o homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através...

74
Khaiya Editores & Serviços ___________________________ Estudo sobre as Percepções e Práticas Costumeiras de Maneio da Biodiversidade nas Comunidades Adjacentes ao Monte Namúli - Gurúè Organização Alexandre Dunduro / Dulce Gonzaga

Upload: others

Post on 10-Mar-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

Khaiya Editores & Serviços

___________________________

EEssttuuddoo ssoobbrree aass PPeerrcceeppççõõeess ee PPrrááttiiccaass CCoossttuummeeiirraass ddee MMaanneeiioo

ddaa BBiiooddiivveerrssiiddaaddee nnaass CCoommuunniiddaaddeess AAddjjaacceenntteess aaoo MMoonnttee

NNaammúúllii -- GGuurrúúèè

Organização

Alexandre Dunduro / Dulce Gonzaga

Page 2: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

1

Ficha Técnica:

Título

Estudo sobre as Percepções e Práticas Costumeiras de Maneio da Biodiversidade nas Comunidades Adjacentes aos Montes Namúli.

Organização Khaiya Editores e Serviços Edição Khaiya Editores e Serviços Coordenador Editorial Alexandre Dunduro

Revisão Científica Dulce Gonzaga Apoio financeiro Design Gráfico

Khaiya Editores e Serviços

Autores

Alexandre Silva Dunduro; Anastácio Leitão Sousa, Dulce Gonzaga

Colaboração Perito Alper Tarquinho, Marcos Cunoguomoto Júnior .

Endereço do Editor

Rua da Resistência nº1141.E/c, Maputo, Moçambique

[email protected]

Tel: +258n87 267 62 70

Moçambique, Outubro de 2016

Page 3: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

2

A KHAIYA AGRADECE O APOIO DE:

Ecosystem Partnership Fund (CEPF)

Associação de Músicos do Gurué (AMG)

Governo Distrital do Gurué

Casa de Cultura do Gurué

Page 4: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

3

Índice

I. Introdução ........................................................................................................ 4 1.1. Questões metodológicas ........................................................................... 5 1.2. Contexto .................................................................................................... 7

II - A Região dos Montes Namúli e a sua População ..................................... 10

2.1. Breve enquadramento geográfico ............................................................ 10 2.2.1. Relevo, geologia e clima .................................................................. 12

2.2. Condições agroecológicas ...................................................................... 14 2.3. Diversidade faunística.............................................................................. 17 2.4. Diversidade florestal ................................................................................ 18 2.5. As populações da região dos Montes Namúli .......................................... 20

2.5.1. História sobre as Origens ................................................................ 21 2.5.2. Mitologia sobre as origens ................................................................ 23 2.5.3. Organização Social ........................................................................... 27 2.5.4. Estrutura social.................................................................................. 28 2.5.5. Os ritos .............................................................................................. 29 2.5.6. O nascimento .................................................................................... 29 2.5.7. Os ritos de iniciação .......................................................................... 31 2.5.8. A Morte .............................................................................................. 33

2.6. Resumo ................................................................................................... 34 III: Saberes locais e gestão dos recursos naturais na região do Namúli .... 38

3.1. Percepções sobre a biodiversidade ......................................................... 39 3.1.1. Florestas .......................................................................................... 41 3.1.2. A relação com as águas .................................................................... 48

3.2. Acesso aos recursos naturais .................................................................. 51 3.3. O papel preponderante da “Rainha” ........................................................ 52 3.4. Mecanismos de acesso aos recursos naturais ........................................ 53 3.5.O lugar central do mito na gestão da biodiversidade ................................ 54

3.5.1. Os pactos com elementos da natureza – o caso do Nihimo ............. 55 3.5.2 A relação plural entre Montanhas e o Nihimo .................................... 56 3.5.3. Agricultura ......................................................................................... 60

Capítulo IV -Lições aprendidas e conclusões ............................................... 63

4.1. O contexto das mudanças: Modernidade e preservação ambiental ........ 63 4.2. Principais lições/ Constatações ............................................................... 65 4.3. Notas finais .............................................................................................. 66 4.4.Perspectivas ............................................................................................. 68 ANEXOS: Aspectos climatéricos .................................................................... 70

5. Bibliografia .................................................................................................... 71

Page 5: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

4

I. Introdução

O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível

compreender o homem e a natureza como elementos separados, pois, em última

instância, a natureza é o lar de todos os seres vivos do planeta terra. Entretanto,

desde os primórdios da sua existência, o homem parece relutante em não

assumir esta relação intrínseca com a mãe natureza, o que pode estar na origem

de parte dos problemas ecológicos da actualidade.

No entanto, apesar dessa relação cada vez mais difícil entre o homem e a

natureza, existem lugares, um pouco pelo mundo, onde é possível encontrar

exemplos de equilíbrio da biodiversidade. A região dos montes Namúli é um

desses casos únicos, cujas evidências constituem o objecto deste estudo.

Um dos pressupostos deste estudo é que as tradições transmitidas ao longo de

gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura

local, agem como um factor regulador eficaz de relacionamento entre as

populações e o meio ambiente. No entanto, actualmente ocorrem mudanças

originadas pelas transformações sociais, políticas e económicas, entre outros

factores conjunturais (dos quais podemos enumerar: os antigos conflitos entre as

unidades político-administrativas tradicionais, a interferência da administração

portuguesa, as mudanças climatéricas, a degradação do poder de compra, o

advento de outras formas de percepção do mundo através dos sistemas de

educação nos moldes ocidentais, da implantação de seitas religiosas, bem como

da intervenção de exploradores industriais dos recursos naturais).

Todos estes factores fragilizam os sistemas tradicionalmente instituídos e

socialmente aceites e vigentes, afectando deste modo, de forma negativa, a

manutenção dos ecossistemas naturais. Como conciliar os anseios, as

necessidades cada vez mais crescentes das comunidades, progressivamente

influenciadas pela sociedade industrial, sem por em causa o equilíbrio

Page 6: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

5

ambiental? Qual pode ser o lugar do saber local nestes processos? Eis alguns

dos paradigmas que o cenário actual suscita.

Mesmo se o estudo não pode responder integralmente a estas questões, está

claro que o desenvolvimento só é sustentável quando os beneficiários estiverem

envolvidos como agentes activos e se os seus saberes forem tomados em

consideração, evitando-se deste modo, situações em que o desenvolvimento é

sinónimo de ruptura, de novo começo, um processo alheio às populações.

A partir dos dados recolhidos, o presente trabalho combina as evidências

empíricas e científicas, estas últimas resultantes da leitura de documentos

relativos a esta temática. Deste modo, as experiências históricas estabelecidas e

culturalmente transmitidas ao longo de gerações, através da ritualização e

oralidade, com as adaptações impostas pelas circunstâncias geradas pelo

encontro de civilizações e evolução tecnológica.

1.1. Questões metodológicas

Não existem estudos dedicados as experiencias sobre o relacionamento e a

exploração dos recursos naturais pelas comunidades locais no Namúli, do

mesmo modo que são raros os trabalhos científicos nesta vertente. Com estes

factos, o processo do presente estudo adoptou o método etnográfico, que

consistiu na recolha de depoimentos e histórias de vida de membros das

comunidades da região do Namúli, mormente em Curruca e Mucunha. Foram no

total, quatro missões realizadas, sendo duas em cada uma das comunidades,

nos meses de Fevereiro e Abril de 2016, e outras tantas consagradas a

interacção com as instituições e populações na cidade do Gurué.

A definição das comunidades para a recolha de dados empíricos foi um exercício

delicado, devido a indefinição e clareza quanto ao território que constitui

efectivamente, a “região do Namúli”, ou ainda, quais são de facto, as

“Comunidades adjacentes aos Montes Namúli”. Este desafio prevalece. No

nosso entender, essa região ou comunidades deveria no mínimo, ser

Page 7: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

6

representada pelo perímetro em volta do monte Namúli, portanto, em todo o seu

espaço concêntrico. Não foi conseguido esse facto, tendo o nosso estudo se

baseado nas comunidades mais frequentadas a partir da cidade do Gurué,

nomeadamente Curruca e Mucunha.

Outro aspecto epistemológico suscitado, foi o uso indiscriminado e recorrente da

expressão “população tradicional”, pelos nossos colaboradores e instituições

públicas e privadas durante o processo do estudo. Até certa medida, adoptamos

o conceito de população tradicional, assunto que é retomado por vários autores.1

Para alguns desses autores, o conceito de populações ou comunidades

tradicionais, e na base de estudos empíricos, têm como características, as

seguintes:

Dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos naturais e os

recursos naturais renováveis a partir do qual se constrói um modo de

vida;

Conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se reflecte

na elaboração de estratégias de uso e de maneio dos recursos naturais.

Este conhecimento é transferido oralmente de geração em geração;

Noção de território ou espaço onde o grupo social se reproduz

económica e socialmente;

Reduzida acumulação de capital;

Importância dada a unidade familiar, doméstica ou comunal e as

relações de parentesco ou compadrio para o exercício das actividades

económicas, sociais e culturais;

Importância das simbologias, mitos e rituais associados a caça, a pesca

e actividades extrativas;

1. Em conformidade com ZANONI, Magda M. et al.: «O próprio conceito de tradicional, como adjectivo de

populações moradoras de uma dada região, pode implicar uma tendência para uniformizar pessoas,

grupos e comunidades extremamente heterogéneas e pode dificultar a preensão de sua historicidade». IN:

Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 2. Op. cit. p. 48.

Page 8: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

7

Tecnologia utilizada relativamente simples, de impacto limitado sobre o

meio ambiente, reduzida divisão técnica e social do trabalho,

sobressaindo a transformação artesanal, onde o produtor (e sua família)

domina o processo de trabalho até o produto final;

Autoidentificação ou identificação pelos outros de pertencer a uma

cultura distinta das demais.2

As entrevistas individuais e colectivas, a convivência com as populações durante

as pernoitas nas comunidades (noites a volta da fogueira), permitiram a colha de

dados e percepções relevantes sistematizadas no presente relatório. Os dados

assim colectados, foram complementados e nalguns casos confrontados com os

recolhidos através de entrevistas com especialistas e populares na cidade do

Gurué.

Para esse fim, foram privilegiados encontros e entrevistas com camponeses,

líderes comunitários, tradicionais e espirituais, anciãos, curandeiros (membros

ou não da AMETRAMO – Associação dos Médicos Tradicionais de

Moçambique), professores, jovens, técnicos do sector do Ambiente no Gurúè.

Com os jovens, a interacção dentro do contexto escolar, culminou com a criação

de um Círculo de Interesse em prol dos Montes Namúli, no Distrito de Gurúè,

animado essencialmente por estudantes e professores locais.

1.2. Contexto

O presente estudo foi realizado no âmbito do projecto do Fundo de Parceria para

Ecossistemas Críticos(CEPF) , tendo em vista sistematizar as experiências

práticas e saberes costumeiros da região dos Montes Namúli, sobre o uso

sustentável dos ecossistemas naturais locais, com a finalidade de criar uma

base de informação que possa sustentar a implementação eficiente e eficaz de

programas de desenvolvimento socioeconómico, assim como outras acções que

2. DIEGUES e NOGARA (1994). Citados por ZAMONI, Magda M.; FERREIRA, Ângela Duarte D.; et. al. Op. cit. p.

48.

Page 9: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

8

visem o aumento da renda e subsistência das comunidades de forma

ambientalmente sustentável.

A questão de conservação da biodiversidade ocupa um lugar central nos

debates nacionais e internacionais, no âmbito da luta contra a degradação dos

ecossistemas, mudanças climáticas e seus efeitos. Paralelamente, este debate

tem a particularidade de a biodiversidade condicionar a qualidade de vida das

populações, ou seja, o desenvolvimento humano sustentável.

Para fazer face a estas situações, os agentes, os profissionais e estudiosos

sobre o desenvolvimento humano têm-se empenhado na busca e

implementação de estratégias e programas para estimular mudanças de atitude,

corrigir a degradação da biodiversidade, entre outras medidas.

No entanto, como foi observado nas décadas de 1980/90, as críticas sobre as

políticas e estratégias de desenvolvimento eram devido ao facto de destas

serem aplicadas nas diferentes comunidades de forma indiferente, como se

fossem fórmulas universais e infalíveis, sem atender as especificidades

socioculturais das comunidades beneficiárias, bem como as suas experiências e

potencialidades.

Nestes casos, as comunidades locais são tratadas como meros receptores

passivos de estratégias concebidas e experimentadas em contextos muito

diferentes. O seu envolvimento e participação das comunidades locais pouco ou

nada interessou aos agentes do desenvolvimento, tão pouco a valorização e

tomada em consideração dos seus saberes e experiências.

Nesta perspectiva, o documento procura elucidar o quanto o conhecimento local

(costumeiro ou indígena) desempenha um papel crucial no incremento do

desenvolvimento social e económico harmonioso e sustentável. Na base dos

dados recolhidos e apresentados, é realizada uma modesta proposta de

princípios orientadores para a sua utilização pelos intervenientes no

desenvolvimento local no Namúli. Este é também um mecanismo de contribuição

Page 10: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

9

para o fortalecimento das percepções sobre a importância do saber costumeiro,

concorrendo para a sua maior integração nos programas e processos de

desenvolvimento.

A expectativa é que, se um dos principais objectivos dos programas de

desenvolvimento sustentável é a provisão das necessidades básicas das

populações, para tal, é crucial o conhecimento do seu meio social e ambiental, a

sua essência filosófica, as tradições, suas práticas e suas percepções sobre o

cosmos. O presente estudo pode constituir uma contribuição para o

fortalecimento de uma nova forma de consciência cultural, ética e ambiental, e

sobretudo, fornecer o quadro geral sucinto para a tomada de decisões

estratégicas sustentáveis e adequadas aos contextos concretos.

Page 11: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

10

II - A Região dos Montes Namúli e a sua População

O presente capítulo faz a introdução sobre a região dos Montes Namúli através

da incursão pelas suas dimensões geográfica, visando fornecer uma base de

análise da informação circunstancial relativa ao objecto do estudo a ser

desenvolvido ao longo dos capítulos subsequentes.

2.1. Breve enquadramento geográfico

O Monte Namúli localiza-se no distrito de Gurué, na província da Zambézia, na

parte setentrional de Moçambique. É o segundo monte mais alto de Moçambique

depois do Monte Binga, com 2.419 me cobre uma área 200 km2. O distrito de

Gurué limita-se ao norte com os distritos de Malema, província de Niassa, e de

Mecanhelas, província de Nampula, ao sul com o distrito de Namarrói, este com

o distrito de Ile e Alto Molocué e a Oeste com o distrito de Milange (INE, 2012).

Com os seus 2,419 metros de altitude, o monte Namúli está situado a uma

altitude de mais ou menos 700 e 800 metros. Em conformidade com certos

autores, a área mais ampla entre os territórios que compreendem a formação

Chire-Namúli é de aproximadamente 430Km2, com cerca de 200Km2 que

compreendem aos montes Namúli e outros picos próximos. Outras fontes

referem que à uma média de 1600 m acima do nível médio das águas do mar, o

Monte Namúli é uma "mesa" de granito no planalto, com dimensões de

50x30km.

Sob o ponto de vista geomorfológico, o maciço de Namúli é constituído de

Rocha Granítica do tipo Porphyritic que se formaram entre 1100-850 milhões de

anos, portanto, do período pré-câmbrico. (DIA, 2009). Deste modo, o Namúli é

um maciço, com pontos mais altos, sendo os picos com maior altitude de (37o

03'E, 15o 22'S; 2.419 metros e 2.369 metros), este, encontram-se imediatamente

ao norte da cidade de Gurué na Província da Zambézia. 3

3. De acordo com DIA (2009), muitos dos outros domos de granito para o leste são mais como inselbergs - cúpulas altas

crescentes abruptamente de uma paisagem relativamente plana. Cerca de 50 km para o norte-oeste perto Mutuáli está o

complexo Cucuteia com uma série de picos de 1000-1900 m, e 50 km para o norte-leste, perto de Malema encontra-se o

Page 12: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

11

A compreensão dos fenómenos em torno dos míticos montes Namúli só pode

ser efectiva a partir de uma perspectiva integrada naquela inerente as

populações do distrito do Gurué como referencia mais ampla, consociando o

cruzamento de múltiplos aspectos sociais e culturais.

Em termos de superfície, o distrito do Gurué ocupa uma área de 5.688 km2.

Localiza-se ao Norte da Província da Zambézia (Alta Zambézia). Em termos

limítrofes, ao nordeste se separa da província de Nampula, pelo distrito de

Malema, ao noroeste o distrito de Cuamba na província de Niassa, mais ao sul é

limitado pelo distrito do Ile, a Este faz limite com o distrito do Alto Molocué e,

finalmente ao Oeste faz limites com os distritos de Namarrói e Milange.

O estudo publicado pela Darwin Initiative Award (2009) faz uma descrição sobre

o enquadramento geográfico do Namúli, nos seguintes termos:

Along with other rugged hills and high ground, the Namúli complex forms part of the watershed between the Rio Lúrio and Rio Licungo catchments, and appears to be the largest single such massif in the country. It is essentially a complex of graniticinselbergs ('whalebacks') or intrusions linked by a high plateau, exposed by millions of years of subsequent erosion. Many of the other granite domes to the east are more like inselbergs.4 (DIA (2009).

Fazem também parte deste espetáculo da natureza os rios mais imponentes da

Zambézia e de toda a Zona Norte de Moçambique. O rio Malema, o principal

curso de água que atravessa a província de Nampula, nasce no monte Namúli, e

depois segue um curso em direcção norte para acasalar com o rio Lúrio.

Seguindo para o sul, dentro da província da Zambézia, encontra-se o rio

Licungo, este também filho do Namúli, que vai desaguar no oceano Índico. Entre

outros mais de uma dezena de cursos de água partindo das vertentes do

Namúli, podemos citar igualmente os rios Luá, Cogola, e o Molocué, este último

que dá o seu nome ao distrito de Alto-Molócué,

monte Inago a 1730 m de altura, enquanto as famosas e carismáticas inselbergs perto de Ribaué medirem 150 km de

distância, na mesma direcção.

4 Junto com outras montanhas e elevações o complexo do Namúli forma parte da Bacia hidrográfica entre o Rio Lúrio e

o Rio Licungo, imergindo como o maior maciço do país. Este complexo é de granitos de "inselbergs" - elevações que

se irrompem abruptamente sobre as superfícies planas. Aproximadamente 50km para o noroeste.

Page 13: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

12

Maciço de Namúli vista num dia chuva

2.2.1. Relevo, geologia e clima

O relevo do Gurué é essencialmente composto por zonas montanhosas e

planálticas, que corresponde à formação montanhosa Chire-Namúli. A altitude

do distrito de Gurué situa-se entre 500 a 1000m, sendo o pico mais alto do

distrito, o Monte Namúli com 1,419 metros. A região compreende áreas

peneplanáticas mais ou menos acidentados. O interesse científico, cultural e

económico foi igualmente destacado por José de Oliveira Boléo, nos seguintes

termos:

Outra região interessantíssima de estudar, sob o ponto de vista morfológico, é a do Namúli. Esta zona montanhosa ergue-se em degraus sucessivos com os estratos sempre inclinados para Norte. Uma falha, no sentido N-S limita, pelo Oriente, o maciço. Por ela estende-se o vale do Mpuipui (Bua Bua), afluente da margem esquerda do Lúrio que os ingleses chamam Bwibwi.5

Em termos geográficos, referindo-se às formações Chire-Namúli, José Boléo

sublinha que:

Para leste do Vale de Rift, do médio Chire ao Lago Chirua e entrando pelo território moçambicano, encontram-se “The Shire Highlands” dos ingleses, denominando nós à parte incluída no território de Moçambique “Formações-Chire-Namúli” porque entendemos que foi o Alto Lúrio, o Luá e Licungo que trabalharam na separação dos montes de Milange, dos Namúli. (...)

A região, acidentadíssima, apresenta picos vários excedendo os 2.000 metros, erguendo-se de largo pedestal acima de 1.000 metros, excelente área de

5. BOLÉO, José de Oliveira. Geografia Física de Moçambique. (Esboço geográfico). Lisboa, 1950. p. 63.

Page 14: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

13

colonização fixa para europeus. As mais altas cotas assinaladas são as seguintes: Namúli I (2.419 m.), Namúli II (2.376 m.), Namúli III (2.174 m.), Mácua (2.077 m.), Currarre (2.067 m.), Mancuni (1.764 m.), Inago (1.729 m.), Tacuane (1.679 m.), todas na zona do Gurúè. (...)6

Geologia

Em termos geomorfológicos, existem três principais unidades de solos no Gurúè,

fazendo parte da mesma unidade geomorfológica.7 A primeira é caracterizada

por solos vermelhos a castanho-avermelhados de textura franco-argilo-arenosa,

profundos, bem drenados e de fertilidade natural baixa e risco moderado de

erosão.

A segunda é caracterizada pela ocorrência de solos líticos castanhos, de textura

franco-arenosa, pouco profundos, excessivamente drenados e de baixa

fertilidade natural sendo a profundidade e risco de erosão as principais

limitações para agricultura. Por fim, a terceira marcadamente de solos

castanhos, profundos de textura franco-argilo-arenosa, moderadamente

drenados e o risco moderado de erosão e condições de germinação são as

principais limitações para agricultura.8

Em suma, o solo da região de Namúli é lítico do tipo franco-argilo-arenosa, cuja

cor que varia de vermelho a castanho e com uma drenagem e fertilidade

moderada. De acordo com o declive do solo (planaltos e maciços montanhosos),

este pode sofrer facilmente a erosão quando descoberto (sem vegetação),

devido a alta intensidade pluviométrica.

Clima

A partir dos dados gerais do distrito de Gurué, pode-se inferir que o clima da

região do Namúli é tropical húmido com uma precipitação média anual de

1.995,7 mm. As chuvas ocorrem entre os meses de Outubro a Julho, podendo

prolongar até o mês de Agosto. A temperatura oscila entre 32.5º C, no mês de

6. BOLÉO, José de Oliveira. Op. cit. p. 73.

7 Carta Nacional de Solos (INIA, 1995- Ministério da Administração Estatal)

8. Perfil do distrito do Gurué: Província da Zambézia. Ministério da Administração Estatal (2005)

Page 15: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

14

Novembro, a 12.3º C, no mês de Julho com uma evapotranspiração média anual

de 1,226,7 mm. O relevo é dominado pelos planaltos que oscilam entre 500 a

100 metros de altitude, e maciços montanhosos separados por zonas

peneplanálticas mais ou menos acidentadas, como é o caso do maciço de

Namúli, dai a designação de “alta Zambézia” o que justifica a existência de

muitos cursos de água (MAE, 2005).

O clima é húmido, mesotérmico moderado com escassez de queda

pluviométrica durante a época do inverno. Gurué apresenta um período seco de

aproximadamente 67 dias e 186 dias húmidos, sendo que o período chuvoso,

normalmente inicia nos finais do mês de Outubro e tem o seu término nos finais

do mês de Agosto do ano seguinte. Os níveis mais baixos de precipitação

ocorrem no mês de Setembro.9

Actualmente, mergulhado entre as extensas plantações de chá de Gurué,

Namúli é o ponto mais alto do maciço e dos cumes associados de granito

situados no norte da província da Zambeziana (MAE, 2005; Timberlake et al.,

2008). Devido a magnitude da sua escultura natural que lhe permite gerar

chuvas orográficas, o monte Namúli é uma fonte hidrológica que sustenta as

comunidades, na base da sua vasta biodiversidade faunística e florística,

incluindo algumas espécies endémicas, o que torna o Namúli apetecível a várias

visitas de curiosos e expedições científicas, destacando deste modo, a sua

importância (Dowensett-Lemaire, 2008; Timberlake et al., 2009; Cangela, 2013).

2.2. Condições agroecológicas

A agroecologia envolve métodos, conceitos e princípios que permitem uma

avaliação e maneio consciente dos sistemas naturais viradas para a produção

de alimentos.10 Em palavras mais simples, a agroecologia é a aplicação dos

princípios e conceitos da ecologia ao desenho e gestão de agroecossistemas

sustentáveis. (Gliessmann, 2001).

9 Perfil do distrito do Gurué:, província da Zambézia. Ministério da Administração Estatal (idem.) 10. Glossário de Termos Usados em Atividades Agropecuárias, Florestais e Ciências Ambientais. Ormando, José

Geraldo Pacheco. 2006.

Page 16: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

15

O debate sobre a agroecologia remete-nos, entretanto, ao conceito de saberes

locais na sua relação com a biodiversidade, os quais são compreendidos a partir

da abordagem multidisciplinar, envolvendo saberes da agronomia, ecologia,

economia e sociologia.

Em Moçambique, a questão da agroecologia envolve um processo de

zoneamento culminando em "zonas agroecológicas", que são regiões com

determinadas características naturais, que, pela sua natureza, indicam quais as

culturas ou actividades agropecuárias mais ajustadas para estas zonas.

A região dos Montes Namúli é neste sentido, consideradas zonas

agrogeológicas 1,11 em face da sua elevada potencialidade agropecuária. Na

verdade, as encostas do Namúli e todo o vale que perfaz o Vale do Rift,

conhecido pelo seu enorme poder em termos de riqueza de biodiversidade, de

recursos hídricos, hidrocarbonetos, fauna e flora e condições ecológicas únicas

no mundo, é uma região de beleza agroecológica inimaginável. As figuras abaixo

são um pequeno exemplo desse poder ecológico e agrogeológico da formação

Chire-Namúli.

Aspecto típico da natureza, paisagem na região dos Montes Namúli

11. Em Moçambique há no total 10 regiões agroecológicas.

Page 17: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

16

0 Tomate, um dos principais produtos agrícolas nas encostas do Namúli.

Quedas de água, um espetáculo frequente nas encostas do Namúli

Grande Vale do Rift (Vista do alto das encostas dos Montes Namúli)

Page 18: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

17

Esta região, que faz parte do Planalto Norte de Moçambique (assumindo o

zoneamento oficial do IIAM), possui óptimas condições agroecológicas, que

estimulam a prática da agricultura de sequeiro para o consumo familiar, e fonte

de rendimento quer através da venda de excedentes agrícolas, quer pela

elevada capacidade de empregabilidade de pessoas na agricultura.12

Ao longos dos últimos anos, a agricultura é progressivamente condicionada ou

caracterizada pela sazonalidade, devido a grande variação da temperatura, e

consequentemente, da precipitação atmosférica. Todavia, em termos gerais, as

condições continuam sendo apropriadas para manter níveis médios de

produção. As secas são raras com uma frequência de uma vez em cada 10

anos. (FEWS NETWORK-2014).

2.3. Diversidade faunística

Pela sua flora e fauna, a região do Namúli faz parte da lista dos ecossistemas

mais ricos e diversificados do planeta. Com efeito, esta região alberga uma

grande variedade de espécies vegetais e animais endémicas, ou seja, que não

podem ser vistas num outro lugar no mundo, compreendendo uma diversidade

de aves, insectos, em particular as borboletas, pequenos mamíferos e répteis,

das quais, algumas são endémicas para a região como legado do monte

perdido.

Importa referir que trata-se de uma fauna caracterizada essencialmente por

animais de pequeno porte 13 sendo que as últimas espécies de animais de

grande porte foram vistas entre os anos 1980-1990.14

12 Moçambique - Descrição das zonas de formas de Vida. FAMINE EARLY SYSTEMS NETWORK (FEWS NET-

2014). 13 Nos vários relatos e referências bibliográficas aponta-se para a existência, no passado, talvez há uma dezena de anos,

de várias espécies animais de grande porte nesta região, dos quais se citam: Leões, elefantes, rinocerontes,

hipopótamos, tigres, entre outros, que, hoje, já não podem ser vistos. Apontam-se várias causas que podem estar na

origem do desaparecimento destes animais como o crescimento e expansão demográfica para as zonas onde

tradicionalmente estes animais habitavam (Aqui aponta-se para a expansão das zonas de cultivo pelas comunidades) e

as guerras que assolaram o país desde a década de sessenta: A guerra de Libertação Colonias e a Guerra Civil que

durou dezasseis anos. 14 Relatos da DIA (1999) referem que o último leão foi avistado pela última vez no ano de 1987 e um leopardo em

1990.

Page 19: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

18

O estudo do DIA (1999) faz um relato exaustivo sobre as espécies de animais

dos Namúli, mais destacadamente sobre aves, fazendo uma referência especial

ao pássaro denominado Namúli Apalis, que a espécie de ave que actualmente

somente pode ser encontrada nos Montes Namúli. A par das aves, também

podem ser encontrados, como nos referimos acima, espécies de rastejantes,

insectos e anfíbios.

Diversidade faunística dos Namúli uma riqueza biológica valiosíssima

2.4. Diversidade florestal

À semelhança da fauna, a flora da região dos Namúli é bastante diversificada.

Apesar de haver uma intensa pressão sobre a vegetação em função do

incremento das actividades agrícolas, pelas comunidades adjacentes aos

montes Namúli. Parte da vegetação encontrada nas regiões dos Namúli está

imersa no interior das encostas das montanhas, actualmente quase inacessíveis.

Pode ser por essa razão que, em grande medida, a flora permanece

praticamente intacta. Um outro aspecto que pode contribuir para a fraca

intervenção humana sobre a vegetação, é o carácter sagrado de parte das

Page 20: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

19

florestas. Em termos gerais, pode-se dizer que os tipos de flora predominantes

nesta região são:

Florestas, bosques, zonas de pastagens, arbustos e pequenas ervas que

desabrocham nas fendas das rochas.

Este estudo não tem como enfoque a apresentação detalhado das diferentes

espécies vegetais, pelo que podemos nos socorrer nalgumas referências já

feitas em estudos passados.

Page 21: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

20

Globalmente, podemos constatar que a vegetação acima de 1200 metros de

altitude é categorizada em seis principais grupos, a saber: i) floresta de

montanha, ii) floresta arbórea, iii) floresta arbustiva, iv) capinzal montanhoso, v)

matas estreitas ou manchas sobre as rochas emergentes, e vi) áreas cultivadas.

2.5. As populações da região dos Montes Namúli

A narrativa sobre a origem das populações que habitam as encostas dos montes

Namúli é plena de mitos diversificados, o que enriquece a própria matéria de

análise histórica. Trata-se de uma narrativa que encontra sempre um novo

ponto-de-partida em cada orador que se propõe a relatar sobre os mistérios do

Namúli. Entretanto, há unanimidade em se assumir que a vida, o homem que

governa as planícies, os planaltos e as montanhas, que exerce poder sobre as

Page 22: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

21

florestas e sobre o mar, tenha surgido nas grutas situadas no pico mais alto da

cordilheira Chire-Namúli, o monte Namúli.

2.5.1. História sobre as Origens

O Monte Namúli é considerado epicentro do princípio da vida Humana biológica

e espiritual, particularmente para as comunidades Lomwé-Makhua que habitam

o norte de Moçambique. É também conhecido como o local onde repousam

eternamente os espíritos dos ancestrais (Makholo) daquelas comunidades.

Como testemunhos desta crença, existem no cume do Namúli, sobre a rocha,

vestígios envoltos de misteriosos (Miririmo), sob a forma de pegadas humanas

supostamente dos Primeiros Homens, uma Lagoa, Anões (Muacona kiruakavi), e

uma grande diversidade de frutas na forma selvagem, o que sugere tratar-se de

indícios de um antigo habitat humano.

De salientar que estes testemunhos só se visualizam mediante a observância de

rituais (Maqueya) prévios, realizados sob a liderança da autoridade tradicional

local, concretamente, pela Rainha. Contam as narrativas populares na região do

Namúli que, sem a sujeição a tais rituais preliminares por parte dos visitantes,

jamais se chegará ao cume do Namúli, e incorre-se ao risco de a pessoa se

perder para sempre no monte. Um outro discurso sobre os riscos que o indivíduo

poderia incorrer ao subir o Namúli sem observar as tradições locais, refere:

O castigo a quem se subir ao cimo do monte, era (como é muitas vezes, nesta parte do mundo, o castigo de quem viola alguma regra costumeira) a pessoa perder-se e nunca mais encontrar o caminho para casa. O que é original – e delicioso, na minha opinião – na lenda Lomwé é a maneira como a pessoa se perde: se o guardião eterno da montanha lá apanhar alguém, começa a falar com essa pessoa tanto e tão depressa que a confunde completamente; e ela, de tão baralhada que fica, nunca mais encontra o caminho de volta.

Antes da expansão do cristianismo, o culto, nas comunidades desta região do

Namúli era feito exclusivamente, através de cerimónias de invocação dos

Page 23: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

22

espíritos ancestrais que repousam no monte Namúli, como forma de manter a

ligação entre os vivos e os mortos.

Referindo-se a história das origens dos grupos etnolinguísticos assentes em

torno dos Montes Namúli, o historiador Zacarias Ivala (1999) argumenta que a

região dos Namúli teria acolhido uma fracção de migrantes Bantu, provenientes

das regiões da África Central, num processo que terá durado desde o início da

Era Cristã, tendo se prolongado por mais vários séculos. Este movimento

migratório teve sempre o foco, toda a cadeia montanhosa, conhecida por montes

Namúli.

Os povos saídos das cavernas dos montes Namúli, teriam vivido no princípio,

num grande planalto do Namúli. Com o aumento da população, degeneraram-se

em conflitos pelo acesso e gestão dos poucos recursos existentes, culminando

com o êxodo do monte sagrado e a dispersão das populações pelas diversas

regiões das actuais províncias da Zambézia, Nampula, Niassa e Cabo Delgado,

alcançando a parte oriental da República do Malawi.

O monte Namúli é deste modo, considerado o berço mítico dos Lomwé e das

etnias correlacionadas, cuja história encerra uma concepção e construção

mitológica única e aliciante. Nessa perspectiva, certo ancião entrevistado disse:

Todos nós, descendemos duma Grande Mãe que habita(va) as montanhas do Namúli. O nome atribuído à Grande Mãe Macua é Nipele. Nome que faz todo o sentido...O Seio, que alimenta, que dá vida. Outro nome atribuído à Grande Mãe seria Errukhulu (Ventre). A Grande Mãe teria enviado 4 filhos, descer o Namúli, para humanizar os territórios a norte do rio Zambeze. Este movimento alastrou-se desde a Zambézia, passando por Nampula, Tete, Cabo Delgado, Niassa, Malawi até ao sul da Tanzânia.

No monte Namúli, existe um pássaro com cerca de 12 centímetros, com um

cantar divinal. Não existe em mais sítio nenhum do planeta. Chama-se Namuli

apalis. É uma espécie endémica do Namúli. Para os nativos, o Namuli apalis

representa o espírito da Grande Mãe dos Lomwé-Makuwa.

Page 24: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

23

O conceito de Grande Mãe existe há milhares de anos. Está presente nas

primeiras civilizações humanas. Estas sociedades matrilineares conferem à

mulher um papel de relevo na sociedade, o que consubstancia a descendência

pela linha materna. É deste modo que um grupo de anciãos entrevistados

sentenciou: “Aqui, o teu sobrinho, o filho da tua irmã, é o teu herdeiro”.

Não existe consenso sobre as motivações que terão levado a essas

movimentações a partir dos Montes Namúli. No entanto, a história comum das

grandes migrações entre os povos Bantu, destaca a constante procura de zonas

aráveis para a agricultura e pastorícia, as disputas políticas e neste caso

concreto, pode-se mencionar as invasões dos Maravi e as invasões dos grupos

Nguni, naquilo que foi registado nos anais da história de Moçambique como a

guerra dos Mavitti. (Ivala, 1999).

Dentre os vários aspectos narrados pelas fontes orais, conta-se que os primeiros

povos que habitaram aquela região envolveram-se em disputas familiares, clãs

ou tribos o que terá levado provavelmente a um êxodo massivo, onde se assistiu

a dispersão progressiva de vários grupos de populações saídos do Namúli para

ocupar as planícies onde se encontram actualmente. Foi assim que, seguindo o

curso dos dois grandes rios que nascem no Monte Namúli, nomeadamente o rio

Malema e o rio Licungo, esses grupos ocuparam regiões extensas e distantes

que hoje compreendem toda a Alta Zambézia, Nampula, Niassa e Cabo

Delegado, e uma parte da actual República do Malawi, dando origem aos povos

Lomwé com variantes Macuas.

2.5.2. Mitologia sobre as origens

Os mitos são parte importante no processo de construção de identidades,

portanto uma produção social. As teorias naturalistas desenvolvidas ao longo do

século XIX, apresentam o mito como factor teórico ou contemplativo que dá

origem à ciência e consiste em tomar determinado fenómeno natural como

chave para a explicação de todos outros fenómenos15. Uma outra concepção

15. Dicionário de Filosofia-Martins Fontes. São Paulo; 1998.

Page 25: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

24

não menos importante é a de Fraser e Malinowski, buscam no mito, a

justificação retrospectiva dos elementos fundamentais que constituem a cultura

de um grupo.16

No caso vertente das populações dos Montes Namúli os mitos estão presentes

nas narrativas sobre a sua origem. Trata-se de uma referência indispensável no

processo de compreensão das suas vivências. Esta referenciação aos mitos é

um facto de grande importância na construção da identidade das comunidades

Lomwé, quando elas sustentam os argumentos sobre as suas origens, sobre o

mundo, a humanidade em fim, sobre a vida.

É nessa configuração socio-antropológica que os Montes Namúli representam

para as comunidades que habitam em seu redor, o princípio da vida. "Os montes

Namúli pariram a humanidade”.

Esta crença é partilhada pelos anciãos contactados durante o decurso do

presente estudo, socorrendo-se a memória que guardam dos seus ancestrais.

Para estes, “os Montes Namúli constituem o local onde a alma, os espíritos dos

ancestrais descansam suavemente, pois é para lá onde todos os povos que ali

nasceram, retornam.

Alguns estudiosos defendem que os macuas chegaram à região onde hoje

vivem, vindos na onda das inúmeras migrações dos povos bantus, por volta do

século XI. Mas os próprios macuas não são desse parecer. Eles acreditam que

foi Deus quem os criou no monte Namúli. É o que os pais ensinam aos filhos,

empregando numerosas versões de lendas e mitos, para contar como tudo

aconteceu. Eis uma delas, contada e repetida em diversas comunidades da

região do Namúli:

"Um dia, nas entranhas do monte Namúli, Deus fez germinar homens a partir das raízes de um embondeiro – a chamada «árvore dos mil anos», imensa."

16. Dicionário de Filosofia (idem.)

Page 26: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

25

"Reunidos em pequenos grupos e seguidos por animais da floresta, os primeiros macuas conseguiram sair desse reino de trevas e chegar à luz. Uma vez à superfície, cada grupo recebeu um nome, capaz de unir os seus membros e torná-los irmãos uns dos outros. Foi assim que se formaram os clãs que ocupam hoje o território macua."

"Um dia apareceu a morte e, com ela, a necessidade do casamento, para gerar filhos que ocupassem o lugar dos mortos de cada grupo. Mas como poderia ser, se todos eram irmãos?"

"Os anciãos reuniram-se então e tomaram uma decisão: o homem, quando casa, passa a viver com a família da esposa, mas não tem nenhuma autoridade sobre os seus filhos. Só sobre os filhos da sua irmã."

"Essa comunidade multiplicou-se rapidamente, tornou-se um grande grupo que não cabia no cimo dos montes Namúli. Por isso abandonaram-na e vieram para a planície. Mas nunca esqueceram as suas origens e ouve-se frequentemente a frase: Miyo kokhuma o Namúli (fui gerado no monte Namúli)."

Entre as várias narrativas recolhidas, pode-se mencionar a seguinte:

"Há dois montes em Moçambique de destacada importância para as nossas populações. Trata-se dos Montes Binga, na província de Manica e os Montes Namúli aqui na província da Zambézia, aqui no nosso distrito." Aquele, o maior, o Monte Binga é a mãe das gentes da zona Centro e um pouco mais para o sul de Moçambique." E este o Namúli "pariu" as gentes da parte Norte de Moçambique."

Ou, como é descrito por Artur (2003), citando uma fonte oral.

"No monte Namúli (lugar da antropogonia = nascimento do homem) há uma caverna ou fenda (= matriz, seio materno); há um grande ovo, acrescentam outros (o ovo aqui é símbolo de nascimento exemplar do mundo=cosmogonia). Do mesmo monte nascem vários rios, há uma lagoa lá em cima (água, símbolo de fecundidade)."

Também relatam António e Arigora (2011)17:

"Os primeiros homens depois de serem criados por Deus, nas grutas da serra de Namúli, organizavam grandes viagens até as planícies descendo por vários caminhos e, na medida em que iam se multiplicando iam-se repartindo, dando origem aos vários subgrupos um dos quais os Lomwés."

Ainda no contexto da mitologia sobre as origens das populações do Namúli,

talvez valha a pena citar Artur (2003), quando refere que, tomando em

perspectiva as várias referências e factos, é pouco verossímil que se assuma

17 O Povo Macua-Lomwé da Zambézia -Pebane (2011). arigora.blogspot.com-consultado no dia 15 de Agosto de 2016.

Page 27: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

26

apenas que as populações adjacentes aos Montes Namúli sejam apenas

fragmentos saídos da migração Bantu. Associado a esta perspectiva de Artur

(2003) a colocação de Nunes (1999) permite uma compreensão da mitologia

sobre as origens das populações do Namúli que aprofunda o debate relativo ao

surgimento das comunidades Lomwé, como pode ser observado no texto a

seguir:

"Num certo dia, nas entranhas profundas do Monte Namúli, o Criador fez "germinar" homens a partir das raízes de um imenso embondeiro. Estes homens, após a sua criação, reuniram-se em pequenos grupos e, seguidos por animais da floresta partiram em direcção a luz do sol que reluzia dentre as fendas do enorme buraco onde o Criador os fez germinar. Estava assim criado o primeiro grupo de homens "macuas", portanto "paridos" pelo Namúli. Chegados à superfície, cada um dos grupos recebeu um nome,18 capaz de unir cada um dos membros e assim torná-los irmãos. Até que um dia apareceu a morte! O susto da morte levou ao estabelecimento de laços conjugais, união de homens e mulheres, como uma forma de, a partir deste pressuposto, garantir-se a reprodução e, com isso garantir-se a sobrevivência do grupo. Assim, foi decidido pelos anciãos que o homem, uma vez casado, passaria a viver com a família de sua esposa, mas sem quaisquer autoridades sobre os seus filhos. Apenas sobre os filhos da sua irmã. Foi assim que se deu a multiplicação dos Emakwas, formaram um grupo numeroso no topo da montanha e, não havendo mais espaço suficiente para todos e faltando zonas de cultivo, foram descendo e ocupando as zonas da planície onde habitam até os nossos dias. (Nunes, 1999)19.

A existência de um “criador supremo” que terá se baseado no Namúli, aparece

com muita frequência nas narrativas sobre a origem destes povos. Esses relatos

tomam variadíssimas formas, tais como mitos e lendas, alimentando a crença

segundo a qual tudo começou lá, nos Namúli. Um facto que reforça a posição de

Artur (2003), quando este nos diz que “os Bantu não podem ser

necessariamente a única referência explicativas das origens, dentre as dezenas

de narrativas encontradas entre os populares dos Namúli. Aqui podemos notar

que, muito provavelmente, a referência aos Bantu vindos da região dos Grandes

Lagos seja uma perspectiva simplista ou inacabada, e que ignora estes saberes

bem como os assentamentos humanos anteriores as migrações Bantu, o que

pode ser um ponto-de-partida para uma discussão mais aprofundada.

18 Estes nomes atribuídos a estes grupos pode ser ao que entre os Macua-Lomwé se chama "Nihimo" 19. Nunes, Rogério. - Macuas: Filhos da Montanha. Revista Além-Mar. 1999.

Page 28: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

27

2.5.3. Organização Social

Quanto a estrutura e ordenamento territorial, as comunidades do Montes Namúli

são associadas, por vários estudiosos, aos Makhuas, por sinal, o grupo

etnolinguístico mais estudado que os Lomwé, apesar de se reconhecer que

estes últimos é que residem ainda no berço de todas as comunidades Lomwé-

Makhua.

É deste modo que a literatura especializada refere que indivíduos Emakhuwa20

habitam, desde os tempos mais remotos, as regiões da Alta Zambézia, onde faz

parte o distrito do Gurué, a província de Nampula que, como nos referimos

acima, acredita-se que tenha sido para lá onde teriam se deslocado os

ancestrais dos montes Namúli em consequência das várias disputas sociais e

políticas, a província do Niassa mais para a zona sul, a província de Cabo

Delegado igualmente a sul, e pequenos substratos encontram-se nos países

vizinhos, como é o caso do Malawi e da Tanzânia.

Uma família típica do distrito de origem Lomwé

Um dos aspectos mais importantes quanto a organização social das

comunidades do Namúli, é a sua estrutura sociofamiliar. Das referências

bibliográficas e factos observados, constata-se que a organização deste grupo é

essencialmente matriarcal, o que quer dizer que o sistema de parentesco nestes

grupos é definido pela via materna, compreendendo, nesta forma de ser, todos

20

. Esta referência não contradiz a afirmação segundo a qual as populações da região dos Namúli é predominantemente

Lomwé. Na verdade, as poucas referências de que se tem conhecimento referem-se ao Lomwé como um subgrupo

derivado dos Emakhuwa. Portanto, para um enquadramento mais esclarecedor no concernente a organização social,

optamos em focalizarmo-nos no grande grupo Emakhuwa.

Page 29: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

28

os indivíduos de ambos os sexos, adultos ou crianças, que descendem, por

aquela via, de uma antepassada comum.

Esta base estruturante interfere igualmente na organização dos factores de

produção, ou seja, a forma como as populações encaram e se organizam para a

produção. Concretamente, os meios de subsistência são "controlados" pela

mulher, a quem cabe o poder de todos os seus descendentes directos,

nomeadamente filhos (menores) ou filhas (independentemente do seu estado

civil) e igualmente filhos menores e filhas das suas filhas. A responsabilidade

pelas crianças, cabe ao tio materno, neste caso, um dos irmãos da mãe, mais

concretamente o mais velho.

2.5.4. Estrutura social

Nas comunidades da região do Namúli, a família é o centro de todas as relações

sociais. No entanto, existe o nihimo21 como unidade social superior, onde todos

os subgrupos étnicos encontram o seu enquadramento. O historiador

moçambicano Zacarias Ivala (1999) explica que a organização social destes

grupos da região dos Montes Namúli consistia em unidades ora pequenas ora

grandes unidades familiares (uterinas), que territorialmente se juntavam em

número variável, para constituir uma unidade política sob a égide de uma das

linhagens. Este chefe é designado por Mwene Mulupale ou Mpewe.

Ainda em conformidade com o historiador Ivala (1999), a estrutura sociopolítica

local pode ser resumida no seguinte:

1) Um mamwene mutokwene - Que é o chefe do nihimo politicamente

dominante ou dono das terras.

2) Vários mamwene - Que são independentes uns dos outros, ligados entre

si principalmente por laços matrimoniais, possuindo cada um os seus

21. Mahimo no plural.

Page 30: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

29

dependentes e sendo um deles o mais importante por ter sido o primeiro a

fixar-se nas terras.

Em cada caso e escalão em relação ao Mwene está associada uma figura

feminina (a pwiyamwene) e um conselho de anciãos (asitokwene - os grandes,

os notáveis) ou anamiruku (os conselheiros).

Uma família em actividades domesticas no Gurué

Esta referência a estrutura sociofamiliar das comunidades do Namúli pode não

ser exaustiva, o que poderá ser feito em estudos ulteriores de especialidade.

Assim, a estrutura acima apresentada propõe-se a ser uma ilustração sucinta

para a compreensão do objecto principal do presente estudo.

2.5.5. Os ritos

Os ritos estão intrinsecamente ligados aos mitos. Tal como o mito, os ritos

contribuem para a continuidade das diferentes formas de vivência e convivência

das comunidades. É essencialmente um mecanismo de busca de referencias

identitárias que permitem o indivíduo situar-se perante o outro, e viver em

sociedade. Os ritos são frequentes entre os povos Bantu e eles estão presentes

na vida dos indivíduos desde o seu nacimento até a morte.

2.5.6. O nascimento

O nascimento (oyariwa) é um momento de grande celebração entre as

comunidades dos Montes Namúli, acompanhada sempre por gritos de alegria

Page 31: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

30

estridentes (elulu). Afinal, trata-se de mais um ser, um elemento que veio ao

mundo para garantir a continuidade da linhagem, do grupo, e das suas tradições.

Importa referir que a intensidade da celebração varia de acordo com o sexo da

criança recém-nascida. Tratando-se de sociedades matrilineares, a emoção será

maior quando o nado for do sexo feminino.

Este processo da vinda de um novo membro é, como todos outros momentos

importantes destas comunidades, acompanhado por anciãos. Neste caso

vertente, são as mulheres mais velhas que recebem o nome de "Namuku" que

orientam o parto, cortando o cordão umbilical e atando-o, dando o primeiro

banho que é naturalmente um mecanismo de "introdução" do novo membro junto

aos antepassados.

Crianças das comunidades adjacentes ao Montes Namuli

Pode-se afirmar que o nascimento de um bebé é dos momentos mais

complexos, olhando para o tipo de rituais que envolvem estas ocasiões. Um

desses rituais é o chamado "otxipiha moro” que em tradução directa equivale

dizer “apagar o lume”, que consiste em dar o banho ao bebé, o ritual chamado

“orapihiwa mwana”, seguido pelo corte de cabelo do mesmo “okwatxa mihi”, um

acto que significa purificação e só depois disso é que se procede com a

apresentação da criança aos demais membros da comunidade. Este processo

de rituais continua até o período de desmame, fase em que a criança beneficia

de um “banho de purificação”, e é formalmente apresentada ao Mwene e a outas

Page 32: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

31

personalidades relevantes da sua comunidade, marcando deste modo, a

integração da criança no seio da comunidade.

2.5.7. Os ritos de iniciação

Os ritos de iniciação constituem o momento mais sublime na vida do indivíduo,

no qual se opera a transformação, a aceitação, a valorização enfim, a

possibilidade de criação de condições psicossociais para a passagem ao

estatuto de adulto, pela sua integração plena numa ordem simbólica e religiosa

específicas. O indivíduo passa, como já nos referimos acima, a conhecer os

preceitos morais, filosóficos, cosmogónicos e todos os outros aspectos

relevantes sobre a sua cultura e a sua comunidade.

2.5.7.1. "Emwali" - Iniciação de Raparigas

O ritual Emwali, ou seja, o rito de iniciação feminina, é um momento de

preparação e transição das raparigas para uma fase adulta. Na prática, as

mulheres passam por um processo de formação contínua propiciado pelo

convívio permanente com a mãe. Ela não precisa necessariamente esperar pelo

cerimonial de Emwali para começar a dominar alguns preceitos fundamentais

relativos a sua comunidade e particularmente, no que se relaciona com a sua

condição feminina. Este facto deve-se a relação íntima e insubstituível que a

mãe, na tradição Lomwé, tem para com os bebés desde o seu nascimento. Na

verdade, a educação, ou seja, os ensinamentos partem dela como a primeira

referência dos filhos na sua evolução até a adolescência.

O processo de iniciação das raparigas é gerido pelas anciãs, que aproveitam

esses momentos para transmitir os mais preciosos valores da comunidade. A

forma de vestir, de sentar, de saudar, de servir o seu esposo, como anunciar o

período de menstruação ao seu esposo, entre outros aspectos inerentes a vida

na comunidade e em comunidade. Acima de tudo, o Emwali é um mecanismo

eficaz no processo de preservação e transmissão de valores e conhecimentos

ao longo de gerações.

Page 33: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

32

Raparigas Lomwé em actividades domésticas

2.5.7.2. O "ossileiwa" - Iniciação de Rapazes

Este momento, tal como o momento de iniciação das raparigas, significa a

transição para a vida adulta. Este processo confere ao rapaz o direito de

frequentar certos espaços anteriormente a si, vedados e actividades que só

podem ser executadas por pessoas adultas.

Á semelhança do momento em que é nascido, o rapaz em iniciação deverá ser

rapado o cabelo, o que representa uma nova vida. Este momento é na verdade

de festa, pois a família se reúne para preparar a tão almejada transformação do

menino. Posto isto, o Mwene assume as rédeas e, junto de outros membros

influentes da comunidade se deslocam para um lugar previamente identificado,

onde será realizada a cerimónia, normalmente tem sido na floresta.

Uma das marcas simbólicas da iniciação masculina é a circuncisão. Durante os

três dias, na verdade, as cerimónias antecedentes são de certa forma um

preparo para este grande momento. A circuncisão, para além de ser um

processo que marca a transição do rapaz para a fase adulta, é igualmente um

mecanismo através do qual são passadas informações importantes sobre os

aspectos mais importantes da comunidade.

Page 34: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

33

Rapazes da comunidade de Curruca em recreio

2.5.8. A Morte

A morte encerra em si um mistério, algo que está muito para além da

compreensão do homem. O fenómeno da morte sempre preocupou a

humanidade, seja provavelmente por isso que existem no mundo, várias formas

de encará-la. Entre as comunidades adjacentes aos Montes Namúli, ou seja, as

comunidades Lomwé, a morte é considerada uma ocorrência natural pela qual o

indivíduo é chamado pelos Antepassados.

Aliás, se bem que os rituais de iniciação conferem a ascensão do indivíduo ao

estatuto social imediatamente superior, a velhice e a morte representam o

alcance dos estatutos supremos. Se o idoso ou o ancião representa a sapiência,

a morte (particularmente de um ancião) significa o chamamento do indivíduo

para o estatuto de “Antepassado” e por conseguinte, de divindade, de protector

dos vivos na terra.

Quando ocorre a morte no seio destas comunidades, é organizado um ritual no

qual as mulheres assumem um papel preponderante, nomeadamente lavar o

cadáver. Este “banho” assume aqui um significado especial pois não se trata de

apenas um mero acto higiénico, é acima de tudo um ritual sagrado pelo qual

todo defunto deverá passar.

Neste processo, o tio materno mais velho do falecido, lidera os processos

subsequentes, concretamente, a preparação das exéquias, o que inclui, por

Page 35: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

34

exemplo, a escolha do lugar onde o cadáver deverá ser depositado, o de

concentração da comunidade, os aspectos relativos ao funeral propriamente

dito, a logística, entre outros.

Não existe um critério predefinido sobre o lugar da sepultura, mas tem de ser

sempre em lugares afastados de zonas residenciais, excepto os casos de morte

de um ancião, cujo enterro é geralmente realizado nas cercanias da sua casa. O

único aspecto comum, e fundamental, é que as campas, devem estar sempre

viradas para o Monte Namúli, na medida em que é lá onde começou a vida,

devendo ser para lá onde ela deve terminar, ou seja, é para o Namúli que o

indivíduo vai depois da morte.

A história oral indica que nalguns casos, particularmente de morte de um

ancião/a, podem ser ouvidos estrondos provenientes do monte Namúli, o que se

tem traduzido como se tratasse da “abertura de portas para a entrada da alma

do falecido”. (Ohuleliwa mulako).

Cemitério nas encostas do Namúli

2.6. Resumo

A abordagem feita acima, suscita a necessidade de clarificação de alguma

terminologia de base. Aludimos as noções de família, parentesco, clã e grupo

étnico, que consideramos relativamente complexos e por vezes controversos

nos debates e abordagens antropológicas.

Page 36: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

35

As comunidades do Namúli constituem formações socioeconómicas que, para

além de serem caraterizadas por um modo de produção e uma base de sua

superestrutura específicas, comtemplam igualmente, formas históricas de

organização social e política, designadas ao longo do tempo, por clãs, tribos e

etnias.

O debate sobre estas últimas terminologias e sua essência, não é conclusivo.

Alguns estudiosos remetem a paternidade destas formas classificatórias, aos

sistemas coloniais particularmente em África. Outros diluem os seus pontos de

vista na dificuldade de busca de equivalentes das formas de organização social,

política e administrativa das sociedades africanas em relação aos modelos

ocidentais.

Neste âmbito, é relativamente consensual o conceito fornecido por Afanassiev,

segundo o qual, o clã designa “a comunidade de Homens unidos por certa

relação de parentesco consanguíneo e certos vínculos económicos, defesa de

interesses comuns e luta em conjunto contra as forcas espontâneas da

natureza”.22

Por outras palavras, consideramos clã, o grupo de pessoas com afinidades de

parentela unilinear, partilhando o mesmo território, unidos por relações

socialmente reconhecidas, fundadas numa linha genealógica comum

considerada real. Por seu turno, a etnia tem como base a partilha do mesmo

território, assim como da língua e da cultura. As etnias surgiram, sobretudo, da

fusão de tribos semelhantes.

Os grupos étnicos (baseados em unidades de pessoas partilhando um território,

língua e cultura específicas – daí a expressão “grupo etno-linguístico”),

distinguem-se das outras formas identitárias, pela sua base material, ou seja,

pela característica da base da sua economia natural, geralmente agrícola,

expressa por um fraco nível de divisão social do trabalho.

22

. AFANASSIEV, V. G. – Fundamentos da Filosofia. Edições Progresso, 1982. Moscovo. p. 278.

Page 37: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

36

Na região do Namúli, o clã é chefiado por um Conselho de Anciãos do qual

fazem parte homens e mulheres, que para além da sua idade avançada, gozam

de grande prestígio na sociedade, desempenhando funções sociais,

económicas, político/jurídicas e religiosas/espirituais específicas.

É função da família enquanto fonte e vector da transmissão de sistemas de

valores e normas sociais, as suas funções económicas, de transmissão (aos

descendentes), dos traços culturais distintos, cujos elementos de preferência

como o grau de altruísmo, de aversão as diversas formas de risco, indo até as

questões de fecundidade, da participação na vida activa da sociedade, entre

outros.

O desenvolvimento da personalidade não ocorre num contexto muito rígido. Por

sua natureza, a família é um refúgio eterno e uma unidade sempre presente para

o indivíduo. A família e as relações familiares são eternas porque o seu fim se

situa além do horizonte. É por essa razão que mesmo em caso de morte do

chefe da família, os membros da família se reencontram e um novo patriarca

emerge e assegura a continuidade.

Como dizia certo autor a propósito da partilha de responsabilidades: - ao lado de

um chefe, um ancião ou adulto imediato assegura as funções de conselheiro.

Entre as populações, a sucessão de um chefe de família é confiada ao

descendente mais velho, procedimento que se enquadra no contexto do culto

aos anciãos, na medida em que estes são considerados como estando próximos

dos mortos, dos antepassados.

No seio da família, não existe a diferenciação entre os indivíduos, prevalecendo

a estratificação na base dos grupos de idade. Por exemplo, entre outros tantos

sinais é o facto de os homens comerem juntos e geralmente no mesmo parto. As

crianças consideram seus pais, todos os adultos da geração dos seus pais

biológicos. É por isso que a criança é acolhida em qualquer família da sua

comunidade ou sociedade, onde recebe tratamento como se de filho biológico se

tratasse.

Page 38: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

37

Nestas comunidades, a velhice representa o alcance de um estatuto muito

importante na sociedade, a de ancião (nikholo, ou makholo no plural). Deste

modo, o nikholo é ainda, uma pessoa que granjeia do respeito de todos os

membros da sociedade, pelo facto de serem detentores de conhecimentos

amplos, experiências e memórias dos antepassados, fazendo com que as suas

opiniões sejam incessantemente requeridas e observadas.

Page 39: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

38

III: Saberes locais e gestão dos recursos naturais na região do Namúli

A Convenção sobre Diversidade Biológica define a biodiversidade como sendo -

a variabilidade entre os organismos vivos de todas as origens, incluindo

ecossistemas terrestres, marinhos, e outros ecossistemas aquáticos e os

complexos ecológicos de que são parte. Esta abordagem inclui:

Diversidade dentro da mesma espécie ou diversidade genética;

A diversidade entre espécies;

A diversidade de ecossistemas.

A diversidade dos ecossistemas está relacionada com a variedade de habitat

(isto é, florestas, savanas, desertos, terras húmidas, rios, mares, oceanos), no

qual se encontram as espécies. Os ecossistemas são constituídos por grupos

complexos de espécies interdependentes, e que contribuem para a manutenção,

por exemplo, dos ciclos naturais de água, oxigénio, azoto, carbono, etc., mas

também para o fluxo de energia necessária para a vitalidade de todos os seres

vivos do planeta terra.

A conservação da biodiversidade é uma questão transectorial e de interesse de

todos os humanos. Por exemplo, no Namúli, ela interessa e influencia a

produção agrícola, a qualidade do meio ambiente, a cultura e a dimensão

espiritual de grande parte dos elementos de referência no Namúli, aos

académicos, as instituições de ensino, as comunidades em geral, entre outros.

Existe uma longa tradição de estudo dos ecossistemas da região do Namúli,

sendo que a pesquisa mais antiga de que a história tem memoria, foi sobre as

plantas, realizada por Joseph Last, no ano de 1887. Em 1932, teve lugar o

primeiro estudo sobre os passarinhos desta região, por Jack Vincent.23 Estas e

outras missões científicas identificaram variadíssimas espécies de plantas

endémicas que apenas o Namúli é detentor.

23

. TIMBERLAKE, Jonathan, DOWSETT-LEMAIRE, Françoise. et al. Mount Namúli, Mozambique:

Biodiversity and Conservation. Darwin Initiative Award. 2009. p. 9

Page 40: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

39

O interesse pelas questões sobre o conhecimento local na preservação dos

ecossistemas naturais é relativamente recente, o que justifica a fraca

disponibilidade de estudos e publicações neste domínio. Por outras palavras, a

combinação entre a sociedade, a natureza e as ciências é uma realidade muito

recente.

O presente estudo poderá contribuir para o suprimento, inda que de forma muito

limitada e modesta essa lacuna, através da sistematização das experiencias das

comunidades da região do Namúli, garantem a sua subsistência económica e a

sua reprodução social, os mecanismos de transmissão dos mecanismos de

gestão sustentável dos recursos naturais, bem como as formas de adaptação a

novas realidades impostas pela natureza ou pela presença cada vez maior da

legislação ambiental promulgada pelo Estado Moçambicano.

Não se trata de um texto epistemológico de especialidade, assumido com

profundidade académica. No entanto, apresenta elementos suficiente e

criteriosamente recolhidos através de entrevistas individuais e colectivas, a

interacção com as comunidades, a observação e participação na vida

comunitária na região do Monte Namúli.

O presente capítulo pretende abordar as experiências comunitárias de gestão da

biodiversidade, constituindo deste modo, a sua súmula. É a partir da

compreensão desses saberes que se pode construir um entendimento sobre o

futuro das relações entre as comunidades dos Namúli e os seus ecossistemas

naturais.

3.1. Percepções sobre a biodiversidade

As comunidades adjacentes aos Montes Namúli têm uma relação bastante

próxima, muitas vezes sagrada, com a terra, a água, a flora e fauna, entre

outros. Aliás, é difícil encontrar uma fronteira entre o homem inserido na sua

comunidade e a biodiversidade, quando na verdade ele próprio, o homem, é

Page 41: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

40

parte integrante deste enorme complexo natural que consubstancia a

biodiversidade.

Os traços que definem as percepções entre as populações do Namúli sobre a

biodiversidade não podem ser vistas fora do contexto da cultura e cosmogonia

dos povos Bantu no geral. Várias são as evidências de estudiosos que relatam o

cruzamento dos povos "nativos" dos Namúli e os grupos Bantu, sendo

conhecido, como já nos referimos, o que significou este cruzamento. O

historiador africano Kizerbo (2010) descreve esse fenómeno da seguinte forma:

Mesmo nas épocas pré-agrícolas e nos períodos iniciais da agricultura, os homens levavam consigo, nas migrações ou deslocamentos, seus instrumentos, técnicas, modos de compreender e interpretar o ambiente, maneiras de adaptar e utilizar o espaço, etc. Carregavam também toda uma série de atitudes e comportamentos criados a partir de suas relações com a natureza em seus habitats de origem (…) Fenómenos semelhantes de difusão ou de intercâmbio aconteceram em outras partes do mundo e, evidentemente, também na África, em razão das migrações internas e externas que afectaram esse continente. (Kizerbo, 2010).

Acreditamos que as percepções e práticas costumeiras de gestão da

biodiversidade por estas comunidades tenham sido herdadas a partir desse

amplo processo de entrosamento sociocultural com outros povos e saberes. O

que se sabe então sobre as percepções e práticas de gestão da biodiversidade?

A percepção que existe entre as populações Lomwé das regiões adjacentes aos

Montes Namúli sobre a biodiversidade, como todos outros povos Bantu, é que a

natureza e todos os seus elementos, são uma dádiva do Criador, dos

Antepassados, portanto deve-se dar o devido valor. Por conseguinte, o homem

não explora a natureza; ele é parte da natureza; por isso, todo o cuidado é

necessário ao lidar com ela. Na cosmogonia africana, tudo está interligado:

Homem e Natureza.

Apesar de a cosmogonia africana considerar a natureza numa perspectiva de

interconexão, prevalece a consciência sobre a importância da natureza e da

biodiversidade, como fonte de subsistência das comunidades. É assim, por

Page 42: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

41

exemplo, que os recursos naturais, mais especificamente os recursos florestais

(na região do Namúli) serem dos mais procurados. Se por um lado as

comunidades sentem-se impelidas a avançar sobre as florestas em função da

necessidade de abertura de novos campos de cultivo, por outro lado, interesses

empresariais e comerciais ligados a exploração madeireira, exercem uma

pressão acrescida sobre esses recursos.

"A diversidade biológica do planeta, declarada património da Humanidade pelas Nações Unidas e indispensável para o equilíbrio ecológico da Terra, está em perigo: milhares de espécies correm o risco de se extinguirem se não se controlar a exploração indiscriminada dos recursos naturais e os efeitos da poluição ambiental.24"

O testemunho que segue, ilustra esta transformação na relação com os recursos

naturais que ocorrem actualmente nas regiões dos Montes Namúli.

"Antigamente, esta zona era povoada por nossos antepassados e sempre reservaram as montanhas e algumas florestas para a caça. Com a entrada das unidades de produção, nas zonas circunvizinhas da cidade para o plantio de chá, as regiões usadas para agricultura foram ocupadas pelos proprietários da UP4 e afectaram o gado e cavalos para pasto em quase toda a região do vale que circunda o Montes Namúli. A população que vivia nas zonas baixas do Murrabué foi expulsa e obrigada a procurar abrigo nas montanhas onde o gado não podia pastar. Neste processo, cada membro da família procurava sua porção onde pudesse viver e desenvolver a agricultura. Durante esse período, as zonas montanhosas foram desflorestadas pela população e as baixas pelos proprietários do gado para fazer pasto. (Nvohola Muanakansha)."

3.1.1. Florestas

As florestas são consideradas uma fonte indispensável de subsistência das

comunidades na região dos Montes Namúli. É a partir da floresta que a

comunidade busca a lenha, o único combustível para uso doméstico na

confecção de alimentos e aquecimento.

A partir da floresta, as comunidades, mais concretamente os curandeiros,

buscam plantas, raízes, frutos, folhas para o processo de cura e solução de

várias efemeridades que atormentam os membros das comunidades. É também

24 Lucas, Ana Glória – Biodiversidade em risco de extinção. Além Mar.2007

Page 43: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

42

na floresta onde são buscados os espíritos, onde parte do contacto entre as

comunidades e os antepassados ocorrem, sendo essas florestas, apenas

algumas delas, consideradas sagradas.

O espírito que pairou, desde o tempo em que as populações foram obrigadas a habitar a zona montanhosa, foi de que a terra foi herdada e é o nosso único bem herdado dos nossos antepassados. Por isso o seu uso depende das nossas necessidades. Este pensamento contribuiu para que cada pessoa fosse a floresta como propriedade de todos, incluindo os antepassados, e não como um bem a ser aproveitado para uso particular e exclusivo. (Nvohola Muanakansha)

Um dos principais problemas na gestão dos recursos florestais prende-se com a

racionalização do seu uso. Na região dos Montes Namúli persiste a prática da

agricultura de subsistência, com alguns excedentes cuja venda propicia

rendimentos usados para suprir algumas necessidades das famílias.

Com a crescente procura de terra para a agricultura e aumento dos agregados

familiares, tem-se assistido ao abate indiscriminado de árvores para a abertura

de novos campos de cultivo, o que significa o desflorestamento de zonas que

historicamente foram grandes florestas e consequentemente o lar de milhares de

espécies vegetais e animais.

A floresta é a essência da natureza e por conseguinte, da biodiversidade, fonte

de subsistência, o lugar dos santuários ou rituais de evocação dos Deuses e

espíritos ancestrais. Como dissemos, anteriormente, os cemitérios se

encontram, regra geral, dentro de florestas densas, constituem o substrato

Page 44: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

43

farmacêutico das comunidades, entre outras dimensões que revelam a

dependência das populações em relação as florestas.

Desse facto, ocorre todo o cuidado e elaboração de normas e procedimentos

doutrinais que asseguram a vitalidade das florestas, como foi dito por certo

ancião entrevistado em Curruca:

"Nos nossos dias, podemos explicar a predominância de animais de várias espécies, a partir das condições naturais e as criadas pelas comunidades, ao evitarem o acesso e destruição das florestas, que constituem o habitat privilegiado dos animais selvagens. No entanto, no seio destas comunidades, existem outras explicações que no fundo, se correlacionam com a lógica actual."

Neste mesmo diapasão, a “Rainha” Adelina Jackson, que reside no sopé do

Namúli e responsável pelas cerimónias que antecedem qualquer visita ao cimo

do monte Namúli, enfatizou que:

"As florestas são protegidas porque é dentro delas que se realizam os grandes rituais de interesse da comunidade, como são os casos de cerimónias de pedido de chuvas nos raros anos em que essa necessidade se verifica, de iniciação dos rapazes, onde se buscam alimentos como a caça, o mel, os frutos silvestres nas épocas de carências, os cogumelos, os insectos comestíveis, entre outros proventos da mãe natureza."

Na vida corrente, é frequente encontrar nestas comunidades, algumas árvores

na base das quais estão visíveis bilhas ou anelas de barro, vestígios de

alimentos (cereais, bebidas, utensílios de trabalho e de uso doméstico, etc.), ali

depositados. São os tais santuários. Portanto, não há um tipo único de árvore

especifico para o efeito, dependendo de cada uma das aldeias ou nihimo. É

deste modo que um grupo de membros da comunidade de Curruca, disse:

Nas proximidades das aldeias existiu sempre uma ou mais florestas onde as grandes e mais antigas árvores servem de santuários para as cerimónias propiciatórias de invocação aos antepassados. Para além disso, os nossos cemitérios estão geralmente dentro de florestas densas caracterizadas por árvores seculares, o que serve de sombra e a noite, garantem a escuridão e sossego dos mortos. É estranho termos hoje cemitérios num espaço aberto, com túmulos visíveis a todos que passam. Actualmente, os madeireiros procuram e derrubam essas grandes árvores, frondosas o que entra em contradição com as nossas tradições.

Page 45: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

44

Então, fica claro que não é a árvore em si que é sagrada, mas sim, ela passa a

ser respeitada por ser considerado de facilitadora da comunicação com os

mortos, os antepassados.

3.1.1. Valor medicinal das plantas

Ao longo da história da humanidade, os seres humanos foram aprofundando o

estudo sobre as plantas, tendo se apercebido da importância biológica, social e

económica de uma parte considerável das plantas. Um dos aspectos, é o

potencial medicinal das plantas. Apesar deste conhecimento sobre o segredo

curativo das plantas parecer sobejamente aprofundado, as limitações neste

campo se revelam ao longo dos nossos dias, pelo que existe o consenso sobre a

necessidade de continuação dos estudos visando apurar ainda mais os

inúmeros benefícios das plantas.

A medicina botânica é uma das áreas de conhecimento privilegiado, quando se

trata de conhecimento local, com grande impacto para a vida das comunidades.

Uma das peculiaridades das colinas dos Montes Namúli, é a sua rica e

diversificada vegetal, reputada pelo seu elevado e raro valor medicinal.

Contrariamente a outras formas e bases do saber que se apresentam como

universais, o conhecimento local ou indígena é especifico e próprio a cada

cultura e a cada sociedade humana. Deste modo, podemos inferir que o

conhecimento local está alicerçado nas práticas comunitárias, nas suas

instituições e mecanismos de gestão dos recursos naturais, incluindo os rituais.

O recurso às plantas exóticas (etno-medicina), na busca de respostas para a

manutenção da saúde nas pessoas, está presente em todas as comunidades e

sociedades humanas. Este facto está na base de todas as sinergias visando a

protecção dos ecossistemas provedores dos recursos etno-botânicos.

Ocorre igualmente, que alguns nomes atribuídos a certos indivíduos não são

obra do acaso. Em situações não raras, o nome de uma criança (particularmente

nomes relacionados com plantas, animais ou parte deles), tem paralelismo com

Page 46: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

45

a planta, o animas ou parte dele, usada para resolver as complicações do seu

parto, ou com o nome da planta ou animal usado por um terapeuta tradicional,

para aliviar o indivíduo de uma enfermidade que poderia ser fatal.

A história sobre a génese dos nomes nestas comunidades é rica e muito

associada à natureza, o que pode estar na origem do forte pacto entre os

humanos e o seu meio natural, na região do Namúli e não só. Deste modo, num

contexto cultural em que o nascimento é um dos principais rituais do ciclo de

vida da pessoa humana, e onde não existem unidades hospitalares ou serviços

correlacionados, o indivíduo pode receber um nome consoante as circunstâncias

do seu nascimento, como por exemplo:

Sendo numa machamba ou durante a lavoura, o indivíduo arrisca-se e ser denominado mulima (o cultivador, ....);

Nascendo num matagal, pode lhe ser conferido o nome de nam’mutakwani (do mato, ....);

Caso seja ao largo de um rio ou outra fonte natural de água, poderá ser chamado nam’muhitxeni.

Para uma criança nascida na estação chuvosa, ou debaixo de muita chuva, este pode receber o nome de neepwila (o da chuva, ....);

Aquele que veio ou vier à luz do dia durante uma viagem, portanto, num caminho, poderá ser designado mwetcha, etc.

Enfim, é muito comum a explicação da atribuição de um nome, tendo como

base, as grandes ou menores dificuldades do parto da criança.

Importa referir que, em conformidade com a tradição, os indivíduos podem

abandonar os seus nomes, na medida em que ascendem a novas categorias

etárias, ao longo dos rituais estabelecidos pelos ciclos de vida, como é o caso da

passagem da meninice para a puberdade, onde os ritos de iniciação constituem

o principal marco.

Pode-se então, concluir que os nomes (massina – no plural; e nsina – no

singular) das pessoas plantas, animais e coisas, são reveladores de ricas

realidades históricas e circunstanciais do momento, do seu meio físico, da visão

cósmica e espiritual, das comunidades respectivas. Esta é uma enunciação do

Page 47: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

46

quanto os nomes dos indivíduos25, dos vegetais, dos animais, estão profunda e

intrinsecamente ligados aos processos vitais das comunidades.

Como certos estudiosos defendem, com estas práticas, depreende-se que a

relação entre o homem e a natureza assume um carácter de “objecto de

pensamento”. Assim, como ficou explícito por António Alone Maia:

Sendo assim, podemos entender que os fenómenos naturais não são os que os mitos procuram explicar, mas sim, os fenómenos naturais são aquilo por meio dos quais os mitos tentam explicar a realidade, não de ordem natural, mas sim de ordem lógica.26

Nesta componente do uso medicinal de plantas selvagens no Namúli, nota-se

um crescente interesse pelo seu estudo por jovens moçambicanos,

fundamentalmente no quadro dos seus trabalhos universitários de culminação

dos seus cursos de formação, como são os casos de Florino e Cornélio A. Luís

Mucaca. Como este último autor disse na sua dissertação:

A população do distrito de Gurué encontra-se como se referiu anteriormente

directa ou indirectamente relacionada com a medicina tradicional, visto que

segundo os resultados dos inquéritos feitos no âmbito deste trabalho mais de

80% da população deste distrito, independentemente do seu nível académico

tem procurado se beneficiar dos serviços da medicina tradicional em casos de

doença. A população do distrito do Gurué vive basicamente de plantas, pois na

sua biodiversidade existem inúmeras espécies vegetais devido as características

climáticas, fisiogeográficas e florestais da região.27

25

. Nomes relacionados com animais, estações do ano, dias da semana, fases da vida, circunstâncias do

parto, etc. 26

. MAIA, António Alone. Convertibilidade, relações totémicas e hermenêutica entre os Nyungwe de

Moçambique. IN: Revista de antropologia social dos alunos do PPGAS-UFSCar, v.4, no 1, Janeiro-

Junho, pp. 115-133. 2012. 27. MUCACA, Cornélio Artur Luís. - Plantas usadas para o tratamento de algumas doenças associadas ao SIDA no

distrito de Guruè – Zambézia. Monografia Científica apresentada ao Departamento de Biologia para Tese de

Licenciatura em ensino de Química e Biologia. Universidade Pedagógica. Maputo. 2006. p. 48.

Page 48: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

47

A planta Murama (em língua local e-lomwè), ou seja: Punica granatum (nome científico), cujas raízes misturadas com outras plantas, serve para o tratamento de doenças de origem hídrica (diarreias).

A planta Nakhuka (em língua local e-lomwè), ou seja: Sansevieria sp. (nome científico), cujas raízes servem

para o tratamento de Problemas ou câncer da pele (Sarcoma De Kaposi)

Tendo em consideração que este tipo de informação é de difícil cedência, não foi

possível obter dados mais exaustivos. Porém, apresentamos de seguida, alguns

dos poucos outros exemplos de plantas medicinais fornecidos:

Nome Local Nome Científico Parte usada Utilidades

Mpapaya Carica papaya L. Raiz Tratamento de diarreia

Namirimani Catharantus roseus L.

Raíz “

Mukiau Psidium guajava “

Natika Blepharis buchneri L. “

Niharapua Ozoroa paniculosa Raíz Tratamento de gonorreia

Page 49: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

48

Caaponga Portulaca oleracea L. “

Mukhunhupo Protorus longifolia L. Tratamento de Sífilis

Caaponga Portulaca lerácea L. “

Nsihaha Opuntia ficus-indica Tratamento Câncer da pele

Erva gorda Bryophylum tubiflora “

3.1.2. A relação com as águas

As percepções sobre o Namúli como fonte de vida das comunidades Lomwé e

Makuwa estão igualmente associadas ao facto deste monte ser o ventre do qual

nascem inúmeros cursos de água, dando lugar a pequenos e grandes rios que

atravessam as províncias de Zambézia, Nampula e Niassa, dos quais podemos

mencionar os rios Licungo, Malema Molocué.

Facto que merece especial destaque, é de os Montes Namúli serem a nascente

de mais de uma dezena de rios e riachos, contrariamente a tendência da grande

parte dos rios em Moçambique que nascem noutros países e vêm apenas

atravessar o território moçambicano. No entanto, este grande potencial

hidrográfico em torno do Namúli, não oferece condições para o desenvolvimento

de outras actividades como a pesca, a navegação fluvial devido ao caracter

muito acidentado do relevo. Estas e outras actividades análogas são realizadas

em lagoas e nos poucos trechos em que os rios seguem em terras de planície.

Grosso modo, em mais 70%, estes do percurso destes rios é feito numa rota

montanhosa com elevadas inclinações. No entanto, são um factor importante

para a produção agrícola e representam um enorme potencial para a construção

de barragens.

Page 50: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

49

Se bem que vários rios nascem nas encostas dos inúmeros montes que

perfazem o maciço de Namúli, não existe uma relação espiritual forte com estes

rios que ali nascem. Os rituais que são característicos nesta região, por

exemplo, raramente são feitos nos rios ou em lagoas. Existe porém, como

excepção, um lugar sagrado que é mencionado com muita frequência nos

diálogos junto das comunidades, trata-se de uma pequena queda de água na

encosta do Monte Namúli. As comunidades acreditam que as águas daquele

lugar têm o poder de curar enfermidades e tem a força de abençoar os que lá

visitam.

Há relatos de visitantes vindos da Tanzânia e do Malawi bem como de outras

províncias do país, para beber e banhar-se das águas daquele local. Alguns

deles são médicos tradicionais que procuram essas águas para a sua posterior

utilização em rituais. Fala-se igualmente de seitas religiosas que realizam, com

regularidade anual, grandes cerimónias juntando seus crentes.

Ao longo dos cursos dos rios, em zonas mais planas, as comunidades

aproveitam as águas para actividades hodiernas, nomeadamente a pesca de

pequeníssima escala, com uso de anzois, redes tradicionais e armadilhas de

fabrico local. Não poucas vezes, e para fazer face ao caracter rochoso das

profundezas dos rios para onde se abriga o peixe e outras espécies lacustres,

recorre-se ao envenenamento circunscrito das águas.

Page 51: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

50

As práticas e proibições em torno dos rios e fontes dos cursos de água estão

associadas ao facto de estas serem a matriz da qual nasceram todos os

antepassados das comunidades Lomwè que habitam a região do Namúli. É

assim que, mesmo sem explicar a lógica dos procedimentos, um grupo de

anciãs entrevistadas disse:

O local onde sai a água que escorre permanentemente nas vertentes do Namúli, é uma verdadeira fonte das nossas vidas e não podemos ter acesso, do mesmo modo que protegemos as matrizes onde nascem as crianças, o que permanece segredo das mães e adultos. Não é permitido lá chegar sob a pena de nunca poder regressar a casa. Por isso, a vegetação é densa nesses lugares, pois ninguém mexe.

Referindo-se ainda as nascentes dos rios e nos cursos de água, o grupo de

senhoras rematou ainda:

Não mergulhamos as panelas usadas ao lume na água dos rios, principalmente nas nascentes. A maior parte dos utensílios da cozinha, incluindo os pratos são lavados fora das aguas correntes dos rios, porque a água do Namúli purifica; e não são esses instrumentos que devem ser purificados. Isso pode acontecer com os jovens durante os ritos de iniciação, cujos acampamentos são invariavelmente instalados junto aos rios, bem como outros rituais. Por falar disso, não é por acaso que durante o ritual contra as pragas, por exemplo, as amostras das pragas apanhadas são lançadas ao rio, para que os espíritos ancestrais ajudem a eliminar todas pragas e outros males.

Page 52: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

51

Os cursos de água possuem hoje múltiplas utilidades, algumas das quais atentam as prescrições tradicionais e legais:

Em cima, cascatas como atrativo contemplativo e turístico; em baixo a esquerda, lavando roupa e pescando com uso de rede mosquiteira; a direita, banhando-se.

Depois do lume, os utensílios jamais serão mergulhados nas águas dos rios ou lagoas.

3.2. Acesso aos recursos naturais

O processo de organização social e gestão dos recursos naturais é feita de

forma participativa, seguindo preceitos tradicionais socialmente aceites. Na

verdade, a ideia de que os recursos naturais são uma dádiva dos Deuses, dos

Antepassados, remete a todos os membros da comunidade, ao dever e respeito

dos espaços, lugares e recursos naturais. O processo de gestão colectiva dos

recursos naturais segue um padrão similar, portanto vamos nos deter no recurso

terra - que é secularmente, fonte de disputas e rivalidades entre indivíduos e

comunidades.

Page 53: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

52

A terra ou os recursos naturais estão ligados aos núcleos familiares que dão

corpo a comunidade. É neste sentido que a terra, por exemplo, é identificada

com erukulo ou nloko e a sua gestão cabe aos anciãos.

Como é feita essa correlação? O Direito de aproveitamento e utilização dos

recursos naturais é obtido através da filiação do indivíduo a uma determinada

família. Isto acontece porque é regra nas sociedades matrilineares, que o

homem, atingindo a maioridade, se move da sua comunidade para fixar-se na

aldeia dos pais da sua esposa. Para o efeito, o historiador moçambicano

Zacarias Ivala (1999) explica de forma detalhada nos seguintes termos:

O homem, ao sair do seu grupo materno para se filiar no outro por meio do casamento, adquire neste último direito de uso e exploração dos recursos, enquanto a ele estiver ligado. Mas os seus direitos efectivos permanecem sobre a terra da sua matrilinhagem, para onde a qualquer momento e por qualquer circunstância, poderá regressar. Verifica-se, portanto que as parcelas da terra identificadas com determinada matrilinhagem, dentro de um determinado território são contínuos.

3.3. O papel preponderante da “Rainha”

Existe, entretanto, a figura da Rainha - "apwiyamwene a nihimo" - que é uma

entidade central na organização político-administrativa tradicional dessas

comunidades locais. Todo o processo de acesso aos recursos e obtenção de

direitos de utilização ou uso da terra são por ela outorgados. A figura do Mwene

(posteriormente designado Régulo), assumida geralmente apenas por homens, é

praticamente inexistente. Estes e os Chefes do Posto Administrativo e de

Localidade exercem e representam apenas o poder formal, se bem que no

passado, a génese desta entidade esteve associada aos interesses da

administração colonial.

A Rainha que vive nas proximidades do Monte Namúli (a montanha-mãe), na

comunidade de Mucunha, pelo poder sobejamente reconhecido, faz com que

todos os assuntos de importância social e colectiva na comunidade, passar por

si, cabendo-lhe a resolução de conflitos e tomada de vereditos respeitados e

cumpridos por todos os membros da comunidade.

Page 54: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

53

Tanto o poder e a influência da Rainha, quanto as dinâmicas sociais locais,

estão intrinsecamente ligados aos Antepassados, de quem se reconhece a

dádiva. A terra, os recursos naturais no geral tendo já sido de pertença de um

parente, ela passa de geração em geração. Naturalmente que este legado é de

conhecido e reconhecido por todas outras famílias e comunidades, o que limita

as possibilidades de conflitos pela posse da terra.

Actualmente, o acesso aos recursos como a terra para a prática agrícola, a

floresta para extração da madeira e fauna para a caça e pesca não depende de

autorização de nenhuma entidade local. O controlo não é prestado aos naturais

daquela região porque eles herdaram a terra dos seus antepassados.

3.4. Mecanismos de acesso aos recursos naturais

Contrariamente ao que se tem deixado entender, as intervenções que sejam de

cariz económico e social das sociedades tradicionais28 representam um perigo

ínfimo sobre o meio ambiente. Um vasto conjunto de práticas costumeiras entre

mitos, tabus e outras formas de interdição culturalmente estabelecidas, são

responsáveis pela manutenção do equilíbrio ambiental.

No entanto, esta conclusão não é de todo consensual. Certas correntes de

opinião consideram que as medidas emanadas destas práticas, são

fundamentalmente conservacionistas do que propriamente medidas de uso

sustentável. Todavia, acreditamos que, independentemente da sua

racionalidade29, elas têm um efeito positivo na manutenção da biodiversidade. É

isto que alguns autores designam de cultura ambiental, como foi apresentado

por Bernardo Ferraz:

Com a introdução desta noção, postulamos intuitiva e implicitamente, a existência de práticas ambientais ao longo dos tempos das sucessivas gerações, isto é, existe uma cultura ambiental. Isto pressupõe, por sua vez, que estejamos a admitir a existência de uma educação tal que transmitiu

28

. Consideramos sociedades tradicionais, aquelas que possuem um limitado nível tecnológico de produção. 29

. No sentido em que muitas vezes, é apontada a alegada falta de explicação convincente e científica para

algumas das práticas.

Page 55: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

54

conhecimentos e habilidades que determinam e influenciam as pessoas nas suas atitudes.30

Nas comunidades do Namúli, a transmissão do conhecimento sobre o

relacionamento com o meio ambiente ao longo de gerações, o que permite a

prevalência de práticas de compromisso de preservação e o uso racional dos

recursos naturais, o que permite a subsistência das próprias comunidades.

Neste processo, o chefe da comunidade – o Mwene, ou o chefe de um clã

específico, tem um papel crucial na redistribuição dos recursos, através do

controlo e consentimento do acesso à exploração dos recursos naturais. Outra

entidade que, social e tradicionalmente lhe é assentido o direito ao acesso aos

recursos naturais, particularmente os ambientais, é o curandeiro (médico

tradicional), à quem se reconhece igualmente, o conhecimento do segredo

medicinal das espécies, bem como os aspectos sagrados da comunidade.

3.5.O lugar central do mito na gestão da biodiversidade

Considerados há muito tempo como antagónicos, mito e filosofia protagonizam

atualmente uma (re)conciliação. Desde os primórdios, a Filosofia, busca do

saber, é entendida como um discurso racional que surgiu para se contrapor ao

modelo mítico desenvolvido na Grécia Antiga. A palavra mito é grega e significa

contar, narrar algo para alguém que reconhece a personalidade que profere o

discurso como autoridade sobre aquilo que foi dito.

Mito são narrativas utilizadas pelos povos gregos antigos para explicar, tanto os

factos da realidade, como os fenómenos da natureza, as origens do mundo e do

homem, que não eram compreendidas por eles. Os mitos envolvem muita

simbologia, personagens sobrenaturais, deuses e heróis. Todos estes

componentes são misturados a fatos reais, características humanas e pessoas

que realmente existiram.

30

. FERRAZ, Bernardo. Cultura e Meio Ambiente. Comunicação do Presidente da Comissão Nacional do

Meio Ambiente. 1a Conferência Nacional sobre Cultura. Doc. 17/CNC/93. Maputo, 1993. p. 3.

Page 56: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

55

Um dos objetivos do mito é transmitir conhecimentos e explicar factos que a

ciência ainda não tenha explicado, através de rituais em cerimónias, danças,

sacrifícios e orações. Um mito também pode ter a função de manifestar alguma

coisa de forma forte ou de explicar os temas desconhecidos e tornar o mundo

conhecido ao Homem.

No entanto, acontecimentos históricos podem se transformados em mitos, se

tiverem uma simbologia muito importante para uma determinada cultura. Os

mitos têm caráter simbólico ou explicativo, são relacionados com alguma data ou

uma religião, procuram explicar a origem do homem por meio de personagens

sobrenaturais, explicando a realidade através de suas histórias sagradas. Assim,

importa distinguir que um mito não é um conto de fadas ou uma lenda.

3.5.1. Os pactos com elementos da natureza – o caso do Nihimo

Para certos autores como Lévi-Strauss, os rituais são compostos por dois

mecanismos estruturais básicos de funcionamento: a fragmentação e a

repetição:

Os rituais executados repetidamente, conhecidos ou identificáveis pelas pessoas, concedem uma certa segurança. Pela familiaridade com as sequências nos rituais, sabemos o que vai acontecer, celebramos nossa solidariedade, partilhamos sentimentos, enfim, temos uma sensação de coesão social. Sem a repetição dessas experiências, muitos significados poderiam ser esquecidos com o decorrer do tempo. Ao se repetirem, mantêm e estabelecem uma coerência dentro da cultura e ao mesmo tempo ajudam-na a funcionar harmonicamente.31

Existem muitas designações distintivas de grupos sociais humanos que

dificilmente encontram o seu equivalente em língua portuguesa. Uma delas é a

de nihimo, a qual nos permitimos de traduzir para o topónimo Clã32. Definições

de vários autores convergem quanto ao significado de Clã, assumido como

sendo, no sentido lato,

31

. LÉVI-STRAUSS, Claude.1978, p. 27. 32

. O conceito de Clã confunde-se com o de Linhagem, e numa outra estância, com o de Etnia (que designa,

em geral, o grupo de pessoas pertencentes a uma herança cultual comum).

Page 57: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

56

Um grupo de famílias unidas por laços de parentesco reais (na base de um antepassado comum), ou fictícios, onde a unidade do grupo é geralmente simbolizada por um totem, sendo igualmente circunscrito a um território determinado.

No entanto, como acontece para o caso das comunidades da região do Namúli,

é também de consenso o princípio segundo o qual o clã não é universalmente

associado a um totem, representando assim, uma relação de parentela real ou

mítica. É essencialmente a relação mítica que regula as relações baseadas no

clã na região do Namúli, como veremos adiante.

Esta forma de geração de relações entre os membros de uma comunidade tem a

vantagem de, apesar da sua afectação a um determinado ponto geográfico, o clã

conserva a sua identidade mesmo nas circunstâncias em que se observa uma

dispersão geográfica dos seus membros.

3.5.2 A relação plural entre Montanhas e o Nihimo

Já referimos que todo o território do distrito do Gurué é fortemente planáltico,

com predominância de formações montanhosas. As montanhas fazem parte dos

recursos mais importantes para as comunidades do Namúli, pelo menos, sob o

ponto de vista de preservação de valores culturais. É praticamente indissociável

a relação entre essas comunidades e as montanhas. As montanhas são pontos

de referência espiritual e cultural, o que se reflecte em parte, no facto de os

nomes atribuídos a cada formação montanhosa não ser aleatória. Basta

observar, por exemplo, que o nome de cada uma das montanhas corresponde

ao nome de um Nihimo.

O Monte Namúli é assim considerado a montanha-mãe. As comunidades

entendem que os antepassados, ao descerem do pico do Namúli, estando

envolvidas em disputas, foram ocupar zonas próximas aos grandes picos

circunvizinhos, formando o seu nihimo e as montanhas dessa forma eram uma

referencia geográfica importante, uma forma de protecção contra os ataques de

comunidades rivais, na medida em que a partir do cimo das colinas e montanhas

era factível visualizar a aproximação de perigos e facilmente poder repelir.

Page 58: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

57

Monte Malessane, cujo nome está associado ao nihimo A-malessani.

O Nihimo congrega todos os indivíduos que provêm da mesma linha materna e

que tenham um antepassado mítico comum. Há para cada nihimo, uma

explicação sobre a sua origem, no entanto nem sempre fácil de decifrar a sua

dimensão mitológica. Por exemplo, o historiador Ivala (1999) argumenta que a

pertença ao nihimo adquire-se, normalmente, pelo nascimento, permanecendo

para toda a vida.

Se bem que no passado, devido a fraca mobilidade das pessoas, e porque estas

deveriam se confinar em espaços territoriais específicos, quer por razões de

segurança contra os ataques de outros grupos humanos, quer como forma de

distinção da família alargada, o referencial geográfico do nihimo assumia uma

importância vital. É daí que cada uma destas unidades sociais estava ligada a

um elemento ou lugar geográfico, como por exemplo, uma montanha, um rio,

uma planície, entre outros.

Eis a denominação dos Mahimo na Região dos Montes Namúli, no Gurúè:

Amalowa, Antopa, Amuyeva, Amalikani, Asopa, Amarrupala, Aphoreni, Alikonha, Amalopi, Aphoreni, Amalessani, Amavele, Alukasi, Amarekoni, Aphoreni, Alaponi, Axiconi, Amirole, Aluwero, Arope, Aselexe, Amattuwa, Amaale, Amikasi, Amukovo, Ayaaxe, Amirapwa, Amitthemani, Amarevoni, Amurripa, Amukuvolani, Amakulusa, Amivoni, Amivothe, Anwatta, Amirasi, Amokoni, Amkwitha,

Page 59: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

58

Amukhewela, Amulai, Anyarini, Antapa, Anronha, Amuyema, Amuroka, Aneela, Ananyatto, Amurenkana, Amuraha, Amwipasi, Amusoma.

A sistematização dos mahimo acima é aleatória, não obedeceu a qualquer

ordem de importância de um nihimo sobre o outro. Aliás, não existe um nihimo

que seja mais importante que o outro, mesmo se alguns possuem efectivos

populacionais maiores que outros. Sabe-se por exemplo que nesta região dos

montes Namúli, o nihimo mais numeroso é Amalowa, que é o da Rainha

responsável pelos rituais propiciatórios e que condicionam o acesso ao cimo do

monte Namúli.

Se bem que as comunidades destas regiões foram pouco estudadas, a escassa

literatura existente a seu respeito e que se acha disponível, denota acentuado

grau eurocêntrico, o que justifica a grande preocupação em rescrever a quase

totalidade das áreas de conhecimento sobre a vida dos povos africanos, em

geral. Note-se também que esse facto decorre da inexistência de estudos

sistematizados sobre o conhecimento local de gestão dos ecossistemas

naturais.

Tratamos aqui, de aspectos cruciais intrínsecos à cultura das comunidades do

Namúli, que podem ajudar a compreensão da sua visão do mundo, mesmo se

nalguns casos, podem nos parecer desprovidos de sentido. Partimos da

constatação de que as comunidades têm consciência das incertezas e riscos

ambientais, pelo que existe o consenso de que os recursos naturais são finitos, e

que o seu uso insustentável pode perigar a subsistência e a reprodução social

da própria comunidade e das gerações futuras. Por isso, observamos que a

exploração dos recursos florestais é condicionada a uma compensação através

da reposição das espécies, principalmente as vegetais ou arbóreas.

A partir da essência da tradição das comunidades do Namúli, denotamos que as

origens mitológicas dos grupos sociais e de famílias alargadas, estão associadas

à história original e mitológica no Namúli, a qual se expande por todas outras

montanhas relativamente pequenas, que constituem a “formação montanhosa

Chire-Namúli”.

Page 60: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

59

Ocorrem de facto, montanhas em toda a parte alta ao norte do noroeste da

província da Zambézia, efectivamente no distrito do Gurúè, as quais estão

associadas ao Namúli, de entre as quais podemos respigar como exemplos, os

montes: Morresse, Malessa, Mirole, Maloa.

São estas formações montanhosas, subsidiárias do Namúli, cuja denominação

coincide com os nomes das identidades linhageiras locais.

Essa coincidência remete à abordagem sobre a questão do totem, na medida

em que se estabelece um verdadeiro pacto entre os indivíduos e o animal ou o

objecto totémico, numa relação que que transcende os cuidados de protecção

das espécies. Nesta perspectiva da existência de relações totémicas, é

frequente dizer-se que:

A-malowa, são tribos que se consideram descendentes de um

antepassado comum, situado, no âmbito da mitologia local, no monte

Maloa. Daí que a própria expressão a-maloa significa: os de Maloa, os da

família Maloa. Estes adoptam o monte Maloa como berço da sua

linhagem, e por conseguinte, lugar mítico e sagrado. É o seu elemento

totémico, ao qual dedicam respeito protegem todas as espécies ali

existentes. Nas interpelações e formas de saudação do quotidiano, é

comum as pessoas se dirigirem umas às outras usando expressões

como: Mooni a-amaloa; ou Mooni a-nammaloa.

A-Malessa, refere-se aos vinculados ao monte Malessani.

A-Mirole, relativos aos que reclamam suas origens mitológicas no monte

Mirole, e assim sucessivamente.

Como referimos a certo momento, as relações entre ada uma destas unidades

sociais e identitárias culminam com as acções de protecção daquelas

montanhas, tomadas aqui como objectos totémicos.

Page 61: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

60

3.5.3. Agricultura

A produção agrícola é a principal actividade de rendimento e subsistência das

populações da região do Namúli. Assim sendo, a agricultura é uma das

principais formas de uso dos recursos naturais, pelo que a análise das principais

etapas e técnicas da produção agrícola contribui para a compreensão de um

aparte considerável dos aspectos da preservação da natureza.

Apesar de os recursos naturais (incluindo a terra), não serem propriedade dos

indivíduos ou exclusivamente do chefe (o Mwene), o sistema de produção na

região do Namúli faz entender que se trata de uma sociedade a exploração dos

ecossistemas está assente na noção de propriedade colectiva dos recursos

naturais, donde se extraem os proventos para a subsistência das comunidades.

Pelas limitações técnicas, a agricultura é essencialmente manual, recorrendo ao

desbravamento de florestas, as queimadas e com observância do pousio de

terras, mecanismo que garante a reposição dos nutrientes naturais dos solos.

Estas práticas são evidentes num contexto de disponibilidade de vastas áreas

para a lavoura, o que era possível em tempos de fraca densidade populacional.

Este cenário veio a alterar-se de forma progressiva, a partir da década de 1920

sensivelmente, quando iniciou o processo de colonização agrícola impulsionada

pela administração colonial portuguesa, através da introdução da economia de

plantações baseada no cultivo e manufactura de chá no Gurúè, a implantação de

pastagens, quiçá na região do Namúli.

Na prática, assistiu-se desde então, a expropriação de terras aráveis nos vales e

baixas encostas, melhor desservidas pelos cursos de água, dos nativos para os

colonos, com a finalidade de introdução de modos de produção industriais. Foi

deste modo que populações autóctones inteiras foram repelidas para as colinas

do Namúli, em terrenos de difícil acesso, onde tiveram que se adaptar a nossas

exigências dos solos e condições dos ecossistemas.

Page 62: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

61

Por outras palavras, o crescente aumento da densidade populacional na regiões

mais próximas ao Namúli, ou ainda, nas suas colinas, representou a

necessidade da ampliação significativa de terras cultivadas e a consequente

redução de áreas de floresta natural, tendo engendrado ainda, mudanças

significativas no cenário agrário

Naturalmente, este facto terá incrementado novas formas de tensões e conflitos

internos, particularmente no que concerne o acesso e uso da terra e outros

recursos ambientais locais, bem como se regista de forma tacita, a diferenciação

da sociedade.

Do ponto de vista da produção e de produtividade da agricultura, observaram-se

reduções drásticas, bem como a diminuição da qualidade dos solos, como por

exemplo,

"Dificuldade da manutenção da habitual (tradicional) rotação de campos de cultivo pelo sistema de pousio. O suprimento desta dificuldade passou inicialmente, pela redução do período do pousio ou repouso dos terrenos, de uma media de três anos, para um ano, sendo que actualmente, torna-se impensável o repouso dos solos. É sabido que num contexto de produção onde os fertilizantes artificiais não são conhecidos, a limitação das possibilidades de pousio contribui significativamente para a redução da fertilidade dos terrenos.33"

De facto, a crescente presença de novos produtores ou exploradores de

recursos naturais, têm introduzido mudanças por vezes radicais, na estrutura e

formas de funcionamento das comunidades. Sabe-se que os novos exploradores

de recursos ambientais, cuja lógica económica esteve sempre assente em

princípios fundiários, marginalizando economicamente as comunidades locais.

Para o combate a erosão e o maior aproveitamento das vertentes das colinas,

que são geralmente de inclinação acentuada, as comunidades desenvolveram

técnicas apropriadas, como foi referido pela Rainha Adelina Jackson:

"Desde muito tempo que as zonas baixas para o cultivo não oferecem espaço para acolher mais pessoas que pretendem desenvolver a agricultura, cultiva-se também nas partes inclinadas das colinas. Basta cultivar em roda, na forma de

33

. Nestes casos, ocorre a fraca acumulação de biomassa vegetal, o é apenas possível com o pousio.

Page 63: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

62

escadarias ou canteiros, a água das chuvas não consegue arrastar as areias. Para além disso, essas escadarias são acompanhadas por plantas, geralmente feijões e outras leguminosas."

Ao mesmo ritmo, foram-se alterando progressivamente, as visões e mecanismos

de relacionamento entre as pessoas e o seu meio ambiente natural e,

concomitantemente, a degradação de ecossistemas locais.

Page 64: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

63

Capítulo IV -Lições aprendidas e conclusões

4.1. O contexto das mudanças: Modernidade e preservação ambiental

Muitas vezes e de forma errónea, a modernidade é considerada o oposto a

tradição, como se esta última não contivesse elementos da modernidade, ou

seja, modernos. Ainda, é comum associar a modernidade aos centros urbanos e

por conseguinte, opor a modernidade ao rural.

Deste modo, pode ser por isso que a modernidade, ao querer satisfazer as suas

crescentes necessidades, é responsabilizada a acção negativa de destruição da

natureza, como foi expressamente por Castells (1999), nos seguintes termos:

"Um signo dessa representação é a forma como construído o conceito de desenvolvimento, isto é, como sinónimo de crescimento económico, submetendo os recursos naturais à lógica da apropriação do sistema industrial, tanto capitalista quanto estatista."

Qualquer que seja o caso, no computo geral, podemos observar nos dias que

correm, que as dinâmicas sociais e económicas influem de forma substancial, na

aceleração da degradação ambiental, em duas dimensões essenciais:

tanto do ponto de vista de recursos naturais, o que se manifesta no

esgotamento de recursos não renováveis, na poluição dos recursos

hídricos bem como do ar, na destruição da biodiversidade;

quanto no que se refere a aspectos sociais, como é o caso da

concentração da riqueza em algumas pessoas e países, o

recrudescimento da pobreza numa grande franja de pessoas e países.34

Na sua essência, o presente projecto visa a conservação da biodiversidade dos

montes Namúli, através da valorização do conhecimento e práticas locais nesse

sentido. É assim que o presente estudo responde a necessidade de recolha e

sistematização de forma compreensiva dos saberes costumeiros, ou seja,

34. ZANONI, M. M. et al. Preservação da natureza e desenvolvimento rural: dilemas e estratégias dos agricultores

familiares em áreas de protecção ambiental. IN: Desenvolvimento e Meio Ambiente, no 2. pp. 39-55. Jul./Dez. 2000.

Editora da UFPR.

Page 65: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

64

transmitidos ao longo das gerações pela tradição, em prol dos ecossistemas,

enquadrando-se no princípio segundo o qual:

"A conservação do meio ambiente requer a compreensão das interações entre a natureza e a sociedade humana, a fim de repertoriar e encorajar a continuidade de experiencias sustentáveis.35"

No entanto, o mesmo autor denuncia a falta do conhecimento sobre o modo

como as populações locais usam os recursos naturais na região do monte

Namúli; a não existência de registos sobre o uso das espécies florestais pelas

comunidades locais. Este tipo de conhecimento dos recursos naturais pelas

comunidades locais pode ser de capital importância para a elaboração de futuras

políticas e planos de conservação da biodiversidade.36

Os estudos em botânica realizados na região do Namúli, permitem afirmar que

este monte constitui um verdadeiro abrigo espécies vivas raras e únicas no

planeta terra, grande parte delas prevalecendo desconhecidas pelas ciências de

especialidade. É deste modo que cientistas e conservacionistas de várias partes

do mundo consideram o Namúli como um verdadeiro nicho em termos de

biodiversidade, e oportunidade como exemplo para a nova visão de preservação

dos ecossistemas, integrando as aspirações e as necessidades das

populações.37

35. ESTEVES, Flavia. The Lost Mountain Project – Phase II Report: Preliminary Findings on Biodiversity Assessment,

Namúli. p. 1. 36. Ibidem, p. 2. 37. The Lost Mountain Project – Namúli Mountain, Zambézia: Baseline Study on the Management of Natural Resources

in Curuca Community, Namúli, District of Gurúè, Zambézia Province. p. 1

Page 66: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

65

4.2. Principais lições/ Constatações

1) A região dos montes Namúli encerra-se uma grande singularidade quer na

perspectiva cultural quer no que diz respeito a preservação da biodiversidade.

No entanto, prevalece ainda um mundo desconhecido diante dos grandes

círculos científicos e centros de tomada de decisão.

2) Existe uma apatia entre as comunidades adjacentes aos Montes Namúli e os

elementos da Natureza característicos da região. Este sentimento é mais

perceptível na cidade do Gurué, particularmente entre a população mais

jovem, o que pode contribuir para a ausência de denúncias de crimes

ambientais e outros males contra a natureza.

3) Devido ao crescente número de visitantes na região, vai crescendo o receio e

o sentimento de medo entre as comunidades locais que, inquietos perguntam-

se sobre: “O que há de tão bom lá na montanha”? Por outro lado, cresce o

receio de o Monte e toda a sua riqueza lhes ser "roubada".

4) Há um avanço significativo dos campos de produção sobre as zonas onde

anteriormente não se julgava que as comunidades cultivassem. Essas zonas

são geralmente encostas das montanhas, portanto zonas consideradas de

alta fertilidade. A abertura de novos campos de produção significa a ameaça

constante dos ecossistemas críticos. Diante desta situação a questão que se

loca é a seguinte: como garantir que a comunidade continue a praticar a

agricultura para a sua subsistência ao mesmo tempo que toma devidas

precauções para a preservação da biodiversidade?

5) As comunidades encontram nos recursos naturais a sua única forma de

sobrevivência. É trabalhando a terra que conseguem produtos para

comercializar, é caçando que conseguem garantir uma ementa que propicie a

variação na sua dieta. Os outros sectores, como é o comércio é praticamente

inexistente.

Page 67: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

66

4.3. Notas finais

O conceito “Natureza” inclui elementos naturais que, agindo, em conjunto,

favorecem ou restringem, estimulam ou dificultam a presença e a actividade

humana num determinado lugar ou superfície terrestre.

A satisfação das crescentes necessidades das pessoas e da sociedade,

depende dos diferentes recursos naturais, a partir dos quais obtemos uma

grande variedade de serviços. As acções de sensibilização de crianças e jovens,

deve permitir a percepção clara e objectiva, relativamente a forma de

funcionamento da sociedade humana em geral, e a sua em particular. Portanto,

a sensibilização deve estimular o indivíduo para a participação plena e activa na

vida da comunidade. Partimos do pressuposto que ao longo da história da sua

existência, o ser humano vem provocando danos sobre o meio ambiente natural,

bem como o meio criado por ele próprio.

O estudo analisou o preservacionismo nas comunidades da região do Namúli, ou

seja, a concepção estabelecida pelas pessoas, as formas de representação

simbólica, bem como o tipo de relações que estes mantêm com a natureza.

Essas construções ideológicas, os saberes, as práticas costumeiras, podem

possuir ou não alguma racionalidade, mas o mais importante foi o registo dos

seus impactos na preservação da natureza e da biodiversidade em geral.

É neste quadro que se insere a prevalência de lugares, rios, florestas e lagoas

sagradas, as criações mitológicas que regulam o acesso de certos espaços e

recursos, práticas essas que fazem parte das acções de regulação e

preservação do meio ambiente, permitindo deste modo, o florescimento dos

ecossistemas, da biodiversidade e a realização da vida humana. Apesar da

acção humana relativamente forte nalgumas áreas, as florestas apresentam em

geral, uma grande diversidade de espécies arbóreas, as quais mantêm, até certa

medida, um equilíbrio com o ambiente, o que é fundamental para a vida dos

seres vivos.

Page 68: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

67

Com efeito, os sistemas costumeiros nas comunidades da região do Namúli,

relativos a protecção ambiental, permitem a contenção do processo de

degradação dos recursos naturais, num pacto em que a sociedade e a natureza

estão intimamente ligados, não havendo distanciamento de um e do outro

elemento. Tudo acontece como se o princípio ou no subconsciente das

populações estivesse claro que o fim da biodiversidade implica o fim da

comunidade, ou melhor, a extinção da espécie humana. É essa dimensão de

consciência que pode diferenciar a cultura nestas comunidades do Namúli, e a

cultura talhada nos moldes ocidentais e assente nos primores capitalistas – a

busca incessante do lucro.

O estudo do totemismo ou das relações totémicas pode ser fundamental para a

percepção das interações entre os humanos e o seu meio natural na região do

Namúli, na medida em que é inquestionável a coexistência de nomes de

animais, de coisas, de plantas, enfim, de tabus com semelhanças nas formas

que regulas as proibições no âmbito das relações no seio das sociedades

humanas. Aqui reside em grande medida, a pertinência de estudos nesta área

de conhecimento.

O processo de envolvimento da comunidade local na gestão dos recursos

naturais, desencadeado pelas autoridades estatais e algumas iniciativas da

sociedade civil, tem permitido as pessoas locais, a apropriação e uma

experiência valiosa no processo de planeamento e gestão.

Este facto permite, em certa medida, o desenvolvimento participativo genuíno,

rompendo-se com os antigos métodos usados pelos actores e agentes de

desenvolvimento, assente em princípios orientadores diretivos, pondo em

segundo plano, as experiências e saberes das comunidades beneficiarias dos

programas de desenvolvimento.

No entanto, apesar de se registar ainda a predominância de vegetação primária

e mesmo a secundária, as queimadas, o desflorestamento, a actividade agrícola

imprevidente, a sistemática monocultura, a fraco domínio de técnicas agrícolas

Page 69: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

68

em terrenos declivosos, bem como a exploração florestal protagonizada pelo

sector empresarial desde o período colonial, estão na origem da degradação

acentuada ou a gradual esterilidade dos solos e dos ecossistemas na região do

Namúli.

Se bem que o nível de degradação de ecossistemas na região do Namúli não é

critico, mercê do respeito dos preceitos tradicionais, o Estado elaborou e está a

implementar em colaboração com a sociedade civil, politicas de protecção

ambiental específicas, bem como a adesão a regulamentação regional e

internacional, que é importante fazer com que as comunidades se apropriem e

se assegure uma implementação plena e eficaz.

4.4.Perspectivas

A região do Monte Namúli é tradicionalmente uma área com elevado

potencial agrícola altamente produtiva, sendo por isso, o centro de

realização de uma grande variedade de fins económicos.

A diversificação de actividades económicas dentro da região do Namúli é

fundamental para a prossecução das actividades de subsistência, de

forma sustentável na região.

Necessidade de elaboração de um Plano de Gestão para o

Desenvolvimento da Região do Namúli, instrumento que poderá indicar as

actividades económicas chaves e com efeitos multiplicadores.

Um dos desafios de peso é a manutenção das práticas de utilização das

terras agrícolas nos moldes tradicionais é importante para manter a

biodiversidade da região e garantir a preservação do carácter único dos

ecossistemas locais.

A agricultura é a mais importante actividade económica no Namúli,

seguindo-se a silvicultura. Nessa perspectiva, é importante que

intencionistas e outros profissionais trabalhem com a comunidade local,

tendo em vista introduzir alternativas económicas para as comunidades e

Page 70: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

69

intervenientes externos, bem como mecanismos para o aumento da

produtividade, sem afectar negativamente os recursos ambientais e

culturais locais.

Uma acção prioritária na região dos Montes Namúli é que seja

considerada uma zona de conservação especial. Ao se proceder desta

forma será possível assegurar que as espécies endémicas da região

permaneçam em segurança. Por outro lado vai permitir uma melhor

articulação entre as comunidades e a vida biológia da região dos Montes

Namúli.

É preciso estimular projectos de eco-turismo. Projectos desta natureza

permitem que as comunidades encontrem formas alternativas de

subsistência por um lado e, por outro lado, assegura um maior sentido de

pertença do espaço e consequentemente a predisposição do membro da

comunidade em fazer a sua parte para proteger a biodiversidade.

Page 71: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

70

ANEXOS: Aspectos climatéricos

O clima é tropical. No inverno existe muito menos pluviosidade que no verão. A classificação do clima é Aw de acordo com a Köppen e Geiger. Gurúè tem uma temperatura média de 22.2 °C. A pluviosidade média anual é 1857 milímetros.

38

Gráfico de temperatura O mês mais quente do ano é Outubro com uma temperatura média de 24.8 °C. Em Julho, a temperatura média é 18.0 °C, que pode ser considerada a temperatura média mais baixa de todo o ano.

Tabela climática

A tabela mostra que a diferença entre a precipitação do mês mais seco e do mês mais chuvoso é de 335 milímetros. As temperaturas médias, durante o ano, variam 6.8 °C.

Gráfico climático

A partir dos dados acima, depreende-se que a maioria da precipitação cai em Março, com uma média de 355 milímetros. Note-se também que a precipitação do mês Setembro é de 20 milímetros, que é o mês mais seco.

38. http://pt.climate-data.org/location/32616/

Page 72: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

71

5. Bibliografia

AFANASSIEV, V. G. – Fundamentos da Filosofia. Edições Progresso,.Moscovo1982. ARTUR, Domingos do Rosário, CAFUZIQUIZA, José Chuva e IVALA, Adelino Zacariasl. Tradição e Modernidade: Que lugar para a tradição africana na governação descentralizada de Moçambique? Ministério da Administração Estatal.Maputo.2009. ARTUR, Domingos do Rosário; NAVELELA, Estêvão Xavier. Cidade do Gurúè: Heranças e continuidades. Imprensa Universitária, 2003.

BOLÉO, José de Oliveira. Geografia Física de Moçambique. (Esboço geográfico). Lisboa, 1950.

BOSQUET, Michel. – Ecologia e liberdade. Editorial Vega. Lisboa, 1978.

INIA. Carta Nacional de Solos. Ministério da Administração Estatal. Moçambique.1995

CENTRO DE CONHECIMENTO E APRENDIZAGEM – REGIÃO ÁFRICA. O conhecimento indígena ao serviço do desenvolvimento: Enquadramento para o seu funcionamento. Banco Mundial, 1998.

CISCATO, Elia. Ao serviço deste Homem.

DOWENSETT, Lemaire. he avifauna and forest vegetation of Mt. Mabu, northern Mozambique, with notes on mammals. 2008

FAMINE EARLY WARNING SYSTEM NETWORKS. Strategy for strengthening food security Networks.2014.

FERRAZ, Bernardo. Cultura e Meio Ambiente. Comunicação do Presidente da Comissão Nacional do Meio Ambiente. 1a Conferência Nacional sobre Cultura. Doc. 17/CNC/93. Maputo, 1993.

FURZE, Brian; LACY, Terry de; BIRCKHEAD, Jim. – Culture, conservation and biodiversity: The social dimension of linking local level development and conservation through protect areas. WILEY Ed.

ORMANDO, José Geraldo Pacheco. Glossário de Termos Usados em Atividades Agropecuárias, Florestais e Ciências Ambientais. 2006.

Page 73: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

72

INSTITUO DE INVESTIGAÇÃO AGRÁRIA DE MOÇAMBIQUE. Fichas Técnicas de Culturas. Ministério da Agricultura. Outubro-2010.

MAIA, António Alone. Convertibilidade, relações totémicas e hermenêutica entre os Nyungwe de Moçambique. IN: Revista de antropologia social dos alunos do PPGAS-UFSCar, v.4, no 1, Janeiro-Junho, pp. 115-133. 2012.

MARTINE, George. População, meio ambiente e desenvolvimento. Universidade Estadual de Campinas.2ªEdição.1996.

MARTINEZ, Francisco Lerma. – O povo Macua e a sua cultura: Analise dos valores culturais do povo Macua no ciclo vital. 3a edição. Maputo, 2009.

MENDES, Orlando; JANSEN, P. C. M. – Plantas medicinais: Seu uso tradicional em Moçambique. Ministerio da Saude/Gabinete de Estudos de Medicina Tropical. Ed. Instituto Nacional do Livro e do Disco. Maputo, 1984.

MOUTINHO, Paulo; PINTO, Regina Pahim. (Organizadores) – Ambiente complexo, propostas e perspectivas sócio-ambientais. Editora Contexto. São Paulo, 2009.

MUCACA, Cornélio Artur Luís. - Plantas usadas para o tratamento de algumas doenças associadas ao SIDA no distrito de Guruè – Zambézia. Monografia Científica apresentada ao Departamento de Biologia para Tese de Licenciatura em ensino de Química e Biologia. Universidade Pedagógica. Maputo. 2006.

Nunes, Rogério. - Macuas: Filhos da Montanha. Revista Além-Mar. 1999.

PERFIL DO DISTRITO DO GURUÉ: Província da Zambézia. Ministério da Administração Estatal (2005) TIMBERLAKE, Jonathan, DOWSETT-LEMAIRE, Françoise. et al. Mount Namúli, Mozambique: Biodiversity and Conservation. Darwin Initiative Award. 2009.

VIRTANEN, Pekka; NUMMELIN, Matti. (Eds.). – Forests, chiefs and peasants in Africa: Local management of natural resources in Tanzania, Zimbabwe and Mozambique. University of Joensuu. 2000.

WATERHOUSE, Rachel; VIJFHUIZEN, Carin. (Direcção). – Estratégia das mulheres, proveito dos homens: Género, terra e recursos naturais em diferentes contextos rurais em Moçambique. Núcleo de Estudos da Terra, Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal – Universidade Eduardo Mondlane. ACTINAID, Moçambique. 2001.

Page 74: O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível ... gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura local, agem como um

73

ZAMONI, Magda M.; FERREIRA, Ângela Duarte D.; et. al. – Preservação da natureza e desenvolvimento rural: dilemas e estratégias dos agricultores familiares em Áreas de Proteção Ambiental. IN: Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 2. Pp. 39-55. Julho/Dezembro 2000. Editora da UFPR.

Sitios Consultados

Arigora.blogspot.com - O Povo Macua-Lomwé da Zambézia -Pebane (2011).-consultado no dia 15 de Agosto de 2016

http://pt.climate-data.org/location/32616.