo.

Elaboração do autor.

Sete matérias sobre a votação foram levantadas no site no dia analisado.

Pronomes interrogativos típicos do lide estavam em seis dos títulos (Fig.2),

evidenciando nos “como” e por que” o caráter explicativo (NORRIS, 2015). No título,

em que se estabelece o pré-acordo com o leitor (MOUILLAUD, 1997), o Nexo

reforça sua escolha pela atividade discursiva explicativa (CHARAUDEAU, 2009) ao

indicar que o texto explicará, por exemplo, as razões para o arquivamento da

denúncia e para o silêncio das ruas.

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Figura 2 - Títulos das matérias levantadas no site.

A multimidialidade, no corpus, é percebida na combinação de texto, foto e

gráficos. Quatro matérias usam só texto e foto, enquanto duas também recorrem a

gráficos e uma tem nos gráficos o fio condutor. Pode-se dizer que, enquanto as fotos

utilizadas são ilustrativas – caso das fotos dos senadores Gleisi Hoffman e Tasso

Jereissati para ilustrar matéria sobre PT e PSDB –, os gráficos são complementares

quando somados a texto e foto – como os gráficos sobre a impopularidade de

Temer, na matéria sobre o silêncio das ruas (Fig.3). Já em “A votação da denúncia

contra Temer na Câmara em 16 gráficos”, em que são o principal recurso, a maior

parte dos gráficos são independentes. Assim, enquanto as fotos não aprofundam o

grau de explicação da matéria, os gráficos são fundamentais para isso.

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Figura 3 - Gráficos de caráter complementar indicam a impopularidade de Temer.

Apenas um conteúdo não tem hipertexto. Ao todo, foram encontrados 49

links, sendo 29 para outros sites. A função do hipertexto é, essencialmente, a de

acesso à memória. Destes, 51% têm função de recuperação histórica, 39%, de

contextualização e 10%, de ampliação. Assim, o acesso à memória pelo hipertexto é

essencial na construção do jornalismo explicativo do Nexo. O jornal recorre, para

isso, a links externos, especialmente quando busca recuperar fatos passados, já que

sites como O Globo e Folha voltam-se ao relato destes – enquanto que links de

contextualização normalmente remetem ao próprio Nexo.

Por fim, a interatividade se dá basicamente pela possibilidade de se

compartilhar a matéria via e-mail ou redes sociais. Há ainda, em uma matéria, uma

mudança nas cores dos gráficos quando se passa o cursor sobre eles. Mas tal

recurso pouco acrescenta à função explicativa do jornal.

No Twitter, as postagens funcionam como chamadas para o site, com oito

delas reproduzindo o título da matéria linkada. Isto é, o tweet não busca fornecer a

informação na plataforma, mas remeter o leitor à outra (Fig.4). Sete tweets recorriam

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a pronomes como “por que” e “como”. Outros dois modelos de tweets também

apontam para o caráter explicativo. Um deles é o que usa o verbo “entender”, como

em “Entenda a ordem de votação da denúncia criminal contra Temer em um único

gif”. O outro é o recurso a perguntas e respostas. Com base na matéria “10

perguntas e respostas sobre a votação da denúncia contra Temer na Câmara dos

Deputados”, o Nexo preparou cards (imagens produzidas para divulgar conteúdos)

com perguntas, que são respondidas no texto do tweet (Fig.5).

Figura 4 - Postagem no Twitter reproduz o título e a foto da matéria e oferece link.

Elementos multimídia estão em todos os tweets: 14 têm imagens estáticas

(fotos e cards) e um, imagem animada (GIF). As fotos têm caráter ilustrativo, bem

como um card que remete à newsletter, enquanto os cards de perguntas e respostas

(Fig.5) são complementares ao texto do tweet. A complementariedade, porém, se dá

entre textos escritos no tweet e na imagem. Assim, a articulação multimodal exerce

mais um papel de atração da atenção do leitor e potencialização da propagabilidade

do conteúdo do que função explicativa. Já o GIF, um mapa, pode ser entendido de

maneira independente e tem caráter explicativo.

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Figura 5 - Card de perguntas e respostas.

A hipertextualidade está em 13 tweets, redirecionando ao site, onde a

informação é aprofundada. Há ainda um caso em que se linka não uma matéria, mas

a página do site que traz a newsletter do dia, em um movimento de encaixe de

dispositivos – o Twitter, a newsletter e o site. Outro tweet a se salientar é o que leva

ao Twitter Moments (Fig.6), curadoria humana de informações. Nesse caso, o

Twitter compilou 13 tweets do Nexo para explicar a votação, oferecendo novo

enquadramento aos conteúdos, que, rearranjados em outro dispositivo, constroem

novo sentido.

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Figura 6 – Chamada para o Twitter Moments.

Hipertextualidade e memória se ligam, com o hipertexto remetendo a

conteúdos publicados anteriormente no site (seja minutos ou dias antes). O Nexo

recorre, portanto, ao que está arquivado em outra plataforma para oferecer

ampliação. Além disso, utiliza-se do próprio acervo do Twitter, retuitando seus

tweets.

Se memória, multimídia e hipertexto são explorados com finalidade

explicativa, a interatividade é limitada aos recursos da plataforma – responder,

retuitar, curtir ou enviar mensagem.

Ainda foram levantados nove conteúdos na página do Nexo no Facebook.

Verificam-se chamadas que adaptam ou reproduzem a linha de apoio da matéria do

site (Fig.7), com o sentido da informação surgindo na articulação entre os dois

dispositivos – Facebook e site. Da mesma forma que no Twitter, alguns verbos de

elocução e atividade mental, como “explicar”, “entender” e “falar [sobre]” são

utilizados nas chamadas (Fig.8), dando o tom explicativo. Ressalta-se, por fim, uma

chamada para a newsletter (Fig.9) – tal qual no Twitter –, que traz alguns dos

assuntos abordados no texto e redireciona para o site, onde o conteúdo é

aprofundado.

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Figura 7 - Postagem no Facebook adapta linha de apoio da matéria e traz foto incorporada ao link.

Figura 8 - Uso de verbos como "explicar", na chamada, indica a atividade discursiva.

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Figura 9 - Postagem no Facebook remete ao site, que traz a newsletter também enviada por e-mail.

O hipertexto é usado em quase toda postagem do Nexo no Facebook. É ele

quem oferece aprofundamento na matéria, já que os textos são chamadas para o

site. A única exceção é o GIF que explica a ordem de votação da denúncia –

destacado na análise do Twitter. Essa é a única postagem sem links e também a

única com outra modalidade informativa que não o texto8, tendo caráter

independente. A memória está diretamente ligada ao hipertexto, que resgata

matérias arquivadas no site para ampliar a informação. Por fim, a interatividade é

limitada aos recursos da plataforma: reagir, comentar e compartilhar.

A newsletter do Nexo traz breves parágrafos introduzindo matérias e o link

para elas ao final. No dia analisado, havia sete conteúdos relativos à votação. Em

seis chamadas optou-se por não usar verbos, o que as distancia da estrutura de um

título noticioso informativo, tradicionalmente com verbo. Além disso, o uso de

expressões que indicam desdobramentos, como “previsão” e “caminhos possíveis”

remetem ao caráter interpretativo do texto (Fig.10).

8 Salienta-se que todo link do Nexo no Facebook é acompanhado por foto, pois a plataforma assim o configura. Aqui se consideram apenas recursos multimídia diretamente publicados na plataforma.

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Figura 10 - Trecho da newsletter com chamadas sobre a votação.

Não há outra modalidade presente na newsletter que não o texto e os ícones

que levam às páginas do Nexo nas redes sociais. A interatividade também é

reduzida, ligada às possibilidades que o provedor do e-mail oferece, como responder

a mensagem. Nenhum desses elementos exerce papel explicativo.

Quanto à hipertextualidade, interessam os sete links ao final dos parágrafos

que resumem as notícias (Fig.10). Quatro destes levam a matérias do Nexo e os

outros três, a textos de Valor, Folha e Poder360. Assim percebe-se o Nexo

recorrendo a outros veículos para oferecer explicações e interpretações. É nas

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matérias arquivadas nos diversos sites que se busca a informação. Ainda que

algumas matérias, como a do Valor, tenham sido publicadas no mesmo dia do envio

da newsletter, verificam-se conteúdos mais antigos, como uma matéria do Nexo de 9

de julho. Todas elas tem função de ampliar o que está escrito na newsletter. É,

portanto, na articulação entre diversos dispositivos, proporcionada pelo hipertexto e

pelo acesso à memória, que o sentido da informação se constrói.

Considerações finais Esta análise buscou articular dois fenômenos ligados à comunicação pós-

massiva: o jornalismo multiplataforma e o jornalismo explicativo. O primeiro se

apresenta como uma perspectiva para os estudos do jornalismo em meio à

convergência, propondo-se, para isso, partir da discussão sobre dispositivo. O

segundo é a marca do objeto aqui analisado e enseja a reflexão sobre o papel do

jornalista no cenário de abundância informativa.

Propôs-se analisar, como exemplo, a cobertura do Nexo no dia da votação da

denúncia de corrupção passiva contra Michel Temer na Câmara dos Deputados.

Tomou-se, para isso, as múltiplas plataformas em que o jornal se manifesta,

levando-se em conta a estrutura do título, no site, e das chamadas, nas demais

plataformas, e a exploração das potencialidades da web. Verificou-se que a

articulação entre os dispositivos constrói o sentido da informação e reforça a função

explicativa do jornal. Esta, por sua vez, evidencia-se a partir de elementos dos títulos

e das chamadas. Multimidialidade (através de gráficos e mapas) e, principalmente,

hipertextualidade e acesso à memória (que encaixam diversos dispositivos)

potencializam a contextualização e a ampliação do conteúdo, enquanto a

interatividade não é explorada com essa função nas plataformas analisadas.

REFERÊNCIAS

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