o gÊnero exposiÇÃo oral: descrição e análise de sua

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE LETRAS E LINGUÍSTICA REGINA LÚCIA FÉLIX O GÊNERO EXPOSIÇÃO ORAL: descrição e análise de sua aplicação no contexto do ensino médio UBERLÂNDIA 2009

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA

    INSTITUTO DE LETRAS E LINGUSTICA

    REGINA LCIA FLIX

    O GNERO EXPOSIO ORAL: descrio e anlise de sua aplicao no contexto do ensino mdio

    UBERLNDIA 2009

  • REGINA LCIA FLIX

    O GNERO EXPOSIO ORAL: descrio e anlise de sua aplicao no contexto do ensino mdio

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Estudos Lingusticos, Curso de Mestrado em Estudos Lingusticos do Instituto de Letras e Lingustica da Universidade Federal de Uberlndia, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Estudos Lingusticos.

    rea de Concentrao: Estudos em Lingustica e Lingustica Aplicada.

    Linha de Pesquisa: Estudos sobre texto e discurso.

    Tema: Estudos textuais/discursivos envolvidos no processo de construo do sentido do texto na recepo de produo de diferentes gneros discursivos.

    Orientadora: Prof Dr Lusa Helena Borges Finotti.

    Uberlndia 2009

  • O GNERO EXPOSIO ORAL: descrio e anlise de sua aplicao no contexto do

    ensino mdio

    Regina Lcia Flix

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Estudos Lingusticos, Curso de Mestrado em Estudos Lingusticos do Instituto de Letras e Lingustica da Universidade Federal de Uberlndia, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Estudos Lingusticos.

    rea de Concentrao: Estudos em Lingustica e Lingustica Aplicada.

    Linha de Pesquisa: Estudos sobre texto e discurso.

    Tema: Estudos textuais/discursivos envolvidos no processo de construo do sentido do texto na recepo de produo de diferentes gneros discursivos.

    Uberlndia- MG, 22 de maio de 2009.

    Banca Examinadora:

    ____________________________________________________ Prof. Dr Lusa Helena Borges Finotti UFU

    _____________________________________________________ Prof Dr Elisete Maria de Carvalho Mesquita- UFU

    _____________________________________________________ Prof Dr Irma Beatriz de Arajo Kappel - UFTM

  • Aos meus pais, Nasser e Lourdes; aos meus irmos, David, Srgio, Valria e Paulo Henrique. E ao meu mascote Bobby, co-autores deste trabalho.

  • AGRADECIMENTOS

    Universidade Federal de Uberlndia e ao Instituto de Letras e Lingustica, na pessoa

    da Prof Dr Alice Cunha de Freitas, pela acolhida, pelo apoio e pela presteza durante esta

    trajetria.

    Secretaria de Educao do Estado de Minas Gerais, por oportunizar meu

    aprimoramento profissional e acadmico.

    Aos diretores, colegas e alunos das escolas pesquisadas, efetivos colaboradores para a

    concretizao deste trabalho, por confiarem na minha postura tica e profissional.

    A minha orientadora, Prof Dr Lusa Helena Borges Finotti, pelo direcionamento

    deste trabalho, com sua postura profissional, competente e tica, bem como pela pacincia

    diante do desafio de transformar o olhar de uma professora no de uma pesquisadora.

    A todos os demais professores do Curso de Mestrado, Prof Dr Alice Cunha de

    Freitas, Prof. Dr. Luz Carlos Travaglia, Prof Dr Carmem Lcia Hernandes Agustini, pela

    participao neste desafio e por possibilitarem meu crescimento acadmico, profissional e

    pessoal; e, em especial, Prof Dr Maura Alves de Freitas Rocha, pelo incentivo e pelo

    apoio.

    s professoras doutoras Elisete Maria de Carvalho Mesquita e Maura Alves de Freitas

    Rocha, pelas sugestes na qualificao.

    Aos colegas e amigos conquistados neste perodo acadmico, pela cumplicidade, pela

    partilha.

    Agradeo, enfim, a todos que cruzaram meu caminho durante esta temporada,

    desejando-me o melhor.

    A Nossa Senhora Aparecida, minha mentora espiritual.

    Muito obrigada.

  • Ai, palavras, ai, palavras, que estranha potncia, a vossa! Ai, palavras, ai, palavras, sois o vento, ides no vento, e, em to rpida existncia, tudo se forma e transforma! Sois de vento, ides no vento e quedais, com sorte nova!

    Ceclia Meireles

  • RESUMO

    Como profissional do ensino da Lngua Portuguesa, percebemos a dificuldade dos alunos do Ensino Mdio em utilizar adequadamente a lngua oral nas diferentes situaes comunicativas formais a que esto expostos. Em funo disso, interessamo-nos em analisar de que forma a modalidade oral da Lngua Portuguesa, na sua variedade padro escolarizada, tem sido trabalhada no Ensino Mdio. Para elaborar este estudo, partimos da hiptese de que os gneros orais no so trabalhados formalmente no contexto escolar, em especial, no Ensino Mdio, porque os professores no tm uma forma de abordagem que sustente sua prtica. Se (e quando) isso ocorre, no h planejamento prvio para sua execuo. Em decorrncia da variedade e da abrangncia dos gneros orais no espao escolar, delimitamos como objetivo desta pesquisa descrever e analisar a aplicao da exposio oral ao contexto do Ensino Mdio em duas escolas estaduais de Ensino Mdio da cidade de Patrocnio-MG. A partir do corpus coletado, descrevemos e analisamos: (a) as condies de produo em que ocorreram as exposies dos alunos; (b) a construo interna das exposies realizadas por eles; (c) os mecanismos de articulao textual presentes em suas produes orais e (d) alguns elementos no-verbais da comunicao julgados pertinentes para a compreenso do gnero. O corpus foi coletado durante dois meses, constou de cinco exposies apresentadas nas aulas de Lngua Portuguesa (Literatura), Biologia, Geografia e Fsica. O estudo foi baseado, principalmente, na perspectiva terica de Schneuwly & Dolz et al. (2004), Rojo (2000, 2001, 2002, 2005, 2007) e Marcuschi (1999, 2001, 2002, 2003, 2005). Constatamos, nas anlises, que o gnero exposio oral no trabalhado formalmente na sala de aula, no que tange aos procedimentos formais, provavelmente porque os professores veem a oralidade apenas como um veculo condutor da linguagem. Para esses professores, o trabalho com a exposio oral teve como foco primordial a transmisso de um contedo. Verificamos, tambm, que o trabalho com a modalidade oral da lngua realizado com frequncia em sala de aula, mas sem que se realizem intervenes didticas em relao forma pela qual os alunos apresentam as suas exposies orais. Com relao ao professores, observamos, pelas entrevistas semiestruturadas, que a maioria deles desconhece o trabalho com os gneros discursivos, o que foi visto como novidade. A esse respeito, falta-lhes embasamento terico e pedaggico. No entanto, eles tm conhecimento dessa defasagem e apresentaram-se receptivos ao trabalho e possvel aplicao do gnero exposio oral em seus trabalhos com os alunos. Sendo assim, este estudo pode contribuir para que os professores no s reconheam a importncia da exposio oral no contexto escolar e na vida social do aluno, mas tambm desenvolvam um trabalho sistemtico em sala de aula, o que pode possibilitar aos discentes empregar esse gnero com competncia nas diversas situaes de comunicao formal.

    Palavras-chave: exposio oral, gnero, ensino.

  • ABSTRACT

    As a Portuguese language teaching professional, we have noticed the difficulty of High School students in using oral language appropriately in different formal communicative events which they are exposed to. Due to this fact, we have become interested in analyzing how the oral mode of the Portuguese language, in its standard school register, has been developed in High School. In order to elaborate this study, we have begun with the hypothesis that oral genres are not formally addressed in the educational context, especially in High School, since teachers do not have a theoretical and pedagogical approach to support their practice. If (and when) this occurs, there is no previous planning for its execution. Because of the variety and scope of oral genres in the school space, we have narrowly defined as a goal for this research to describe and analyze the application of oral presentations in the context of High School in two state high schools from the city of Patrocnio, state of Minas Gerais. Based on the collected corpus, we describe and analyze: (a) the conditions for production in which the students presentations occurred; (b) the internal construction of the presentations performed by them; (c) the mechanisms of textual articulation which are present in their oral production and (d) some non-verbal communication elements which are judged relevant for the understanding of the genre. The corpus was collected during two months, and is comprised of five presentations given in classes of Portuguese (Literature), Biology, Geography and Physics. The study was based principally on the theoretical perspective of Schneuwly & Dolz et al. (2004), Rojo (2000, 2001, 2002, 2005, 2007) and Marcuschi (1999, 2001, 2002, 2003, 2005). We have found in our analysis that the genre oral presentation is not formally addressed in the classroom referring to form, probably because teachers regard verbosity only as a vehicle to conduct language. For these teachers, tasks with oral presentation had as a focus mainly content transmission. We have also verified that tasks with the oral modality of language are conducted with frequency in the classroom, but without pedagogical interventions related to the way in which students perform their oral presentations. When it comes to the teachers, we have noticed, through semi-structured interviews, that the majority are not aware of and view as new the possibility of teaching discursive genres. In this regard, they lack theoretical and pedagogical foundation. Nevertheless, they acknowledge this deficiency and are willing to welcome the application of the genre oral exposition as a new practice with their students. Therefore, this study may contribute not only for the teachers to recognize the relevance of oral presentation in the educational context and in the students social life, but also for them to develop a systematic set of tasks in the classroom, which may enable teachers to competently employ this genre in the several situations of formal communication.

    Keywords: oral presentation, genre, teaching.

  • SUMRIO

    INTRODUO .............................................................................................................. 12

    CAPTULO I FUNDAMENTAO TERICA........................................................... 15

    1.1 A oralidade: uma prtica social interativa ......................................................................15

    1.1.1 As especificidades da oralidade...............................................................................17

    1.2 O texto oral .....................................................................................................................18

    1.3 A noo de gnero discursivo em Bakhtin e seus desdobramentos................................23

    1.4 Os gneros discursivos orais pblicos formais e a escola.......................................... 26

    1.4.1 O critrio de escolha dos gneros orais a serem trabalhados em sala de aula .........31

    1.5 Os gneros orais mais utilizados no contexto do Ensino Mdio ....................................33

    1.5.1 A leitura em voz alta ................................................................................................34

    1.5.2 O debate regrado na viso de Dolz e colaboradores (2004) ....................................35

    1.5.3 O gnero exposio oral segundo Dolz et al. (2004)...............................................37

    1.6 Exposio oral ou seminrio: uma questo de terminologia?.....................................44

    CAPTULO II PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ........................................... 46

    2.1 As perguntas, hipteses e objetivos ................................................................................46

    2.2 O universo e o perfil dos sujeitos da pesquisa ................................................................47

    2.3 Os procedimentos de coleta, de organizao dos dados e de anlise do corpus.............48

    2.4 A natureza do corpus de anlise .....................................................................................50

    2.5 O sistema de transcrio e a forma de citao do corpus ...............................................51

    CAPTULO III O GNERO EXPOSIO ORAL NO CONTEXTO DO ENSINO MDIO

    .................................................................................................................................... 55

    3.1 O olho humano................................................................................................................55

    3.1.1 As condies de produo .......................................................................................55

    3.1.2 A construo interna ................................................................................................57

    3.1.3 Os mecanismos de articulao textual .....................................................................59

    3.1.4 Os aspectos no verbais presentes na exposio .....................................................62

    3.2 Dom Casmurro................................................................................................................63

    3.2.1 As condies de produo .......................................................................................63

    3.2.2 A construo interna ................................................................................................65

    3.2.3 Os mecanismos de articulao textual .....................................................................67

    3.2.4 Os aspectos no verbais presentes na exposio .....................................................70

    3.3 Cadeia e teia alimentares ................................................................................................71

  • 3.3.1 As condies de produo .......................................................................................71

    3.3.2 A construo interna ................................................................................................73

    3.3.3 Os mecanismos de articulao textual .....................................................................75

    3.3.4 Os aspectos no verbais presentes na exposio .....................................................76

    3.4 Fuso horrio e cartografia ...............................................................................................77

    3.4.1 As condies de produo .......................................................................................77

    3.4.2 A construo interna ................................................................................................79

    3.4.3 Os mecanismos de articulao textual.....................................................................82

    3.4.4 Os aspectos no verbais presentes na exposio .....................................................85

    3.5 Histria em quadrinhos ...................................................................................................87

    3.5.1 As condies de produo .......................................................................................87

    3.5.2 A construo interna ................................................................................................88

    3.5.3 Os mecanismos de articulao textual.....................................................................92

    3.5.4 Os aspectos no verbais presentes na exposio .....................................................95

    CONCLUSO...............................................................................................................96

    REFERNCIAS............................................................................................................104

    APNDICES.................................................................................................................108

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Meios no verbais da comunicao oral....................................................21

    Quadro 2 - Constituio do corpus de pesquisa..........................................................51

    Quadro 3 - Normas utilizadas na transcrio das exposies orais.............................51

  • INTRODUO

    Ao longo dos ltimos anos, tem crescido, no Brasil, o nmero de publicaes a

    respeito da lngua falada, principalmente como resultados de pesquisas desenvolvidas por

    grupos de estudo consolidados no interior das universidades brasileiras, entre os quais se

    destacam o Projeto da Gramtica do Portugus Falado no Brasil, o Projeto de Estudo da

    Norma Lingustica Urbana Culta de So Paulo (Projeto NURC/SP) e o Ncleo de Estudos

    Lingusticos da Fala e Escrita/UFPE.

    Esse fato evidencia a importncia conferida modalidade oral da lngua que, todavia,

    no se observa nas instituies escolares nos ensinos Fundamental e Mdio. O ensino de

    Lngua Portuguesa praticado pela maioria das escolas brasileiras, principalmente nas da rede

    pblica, tem-se caracterizado pela ausncia da prtica da oralidade formal em sala de aula.

    Marcuschi (2001, p. 24) afirma ser [...] bastante interessante refletir melhor sobre o

    lugar da oralidade, hoje, seja nos contextos de uso da vida diria ou nos contextos de

    formao escolar formal, pois a oralidade tem sido negligenciada pela escola e isso tem

    causado srios problemas, uma vez que ela tem relao direta com o modo pelo qual a escrita

    percebida.

    A preocupao com a modalidade oral em sala de aula compartilhada por estudiosos

    brasileiros e estrangeiros, como Marcuschi (1999, 2001, 2002, 2003, 2005), Rojo (2000,

    2001, 2002, 2005, 2007) e Schneuwly e Dolz (2004).

    Dolz, Schneuwly e Haller (2004, p. 150) tambm criticam a insuficiente ateno dada

    pela escola lngua oral em seu pas e apresentam alguns indicadores dessa problematizao:

    [...] o ensino escolar da lngua oral e de seu uso ocupa atualmente um lugar limitado. Os

    meios didticos e as indicaes metodolgicas so relativamente raros; a formao dos

    professores apresenta importantes lacunas. Esses autores discutem a questo, tendo como

    enfoque o ensino do Francs1 na Sua francfona.

    A partir dos indicadores dessa problematizao e da nossa experincia como

    professora, constatamos que a modalidade oral da Lngua Portuguesa no trabalhada

    adequadamente no mbito escolar no Brasil. O aluno no consegue adequar a lngua oral s

    diferentes situaes comunicativas formais a que est exposto.

    1 Em alguns momentos deste trabalho ocorrem comparaes entre o ensino do Francs e o do Portugus. De acordo com Rojo e Cordeiro (2004, p.14), isso possvel, porque est-se discutindo o ensino de lngua materna e no do Francs (ou do Portugus) como lngua estrangeira; e, tambm nos dois casos, est-se discutindo o ensino de unidades do discurso (gneros) mais que da lngua propriamente dita.

  • 13

    A situao pode ser alarmante para os alunos, principalmente os do Ensino Mdio,

    uma vez que esse nvel de ensino caracteriza-se como a etapa final de uma Educao de

    carter geral [...] que situa o educando como sujeito produtor de conhecimento e participante

    do mundo do trabalho, e com o desenvolvimento da pessoa, como sujeito em situao-

    cidado (Parmetros Curriculares Nacionais -PCN/2000, p. 10).

    Assim, faz-se necessrio a escola proporcionar condies de aprendizagem dos

    gneros orais, uma vez que o cidado pode necessitar de apresentar, em algum momento na

    vida escolar ou extraescolar, um assunto em forma de exposio oral, em situao de

    comunicao formal.

    Diante dessa constatao e da inquietao que ela provocou, decidimos investigar, na

    perspectiva dos gneros discursivos, de que forma a modalidade oral da Lngua Portuguesa,

    na sua variedade padro escolarizada, tem sido trabalhada no Ensino Mdio, em duas escolas

    pblicas da cidade de Patrocnio.

    Em funo da necessidade de delimitao da pesquisa e da abrangncia e variedade

    dos gneros orais no contexto escolar, da tentativa de aproximao da realidade escolar e da

    viabilidade de um trabalho com a lngua oral em sala de aula, foi realizada uma triagem dos

    gneros orais mais utilizados no locus de pesquisa e, a partir de alguns critrios, selecionamos

    como objetivo descrever e analisar a aplicao do gnero exposio oral no mbito do Ensino

    Mdio.

    A escolha da exposio oral como objeto de pesquisa se deu em razo de sua

    funcionalidade como instrumento de trabalho com a prtica da oralidade, foco desta pesquisa.

    Foi determinante nessa escolha o fato desse gnero oportunizar o desenvolvimento de aes

    de linguagem em diferentes situaes de interao e abordagem interdisciplinar. Alm disso,

    oferece acesso prtica do discurso monologal ao aluno propiciando-lhe condies para a

    aprendizagem desse gnero.

    Para isso, no que se refere perspectiva terica desta pesquisa, nosso embasamento

    perpassou a noo bakhtiniana de gneros com os estudos de Schneuwly & Dolz et al. (2004),

    que consideram o gnero instrumento de apropriao da linguagem e os estudos dos gneros

    orais do domnio pblico, referendados por Rojo (2000, 2001, 2002, 2005, 2007) e, em

    Marcuschi (1999, 2001, 2002, 2003, 2005), buscamos a noo de oralidade.

    Em relao organizao, esta dissertao constituda pelas seguintes partes: no

    captulo primeiro, Fundamentao terica, discorremos sobre a oralidade e suas

    especificidades, o texto oral, a noo de gnero discursivo em Bakhtin e seus

    desdobramentos, bem como discutimos os gneros discursivos orais pblicos formais e a

  • 14

    escola. Apontamos tambm os critrios de escolha dos gneros orais a serem trabalhados em

    sala de aula, alm dos gneros orais mais utilizados no contexto do Ensino Mdio. A partir

    desses critrios, selecionamos o gnero exposio oral como objeto desta pesquisa, por

    entendermos ser o mais funcional para o trabalho com a modalidade oral na sala de aula do

    Ensino Mdio.

    No captulo segundo, Procedimentos metodolgicos, apresentamos os procedimentos

    utilizados na pesquisa para a coleta de dados e a descrio e anlise das exposies orais dos

    alunos, as perguntas de pesquisa, as hipteses e os objetivos do trabalho, assim como o

    sistema de transcrio das exposies e a forma de citao do corpus.

    No captulo terceiro, O gnero exposio oral no contexto do Ensino Mdio, fazemos

    a descrio e a anlise das exposies, que se constituram no corpus do trabalho, a partir da

    definio e dos critrios propostos por Dolz et al. (2004), em relao a esse gnero e com base

    nas observaes empricas realizadas em sala de aula.

    Primeiramente, foi feita a descrio comentada e individual das cinco exposies orais

    apresentadas pelos alunos sujeitos desta pesquisa. Posteriormente, na Anlise da exposio

    oral como objeto de ensino, analisamos o conjunto das exposies, assinalando passagens que

    deveriam ser repensadas para o trabalho da exposio como objeto de ensino. E nas

    consideraes finais, apresentamos os resultados e perspectivas acerca do trabalho.

    Diante do exposto, este estudo se justifica pelas possveis descobertas advindas do

    modo pelo qual a exposio oral trabalhada no Ensino Mdio, e que podem contribuir para o

    ensino da modalidade oral da Lngua Portuguesa. A partir dos resultados obtidos pela

    descrio e anlise do corpus, averiguamos se essa prtica de ensino est possibilitando ao

    aluno empregar com competncia esse gnero nos contextos intra e extraescolares exigidos

    pelas situaes comunicativas formais, visto que o gnero exposio oral representa uma

    forma importante de comunicabilidade, podendo ser um ponto de partida para que o aluno

    consiga desenvolver melhor a produo de textos na modalidade escrita. Alm disso,

    ressaltamos que os prprios Parmetros Curriculares Nacionais (PCN) salientam a

    importncia do ensino da lngua oral para a interao lingustico-social do indivduo e veem

    na comunicabilidade o objetivo e a finalidade do ensino dessa modalidade.

  • 15

    CAPTULO I

    FUNDAMENTAO TERICA

    Parece que hoje redescobrimos que somos seres eminentemente orais, mesmo em culturas tidas como amplamente alfabetizadas. (MARCUSCHI, 2001, p. 24)

    Neste captulo, apresentamos a fundamentao terica que sustenta este trabalho,

    discorremos sucintamente sobre a oralidade e suas especificidades; o texto oral e sua

    constituio; a noo de gnero discursivo seguindo a linha terica bakhtiniana; a discusso

    dos gneros discursivos orais pblicos formais e a escola; os critrios de escolha dos gneros

    orais a serem trabalhados em sala de aula; os gneros orais mais utilizados no contexto do

    Ensino Mdio e a seleo do gnero exposio oral.

    1.1 A oralidade: uma prtica social interativa

    A partir de 1980, o interesse pelo estudo da modalidade oral da lngua materna

    ampliou-se consideravelmente e, com a aplicao da teoria da Anlise da Conversao,

    tornou-se possvel o estudo do fenmeno da oralidade fora dos mtodos tradicionais usados

    para a anlise da lngua escrita. Desse modo, princpios inerentes lngua oral, como

    densidade informativa, emprego de marcadores conversacionais, sobreposio de vozes,

    possibilitaram reconhec-la como possuidora de regras prprias.

    Embora o interesse pela oralidade tenha crescido gradativamente nos ltimos anos, ela

    ainda definida, mesmo pelos professores de Lngua Portuguesa, apenas como algo que se

    expressa oralmente. Outras vezes, associada ideia de suporte para o desenvolvimento de

    outras competncias, como a leitura e a escrita. Essas percepes, provavelmente, devem-se

    ao fato de o estudo da lngua oral ser considerado recente e sua definio no ser to

    simplista como pode parecer primeira vista. De acordo com Marcuschi (2001),

    [...] a oralidade seria uma prtica social interativa para fins comunicativos que se apresenta sob variadas formas ou gneros textuais fundados na realidade sonora; ela vai desde uma realizao mais informal a mais formal nos mais variados contextos de uso (MARCUSCHI, 2001, p. 25).

  • 16

    Corroborando essa afirmao, Bezerra (1998) explica que:

    [...] a lngua, em sua modalidade oral (e escrita tambm), apresenta uma variedade de usos que ocorrem dependendo dos interlocutores, da situao ou da mensagem a ser transmitida. Essas variedades, chamadas por alguns de registros, detm graus variados de formalismo (BEZERRA, 1998, p. 30).

    Em se tratando de formalidade na oralidade, Bezerra2 (1998, p. 30) assinala que a

    explicao de textos em sala de aula supe a ocorrncia de uma gradao na oralidade.

    Segundo a autora, h padres de oralidade, que correspondem s caractersticas lingusticas,

    estruturais e situacionais de um determinado tipo de texto oral. Desse modo, considera que

    so os tipos de textos e suas situaes (palestra, conversa, artigo de opinio, dilogo ao

    telefone) que determinam esse formalismo gradativo e no as modalidades da lngua.

    Ainda em relao ao formalismo, Travaglia (2003, p. 53-56) postula que h cinco

    graus distintos de formalismo na lngua falada3 e escrita4, que so: oratrio, deliberativo,

    coloquial, casual ou coloquial distenso e ntimo ou familiar.

    Um texto est em nvel oratrio quando usado em situao muito formal,

    principalmente por especialistas, como advogados, sacerdotes e outros oradores religiosos e

    polticos.

    O nvel deliberativo aquele usado para o emissor dirigir-se a um pblico mdio ou

    grande, preparado previamente, e do qual se excluem as respostas informais. Caracteriza-se,

    linguisticamente, por vocabulrio variado, o que evita as repeties desnecessrias, e por

    sentenas curtas, sendo normalmente utilizado em conferncias cientficas. Esse grau de

    formalismo pode ser considerado como o intermedirio entre o oratrio e o familiar.

    O nvel coloquial aquele em que o texto geralmente construdo em forma de

    dilogo, sem planejamento prvio, mas continuamente controlado pelos interlocutores.

    Linguisticamente, esse nvel se caracteriza por construes gramaticais soltas, frequentes

    repeties, frases curtas e simples conectivos.

    2 Bezerra (1998, p. 27) mostra como caractersticas da oralidade informal permeiam o discurso do professor no evento comunicativo de explicao de textos formais. Essas caractersticas, embora possam significar uma proximidade entre professor e alunos, podem tambm sinalizar uma falta de domnio da norma culta por parte do professor e, consequentemente, mais uma dificuldade para o ensino do texto escrito padro.

    3 Travaglia (2003, p. 51) esclarece que, para alguns estudiosos, tanto faz dizer lngua oral quanto lngua falada (em nosso estudo, damos preferncia expresso lngua oral). Para outros, a expresso lngua oral pode referir-se mais especificamente ao meio sonoro de produo da sequncia lingustica. Assim sendo, a expresso lngua falada identificaria melhor essa variedade da lngua com suas caractersticas prprias, distintas da lngua escrita.

    4 Travaglia (2003, p. 54-56) refere-se s variedades de grau de formalismo na lngua falada e escrita, porm, nos ateremos somente lngua falada, tendo em vista o enfoque desta pesquisa.

  • 17

    O nvel casual ou coloquial distenso aquele em que se percebe no texto uma

    completa integrao entre os interlocutores; caracteriza-se, linguisticamente, pela omisso de

    palavras e pelo pouco cuidado em termos de pronncia, presente em conversaes

    descontradas entre amigos.

    Por ltimo, o nvel ntimo ou familiar aquele cujos textos so pessoais, privados,

    com presena marcante de linguagem afetiva, usado na vida familiar e informal por natureza.

    Para Travaglia (2003), interessante para o professor estar ciente de todos os nveis

    distintos de formalidade, cuja variedade formal incluiria o grau oratrio e o deliberativo. Para

    esse autor, o ltimo seria o mais adequado s prticas escolares, pois o conhecimento e o

    domnio do grau de formalidade da lngua oral pelo docente podem melhor possibilitar-lhe a

    conduo do trabalho em sala de aula, em situaes de comunicao oral.

    Nessa perspectiva, o professor deve aliar a teoria prtica da oralidade, ao explicar os

    textos, fazendo uso do nvel deliberativo no s no ensino-aprendizagem do gnero

    exposio, mas de todos os gneros orais formais pblicos intra ou extraclasse como, por

    exemplo, o debate regrado, a discusso argumentativa, a palestra etc.

    1.1.1 As especificidades da oralidade

    sabido que a linguagem humana fundamentalmente dialgica, independentemente

    de ser oral ou escrita. No caso da linguagem oral, uma de suas especificidades que ela se

    realiza na presena dos interlocutores, o que faz com que eles assumam a co-autoria do texto,

    que vai sendo gerado de forma interacional, o que os obriga a uma sorte de co-processamento

    sinttico, conforme afirma Castilho (1998, p. 16-17).

    Desse modo, a conversao face a face constitui um dos mais frequentes gneros da

    linguagem oral. Ela ocorre em presena de, pelo menos, dois interlocutores, que participam

    cooperativamente durante o processo de construo do texto: perguntam, respondem,

    argumentam ou contra-argumentam.

    Alm disso, pelo fato de a comunicao ocorrer na presena dos interlocutores, h

    economia de emprego dos recursos lingusticos, visto que esses se integram ao espao comum

    partilhado pelos mesmos durante a interao. Se ocorrer alguma dvida ou mal-entendido

    durante a conversao, eles podero ser sanados no prprio momento de sua realizao.

    Quando uma manifestao oral interrompida, os interlocutores necessitam de regular

    a fala, de modo que ela se desenvolva mais lentamente, mantenha o foco de ateno ao que foi

    mencionado, bem como quantidade de informaes a serem transmitidas, o que favorece o

  • 18

    aparecimento de repeties e redundncias, especificidades prprias da oralidade (FINOTTI,

    2001).

    Essas repeties e redundncias, em um primeiro momento, parecem provocar uma

    desorganizao na linguagem falada, mas, na verdade, so estratgias de formulao textual.

    Como explica Marcuschi (2002), a repetio

    [...] uma das estratgias de formulao textual mais presentes na oralidade. Por ser uma estratgia de grande maleabilidade funcional, a repetio assume um variado conjunto de funes. Contribui para a organizao discursiva e a monitorao da coerncia textual; favorece a coeso e a gerao de sequncias mais compreensveis; d continuidade organizao tpica e auxilia nas atividades interativas. Disso tudo resulta uma textualidade menos densa e maior grau de envolvimento interpessoal [...] (MARCUSCHI, 2002, p. 105).

    Ainda, segundo Marcuschi (2002, p. 105-106), como h impossibilidade de

    apagamento na fala, a repetio faz parte do processo de edio, sendo sua presena na

    superfcie do texto falado alta, constatando-se que a cada cinco palavras, em mdia, uma

    repetida.

    Outra especificidade da lngua oral sua constituio em duas fases, uma de

    planejamento e outra de execuo; ambas transcorrem em tempo real. Na primeira fase, pr-

    verbal, de natureza cognitiva, o falante seleciona o que vai ser dito e analisa as condies da

    interao para a veiculao do dito. J na segunda fase, verbal, de execuo, o falante codifica

    por meio do lxico e da gramtica as idias consideradas adequadas quele ato de fala.

    Desse modo, como a formulao do texto oral ocorre quase concomitantemente ao

    dizer, aparentemente no h planejamento prvio na comunicao oral e podem ocorrer

    sentenas incompletas, cortes, reformulaes no decorrer da comunicao, o que sugere falta

    de coeso e coerncia.

    1.2 O texto oral

    Segundo Hilgert (2001), o texto oral caracteriza-se pelo fato de ser essencialmente um

    processo e no um produto. Assim, faz-se necessrio compreender a sua construo a partir de

    sua definio.

    Para Jubran (2002), o texto oral pode ser entendido como uma

  • 19

    [...] entidade sociocomunicativa, que globaliza o lingustico-pragmtico. o resultado concreto do jogo de atuao interacional, projetado na sua superfcie lingustica. Apresenta propriedades especficas, como as de coeso e coerncia, assentadas em componentes semntico-pragmticos que ultrapassam o mbito frasal, revelando, relativamente a esse mbito, uma natureza diferente de relaes constitutivas (JUBRAN, 2002, p. 344).

    Ou seja, seu processo de constituio e seu uso nos diferentes contextos sociais

    resultam do jogo da intencionalidade, prprio de seu carter sociocomunicativo, que engloba

    os aspectos lingusticos e pragmticos, o que o caracteriza como um processo, construdo ao

    longo da interao.

    Segundo Schegloff, Jefferson e Sacks (1977 apud HILGERT, 2001, p. 66), dada a sua

    natureza processual, a construo do texto falado essencialmente marcada pelo constante

    surgimento e consequente soluo de problemas 5. Esses problemas so vistos, por alguns,

    como algo que desvaloriza a lngua oral. No entanto, tais problemas so necessrios, j que o

    interlocutor precisa, a todo o momento, preencher vazios para que a linguagem possa ser

    decodificada com xito. Esses vazios ou lacunas, decorrentes das escolhas gramaticais ou da

    ausncia dos elementos situacionais da interao, podem ser preenchidos por meio dos

    recursos no verbais, tais como atitudes corporais, gestos, expresses faciais, qualidade da

    voz, entonao etc., que se tornam elementos coadjuvantes para a compreenso da mensagem,

    principalmente quando as relaes entre os interlocutores so ntimas. Todavia, essas lacunas

    podem tambm funcionar como estratgias na comunicao, conforme explica Antos (1982):

    [...] as lacunas no tm somente especial funo para a atividade interpretativa, para o pensar co-construtivo do enunciatrio, mas tambm representam um importante e necessrio constituinte da formulao: sempre se deu grande valor na Lingustica ainda que nem sempre sob perspectiva textual s pressuposies e implicaes, como tambm s estratgias representadas pelas atividades de aludir, calar, omitir ou deixar vago [...] (ANTOS, 1982 apud HILGERT, 2003, p. 77).

    Como foi dito, uma das caractersticas bsicas da lngua falada refere-se ao fato de o

    planejamento e a execuo ocorrerem simultaneamente. Assim sendo, pertinente conhecer

    os processos constitutivos do texto oral.

    Segundo Castilho (1998, p. 56), se tomarmos como ponto de partida o lxico,

    conjunto de itens dotados de propriedades semnticas e gramaticais, propriedades essas que

    so alteradas ou confirmadas no momento da interao discursiva, trs processos

    5 Consideram-se, aqui, como problemas, os erros, as falhas, a procura da palavra adequada para o contexto, as hesitaes etc.

  • 20

    simultneos podem ser percebidos na construo do texto oral: ativao, reativao e

    desativao.

    Na construo do texto por ativao, a partir das escolhas das palavras, organiza-se o

    texto e suas unidades, as sentenas e suas estruturas sintagmtica, funcional, semntica e

    informacional. Isso implica dizer que a cada unidade de idia corresponde um tpico

    conversacional ou assunto que comporta tanto informaes j conhecidas como novas.

    (FINOTTI, 2001, p. 28).

    Na construo por reativao, tem-se o que Castilho denomina de processamento

    anafrico, pois, como a linguagem oral tem uma estrutura prpria (dependente do contexto

    de produo), o tpico discursivo em andamento pode ser alterado, propiciando a ocorrncia

    das repeties ou a recorrncia de expresses, de contedos e de parfrases.

    J na construo por desativao, ocorre uma ruptura na elaborao do texto, por meio

    de digresses, parnteses, pausas, hesitaes, insero de elementos discursivos, bem como

    elipses, anacolutos. Dessa maneira, ocorre uma srie de (re)construes, de volta ao dito, em

    que se retomam as principais palavras, jogando-as de novo no fluxo do texto. Esse processo

    mais perceptvel nos textos orais do que nos escritos.

    Sobre as caractersticas prprias da oralidade, Finotti (2001), ao analisar o processo de

    construo do texto oral6, ressalta que

    [...] a) as unidades de ideias das conversaes no podem ser confundidas com as do sistema gramatical da escrita, porque aquelas apresentam recortes lingusticos complexos, de acordo com as finalidades interativas; b) a reativao por repeties e parfrases constitui um processo muito usado pelos falantes, pois h necessidade de dar prosseguimento conversao, enquanto so reelaboradas as falas subsequentes; c) as digresses e os parnteses, contrariamente, ao que ocorre na escrita, so estratgias na conduo do jogo textual interativo (FINOTTI, 2001, p. 29).

    Dessa maneira, vale lembrar que, nas conversas informais, o falante, em geral, tem

    uma vaga noo do que ir dizer ao iniciar o turno, s havendo uma definio ao longo do

    processo comunicativo. Contudo, no podemos esquecer que se trata de situaes informais,

    pois h gneros orais, como a conferncia, a palestra, a exposio oral etc., em que o

    planejamento prvio precede a execuo do enunciado.

    Nesse sentido, ainda, afirmam Dolz, Schneuwly e Haller (2004),

    [...] a comunicao oral no se esgota somente na utilizao de meios lingusticos ou prosdicos; vai utilizar tambm signos de sistemas semiticos

    6 A pesquisadora utilizou inquritos entre dois informantes como corpus de textos orais.

  • 21

    no lingusticos, desde que codificados, isso , convencionalmente reconhecidos como significantes ou sinais de uma atitude. assim que mmicas faciais, posturas, olhares, a gestualidade do corpo ao longo da interao comunicativa vm confirmar ou invalidar a codificao lingustica e/ou prosdica e mesmo, s vezes, substitu-la (DOLZ; SCHNEUWLY; HALLER, 2004, p. 160).

    Goulart (2005) assevera que os cdigos no verbais, muitas vezes, so mais eficientes

    para o falante expressar suas intenes comunicativas do que as prprias palavras. Alm

    disso, preciso esclarecer que

    [...] ao se analisar eventos de fala, no se podem empregar as mesmas unidades analticas usadas na escrita, pois a comunicao oral possui princpios comunicativos prprios, que no se limitam somente aos nveis verbal e vocal, mas tambm ao nvel gestual (GOULART, 2005, p. 37).

    Marcuschi (2005, p. 76) ressalta que [...] a movimentao, os olhares e os gestos de

    alunos so aspectos no verbais poderosos que contribuem para a construo coletiva da

    deriva temtica. Isso no s acontece em sala de aula, mas em toda interlocuo, podendo

    servir como eixo norteador durante as situaes de comunicao oral.

    Para melhor visualizao e compreenso dos elementos no verbais da comunicao,

    apresentamos o Quadro1.

    Quadro 1 Meios no-lingusticos da comunicao oral

    MEIOS PARA-LINGUSTICOS

    MEIOS CINSICOS

    POSIO DOS LOCUTORES

    ASPECTO EXTERIOR

    DISPOSIO DOS LUGARES

    Qualidade da voz Melodia Elocuo e pausas Respirao Risos Suspiros

    Atitudes corporais Movimentos Gestos Troca de olhares Mmicas faciais

    Ocupao de lugares Espao pessoal Distncias Contato fsico

    Roupas Disfarces Penteado culos Limpeza

    Lugares Disposio Iluminao Disposio das cadeiras Ordem Ventilao Decorao

    Fonte: Dolz, Schneuwly e Haller (2004, p. 160)

    Os autores Dolz, Schneuwly, Haller (2004) dizem que

    [...] no se pode pensar o oral como funcionamento da fala sem a prosdia, isso , a entonao, a acentuao e o ritmo. J que os fatos da prosdia so fatos sonoros, podemos analis-los em termos quantificveis de altura, intensidade e durao. Dimenses essenciais de toda produo oral, seu domnio consciente ganha particular importncia quando a voz est colocada a servio de textos escritos (DOLZ; SCHNEUWLY; HALLER, 2004, p. 155).

  • 22

    A pesquisa empreendida por Goulart (2005) investigou a exposio oral em seminrio

    no ensino Fundamental. Ela afirma que em relao aos meios no lingusticos da

    comunicao oral, o Quadro 1, que figuram no relevo de pesquisadores da Didtica da Lngua

    Francesa, coloca-se um principal problema: o agrupamento de elementos no verbais e de

    elementos prosdicos sob a mesma categoria: meios paralingusticos. Para essa autora, cada

    um dos elementos destacados que compe os meios paralingusticos tem escopos diferentes

    dentro da ecologia da comunicao (GOULART, 2005, p. 43).

    Goulart, parafraseando Guiraud e Marcuschi (1991) destaca que

    [...] os recursos prosdicos so de natureza lingustica, porque so significativos e desempenham importantes funes no curso da interao, porm, no podem ser considerados como recursos verbais. Sendo assim, a anlise de gneros orais deve desenvolver dispositivos tericos e metodolgicos que deem conta de sua complexidade e de sua natureza multimodal (GOULART, 2005, p. 43-44).

    Rector e Trinta (1986, p. 50-51 apud GOULART, 2005) afirmam que a paralinguagem

    est presente em toda interao comunicativa no verbal e acompanha os elementos verbais

    numa dada situao comunicativa. Elementos paralingusticos, tais como variaes de altura e

    intensidade da voz, tanto pausas no preenchidas (silncio), quanto preenchidas (ahn, humm

    etc.), e sons como o riso e o suspiro no so fenmenos idiossincrticos e individuais, pois

    so determinados culturalmente e diferem de um grupo social a outro. Os autores

    acrescentam, ainda, que esses elementos remetem a algumas ocorrncias na linguagem,

    embora no faam parte da lngua.

    Dessa maneira, conhecer as condies fsicas e psicolgicas da comunicao oral,

    prestar ateno em como e onde se fala, ter conhecimento do assunto, determinar os objetivos,

    ter clareza das caractersticas inerentes ao gnero discursivo oral a ser ensinado so aspectos

    indispensveis para que esses possam ser transformados em objeto de ensino-aprendizagem e

    proporcionem um trabalho de anlise e de sistematizao das prticas em sala de aula. No

    podemos esquecer que a prtica da linguagem oral deve privilegiar a dimenso comunicativa

    e interacional da lngua, garantindo a ampliao da competncia do aluno.

    Ressaltamos que, embora todos os aspectos no verbais apresentados no Quadro 1

    sejam importantes nos eventos comunicativos, sero por ns analisados, em razo do escopo

    da pesquisa os cinsicos (atitudes corporais, gestos, troca de olhares e mmica facial), os

    paralingusticos (risos e suspiros) e os prosdicos (pausas) pois no gnero exposio oral,

    esses funcionam como radares para o expositor, ou seja, por meio dos sinais no verbais

    emitidos pelo interlocutor durante a apresentao, que se pode perceber a aceitabilidade ou o

  • 23

    entendimento do que est sendo dito e, assim, se necessrio, reformular a exposio. Os

    outros aspectos no foram observados dada a homogeneizao do ambiente escolar.

    1.3 A noo de gnero discursivo em Bakhtin e seus desdobramentos

    A questo do gnero tem sido traada desde a Antiguidade Clssica. Sculos antes de

    Cristo, Plato (427ac-347ac) e Aristteles j procuravam classificar as obras literrias em

    gneros, no campo da Potica e da Retrica. Contudo, com a emergncia da prosa

    comunicativa, houve a demanda de outros parmetros de anlise das formas interativas

    realizadas pelo discurso, propiciando a construo de um sistema terico coerente com a

    produo cultural de um estgio significativo da civilizao ocidental (MACHADO, 2005).

    Para esse autor, os estudos de Bakhtin no tiveram como objetivo classificar as

    espcies, mas, sim, discutir o dialogismo do processo comunicativo, as relaes interativas

    eram vistas como processos produtivos de linguagem. A partir dessa perspectiva, os gneros

    do discurso foram considerados esferas de uso da linguagem verbal, o que possibilitou uma

    mudana de eixo nos estudos dos gneros: distanciou-se do universo da teoria clssica e

    criou-se um lugar para manifestaes das diversas codificaes no restritas palavra, mas ao

    discurso, pois a prosa s existe na interao.

    Rojo (2007) posiciona-se a respeito do conceito de gnero discursivo e afirma que esse

    tem um processo histrico de constituio nas obras do Crculo de Bakhtin7; lamenta que a

    produo acadmica em Lingustica Aplicada adote como referncia praticamente s o texto

    de 1952/1953, pois, j em 1929, havia o prenncio da ideia de gnero discursivo estendido a

    outros campos ou esferas de circulao dos discursos, conforme se l no seguinte trecho:

    [...] cada poca e cada grupo social tm seu repertrio de formas de discurso na comunicao scio-ideolgica. A cada grupo de formas pertencentes ao mesmo gnero, isso , a cada forma de discurso social, corresponde um grupo de temas (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929 apud ROJO, 2007, p. 1765).

    Assim, algumas das principais caractersticas do conceito de gnero elaborado pelo

    Crculo sua relao com o conceito de campo ou esfera de criao ideolgica; sua dupla

    orientao dialgica, que determina tanto o gnero como os enunciados a ele pertinentes; a

    7 O Crculo de Bakhtin composto por Voloshinov, Mdvedev e Bakhtin. Obras mencionadas por Rojo nesse artigo: Bakhtin/Voloshinov (1926,1929); Bakhtin/Mdvedev (1928) e Bakhtin (1952-1953/1979, 1934-1935/1975).

  • 24

    centralidade dos temas e a importncia das formas, em especial o acabamento

    sero

    assumidas pela teoria de gneros discursivos em Bakhtin. No texto fundador do autor, de

    1952/1953, essas caractersticas se cristalizaram na definio lida e relida pelos estudiosos da

    linguagem: cada esfera de utilizao da lngua elabora seus tipos relativamente estveis de

    enunciados, sendo isso que denominamos gneros do discurso (BAKHTIN, 2000, p. 279).

    Portanto, a partir da propagao do conceito bakhtiniano de gnero discursivo foi

    possvel definir as vrias formas adotadas pela linguagem, em um dado momento, em uma

    dada situao, que podem ser consideradas como pertencentes a um determinado gnero.

    Ainda temos de considerar que as atividades humanas esto intrinsecamente ligadas ao uso da

    linguagem e que as disparidades das produes verbais so consequncias dos variados tipos

    de atividades humanas. Nesse sentido, a constituio dos gneros parte das condies de

    produo; so essas condies que geram usos sociais e esto historicamente disponveis nas

    esferas da atividade humana.

    Segundo Bakhtin (2000), o gnero como suporte de uma atividade de linguagem

    apresenta trs elementos constitutivos e indissociveis: a) contedo temtico ou seleo de

    temas: o que ou pode tornar-se dizvel por meio do gnero; b) estilo ou escolha dos recursos

    lingusticos: configuraes especficas das unidades de linguagem derivadas, sobretudo, da

    posio enunciativa do locutor; conjuntos particulares de sequncias que compem o texto e

    c) construo composicional ou formas de organizao textual: estrutura particular dos textos

    pertencentes ao gnero.

    Alm disso, ao tratar da natureza dos enunciados nas diferentes esferas de

    comunicao, o autor distingue os gneros em primrios e secundrios. Os primeiros moldam

    os enunciados mais caractersticos da comunicao humana, so naturais de um quadro de

    interao face a face como a linguagem familiar e cotidiana. Os gneros secundrios, por sua

    vez, referem-se queles que surgem nas condies de um convvio cultural mais complexo e

    relativamente muito desenvolvido e organizado (BAKHTIN, 2000, p. 283). O estudioso

    ainda afirma que

    [...] os gneros primrios, por sua vez, ao se tornarem componentes dos gneros secundrios, transformam-se dentro destes e adquirem uma caracterstica particular: perdem sua relao imediata com a realidade existente e com a realidade dos enunciados alheios (BAKHTIN, 2000, p. 281).

    Schneuwly (2004, p. 30) menciona que os gneros primrios so o nvel real com o

    qual a criana confrontada nas mltiplas prticas de linguagem. Eles instrumentalizam a

  • 25

    criana [...] e lhe permite agir eficazmente em novas situaes [...]. Para esse autor, a

    diferena especfica entre os dois gneros reside no tipo de relao entre eles, ou seja, com ou

    sem a ao lingustica, porque a regulao ocorre na/e pela prpria ao de linguagem, no

    gnero primrio, e por outros mecanismos, ainda no definidos, no gnero secundrio.

    O autor assevera, ainda, que a partir da reinterpretao da noo de gneros

    secundrios que os gneros se complexificam e se tornam instrumentos de construes

    novas, mais complexas (SCHNEUWLY, 2004, p. 30). Desse modo, considera os gneros

    secundrios como no espontneos, porque sua apropriao implica um outro tipo de

    interveno nos processos de desenvolvimento, diferente do que ocorre nos gneros

    primrios.

    No gnero primrio, predomina uma dimenso de dominncia de relaes

    espontneas, cotidianas, imediatas, um tipo particular de aprendizagem. No gnero

    secundrio, h uma dimenso de dominncia de relaes formais, mediadas especialmente

    pela leitura e escrita. Dessa maneira, pode-se comprovar a afirmao do autor de que os

    gneros secundrios introduzem uma ruptura importante em, pelo menos, dois sentidos: no

    h ligao imediata a uma situao de comunicao e sua apropriao no pode ser feita

    diretamente, partindo de situaes de comunicao.

    Schneuwly (2004, p. 24), apoiando-se em Rabardel (1993), considera tambm os

    gneros como instrumentos mediadores, isso , como ferramentas de articulao entre as

    prticas sociais. Por meio deles, finalidades podem ser atingidas, guiando e controlando a

    ao discursiva durante seu desenvolvimento. A apropriao do instrumento pela criana pode

    ser vista como um processo de instrumentalizao, que provoca novos conhecimentos e

    saberes e abre novas possibilidades de aes para sustentar e orientar suas aes e para que se

    d a aprendizagem.

    Tendo em vista tais consideraes, podemos afirmar que a construo de um gnero

    secundrio implica dispor de instrumentos complexos e, nessa construo, os gneros

    primrios so os instrumentos de criao dos secundrios. Assim sendo, trabalhar um gnero

    secundrio como a exposio oral, em sala de aula, possibilita o desenvolvimento das

    capacidades individuais do aluno; e o reconhecimento desse gnero como objeto de ensino

    pelo docente possibilitando-lhe acompanhar o processo de desenvolvimento e de

    reestruturao do sistema de produo de linguagem do discente (GOULART, 2005).

    Nesse sentido, com o intuito de sustentar a tese de gnero como objeto de ensino-

    aprendizagem, Schneuwly (2004) afirma, com base na viso sociointeracionista, que a

    atividade humana essencialmente formada por trs polos: sujeito, instrumento e situao. Os

  • 26

    gneros encontram-se no espao intermedirio entre o sujeito, que est inserido em alguma

    situao comunicativa. O objeto sobre o qual ele age um guia que afina e diferencia a

    percepo desse sujeito, a respeito da situao na qual ele levado a agir; determina e,

    consequentemente, transforma as maneiras dos sujeitos se comportarem frente a uma

    determinada situao.

    1.4 Os gneros discursivos orais pblicos formais e a escola

    A linguagem oral est bastante presente nas salas de aula, seja na leitura de instrues,

    na correo de exerccios, mas, frequentemente, ela no ensinada, a no ser incidentalmente,

    durante atividades diversas e pouco controladas, afirmam Dolz, Schneuwly e Haller (2004).

    Sobre a abordagem dos gneros no contexto escolar, Silva e Mori-de-Angelis (2003) observam que

    [...] as descries lingustico-enunciativas minuciosas de gneros ainda so insuficientes, como tambm o so as propostas pedaggicas elaboradas intencionalmente para o trabalho com os gneros discursivos [...] trabalho ainda mais raro quando se trata de gneros orais formais e pblicos (SILVA; MORI-DE-ANGELIS, 2003, p. 186).

    As propostas pedaggicas dos gneros parecem, ainda, no satisfazer adequadamente a

    demanda do ensino dos gneros como objeto de ensino. E as pesquisas sobre a questo das

    prticas de linguagem oral caminham a passos lentos. Verificamos, por exemplo, que nos

    Anais do 4 Simpsio Internacional de Estudos de Gneros Textuais (4 SIGET/2007), no

    consta nenhum artigo sobre gneros orais.

    Diante do nmero ainda reduzido de pesquisas direcionadas s prticas de linguagem

    no contexto escolar, destacamos a proposta terica que trata da questo do gnero e do ensino

    de lngua materna, dos pesquisadores europeus do Grupo de Genebra, representada por

    Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz. Esses pesquisadores so referncias na Sua francfona

    e em outros pases, como o Brasil, no que tange ao ensino escolar dos gneros orais, com

    nfase nos gneros orais formais pblicos.

    Segundo Dolz, Schneuwly e Haller (2004),

    Os gneros formais pblicos constituem as formas de linguagem que apresentam restries impostas do exterior e implicam, paradoxalmente, um controle mais consciente e voluntrio do prprio comportamento para domin-las. So, em grande parte, predefinidos, pr-codificados por

  • 27

    convenes que os regulam e que definem seu sentido institucional (DOLZ; SCHNEUWLY; HALLER, 2004, p. 175).

    Observamos que, geralmente, os alunos do Ensino Mdio dominam bem as formas de

    produo oral cotidiana, mas necessrio ensinar-lhes os gneros da comunicao pblica

    formal, instaurando nas salas de aula um procedimento de ensino do texto oral compatvel

    com o estudo do texto escrito.

    Para isso, uma das funes da escola deveria ser a de proporcionar condies aos

    alunos de ultrapassar as formas de produo oral cotidianas para confrontar com outras

    formas institucionais, mediadas, parcialmente reguladas por restries exteriores (DOLZ;

    SCHNEUWLY; HALLER, 2004, p. 175), que dificilmente so aprendidas sem uma

    interveno didtica.

    Diante disso, a operacionalizao das prticas desse ensino deve ser feita por meio de

    estratgias de ensino que suponham a busca de intervenes didticas, mediadas e reguladas

    pelos professores, com o intuito de favorecer a mudana e a promoo dos alunos a um

    melhor domnio dos gneros e das situaes de comunicao, principalmente dos gneros

    orais pblicos formais, como a exposio oral.

    Segundo Schneuwly e Dolz (2004), os gneros so inseridos em nossas vidas por meio

    da experincia e da conscincia dos seguintes fatores: a) as prticas de linguagem, que esto

    relacionadas ao funcionamento da linguagem, instrumentos indispensveis interao social;

    b) as capacidades de linguagem, que so as aptides necessrias requeridas dos alunos para a

    produo de um gnero numa dada situao comunicativa e c) as estratgias de ensino, que

    so os instrumentos, por meio dos quais os alunos progressivamente apropriam-se dos

    gneros.

    Como os gneros discursivos so prticas vinculadas vida social, so entidades

    sociodiscursivas e formas de ao social que fazem parte da situao comunicativa e surgem

    em razo de necessidades interacionais, o trabalho pedaggico com os gneros presentes na

    sociedade pode dar s aulas um carter mais significativo, ao desenvolver no aluno a

    competncia discursiva e, ao mesmo tempo, prepar-lo para o uso dessa competncia nas

    diversas esferas da comunicao. Por isso, para que os alunos produzam discursos

    demandados pela instituio escolar, importante que se criem novas possibilidades de

    insero nas variadas instncias pblicas e formais de uso da linguagem.

    Em geral, quando se fala em proporcionar maior diversidade de interaes em sala de

    aula, quer-se dizer que os professores devam levar o aluno a assumir-se como um locutor

  • 28

    nessa instncia pblica de linguagem; e isso s ser possvel se a escola possibilitar o

    desenvolvimento de atividades sistematizadas como, por exemplo, a exposio oral.

    Como explica Geraldi (2002, p. 42), as instncias correspondem a diferentes espaos

    sociais dentro dos quais se d o trabalho lingustico. Correspondem, pois, a diferentes

    contextos sociais das interaes, e o trabalho lingustico que neles ocorre caracteriza-se

    diferentemente.

    O reconhecimento destas diferentes instncias o aluno traz para dentro da sala de aula. Uma de suas dificuldades, no entanto, que a escola e a sala de aula se caracterizam como instncia pblica de uso da linguagem e nem sempre os alunos, em suas experincias vividas anteriormente, estiveram em situaes de produzir textos (orais) em instncias pblicas (GERALDI, 2002, p. 56).

    Assim, para pensar o ensino da lngua oral, necessrio considerar as diferentes

    instncias sociais em que os alunos esto inseridos e potencializ-los a produzir textos orais

    nas diferentes situaes comunicativas formais. E, tambm, inseri-los em atividades

    significativas de prticas do oral que lhes proporcionem reflexo e sistematizao da forma

    pela qual as apresentaes orais ocorrem em sala de aula (GOULART, 2005).

    Schneuwly (2004a, p. 135) elenca trs princpios para o ensino do oral nas escolas, tendo em

    vista a premissa educacional de que aprender uma lngua aprender a se comunicar.

    O primeiro deles proporcionar aos alunos atividades que os insiram em situaes

    comunicativas as mais variadas possveis, para o conhecimento e domnio cada vez maior da

    lngua. Desse modo, quando o aluno percebe que existem situaes diferentes de uso da

    lngua, ele procura exercit-la, busca o conhecimento, e esse o diferencial de seu exerccio

    de liberdade de expresso e tambm, por que no dizer, de poder.

    Sobre a liberdade de expresso, Gnerre (2003), com base em Bourdieu (1997), afirma:

    [...] as pessoas falam para serem ouvidas, s vezes para serem respeitadas e tambm para exercer uma influncia no ambiente em que realizam os atos lingusticos.O poder da palavra o poder de mobilizar a autoridade acumulada pelo falante e centraliz-la num ato lingstico (GNERRE, 2003, p. 5).

    O segundo princpio elencado por Schneuwly o de confrontar os alunos com

    situaes de uso pblico da lngua, com vistas ao desenvolvimento de uma relao mais

    consciente e voluntria do prprio comportamento lingustico-comunicativo, possibilitando

    maior desenvolvimento das capacidades de escrever e de falar. Quando o aluno percebe que

    deve ter um comportamento lingustico-comunicativo mais consciente em determinadas

  • 29

    situaes comunicativas, ele deixa de considerar a linguagem oral como expresso da

    espontaneidade e passa a reconhec-la e a valoriz-la como sinnimo de comunicabilidade

    eficaz.

    E, por fim, no terceiro princpio, caberia conscientizar os alunos de que o trabalho de

    produo de linguagem deve ocorrer por meio de sua insero em situaes cada vez mais

    complexas; por isso, medida que o aluno inserido em situaes complexas, maiores so as

    exigncias em relao produo de linguagem, visto que esse trabalho ocorre ao longo do

    tempo, exigindo disciplina e constante refaco. Ou seja, o trabalho com os gneros orais

    pode propiciar ao aluno uma srie de atividades de linguagem, fazendo-o desenvolver

    capacidades de linguagem diversas e abrindo-lhe caminhos diversificados segundo sua

    personalidade (SCHNEUWLY, 2004a, p. 135).

    Portanto, os gneros orais formais pblicos constituem objetos autnomos para o

    ensino do oral, porque so tomados como um domnio da lngua materna e permitem apontar

    os aspectos da lngua que necessitam de um trabalho isolado.

    Esses autores ainda afirmam que: a escola sempre trabalhou com a ideia de gneros,

    pois, uma vez que toda forma de comunicao materializada em textos, o que serve de

    instrumento para o ensino no poderia ser diferente. Entretanto, na escola, essa noo de

    gnero sofre modificaes, ou seja, transforma-se necessariamente em gnero escolarizado,

    pois, alm de ser um instrumento de comunicao, torna-se objeto de ensino-aprendizagem,

    instrumento para desenvolver e avaliar progressiva e sistematicamente as capacidades de

    escrita dos alunos (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 77).

    Nesse sentido, o gnero como instrumento de comunicao e, simultaneamente, como

    objeto de ensino-aprendizagem, constitui uma peculiaridade da escola, que, na maioria das

    vezes, desconsidera as situaes de comunicao reais que lhes deram origem e distancia-se

    do objetivo de se trabalhar com os gneros.

    Rojo (2001) tambm reconhece que determinados gneros, tais como poemas,

    notcias, depoimentos, letras de cano, relatos de experincia vivida, discusses, que

    circulam em outras esferas sociais de comunicao, so transpostos para a sala de aula para

    exercer a funo de suportes das atividades e/ou como objetos de anlise para a construo de

    conceitos lingusticos. A autora salienta que essa transposio altera a dinmica, a forma

    composicional, a temtica e o estilo desses gneros, transformando-os em gneros

    didatizados, ou seja, o texto usado como pretexto para o ensino da lngua.

    Essa transposio gera alteraes, em decorrncia da mudana da esfera comunicativa,

    pois os aspectos identitrios do gnero estilo, contedo temtico, estrutura composicional

  • 30

    so mudados, isso , a funo do gnero de origem modificada, ficando o texto primitivo

    apenas como referncia para o derivado.

    Alm disso, Schneuwly e Dolz (2004, p. 179) esclarecem que, quando os gneros

    ingressam na escola, eles se fazem, necessariamente, gneros escolares; uma vez que so

    alterados os tipos e os graus de variao, eles passam a ser variaes dos gneros de origem.

    Desse modo, eles podem ser considerados variantes dos gneros de referncia, que visam a

    ser acessveis ao aluno.

    Portanto, Schneuwly (2004a, p. 145) assinala que as formas institucionais implicam

    sempre uma parte de ficcionalizao 8, uma vez que os parmetros contextuais no esto

    dados pela situao imediata, mas pr-definidos institucionalmente e materializados no

    prprio gnero. Para minimizar o problema, o autor recomenda que, em sala de aula, o

    trabalho de ficcionalizao dos gneros complexos deve ser mediado pelos parmetros de

    produo: a) enunciador; b) destinatrio; c) finalidade e d) lugar social. Quando o objetivo do

    docente for construir com os alunos novas habilidades de produo de linguagem oral e de

    determinados gneros orais, a ficcionalizao deve ser respaldada pelo contexto interacional

    em que os discentes esto inseridos, mediada pelos recursos lingusticos, cinsicos e

    prosdicos.

    Assim se, por exemplo, o trabalho for com a exposio oral, o objetivo do aluno

    expositor no ser somente o de transmitir conhecimento aos demais colegas, mas o de ser o

    locutor, detentor do conhecimento, que tem o que dizer ao auditrio.

    Schneuwly e Dolz (2004) ainda mostram trs abordagens que costumam orientar o

    trabalho dos professores em relao aos gneros escolares. Primeiramente, os gneros

    recebem um tratamento que os dissocia da situao de comunicao autntica e no so

    tematizados na sua essncia como instrumentos de comunicao entre alunos e professores.

    Nessa orientao, so organizadas sequncias estereotipadas e cannicas, como descrio,

    narrao e dissertao/argumentao, uma das mais conhecidas, que ocorrem nas sries

    escolares.

    Em seguida, temos a prtica de produo de gneros escolares, que consiste em

    considerar a escola como lugar de comunicao. Nesse caso, ocorre uma naturalizao do

    processo de produo: o gnero nasce naturalmente da situao; no se busca relacion-lo a

    outros fora da escola, para servir de modelo para os alunos quando se trata de produzir textos.

    8 Ficcionalizao: motor da construo da base de orientao da produo, colocando, particularmente, certas restries sobre a escolha de um gnero (SCHNEUWLY, 2004a, p.144); ou seja, uma ritualizao, uma encenao cognitiva da situao de interao que se pretende realizar.

  • 31

    Nesse tipo de prtica, os gneros no so ensinados; sua apropriao vista como resultado

    de um desenvolvimento natural interno.

    Na terceira abordagem, os gneros entram na escola da mesma forma pela qual

    existem nas prticas sociais de linguagem, inviabilizando a organizao de sua progresso

    para o ensino-aprendizagem, pois a nfase do ensino est no domnio de situaes dadas nas

    prticas de referncia e no conhecimento dos instrumentos necessrios comunicao.

    Schneuwly e Dolz (2004, p. 80) criticam essas trs abordagens, dada sua ineficcia e

    propem uma reavaliao, por meio da tomada de conscincia do papel central dos gneros

    como objeto e instrumento de trabalho para o desenvolvimento da linguagem; sugerem,

    tambm, que sejam construdos modelos didticos, com vistas a orientar as intervenes dos

    professores. Para esses autores,

    [...] o modelo didtico representa, de fato, o produto de uma construo que repousa sobre trs aspectos, em interao e evoluo constantes: a) o princpio da legitimidade; b) o princpio da pertinncia e c) o princpio de solidarizao (SCHNEUWLY; DOLZ; HALLER, 2004, p. 181).

    Assim, para se construrem modelos didticos que gerem sequncias didticas,

    preciso considerar alguns dados disponveis, tais como: os resultados de aprendizagem

    esperados e expressos em diversos documentos oficiais; os conhecimentos lingusticos, por

    parte dos especialistas, no que tange ao funcionamento dos gneros; os conhecimentos

    psicolgicos quanto operacionalizao e aos procedimentos implicados no funcionamento e

    apropriao dos gneros, assim como a determinao das capacidades mostradas pelos

    aprendizes.

    Em suma, o modelo didtico do gnero gera os objetos potenciais para o ensino, visto

    que se consideram as capacidades dos alunos, desde que sejam feitas adaptaes necessrias

    ao gnero a ser ensinado, pois, segundo Dolz, Schneuwly e Haller (2004, p.182), por meio

    das atividades, das manipulaes, comunicando ou metacomunicando a respeito delas que

    talvez os alunos tenham a possibilidade de obter sucesso com os gneros modelizados.

    1.4.1 O critrio de escolha dos gneros orais a serem trabalhados em sala de aula

    Diversos so os critrios utilizados quando se pensa em escolher os gneros a serem

    ensinados na escola. Para Schneuwly (2004a, p. 137-138), os fatores determinantes na escolha

    de um gnero so: esfera comunicativa, necessidades temticas, interesses dos interlocutores

    na comunicao, ou seja, quando um locutor atua linguisticamente em uma situao de

  • 32

    comunicao, ele o faz partindo dos seguintes parmetros (lugar social, destinatrio, tema e

    finalidade), para, ento, escolher o gnero que possa ser compreendido como instrumento

    semitico complexo que permite a comunicao, a ao de linguagem.

    Mesmo com esses critrios elencados pelo autor, que podem ser utilizados para o

    ensino de todos os gneros orais ou escritos, h polmica e dificuldade na escolha do gnero

    que deve ser ensinado em sala de aula, pois, como j foi dito, nesse espao, o gnero

    simultaneamente instrumento de comunicao e objeto de ensino-aprendizagem.

    Para Rojo e Cordeiro (2004), a dificuldade de se elegerem os gneros orais e escritos a

    serem trabalhados na escola deve-se multiplicidade de gneros existentes e escassez de

    material disponvel para esse fim. Para tentar minimizar tais dificuldades, as autoras propem

    alguns critrios: priorizar as esferas comunicativas e os agrupamentos de gneros mais

    relevantes para a formao da cidadania no Brasil, recomendados pelos Parmetros

    Curriculares Nacionais (PCN); e procurar retratar os gneros orais formais pblicos que esto

    mais diretamente relacionados aos escritos e que favorecem a associao mental pelos

    discentes, a outros gneros aparentados.

    Assim, a exposio oral em sala poderia ser relacionada mentalmente exposio oral

    em conferncias de divulgao cientfica, apresentaes empresariais, aproximando-se dos

    textos expositivos escritos didticos, o verbete ou o ensaio escolar. Por outro lado, o debate

    regrado poderia ser associado discusso argumentativa e, no tocante escrita, dissertao

    escolar.

    Nascimento (2006, p. 3), ao abordar a transposio didtica de gneros orais do

    argumentar, explica que a discusso argumentativa9, a exposio oral e o debate regrado

    deveriam ser ensinados na escola, pois estruturam e viabilizam os mais diferentes contedos

    e representam um valioso instrumento para o trabalho com a oralidade, permitindo que os

    alunos se tornem agentes do processo de comunicao. Segundo a pesquisadora, esses

    gneros, mesmo que passem pela seleo do professor, constituem um espao de produo em

    que a assimetria dos papis sociais e das relaes de poder reduzida ao mnimo, sob a

    forma de diferentes relaes intersubjetivas, tanto as persuasivo-argumentativas quanto as

    afetivas e passionais.

    Diante dos variados critrios de escolha dos gneros orais a serem ensinados na escola,

    cabe aos profissionais da Educao orientarem-se pelo bom senso, perceberem a realidade do

    aluno, os objetivos propostos para o trabalho docente, considerar a prpria experincia e seu

    9 No artigo de Nascimento (2006), o enfoque o gnero discusso oral.

  • 33

    conhecimento terico sobre os gneros, para realizar uma seleo mais adequada do gnero

    a ser ensinado na escola.

    1.5 Os gneros orais mais utilizados no contexto do Ensino Mdio

    Devido multiplicidade dos gneros orais existentes, e cientes das dificuldades de

    escolha e da variedade de critrios quanto seleo dos gneros orais a serem trabalhados na

    escola, priorizamos dois princpio bsicos para descobrir os gneros orais mais utilizados nas

    salas de aula do Ensino Mdio das escolas participantes desta pesquisa.

    Um dos critrios usados foi a identificao das esferas comunicativas em que circulam

    os gneros, mencionado por Schneuwly (2004a) e por Rojo e Cordeiro (2004); e o outro foi o

    agrupamento de gneros mais relevantes para a formao da cidadania no Brasil presentes no

    contexto escolar, citado por Rojo e Cordeiro (2004). A esse critrio, adicionamos os aspectos

    de pertinncia e frequncia dos gneros orais nas salas de aula do Ensino Mdio.

    Para realizar tal investigao, elaboramos um questionrio, em que foram elencados

    vrios gneros10 orais conhecidos e utilizados pelos alunos, tais como: seminrio, jri

    simulado, relato de experincias, debate, exposio oral, jornal falado, entrevista,

    dramatizao e leitura em voz alta. Esse questionrio foi dirigido a 20% do total de

    professores de todas as disciplinas do currculo escolar e a 10% do total de alunos de cada

    turma do Ensino Mdio (em mdia 40 alunos por sala) de duas escolas pblicas da cidade de

    Patrocnio, em um total de 168 questionrios respondidos pelos dois segmentos da escola. O

    resultado desse questionrio apontou como frequentes, pertinentes e relevantes para o

    desenvolvimento dos alunos do Ensino Mdio, respectivamente, os seguintes gneros orais:

    leitura em voz alta, exposio oral e debate regrado.

    Com base nos resultados obtidos, apresentaremos os trs gneros orais mais citados,

    pois foi a partir do conhecimento de algumas de suas caractersticas que selecionamos um

    desses gneros para focalizar em nosso estudo. Por questes metodolgicas, seguiremos a

    seguinte ordem: leitura em voz alta, debate regrado e exposio oral.

    10 No questionrio aplicado, disponvel no Apndice E, denominamos os gneros orais de atividades orais mais frequentes em sala de aula por questes didticas.

  • 34

    1.5.1 A leitura em voz alta

    A leitura em voz alta11 ou escrita oralizada a leitura de um texto na presena de um

    pblico. Os resultados desta pesquisa com professores e alunos das duas escolas enfocadas

    citam-na como atividade mais utilizada no dia-a-dia da sala de aula.

    Dolz e Schneuwly (1998) afirmam que, embora uma enquete realizada por Pietro e

    Withner (1996)12, para descobrir quais eram as prticas orais cotidianas nas aulas de Francs,

    aponte que 70% dos professores assumem utilizar essa prtica, ela raramente reconhecida

    como atividade essencial ao desenvolvimento e ao domnio da linguagem oral pelos alunos.

    Geralmente, no contexto escolar, a atividade de oralizar um texto escrito est

    associada escrita, aparecendo em numerosas situaes de comunicao como, por exemplo,

    nas leituras de problemas, de poemas, de redaes. No entanto, essa atividade comumente

    restrita funo avaliativa das capacidades de decifrao do cdigo escrito, do conhecimento

    das relaes grfico-fnicas entre a escrita e o oral.

    Segundo Dolz e Schneuwly (1998), a leitura em voz alta no pode ser considerada

    como uma atividade em si mesma, descontextualizada da situao de comunicao, com

    enfoque apenas na avaliao do cdigo escrito, mas deve ser vista como uma atividade que

    desafia o ouvinte a depreender de maneira eficaz um contedo temtico. Os autores afirmam

    que esse objetivo s ser obtido se as seguintes condies forem observadas: a) o leitor for o

    mediador entre o texto e a plateia; b) as pessoas estiverem interessadas na forma ou no

    contedo do texto e c) o texto lido no servir apenas para decifrar o cdigo escrito.

    Nesse sentido, alguns procedimentos devem ser observados pelo leitor ao produzir

    uma leitura: a) escolha e preparao prvia do texto; b) anlise da situao de comunicao; c)

    grau de compreensibilidade do texto para a audincia; d) expressividade vocal. Esses

    procedimentos constituem tipos mais adequados da leitura oral e permitem melhor

    compreenso do texto por parte do pblico.

    necessrio considerar ainda as dimenses ensinveis deste gnero, tambm chamado

    de escrita oralizada, quais sejam: (a) a situao de comunicao; (b) o sentido e a estrutura do

    texto e (c) a vocalizao propriamente dita. Na primeira dimenso, o leitor deve levar em

    11 A leitura em voz alta considerada como um gnero nesta pesquisa, embora o assunto demande mais investigaes.

    12 Traduo livre do original em Francs " La Lecture d autres ". In : Pour un enseignement de l orla. Issy-Les- Moulineaux, ESF, 1998, p.187-190.

  • 35

    conta a situao de comunicao como um todo, ou seja, o pblico, o ajustamento de sua

    performance situao, a forma de exibio da leitura e a quantidade de ouvintes para a

    adaptao do volume e do timbre da voz.

    Quanto ao sentido e estrutura do texto, o leitor deve ajudar os ouvintes a

    identificarem o contedo do texto, dando destaque aos diferentes tipos de discursos

    entrecruzados, isso , deve permitir a identificao da estrutura do texto que ser lido e prover

    uma encenao vocal que esteja em consonncia com a estrutura desse texto.

    J na vocalizao propriamente dita, o leitor deve dominar as capacidades

    associadas vocalizao, decifrar o cdigo escrito automaticamente, garantir a boa recepo

    fnica do discurso, dosar o volume de voz para o conforto dos ouvintes, manter o flego no

    final dos enunciados e respeitar a pontuao.

    Concomitantemente ao domnio dessas dimenses ensinveis, Dolz e Schneuwly

    (1998, p. 189) aconselham que o leitor seja preferencialmente experiente, pois a valorizao

    do texto lido, o fato de se conseguir reter a ateno do auditrio, de agrad-lo ou interess-lo,

    tudo isso fica a cargo do leitor.

    Portanto, uma sequncia didtica para a leitura em voz alta deve ter por finalidade

    praticar a descoberta da situao de comunicao que envolve a leitura do texto, uma

    descoberta e uma acesso aos sentidos do texto e, finalmente, uma prtica da expressividade

    vocal (DOLZ; SCHNEUWLY, 1998, p. 188). Essa finalidade, assim como os outros

    aspectos composicionais desse gnero

    leitura em voz alta

    fez com que ele no fosse

    escolhido para ser descrito e analisado neste trabalho, assim como o fato desse gnero

    demandar mais investigaes, em funo da falta de consenso por parte de autores em

    consider-lo como gnero e a escassez de material de pesquisa.

    1.5.2 O debate regrado na viso de Dolz e colaboradores (2004)

    O debate pblico foi apontado, no questionrio respondido pelos alunos e professores

    das duas escolas pesquisadas, como o terceiro gnero oral mais utilizado no Ensino Mdio.

    Diz respeito, de forma ntida, s formas orais da comunicao e compreende um conjunto de

    competncias privilegiadas nessa modalidade comunicacional: o uso da palavra entre os

    participantes, a escuta do outro, a retomada do discurso aps intervenes, entre outras.

    Esse gnero uma das prticas da oralidade reconhecidas por quase todas as pessoas,

    tendo como prottipo o debate televisivo, que exerce um papel importante no meio social, ao

    defender oralmente uma escolha.

  • 36

    Dado o seu carter argumentativo, o trabalho com o debate deveria ser expandido para

    o contexto escolar, por meio de atividades que permitissem aos alunos a construo de

    posicionamento prprio a partir do desenvolvimento de argumentos, possibilitando

    intervenes na discusso de um tema, produo de novos temas decorrentes da palavra dos

    outros e da integrao desses argumentos ao prprio discurso. Desse modo, o debate atenderia

    a algumas finalidades da escola, no que tange ao desenvolvimento de capacidades de

    linguagem, particularmente a argumentativa. Alm disso, o debate coloca em jogo

    [...] capacidades fundamentais, tanto do ponto de vista lingustico (tcnicas de retomada do discurso do outro, marcas de refutao etc.), cognitivo (capacidade crtica) e social (escuta e respeito pelo outro), como do ponto de vista individual (capacidade de se situar, de tomar posio, construo de identidade) (DOLZ; SCHNEUWLY; PIETRO, 2004, p. 248-249).

    Outro aspecto que, segundo Dolz, Schneuwly e Pietro (2004), deve ser observado a

    escolha do tema para o debate. No basta o interesse dos alunos pelo assunto, ele deve

    permitir uma discusso em que coexistam opinies diferentes e mesmo opostas. Deve,

    tambm, favorecer o progresso efetivo da aprendizagem, com implicaes reais na vida dos

    alunos.

    Como cada participante do debate sabe que sua opinio ser colocada em julgamento,

    seus pontos de vista evoluem forosamente na discusso. Dessa maneira, so as intervenes

    que constituem o debate propriamente dito, pois cada uma delas contribui para o

    esclarecimento de uma questo controversa, a fim de se chegar a um consenso para a questo,

    permitindo ao debatedor e ao ouvinte precisar ou modificar sua posio inicial.

    Dolz, Schneuwly e Pietro (2004) apontam trs formas de debate que podem ser

    trabalhadas em sala de aula: o debate de opinio de fundo controverso, que diz respeito a

    crenas e opinies, que no tem como objetivo uma deciso, mas a exposio dos diversos

    posicionamentos; o debate deliberativo, no qual a discusso argumentativa se prope a uma

    tomada de deciso, traando solues novas que integrem posies anteriormente opostas; e,

    por ltimo, o debate para resoluo de problemas, em que os saberes, os conhecimentos, os

    no-saberes ou os saberes parciais so discutidos, para se chegar a uma soluo elaborada

    coletivamente com as contribuies de cada participante.

    Dessas trs formas de debate, os autores selecionaram apenas o de opinio de fundo

    controverso para propor uma sequncia didtica e da qual tiraram, aps sua execuo, as

    seguintes concluses:

  • 37

    a) ensinar o oral implica desenvolver o hbito de registrar, para ter o trao das produes dos alunos [...]; b) o trabalho de observao e de anlise no possvel sem a ajuda da escrita [...]; c) a escrita particularmente importante quando se trata de capitalizar as construes medida que a sequncia avana e que ela funciona como memria externa, controlvel [...] (DOLZ; SCHNEUWLY; PIETRO, 2004, p. 274-275).

    Diante disso, embora o debate se torne uma importante ferramenta de aprofundamento

    dos conhecimentos do aluno, de explorao de temas controversos, do desenvolvimento de

    novas ideias e de novos argumentos, de construo de novas significaes e de transformao

    de atitudes, de valores e de normas, sua realizao passa pela escrita, da no ser, neste

    trabalho, objeto de escolha para anlise. Achamos pertinente trabalhar o aspecto monologal, a

    princpio, para em um segundo momento, partir para o trabalho coletivo destacando o debate.

    Contudo, ressaltamos que o debate pode surgir no desenvolvimento da exposio oral e ser

    trabalhado dentro da mesma.

    1.5.3 O gnero exposio oral segundo Dolz et al. (2004)

    A exposio oral13 constitui uma das atividades orais mais presentes no cotidiano das

    salas de aula. Dolz et al. (2004) salientam que pesquisas realizadas com professores de sexta

    srie, da Sua francfona, comprovam que esse gnero figura como a quinta entre as 21

    atividades propostas com mais frequncia e mais pertinentes para ampliar o domnio da

    oralidade.

    Em nossa pesquisa, o resultado equipara-se a esse, j que o questionrio aplicado aos

    alunos e professores do Ensino Mdio assinalou a exposio oral como a segunda atividade

    mais utilizada, precedida apenas pela escrita oralizada.

    Dolz et al. (2004) definem a exposio oral como

    [...] um gnero textual pblico, relativamente formal e especfico, no qual um expositor especialista dirige-se a um auditrio, de maneira (explicitamente) estruturada, para lhe transmitir informaes, descrever-lhe ou lhe explicar alguma coisa (DOLZ et al. 2004, p. 218).

    Esse gnero propicia ao aluno de todos os nveis de ensino do Ensino Fundamental

    ao Superior aprender contedos diversificados e mais estruturados, em razo do ajuste

    viabilizado pelo prprio gnero. Por outro lado, por ser um gnero de carter monologal,

    13 Esclarecemos que a expresso exposio oral foi usada com a mesma acepo de apresentao oral, pois o tema ainda requer estudos para que se possa deline-los como gneros distintos.

  • 38

    exige por parte do expositor, planejamento, antecipao e conhecimento do auditrio, para ser

    bem concebido.

    Embora a exposio oral seja caracterizada como um discurso realizvel em uma

    situao comunicativa especfica, denominada bipolar, que rene o aluno expositor, o

    professor e os colegas de turma, em uma mesma troca comunicativa, observa-se que no h

    simetria de conhecimento, pois apenas o aluno expositor realiza a interlocuo, dirigindo-se

    ao auditrio de maneira (explicitamente) estruturada, para lhe transmitir informaes,

    descrever-lhe ou lhe explicar algum assunto. Portanto, esse gnero permite ao aluno expositor

    [...] construir e exercer o papel deespecialista, condio indispensvel para que a prpria ideia de transmitir um conhecimento a um auditrio tenha sentido [...] e, por isso, necessita, por parte do expositor, um trabalho importante e complexo de planejamento, de antecipao e de considerao do auditrio (DOLZ et al. 2004, p. 216-217).

    Alm disso, ainda que a exposio oral tenha longa tradio escolar e seja

    constantemente praticada, geralmente no trabalhada de modo sistemtico. Segundo Dolz et

    al. (2004, p. 216), o trabalho com esse gnero ocorre sem que a construo da linguagem

    expositiva seja objeto de atividades de sala de aula, sem que estratgias concretas de

    interveno e procedimentos explcitos de avaliao sejam adotados. Desse modo, muitas

    vezes, a exposio oral permanece como uma atividade tradicional, em que o aluno expe

    perante a turma seus conhecimentos sobre determinado assunto, sem que nenhum trabalho

    didtico anterior na construo da linguagem expositiva tenha sido feito pelo professor.

    De modo geral, isso ocorre porque muitos docentes ainda esto ligados concepo

    arraigada de que o oral no se ensina, de que ele aprendido naturalmente como a lngua o ,

    ou seja, sem intervenes didticas. No entanto, a aprendizagem do gnero exposio oral, se

    desenvolvida de forma sistemtica, acompanhada de intervenes didticas, pode ser uma

    atividade por meio da qual no s se avalia o contedo aprendido pelo aluno, mas tambm

    possibilita-se a apropriao de uma competncia comunicativa especfica. Nas palavras de

    Dolz e Schneuwly (2004),

    As estratgias de ensino supem a busca de intervenes no meio escolar que favoream a mudana e a promoo dos alunos a uma melhor maestria dos gneros e das situaes de comunicao que lhes correspondem. Trata-se, fundamentalmente, de se fornecerem aos alunos os instrumentos necessrios para progredir. [...] as intervenes formalizadas nas instituies escolares so fundamentais para a organizao das aprendizagens em geral e para o processo de apropriao de gneros em particular (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p. 53).

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    Dessa forma, para os alunos poderem adquirir a habilidade de fazer uma exposio

    oral, cabe escola oferecer condies para que isso ocorra. O primeiro passo para que um

    trabalho consistente seja realizado trabalhar com os alunos as dimense