o “jeitinho brasileiro” de falar: preenchimento do objeto em lÍngua portuguesa falada no brasil

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Análise Comparativa Entre Gramáticas e Entrevista com Falante Nativo

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    SUMRIO

    1 Introduo .............................................................................................................. 7

    2 Parecer normativo ................................................................................................ 8

    2.1. Verbos, transitividade e intransitividade ....................................................................................8

    2.2. Objeto direto ..............................................................................................................................9

    2.2.1. Objeto direto preposicionado ................................................................................................ 11

    2.2.2. Objeto direto interno .............................................................................................................. 12

    2.2.3. Objeto direto pleonstico ....................................................................................................... 13

    2.3. Complemento relativo ................................................................................................................ 13

    2.4. Objeto indireto ........................................................................................................................... 14

    2.4.1. Objeto indireto pleonstico .................................................................................................... 15

    2.4.2. Dativos livres ........................................................................................................................... 16

    2.5. Objeto nulo ................................................................................................................................. 17

    2.6. Predicativo do objeto ................................................................................................................. 18

    2.7 Agente da passiva .......................................................................................................................20

    3 Transcrio e anlise ........................................................................................... 21

    3.1. Transcrio da entrevista com falante nativo ............................................................................ 21

    3.2. Apresentao dos dados observados ......................................................................................... 28

    3.2.1. Verbo intransitivo e suas complementaes ........................................................................... 28

    3.2.2. Verbo transitivo e suas complementaes .............................................................................. 30

    3.2.3. Complementao seletiva ........................................................................................................ 31

    3.2.4. Elipse e objeto nulo .................................................................................................................. 31

    3.2.5. Verbo ir: marca de coloquialidade ........................................................................................... 32

    3.2.6. Verbo ser: casos especiais ........................................................................................................ 33

    3.2.7. Regncia diferente da prevista em gramticas tradicionais .................................................... 33

    3.2.8. No complementao em verbos que no precisam ............................................................... 34

    3.3. Levantamento de ocorrncias .................................................................................................... 35

    3.3.1. Nmero de ocorrncias de verbos transitivos e intransitivos ................................................. 35

    3.3.2. Nmeros das ocorrncias totais .............................................................................................. 35

    4 Concluso ............................................................................................................ 36

    5 Referncias bibliogrficas ...................................................................................37

  • 7

    INTRODUO

    A presente pesquisa objetivou o estabelecimento de uma comparao entre

    o contedo exposto por algumas das gramticas disponveis para a lngua portugue-

    sa no Brasil sobre o preenchimento do objeto e o que efetivamente praticado por

    quem faz uso do idioma como lngua nativa. A princpio, para melhor revelar a dispa-

    ridade de um ponto a outro, foram consultadas gramticas consideradas normativas

    - isto , aquelas nas quais os conceitos de certo e errado baseados em uma variante

    especfica da lngua, uma variante dita culta ou padro, so mantidos. No obstante,

    ao considerar que alguns fenmenos ainda no abordados por essas gramticas

    mereciam uma anlise mais minuciosa, foram consultados tambm gramticas des-

    critivas e trabalhos acadmicos recentes.

    O material reunido foi comparado a uma entrevista de carter informal reali-

    zada com uma falante nativa do idioma. A gravao, de aproximadamente 20 minu-

    tos, foi transcrita conforme parmetros do Projeto: Estudo da norma urbana culta da

    cidade de So Paulo (NURC/SP). A falante entrevistada mulher, nordestina mi-

    grada ainda jovem para So Paulo, profissional do lar e pertencente faixa etria

    dos 40 aos 50 anos. A formao da entrevistada no se concretizou nos bancos das

    instituies formais de ensino, possuindo o que se convenciona chamar de baixa

    escolaridade, o que julgamos relevante para a conversa sem os parmetros da

    variante considerada pelas gramticas normativas, seria mais fcil acessar a verten-

    te realmente praticada por grande parte da populao brasileira.

  • 8

    2 Parecer Normativo

    2.1. Verbos, transitividade e intransitividade

    Mafalda, de QUINO (2003). Verbo esperar como exemplo de transitividade.

    Para Bechara (2009, p. 249), o verbo "unidade de significado categorial

    que se caracteriza por ser um molde pelo qual organiza o falar seu significado lexi-

    cal". Na estruturao de oraes, precisamente no ncleo do predicado, o verbo -

    que se liga a morfemas de modo, pessoa, nmero e tempo - acompanhado de

    complementao. A esse ncleo de predicado no qual se posiciona um verbo, Ro-

    cha (2011) atribui o nome de predicado verbal. necessrio, portanto, que "o verbo

    seja nocional" para que seja ncleo do predicado. (NETO & INFANTE, 2008, p. 354)

    O predicado de uma orao pode ser simples ou complexo, conforme o con-

    tedo lxico do verbo que lhe serve de ncleo. H verbos cujo contedo l-

    xico de grande extenso semntica; de modo que, se desejamos expres-

    sar determinada realidade, temos de delimitar essa extenso semntica

    mediante o auxlio de outros signos lxicos adequados realidade concreta.

    Estes outros signos lxicos que nos socorrem nessa delimitao da exten-

    so semntica do verbo, verdadeiros delimitadores semnticos verbais, se

    chamam argumentos ou complementos verbais. (BECHARA, 2009, p. 505).

    Os complementos se ligam aos verbos ditos transitivos os precisam de

    delimitao semntica (BECHARA, 2009), como o caso de precisar ou ver, por

    exemplo. Aos verbos cujo sentido lxico exprime completude, de forma a no de-

    mandar outros signos, atribuiu-se o nome de intransitivo, como trabalhar e acordar.

  • 9

    H, ainda, algumas situaes em que um verbo pode exercer funes de transitivos

    e intransitivos, como ocorre no exemplo abaixo.

    (BECHARA, 2009, p. 505)

    Sendo o verbo a palavra regente por excelncia, cumpre proceder sempre a

    verificao da natureza dos complementos por ele exigidos. O complemento

    forma com o verbo uma expresso semntica, de tal sorte que a sua su-

    presso torna o predicado incompreensvel, por omisso ou incompleto. Em

    funo do tipo de complemento que requerem para formar uma expresso

    semntica, assim se podem classificar os verbos:

    a) Intransitivos, que, encerrando em si a noo predicativa, dispensam

    quaisquer complementos.

    b) Transitivos diretos, que exigem a presena de um objeto direto.

    c) Transitivos indiretos, que pedem a presena de um objeto indireto

    , complemento este, alis, que o mais das vezes independe da regncia

    verbal.

    d) Transitivos relativos, que apresentam um complemento preposicional,

    chamado relativo.

    e) Transitivos circunstanciais, que requerem um complemento,

    preposicional ou no, chamado circunstancial.

    f) Bitransitivos, que tem concomitantemente um objeto direto e um indireto,

    ou um objeto direto e um complemento relativo. (ROCHA, 2011, p. 416)

    2.2. Objeto direto

    Cunha & Cintra (2001, p. 140) descrevem o objeto direto como um comple-

    mento ao verbo transitivo direto, ligando-se ao verbo sem preposio. Assim como o

    sujeito, "o objeto direto constitudo por expresso substantiva no marcada por um

    ndice funcional (a preposio, neste caso)" (BECHARA, 2009, p. 506), mas difere

    desse pela posio em relao ao verbo - vir direita, no esquerda - e por no

    influir em sua flexo. Para Rocha (2011, p. 299), "objeto direto complemento que,

    na voz ativa, representa o paciente da ao verbal", e se identifica por ser sujeito da

    voz passiva e corresponder s formas pronominais tonas o, a, os, as quando na

    terceira pessoa.

  • 10

    Rocha (2011) orienta a observar cautelosamente casos em que o sujeito es-

    t posposto, evitando uma eventual confuso em que se veja um objeto direto onde,

    na realizado, h um verbo intransitivo. Um dos exemplos do autor : "Apareceu, en-

    fim, o cortejo real". O autor tambm apresenta alguns mecanismos teis na identifi-

    cao de verbos para os quais sero necessrios objetos diretos, como abaixo.

    Exemplos de verbo transitivo e sua identificao. (ROCHA, 2011, p.294)

    A identificao deste tipo de complemento se faz, alm da no presena de

    preposio necessria, mediante as seguintes estratgias:

    a) a comutao do complemento direto pelos pronomes pessoais o, a, os,

    as, marcados formalmente com o gnero e o nmero do termo comutado.

    b) a passagem da orao na chamada voz ativa para a orao de voz pas-

    siva, mediante a qual o sujeito da ativa se transforma em agente da passiva

    introduzido pela preposio por (na combinao per), enquanto o comple-

    mento direto da ativa passa a sujeito da passiva.

    c) a substituio do complemento direto pelos pronomes interrogativos

    quem? [ que] (para pessoas) e [o] que [ que]? antes da sequncia sujeito

    + verbo, ou antes dos verbos fazer ou acontecer:

    d) finalmente, a transposio (topicalizao) do complemento direto para a

    esquerda do verbo, operao que permite a presena de um pronome pes-

    soal objetivo no local vizinho ao verbo onde deveria estar o complemento di-

    reto.

    Nenhuma dessas estratgias por si s operao infalvel na identificao

    do complemento direto; devemos, portanto, utilizar mais de uma estratgia,

    porque: a) nem todo predicado complexo de orao de voz ativa admite a

    passagem orao de voz passiva.

    b) por outro lado, certos predicados complexos delimitados por signo lxico

    no constitudo com complemento direto tambm admitem a transformao

    de orao de voz ativa em orao de voz passiva.

    c) no so naturais, embora gramaticalmente possveis, as perguntas com

    quem?, que? nas frases cujos predicados complexos contm verbos que

  • 11

    significam medida, peso, preo e tempo. (Adaptado. BECHARA, 2009, p.

    507-509)

    2.2.1. Objeto direto preposicionado

    H casos em que o objeto iniciado por uma preposio. A preposio

    quase sempre aparece para evidenciar o contraste. (BECHARA, 2009, p. 509-510).

    "A preposio empregada por necessidades expressivas ou por razes morfossin-

    tticas, mas nunca porque o verbo exige - se isso ocorresse, o verbo seria transitivo

    indireto". (NETO & INFANTE, 2008, p. 370). Os casos em que ocorre a preposio

    so:

    a) Pronome oblquo tnico caso apontado por Bechara como obrigatrio.

    b) Expresso ou manifestao de sentimentos em que se deseja encarecer.

    c) Evitar confuso de sentido ou fazer comparao.

    d) Expresso de reciprocidade.

    e) Com pronome relativo quem.

    f) Construes paralelas com pronomes oblquos tonos ou tnicos.

    g) Construes de objeto direto pleonstico.

    (Adaptado. BECHARA, 2009, p. 507-509)

    Rocha (2011) trata a questo do objeto direto preposicionado prescrevendo

    os casos em que so obrigatrios e antecipando aqueles nos quais no o so. Para

    os casos no obrigatrios, se tem aqueles em que os pronomes se referem a pes-

    soas, com nomes prprios ou comuns, com o pronome quem e com nomes antece-

    didos de partcula comparativa. Sobre o ltimo caso, o exemplo trazido pelo autor

    inclui: (1) o que h poucos meses a teus ps e de joelhos, este pobre velho, que

    te ama como a filho, te pediu em nome de Deus: perdo! perdo! (ALEXANDRE

    HERCULANO)" e (2) (...) e ns habituamo-nos a t-la em conta de segunda me:

    tambm ela nos amava como filhos. (ALEXANDRE HERCULANO).

    Ainda so casos no obrigatrios aqueles em que o objeto direto precede o

    verbo e quando a preposio tem carter partitivo ou em construes idiomticas -

  • 12

    chamadas por Jakobson (2007) de funo potica da linguagem. Para os casos em

    que a presena de preposio tida como obrigatria, Rocha (2011) prescreve:

    Ordinariamente no o objeto direto precedido de preposio; todavia, ca-

    sos h em que ela figura em carter facultativo, e outros, at, em que a sua

    presena se faz de rigor. O complemento chamar-se-, ento, objeto direto

    preposicional. OBRIGATRIO, na linguagem moderna, o emprego da

    preposio: 1) Com as formas tnicas dos pronomes pessoais: Quem sabe

    se o destino marcara justamente a ela como a eleita? (Monteiro Lobato).

    2) Com o pronome quem, de antecedente expresso: (...) perdi meu pai um

    senhor a quem muito amava... (Rodrigues Lobo)

    3) Com o nome Deus: S h uma coisa necessria: possuir a Deus. (Rui

    BARBOSA)

    4) Quando se coordenam pronome tono e substantivo: Foi a comadre do

    Rubio, que o agasalhou e mais ao cachorro, vendo-os passar defronte da

    porta. (MACHADO DE ASSIS)

    5) Quando um verbo transitivo direto se usa impessoalmente, acompanhado

    da partcula se: Aos pais ama-se com fervor. (ROCHA LIMA, 2011, p. 301)

    2.2.2 Objeto direto interno

    Rocha (2011, p. 306) traz o conceito de objeto direto interno, no qual verbos

    que so intransitivos podem carregar complemento representando por substantivo

    do mesmo radical, contando que este venha acompanhado de adjunto.

    morrer morte gloriosa

    danar danas malditas

    sonhar sonhos ruins

    morreras morte vil da mo de um forte.

    - Gonalves Dias. Exemplo trazido por ROCHA (2011, p. 306).

    H casos de objeto direto interno tambm em circunstncias nas quais as

    palavras no so radicais dos verbos, mas pertencem ao mesmo grupo de ideias. O

    exemplo trazido por Rocha : Dormir um sono tranquilo.

  • 13

    2.2.3. Objeto direto pleonstico

    Ocorre objeto direto pleonstico quando se faz a repetio do objeto direto

    quer seja por uma questo enftica ou estilstica. Em sua constituio h pronome

    pessoal tono, com e sem forma pronominal tnica preposicionada.

    (Cunha & Cintra, 2001, p. 143)

    2.3. Complemento relativo

    Para Bechara (2009), "o predicado complexo tambm pode conter verbo cu-

    jo contedo lxico de grande extenso semntica, que exige outro tipo de signo

    lxico que delimite e especifique a experincia comunicada", no entanto "a diferena

    que neste segundo caso o determinante do predicado complexo vem introduzido

    por preposio". O autor chama tal complemento de relativo.

    No decurso do tempo e nas variedades lingusticas (diatpicas, diastrticas

    e diafsicas) muito documentada essa mudana entre o complemento di-

    reto e o complemento relativo; assim, j se usaram como complemento rela-

    tivo (o que hoje se fixou como complemento direto) os verbos socorrer, con-

    tentar e muitos outros.

    O signo lxico que representa o complemento relativo comutvel pelos

    pronomes pessoais tnicos ele, ela, eles, elas, introduzidos pela respectiva

  • 14

    preposio, marcando o gnero e o nmero da expresso substantiva co-

    mutada.

    Porque delimitam a extenso semntica do signo lxico do predicado com-

    plexo, incluem-se como complemento relativo os argumentos dos verbos di-

    tos locativos, situativos e direcionais, o que permite sua comutao com ad-

    vrbios de equivalncia semntica. (BECHARA, 2009, p. 512).

    Para Rocha (2011, p. 311), o complemento relativo ligado ao verbo por uma

    preposio determinada (a, com, de, em, etc.), integra, com o valor de objeto direto,

    a predicao de um verbo de significao relativa..

    Distingue-se nitidamente do objeto indireto pelas seguintes circunstancias:

    a) No representa a pessoa ou coisa a que se destina a ao, ou em cujo

    proveito ou prejuzo ela se realiza. Antes denota, como o objeto direto, o ser

    sobre o qual recai a ao. b) No corresponde, na 3 pessoa, as formas

    pronominais tonas lhe, lhes, mas as formas tnicas ele, ela, eles, elas,

    precedidas de preposio. (ROCHA, 2011, p. 311).

    2.4. Objeto indireto

    Objeto indireto o complemento de um verbo transitivo indireto, ligando-se

    ao verbo por meio de preposio.

    a) introduzido apenas pela preposio a (raramente para);

    b) o signo lxico denota um ser animado ou concebido como tal;

    c) expressa o significado gramatical beneficirio, destinatrio;

    d) comutvel pelo pronome pessoal objetivo lhe / lhes, que leva a marca

    de nmero do signo lxico referido, mas no a de gnero, como ocorre no

    caso dos pronomes pessoais que comutam o signo lxico correspondente

    ao complemento direto (o, a, os, as) ou ao complemento relativo (prep. + e-

    le, ela, eles, elas).

    (...)

    Assim, o complemento indireto um termo que se distancia mais da delimi-

    tao semntica do predicado complexo e parece melhor um elemento adi-

    cional da inteno comunicativa que fica, no esquema sinttico, a meio ca-

    minho entre os verdadeiros complementos verbais e os adjuntos circunstan-

    ciais. (BECHARA, 2009, p. 513).

  • 15

    Em situaes que se distanciem de uma evidente elipse, o objeto direto no

    pode ser omitido na frase. O objeto indireto, no obstante, pode ser retirado da ora-

    o, de acordo com Bechara (2009, p. 514).

    O objeto indireto pode figurar em qualquer tipo de predicado (verbal, nomi-

    nal, verbo-nominal), perfilando-se, at, ao lado de verbos intransitivos e de

    verbos na voz passiva. Situa-se, portanto, menos como um complemento do

    verbo (de cujo regime, na maioria das vezes, independe) do que como um

    complemento da orao , da qual e, alis, facilmente dispensvel em mui-

    tas situaes. Morfologicamente, caracteriza-se por vir encabeado pela

    preposio a (as vezes, para) e corresponder, na terceira pessoa, s formas

    pronominais tonas lhe, lhes. Sintaticamente, desaceita salvo excees

    rarssimas passagem para a possvel, evidentemente, apresentar-se sob

    a forma de orao subordinada. (ROCHA, 2011, p. 307).

    Rocha (2011, p. 310), elenca o que chama de casos incontroversos de ob-

    jeto indireto. Os casos so: (1) complementa verbos acompanhados de objeto dire-

    to, representando o elemento onde termina a ao. (2) acompanha certos conglome-

    rados constitudos de verbo + objeto direto, dos quais depende o indireto. (3) figura

    num tipo especial de construo, na qual os verbos fazer, deixar, mandar, ouvir e ver

    se combinam a infinitivo acompanhado de objeto direto, ou a verbo de ligao se-

    guido de predicativo. (4) liga-se a verbos intransitivos unipessoais, designando a

    pessoa em quem se manifesta a ao. (5) une-se a alguns verbos pessoais (de re-

    gncias variadas), quando empregados em determinado sentido.

    Ainda outros h cuja regncia tem variado atravs dos sculos, como obe-

    decer, resistir e agradar, que hoje s se empregam com objeto indireto, mas

    possuam dupla sintaxe (obedecer-lhe e obedec-lo, resistir-lhe e resisti-lo,

    agradar-lhe e agrad-lo) na linguagem dos sculos XVI e XVII. (ROCHA,

    2011, p. 310).

    2.4.1. Objeto indireto pleonstico

    Cunha & Cintra (2001, p. 145) definem objeto indireto pleonstico como a-

    quele em que h uma finalidade de realar o objeto indireto por meio da repetio.

    Para os autores, uma das formas obrigatoriamente um pronome pessoal tono. A

  • 16

    outra pode ser um substantivo ou um pronome oblquo tnico antecedido de prepo-

    sio..

    Exemplos de objeto indireto pleonstico.

    (CUNHA & CINTRA, 2001, p. 145)

    2.4.2. Dativos livres

    Os dativos livres muitos oriundos de remanescncias de perodo da sinta-

    xe latina podem aparecer como objeto indireto, mas no esto de fato ligados ao

    predicado. Seus tipos so os abaixo mencionados a partir da obra de Bechara.

    a) dativo de interesse (dativus commodi et incommodi) aquele median-

    te o qual se indica de maneira secundria a quem aproveita ou prejudi-

    ca a ao verbal:

    Ele s trabalha para os seus.

    Ele ligou-me amavelmente a luz [MV.2, 123].

    b) dativo tico uma variedade do anterior, muito comum da linguagem

    da conversao, e representa aquele pelo qual o falante tenta captar a

    benevolncia do seu interlocutor na execuo de um desejo:

    No me reprovem estas ideias!

    No me mexam nos papis!

    Ele sempre te saiu um grande mentiroso.

    No me enviem cartes a essas pessoas.

    Repare-se que, neste ltimo exemplo, o verbo se acompanha de com-

    plemento direto (cartes) e indireto (a essas pessoas), enquanto o pro-

    nome me, fora da esfera da transitividade verbal, denuncia o meu inte-

    resse de que a tais pessoas no sejam enviados cartes.

    c) dativo de posse exprimem o possuidor:

  • 17

    O mdico tomou o pulso ao doente (tomou-lhe o pulso).

    Doem-me as costas.

    O vaso partiu-se-me [MV].

    d) dativo de opinio exprime a opinio de uma pessoa.

    Para ele a vida deve ser intensamente vivida.

    Para ns ela a culpada. (BECHARA, 2009, p. 514).

    2.5. Objeto nulo

    De acordo com Ivanete Mileski (2014, p. 222), "o fenmeno do objeto nulo

    apontado como um dos traos que distingue o PB (portugus brasileiro) das demais

    lnguas romnicas". Implica em no repetio de um termo anteriormente citado na

    orao, como ocorre no exemplo: voc conhece The Smiths? Estou ouvindo ______

    agora.

    A perda do sistema de clticos de 3 pessoa (com funo de objeto direto), a-

    inda em processo, um desenvolvimento surpreendente no portugus brasi-

    leiro (PB) atual e no tem paralelo em outras lnguas romnicas (Roberts,

    1996). Esses clticos so substitudos de vrias formas: por um pronome ple-

    no (tnico), por um SN repetido ou, mais interessante do ponto de vista das

    questes tericas, por uma categoria vazia. (OLIVEIRA, 2007, p. 2)

    CYRINO (1997) traz um quadro demonstrativo sobre a ocorrncia de posi-

    es nulas e preenchidas para objeto ao longo da histria. De acordo com a tabela,

    abaixo exibida, possvel observar que h uma predominncia das posies nulas

    em detrimento das preenchidas no perodo adotado como referncia. A teoria gerati-

    va, na qual se baseiam (CYRINO & REICH, p. 23), prev que a mudana ocorre

    quando h fenmenos da gramtica que licenciam a ocorrncia de novas formas,

    de forma que uma mudana fonolgica teria culminado no uso de objeto nulo a partir

    da queda dos clticos elemento gramatical fonologicamente dependente de outro

    que apresenta comportamento oscilatrio entre palavras e afixos, so pronomes

    pessoais tonos, como me, se, nos, o, a.

  • 18

    Distribuio de posies nulas vs. preenchidas. (CYRINO, 1997)

    2.6. Predicativo do Objeto

    O linguista russo Roman Jakobson (2007, p. 106), ao se debruar sobre

    questes que considera essenciais linguagem, nota um carter universal em al-

    guns dos aspectos relacionados ordem em que os elementos significativos so

    estruturados nas oraes.

    Se quase sempre, de acordo com os dados reunidos por Greenberg, a ni-

    ca ordem ou pelo menos a ordem fundamental predominante nas fra-

    ses enunciativas que comportem um sujeito e um objeto nominais, uma

    ordem na qual o sujeito precede o objeto, evidente que tal procedimento

    gramatical reflete a hierarquia dos conceitos gramaticais. O sujeito a quem a

    ao atribuda pelo predicado (predicated) , segundo os termos de Ed-

    ward Sapir, "concebido como o ponto de partida, o agente da ao" por o-

    posio ao "ponto final, o "objeto" da ao". o sujeito, nico termo inde-

    pendente da orao, que pe em evidncia aquilo a que se aplica a mensa-

    gem. Qualquer que seja, com efeito, a posio do agente, ele necessari-

    amente promovido dignidade de heri da mensagem logo que assume o

    papel de sujeito dela. "O subordinado ouve seu superior". No obstante a

    hierarquia das posies, a ateno primeiramente centralizada no subor-

    dinado como agente, depois volta-se para aquele que sofre sua ao, vale

    dizer, o superior a quem se dirige a obedincia. Se, ao contrrio, o predica-

    do sublinha uma ao no efetuada, mas recebida, o paciente que assu-

    me o papel de sujeito. "O superior ouvido por seu subordinado." O carter

    no omissvel do sujeito e o carter facultativo do complemento sublinham a

    hierarquia em discusso: "O subordinado ouve; o superior ouvido." Como

    o colocaram em evidncia sculos de minuciosa investigao gramatical e

    lgica, a predicao um ato semntico de tal modo diferente de todos os

    outros que se faz mister rejeitar o raciocnio forado que tende a pr no

    mesmo plano o sujeito e objeto. (JAKOBSON, Roman, 2007, p. 106)

  • 19

    Cunha & Cintra (2001, p. 146), tratando do predicativo do objeto, expem

    que tanto o objeto direto como o indireto podem ser modificados por predicativo. O

    predicativo do objeto aparece no predicado verbo-nominal, expressando-se por meio

    de substantivo ou adjetivo.

    Exemplos de predicativo do objeto. (CUNHA & CINTRA, 2001, p. 146)

    Um grupo reduzido de verbos integra o predicado complexo acompanhado

    de outro tipo de argumento verbal conhecido pelo nome de complemento

    predicativo ou to somente predicativo. Estes verbos se caracterizam por

    uma referncia to vaga realidade comunicada, que fazem do predicativo

    um argumento, pelo aspecto semntico, muito mais intrinsecamente rela-

    cionado com o verbo do que os demais integrantes do predicado complexo

    (os complementos direto, relativo e indireto) e portador de referncia a tra-

    os essenciais do sujeito. Esta pequena lista de verbos inclui ser, estar, fi-

    car, permanecer, parecer e poucos outros, que aparecem matizados se-

    manticamente pelo signo lxico que funciona como predicativo:

    O trabalho proveitoso.

    Janete minha irm.

    As alegrias eram passageiras.

    O cu est azulado.

    Os argumentos permaneceram incompletos.

    A situao parecia resolvida.

    Esses livros no so seus.

    Se atentarmos para o aspecto formal, tirante o fenmeno da concordncia

    do predicativo com o sujeito, verificaremos que h pontos de contato entre

    este predicativo e o complemento direto: a) ambos matizam a extenso se-

  • 20

    mntica do verbo, funcionando como seu delimitante; b) aparecem normal e

    imediatamente (sem preposio) direita do verbo; c) so comutados por

    pronome tono, ainda que de maneira diferente, quando o verbo ser, es-

    tar, ficar, parecer; d) e, finalmente, porque muitas das construes oracio-

    nais com predicativo so equivalentes na designao, isto , na referncia

    realidade comunicada, so equivalentes a oraes com verbos que expri-

    mem ao e processo, especialmente se o verbo est no presente: Pedro

    cantor / Pedro canta; O colega est irritado/ O colega irrita-se. (BECHARA,

    2009, p. 518).

    Os meios de distino entre o predicativo e os outros argumentos verbais

    a concordncia em o sujeito da orao, que ocorre por gnero e nmero, bem como

    a possibilidade de se comutar o predicativo pelo pronome o, independente do gne-

    ro e nmero do ncleo do predicativo. Alm disso, diferente do que ocorre com o

    objeto direto, nesses casos no h possibilidade de se construir a orao na voz

    passiva.

    2.7. Agente da Passiva

    Para Cunha & Cintra (2001, p. 147), agente da passiva "o complemento

    que, na voz passiva com auxiliar, designa o ser que pratica a ao sofrida ou recebi-

    da pelo sujeito." complemento verbal representado por substantivo ou palavra

    substantivada, pronome, numeral ou orao substantiva. O agente da passiva um

    complemento verbal usualmente introduzido pela preposio por (ou per) e, algumas

    vezes, por de. a voz "exclusiva dos verbos transitivos diretos e transitivos diretos e

    indiretos: somente em casos excepcionais se forma a voz passiva de verbos com

    outra transitividade." (NETO & INFANTE, 2008, p. 376).

    o complemento que, na voz passiva com auxiliar (tambm chamada voz

    passiva analtica), representa o ser que praticou a ao verbal. Exemplo:

    Nossa casa foi construda por este engenheiro.. Sendo este complemento

    o verdadeiro agente, ou seja, aquele que exerce a ao, podemos transfor-

    mar a construo passiva em ativa, e, neste caso, ele figurar como sujeito:

    Este engenheiro construiu nossa casa.. O agente pode declinar de impor-

    tncia a ponto de ser omitido: Nossa casa foi construda h muitos anos..

    (Por quem? No sei, ou no interessa dizer.) Introduz-se o agente da passi-

    va pela preposio por e, s vezes, de: Os cartagineses foram vencidos

    pelos romanos.. Nosso chefe era muito estimado de superiores e subalter-

  • 21

    nos.. O quarto foi invadido de gente, reprteres, fotgrafos. (Fernando

    Sabino) (ROCHA, 2011, p. 313)

    3 Transcrio e Anlise

    3.1. Transcrio da Entrevista com Falante Nativo

    ((incio da gravao))

    ento... quando a gente morava no stio... eu e minha irm e... mi...mi-nha me... a

    gente sempre... h::... acordava cedo pra varrer os terreiro... a... a mi... a minha irm

    ficava brigando comigo vamos vamos vamos... eu que apanhava o lixo e ela varria

    com a minha me... e eu sempre queria dar uma escapadinha pra ir num cajueiro

    que tinha l... -- dum senhor l de idade... mas o senhor era to ruim menino... no

    deixava NINGUM pegar... -- ento toda vez que a gente ia varrer esse terreiro eu

    dava essa escapuladinha pra ir tirar esse caju... e minha irm oh me ela j vai... e

    num vai... ah... apanhar o lixo... chame ela.... e eu eu vou primeiro pegar o caju...

    a tomara que voc caia de l... e foi justamente... eu ca... me cortei... vinha cho-

    rando com a perna to-da rasgada... e a disse (disse que) voc no fosse... sua cha-

    ta... uhn/lugar de apanhar o lixo... de ajudar eu e minha me... vai roubar caju do

    senhor.... e o vio era mais cego... mas era to ruim que me desejou tambm...

    quem t a? quem essa peste que t a? tomara que casse... e eu ca mesmo...

    foi uma que-da que at hoje eu tenho uma cicatriz na minha perna... -- e outra vez

    (....)

    B. ehn::.. a... a... depois que voc caiu... a quem te socorreu?

    A. e::u fiquei pendurada AT::... o arame... sabe aqueles arames de (roseta)?... en-

    trou assim na minha perna e eu pendura::da no arame... at/ele ultrapassar a minha

    coxa... e eu ca no cho... fiquei pendurada... porque cortei assim... abri assim as

    carnes... e eu sa chorando... empurrando essa... puxando essa perna... disse meni-

    no socorro... e a minha irm NO DISSE QUE VOC NO FOSSE? NO DISSE

    OC NO FOSSE? bem feito... ( ) ... e eu chorando... e eu chorando... to-da san-

    grada... falei precisa at pontear minha perna

    B. a fo... (...)

  • 22

    A. ( ) at uma cicatriz...

    B. a... foi pro hospital ou l no stio mesmo?

    A. n::o... foi l mesmo... minha me ah... esse pessoal de antigamente, n?... a

    gente no tinha essas coisas muito de::... de::.. hospi... de ih a hospital... de coisa

    no... passou l... lavou... passou l... uma pomada... l... e eu fiquei l com a per-

    na... chorando... e tambm nem... nem... fui mais... ah... apanhar lixo... ((d risa-

    da))... nem mais... nem mais a minha irm e nem mais ela... fiquei l... s chorando...

    minha irm voc::.. voc s inventou isso que era pra nu... num fazer as coisas...

    que voc preguiosa... voc num quer ajudar...

    B. a depois desse dia... voltou a roubar l no p de caju? ((d risada))

    A. ((d risada)) sempre... o velho era to ruim.. to ruim... que to-do mun-do rouba-

    va... ele no tinha CORAGEM de dar... um caju PRA NINGUM... a gente tinha mais

    era que roubar mesmo... ele era cego... parece... ele era cego... mas parece que ele

    sentia sabe?... quando tinha gente l em cima roubando o caju... dele... e outra

    vez... foi meu irmo -- eu era da::nada... eu era sapeca... parecia um homem... -- a

    meu irmo... falou assim segura (aqui) esse jumento... Ednilda... a eu fui... e... fui

    segurar o jumento... no lugar dele me d a corda comprida... no... peguei a corda...

    (coloquei assim)... quando ele apertou... a cela -- que um cinto, n? -- uma cela...

    que apertou a cela... o jumento p na minha coxa... agarrou minha coxa... e eu fi-

    quei pendurada nessa... nesse... nessa::... co... co... na boca do jumento... que at

    hoje tambm... sou cheia de cicatriz... -- eu era uma menina... uma peste... no tinha

    medo de nada... ia pro rio::... pulava da pedra... mergulhava l... nadava... era igual

    um homem... enfrentava tudo... colocava gua em jumento... o jumento uma vez me

    derrubou... ((d risada))... foi passar atrs de/um... de/um... de um cajueiro, sabe?...

    a tinha um enxame de abelha... e ele s queria passar por l... nesse dia as abelhas

    tava tu-do saindo do... do... coisa l, n?... voando... e eu no vi... menino... o ju-

    mento s foi... tchum... passou por trs... o ju... as abelhas pegaram esse jumento...

    minha filha... esse jumento desembestou comigo... saiu correndo, n?... correndo

    correndo... caiu barrica... caiu ehn::... cela do jumento... eu ca... eu cho... cheguei

    em casa assim... chorando... o jumento derrubou tu-do... ca... ((d risada))... caiu to-

  • 23

    da/gua... a foi que minha me foi... arrumar de novo os baril/e eu fui de novo bus-

    car gua no jumento...

    B. a vocs pegava gua no rio?

    A. no rio... (...)

    B. no rio?

    A. sim... -- outra vez... to-do domingo nis ia pra... pra... pra feira mais a minha

    me... eu e minha irm... a fomo... de tarde... nis vinha ta::rde... na boca da noite...

    umas cinco e meia... seis horas... quando sol ia se pondo... e o rio... a gente passa-

    va o rio... tem umas pedra... l (giro) bem grande assim... a gente passava... se

    trocava l... vestia a roupa e tudo... a antes da gente chegar nesse rio... nessas pe-

    dra... minha me caiu uma queda... no lugar deu ir ajudar a minha me... ((ri breve-

    mente))... mais a minha irm... a levantar... eu sentei e fui comer po ((d risada))...

    e minha irm chorando... venha me aju-dar... voc no lugar de t/ajudando minha

    me... ta comendo po... e eu deixei ela l... ela mais minha me... ela levantando

    minha me so-zi-nha... e eu comendo po... sentada no lajeiro... no tava nem a::...

    parecia que num tinha acontecido nada... que minha me num tinha cado... que mi-

    nha irm tava chorando pra levantar ela... fui... fui... fui comer foi po... fiquei senta-

    da l comendo po... e ela me chamando vem... vem... ajuda aqui... nunca vi uma

    menina to nojenta dessa... no lugar de... de... ajudar a me t comendo po

    B. fala da geladeira que vocs ( )

    A. sim... -- a mais uma... quando a gente era pequeno tambm... outra... a gente era

    muito travesso... eu e minha irm... eu era mais... minha irm s ia chorar...

    B. a vocs eram quantos filhos?

    A. onze (...)

    B. onze filhos...

    A. isso... eu era a mais nova... a caula... mas eu era muito danada... minha irm...

    minha outra irm... que qual... minha::... -- a gente tem praticamente a mesma ida-

  • 24

    de -- s fazia chorar... e eu no... eu era danada... sapeca mesmo... a... l no exis-

    tia luz... energia... -- a primeira pessoa que colocou l foi minha me ... nossa... esse

    dia... foi o dia mais feliz da noss... e quando ela comprou a geladeira?... Meu Deus...

    nis passamos a noite to::dinha comendo gelo... h... eu e minha irm adoecendo da

    garganta... passamos ((d risada)) UMA SEMANA sem nem abrir a boca de tanto

    comer gelo... era coisa... olha... pra gente era a maior novidade... incrvel aquela

    ge... aquel ge... aquele gelo... comia que chega a estralar no dente... parecia jumen-

    to comendo milho... eu e ela...

    B. a era os/hom... tinha homens e a mulheres, n? (...)

    A. era seis... (...)

    B. os filho... (...)

    A. mulheres e cinco homens...

    B. ahn

    A. a gente morava todo mundo l (...)

    B. a foi... (...)

    A. no stio (...)

    B. foi o primeiro casamento da sua me?

    A. foi... n::.. no... minha me casou... s que meu pai j tinha casado el... quando

    ela casou com ele... ele j era vivo... a tinha cinco filho... da primeira mulher... mi-

    nha me criou esses filhos... da primeira mulher... ainda criou mais uma/senhora que

    morava com ele tambm... criou todo mundo... minha me era uma guerreira... --

    outra vez... c v como eu era mu... mui-to danada... tinha... acho que eu tinha uns

    sete anos... na poca que meu pai tava muito doente com minha me l no hospi-

    tal... e tinha uma vaquejada na cidade prxima... -- a minha me tinha deixado a

    n... todos nis, n?... todos:: filhos... co... cu/ma cunhada da gente... que ia casar

    co.. que j era casada co/meu irmo... o do meio... -- a tinha essa vaquejada... e sei

    que todo mundo queria ih... todo mundo queria ih... e el/disse ah... poi/ento va-

  • 25

    mos... a gente vamos... a gente vamos... -- sei que j era tambm bem umas cinco

    horas da tarde assim... o sol se pondo... -- a a gente fomo... a esse... nesse... nes-

    se tempo o rio tava::... cheio... tomando gua... -- e eu era muito danada... danada...

    tudo que dissesse assim... i... faa assim... eu no fazia... eu ia procurar outra

    forma... era do jeito que eu pensasse... -- a ela passou... ela... ela... el/era muito...

    muito da... muito disposta tambm... nadava muito... tambm... a foi ela disse i...

    vou deixar vocs no meio do rio e vocs... -- a... quando a gente ficava no meio do

    rio... a... at chegar l na... na... pedra... era gua de... na canela, sabe?... dava

    pra... -- e ela disse/i... ceis vo em frente... no desvie -- porque quando tinh...

    um... tinha/um desvio... era um poo muito fundo... chamado at de poo fundo l...

    no rio -- vo direto... voc e sua irm... no saiam... vo reto... mas quem disse que

    eu fui reto? eu... de to teimosa e danada que eu era... eu s fui e virei de lado...

    esquerda... no... no deu duas... quando eu virei esquerda era o poo fundo...

    quando minha irm viu eu subindo e descendo... subindo e descendo... morrendo

    afogada... ela vai e cai tambm... pra me so... pra me socorrer no porque ela me

    viu morrendo... que ela tambm ia dar qua... quas/exatamente da minha idade... foi

    pra... ficar nis duas... ficamos ns duas l... morrendo uma agarrada com a outra...

    a veio mais meus dois irmo... os mai... mais... depois da gente -- que a gente era

    mais nova... eu e ela -- a veio os dois... viu a mesma coisa, n?... a foi os dois...

    ficamos qua-tro... todo mundo... todo mundo morrendo afogado... um agarrado com

    o outro... quando ela viu... essa cunhada da gente... foi que levou a gente pra essa

    vaquejada... pra essa festa... a veio chegando um homem... a pediu SOCORRO...

    me ajude... faa com que eu tire as menina... to tudo morrendo afogado... Eu j

    tava com a barriga... h... cheia dgua... se demorasse mais um segundo eu morria

    ali... j tava at preta... o bucho cheio de gua... de tanto tom/gua... eu fui a primei-

    ra a cair... a eu socorro... socorro... me acuda -- mas eu era muito danada -- ela s

    foi... pego assim pela minha bunda... me jogou assim... pra frente... a o pescador... -

    - era um pescador -- me pegou... a foi tirando... cada uma tirando uma... mas eu

    no falei que vocs no deveriam vir pr/aqui... que o poo era fundo... a quando

    foi me bitolar na... na... pedra... eu be::m molinha... o bucho cheio de gua... ela co-

    meou a coisar minha barriga, n?... a fazer... (coisinha)... colocando... eu vomitan-

    do gua pela boca... e eu... morreram quatro nesse dia... meu pai... morreu... j

    tem... mais de... quase trinta anos que meu pai morreu... ele nunca soube disso...

  • 26

    que a gente ia morrendo todos quatro nesse mesmo dia que ele tava internado...

    com a minha me l... na cidade... I todo mundo mesmo... quatro pessoas... afoga-

    do... -- bom... ento... eu tenho um irmo... o ( ), n?... que ele tambm era danado...

    quando minha me ia comprar... ia na rua comprar... Havaiana pros meus irmo...

    pra ih pra escola... pros mais velhos que ia pra escola... a TINHA que esconder dele

    as Havaiana... porque se ele pegasse as Havaiana... ele roa tu-di-nho com o den-

    te... no deixava uma... tudo roda... e os menino ia pra escola com/essas Havaiana

    tudo roda... a os pe... os amigo olhava pros p deles e dizia assim... que que

    isso na/suas Havaiana?... a eles dizia... um louro... um periquito que tem l em

    casa... mas n/era no... era meu irmo ( )... no deixava uma Havaiana... a no s

    todas roda... meus irmo ia tudo com/as Havaiana roda pra escola... era uma gra-

    a... ele dizia todos os colega dele ficava... olha as Havaiana desses menino... mas

    o que que ser?... a perguntava... mas no era no... no era o louro no... era

    meu irmo... roa tudinho... e minha me tinha que esconder dele... seno ele aca-

    bava com todas/as Havaiana... -- oh... o pessoal de.. de... antigamente tinha essas

    coisas de... de... falar que tudo que ia fazer no dava certo... que procurar:: esprito

    pra... saber porque que t acontecendo... aquele problema l... no stio e tudo... en-

    to... tudo o que minha me ia fazer assim... no stio da... no dava certo... at uma

    vez ela foi... ela foi tirar uma rao pra umas/ovelha... caiu uma queda... quebrou o

    brao -- logo quando ela ficou viva n?... que o pai da gente faleceu... ela era tudo

    l... era o... a me e o pai pra gente... que a gente tambm ficamos tudo pi... tudo

    pequeno n? -- a ela disse meu Deus... no sei o que acontece... tudo o que eu

    vou fazer... tudo o que eu vou inventar... nada d certo... tudo difcil... a diz que

    tinha assim um... falaram pra ela que tinha assim um... um esprito... l numa cidade

    -- Catol do Rocha que chama -- Mariquinha... procure esse homem que ele vai fala

    que que t acontecendo que depois que seu marido morreu tem... tem esses pro-

    blema... a minha me -- as pessoas de antigamente... n... gosta muito de... de...

    ouvir umas s outra... n? -- fala mesmo n... vou procurar... a foi... foi procu-

    rar... nesse mesmo dia ele tava na cidade l... vizinho na nossa ca... no nosso s...

    no nosso stio... a minha me mesmo... vou saber o que que t acontecendo... a

    esse esprito menino aparece l COM UMA VOZ... uma pessoa mas uma voz de...

    de esprito l... falou assim olhe... a senhora vai ter que... que levar sal gua e ben-

    zer a casa da senhora to-di-nha... rezar fazer orao... porque tem mesmo trs esp-

  • 27

    rito l ao redor da sua casa... no seu stio l... ento... a senhora vai fazer toda sex-

    ta-feira essa orao aqui e vai jogar gua e sal ao redor da casa da senhora... e fa-

    zer essa orao... a deu uma orao pra minha me... que tem trs esprito mes-

    mo l... e minha me saiu crente que existia mesmo esses trs esprito... quando

    chegou l... a foi fala pra gente... pra todo mundo l reunido l na hora n... na hora

    do jantar... todo mundo junto l jantando... ela foi comentar olha... eu fui hoje l... na

    ci... na cidade l... conversei com um esprito l e ele me disse que tinha esses trs

    espritos... me deu essa orao... me deu esse sal e essa gua... -- a eu tenho um

    irmo que muito sapeca... Z Maria... a falou ma-me ((d risada))... a senhora

    muito tola... a senhora quer maior que trs espritos que tem ao redor da senhora...

    que sou eu... Manuel e Bastos?... os trs espritos que mora junto aqui co/a senho-

    ra... a todo mundo riu... porque... realmente... se fosse pra analisar... seria eles trs

    l mesmo que tava ao redor da casa mesmo... morando todo mundo l...

    B. a eles trs eram muito traquinas... (...)

    A. muito danado (...)

    B. os trs

    A. esse Z Maria menino... tinha coisa que era demais... era muito sapeca... muito

    brincalho... me... no precisa rezar nem orar... e nem jogar gua e nem sal... por-

    que os trs espritos somos ns... a senhora nunca vai se libertar co/a gente ((d

    risada))... -- ento... outra histria tambm legal... que eu tenho um irmo ( )... o mais

    velho... sempre ele... sempre o pessoal convidava ele pra fazer... pea sabe?... ele

    sempre... tocava em banda e... sempre ele foi convidado na escola dele pra fazer

    ess::... esses tipo de coisa... a nesse dia era dia de Tiradentes... a ai vamos cha-

    mar Sev... Severino o nome dele... vamos chamar Severino pra... pra faze a pea

    como Tiradentes... a ele foi... ele tambm adorava... ele... participava de sete de

    setembro... tocava na banda... tudo ele fazia... ele era muito... gostava muito desse

    tipo de coisa... ai vamos vamos... a fizeram o palco l... esse dia... dia de Tiraden-

    tes... e amarraram essa corda l... e ele foi fazer essa pea de Tiradentes... S que

    quando comearam a falar:: que:: pra puxar o... o... n n... a puxaram n errado...

    o lado de pux... o lado que... que pra... que pra ele faze a pea... puxaram o n

  • 28

    errado... e menina... todo mundo achando lindo aquilo... ele fazendo a pea... mas o

    que... ele tava era morrendo

    B. achavam que era parte da pea

    A. que era parte da pea... nossa... todo mundo aplaudindo... que bonito... que boni-

    to... sei que achando que ele tava... fazendo o mximo... mas o meu outro irmo...

    Geraldo... que viu... quando ele j tava quase morrendo com uma lngua toda de fo-

    ra... no... para... para... para... para que ele t morrendo... puxaram me... meu

    irmo ia morrendo nesse dia... se o... se o meu outro irmo Geraldo no tivesse vis-

    to... ele hoje no era vivo... ele tinha morrido porque... todo mundo achando que ele

    tava fazendo a pea certo... s que puxaram a corda errada... -- ento... eu gosto de

    t falando do meu... do passado... que umas coisas que a gente relembra... a gen-

    te quando era criana... era extrovertido... todo mundo tinha o que falar n... partici-

    par... mas agora tudo mudou n... tudo mudou... casaram... ehn... outros mora em

    Joo Pessoa... eu moro aqui em So Paulo... outro mora em Campina... e todo

    mundo foi se de... se separando... todo mundo... cada um procurando seu caminho...

    a sua vida... muito bom falar da juventude... de quando a gente era criana...

    muito gostoso... sempre gosto de relembrar meu passado... de como eu fui feliz na-

    quela poca

    3.2. Apresentao dos Dados Coletados

    3.2.1. Verbo intransitivo e suas complementaes

    A fala da entrevista se inicia com a complementao do verbo atravs de um adjunto

    adverbial de lugar. Quando a gente morava no stio um exemplo no qual no

    obstante o carter intransitivo do verbo morar, a complementao no stio confere

    completude de sentido. O mesmo verbo aparece com esse mesmo tipo de comple-

    mentao em morando todo mundo l. Em acordava cedo ocorre fenmeno se-

    melhante: acordar verbo intransitivo, porm a complementao com o adjunto ad-

    verbial cedo confere valor semntico para a finalidade do processo acordava ce-

    do para varrer o terreiro, em que tambm impera o verbo intransitivo.

  • 29

    Morrendo com uma lngua toda de fora uma frase que exibe o verbo in-

    transitivo sendo complementado com mensagem que expe a forma como a morte

    no caso do contexto de fala, a possibilidade de morte acontecia. Outro exemplo

    em que h complementao para morte : Quando a minha irm viu morrendo

    afogada, ela vai e cai tambm (...) Ficamos ns duas l, morrendo uma agarrada

    com a outra (...) Todo mundo morrendo afogado (...) Eu vomitando gua pela boca.

    Vomitar, que tambm no exige complemento a princpio, vem acompanhado de

    gua pela boca com a finalidade clara de intensificar a circunstncia do afogamen-

    to relatado.

    Outros mora em Joo Pessoa. Eu moro aqui em So Paulo, outro mora

    em Campina tambm so complementados com localidades. O mesmo princpio

    vale para cheguei em casa e eu comendo po sentada no lajeiro. J em exem-

    plos como entrou assim na minha perna e pendurada no arame, os verbos in-

    transitivos carregam complementaes que situam as aes no espao em que elas

    teriam ocorrido.

    Embora intransitivo, o verbo cair recebeu um complemento estilstico a

    inteno da entrevistada foi reforar a intensidade da ocorrncia que implicou em

    pleonasmo na frase caiu uma queda. J no caso de tomara que voc caia l o-

    corre verbo intransitivo preenchido com advrbio de lugar. O mesmo princpio se faz

    presente em caiu barrica, caiu a cela do jumento.

    H trechos em que o gestual utilizado pela entrevistada se apresenta nas

    oralidades, como o uso de assim. Ocorre em cortei assim, abri assim as carnes.

    No entanto, apesar de a forma como o corte e a abertura por ele feita nas carnes

    da entrevistada no terem sido descritas oralmente, a expresso as carnes pode

    ser entendido como um complemento ao verbo intransitivo cortei. Abri, nesse ca-

    so, seria um intensificador do prprio cortar.

    Em eu e minha irm adoecendo da garganta possvel notar que a com-

    plementao existente para o verbo adoecer tem a finalidade de especificar com

    exatido o tipo de doena qual foram submetidas a falante e sua irm, o que faz

    sentido dentro do contexto em que, implicitamente, a doena na garganta seria

    resultado do alto consumo de gelo acarretado pela compra de uma geladeira.

  • 30

    3.2.2. Verbo transitivo e suas complementaes

    Ao longo da entrevista, possvel notar que a falante preenche verbos tran-

    sitivos diretos ou que desempenham funo de transitividade com devidos obje-

    tos diretos, de forma que corresponde prescrio gramatical. Alguns exemplos so

    listados abaixo.

    1. Foi uma queda que at hoje eu tenho uma cicatriz na minha perna.

    2. (...) at ele ultrapassar a minha coxa...

    3. Precisa at pontear minha perna.

    4. Eu era sapeca. Parecia um homem.

    5. Segura esse jumento (....) No lugar dele me dar a corda comprida (....)

    Quando ele apertou a cela...

    6. A gente no tinha essas coisas muito de ir a hospital, de coisa no. Passou

    l, lavou. Passou l uma pomada.

    7. Em lugar de apanhar o lixo, de ajudar eu e minha me, vai roubar caju do

    senhor.

    8. Eu era uma menina... uma peste (...) enfrentava tudo.

    9. Ele j era vivo, a tinha cinco filhos da primeira mulher. Minha me criou

    esses filhos (...) Meu pai tava muito doente, com a minha me l no hospital, e tinha

    uma vaquejada na cidade prxima.

    10. Quando a gente era pequeno tambm (...) A gente era muito travesso (...) Eu

    era a mais nova, a caula, mas eu era muito danada.

    11. Antigamente tinha essas coisas de (...) procurar esprito pra... saber porque

    que t acontecendo aquele problema l (...) As pessoas de antigamente gosta muito

    de ouvir umas s outras.

    Existe posicionamento de verbo alheio posio semntica que usualmente

    ocupa, acarretando tambm em mudana de necessidade em relao a complemen-

    to. Um exemplo l no existia luz, energia. Embora o verbo existir seja um in-

    transitivo, no caso em questo ele usado na posio de haver, de forma que exi-

    ge uma complementao direta. A palavra luz est desempenhando essa funo.

  • 31

    3.2.3. Complementao seletiva

    Em a minha irm ficava brigando comigo h uma locuo verbal compos-

    ta por ficar como verbo de ligao e brigar com funo transitiva, em que comi-

    go integra valor de objeto direto, mas, pelos testes sugeridos na gramtica de Ro-

    cha (2011, p. 311), complementao seletiva. Isto , denota o ser sobre o qual re-

    cai a ao e, em teste migrando para a terceira pessoa, se transforma em ela +

    preposio com.

    3.2.4. Elipse e objeto nulo

    Apesar de no classificado em gramticas tradicionais, o objeto nulo se faz

    presente na fala da entrevistada. Eu que apanhava o lixo e ela varria (o terreiro)

    com a minha me um exemplo dessa ocorrncia, posto que o verbo varrer, em-

    bora seja intransitivo, se associa ao complemento terreiro anteriormente mencio-

    nado no discurso da falante. O verbo preenchido, usando a classificao de Olivei-

    ra (2007), por uma categoria vazia, que decorre da inexistncia de cltico na frase

    apontada. Importante apontar tambm que apanhava um verbo que exige um

    complemento na medida em que seu uso, no caso em questo, o de pegar ,

    portanto, verbo transitivo.

    Outro caso de elipse acontece em no deixava ningum pegar (o caju).

    Embora pegar seja verbo transitivo pelo teste sugerido por Rocha (2011), no h

    objeto que o complemente fora o que havia implcito na frase. Que todo mundo rou-

    bava e a gente tinha mais era que roubar mesmo so outros exemplos de verbo

    transitivo direto para o qual no h complementao explcita a complementao

    tambm o caju, citado anteriormente na fala. Mergulhava l tambm pode ser

    citado como exemplo de objeto nulo.

    Em oh, me, ela j vai, h outro caso em que o verbo transitivo ir com-

    plementado implicitamente pela ideia de apanhar o caju. Vou procurar (....) a foi

    procurar (esprito que existe em Catol da Rocha) segue a mesma ideia: a com-

    plementao feita com o termo implcito. Idem para ele era cego, mas parece que

    ele sentia (a presena de algum em seu quintal), em que o verbo transitivo sentir

    fica sem complementao explcita.

  • 32

    H casos assim em respostas tambm. Quando questionada sobre a quanti-

    dade de filhos que os pais tiveram em quantos irmos era composta a famlia -, a

    resposta da entrevista simplesmente o numeral correspondente informao: on-

    ze. Fica omitida toda a estrutura de resposta convencionada pela gramtica normati-

    va. Os termos omitidos so ramos onze irmos. A mesma questo ocorre quando

    questionada sobre a distribuio dos gneros dos irmos. Era seis mulheres e cinco

    homens a resposta fornecida.

    parte a questo regencial envolvida nas frases a gente vamos, a gente

    vamos e a a gente fomos, possvel analisar tambm que o local para o qual o

    sujeito se desloca no est explicitado isoladamente nas frases, mas somente den-

    tro de um contexto posteriormente omitido.

    Em se fosse para analisar seria eles trs l mesmo..., o verbo analisar

    um transitivo para o qual careceu complemento explcito. No obstante, foroso

    perceber que a expresso pode omitir algo como a situao ou a questo, posto

    que foi mencionada em um contexto no qual uma problemtica foi exposta anterior-

    mente. Idem para se o meu outro irmo, Geraldo, no tivesse visto (ele se enfor-

    cando na corda), ele tambm adorava (tocar em banda) e e eu no vi (o jumento

    indo em direo s abelhas).

    3.2.5. Verbo ir: marca de coloquialidade

    O verbo ir, conjugado na primeira pessoa do plural, aparece em uma situa-

    o especfica na qual no h necessidade de preenchimento. Isto , trata-se de

    uma situao especial em que configura expresso, fornecendo uma marca de colo-

    quialidade. Vamos, vamos, vamos acontece duas vezes na entrevista. O oposto

    acontece em outros pontos da fala o verbo ir ocupa sua posio original de verbo

    transitivo em eu sempre queria dar uma escapadinha para ir num cajueiro que ti-

    nha l e ento toda vez que a gente ia varrer esse terreiro, eu dava essa escapu-

    ladinha para ir tirar esse caju. Na primeira sentena, o ir verbo transitivo direto

    e o ter precede adjunto adverbial de lugar. Queria dar uma escapadinha na pri-

    meira orao funciona como locuo verbal, assim como ia varrer e ir tirar na se-

    gunda orao. Dar funciona como verbo intransitivo e escapulir como verbo tran-

    sitivo indireto.

  • 33

    E num vai apanhar o lixo. Chame ela um exemplo em que apanhar e

    chamar assumem caracterstica de verbo transitivo direto. J em eu vou primeiro

    pegar o caju, o ir um verbo de ligao e o pegar assume posio de transitivo

    direto, sendo complementado por caju.

    3.2.6. Verbo ser: casos especiais

    O senhor era to ruim um exemplo em que o verbo ser ocupa posio

    de verbo de ligao, sendo to adjunto adverbial de intensidade.

    Voc s inventou isso que era para no fazer as coisas, que voc pre-

    guiosa, voc no quer ajudar. O verbo ser aparece em duas circunstncias dife-

    rentes na orao em questo: na primeira, faz parte de expresso presente no diale-

    to da entrevista; j na segunda , de fato, desempenhando papel de verbo transitivo

    direto. Os verbos inventar e fazer, que funcionam como transitivos diretos na situ-

    ao, so devidamente complementados por objetos diretos.

    3.2.7. Regncia diferente da prevista em gramticas tradicionais

    A senhora nunca vai se libertar com a gente um exemplo no qual as

    complementaes para libertar embora seja um verbo que no necessariamente

    exija uma delimitao semntica dentro do contexto em que est inserido feita

    de forma que as gramticas tradicionais considerariam errada, pois o complemento

    mais desejvel pediria, dentro das normas, uma preposio de ao invs de com

    em teoria, quem se liberta, liberta-se de algo ou algum quando o sentido que se

    quer transmitir o de se desvencilhar de dada circunstncia. O com caberia em um

    contexto no qual a libertao estaria relacionada a uma aliana entre oprimidos ou

    quaisquer pessoas que vivenciem juntas a circunstncia com a qual pretendem rom-

    per.

    Sempre ele foi convidado na escola dele para fazer esse tipo de coisa pode

    ser um exemplo de preenchimento com preposio dbia. Os convites para que o

    irmo da entrevistada atuasse em peas eram realizados pela escola. No obstante,

  • 34

    a dubiedade advm do fato de que tais convites tambm eram realizados dentro da

    instituio escolar, o que impossibilitaria a classificao do preenchimento como ab-

    solutamente errneo com na.

    Em colocava gua em jumento, h um uso regencial passvel de questio-

    namento pelas prescries gramaticais. A falante colocava (o balde de) gua no

    corpo do animal para que o carregamento fosse realizado por trao animal, de for-

    ma que em se distancia normativamente da semntica qual ela quis se apoiar.

    3.2.8. No complementao em verbos que no precisam

    Bechara (2009) argumenta que verbos vastos semanticamente precisam de

    delimitadores semnticos para que se encaixem no sentido intencionado. Os verbos

    intransitivos so aqueles que no precisam desses delimitadores. H, na entrevista,

    situaes nas quais a entrevistada parece se pautar nessa viso das gramticas,

    embora no necessariamente de forma conscincia.

    Um exemplo dessa questo eu ca, me cortei em que cair no precisa

    de nenhum complemento por findar-se em si mesmo. Para cortar, aparentemente

    houve o emprego de um dativo de interesse caracterizado pelo me, que fica evi-

    denciado se a ordem do perodo for alterada.

    Em vinha chorando com a perna toda rasgada e eu sa chorando, o verbo

    chorar se comporta como verbo intransitivo tambm. Na segunda orao, o verbo

    sair intransitivo, mas aparece complementado com advrbio de modo, represen-

    tando pelo chorar. H uma locuo. O mesmo princpio de verbo intransitivo vale

    para pendurada em eu fiquei pendurada.

    Os outros exemplos que podem ser elencados de verbos intransitivos so os

    verbos derrubar, correr, sentar, levantar, casar, subir, descer, rir, aplau-

    dir, morrer. As oraes nas quais alguns desses verbos se fazem presentes nessa

    posio e sem complementao so: o jumento uma vez me derrubou, saiu cor-

    rendo, eu sentei, pra levantar... minha me casou, eu subindo e descendo,

    subindo e descendo a todo mundo riu, todo mundo aplaudindo, ele t mor-

    rendo. Importante mencionar que o verbo correr aparece conjugado em uma ex-

  • 35

    presso que confere movimento situao relatada na entrevista em correndo,

    correndo h a um sujeito, explicitado no contexto do qual a fala foi deslocada, que

    realiza a ao de correr, e a repetio no gerndio d impulso expressivo. O verbo

    morrer, que embora no precise conter para si um complemento, aparece comple-

    mentando em um modelo de locuo o verbo estar na expresso ele t morren-

    do. Nessa mesma expresso, o verbo ser assume carter meramente reforativo.

    3.3. Levantamento de ocorrncias

    3.3.1 Nmero de ocorrncias de verbos transitivos e intransitivos

    3.3.2. Nmeros das ocorrncias totais

  • 36

    CONCLUSO

    A princpio, quando realizada a busca pelo corpus da pesquisa, imaginamos

    que a disparidade entre gramticas e fala efetiva pudesse ser maior em relao ao

    tema abordado isto , preenchimento do objeto. No obstante, o desenvolvimento

    da pesquisa revela que, mesmo por uma falante considerada de baixa escolarida-

    de, a naturalidade com a qual os objetos so preenchidos latente.

    A ocorrncia de falas que poderiam ser caracterizadas como errneas pelas

    prescries gramaticais, no que tange exclusivamente ao tema da pesquisa, foi rela-

    tivamente pequena se considerado o nmero de verbos proferidos pela falante de

    203 verbos, apenas 22 foram preenchidos de maneira dita incorreta.

    possvel observar tambm que as ocorrncias do objeto nulo, sobre as

    quais a gramtica normativa ainda se mostra hesitante e, em alguns casos, indife-

    rente, fazem parte de dos discursos correntes da lngua portuguesa. Ocorrem sem

    prejudicar a semntica nos textos e, em casos observados na pesquisa, chegam at

    a colaborar com a fluidez comunicativa.

  • 37

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    PRETI, Dino. Normas para transcrio dos exemplos. In: PRETI, DINO (Org.). Anli-

    se de textos orais. So Paulo: Humanitas, 1999. 11-12.

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  • 38

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    NETO, Pasquale Cipro; INFANTE, Ulisses. Gramtica da Lngua Portuguesa. 3 edi-

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