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O FUTURO DA IMAGEM A ESTRADA NÃO TRILHADA DE RANCIÈRE W. J. T. Mitchell Tradução: Gisele Dionísio da Silva Publicado em: MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (Orgs.). Culturas das Imagens desafios para a arte e para a educação. Santa Maria (RS): Editora da Universidade Federal de Santa Maria, 2012. Este texto foi originalmente escrito após uma conversa com Jacques Rancière na Universidade Colúmbia, na primavera de 2008. 1 Sinto constrangimento em admitir que apenas nos últimos quatro anos, motivado em grande parte por meus alunos, é que realmente tomei conhecimento dos trabalhos recentes de Rancière. Obviamente conhecia seus primeiros escritos sobre filosofia e política, bem como tinha vaga noção de sua participação nos eventos de maio de 1968 em Paris e, em especial, de seu rompimento com Louis Althusser em virtude da questão do controle exercido pelo Partido Comunista sobre trabalhadores e estudantes naquele período crítico. Contudo, desconhecia sua tendência mais recente, voltada para questões relativas à teoria da imagem e à estética. A exemplo do trabalho inovador de Gottfried Boehm no âmbito da teoria da imagem, as análises de Rancière referentes à imagem, à relação desta com a linguagem e às implicações para a estética e a política haviam sido conduzidas tal qual um trovão distante no horizonte das barreiras disciplinares e linguísticas. Por isso me surpreendi de imediato ao constatar os vários pontos de convergência que existem entre nossas abordagens a tais questões. Compartilhamos a crença na profunda imbricação entre palavras e imagens, bem como a convicção de que a relação entre elas constitui um intercâmbio dialético, em vez de uma separação rígida em oposições binárias. Tal convergência nos levou a investigar as relações entre literatura e artes visuais, bem como as misturas de elementos que compõem formas de mídia. Por 1 Sou grato a Akeel Bilgrami, diretor do Instituto de Humanidades da Universidade Colúmbia, pela organização desse evento.

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O FUTURO DA IMAGEM

A ESTRADA NÃO TRILHADA DE RANCIÈRE

W. J. T. Mitchell Tradução: Gisele Dionísio da Silva

Publicado em:

MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (Orgs.). Culturas das Imagens – desafios

para a arte e para a educação. Santa Maria (RS): Editora da Universidade Federal de

Santa Maria, 2012.

Este texto foi originalmente escrito após uma conversa com Jacques Rancière na

Universidade Colúmbia, na primavera de 2008.1 Sinto constrangimento em admitir que

apenas nos últimos quatro anos, motivado em grande parte por meus alunos, é que

realmente tomei conhecimento dos trabalhos recentes de Rancière. Obviamente conhecia

seus primeiros escritos sobre filosofia e política, bem como tinha vaga noção de sua

participação nos eventos de maio de 1968 em Paris e, em especial, de seu rompimento

com Louis Althusser em virtude da questão do controle exercido pelo Partido Comunista

sobre trabalhadores e estudantes naquele período crítico. Contudo, desconhecia sua

tendência mais recente, voltada para questões relativas à teoria da imagem e à estética. A

exemplo do trabalho inovador de Gottfried Boehm no âmbito da teoria da imagem, as

análises de Rancière referentes à imagem, à relação desta com a linguagem e às

implicações para a estética e a política haviam sido conduzidas tal qual um trovão

distante no horizonte das barreiras disciplinares e linguísticas.

Por isso me surpreendi de imediato ao constatar os vários pontos de convergência que

existem entre nossas abordagens a tais questões. Compartilhamos a crença na profunda

imbricação entre palavras e imagens, bem como a convicção de que a relação entre elas

constitui um intercâmbio dialético, em vez de uma separação rígida em oposições

binárias. Tal convergência nos levou a investigar as relações entre literatura e artes

visuais, bem como as misturas de elementos que compõem formas de mídia. Por

1 Sou grato a Akeel Bilgrami, diretor do Instituto de Humanidades da Universidade Colúmbia, pela

organização desse evento.

caminhos diversos, passamos a nos concentrar no que Rancière denomina “a partilha do

sensível” e no que descrevo (na esteira de Marshall McLuhan) como a “razão de sentidos

e signos” na mídia. Desde o início de minhas pesquisas sobre estética, estive convicto da

afirmação de William Blake de que a função da arte consiste em “purificar as portas da

percepção” e em eliminar as hierarquias de sensibilidade, riqueza e poder que dividem as

pessoas em classes. Imagine minha animação ao me deparar com um filósofo que

adaptou clássicas questões econômicas e políticas de desigualdade humana e encontrou

uma forma de traduzi-las na distribuição desigual de coisas como a habilidade ou o

direito de ver e de ouvir, de ser visto e de falar, de ter tempo e espaço para pensar e

mover-se. Meus próprios esforços em expor as relações entre olho e ouvido, entre visão e

voz nos escritos de Edmund Burke sobre estética e política, ou os territórios de tempo

literário e espaço gráfico-escultural no Laocoonte de G. E. Lessing pareciam encontrar,

nos trabalhos de Rancière, a aventura de um espírito irmão.2 Obviamente também estou

propenso a descobrir diferenças de ênfase, método e sensibilidade em nossas abordagens,

e as páginas que se seguem constituem uma tentativa de apresentar tanto as

convergências quanto as divergências.

O tópico que nos foi designado no colóquio de Colúmbia foi “o futuro da imagem”, e

nossa tarefa básica consistiu em apresentar nossas respectivas concepções sobre essa

questão, salientar as preocupações comuns que nos aproximam e comentar as diferenças

entre nossos métodos e objetos de estudo. Pretendo começar, então, com algumas

reflexões preliminares sobre esse tema, partindo em seguida para uma relação dos tópicos

e das questões que repercutem no trabalho de Rancière, especialmente em seu livro

recente The future of the image (2007), cujo título deu nome ao colóquio.

Rancière certamente concordaria que esse título não é uma tradução especialmente

apropriada do original em francês, o qual poderia ser traduzido, de forma mais literal, por

“o destino da imagem”. Como se estivesse consciente desse erro tradutório, o autor inicia

seu livro se negando a fornecer um levantamento panorâmico ou “odisseia”, “que nos

conduz da glória auroreal das pinturas de Lascaux ao crepúsculo contemporâneo de uma

2 Ver os capítulos sobre Burke e Lessing em meu livro Iconology: image, text, ideology (1986).

realidade devorada por imagens midiáticas e de uma arte fadada a monitores e imagens

sintéticas” (2007, p. 1). Rancière oferece, em contrapartida, reflexões sobre o “labor da

arte” em imagens que fornecem suas matérias-primas. A imagem não artística constitui,

para Rancière, uma simples cópia – “que basta como um substituto” (p. 1) para o que

quer que ela represente.

Pretendo seguir o caminho que Rancière se negou a trilhar, traçando a odisseia desde a

melancolia cavernosa de Lascaux até o crepúsculo contemporâneo das imagens sintéticas.

Para atribuir consistência a esse tema, gostaria de seguir esse caminho como uma trilha

“animal”, que começa com os típicos bisões e cavalos de Lascaux e termina com uma

imagem futurista de um animal também futurista – um dinossauro digital do filme

Jurassic Park. O leitor deve estar se perguntando: por que a longa jornada da imagem

desde o passado primitivo e distante ao momento contemporâneo de futuros virtuais e

imaginários deveria ser ilustrada não com a “imagem do homem”, criador e observador

implícito de imagens, mas com imagens de animais? Por que estas fornecem uma pista

sobre toda a odisseia da imagem e nos permitem vislumbrar seu futuro?

Antes de abordar essa questão, gostaria de refletir acerca das situações das imagens

propriamente ditas. Dentre as diversas especulações sobre a função exercida pelas

imagens de Lascaux está a noção de que constituíam uma “máquina de ensinar”

ritualística, em que um cinema quase platônico era encenado antes da caça para

familiarizar os caçadores com sua presa. Tal encenação produziria um ensaio virtual que

garantiria, por meio de uma magia icônica e homeopática, o sucesso da caça (Lewin,

1968). Sem dúvida o ambiente esfumaçado e a ingestão de estimulantes adequados

ajudariam a acentuar a atmosfera alucinógena e onírica da caverna, que passa a ser um

local em que se usam imagens para projetar e controlar um futuro imediato e possível. De

modo semelhante, a cena de Jurassic Park se passa na sala de controle do parque que

acaba de ser invadida por um velociraptor real, não imaginário, o qual acidentalmente

liga o projetor que exibe o filme de orientação do parque. O dinossauro aparece no feixe

de luz do projetor no momento em que o filme mostra a sequência de DNA que

possibilitou a clonagem de um dinossauro real a partir de seus restos fósseis. Se

imaginássemos um bisão real galopando para dentro das cavernas de Lascaux e

ameaçando pisotear os caçadores em transe, teríamos uma versão paleolítica do efeito

produzido na sala de projeção de Jurassic Park.

Considere essas duas imagens, então, como uma alegoria do início e do fim da odisseia

da imagem. Elas ilustram vários de nossos pressupostos correntes sobre o passado e o

futuro dessa narrativa, estendendo-se desde semelhanças primitivas e pintadas a mão que

ainda “bastam para substituir” os objetos que representam, até um objeto altamente

técnico, um produto da computação de alta velocidade e da engenharia genética que é

representado cinematograficamente pelo mais recente avanço em imagem

cinematográfica – a animação digital. Diversos outros contrastes podem ser formulados: a

imagem da magia primitiva com o artefato técnico-científico; o ritual mítico de um

passado longínquo e a narrativa de ficção científica de um futuro possível; o bicho a ser

caçado na natureza e o ser vivo clonado a ser produzido como atração de parque

temático.

E, no entanto, quanto mais contemplarmos essas duas imagens, mais evidente se tornará o

fato de que oposições binárias entre passado e futuro, natureza e tecnologia, selvagem e

domesticado, caça e cativeiro não resistem a um exame minucioso. Ambas as imagens

são produções técnicas, situadas em “salas de controle” cinematográficas, bem como

objetos de consumo do presente a serem “capturados” por suas imagens. Muito

interessante é a inversão temporal que as duas imagens demandam. A imagem que

representa o passado nesse par acaba sendo muito mais jovem que a imagem que

representa o futuro. O dinossauro digital não é, tal como o bisão paleolítico, um animal

que de fato exista no presente; trata-se de uma criatura típica da ficção científica, uma

reanimação viva e corpórea de um animal que viveu neste planeta muito antes dos bisões

ou dos artistas primitivos que os pintaram. Nesse sentido, nosso animal futurista, se não

sua imagem, é muito mais antigo que os animais de Lascaux. Talvez o único contraste,

então, que realmente resista à desconstrução seja o fato natural mais literal sobre os

objetos representados por essas imagens: Lascaux retrata herbívoros e Jurassic Park

encontra nos carnívoros sua principal atração. As funções de predador e presa são

invertidas. Na imagem primitiva, somos nós que desejamos matar o objeto selvagem

representado; na imagem contemporânea e futurista, o objeto artificial criado por nós

tornou-se selvagem e ameaça nos matar.

Quero retomar agora a pergunta com a qual dei início a essa discussão. Por que a odisseia

da imagem deveria ser esboçada pelo animal, e por que a imagem desse animal oferece

pista tão crucial para o futuro, se não o destino, da imagem? Por que, ademais, a imagem

do animal aparece no início e no fim, bem como no passado e no futuro, dessa narrativa?

Recordemos brevemente alguns dos principais argumentos relativos às prioridades

temporais da imagem, além de sua íntima associação com o animal como figura de

futuridade. Os animais têm sido, obviamente, associados a divinação, augúrio e profecia

desde tempos imemoriais. Se há um futuro a ser previsto, concernente a imagens ou a

qualquer outra coisa, este é delineado pela imagem ou pela realidade do animal. O que

quer que seja feito contra animais será, como John Berger (1999) bem observou, feito

previsivelmente contra seres humanos no futuro: domesticação, escravidão e

industrialização em massa de morte, extermínio e extinção são todas experimentadas em

animais antes de serem aplicadas em seres humanos, que são então reduzidos ao status de

animais. Experiências são conduzidas em animais com o intuito de prever quais serão

seus efeitos no corpo humano. De forma mais notável, a clonagem de animais (ovelhas,

ratos, sapos e cavalos) é largamente concebida como um prenúncio da clonagem de seres

humanos, sejam estes criaturas sobre-humanas purificadas de quaisquer defeitos de

nascença ou doadores sub-humanos de órgãos e buchas de canhão, como aquelas dos

“exércitos clonados” retratados pela saga Guerra nas estrelas.

Devemos também recordar neste momento a seguinte afirmação de Berger (1999, p. 5):

“o primeiro tema da pintura foi o animal. Provavelmente a primeira tinta foi o sangue

animal. Antes disso, é razoável supor [como também o fez Rousseau] que a primeira

metáfora foi o animal”. Temos o mito bíblico da criação, em que os animais precedem a

fabricação da imagem humana a partir do barro. Temos as associações lúdicas de Jacques

Derrida referentes à forma primitiva de escrita conhecida como “zoografia” (1974) e à

imagem do animal como aquilo que o ser humano “segue” (2002), tanto no sentido de

“vir depois” dos animais na odisseia evolutiva quanto no de “persegui-los”, tal qual um

predador caça sua presa. Temos, de modo ainda mais funesto, a narrativa arquetípica da

iconofobia e do iconoclasmo: a produção de uma imagem de animal que atua como ídolo,

criada (segundo a definição dos israelitas) para “precedê-los” em sua busca pela Terra

Prometida.3 A imagem do bezerro de ouro é o que “basta como substituto” (para usar a

expressão de Rancière) do líder desaparecido Moisés – que promete guiar os hebreus ao

futuro prometido –, ao mesmo tempo em que é imediatamente denunciada por Moisés

como um retorno ao passado de cativeiro e idolatria no Egito.

A temporalidade da imagem animal, portanto, abarca passado e futuro, tanto o que

precede o humano quanto aquilo que o guia ou o “antecede” em um tempo por vir, como

uma narrativa de retorno ao Éden Utópico – onde a natureza humana finalmente alcança

seu potencial – ou como um regresso (através do “culto aos brutos”) à existência cruel,

brutal e curta de zoē em lugar de bios. É por isso que o gênero específico da imagem

animal é tão fundamental para se compreender o futuro da imagem como conceito geral

e, além disso, toda a questão da temporalidade da imagem. A imagem como tal sempre

envolve a temporalidade, seja como a lembrança de um passado perdido a ser reevocado

e re(a)presentado, como o presente percebido de uma representação “em tempo real” –

como uma sombra, um reflexo, uma apresentação dramática ou uma transmissão

televisiva “ao vivo” – ou como a imaginação de um futuro aguardado ou temido. Quando

debatemos o “futuro da imagem”, então, devemos perceber que estamos considerando

uma dupla imagem ou o que chamo de “metaimagem”: a imagem de uma imagem por

vir. Uma imagem daquilo que ainda não chegou, mas que está no horizonte, tal qual a

“besta bruta” que William Butler Yeats espiona curvando-se rumo a Belém em seu

poema “The second coming” (“A segunda vinda”). Portanto, o futuro da imagem é

sempre agora, na mais recente e mais nova forma da imagem, quer sejam as

maravilhosas aparições de Lascaux quer seja a constatação tecnológica contemporânea do

antigo sonho de produzir não apenas uma imagem “viva” de um ser vivo, mas uma

imagem que é ao mesmo tempo uma cópia, uma reprodução e um ser vivo.

3 Eis as palavras exatas do Livro de Êxodo (32,1): “Mas vendo o povo que Moisés tardava em descer do

monte, acercou-se de Arão, e disse-lhe: Levanta-te, faze-nos deuses, que vão adiante de nós…”. Esta cena,

frequentemente apontada como o exemplo máximo de idolatria, também pode ser lida como um bom

exemplo de democracia populista em ação, em que “as pessoas” comissionam, de forma consciente, um

indício visível de sua união sagrada como nação.

Em nossos contatos que antecederam o colóquio, Jacques Rancière identificou

corretamente esse aspecto de minha abordagem às imagens como uma espécie de

vitalismo, e o contrastou com sua própria ênfase nas “operações artísticas” que

“produzem seres cujo apelo consiste justamente no fato de que nada fazem e nada

desejam” (e-mail, terça-feira, 8 abr. 2008). Rancière chama essa discrepância de

“diferença de sensibilidade”, que decorre, inegavelmente, de uma diferença de formação.

Na condição de garoto criado dentro da Igreja Católica, fui indubitavelmente doutrinado

em todo o repertório de imagens animadas, desde a poética da Eucaristia, passando pelos

ícones e pelas relíquias de santos, até a figura do ser humano como uma imago dei

propriamente dita. Percebo certo ceticismo no comentário de Rancière acerca da noção de

uma “vida de imagens”. Na verdade, compartilho esse ceticismo apesar de nutrir seu

oposto – uma “suspensão voluntária de descrença” nas descrições animistas e vitalistas da

imagem. Em meu livro What do pictures want? (Mitchell, 2005), até mesmo sugeri que

uma forma de descrever o objetivo máximo do labor da arte em imagens poderia ser a

produção de uma imagem que não desejasse nada, uma espécie de utopia estética além do

desejo, um campo lúdico e (na expressão de Rancière) uma “re-distribuição do sensível”

de natureza emancipatória.

Mas o que poderia explicar a suspeita de Rancière relativa a uma abordagem vitalista da

imagem? O mais próximo de um diagnóstico a que posso chegar encontra-se nas páginas

finais de seu ensaio “The future of the image”, no livro de mesmo título. Em seu

levantamento das “imagens exibidas em nossos museus e galerias nos dias atuais”,

Rancière (2007, p. 22-30) identifica três grandes categorias: 1) a “imagem nua”,

exemplificada por fotografias do Holocausto e por outras imagens de degradação e

atrocidade, que “excluem o prestígio da dissimulação” associado ao “labor da arte” – esse

tipo de imagem exige, a meu ver, uma resposta ética e política em vez de estética; 2) a

“imagem ostensiva”, que insiste em “seu poder como presença pura” e emprega meios

estéticos para produzir um efeito semelhante àquele do ícone religioso; 3) a “imagem

metafórica”, que se dedica ao jogo crítico “com as formas e os produtos da imagética”,

bem como rompe as fronteiras entre imagens artísticas e não artísticas em uma “dupla

metamorfose” que transforma imagens significativas em “imagens opacas, estúpidas” –

assim, por um lado, a imagem metafórica “interrompe o fluxo midiático”, e, por outro,

“recupera objetos utilitários apagados [...] com o intuito de criar o poder de uma história

compartilhada neles contida”. Os principais exemplos de imagem metafórica são

encontrados na instalação e na montagem de Godard, especialmente em seu filme

enciclopédico e poético Histoire(s) du cinema.

Duas questões chamam minha atenção no que tange aos “três modos de consolidar ou

negar a relação entre arte e imagem” propostos por Rancière (2007, p. 26). A primeira é o

fato de que, segundo o estudioso, “cada um deles se depara com um ponto de

indecidibilidade [...] que o obriga a tomar algo emprestado dos outros”. Até mesmo a

“desumanização” antiartística apresentada pela “imagem nua” vagueia pela estética

“porque a vemos com olhos que já contemplaram o boi esfolado de Rembrandt [...] e

equipararam o poder da arte com a obliteração das fronteiras entre o humano e o

inumano, os vivos e os mortos, o animal e o mineral” (p. 27).

A segunda questão que chama a atenção é a de que esses resultados das operações

artísticas dificilmente podem ser considerados como produtores de objetos que “nada

fazem e nada desejam”. A linguagem do poder, do desejo e do vitalismo subjaz às

descrições do próprio Rancière acerca dessas categorias: a imagem nua rejeita a

separação entre arte e vida; a imagem obtusa dá vida a suas imagens tal qual ícones

sagrados; a imagem metafórica produz metamorfoses. Meu palpite é o de que Rancière se

refere a esse modo de falar, certamente comum em discussões contemporâneas sobre arte,

mas sem endossá-lo. De fato, se investigássemos essa questão em períodos anteriores da

história da arte, encontraríamos a linguagem da vida, se não do vitalismo, em todo lugar.

O próprio Rancière reconstitui a genealogia da imagem ostensiva moderna ao “Cristo

morto” de Manet, com seus “olhos abertos”, uma imagem que faz o Cristo ressuscitar “na

pura imanência da presença pictórica” (p. 29). E o discurso artístico da Antiguidade e do

início da Idade Moderna é repleto de variações do imperativo de produzir imagens

“vivas”.

Talvez Rancière queira vislumbrar o “labor da arte” em imagens como forma de acalmar

sua tendência incorrigível de assumir vida própria, de se comportar como vírus que se

espalham e sofrem mutação mais rapidamente que nossos sistemas imunológicos

conseguem evoluir a fim de combatê-los. Uma arte capaz de produzir “seres cujo apelo

consiste justamente no fato de que nada fazem e nada desejam” é possivelmente uma

estratégia de desmistificação, uma cura para a “praga de imagens”, inclusive o fetichismo

de commodities e a idolatria do espetáculo.4 Seria um conceito de arte que não apenas

funcionaria em face das tendências vitalistas e animistas inseridas no discurso estético,

mas que resistiria àquelas narrativas paralelas extraídas da religião, da magia e da ciência

que invocam a noção de uma imagem literalmente viva, desde a criação de Adão do barro

inerte da terra ao golem judaico medieval, ao mito do monstro de Frankenstein e aos

robôs e cyborgs do século XX. A versão do século XXI da imagem viva é o clone, que

não constitui meramente a literalização da imagem viva, mas sua efetiva realização

científica, ao menos no plano do animal. O clone humano ainda precisa se mostrar,

exceto em inúmeros filmes de Hollywood e em obras de arte sombrias como The clone,

de Paul McCarthy, que o retrata como a figura anônima e encapuzada do doador de

órgãos – uma imagem que tem estado em circulação pelo menos desde as reflexões de

Jean Baudrillard (2000) referentes ao que este denominou “clone acéfalo”. De várias

maneiras, desde o famoso “homem encapuzado” de Abu Ghraib à fotografia Star gazing,

de Hans Haacke (que retrata um capuz feito da bandeira norte-americana), essa figura

encapuzada e sem rosto tornou-se o ícone contemporâneo da “encaração” que Rancière

associa à “imagem obtusa” contemporânea.

4 Nesse ponto, é pertinente remeter ao ensaio de Walter Benjamin escrito em 1919-1920, “Categories of

aesthetics” (“Categorias de estética”), no qual, como argumenta Judith Butler (2008), ele distingue a

“aparência” sedutora e viva, ou símbolo mítico, da “marca” mágica. Butler (2008, p. 68) afirma: “Na

medida em que uma obra de arte é viva, ela se torna aparência, mas como aparência perde seu status de

obra de arte para Benjamin. A tarefa da obra de arte, pelo menos nesse momento da carreira de Benjamin,

consiste justamente em romper tal aparência ou até mesmo em petrificar e imobilizar sua vida. Apenas por

meio de certo grau de violência contra a vida é que a obra de arte se constitui, e, portanto, é apenas por

meio de certo grau de violência que possivelmente seremos capazes de ver seu princípio norteador e, por

conseguinte, aquilo que é verdadeiro sobre a obra de arte”. Reformulo a questão da seguinte maneira.

Tendo em vista que uma imagem adquire as propriedades de uma forma de vida, torna-se necessário

indagar acerca do tipo de vida que ela retrata. Trata-se de uma vida viral, infecciosa? Uma imitação de vida

inumana ou para-humana, em uma escala que parte da célula cancerígena aos primatas mais evoluídos?

Talvez assim estaríamos aptos a examinar a obra – ou, mais precisamente, o “labor” – de arte em tal

imagem, podendo esta adquirir tantas formas quantas são as variedades de vida com que se depara, desde o

nível celular da imunização e do anticorpo até a conjuração com o auxílio do animal totêmico, a imagem do

animismo. A questão então poderia apontar o fato de que a obra de arte não busca tanto matar a imagem

viva, mas sim imobilizá-la, colocá-la em um estado de animação suspensa. Ver minha discussão sobre as

permutas lógicas da imagem viva em What do pictures want?, na qual proponho três contrapartidas à noção

de objeto “vivo”: o morto, o inanimado e o morto-vivo (2005, p. 54).

Portanto, se existe um denominador comum entre Rancière e eu, este talvez resida em

uma certa ambivalência referente ao conceito de imagem viva e ao discurso vitalista da

iconologia e da história da arte. Ambos desejamos resistir a essa ambivalência, mas

também quero explorá-la, ver aonde ela me conduz, no encalço (com Roland Barthes) de

um fio ao centro do labirinto de imagens onde o minotauro, metade homem, metade

touro, está à espera. Isso implica em certa rendição ao feitiço de imagens, artísticas ou

não. Rancière e eu compartilhamos uma aversão à concepção básica do iconoclasmo: a de

que uma imagem pode ser destruída (imagens, em minha opinião, não podem ser criadas

ou destruídas. A tentativa de eliminar ou de matar uma imagem apenas torna-a mais

poderosa e virulenta).5 Dentre outras razões, é por isso que a crítica “iconoclasta” e

destrutiva vence tão facilmente diante de imagens ruins. Prefiro a estratégia adotada por

Nietzsche referente aos ídolos: acerte-os com um martelo, não para destruí-los, mas para

fazê-los soar e revelar seu oco ressonante. Melhor ainda, deveríamos tocar os ídolos com

um diapasão (Nietzsche, 1998, p. 3), para que o som da imagem fosse transmitido à mão

do observador.

Rancière e eu claramente dividimos um fascínio pela relação entre literatura e artes

visuais, mas acredito que concebemos o fluxo de influência e de ação como se seguisse

em direções opostas. Tenho a impressão de que ele considera a literatura, em especial a

novela realista, como produtora de uma nova “distribuição do sensível” que determina os

mecanismos da narrativa fílmica. Seus comentários acerca da mídia e da independência

absoluta da imagem em relação à especificidade do meio escandalizarão os teóricos da

mídia, mas atingem um ponto crucial. Uma imagem é uma configuração ou convergência

daquilo que Foucault (1970, 1992) denominou “o visível e o dizível”. O bezerro de ouro

aparece tanto no texto quanto na imagem, circulando pelos meios da escultura, da pintura

e da narrativa verbal. Toda imagem é realmente uma “imagem/texto” ou uma “imagem

frasal”, como diria Rancière. Cabe indagar: qual termo adquire prioridade e em que

sentido? Para Rancière, trata-se da palavra; para mim, da imagem. Rancière defende que

a pintura holandesa tornou-se “visível” de uma maneira inovadora e moderna no século

5 Para uma abordagem brilhante dessa questão, ver Michael Taussig (1999).

XIX como resultado de um novo discurso, principalmente de Hegel. Penso que havia

algo na pintura esperando ser descrito de um novo modo, esperando que a linguagem

conseguisse alcançar uma figura pungente. Nesse sentido, a imagem (como sempre)

antecede a palavra, prenunciando o futuro – se ao menos soubéssemos lê-lo. É o signo

mais antigo, o signo arcaico, o “primeiro” signo, segundo C. S. Peirce. É por isso que as

imagens não apenas “têm” um futuro vinculado à tecnologia e à transformação social,

mas são o futuro visto através de um espelho em enigma.

Mas quero concluir essa reflexão com o exemplo concreto de uma obra de arte que

explora outra esfera comum de nossas abordagens, a saber, a relação entre estética e

política. A maravilhosa instalação de Mark Wallinger, State Britain, é uma obra que

transpõe a fronteira entre arte e política no sentido mais literal possível. Wallinger

apresenta um grupo de réplicas feitas à mão de cartazes que haviam sido removidos (e

posteriormente destruídos) pela polícia da Praça do Parlamento, como resultado de uma

nova lei que proíbe manifestações políticas em um raio de uma milha do Parlamento.

Wallinger notou que a circunferência desse círculo passava bem no meio do corredor

central da galeria Tate Britain, o que o motivou a montar os cartazes de modo que

atravessassem essa linha, assim desafiando a lei.

O efeito criado pela obra é, contudo, profundamente perturbador para um vitalista como

eu. Retirar as imagens de seu local próprio atribui a elas um efeito anestesiante, gerando,

no todo, uma espécie de transe ou sono criogênico. Há algo de assombroso e melancólico

nesse deslocamento, como se a Tate Britain passasse a ter a função de servir de mausoléu

para os resquícios abandonados da liberdade britânica.

Por isso, prefiro concluir o texto com uma imagem viva, uma obra de arte recente de

Tania Bruguera (Figura 1) na galeria Tate Modern. A obra trouxe dois policiais montados

à ponte que atravessa a sala de turbinas, onde passaram a organizar o público,

demonstrando suas técnicas de controle de multidões. Por que chamo isso de imagem

quando a artista declara sua intenção de resistir à imagem como uma operação à

distância, como uma separação entre observador e o que é observado? Porque se trata do

despertar e do revigoramento de uma imagem que tem sido “anestesiada” em sua

circulação na mídia, ao ser deslocada “da TV para a vida real” (como afirma Bruguera).

Ou, melhor ainda, para um lugar entre a TV e a vida real: o espaço da Tate Modern e o

regime da imagem estética. Embora desejasse que o público “não soubesse” que tudo

aquilo era arte, Bruguera tinha consciência de que precisavam saber, ao menos no sentido

de que estavam preparados para enxergá-lo não como uma verdadeira ação policial, mas

como um evento artístico. Eles o compreenderam como uma figura, uma representação,

mas uma representação na qual haviam entrado como em um ambiente. No plano de

fundo da imagem, vemos que as pessoas já estão tirando fotos (Figura 1a).

De forma análoga à obra de Wallinger, tenho dificuldades em precisar o efeito do

trabalho de Bruguera. Ele compartilha com State Britain uma encenação do confronto

entre poder policial e a fonte básica do verdadeiramente político: a aglomeração de

pessoas que podem ou não resistir ao poder que controla suas vidas. Nem Wallinger nem

Bruguera engajam-se naquilo que pode ser chamado de arte de protesto ou agitprop, de

natureza “diretamente política”. Pelo contrário, ambos deslocam esse tipo de arte e de

ação para um espaço de contemplação. É possível interpretá-los, então, como engajados

no luto por um tempo de resistência e dissensão revolucionárias que não existe mais, ou

na redistribuição de nossa percepção acerca de onde as fronteiras apropriadas entre arte e

vida, estética e política, estão situadas – o título da obra de Bruguera é Tatlin’s Whispers

(Os sussurros de Tatlin), um contido eco sotto voce do monumentalismo revolucionário.

O regime da estética surge agora como um abrigo para uma concepção de política

ameaçada e em vias de desaparecimento, e talvez como uma placa de Petri que a nutra de

volta à vida. A galeria Tate Britain acolhe imagens refugiadas de seu verdadeiro lar na

Praça do Parlamento, a polícia montada comportou-se bem na galeria Tate Modern, os

cavalos estavam bem-treinados, como bons pastores para as ovelhas que arrebanhavam.

Essa arte pode não ser propriamente política ou revolucionária, mas sim “útil”, para

empregar a expressão de Tania Bruguera – útil para tornar uma das imagens mais comuns

de espaço público da atualidade passível de ser experienciada de um modo novo. Trata-se

também da imagem de um futuro cada vez mais provável de espaços sociais, demarcados

não por “linhas de polícia” fixas e legais, mas por fronteiras flexíveis e animadas, a

exemplo dos chamados “postos de controle” que surgem inesperadamente por toda a área

rural dos territórios palestinos ocupados. Esse, portanto, é um “futuro da imagem” que já

está diante de nós (Figura 1b).

Figuras 1a e 1b. Tania Bruguera, Tatlin’s Whispers # 5, 2008. Descontextualização de uma ação: polícia

montada, técnicas de controle de multidões, público. Dimensões: variáveis. Observação da performance na

exposição UBS Openings: Live – The Living Currency. Fotografia na galeria Tate Modern: Sheila Burnett.

Cortesia: Galeria Tate Modern e a artista.

Finalmente, em um texto sobre o futuro da imagem, em especial sobre seu futuro político,

seria estranho deixar de mencionar o surgimento de um novo ícone político e cultural que

tem marcado o advento de uma nova era em nosso tempo. Esse ícone sinaliza o fim não

apenas de uma administração política, mas talvez de toda a “era de terror” e a “guerra ao

terror” que dominou o mundo nos últimos oito anos.

Refiro-me, obviamente, a Barack Obama e à iconografia impressionante que cerca seu

rosto, seu corpo e até mesmo sua família. Apenas alguns dias após Obama ter sido eleito,

os notórios pôsteres de Shepard Fairey foram associados aos seus inegáveis ancestrais da

história da publicidade. Fairey emprega a mesma técnica de solarizar uma imagem

fotográfica, reduzindo-a a zonas de cores primárias (vermelho, branco e azul) e

combinando-a com um simples slogan verbal: “Esperança”. A similaridade estilística

com os pôsteres de Lênin produzidos durante a era soviética foi acionada apenas dias

após a eleição de Obama (no blogue de Peggy Shapiro na revista American Thinker), para

reforçar a rotulação da direita de que Obama seria socialista, talvez até mesmo (pasmem)

comunista.6 Duvido muito que essa “culpa por associação” obterá melhores resultados

que as tentativas imagéticas de vincular Obama ao dito “terrorista” Bill Ayers. Ela será

superada, pelo menos por enquanto, por imagens como a capa da edição pós-eleição da

revista Time, que usa o programa Photoshop para retratar Obama na famosa iconografia

de um entusiasmado Franklin Delano Roosevelt sentado no banco de trás de um

conversível no dia da posse. A comparação histórica com a imagem de Roosevelt resistirá

mais, creio eu, que o pôster de Lênin, com base pelo menos na explicação prosaica de

que Obama acaba de assumir o poder por meio de uma eleição democrática, não de uma

revolução violenta ou de um golpe militar, e o faz em meio à pior crise financeira desde a

Grande Depressão. Ao contrário de George W. Bush, por exemplo, que explorou a

tragédia nacional do 11 de Setembro para fomentar “o medo em si” e a declaração de

uma interminável guerra ao terror como justificativa para um estado de emergência e para

poderes executivos sem precedentes, Obama assumiu o poder com uma mensagem de

esperança e o apoio inequívoco dos eleitores. O esforço mais notório de Bush para

promover sua imagem consiste na célebre foto “missão cumprida”, na qual aparece

vestido como piloto de caça.

6 <www.americanthinker.com/blog/2008/04/obamas_posters_message_in_the.html>. (Acesso em 30 de

abril de 2009).

Outra razão pela qual a estratégia de culpa por associação não irá funcionar consiste no

fato de que o público foi educado e imunizado contra esse tipo de tática imagética,

adotado durante a guerra de imagens que, durante um ano, marcou cada fase da

campanha presidencial. Um momento notável de imunização aconteceu em julho de

2008, quando a revista New Yorker divulgou uma capa retratando Obama como

muçulmano e Michelle como uma revolucionária de estilo à Angela Davis.

A grande maioria de meus amigos esquerdistas ficou horrorizada com essa imagem, mas

a acolhi como uma espécie de imunização iconográfica, uma dose calculada dos vírus

imagéticos que circulam na esfera midiática. A imagem tinha o efeito de tornar visíveis e

manifestamente ridículas as insinuações astutas da propaganda de direita. Algumas

imagens (como a de Bush vestido de piloto de caça) adquirem poder apenas por ser

parcialmente visíveis e facilmente repudiadas, evitando manifestação direta. Para mim

estava claro que a piada nessa imagem não visava a atingir os Obama, mas os idiotas que

acreditavam nesse tipo de calúnia e os críticos de esquerda que consideram a maioria dos

cidadãos norte-americanos como idiotas incapazes de diferenciar ironia e sátira. A piada

focava, mais especificamente, a Fox News e suas especulações despretensiosas sobre se o

gesto feito por Michelle e Barack assim que este venceu a eleição do partido constituía

um “punho fechado de terrorista”.

A New Yorker tinha plena consciência, desconfio, de que suas intenções seriam mal-

interpretadas e de que revoltaria seus próprios leitores liberais, politicamente corretos e

sofisticados. Com efeito, a revista se ofereceu como vítima substituta dos Obama ao fazer

do cavalheiro almofadinha retratado em sua logomarca um saco de pancada para seus

próprios leitores, como o cartunista da revista The Nation percebeu de imediato ao

parodiá-la. O cartum mostra o cavalheiro caído no chão e a revista ofensiva queimando

na lareira enquanto os Obama comemoram sua vitória no primeiro round. A New Yorker

previu o futuro de sua própria imagem, convidando-o e acolhendo-o. Não se pode dizer o

mesmo sobre a mutação evolucionária da foto “missão cumprida” de Bush, que

rapidamente degenerou-se em uma imagem de falsidade pueril e promessas enganosas

que assombrou o mandato do presidente até seu fim vergonhoso. Esse também é o caso

do cartum deplorável publicado pelo jornal New York Post em 18 de fevereiro de 2009, o

qual retrata dois policiais em pé diante de um macaco crivado de balas que representa o

autor do pacote de estímulo à economia proposto por Obama – tal imagem nos remete

novamente ao domínio do animal, dessa vez como um avatar de imagens racistas do

passado, do presente e do futuro. O cartunista Sean Delonas e o editor Rupert Murdoch

obviamente negaram com veemência quaisquer intenções racistas. Aparentemente não

sabiam que os negros têm sido caricaturados como macacos desde tempos imemoriais, ou

que o verdadeiro autor do pacote de estímulo é também o primeiro presidente afro-

americano dos Estados Unidos, ou que essa imagem se junta à crescente galeria de

imagens que preveem o assassinato do presidente. Essas pessoas devem vir de um planeta

onde animais não existem e onde suas imagens não antecipam nem ajudam a produzir o

futuro dos seres humanos.

Referências

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