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1 O FAZER PSICOLÓGICO NA EDUCAÇÃO: DA SEGREGAÇÃO À INCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA RESUMO Este trabalho aborda o fazer psicológico com pessoas com deficiência no contexto da educação especial à inclusão. É um recorte dos resultados da pesquisa “Memória da Psicologia nos Serviços Públicos em Salvador/BA” da EBMSP- realizada com um centro de educação especial na Bahia. Objetivou-se analisar a atuação de psicólogas deste local, sob a perspectiva inclusiva. Realizou-se um estudo de caráter exploratório e qualitativo, tendo como procedimento a análise de entrevistas extraídas do banco de dados da pesquisa supracitada, já transcritas e conferidas, realizadas com seis psicólogas. Na análise de dados utilizou-se a técnica da Análise Temática de Conteúdo. O discurso das entrevistadas revela que as práticas psicológicas, mais inicialmente, contribuíam com a segregação dos alunos no ensino regular, e mais recentemente vêm contribuindo com práticas inclusivas, embora estas ainda sejam incipientes. Palavras-chave: Educação especial. Práticas inclusivas. Psicologia.

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O FAZER PSICOLÓGICO NA EDUCAÇÃO: DA SEGREGAÇÃO À INCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

RESUMO

Este trabalho aborda o fazer psicológico com pessoas com deficiência no contexto da educação especial à inclusão. É um recorte dos resultados da pesquisa “Memória da Psicologia nos Serviços Públicos em Salvador/BA” da EBMSP- realizada com um centro de educação especial na Bahia. Objetivou-se analisar a atuação de psicólogas deste local, sob a perspectiva inclusiva. Realizou-se um estudo de caráter exploratório e qualitativo, tendo como procedimento a análise de entrevistas extraídas do banco de dados da pesquisa supracitada, já transcritas e conferidas, realizadas com seis psicólogas. Na análise de dados utilizou-se a técnica da Análise Temática de Conteúdo. O discurso das entrevistadas revela que as práticas psicológicas, mais inicialmente, contribuíam com a segregação dos alunos no ensino regular, e mais recentemente vêm contribuindo com práticas inclusivas, embora estas ainda sejam incipientes. Palavras-chave: Educação especial. Práticas inclusivas. Psicologia.

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O FAZER PSICOLÓGICO NA EDUCAÇÃO: DA SEGREGAÇÃO À INCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

AMANDA SANTOS FRANÇA DE CERQUEIRA 1

BANCA EXAMINADORA

Marilda Castelar – Orientadora

_________________________________________________

Doutora em Psicologia Social Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública

Mônica Ramos Daltro

__________________________________________________

Mestre em Medicina e Saúde Humana Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública

Josineide Vieira Alves

__________________________________________________

Doutora em Educação Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

1 Graduada em Psicologia pela EBMSP; especializanda em Terapia Cognitiva pelo ITC-SP.

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1. INTRODUÇÃO

O indivíduo, entendido como diferente da maioria “comum”, é nomeado como

deficiente. Conceitua-se pessoa com deficiência aquela que apresenta alguma perda ou

anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, independente de

ser temporária ou permanente (AMIRALIAN, 2000).

A educação para pessoas com necessidades educacionais especiais se pautava no

modelo da segregação, mas recentemente tem-se voltado para a educação inclusiva. Esse

advento decorre da década de 90, mais precisamente da Declaração de Salamanca, de 1994,

documento de referência em âmbito mundial que defende uma proposta inclusiva de acesso

igualitário às escolas regulares. Nesse sentido, a educação especial, antes restrita ao

atendimento dos alunos com necessidades educacionais especiais, se configurando como um

sistema paralelo de ensino, vem se modificando, passando a ser um suporte para a escola

regular frente às demandas dos alunos (GLAT; FERNANDES, 2005).

No campo da educação para pessoas com deficiência (PcD), os psicólogos conquistaram

um reconhecimento profissional significativo. Esse espaço tem sido importante para o

desenvolvimento de ideias psicológicas e atualmente se depara com as exigências da proposta

da inclusão escolar. Todavia, há poucos estudos reveladores da intervenção psicológica no

bojo da inclusão; e, sabe-se, esse profissional precisa acompanhar as mudanças, pois é afetado

com o impacto das novas exigências que incitam uma prática mais condizente com os direitos

humanos. É provável que a falta de estudos relativa ao assunto seja reflexo da recente

promulgação das políticas nacionais de educação especial na perspectiva da educação

inclusiva (NUERNBERG; MATTOS, 2008).

Nessa perspectiva, a Psicologia, enquanto ciência e profissão, e a sua articulação com a

educação em consonância com os direitos humanos são de suma importância. Entretanto, para

a concretização desse entrelaçamento com vistas à prática inclusiva, campo de estudo da

presente pesquisa, torna-se necessário problematizar a prática dos psicólogos; as práticas

educativas; as propostas de inclusão escolar; potencializar as possibilidades dos profissionais

do campo educacional em prol do enriquecimento e melhoramento da qualidade do ensino e

de uma proposta de “educação para todos”. Segundo Camino (1998), a Psicologia vem

participando diretamente dos processos de inclusão e exclusão da sociedade, a partir da

maneira que define o seu objeto de estudo. De forma que tem contribuído na educação com

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práticas intrincadas com as diferentes políticas da segregação, da integração e inclusão

(NUERNBERG; MATTOS, 2008).

O conhecimento das práticas psicológicas na educação em uma perspectiva inclusiva,

objeto de estudo da presente pesquisa, revela-se de grande relevância. Ante tal perspectiva,

enseja momentos de reflexão a profissionais voltados à mobilização da categoria quanto a

rever os limites e as possibilidades de atuação no meio educacional, com vistas à superação de

um fazer cristalizado em prol de um engajamento mais afinado com a política inclusiva,

estampando nesse cenário uma prática de promoção dos direitos das pessoas com deficiência.

Além disso, entendemos que esta pesquisa torna-se também importante devido à existência de

poucos estudos publicados sobre o fazer psicológico em uma perspectiva mais inclusiva.

A presente pesquisa tem como objetivo geral analisar a atuação de psicólogas de uma

instituição de educação especial na cidade de Salvador/BA, sob a perspectiva inclusiva das

pessoas com deficiência. Como objetivos específicos, pretende-se, a partir da revisão de

literatura, conhecer a trajetória das propostas educacionais para PcD no Brasil; compreender,

em uma perspectiva histórica, as práticas psicológicas no trabalho com PcD do contexto da

educação especial à inclusão; identificar, por meio da análise de dados, as práticas

psicológicas na instituição pesquisada, e verificar se estas se revelam considerando a proposta

inclusiva.

Este trabalho foi construído sob o influxo de diversos autores, como Bueno (2001);

Bock (2003); Campos (2003); Carmo (2007), Glat e Fernandes (2005); Guzzo (2002);

Machado (2003; 2004); Machado et al (2009); Marchesi (2004); Mendes (2006); Nuernberg

(2009); Prette (2002), dentre outros. A estrutura foi desenvolvida de forma a contemplar os

objetivos a que se propôs. Desse modo, a pesquisa estrutura-se em duas partes. A revisão de

literatura, primeira parte, é composta por dois capítulos: o capítulo 2 apresenta breve histórico

da educação para pessoas com deficiência, desde a segregação até os dias atuais, quando da

inclusão no Brasil; o capítulo 3 aborda as contribuições da Psicologia em meio a esse

processo histórico educativo. Já a segunda parte caracteriza-se pela metodologia, capítulo 4,

em que fizemos uso da Análise Temática de Conteúdo, de acordo com Minayo (1999). Além

da análise de dados das entrevistas com as psicólogas da instituição pesquisada, que dizem

respeito aos resultados e discussão.

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2. BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO PARA PESSOAS COM DEFICI ÊNCIA: DA SEGREGAÇÃO À INCLUSÃO NO BRASIL

No que se refere ao contexto brasileiro, a educação para pessoas com necessidades

educacionais especiais começou a ser traçada no século XIX, aos moldes do modelo europeu

(MATTOS, 2003; CARMO, 2007). A educação especial no Brasil repete os três momentos da

educação especial em outros países. O primeiro momento se constitui exatamente com as

primeiras instituições, por iniciativa do governo imperial, criadas com um século de atraso em

relação à Europa e aos EUA. No Rio de Janeiro foram instituídos os internatos para

deficientes visuais e auditivos e, na Bahia, para deficientes intelectuais. Essas instituições

utilizavam o modelo médico pedagógico e de caráter filantrópico, reforçando o cuidado

assistencialista funcionando em sistema de internato. E, quando existia, a oferta de

escolarização especial oficial se restringia aos deficientes leves que não apresentassem

diferença significativa (MATTOS, 2003).

O cuidado relativo às PcD se deu sob a perspectiva da proteção, pois a sociedade

alegava que os diferentes deveriam ser confinados em instituições asilares ou manicômios

para terem o melhor cuidado, quando na verdade a intenção era se proteger dos “anormais”

(MENDES, 2006; CARMO, 2007). Nesse período, Mattos (2003) e Carmo (2007)

acrescentam que muitas instituições particulares e públicas foram criadas, embora

mantivessem um forte caráter assistencialista. A ampliação de oferta está diretamente

relacionada ao uso em larga escala dos testes psicométricos (MATTOS, 2003; GLAT;

FERNANDES, 2005). Nessa perspectiva, a institucionalização da educação especial no Brasil

ocorreu paralelamente à hegemonia da filosofia da normalização no contexto mundial

(MENDES, 2006).

Nesse contexto, ante as tendências mundiais de reformas educacionais em prol de um

ensino preferencialmente regular, de inserção social e do trabalho, o século XX, desde o início

até meados da década de 50, constitui-se como o segundo momento da educação especial

(MATTOS, 2003). Em 1950, a educação para pessoas com deficiência foi assumida pelo

governo federal; em 1961, foi criada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)

que, pelo menos na teoria, objetivava a integração dos deficientes no sistema geral de ensino e

integração na comunidade (CARMO, 2007).

A integração escolar se configura como um processo composto por vários níveis, como

classe especial na escola regular e escolas especiais, entre os quais a escola estabeleceria o

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nível mais adequado para atender as necessidades dos alunos em determinado momento e

contexto (MARCHESI, 2004; MENDES, 2006). E desse modo também contribuiu para a

segregação, pois não promovia mudança no sistema. Os alunos tinham que se adaptar ao

sistema regular, caso contrário, eram excluídos e endereçados a outros ambientes (BUENO,

2001; GLAT; FERNANDES, 2005; SASSAKI, 2008). Nessa fase, as pessoas com deficiência

passaram a ter o direito de se inserir na sociedade, porém, para atingir esse objetivo, deveriam

ser preparadas, em decorrência das suas especificidades, para, em um momento posterior, se

assumirem enquanto sujeitos e cidadãos (MENDES, 2006).

O resultado desses longos anos de utilização da política da integração, contrariamente

ao que se poderia esperar em termos de inclusão, foi uma maior exclusão dos alunos da

qualidade educacional. A justificativa para o fato enfatiza que o modelo que defendia a

inserção dos alunos preferencialmente na classe comum, com o apoio de serviços

especializados, não foi implementado na ‘integração’ brasileira. Este é o motivo pelo qual,

ainda hoje, são privilegiadas as classes especiais nas escolas públicas e as escolas especiais

em instituições privadas e filantrópicas (MENDES, 2006).

O terceiro momento da educação especial no Brasil vai da década de 50 até o momento

atual. Corresponde à expansão dos serviços educacionais pelo poder público, oferecidos em

níveis federal e estadual. A partir do final do século XX, há uma reordenação das políticas

públicas em consonância com a inclusão (MATTOS, 2003). Em 1996 foi organizada a nova

LDB, trazendo como característica inovadora um capítulo dedicado à inclusão escolar das

pessoas com necessidades educacionais especiais, ou seja, a inserção escolar

preferencialmente no ensino regular (BENCINI, 2003; CARMO, 2007). Todavia, embora a

Legislação brasileira seja uma das mais avançadas considerados os padrões internacionais, a

promulgação da nova LDB não foi suficiente para garantir a sua efetivação. Apesar da

educação inclusiva estar em voga no cenário atual, a inserção das PcD nas escolas brasileiras

tem ocorrido, às vezes, sob os dois modelos - integração ou inclusão, ou de forma paralela

(GLAT et al, 2007).

A inclusão exige o reconhecimento da diferença em detrimento da massificação. Com

essa proposta, a classificação das diferentes deficiências saiu de foco, pois, além dos

deficientes, os alunos com qualquer dificuldade escolar deveriam receber um suporte (GLAT;

FERNANDES, 2005; MONTELLANO et al, 2009; ALCÂNTARA et al, 2009; WILLIAMS;

PADOVANI, 2009). A ideia principal da inclusão é a radicalização de mudanças na educação

para se adaptar às necessidades dos alunos, em defesa do respeito à diversidade e do direito à

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integração desses alunos à educação de qualidade e para todos (MARCHESI, 2004,

MENDES, 2006; SASSAKI, 2008). A seguir, as contribuições da Psicologia nesse contexto.

3. CONTRIBUIÇÕES PSICOLÓGICAS DA SEGREGAÇÃO À EDUCA ÇÃO INCLUSIVA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

A história da Psicologia no Brasil demonstra que as primeiras preocupações nessa área

estavam vinculadas à avaliação e ao desenvolvimento psicológicos, bem como ao

atendimento de crianças com deficiência. Destacam-se, como pioneiros nesse momento,

Ulisses Pernambucano e Helena Antipoff, que se dedicaram à criação de serviços voltados

para os considerados ineducáveis, tendo como predominância o enfoque psicopedagógico

(CAMPOS, 2003).

Em Pernambuco, Ulisses contribuiu com seu pioneirismo para os estudos embrionários

de crianças “excepcionais ou anormais”, e para o desenvolvimento da Psicologia no Estado.

Como diretor da Escola Normal, inseriu no regulamento escolar a triagem de alunos com

deficiência auditiva e visual para terem prioridade nas primeiras carteiras, de modo a facilitar

a adaptação. Criou também escola para excepcionais na rede privada e pública. Em 1925,

criou o Instituto de Psicologia, cuja principal função era selecionar os candidatos para a

Escola Normal e os anormais para a escola especial. Assim, era função estudar, investigar e

selecionar, por meio de testes psicológicos, os normais e anormais, sobretudo os deficientes

intelectuais (MEDEIROS, 2001).

Como coordenadora do laboratório de Psicologia, Helena Antipoff, em Minas Gerais,

utilizava testes de inteligência para medir o desenvolvimento mental das crianças. As que

ficavam abaixo do índice de normalidade eram os “excepcionais orgânicos” (hereditário) ou

“excepcionais sociais” (natureza social). Para os mesmos, ela implementou as classes

especiais. Em 1932, criou a primeira Sociedade Pestalozzi do país voltada ao cuidado dos

excepcionais e ao atendimento a pais e professores das classes especiais, utilizando o

atendimento médico psicopedagógico (CAMPOS, 2003).

Nesse momento, a Psicologia em todo o mundo estava fortemente influenciada pela

Psicologia Genética e Diferencial Francesa, principalmente pelos conceitos de Alfred Binet e

Theodore Simon, no tocante à classificação do retardo mental. Assim, por meio dos testes de

inteligência, os indivíduos começaram a ter a sua capacidade intelectual medida e classificada

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em diferentes categorias. O objetivo era identificar aqueles que estavam com o

desenvolvimento cognitivo em atraso, contribuir para o diagnóstico psicológico, além de

propor aproximar o profissional psicólogo do estudo das deficiências. Então, o diagnóstico era

tomado como verdade absoluta, atestando a irreversibilidade da anormalidade e, portanto,

contribuindo para a inferioridade do aluno deficiente, bem como para o caráter assistencialista

e o ensino individualizado para essa clientela (MATTOS, 2003).

A educação especial foi se firmando progressivamente fazendo uso do conhecimento da

Pedagogia e da Psicologia da Aprendizagem, sobretudo do enfoque comportamental. A

metodologia desse momento enfatizava o estudo experimental, com controle de variáveis e

mudança de comportamento. Entretanto, a partir desses conhecimentos, as pessoas com

deficiência puderam aprender a se desenvolver academicamente, resultando na mudança de

paradigma médico para o educacional (GLAT, 1985; 1995; KADLAC; GLAT, 1984 apud

GLAT; FERNANDES, 2005).

A atuação do psicólogo escolar e educacional iniciou focalizando o aluno que estava

fora dos padrões ditos normais, cujo objetivo era melhorar a questão do ensino/aprendizagem

(NUERNBERG; MATTOS, 2008). Como reflexo no Brasil, desde a emergência da Psicologia

neste país, em 1962, esta ciência compactuava com os interesses da elite de controlar,

higienizar, diferenciar e categorizar as pessoas, por meio dos testes psicológicos (BOCK,

2003).

Patto (2003) acrescenta que desde o surgimento das teorias pedagógicas a Psicologia foi

se constituindo como a ciência que avaliava e selecionava os “aptos” ou “inaptos” ao ingresso

no sistema de ensino regular. Esse ingresso iria depender somente do indivíduo, pois as ideias

psicológicas contribuíam para a Pedagogia ao disseminar a ideologia de que é o indivíduo o

unicamente responsável pelo seu desenvolvimento. Ou seja, o aluno “desviante” era

culpabilizado pelo próprio fracasso escolar, entendido como de sua responsabilidade

exclusiva. Portanto, quaisquer contextos sociais eram desconsiderados.

Segundo Camino (1998), a Psicologia participa explicitamente dos processos de

exclusão e inclusão da sociedade, desde a maneira de definir os diferentes grupos sociais e

culturais, diferenças de gênero, de normalidade, dentre outros. Portanto, torna-se evidente o

fato de que concepções teóricas e técnicas bem formuladas que contribuíram para o

engessamento dos direitos de certos grupos sociais são encontradas na história da Psicologia.

Na década de 1950, houve uma expansão na atenção oferecida às pessoas com

deficiência, com elevação do número de classes e escolas especiais. Entretanto, não havia

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consenso entre os profissionais em relação à conceituação, identificação e classificação da

deficiência intelectual, tema este concernente à Psicologia (NUERNBERG; MATTOS, 2008).

Embora os dados quantitativos advindos de testes de inteligência ainda continuem

vigentes na determinação dos níveis de deficiência, nesse mesmo período, as influências

sociais e culturais que poderiam influenciar nos transtornos passam a ser contempladas

(MARCHESI, 2004). Assim, a causa da deficiência como sendo de exclusiva

responsabilidade do aluno se deslocou para o reconhecimento da falta de oportunidades da

escola e da sociedade (GLAT; FERNANDES, 2005).

A atuação do psicólogo estava vinculada às diferentes políticas de educação especial - a

segregadora, a integradora, e a política radicalizadora da inclusão. Na segregação, a atuação

se baseava na prática de avaliação para identificar o grau de comprometimento do sujeito,

cujo foco estava na deficiência e no psicodiagnóstico do sujeito, sobretudo da deficiência

mental (NUERNBERG; MATTOS, 2008). Na política de integração, essas práticas

diagnósticas foram se relativizando, abrindo caminho para a integração de outras práticas

psicológicas. Assim, foi acrescida à avaliação psicológica o olhar sobre o contexto em que o

indivíduo está inserido, assim como a inclusão da categoria comportamento adaptativo como

um critério do processo de psicodiagnóstico. E, finalmente, através da inclusão, o psicólogo

tem estendido a sua prática para trabalhos com grupos e focalizado a sua relação com a

própria sociedade, fazendo uso de outras técnicas para além do psicodiagnóstico

(CARVALHO, 2005; MACHADO et al., 1997 apud NUERNBERG; MATTOS, 2008).

Nos últimos 30 anos, as lacunas do modelo comportamental incitaram à adoção de

novas teorias condizentes com a proposta atual de inclusão e, portanto, afinadas com a defesa

dos direitos humanos. O teste psicométrico na concepção de ser o melhor método para

conhecer a capacidade de aprendizagem dos alunos passou a ser questionado radicalmente.

Defendia-se que os testes não deviam servir mais para classificar e taxar os alunos. Destacam-

se, a partir de então, outras possibilidades de atuação que consideravam as potencialidades de

aprendizagem dos alunos, relacionadas com o currículo, de forma a auxiliar na prática

educativa (MARCHESI, 2004). Destacam-se então dois campos: a Psicologia da

Aprendizagem, com enfoque no construtivismo de Piaget, e o sócio-interacionismo de

Vigotsky (MATTOS, 2003).

A abordagem passou a ser mais interativa, considerando a participação ativa do aluno

no processo de aprendizagem, e também seus conhecimentos prévios. O processo de ensino

passou a ser compartilhado em defesa dos alunos e, embora repetisse deficiências de

abordagens anteriores, considera maneiras diferentes de aprender. Por esse motivo, a prática

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de agrupar os alunos nas salas, em função da deficiência, passou a ser questionada, pois os

mesmos apresentam demandas diferenciadas (MARCHESI, 2004). Essas teorias vão ancorar

as novas propostas pedagógicas especiais e a formação docente, sinalizando a necessidade de

uma escola inclusiva (MATTOS, 2003).

Não se tratava mais de avaliar para encontrar traços deficitários e depois categorizá-los,

o processo passou a ser concebido como sistêmico, através do qual procuram-se as origens

das dificuldades da criança em diversos ambientes: escola, família, sociedade, etc.

(MARCHESI, 2004). Assim, a avaliação psicológica se reorganiza com a política da inclusão

escolar, uma vez que é atribuída à escola a responsabilidade de fornecer sistemas de apoio,

contribuindo para novas possibilidades de atuação psicológica junto às pessoas com

deficiência. Com essas inovações, a intervenção psicológica é deslocada da área clínica para a

educacional, pois anteriormente o cuidado com a deficiência era marcado por enfoque

terapêutico, em meio ao qual a pessoa com deficiência era percebida como passiva aos

procedimentos técnicos; a partir dessa nova postura, a mesma passa a ser considerada ativa,

sujeito social (NUERNBERG; MATTOS, 2008).

Diante disso, a inclusão tem sido discutida como proposta inovadora e alternativa em

diferentes profissões. E a Psicologia vem buscando questionar a inclusão de determinados

grupos, como as pessoas com deficiência, e discutir a exclusão dos mesmos, principalmente

no âmbito educacional. Cabe, como postura psicológica, subverter tais concepções a fim de

fazer valer atuações transformadoras diante dessa configuração social (MACHADO et al,

2009). De acordo com Silva (2005), o sistema conselho2, ao eleger o tema “direito à educação

inclusiva” como pauta da sua Campanha Nacional de Direitos Humanos Anual, vem

provocando discussões e interrogando sobre as dificuldades teóricas, práticas, técnicas e

políticas pelas quais têm sido dificultadas, em nosso país, a sua concretização e respectivas

contribuições psicológicas nesse processo. Isto, de modo a colocar a Psicologia a serviço da

construção do direito à educação inclusiva, em um processo identitário de responsabilidade

dos profissionais.

A atuação do psicólogo frente à proposta de inclusão pode se estabelecer via

problematização e rompimento com o que está naturalizado - concepções, crenças e práticas -

de maneira a promover outras formas de sensibilização, saberes e práticas que abarquem o

respeito às diferenças (MACHADO et al, 2009). Assim, a intervenção do psicólogo na

inclusão escolar objetiva a transposição dessas barreiras, sobretudo as que se expressam sob a

2 Conselho Federal de Psicologia e seus respectivos Conselhos Regionais.

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forma de estigmas e mitos atribuídos às pessoas com deficiência, o que influencia

negativamente as trocas sociais estabelecidas (AMARAL, 1998 apud NUERNBERG;

MATTOS, 2008). As trocas estabelecidas no ambiente escolar são significativas na medida

em que contribuem para o controle e organização psicológica. Então, para acessar os

fenômenos psicológicos que são históricos, faz-se necessário conhecer essas relações

(MACHADO et al, 2009).

No cerne dessa nova configuração, a Psicologia vem se mobilizando em direção à

educação para pessoas com deficiência ao longo das últimas três décadas. Nesse movimento,

em 2007, o Conselho Federal de Psicologia criou o Prêmio Profissional, a fim de divulgar as

experiências bem-sucedidas da categoria. O primeiro prêmio foi intitulado “Educação

inclusiva: experiências profissionais em Psicologia”, que culminou com a publicação de um

livro em final de 2009, sob o mesmo título. O livro é composto por trabalhos premiados nas

categorias equipe e individual (SILVA; ANACHE, 2009).

Esses trabalhos revelam experiências desde a creche até o ensino superior. Alcântara et

al (2009) realizaram um trabalho embrionário na creche da UFBA; Montellano et al (2009)

promoveram uma interlocução orientada pela temática “A Psicose e suas instituições”, entre

saúde e educação, através do trabalho conjunto da equipe de Psicologia da PUC e o Núcleo de

Referência em Psicoses, da clínica Psicológica do Instituto Sedes Sapientiae, voltada para a

inclusão escolar das crianças atendidas na clínica da PUC. Emílio (2009) atuou como

consultora em sistema de parceria pelo Programa de Psicologia Escolar e Desenvolvimento

Humano da USP, em uma escola privada, fazendo uso da sua tese de doutorado. No ensino

superior, Nuernberg (2009) atuou como coordenador do Programa de Acessibilidade na

Unisul, em Santa Catarina.

Todos esses trabalhos elegeram por foco o desenvolvimento grupal. Os psicólogos

promoveram, no geral, espaços de escuta, de discussão, de reflexão e de educação continuada

para os envolvidos com a instituição de ensino. Como resultado, as escolas passaram a abrir

as portas para a inclusão e a adesão de alunos com os mais variados diagnósticos, além do

combate ao preconceito, em prol da asseguração do direito à educação de qualidade para

todos. Sem dúvida, essas experiências inovadoras e desafiantes servem de exemplo e

inspiração para novos trabalhos, pois demonstram que é possível fazer valer uma prática em

consonância com a inclusão e, portanto, com os direitos humanos, para que todos os alunos

tenham um ensino de qualidade, que promova autonomia e desenvolvimento biopsicossocial.

Após este estudo ficaram alguns questionamentos sobre as práticas psicológicas no

contexto de Salvador. Em relação à prática cotidiana no ambiente educacional, indaga-se:

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Quais são as possibilidades de atuação? Quais são os modelos de educação e identificação que

subsidiam as práticas desses profissionais? As práticas e os instrumentos são comuns a todos?

A fim de investigarmos e problematizarmos questões como estas, realizamos o presente

estudo.

4. METODOLOGIA

Esta pesquisa se configurou como uma pesquisa qualitativa e de caráter exploratório, na

medida em que os dados foram obtidos por meio da análise do relato das entrevistadas,

confrontadas com a revisão de literatura. É importante salientar que este estudo é um

desdobramento de pesquisa anterior de iniciação científica do programa PIBIC/FAPESB do

Estado da Bahia.

Para Minayo (1999), a pesquisa qualitativa contempla, no interior da análise, o subjetivo

e o objetivo, os atores sociais e o envolvimento do pesquisador com seus valores na análise

dos dados, dos fatos e seus significados. Já a pesquisa exploratória geralmente atende as

necessidades dos pesquisadores que estão preocupados com a atuação prática. Na maioria dos

casos, envolve o levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas que revelam

experiências práticas com o problema pesquisado, bem como a análise de exemplos que

possibilitem a compreensão (GIL, 2002).

A coleta de dados foi realizada na cidade de Salvador/BA, em uma instituição pública

de educação especial que contempla práticas inclusivas. Essa instituição atende vários tipos de

deficiência (auditiva, mental, visual, etc.), e oferece serviço de apoio para a ressocialização

das pessoas com deficiência. Incluem-se entre os serviços prestados à comunidade: educação

precoce, psicopedagogia, orientação e mobilidade, treinamento de visão subnominal,

orientação profissional e educacional, oficina de treinamento e produção, dentre outros.

O universo investigado foi composto por seis professoras com formação em Psicologia

e que de fato atuavam como psicólogas em desvio de função. Três delas atuam na instituição

pesquisada e pertenciam ao quadro de funcionários. A outra metade já se aposentou nesta

instituição e a atuação como psicólogas se dá em uma clínica; cinco delas se formaram em

Psicologia pela UFBA, entre 1974 e 1980. Apenas uma dentre as demais se graduou em São

Paulo, em 1981. A base teórica primária utilizada na prática é a Psicanálise, embora algumas

tenham expandido para outras formações, como behaviorismo, gestalt-terapia, transpessoal,

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Psicologia Junguiana, bioenergética, humanismo, psicodrama, educação especial, entre

outros.

As participantes desenvolveram formação continuada por meio da realização de grupos

de estudo e cursos de capacitação. Em ambas as formações não obtiveram o mínimo de

conhecimento necessário sobre necessidades educacionais especiais, e quando do atendimento

a essa clientela, na prática cotidiana, identificaram a necessidade de aprofundar estudos. Na

prática, todas se especializaram na atuação em uma ou duas áreas como a deficiência mental,

surdez, entre outros.

As mesmas foram identificadas como E1, E2, E3, E4, E5, E6, sendo que não foi

utilizado critério quanto à ordem de identificação. A escolha pelo gênero feminino para a

realização das entrevistas deve-se ao fato da maioria dos profissionais que compõem o quadro

de cargos da referida instituição ser mulher, dado da pesquisa anterior. Os critérios para a

escolha dessas participantes corresponderam à experiência profissional na referida instituição,

e o que determinou a escolha das mesmas foi a disponibilidade para participarem das

entrevistas.

A coleta de dados desta pesquisa foi realizada pelo grupo de pesquisa do Núcleo de

Pesquisa de Psicologia da EBMSP – Projeto: Memória da Psicologia nos serviços Públicos

em Salvador/BA. Utilizamos o banco de dados desse Núcleo, que detinha as entrevistas já

transcritas e conferidas, tendo sido realizadas com os sujeitos da pesquisa que trabalham ou já

trabalharam na instituição pesquisada. Essas entrevistas ocorreram em 2007, sendo compostas

por perguntas formuladas pelos pesquisadores referentes à temática geral – atuação do

psicólogo no serviço público de educação inclusiva, correlacionadas ao tema específico de

cada pesquisador. Eram perguntas referentes, sobretudo, aos dados de identificação e práticas

psicológicas na instituição pesquisada. Foram utilizados gravadores e fitas cassete para o

registro das entrevistas, posteriormente transcritas e conferidas.

No presente estudo, realizamos a análise 06 (seis) entrevistas a partir de roteiros

semiestruturados, sendo feita 01 (uma) entrevista com cada participante da pesquisa. Os dados

dessa pesquisa foram analisados com base na elaboração de temáticas, seguindo a técnica da

Análise Temática do Conteúdo (MINAYO, 1999), no qual são identificados os núcleos de

sentido, isto é, temas emergentes nos discursos das entrevistadas, os quais revelam os valores

e modelos de pensamento e comportamento, com o intuito de responder aos objetivos da

pesquisa.

A análise temática foi composta por três etapas. A primeira consistiu da pré análise em

que o pesquisador organizou o material, isto é, escolheu o material a ser analisado, retomou os

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objetivos e hipóteses passando a reformulá-los de acordo com os dados encontrados, e

elaborando indicadores para a interpretação posterior. Assim, de acordo com os objetivos do

estudo, foram definidas as unidades de registro – palavras-chave ou frase, a unidade de

contexto – que é o contexto onde está inserida a unidade de registro, e trechos significativos,

além de categorias. A segunda etapa consistiu na investigação do material obtido

anteriormente. Nesse momento, o texto pode ser transformado em unidades de registro,

explorando e classificando dados. Já na terceira etapa, a pesquisadora realizou a interpretação

do material coletado, elaborando discussões a partir dos resultados (MINAYO, 1999).

Dessa forma, fizemos uma leitura expressiva de todas as entrevistas, o que nos

possibilitou organizar o material em seis unidades de registro, isto é, em categorias: desvio de

função institucional – professora e psicóloga; formação continuada: iniciativa das

profissionais; práticas psicológicas no contexto da educação especial; propostas educacionais:

integração versus inclusão; o trabalho da equipe com docentes da educação especial; inclusão

social e escolar: a pessoa com deficiência e os direitos humanos. Dadas estas providências,

promovemos uma discussão com base nos resultados obtidos, fazendo uso de revisão de

literatura.

Pelo fato desta pesquisa ser um desdobramento de pesquisa anterior de iniciação

científica, para o estudo presente serão aprofundadas as práticas psicológicas no contexto da

educação especial, tendo em vista que as demais categorias serviram como material para

outros artigos. Neste estudo, focamos na história da educação para PcD e nas contribuições

psicológicas nesse processo.

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Esta secção constitui a segunda parte deste trabalho. Após a realização da revisão de

literatura, apresentaremos o resultado da análise das entrevistas. É importante salientar que

tanto na revisão de literatura quanto na análise das entrevistas não há pretensão de se esgotar

as possibilidades de aprofundamento acerca da educação especial e inclusiva, sequer sobre as

possibilidades de práticas psicológicas nesses contextos. Constitui-se objetivo desta pesquisa

identificar as práticas psicológicas na instituição pesquisada e verificar se estas estão voltadas

para a inclusão. Além disso, cabe pontuar que não se objetiva fazer generalizações sobre a

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temática estudada, pois trata sobre as práticas de psicólogas em uma dada instituição de

educação especial.

Práticas psicológicas no contexto da educação especial

O trabalho realizado pelas entrevistadas era exercido conjuntamente com pedagogas, no

contexto da avaliação psicopedagógica. Dessa forma, E2 descreve a população que era

atendida na instituição pesquisada, sendo necessário realizar avaliação e posteriores

encaminhamentos no exercício da profissão:

[...] a gente trabalhava lá na parte de triagem e avaliação dessas crianças que eram encaminhadas pelas escolas da rede pública. [...] As crianças que estavam na alfabetização e não conseguiam ser alfabetizados, era um dos critérios, né, que tivessem de nove a treze anos e tivessem caso de repetência na primeira série, que não tinha alfabetização na época, não conseguisse ser alfabetizado [...] a gente lá, nós fazíamos uma avaliação psicopedagógica, então era dupla: pedagoga mais psicóloga atuando em dupla [...]. Quando pegava a avaliação, tínhamos várias sessões, daí a gente dava o encaminhamento. Depois dá o encaminhamento, daí outro acompanhava [...] se precisava de uma psicoterapia e se era para escola tá, na escola às vezes a gente até tinha momento de ir até a escola discutir com o professor aquele, aquele diagnóstico, aquele laudo, dar algumas orientações; isso a gente colocava tanto no parecer, como a gente fazia questão de assegurar isso com a própria pessoa que era uma grande questão nossa, porque a gente brigava sempre para poder fazer esse acompanhamento, não é, mas pela própria infraestrutura como tava organizada, mas aí tinha essa barreira, chegou até aqui, né, só faz avaliação. (E2).

Machado (2004) salienta que existem trabalhos de psicólogos que se restringem a

informações contidas nos encaminhamentos feitos pelos educadores, sem levar em

consideração a análise ou escuta do contexto educacional no qual esse encaminhamento foi

produzido. Isso intensifica as expectativas de que os especialistas digam o que a criança tem,

além de apontar para o caráter individualista da Psicologia, no que se refere ao entendimento

dos sintomas como estando situados no corpo do aluno. Assim, a prática da Psicologia na área

da educação inclusiva apresenta desafios e percalços, pois, além de desconsiderar o contexto

educacional, faz uso de testes para realizar avaliações e ao final elabora relatórios que indicam

“faltas”, sejam nos alunos, nos familiares ou nas instituições.

Nessa perspectiva, sabemos que os psicólogos historicamente têm centrado a sua

atuação na avaliação de crianças que apresentam, como queixa escolar, dificuldades de

aprendizagem. Essas crianças acabam sendo vistas como clientela de educação especial, mas

no geral apresentam dificuldades de aprendizagem, muitas vezes produzidas no ambiente

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escolar. Então, quando os psicólogos são acionados pelos educadores para atestarem a suposta

patologia dos alunos, eles acabam reforçando a visão patologizante do problema escolar ao

efetuarem avaliações que centram no geral os sintomas no corpo das crianças (MACHADO,

2003).

E5 revela que seu trabalho diz respeito à avaliação e posterior encaminhamento dentro

ou fora da instituição, bem como um direcionamento para o trabalho com as mães:

[...] Então, eu fazia EOCA (Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem), a gente fazia a entrevista, o primeiro contato com a família a gente fazia juntas, a anamnese eu fazia separada. Eu fazia anamnese, eu trabalhava com PENDER, com os gráficos, com o Haven infantil. E [...] fazia a avaliação pedagógica. A gente fazia um trabalho e a gente começou a descobrir que não tinha sentido fazer separado e a gente começou a fazer junto, começamos a descobrir [...] a mãe dizia ‘o menino é péssimo na escola, aquela coisa da questão da aprendizagem. Aí ela voltava e dizia: ‘olha, professora, ele tá tão melhor’. Aí a gente começou a perceber que o que fazia com que o aluno melhorasse [...] ele continuava com a atividade dele de aprendizagem, melhorava a questão dele de comportamento, é que ele tinha um espaço de escuta. Aí a gente transformou o nosso trabalho. O que a gente fez: a gente ouvíamos a mãe em primeiro lugar [...] ouvia a queixa [...] sondava um pouco essa mãe. Depois a gente trazia o menino e fazia com ele uma produção [...] livre, um desenho, pintura [...] a gente pegou aquele trabalho de avaliação que era muito minucioso, a gente trabalhávamos a frequência lógica, trabalhava com as provas Piagetianas [...] construção de histórias, leitura, escrita [...] de fato o diagnóstico. E a gente adaptamos [...] A partir daí a gente fazia um encaminhamento, que esse encaminhamento tanto podia ser para aqui, como podia ser para fora [...] (E5).

Quando o psicólogo adentra em qualquer território educacional, aumentam as

expectativas e olhares sobre o profissional, pois espera-se que o mesmo tenha uma prática de

classificar e comparar os indivíduos que são percebidos isoladamente, no sentido de o que

ocorrer com o aluno será de responsabilidade única e exclusivamente dele enquanto

profissional. São realizadas diferentes indagações por parte dos educadores que desejam saber

“o que a criança tem”; por sua vez, os psicólogos querem saber “por que elas agem da forma

como agem”, a tal ponto que as queixas escolares trazem, como pano de fundo, a

culpabilização isolada dos indivíduos (MACHADO, 2003).

Desse modo, E6 demonstra, através do exercício profissional, um direcionamento para o

reforço da percepção de que a natureza dos “problemas” está nos alunos, sendo tal fato

supostamente atestado por meio das avaliações psicológicas que conferiam se eles estavam

aptos ou não a ingressar na rede regular de ensino

[...] o que a gente fazia aqui era avaliação mesmo. Então era uma avaliação também com vistas a encaminhar para a classe especial, mas assim com uma outra condição, claro, todo o

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material, não é, todas as salas equipadas. Então a gente já tinha uma possibilidade de até avaliar melhor, o que a gente fazia é, na época, era uma entrevista, é EOCA, a gente chamava EOCA [...] que era um modelo do Paraná que a gente viu, estudou. A gente trabalhava em dupla, [...]. Uma psicóloga e uma pedagoga, para fazer essa avaliação [...] e tentava encaminhar através da avaliação para algum serviço que necessitasse ou mesmo, se fosse o caso, para classe especial [...] Quando eu sinto que precisa, é encaminhar, de fato, para um atendimento psicológico numa instituição, na universidade [...] (E6).

Essa expectativa do psicólogo como avaliador das crianças, aquele que diagnostica e

informa quais alunos são normais, quais são deficientes e quais os que precisam de

atendimento individual, demarcou historicamente o lugar ocupado pelo psicólogo nas

instituições educativas, ao desempenhar o papel de apontar as crianças que precisavam, por

exemplo, ir para a classe especial. Dessa forma, a Psicologia sempre foi cúmplice de uma

prática excludente, uma vez que os diagnósticos desconsideravam a subjetividade e

colocavam as crianças como responsáveis individuais daquilo que expressam ou revelam

(MACHADO, 2003; MATTOS, 2003).

O seu trabalho de cunho psicopedagógico E3 também revela, ora atuando de forma

individual ora realizando pequenos grupos, deixando claro mais um fazer que produzia

segregação dos alunos:

[...] eu atendo crianças, entendeu?! Inclusive, lá tem alguns alunos com DA, crianças assim na faixa etária de 4 a 7, 8 anos mais ou menos [...] Então eu dou um suporte psicológico para essas crianças, para essas surdas, que são poucas que eu atendo [...] Olha, a gente faz avaliação dentro da Psicopedagogia, faz avaliação e depois a gente também faz as intervenções. Eu e a equipe, todos nós fazemos assim. A equipe técnica pedagógica trabalha dessa forma. Faz avaliação [...] O meu atendimento - veja só - o meu atendimento é mais individual ou mais em pequenos grupos no caso assim [...] de 2 ou 3 alunos. Mais na mental do que na auditiva, porque na auditiva é mais um suporte psicológico [...] na verdade, o atendimento lá no [...] é para ser voltado mais para a Psicopedagogia, para déficit da aprendizagem, entendeu [...] que você queira voltar só para a questão da aprendizagem, tem toda uma questão psicológica que está envolvida ali, né? Às vezes desencadeou um problema emocional, um problema de ordem psicológica, desencadeou um déficit na aprendizagem. (E3).

A instituição pesquisada constitui-se centro de referência em educação especial da

Bahia. Diante disso, há um contrassenso em relação à clientela atendida, visto que, como

apontado anteriormente, o atendimento é disponibilizado em um número maior para crianças

com dificuldade de aprendizagem. Vale salientar nesse caso que crianças que apresentam

dificuldades de aprendizagem não podem ser estigmatizadas como portadoras de necessidades

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educacionais especiais, levando em conta que as dificuldades de aprendizagem devem ser

vistas como dificuldades escolares.

E2 é interrogada em relação ao acompanhamento posterior dos alunos e informa que o

seu trabalho era restrito à avaliação a partir do encaminhamento de educadores, exceto no

caso da escola reencaminhar o aluno:

[...] na entrevista de devolução, fazia a devolução com a família e com a escola, né. Aí às vezes vocês mandaram esse menino para gente, a gente avaliou, a gente chegou a essa conclusão e tal e a gente sugere tais e tais encaminhamentos, entendeu? E aí para na verdade. A não ser que uma escola peça uma reavaliação [...] (E2).

E2 informa também que o encaminhamento era feito para a rede, e poderia ser dentro ou

fora da instituição trabalhada:

A depender do caso, tanto poderia ser intra [...] como fora [...] Nas duas ao mesmo tempo porque poderia assim, sugerir assim no caso, por exemplo, que extrapolasse a questão dos treze anos, poderia ser encaminhado para uma oficina pedagógica com um atendimento psicoterápico. O cliente, o educando, chegava lá na instituição encaminhado pela escola e a gente retornava para a escola, dizendo se era o caso de ficar na própria escola de classe especial em classe regular, isso seria uma devolução e paralelo a isso um atendimento em Psicopedagogia, a gente ia ver se o [...] tinha uma possibilidade de atender logo, se não aplicaria uma lista de espera e as outras instituições através do Serviço Social, o contato qual a instituição que pode absorver esse menino aqui e agora, não é. E eles faziam um encaminhamento para a escola. (E2).

E4 revela que trabalhava inicialmente em um programa de assessoramento técnico

pedagógico do Programa de Estimulação Precoce para surdos e posteriormente ampliou a sua

prática passando a trabalhar com avaliação e encaminhamento de crianças e jovens surdos:

[...] inicialmente eu fazia parte da equipe de assessoramento técnico pedagógico do Programa de Estimulação Precoce para surdos [...] com o trabalho em três vias: o atendimento direto à criança, a princípio a fazer o diagnóstico diferenciado, triagem, diagnóstico diferencial, o acompanhamento com os professores, orientação aos professores e o trabalho com a família, então na verdade eram duas psicólogas e uma assistente social e as professoras [...] o meu trabalho era mais direto com as crianças e com os professores, embora como formávamos uma equipe tínhamos contato constante [...] Então, depois que eu comecei a trabalhar deixei o programa de educação precoce, depois comecei a ampliar a minha atuação lá, porque além de trabalhar na educação precoce eu passei também a trabalhar na avaliação psicopedagógica de crianças e jovens para encaminhamento escolar [...] e eu fazia parte dessa equipe que avaliava essas crianças e jovens antes de encaminhá-las para a escola, então o trabalho era: avaliação, encaminhamento escolar e acompanhamento escolar de crianças e jovens surdos [...] nós construímos esse modelo de avaliação para o surdo [...] Então, inclusive questionamos algumas coisas, a gente abdicou

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de, de uso desses testes padrões [...] fizemos um estudo preliminar da aplicação do teste da figura humana da cognição [...] usado com crianças surdas, com esses estudos obtivemos bons resultados e passamos a usar esse teste, era o único que a gente usava na verdade, fora isso era mais um jogo de interação [...] (E4).

Diante do depoimento de E4, percebe-se que é a primeira fala que revela um trabalho

que não esteja voltado para alunos com dificuldades de aprendizagem e sim para alunos

surdos, considerados como clientela da educação especial.

Nesse contexto, E3 informa a sua percepção sobre a participação do psicólogo na

educação especial; de modo semelhante, E6 destaca a contribuição do olhar clínico do

psicólogo:

O papel da educação especial é importante porque a gente sabe que às vezes o professor, que não tem essa habilitação, ele tem dificuldade de trabalhar o emocional, o psicológico do aluno e ele se vê na situação assim que ele fala: “pôxa vida, eu não sei o que vou fazer” e ele acaba passando a bola mesmo. [...] Então, há necessidade aí do psicólogo para dar esse suporte. E realmente o pessoal lá embaixo, que pega - eu diria até assim uma carga pesada mesmo, que lidam com essas pessoas com deficiência mental severa, profunda, um comprometimento mais elevado. E essas pessoas, às vezes, têm problemas de relacionamento, problema [...] um distúrbio emocional, um distúrbio de conduta [...] (E3).

Eu acho que assim eu tenho um outro olhar, claro não é, tenho um outro olhar...de poder escutar o outro melhor e poder perceber outras coisas [...] (E6).

De acordo com os relatos acima, percebemos que a concepção do trabalho do psicólogo

na educação é clínico, pois a ênfase recai no trabalho com o emocional, com o psicológico do

aluno, tendo o profissional, no ambiente educacional, a tendência de ampliar o tratamento

clínico individual aos alunos, quando na verdade sua função transcende essa visão, inclusive

englobando processos grupais.

Na avaliação psicopedagógica realizada as entrevistadas informam o referencial teórico

e os instrumentos utilizados em tal prática:

[...] lá na avaliação a gente se voltava a Piaget, Vigotski [...] Nos testes e instrumentos a gente usava o Benne, né, nós fazíamos avaliação da figura humana, segundo Elizabeth [...] fazíamos as provas [...] que era um um momento inicial. E a partir daí a gente planejava qual seria a condução da avaliação específica para aquele educando que a gente vai receber. (E2).

[...] eu trabalhava muito com os testes, trabalhava com HTP, com Haven, com Hender, a gente fazia provas Piagetianas. Fazia anamnese, entrevista, desenhos, desenho livre. Essas

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coisas que a gente fazia aqui [...] Mas eu trabalhei com isso, com a avaliação e com o menino na entrada. Esse trabalho da entrada, dos encaminhamentos. (E5).

Já S6 informa que atualmente não utiliza instrumentos mensuráveis:

Atualmente eu não utilizo, é basicamente a fala e a escuta. Não tenho assim é [...] Instrumento que você fala em nível da psicologia? [...] Não. (E6).

De acordo com Torezan (2002), atualmente a Psicologia depara-se com mudanças

político-sociais significativas que incitam à luta pelo direito à educação, fazendo com que

haja uma marcha em prol da mudança de foco não mais no aluno, visto como problema, mas

para os problemas relativos ao processo de ensino/aprendizagem, trazendo, portanto, a escola

para o centro do debate. Novos desafios são colocados para a Psicologia referentes à atuação e

ao modo de conhecimento psicológicos. Assim, é necessário rever o modo da avaliação

diagnóstica como processo seletivo ou como forma de identificar as ditas “dificuldades de

aprendizagem”, pois agindo assim os psicólogos reafirmam a crença de que o não responder

decorre de problemas inerentes a questões internas dos alunos, contribuindo sobremaneira

para a estigmatização e exclusão destes. Além do mais, a mesma autora salienta que esse

trabalho diagnóstico e a atuação centrada no aluno revelam uma tendência do psicólogo em

acreditar que o aprendiz é o centro dos problemas de aprendizagem (TOREZAN, 2002).

Uma das entrevistadas revelou haver consciência de que a avaliação que elas realizavam

centralizava o problema na criança e contribuía para sua estigmatização; também afirma que

essa avaliação foi modificada:

Mas aquela avaliação que se fazia não é, que depois se fazia até um laudozinho, algo que a gente dizia que o menino ia para a classe especial por isso, por isso, tentava [...] Não se faz mais, a gente achou que [...] ficava rotulando o menino, paralisando o menino naquele, naquele diagnóstico e a professora ‘ ah ele [...] deficiente mental, ah está vendo aí’, a gente tinha aquela sala segregando mesmo, a sala especial. [...] Cristalizava o menino no quadro [...] Atualmente não tem. Se faz uma avaliação ainda, mas é uma avaliação para ver a condição dele, cognitiva e é encaminhado para fazer um atendimento em psicopedagogia. (E6).

Para Guzzo (2002), o psicólogo do futuro deve expandir a sua atuação para além do

diagnóstico e encaminhamento para atendimento de especiais. É exigido que o psicólogo seja

proativo e que a intervenção psicológica tenha o caráter sistêmico voltado principalmente para

grupos e atendendo às necessidades dos indivíduos nas diferentes fases do desenvolvimento.

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Além da avaliação, as entrevistadas revelam que havia outras frentes de atuação

psicológica junto ao alunado:

[...] o projeto que eu trabalho [...] - Arte Descobrir Descobrir-se - que é um projeto de crescimento. [...] com os meninos daqui da oficina. Então a gente utiliza um material assim, papel, lápis, utiliza jogos [...] para gente eles vêm uma vez por semana, cada grupo vem durante uma hora mais ou menos [...] É exatamente para que os meninos descubram o mundo, descubram as coisas, descubram o externo não é, e descubram-se também, seu interior, o que eu sou, o que eu quero, o que eu gosto, não é. Um trabalho muito por aí [...] De dentro e de fora. Entra um pouco pelo subjetivo, não é. ‘ah é um grupo de crescimento’, porque às vezes, ‘vai para o psicólogo está trabalhando, é um grupo terapêutico’. Não deixa de ter uma linha terapêutica, mas assim a gente não tem essa pretensão de ser um grupo terapêutico, um grupo de crescimento, digamos assim, não é. Mas, que basicamente a fundamentação desse projeto é a psicanálise, não é. A gente tenta fazê-los falar, não é, usa a palavra como uma coisa mais importante do trabalho é palavra [...] Nós temos uma programação durante o ano, basicamente a gente trabalha alguns temas, não é. São no início do ano identidade, depois a gente vem com família, sexualidade, cidadania e aí a gente finaliza com projeto de vida [...] A gente prioriza muito o que eles trazem, então essa programação é muito flexível... O que a gente pensa muito nesse projeto é assim fazê-los ser sujeitos, não é, sujeitos de sua própria vida. Porque deficiente mental é muito “objeto”, é a mãe quem escolhe, é a mãe quem traz para escola [...] Então são muito dependentes, então quando eles chegam aqui, ‘o que você quer, o que você escolhe’, ‘não sei’, não é [...] Então, relatório de final de ano, a gente coloca sempre isso, estamos em processo, não temos resultados objetivos concretos. Embora a gente ver muitos bons resultados, não é. Estava falando aqui para eles não é, que eles, é no decorrer do trabalho eles passam a reivindicar a palavra no grupo. (E6).

[...] também trabalhei já no fim em um programa lá [...] Um programa voluntário para jovens portadores de necessidades especiais e aí já não era mais com surdos que eu trabalhava, era surdos e mais deficientes mentais e outros que apresentavam outros distúrbios e aí a gente tinha um momento com eles, era um trabalho de crescimento de grupo, né, de desenvolvimento pessoal onde [...] eles davam um depoimento sobre a vida deles [...] (E4).

Ao contrário das práticas de avaliação e encaminhamento anteriormente especificadas,

esse trabalho com as pessoas com deficiência parece indicar uma preocupação maior com os

direitos humanos, que se revela na busca por fortalecer o crescimento dos indivíduos,

estimulando, através da arte e da escuta, a percepção deles em busca de descobrir quais papéis

desempenham como sujeitos sociais, além de ensejar a descoberta de outros sujeitos à sua

volta. Então há um direcionamento para a obtenção da tomada de consciência e de dois

direitos fundamentais à vida, quais sejam, a liberdade e a dignidade.

O exercício de dinamizar a comunicação entre a escola e as várias instâncias educativas

da sociedade como a família, os meios de comunicação e cultura, apresentam-se como

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demandas para as quais o psicólogo tem uma importante contribuição, especificamente em

convênios de prestação de serviços abrangentes e interdisciplinares (DEL PRETTE, 2002).

Nesse contexto, cabe aos psicólogos e professores colaborarem na avaliação dos alunos

com problemas de aprendizagem. Quanto aos docentes, a ênfase recai sobre a modificação na

formação e qualificação profissional. Desse modo, os motivos da distinção entre a escola

regular e escola especial são revisitados, bem como é ampliada a experiência de inovação nas

escolas em relação aos alunos com dificuldades escolares sérias (MARCHESI, 2004).

De acordo com Patto (2005 apud NUERNBERG; MATTOS, 2008), a política mais

recente de educação especial não menciona diretamente a atuação do psicólogo na inclusão

escolar, mas o psicólogo pode contribuir na atividade interdisciplinar junto aos docentes,

inclusive intervindo junto à sua prática, tendo em vista que tal política ressalta formação e

prática dos docentes.

Igualmente importante é o trabalho realizado pela entrevistada E4 junto aos pais de

alunos surdos. E5 informa que começou a trabalhar com família e revela claramente a

mudança ocorrida no trabalho desenvolvido na instituição pesquisada após a adoção do

paradigma inclusivo pela instituição:

[...] começou a mudar, o pessoal começou a ir para cursos de especialização, que se começou a discutir aquela Carta de Salamanca, que começou a se discutir a educação inclusiva, então mudou muita coisa aqui dentro. Então, a psicopedagogia passou a trabalhar em grupo, a psicopedagogia passou a trabalhar com os professores, a se deslocar. Então, por exemplo, às vezes você recebia uma professora... ‘há, mas não dou conta, dá conta. Você pensa o que é menino de escola pública, sala com trinta, trinta e cinco’ [...] Chegavam dez alunos de uma mesma professora, todos com dificuldade de aprendizagem, na verdade era porque ela não estava dando conta. Aí o que a gente fazia começou a se deslocar para as escolas, e para fazer um trabalho com os professores para que eles tivessem uma melhor condição de atender e manter esses meninos na sala de aula. É porque acabaram também as classes especiais, que eram também as classes [...] que a gente mandava os meninos mais comprometidos [...] O [...] foi se adaptando a essa nova forma de trabalho com educação especial. Aí teve as mudanças de direção, quando teve a mudança de direção Lorena² foi para o atendimento psicopedagógico, porque ela é psicopedagoga e aí ela tava em atendimento psicopedagógico. E eu fiquei sozinha nesse acolhimento das famílias. Aí, naturalmente, que eu não daria conta de atender sozinha [...] eu continuo fazendo esse trabalho até este ano de 2007. 2 (E5).

A fala de E5, em conjunto com a de E6, expressa a mudança ocorrida no trabalho das

profissionais entrevistadas. Se antes as práticas eram focalizadas na avaliação e

encaminhamento de alunos para classes especiais, após a mudança de paradigma educacional

______________________ ² Lorena é nome fictício, em substituição ao nome original da psicopedagoga da instituição trabalhada.

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da integração para a inclusão, pautada na Declaração de Salamanca, de 1994, o trabalho delas

passou a indicar mais relações com a questão dos direitos humanos, sobretudo pelo

acolhimento aos professores, que, de acordo com o relato, passou a fazer visitações com o

intuito de auxiliar o corpo docente a trabalhar com as demandas específicas. Assim,

apresentam um caminho para a prática inclusiva e exercício dos direitos humanos dessa

população.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa teve como objetivo geral analisar a atuação de psicólogas de uma

instituição de educação especial na cidade de Salvador/BA, sob a perspectiva inclusiva das

pessoas com deficiência. Como objetivos específicos, pretendeu-se, a partir da revisão de

literatura, conhecer a trajetória das propostas educacionais para PcD no Brasil; compreender,

em uma perspectiva histórica, as práticas psicológicas no trabalho com PcD do contexto da

educação especial à inclusão; identificar, por meio da análise de dados, as práticas

psicológicas na instituição pesquisada, e verificar se estas se revelam considerando a proposta

inclusiva.

O presente trabalho possibilitou fazer um levantamento histórico no Brasil sobre a

atenção à educação para pessoas com deficiência desde a época da segregação até a inclusão.

Percebemos que a integração ainda coexiste com a inclusão e que se faz necessário a prática

da inclusão, sendo consubstanciada por novas políticas públicas que assegurem de fato o

ingresso das PcD no ensino regular, com o fim dos serviços especiais, pois assim fazendo

elimina-se a possibilidade de um outro modelo paralelo de ensino como existente na proposta

da integração.

As perspectivas históricas da Psicologia no contexto brasileiro revelaram que esta

ciência, desde a sua criação, contribuiu com práticas excludentes ao fazer uso, sobretudo, de

instrumentos psicométricos que atestavam se o aluno tinha comprometimento em esferas da

sua vida, sobretudo no tocante à cognição. Essas práticas, ao mesmo tempo que são produtos

das aspirações sociais, contribuem para reforçar a ideologia que impera em cada época.

Assim, a Psicologia compactuou com os modelos de segregação e de integração no campo da

educação especial, e mais atualmente vem contribuindo em direção à efetivação de práticas

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inclusivas para pessoas com deficiência no campo educacional, e, em decorrência desse

modelo, está em voga no momento.

No que se refere à investigação realizada, o discurso das entrevistadas revela que

inicialmente as práticas estavam mais afinadas com a exclusão do que a inclusão dos alunos

com deficiência. Constatamos haver mais recentemente uma mudança no discurso de algumas

entrevistadas, voltada para a inclusão e o respeito aos direitos humanos dessa clientela.

Assim, demonstra-se a mudança do foco no aluno enquanto um problema quando da adoção

de novas perspectivas de entrevistas com práticas inclusivas de avaliação, voltadas não mais

para o uso restrito de psicotestes, entrevistas e elaboração de laudo, que contribuíram para a

segregação dos alunos, mas para um trabalho junto aos educadores no sentido de desmistificar

a visão estigmatizante que tinham, além de fazer uso de técnicas mais grupais e espaços de

reflexão e crescimento. Isso foi possível com o estudo, pela equipe, da Carta de Salamanca,

documento de referência para os trabalhos de inclusão educacional.

De acordo com o conteúdo elucidado, incluindo as experiências inovadoras em 2009,

destacadas na revisão de literatura, percebemos que, embora as experiências ainda sejam

incipientes, já são suficientes para acreditarmos que a Psicologia caminha em passos

progressivos em prol de uma configuração educacional mais justa e que contempla a

dignidade, o respeito e os direitos da referida população.

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MEMORIAL

A minha trajetória como estudante de Psicologia e como entusiasta do contexto

educacional me conduziram a construção desta pesquisa. Este trabalho reflete o meu despertar

e amadurecimento sobre a importância do que entendo como papel político-social inerente de

um psicólogo, isto é, agir em prol de um direito básico do ser humano – a educação. Por isso,

inclui um breve histórico sobre o meu envolvimento com a área escolar e educacional, e o

percurso até chegar ao tema de TCC.

O período acadêmico foi vivenciado com muita intensidade. Procurei aproveitar da

melhor forma todos os ensinamentos e oportunidades dentro da faculdade. Desde o primeiro

semestre do curso comecei a ser tocada por questões sociais e a me sensibilizar por temáticas

relacionadas a pessoas socialmente excluídas por qualquer motivo. Tinha um grande anseio

em atuar em alguma área da profissão em que eu pudesse contribuir no sentido de mobilizar,

de acrescentar algo à categoria e a sociedade. Nesse contexto, no terceiro ano de faculdade fiz

um estágio extracurricular na área da Psicologia Escolar, em um colégio de freiras, em

Salvador, onde atuava com observação, registro e, sobretudo com intervenção articulando

com a arte. A partir desta experiência comecei a me aproximar efetivamente desse campo.

No primeiro semestre deste mesmo ano de acordo com a grade curricular da faculdade

comecei a estudar matérias de metodologia e pesquisa em Psicologia com o objetivo de

começar a construir o TCC. Comecei a escrever um pouco sobre a relação entre dificuldades

de aprendizagem e família. A docente da matéria na época me incentivou a mudar de tema.

Acabei mudando para fazer uma construção em dupla sobre a maternidade das mães indígenas

Kiriri, um projeto desenvolvido por um colega. Mas, eu sentia que faltava algo, que não era

realmente um tema que eu poderia me doar mais intensamente.

Então, ao conversar com a docente que ministrou duas destas matérias supracitadas, a

mesma me disse que se eu optasse por fazer um TCC sobre educação que ela me orientava, já

que era da área de educação para pessoas com deficiência. Me senti lisonjeada com tal convite

e como estava na área e gostava do estágio que fazia, aceitei a proposta. Pensei em fazer em

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dupla, mas ninguém da turma se interessava pela temática. Então abracei essa construção e a

fiz com o auxílio da orientadora. Esta oportunidade foi marcante para o caminho que comecei

a traçar a partir de então.

Comecei a participar de eventos na faculdade como monitora e integrante da comissão

organizadora na área de pesquisa, cursei uma disciplina optativa intitulada “Psicologia,

literatura e sensibilidade”, participei do Diretório Acadêmico dos estudantes de Psicologia e

palestras no Conselho regional (CRP -03). Em meados do segundo semestre ainda do terceiro

ano de curso, entrei como integrante da Pesquisa de Iniciação Científica, do Núcleo de

Pesquisa de Psicologia da Bahiana - “Memória e História da Atuação da Psicologia no

Serviço Público de Educação Inclusiva em Salvador”. A pesquisa foi iniciada em 2007 e

quando entrei no final de 2008, todos os pesquisadores colavam grau poucos meses depois.

Infelizmente não pude entrar no início, pois trabalhava no call center para não trancar a

faculdade. Quando entrei na pesquisa, não havia interessados na faculdade para continuar por

mais um período longo com esta pesquisa.

Assim, uma das integrantes tinha apenas seis meses de bolsa pela FAPESB/PIBIC e não

poderia completar um ano, pois faltava um mês para finalizar o curso. Então, concorri a

bolsista substituta da pesquisa dela e fui bolsista até final de julho de 2009. Fiz um recorte

deste projeto para ser o meu TCC que inicialmente era intitulado: “Psicologia e direitos

humanos: contribuições para a educação inclusiva das pessoas com deficiência”. Apresentei

na Mostra Científica na modalidade de comunicação oral este trabalho como requisito para

finalização da bolsa. Nesse período, comecei a me integrar ao grupo de trabalho em educação

do CRP. Eu e uma colega da pesquisa fizemos uso de recortes dos nossos trabalhos de

conclusão para elaborarmos uma parte do documento que o grupo enviou para uma proposta

de mudanças do Conselho Federal, que elegeu este ano como o da educação.

Todavia, no segundo semestre de 2009, que diz respeito ao quarto ano de curso, a minha

orientadora de TCC, saiu da faculdade, devido a aprovação em concurso da UFRB. A mesma

pediu a orientadora atual que passasse a me orientar, até por que esta era uma das docentes

responsáveis pelo Núcleo de Pesquisa do qual fiz parte. Com esta mudança, redesenhamos o

TCC. Nas orientações seguintes, fiquei por um momento temerosa em mudar um pouco a

temática, pois implicava em mudanças nos objetivos e outras partes do trabalho. Diante de

muitas discussões percebi que o que me entusiasmava e o que eu tinha mais curiosidade no

âmbito educacional era mesmo descobrir sobre o que os psicólogos faziam em prol da

inclusão. Como sempre gostei de história, sempre me perguntava sobre a origem, o percurso,

os obstáculos de diferentes épocas sobre o que eu queria investigar no momento.

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No TCC não foi diferente, como minha orientadora também gosta muito de história

concensamos a temática do TCC. Não se tratava mais de focalizar nos direitos humanos, mas

em me debruçar para o que meus olhos brilhavam ainda mais, ou seja, saber sobre a prática e

o fazer da categoria. Feliz com esta mudança e imbuída pelo desejo de elaborar um trabalho

que me satisfizesse e me mobilizar para vivenciar algo prático na educação, passei a assumir o

papel de líder de sala e de representante discente do curso no Conselho de Integração

Curricular de Psicologia até o término da graduação. Paralelamente, estagiei no município de

São Francisco do Conde no projeto de um médico hebeatra, desenvolvendo ações em quatro

escolas municipais até meados do primeiro semestre de 2010. A minha função era de

assessoria e intervenção com adolescentes do Projeto: Cultura de Paz: da palavra à ação.

Por um lado, estas experiências paralelas a construção do TCC foram enriquecedoras,

pois pude experienciar fatos e ações que corroboravam ou contrapunham a revisão de

literatura. Por outro lado, foram bem desafiadoras, pois o estresse, a necessidade de

corresponder a todas as atribuições somava-se ao medo em meio ao acúmulo de textos para

ler. Sem dúvida, a construção do TCC foi ímpar na minha vida pessoal e acadêmica.

Considero que foi uma corrida incessante em definir a formatação e estrutura do trabalho;

usar dados de terceiros que foi muito desafiador, pois não estive a campo para coletar dados;

traduzir aquelas falas junto com a orientadora; escolher uma metodologia que respondesse a

aquele contexto; escolher os textos; achar textos condizentes com os objetivos em voga; muita

dificuldade em achar textos específicos sobre práticas psicológicas na inclusão; retirar

capítulos já prontos, por ter excedido o número de páginas; desafiar meu medo de “não dar

conta”, de “não dar tempo”; enfim tudo isso, foi muito significativo, desafiador e riquíssimo

para mim. No final de 2010, tive a oportunidade de apresentar o TCC na X Mostra Científica

e Cultural da Bahiana e dar início a esta reflexão que exponho neste momento.

De acordo com os argumentos apresentados, concluo refletindo que as conseqüências

positivas da construção deste trabalho, iniciadas com a obtenção da nota máxima pela banca

examinadora e pela ressonância na minha vida pessoal e nas metas profissionais futuras, de

atuação e mestrado na área, só reforçam a minha percepção de que a luta pelo que

acreditamos, pela transformação social é de suma relevância e que enquanto profissionais da

psicologia temos muitas tarefas a desempenhar, com ênfase na militância, para fazer valer

melhores contextos educacionais onde caibam todos.