o globo (editorial) - irresponsabilidade fiscal

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Irresponsabilidade fiscal - Editorial A governadora do Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini (DEM), encontrou os cofres de seu estado praticamente vazios ao tomar posse no dia 1º de janeiro - existiam em caixa apenas R$611 mil. E também uma considerável lista de pagamentos a fazer, alguns dos quais inadiáveis, como transferências de parte da arrecadação de ICMS aos municípios potiguares, quitação de uma parcela mensal da dívida com a União, recolhimento a instituições financeiras de prestações de empréstimos consignados que foram descontados da folha de vencimentos dos servidores estaduais, etc. Sem dinheiro em caixa, o Rio Grande do Norte ficou, então, inadimplente com a União e com instituições financeiras, sendo que nesse último caso o estado ainda pode ser acusado de apropriação indébita. O mau exemplo de irresponsabilidade fiscal no Rio Grande do Norte não é um caso isolado. Os governadores da Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB), do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), e de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), também encontraram os cofres fazendários quase vazios. No passado, o fenômeno era rotineiro. A política de terra arrasada não poupava nem mesmo

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Editorial do Jornal O Globo. Título: "Irresponsabilidade fiscal"

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Page 1: O Globo (Editorial) - Irresponsabilidade fiscal

Irresponsabilidade fiscal - Editorial

A governadora do Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini (DEM), encontrou os cofres de seu estado praticamente vazios ao tomar posse no dia 1º de janeiro - existiam em caixa apenas R$611 mil. E também uma considerável lista de pagamentos a fazer, alguns dos quais inadiáveis, como transferências de parte da arrecadação de ICMS aos municípios potiguares, quitação de uma parcela mensal da dívida com a União, recolhimento a instituições financeiras de prestações de empréstimos consignados que foram descontados da folha de vencimentos dos servidores estaduais, etc. Sem dinheiro em caixa, o Rio Grande do Norte ficou, então, inadimplente com a União e com instituições financeiras, sendo que nesse último caso o estado ainda pode ser acusado de apropriação indébita.

O mau exemplo de irresponsabilidade fiscal no Rio Grande do Norte não é um caso isolado. Os governadores da Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB), do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), e de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), também encontraram os cofres fazendários quase vazios.

No passado, o fenômeno era rotineiro. A política de terra arrasada não poupava nem mesmo governantes que sucediam a aliados políticos. Até que fosse possível restabelecer novo equilíbrio, os serviços públicos se deterioravam, obrigando o governo federal a intervir, na ajuda financeira a estados e prefeituras insolventes. Tal quadro somente começou a mudar depois do Plano Real.

Entre as mudanças estruturais necessárias para pôr as finanças públicas em ordem como um todo - condição essencial para preservar o real -, o governo Fernando Henrique conseguiu que o Congresso Nacional aprovasse a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Uma outra lei, complementar, instituiu processos criminais contra governantes fiscalmente irresponsáveis. Mas a própria lei

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original previu sanções políticas e administrativas a autoridades no exercício do poder ou já fora dele. A União pode bloquear transferências para cofres estaduais e municipais pelo descumprimento da lei, e a Justiça pode declarar inelegíveis ex-governantes fiscalmente irresponsáveis.

A economia brasileira cresceu significativamente em 2010, e a carga tributária não diminuiu um décimo sequer. Não há qualquer explicação razoável, portanto, para essa situação de cofres vazios, a não ser uma farra de gastos motivada pelas eleições gerais de outubro.

Como a Lei de Responsabilidade Fiscal é mais rigorosa e rígida no último ano de mandato dos governantes (nenhuma despesa nova pode ser autorizada com previsão de pagamento no exercício seguinte sem que os recursos estejam previamente assegurados), essa questão não pode passar em branco. Merece investigação e cumprimento das sanções previstas na lei para que o mau exemplo não se repita.

Se houver complacência com antigos governantes que descumpriram a Lei de Responsabilidade Fiscal, a conta sempre acabará no Tesouro Nacional, obrigado a socorrer estados e municípios insolventes de modo a que serviços públicos essenciais não sejam paralisados.

Todo político governante se diz defensor da estabilidade econômica. Caso a LRF vire letra morta, a estabilidade ruirá.