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O interrogatório de Bataglia: “Em 2008 ninguém imaginava que o Dr. Ricardo Salgado ia matar alguém” PORTUGAL 02.03.2017 às 10h49 Jose Carlos Carvalho A 5 de janeiro, o homem do Grupo Espírito Santo em África veio a Lisboa incriminar Salgado. No interrogatório que a Visão conheceu acusou Salgado de faltar às promessas e contou como acumulou 45 sociedades offshore, cada uma para cada um dos seus três barcos e avião SÍLVIA CANECO Jornalista Ao fim de duas horas de interrogatório, o procurador Rosário Teixeira e o inspetor tributário Paulo Silva foram finalmente diretos ao assunto que mais lhes importava: entre 2008 e 2009, 15 milhões de euros tinham caído nas contas da Markwell e da Monkway, duas sociedades offshore de Hélder Bataglia, o luso-angolano que foi o homem do

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Page 1: O interrogatório de Bataglia

O interrogatório de Bataglia: “Em 2008 ninguém imaginava que o Dr. Ricardo Salgado ia matar alguém”

PORTUGAL

02.03.2017 às 10h49

Jose Carlos Carvalho

A 5 de janeiro, o homem do Grupo Espírito Santo em África veio a Lisboa incriminar Salgado. No interrogatório que a Visão conheceu acusou Salgado de faltar às promessas e contou como acumulou 45 sociedades offshore, cada uma para cada um dos seus três barcos e avião

SÍLVIA CANECO

Jornalista

Ao fim de duas horas de interrogatório, o procurador Rosário Teixeira

e o inspetor tributário Paulo Silva foram finalmente diretos ao assunto

que mais lhes importava: entre 2008 e 2009, 15 milhões de euros

tinham caído nas contas da Markwell e da Monkway, duas sociedades

offshore de Hélder Bataglia, o luso-angolano que foi o homem do

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Grupo Espírito Santo em África. Desses 15 milhões, 12 tinham

acabado nas contas de Carlos Santos Silva, que o Ministério Público

suspeita serem do ex-primeiro-ministro José Sócrates. O que tinha

Hélder Bataglia a dizer sobre estes movimentos financeiros?

Com a maior das naturalidades, Bataglia começou por dizer que era

tudo “muito simples”. Numa das suas vindas a Portugal, Ricardo

Salgado ligou-lhe, perguntou-lhe se podia passar pelo Banco Espírito

Santo (BES) e, nesse dia, na “salinha pequenina” do 15º andar do

edifício da Avenida da Liberdade, indagou-o sobre se podia fazer

pagamentos de 12 milhões de euros. Bataglia disse que sim, “sem

problema nenhum”. A seguir Salgado perguntou-lhe se conhecia

Carlos Santos Silva e se tinha conta na UBS. Bataglia respondeu

afirmativamente às duas questões. E já que ali estava, o luso-

angolano aproveitou a deixa para dizer ao então presidente do BES:

“Vê lá se vem mais algum.” Ao longo do interrogatório, de que a

VISÃO teve conhecimento e agora revela, Hélder Bataglia não terá

parado de dizer que “todos os meses” insistia com Ricardo Salgado

para receber compensações e prémios pelos resultados do seu

trabalho em África: pelo seu trabalho à frente da Escom, empresa do

Grupo Espírito Santo em que detinha 33% do capital, e pelos

resultados outrora extraordinários do BES Angola, de que foi

administrador. Dessa vez, Bataglia guardou para si 3 milhões de

euros.

E por que razão queria Ricardo Salgado entregar dinheiro a Carlos

Santos Silva?, perguntaram os investigadores. Bataglia diz que não

perguntou e o então líder do BES também não deu explicações. Afinal,

disse, não só devia favores a Ricardo Salgado por o ter posto à frente

da Escom e esperava ainda alegados prémios pelos seus resultados,

como nessa altura, como os investigadores deveriam saber, “essas

coisas não se perguntavam ao Dr. Ricardo Salgado”.

Page 3: O interrogatório de Bataglia

Depois, disse Bataglia, terá falado com José Paulo Pinto de Sousa,

primo de José Sócrates residente em Angola, para chegar a Carlos

Santos Silva. Depois de estabelecidos os contactos, reuniram-se no

escritório da Escom nas Amoreiras e num hotel próximo daquele

centro comercial. Esses encontros, disse Bataglia, não durariam mais

que dez minutos, já que não tinham assim tanto para falar. Carlos

Santos Silva limitar-se-ia a dar-lhe “um papelinho” com o número de

“uma ou duas contas”. A seguir, quando chegava a Luanda, Bataglia

ligaria a Michel Canals, seu gestor de conta na Suíça e fundador da

Akoya (a empresa que está no centro do processo Monte Branco), a

dar a ordem de transferência. Mais tarde, quando se encontravam a

sós, Canals levava as ordens em papel para Bataglia assinar.

Uma parte desta história indignou o inspetor Paulo Silva, o homem da

Autoridade Tributária que trabalha lado a lado com Rosário Teixeira, e

que de imediato perguntou a Bataglia porque não dava as ordens de

transferência a partir de Lisboa: “Não podia ligar das Amoreiras?”

Bataglia alegou que em operações como aquela, em que tinha de

pedir ao seu gestor de conta para transferir 5 ou 6 milhões de euros, o

melhor era ter cautelas. E pedidos como aquele não o deixavam

“desconfortável”?, insistiu Paulo Silva. Bataglia terá voltado à mesma

tese: “não se dizia não” a Ricardo Salgado naquela altura. Paulo Silva

não estava satisfeito com a resposta e começou a especular: “Imagine

que o Dr. Ricardo Salgado se lembrava que queria matar uma pessoa

qualquer e contratava Carlos Santos Silva.” Se fosse assim,

continuava Paulo Silva, Hélder Bataglia seria o intermediário desse

homicídio por encomenda. Neste momento, Bataglia terá começado a

rir-se e terá dito que aquele era um exemplo “exagerado”, já que, em

2008, ninguém imaginava que “o Dr. Ricardo Salgado iria matar

alguém”.

A verdade, disse Bataglia, é que tudo teria sido feito como Ricardo

Salgado lhe pedira. E não pediu mais explicações porque, pelas

conversas que tinha habitualmente com José Paulo Pinto de Sousa,

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sempre pensou em Carlos Silva como administrador do grupo Lena e

grande promotor do grupo de Leiria na Venezuela, Argélia e em

Angola. Não o conhecia, só viria a conhecer o patrão do grupo Lena,

Joaquim Barroca, em 2014, e nunca teria associado Carlos Silva a

José Sócrates.

O certo é que antes de o dinheiro vindo do Grupo Espírito Santo -

primeiro do BES Angola e da Sucursal Financeira Exterior, através de

financiamentos à Escom; mais tarde através da Espírito Santo

Enterprises (a empresa que alegadamente funcionaria como saco azul

do Grupo Espírito Santo) - chegar às contas de Carlos Santos Silva,

haveria pelo menos mais dois intermediários. Bataglia primeiro

transferiria o dinheiro para o primo de José Sócrates ou para Joaquim

Barroca. Aos investigadores contou que só mais tarde, pouco tempo

antes das detenções de José Sócrates e Carlos Santos Silva,

percebeu que aquela conta era do patrão do grupo Lena.

Mais uma vez, Rosário Teixeira e Paulo Silva não estavam

convencidos, e começaram a pressionar. Como podia Hélder Bataglia

não saber se na maior parte das ordens de transferência que assinara

vinha a informação de que o destinatário era “Joaquim” ou “Joaquim

Rodrigues” (Joaquim Barroca Rodrigues)? Bataglia diz que não

reparou, que no seu “espírito” as transferências eram para Carlos

Santos Silva; que o papel já vinha feito e que assinava muitos,

demasiado papéis ao mesmo tempo. Que tudo o que tinha a ver com

as suas contas era articulado entre o seu gestor de conta na UBS,

Michel Canals, e o escritório da advogada Ana Oliveira Bruno, nas

Amoreiras, e que, às tantas, era tudo caótico porque tinha à volta de

45 offshores: uma inclusivamente para cada um dos três barcos; e

outra para um avião que comprara a meias com Álvaro Sobrinho. A

ponto de, recentemente, ter decidido reduzi-las para um terço, até

porque só entre despesas administrativas gastaria 7500 euros com

cada uma destas empresas com sede em paraísos fiscais.

Page 5: O interrogatório de Bataglia

A equipa que investiga a Operação Marquês acredita que Ricardo

Salgado pagou a José Sócrates e a administradores da Portugal

Telecom (PT), em troca de interferências políticas e de gestão em

negócios relacionados com a operadora telefónica, nomeadamente no

chumbo da OPA da Sonae sobre a PT; no uso das ações douradas do

Estado (golden share) na venda da participação da PT na Vivo à

espanhola Telefónica (que fez subir o valor final em 350 milhões de

euros); e na aquisição de uma participação na operadora brasileira Oi.

Hélder Bataglia, porém, diz que Ricardo Salgado nunca lhe falou em

negócios da PT. Com o então presidente do BES, contou, só falaria

essencialmente de África. “E isso já era muita coisa.”

Bataglia, conhecido por ser um facilitador de negócios, veio a Lisboa a

5 de janeiro incriminar Ricardo Salgado, dizendo ter sido o então

presidente do BES a pedir-lhe para fazer transferências para Carlos

Santos Silva. Em troca, como a VISÃO revelou na altura, conseguiu

um passaporte para a liberdade, livrando-se de um mandado de

captura internacional que o impedia de sair de Angola. Duas semanas

depois, Salgado foi ouvido como arguido e fez questão de falar sobre

Hélder Bataglia, dizendo mesmo que se alguém tinha decidido

transferir dinheiro para José Sócrates, esse alguém só poderia ser o

luso-angolano. Todos os detalhes do interrogatório de Ricardo

Salgado, as suspeitas gravíssimas que sobre si recaem, e as

explicações que deu sobre a sua relação com José Sócrates e Hélder

Bataglia; ou sobre as transferências para os administradores da PT e

para José Dirceu, ex-braço direito de Lula da Silva, estão na edição da

VISÃO que esta quinta-feira foi para as bancas.

“Esta torre vai levar o grupo à ruína”

Eram 11h20 do dia 5 de janeiro quando Hélder Bataglia começou a

ser ouvido numa sala do Departamento Central de Investigação e

Ação Penal (DCIAP). O luso-angolano começou por tentar recordar os

25 anos em que trabalhou para o Grupo Espírito Santo, contando que

Page 6: O interrogatório de Bataglia

em 1991 o GES o convidara, através de Luís Horta e Costa, para

iniciar a atividade em Angola. Com o consentimento de António

Espírito Santo, e de Patrick Monteiro de Barros, viria a fundar a Escom

em 1992. Inicialmente, contou, a ideia é que a empresa fosse uma

“trader” (uma empresa intermediária entre os que importam e os que

exportam), até que chegou uma altura em que terá percebido que para

serem uma referência em Angola deveriam começar a investir. E

então investiram em mineração, pescas, transporte aéreo;

aproveitando a existência de uma crise a nível alimentar, terão

inclusivamente feito um acordo com o Programa Alimentar Mundial

(PAM), acabando por, em 2002, serem já o maior investidor em

Angola. Mesmo antes de criarem o BES Angola, o primeiro banco de

direito angolano, a Escom já teria naquele país 400 ou 450 milhões de

dólares de investimento.

Mas Bataglia tinha aquilo a que chamou de “visão estratégica”. E

queria mais: então, para perpetuar a presença do Grupo Espírito

Santo, decidiu que estava na hora de investir em imobiliário. Começou

pela torre Escom, em 2001, que é hoje o edifício mais emblemático de

Luanda. Pediu autorização ao Ricardo Salgado e comprou uns

terrenos “muito baratos” na capital angolana. Até ao dia em que o

então presidente do BES olhou para o buraco da torre de 35 metros e

disse que aquele projeto imobiliário iria “levar o grupo à falência”.

Bataglia disse isto a rir-se e acrescentou que na altura chegou a

pensar se não estaria “com excesso de auto-estima”. O receio de que

Salgado estivesse certo levou-o então a contactar uma série de

amigos angolanos e a perguntar-lhes se não queriam comprar um

andar. Em duas semanas, contou, já tinham comprado “a torre toda” e

Hélder Bataglia conseguia mostrar a Ricardo Salgado que o

investimento de 65 milhões estava recuperado.

Foi nesta altura que Bataglia terá percebido que poderiam ir mais

longe e abrir novas portas em Angola, que podia pedir “mais alguma

Page 7: O interrogatório de Bataglia

coisa” ao governo angolano e a José Eduardo dos Santos: “Devíamos

pedir um banco.”

O governo angolano e o Banco Nacional de Angola consentiram e

Hélder Bataglia ter-se-á posto, “todo contente”, a caminho de Lisboa.

Ricardo Salgado não terá ficado tão feliz: achava que o mercado

angolano era complicado. Bataglia teimava em dizer-lhe que em dez

anos os lucros do BES Angola seriam superiores aos do banco em

Lisboa. “Foram só preciso nove”, disse orgulhoso Bataglia, perante os

investigadores.

Terá sido a partir daqui que, segundo o fundador da Escom, terão

começado os desentendimentos com Ricardo Salgado sobre dinheiro.

Segundo Bataglia, Ricardo Salgado terá prometido que a Escom

ficaria com 40% do capital do BES Angola (como Bataglia tinha 33%

da Escom teria direito a 12,5% do capital do BESA), mas não cumpriu.

“Coisa que o Dr. Ricardo Salgado fazia era prometer, e depois não se

concretizava”, queixou-se.

A partir daí foi um passo até ser convidado Álvaro Sobrinho para

presidente do conselho de administração do BESA. Bataglia já o

conhecia: em 1999, o presidente da República lançara o fundo de

pensões das Forças Armadas e convidou-os a fazer a gestão. Salgado

propôs-lhe Sobrinho, que desempenhava funções de atuário e geria o

fundo de pensões do BES, e que seria “uma pessoa muito inteligente”.

Bataglia levou-o então para Angola, e gostou dele. “Foi o primeiro

funcionário do GES que conheci que percebia mesmo daquilo… Ele

era de facto muito bom naquilo.” Bataglia apreciou tanto as qualidades

de Sobrinho que logo disse a Salgado que se algum dia fizessem um

banco não se deveriam esquecer dele. E assim foi. O que não se

concretizou foi a participação da Escom, e por sua vez de Hélder

Bataglia, no BES Angola. Como o banco logo no primeiro ano deu

lucro, cerca de 70 ou 80 milhões de dólares, o luso-angolano começou

a exigir compensações. Elas não chegavam e quando chegavam não

Page 8: O interrogatório de Bataglia

era o que esperava. Sentia-se “injustiçado”. Todos em Angola se

sentiam injustiçados, contou, porque o investimento do BES teria sido

de 10 milhões de dólares e o banco em Angola não parava de crescer,

a ponto de em 2007 ser já avaliado em 2,5 mil milhões de dólares.

“Mas como sabem o Dr. Ricardo Salgado nessas coisas era inflexível.”

Hélder Bataglia viria a ter uma participação no BESA, sim, mas pelo

lado dos sócios angolanos no banco, que lhe deram a si 2,5% e outros

2,5% a Álvaro Sobrinho. Mais tarde venderia a sua posição a Sobrinho

por “60 milhões de dólares”: haveria um fundo inglês interessado, mas

Bataglia terá preferido vender a Sobrinho, por terem começado o

banco juntos. Nunca quis um cargo muito relevante: preferia a área

internacional, para poder acumular com a Escom e complementar a

sua atividade em África. Afinal, voltou a frisar, “tinha sempre uma

visão estratégica das coisas” e na sua visão Portugal deveria investir

em África e não na Europa porque a Europa seria sempre “uma coisa

um bocado coxa”. O seu plano era fazer um banco no Congo, outro no

Zimbabwe, outro na África do Sul. Depois juntar os ativos todos numa

holding e vender essa participação “a um grande banco internacional”:

assim, teriam no futuro uma participação maioritária num grupo

financeiro africano; e o Banco Espírito Santo teria liquidez a partir

desses investimentos. O plano ficou-se apenas pelo banco no Congo.

Na África do Sul já não conseguiu porque Ricardo Salgado terá

pretendido “fazer outro sozinho”, sem sucesso.

O trabalho da Escom em Angola e no Congo seria tão único que os

governos quando tomavam posse convidariam Bataglia para saber

como os poderia ajudar, disse Bataglia, puxando dos galões. “Éramos

um exemplo.” A parceria com os chineses tinha sido um sucesso. O

BESA tinha sido um sucesso. A Escom tinha sido um sucesso - até

começarem os problemas (a Escom foi investigada no processo dos

submarinos por suspeitas de ter repartido uma comissão dos alemães

do German Submarine Consortium por responsáveis políticos; o

processo foi arquivado em 2014).

Page 9: O interrogatório de Bataglia

Amigo de Chávez

Os investigadores queriam saber se Bataglia conhecia Carlos Santos

Silva antes do alegado pedido de Salgado. Santos Silva contou que

sim, que lhe tinha sido apresentado por José Paulo Pinto de Sousa

(primo de Sócrates e um dos intermediários do dinheiro) mas disse

nunca ter tido qualquer relação social mais intensa nem envolvimento

em negócios. Rosário Teixeira quis saber se Santos Silva ou o grupo

Lena não lhe tinham pedido ajuda para entrar na Venezuela, uma vez

que Bataglia já se tinha instalado naquele país com os chineses,

ajudando-os a criar infraestruturas, como portos, habitação social e

caminhos-de-ferro. Bataglia diz que de 2002 a 2004 foi quase todos os

meses à Venezuela, contou que com os chineses tinham conseguido

um financiamento de 12 mil milhões de dólares e assumiu ter tido

“uma relação muito profunda com o presidente Chavez”. Salgado é

que nunca teria conseguido confiar nos chineses que tinham vindo

pedir-lhes ajuda para explorar outros mercados e que estariam ligados

a Sam Pa. E terá mesmo ligado ao embaixado chinês, que disse não

conhecer aqueles empresários. Mas os chineses terão insistido, vindo

a Lisboa uma segunda e uma terceira vez, até que foram convidados

a ir a Pequim. Disse então a Salgado: “O que é a gente perde? Vamos

à china. E ainda bem que fomos.”

Na Venezuela nunca terá chegado a ter o grupo Lena como

concorrente, pois estes só chegariam depois de Bataglia ter feito ver

ao então presidente que não poderiam viver isolados do mundo.

Depois de 2004, Bataglia teve uma nova visão estratégica. Não havia

dinheiro em Angola, e o país precisava de ser reestruturado. Levou

então os chineses para aquele país africano. “Um belo dia meti-me no

avião e pedi uma audiência ao presidente Eduardo dos Santos.”

Passado 48 horas, contou, estava na China com o engenheiro Manuel

Vicente, então presidente da Sonangol e atual vice-presidente de

Angola (acusado de corromper um procurador português a troco do

arquivamento de processos). Através dessa cooperação, Bataglia e a

Escom voltariam a recentrar os seus interesses em Angola e no

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Congo. A Venezuela já lhe tinha começado a dar problemas. Tudo

porque Ricardo Salgado terá escrito um artigo a dizer que Bataglia era

“o melhor gestor internacional” e isso terá causado uma série de

problemas na família Espírito Santo. “Invejas…começaram logo a

achar que era comunista.”

O primo de Sócrates

O Ministério Pública suspeita que Bataglia e José Paulo Pinto de

Sousa terão forjado vários contratos para que houvesse justificações

para as transferências bancárias. Bataglia não assumiu nenhuma

ilegalidade. Contou que a Escom comprou um terreno na Bela Vista à

família de José Paulo, nos tempos em que o mercado imobiliário dava

tanto dinheiro que chegou a comprar uns terrenos em Luanda Sul

(Talatona) por 85 dólares o metro quadrado, que depois eram

vendidos a 700 ou 750. Explicou ainda que era normal a Escom fazer

parcerias e que tinham acabado de fazer uma com a Camargo

Correia, para o projecto Aquaville. “Não percebíamos nada de negócio

nenhum”, comentou a rir-se. Teriam a já dita e repetida visão

estratégica e depois iriam buscar os melhores para parceiros. Faziam-

no tanto no imobiliário como nos diamantes.

Foi dentro dessa visão estratégica que terão decidido que queriam

investir em Benguela e no Lobito, duas zonas turísticas em Angola. Na

altura, “toda a gente vendia terrenos” e, certo dia, o engenheiro

imobiliário da Escom foi ver umas salinas. Mandaram avaliar o terreno.

Com o projeto aprovado valeria 122 milhões de dólares. A relação

com José Paulo e a família não nascera ali: os pais de um e de outro

já eram amigos, a tal ponto que teria praticamente andado com José

Paulo “ao colo”, na zona de Benguela, onde vivera quase duas

décadas.

Paulo Silva queria saber se todas as transferências para José Paulo

Pinto de Sousa estavam relacionadas com estes negócios. Bataglia

disse que não, que também havia empréstimos, num total de cerca de

Page 11: O interrogatório de Bataglia

8 milhões de dólares, que o primo de Sócrates lhe teria pedido. E

empréstimos para quê? “Ele não me disse o que era… nestas coisas a

gente empresta ou dá.”; disse que tinha confiança, que José Paulo era

como família, e por isso emprestou sem qualquer garantia. Mais tarde,

em 2013, José Paulo terá começado a pagar-lhe, cedendo-lhe parte

de outras salinas, as salinas Tchiomi, com as quais teria conseguido

encaixar 4 milhões de dólares. O Ministério Público não acredita nesta

versão.

As explicações não encaixavam nos indícios recolhidos pelos

investigadores. Se José Paulo tinha necessidades porque é que em

vez de o gastar andou a fazer aplicações financeiras?

“Aparentemente”, sublinhou Rosário Teixeira, “não era para pagar a

ninguém”. Bataglia disse que só descobriu mais tarde, pelos jornais,

que assim era.

E os 7 milhões que recebeu via BES Angola em 2006 e 2007?

Bataglia disse que depois de muito penar e insistir lá teria conseguido

convencer Ricardo Salgado a dar-lhe um prémio, um success fee

pelos bons resultados do BESA. E até achou que era “muito pouco”,

tendo continuado a pedir mais. Então mas e foi logo emprestar a José

Paulo Pinto de Sousa o dinheiro por que tanto tinha lutado?, quis

saber o procurador Rosário Teixeira. Bataglia terá respondido assim:

“É um problema de carácter. Ele precisava, eu emprestei.”