o facebook como esfera pública: anseios e limites da democratização do espaço público via...

23
O facebook como esfera pública: anseios e limites da democratização do espaço público via internet Camila Moura PUC-Rio Departamento de Pós-Graduação em Educação - Doutoranda [email protected] Resumo: Esta comunicação tem como objetivo apresentar algumas reflexões sobre a democratização da esfera pública via internet, chamando atenção para suas possibilidades e limites, relacionando-a a ampliação da conversação civil na rede mundial de computadores cada vez mais disseminada em nossa sociedade. Dentro do largo espectro de possibilidades de análise que este tema proporciona, a rede social facebook foi escolhida como o foco da reflexão por apresentar um espaço público relativamente democrático no que tange a publicização de ideias, além de proporcionar uma plataforma acessível ao diálogo de seus usuários. Argumento, utilizando conceitos como esfera pública e opinião pública de Jürgen Habermas, que apesar de oferecer um locus favorável a liberdade comunicativa, a democratização da esfera pública via internet ainda encontra alguns obstáculos a serem superados. Ao final da reflexão, atento para o importante papel reservado à educação crítica e emancipadora na construção do discurso dialógico e discussão de ideias, fundamentais na construção dos espaços públicos enquanto palco de deliberação dos cidadãos, principal via da democratização da esfera pública no século XXI. INTRODUÇÃO

Upload: camila-moura

Post on 02-Dec-2015

217 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Reflexão apresentada no XI Colóquio sobre o pensamento de Habermas em 2015.

TRANSCRIPT

O facebook como esfera pública: anseios e limites da democratização do espaço público via internet

Camila Moura

PUC-Rio

Departamento de Pós-Graduação em Educação - Doutoranda

[email protected]

Resumo: Esta comunicação tem como objetivo apresentar algumas reflexões sobre a democratização da esfera pública via internet, chamando atenção para suas possibilidades e limites, relacionando-a a ampliação da conversação civil na rede mundial de computadores cada vez mais disseminada em nossa sociedade. Dentro do largo espectro de possibilidades de análise que este tema proporciona, a rede social facebook foi escolhida como o foco da reflexão por apresentar um espaço público relativamente democrático no que tange a publicização de ideias, além de proporcionar uma plataforma acessível ao diálogo de seus usuários. Argumento, utilizando conceitos como esfera pública e opinião pública de Jürgen Habermas, que apesar de oferecer um locus favorável a liberdade comunicativa, a democratização da esfera pública via internet ainda encontra alguns obstáculos a serem superados. Ao final da reflexão, atento para o importante papel reservado à educação crítica e emancipadora na construção do discurso dialógico e discussão de ideias, fundamentais na construção dos espaços públicos enquanto palco de deliberação dos cidadãos, principal via da democratização da esfera pública no século XXI.

INTRODUÇÃO

Esta comunicação tem o objetivo de apresentar uma reflexão acerca das

possibilidades e limites da democratização da esfera pública via internet. De

acordo com minha visão, a internet proporciona tanto as condições de ampliação

quanto de limitação da expressão política dos cidadãos, contribuindo tanto para a

promoção de um novo espaço público de debates quanto a sua própria incerteza.

Para desenvolver esta problemática, opero com o conceito de esfera

pública como o espaço da formação da opinião pública (Habermas, 1990, 1997),

para relativizar a existência de uma amplamente disseminada democracia digital

na internet.

2

Procurarei desenvolver uma reflexão que não se limite a uma visão

deslumbrada acerca dos potenciais democráticos da internet sem, no entanto,

negar suas possibilidades enquanto provedora de um espaço público democrático.

Ao final do texto reflito especificamente sobre o facebook e seu potencial

deliberativo, propondo compreendê-lo enquanto um protótipo da esfera pública

habermasiana.

Concluo, então, que a tecnologia é um dos diversos aspectos relacionados

à democratização da esfera pública, argumentando que o principal aspecto a ser

ressaltado ao pensar a ampliação da participação política e deliberativa dos

cidadãos está para além do entendimento da internet enquanto espaço público

democrático, mas sim uma educação crítica e dialógica, que proporcione as

condições mínimas de racionalidade e discernimento político, necessários ao

debate de ideias.

Onde se forma a opinião pública?

Durante o século XVII viu-se à ascensão de um espaço entre a esfera

privada e o Estado chamado esfera pública, local de discussão livre e racional no

exercício da participação política. De acordo com Alvritzer e Costa (2006), o

surgimento da esfera pública é inseparável do processo de formação dos Estados

Nacionais, pois é com a noção de nação que o espaço de comunicação e

convívio torna-se um espaço de produção e reprodução de signos identitários que

definem Nação. Neste sentido, dentro de uma mesma nação são encontradas

diversas esferas públicas, distintas arenas, em permanente processo de produção

do discurso simbólico na construção do ideário nacional.

Seguindo este viés, devido em grande parte, ao alargamento das fronteiras

nacionais e a globalização da informação, não seria implausível conceber a

existência de uma esfera pública global e digitalizada. Mas seria possível

considerar a internet, a esfera pública dos dias de hoje?

Jürgen Habermas, em entrevista concedida a Howard Rheingold em 2007,

responde esta indagação, chamando atenção para o fato de que a internet tem o

potencial de promover uma maior comunicação política, ao inserir no debate

público um maior número de pessoas, funcionando em regimes autoritários como

uma “esperança democrática”, pois permite que um maior número de escritores e

3

leitores contribuam na formação da opinião pública. Todavia, em democracias

estabelecidas constitui-se como um espaço difuso de expressão de ideias, que

dificilmente pode promover de forma consolidada, transformações no âmbito da

política. O autor relativiza, dessa maneira, a euforia em torno da internet enquanto

promotora de uma esfera pública realmente “eficiente” no que concerne a

formação de uma opinião pública construída de forma democrática.

“A Internet certamente reativou as bases de um público igualitário de escritores e leitores. No entanto, a comunicação mediada por computador na web pode reivindicar méritos democráticos inequívocos somente para um contexto especial: pode prejudicar a censura de regimes autoritários que tentam controlar e reprimir a opinião pública. No contexto dos regimes liberais, a ascensão de milhões de salas de chat fragmentadas em todo o mundo tendem a levar a fragmentação das audiências de grandes massas politicamente focadas, em um grande número de emissão pública isolada. Dentro de esferas públicas nacionais estabelecidas, os debates on-line dos usuários da web só promovem a comunicação política, quando grupos de notícias se cristalizam em torno dos pontos focais da imprensa de qualidade, por exemplo, jornais nacionais e revistas políticos”.1

Contudo, seu pessimismo também deve ser ponderado. Se considerarmos a

formação política, a construção da opinião pública e a comunicação

argumentativa, envolvidos na conversação civil na internet devemos levar em

consideração também as vozes individuais e dos pequenos grupos como

importantes na construção da esfera pública.

“Por esfera pública, queremos dizer, antes de tudo, ser um domínio de nossa vida social em que a opinião pública pode ser formada. O acesso à esfera pública é aberta, em princípio, à todos os cidadãos. Uma porção da esfera pública constitui-se de conversas em que pessoas privadas se juntam para formar um público (...) Os cidadãos agem como um público quando tratam de assuntos de interesse geral, sem estar sujeito à coerção, a partir da garantia que possuem em montar assembleias e unirem-se, livremente e, exprimir e divulgar suas opiniões de forma livre2.

1 Trecho disponível, em inglês, no site: http://www.smartmobs.com/2007/11/05/habermas-blows-off-question-about-the-internet-and-the-public-sphere/ Acesso em jun-2015.2 Trechos disponíveis em inglês: http://cyberdemo.blogspot.com.br/2007/11/entrevista-de-habermas-sobre-internet-e.html Acesso em jun-2015.

4

De acordo com a visão de Habermas, citada acima, a esfera pública é,

antes de tudo, o local onde a opinião pública é formada, tomando por público a

reunião de indivíduos privados. Ela não deve ser considerada, portanto, uma

instituição cumpridora de uma determinada função social, mas sim um espaço

discursivo, onde é possível atuar e agir através do diálogo, da exposição de

opiniões e trocas de ideias.

“Esfera, ou espaço público é um fenômeno social elementar do mesmo modo que a ação, o ator, o grupo ou a coletividade; porém, ele não é arrolado entre os conceitos tradicionais elaborados para escrever a ordem social. A esfera pública não pode ser entendida como uma instituição, nem como uma organização, pois, ela não constitui uma estrutura normativa capaz de diferenciar entre competências e papéis, nem regula o modo de pertença a uma organização etc. (...) A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos. (...)” (HABERMAS, 1997, p.92-93)

Se a esfera pública, partindo das próprias palavras de Habermas (1997)

deve ser considerada uma rede de comunicação, cujos fluxos comunicacionais

podem ser filtrados, sintetizados e discutidos a ponto de construírem opiniões

públicas, é, também no âmbito da conversação civil que ela pode se configurar.

O autor Wilson Gomes (2006), a partir da metáfora da fofoca, explica o

conceito de esfera pública como a publicização de ideias, resumindo-a enquanto

um “intrometer-se” da sociedade civil nos assuntos da política. No caso do

conceito de esfera pública, cunhado por Habermas, na primeira edição de

Mudança Estrutural da Esfera Pública (1962), a burguesia, por meio da imprensa

se intrometia nos assuntos políticos, antes restritos aos espaços institucionais do

poder aristocrático.

De acordo com Maia (2006) a mídia exerce historicamente, papel

fundamental na comunicação política, ocupando posição de destaque no

“intrometer-se” da sociedade civil. Ela é central, tanto nos processos de

governança quanto nas percepções dos cidadãos da realidade social e política,

podendo tanto fazer avançar o debate deliberativo quanto obscurecê-lo.

5

Seria, então, no contexto da produção da opinião pública que a internet

emerge enquanto possibilidade de construção de um espaço público alternativo a

grande mídia, pois permite que um maior número de pessoas ocupe o lugar das

fontes de expressão, e não apenas de público leitor/espectador.

O encantamento: internet como a esfera pública do século XXI

A “onda” de manifestações, que nas palavras de Castells (2013) vêm

produzindo globalmente redes de indignação e esperança, (re)colocou a política na

pauta de discussão dos cidadãos, sobretudo a maneira como vem sendo

conduzida. Ao refletir sobre as relações entre o poder e a comunicação, ele chama

atenção para a falta de confiança generalizada, que acaba unindo insatisfações

muito comuns. As ruas clamam por uma revitalização da política, exigindo

aumento da participação direta dos cidadãos na vida pública, tendo a internet

como locus central desse processo. A construção de redes de indignação global só

foi possível, a partir da reinvenção do uso das redes sociais, que mais do que

promover a sociabilidade de contatos, possibilitou a troca de informações e

experiências políticas ao redor do mundo.

“Qual seria o fio comum que unia, na mente das pessoas, suas experiências de revolta, a despeito de contextos amplamente diversos em termos culturais, econômicos e institucionais? Em resumo, era a sensação de empoderamento. Ela nasceu do desprezo por seus governos e pela classe política, fossem eles ditatoriais ou, em sua visão, pseudodemocráticos. Foi estimulada pela indignação provocada pela cumplicidade percebida entre as elites financeira e política. Foi desencadeada pela sublevação emocional resultante de algum evento insuportável. E tornou-se possível pela superação do medo, mediante a proximidade construída nas redes do ciberespaço e nas comunidades do espaço urbano”. (CASTELLS, 2013, p.23-24)

Pierre Lévy (2011), de forma igualmente entusiasta, acredita que a

internet, por possibilitar a ampliação da expressão pública sem precedentes,

conduziu a uma transformação radical do espaço público. O autor parte do

pressuposto de que as mídias digitais rompem com o sistema da grande mídia. Em

6

sua visão, essa nova dinâmica tem como resultado a perda gradual do monopólio

de mediadores tradicionais de informação, modificando a construção da opinião

pública.

Há, tanto liberdade de expressão quanto de audição, visto que as fontes e

acesso à informação se diversificaram. Outro ponto colocado por Lévy (2011) é o

caráter ubíquo, hypercomplexo e fractal das redes virtuais. Por ser alimentada

livremente, a internet rompe com outra premissa do antigo sistema midiático, cuja

fonte da informação se confundia com o meio de comunicação. Nos dias atuais,

devemos separá-los e aprender a filtrar as fontes contidas nos meios, o que

pressupõe uma educação crítica, sobretudo na formação de um “espírito

pesquisador”, cujo cerne da busca pelo conhecimento é a confrontação de várias

fontes, disponíveis em diversos meios.

“Condicionado pela mídia digital, o espaço público do século XXI é caracterizado, portanto, não só por uma maior liberdade de expressão, mas também por uma nova oportunidade de escolher as fontes de informação, assim como por uma nova liberdade de associação no seio das comunidades, grafos de relações pessoais ou conversas criativas que florescem na rede” (Op.Cit, 2011).

Contudo, esse ambiente virtual exige um novo cidadão, sendo necessário

adquirir uma gama de competências e habilidades, que proporcione uma

alfabetização nessas novas mídias. Isso significa estar consciente do papel de cada

usuário dentro dessa rede de criação e compartilhamento de dados, cuja

participação ativa constrói, altera e modifica a esfera pública.

Assim, a internet pode ser considerada esfera pública, no sentido que

propicia uma atmosfera mais aberta à conversação civil e ao debate público. É

conhecida a existência de fóruns deliberativos, onde temáticas podem ser

debatidas de forma aberta. É igualmente disseminada a livre manifestação e

expressão de opiniões sobre políticos e seus governos, através do acesso de suas

páginas do twitter ou facebook. São amplamente distribuídas petições on line,

onde quaisquer cidadãos, desde que possuam uma conta de e-mail, podem

participar de abaixo-assinados virtuais contra ou a favor de diversas causas e

bandeiras políticas. E por mais que a efetividade ou a concretização dessas

7

deliberações e reivindicações ainda sejam nebulosas, é inegável que a internet,

enquanto provedora de um ambiente democrático à expressão, vem contribuindo

na democratização do debate público.

Relacionar, então, a categoria de conversação civil à internet enquanto

esfera pública me parece uma ideia alternativa interessante à concepção de “nova”

esfera pública tal como aponta Lévy (2011). Acredito ser mais apropriado pensar

que o papel da internet na ampliação da esfera pública é possibilitar o

alargamento e a disseminação de conversações civis, pois é geralmente nos atos

de fala como expressão de ideias que são construídos os debates no espaço virtual.

“O espaço de uma situação de fala, compartilhado intersubjetivamente, abre-se através das relações interpessoais que nascem no momento em que os participantes tomam posição perante os atos de fala dos outros, assumindo obrigações ilocucionárias. Qualquer encontro que não se limita a contatos de observação mútua, mas que se alimenta da liberdade comunicativa que uns concedem aos outros, movimenta-se num espaço público, constituído através da linguagem” (HABERMAS, 1997, p.92-93).

Como já colocado, a maior crítica de Habermas com relação a internet ser

tomada como esfera pública consiste no fato de que ela, por si só, não possui o

poder de aglutinar uma multidão de produtores de discurso em causas específicas.

A “bagunça” desses discursos é um empecilho à criação de demandas que possam

ser levadas ao poder público de forma organizada e focada. Contudo, Habermas,

apesar de ponderar sua crítica, colocando que a rede mundial de computadores

pode ajudar a democratizar regimes autoritários, parece não levar em

consideração, o peso da internet na criação de uma nova mentalidade política,

onde os cidadãos, mesmo que não possuindo uma voz agregada em demandas

pontuadas, ajudam a criar uma rede de produção de significados e conhecimento

sobre a política. O que assistimos ao redor do mundo, tal como pontuado por

Castells, foi uma onda de indignação mundial, cuja própria configuração da

democracia, tal como exercida, foi coloca em xeque. Situação somente possível

com a velocidade e fluidez dos processos comunicativos das redes virtuais.

Alguns entraves ao livre diálogo: os barões da convergência digital

8

De acordo com Lubenow (2007), segundo as análises de Habermas, há

problemas estruturais no âmbito discursivo da comunicação pública, que vai de

um espaço essencialmente crítico e argumentativo a uma esfera dominada e

atravessada pelos meios de comunicação atrelados ao poder. Assim, a esfera

pública se apresenta tanto como local propício ao livre exercício argumentativo,

quanto à dominação de determinados grupos, o que a torna, demasiadamente,

complexa.

É inegável que o surgimento da internet enquanto canal de comunicação,

por proporcionar maior interação entre diferentes indivíduos, apresenta-se, a

priori, como local propício ao alargamento da esfera pública. Contudo, sua

ampliação, também pode significar a restrição dessas possibilidades.

Desde sua origem à disseminação da internet, dois aspectos são

particularmente importantes na compreensão do fluxo comunicativo virtual: a

convergência digital e a criação de novas formas de concentração empresarial. A

convergência digital pode ampliar a democratização da esfera pública, pois

possibilita unir voz, internet e vídeo. Contudo, ela não serve apenas a esse

alargamento3. Não podemos ignorar que apesar de haver maior tecnologia

envolvida nos instrumentos, distribuição e acesso aos meios de comunicação

digitais, esses serviços são concentrados em poucas mãos. Há alguns anos, uma

empresa fazia telefonia, outra televisão e outra radiofonia, mas hoje, a dinâmica

levou a fusão dos conglomerados que atuavam em pequenos nichos, buscando

alcançar maior competitividade no mercado. Alguns “gigantes convergentes”

(VALENTE, 2013) concentram a veiculação de conteúdo midiático ao redor do

mundo, limitando a pluralidade de vozes e atores, o que acarreta na manutenção

cada vez menor de grupos com o poder efetivo de influenciar o debate público

democrático4.

3 Há época da escrita desse trabalho, o caso do Brasil, por exemplo, no ramo das telecomunicações apresentava-se, fortemente, concentrado nas mãos de transnacionais. É o exemplo da mexicana America Móvil (Embratel, NET, Claro e Star One), da Telefônica, espanhola (Vivo), da Telecom Itália (TIM), da francesa Vivendi (GVT) e das norte-americanas NII (Nextell) e DirecTv (Sky). Além de participação crecente da Telecom Portugal na Oi (GINDRE, 2013). Assim, sete empresas controlam não só a telefonia no Brasil, mas os serviços de internet e TV a cabo.4 “Exemplo foi a fusão da operadora de TV paga norte-americana Comcast cm a rede de TV NBC, em 2011. Na área das telecomunicações, a mexicana Telmex e a espanhola Telefónica avançam sobre os mercados latino-americano e europeu. No Brasil, a Telmex assumiu o controle da NET, além de deter a Embratel e a Claro, todas

9

Penso que o problema no entorno da questão da concentração do ramo das

telecomunicações não se restringe à criação de monopólios envolvendo os

grandes barões da mídia contemporânea, mas na ameaça que eles representam ao

real potencial democrático e de ampliação da esfera pública. Unir grandes

empresas em blocos econômicos de comunicação, significa diminuir a real

competição entre elas, o que restringe do ponto de vista da busca pessoal o acesso

à diversificadas fontes de informação. Se olharmos com atenção aos serviços e

programação que oferecem, eles não são tão diferentes entre si. Há uma

padronização tanto daquilo que é transmitido na programação, como na

velocidade da transmissão de dados, quanto dos serviços de telefonia. A

concentração, neste sentido, atua diretamente na limitação da participação do

público, tanto do ponto de vista da incorporação de novas (e outras) vozes no

espaço público, incluindo a proposição de agendas e discussões, quanto na

imposição de uma programação e serviços bastante similares limitando o poder de

escolha do cidadão, sobre suas fontes de informação.

Vale refletir, então, acerca dos limites que tangenciam a modernização da

tecnologia e sua interface com a democratização do espaço público. Por mais que

a internet possibilite uma maior pluralidade de vozes, havemos de concordar que a

maioria das pessoas acaba reproduzindo “antigos” hábitos, recorrendo a poucas e

repetidas fontes de informação. Na busca por alguma notícia, ou mesmo no caso

de uma pesquisa, o provedor Google e a rede social Facebook, lideram o ranking

de sites mais acessados no Brasil e faturam milhões por “apenas” veicularem

conteúdos que não são produzidos por eles.

Marco Schneider (2012), pesquisador do Programa de Pós-Graduação em

Ciência da Informação da UFRJ, desenvolveu uma pesquisa com universitários,

elas já oferecendo TV por assinatura, acesso à internet e telefonia. A telefónica oferece esse pacote de serviços e São Paulo, controla a Vivo e recentemente assumiu parte do controle da Itália Telecom e, como consequência, também da TIM. Nos últimos anos, esse xadrez ganhou a presença de novas peças poderosas: as provedoras de serviços e aplicativos para a web. O Google nasceu como uma ferramenta de busca e hoje é a segunda maior corporação de mídia do mundo – fonte: Media Data Base, Institute of Media and Communications Policy – . O conglomerado abocanha metade das verbas de publicidade gastas na internet hoje, que já representam 20% de todos os recursos destinados à propaganda, o que fez, por exemplo, que duas das maiores empresas de publicidade do mundo (Publicus e Omnicom) se fundissem. (...) A pressão pela competição na web, em especial de smartphones, vem levando a um outro movimento de fusões entre fabricantes de aparelhos e empresas de informática e serviços. A Google (que faz o sistema operacional para dispositivos móveis, o Android) comprou a área de celulares da Motorola. A Microsoft (que vêm investindo no Windows Mobile) comprou a Nokia”. (VALENTE, 2013, p.20).

10

tendo como foco da investigação avaliar os ganhos em cidadania gerados pelo uso

de internet. Os resultados apontam para uma reprodução dos hábitos de pesquisa

por fontes consideradas confiáveis. Ele coloca que os jovens optavam

preferencialmente pelo portal G1, das Organizações Globo.

Vale sugerir, rapidamente, outro aspecto limitador da democratização da

esfera pública via internet: a exclusão de grande parte dos cidadãos brasileiros da

rede mundial de computadores. Segundo o relatório produzido pelo Comitê

Gestor a Internet (CGI), na pesquisa TIC Domicílios e Empresas 2012, 97% dos

lares da classe A têm acesso à internet, enquanto este número nas D e E é de 6%.

Em números gerais, cerca de 40% dos lares brasileiros possuem acesso à internet.

Se considerarmos que o acesso à rede é um requisito mínimo rumo à

democratização e ampliação da esfera pública, e mais da metade da população

brasileira, encontra-se fora dela, como olhar apenas com olhos deslumbrados para

essa “esfera pública do século XXI”?

A conversação civil no facebook

A prática de expor visões e opiniões políticas na internet vem ganhando

espaço no Brasil, especialmente após as manifestações de junho de 2013, que

tomaram conta das ruas de diversas cidades brasileiras. Da mesma maneira que

entusiastas vem defendendo a rede mundial de computadores enquanto foro

deliberativo e democrático de multidões indignadas, a democracia digital tem sido

problematizada por educadores, acadêmicos e comunicadores, que apontam a

falácia de reconhecer nela um espaço horizontal, plural, livre e democrático.

A meu ver, a conexão internet-esfera pública relaciona-se, diretamente, a

imagem da internet como representativa de uma descontinuidade com relação às

outras mídias, no sentido de ser mais horizontal, livre e democrática. Esta conexão

é possível devido a nova estrutura comunicativa, que passaria da unilateralidade

de emissão da informação (velha mídia) à multiplicidade de vetores

comunicacionais (novas mídias). Sua estrutura em rede propiciaria a diminuição

da mediação das informações acarretando em maior diálogo e pluralidade na

11

disseminação dos conteúdos. Sua arquitetura, desenhada para ser ampliada via

compartilhamento e transmissão de dados estimularia a livre circulação de ideias.

O facebook, por exemplo, central nas mobilizações de junho de 2013,

evidenciou toda a potencialidade de mobilização que as redes sociais podem criar

em termos de deliberação política em nível global, visto que os episódios de

multidões tomando as ruas foi basicamente orquestrada dentro de suas páginas.

Há um grande número de dados circulando via facebook, incluindo

conversas, sofrimentos, mobilizações e microindignações, que vão sendo

compartilhados, curtidos e vivenciados enquanto experiência discursiva, tornada

pública nas páginas da rede social. Basta uma rápida “zapeada” que é possível

flagrar exemplos dessas experiências, sendo bastante recorrente o seu uso para

expressar nossa opinião sobre algo ou mesmo para contar ao mundo nossa rotina

ou alguma angústia vivenciada no trabalho ou até mesmo uma desilusão amorosa.

Muitas vezes, o espaço público da rede constrói-se no compartilhamento da

expressão discursiva da vida privada e esta, por sua vez, torna-se alvo de

questionamentos e “intromissões” de terceiros. É comum opinar sobre essas

expressões discursivas. Sentimo-nos confortáveis em concordar, discordar e

expressar o que pensamos sobre o que nossos “amigos do face” postam em seus

perfis. Esse espaço torna-se “automaticamente” democrático, a medida em que

essas opiniões vêm à tona. Comentamos essas expressões discursivas utilizando

argumentos para apoiá-las ou contrariá-las. Sentimos que dentro desse espaço

público virtual temos assegurado nosso direito democrático de livre expressão.

Nos intrometemos nos mais variados assuntos partindo do pressuposto de que

temos esse direito. Assumimos perante os atos de fala de nossos contatos digitais

uma liberdade comunicativa atrelada a construção de uma democracia digital que

vai além do Estado e do poder, transformando a internet em um grande espaço

público de livre trocas argumentativas.

No que tange a formação da opinião pública, ficou amplamente conhecida

no Brasil a atuação do Mídia Ninja que, utilizando-se de tecnologia facilmente

acessível, transmitia ao vivo as manifestações de junho de 2013, reinventando o

jornalismo investigativo. Neste sentido, o Mídia Ninja, contribuiu

significativamente para ampliar o potencial de debate e formação da opinião

12

pública fora dos grandes veículos de comunicação. O coletivo ficou famoso no

país e inaugurou uma nova maneira de produzir notícias e informação. A tentativa

era limitar ao máximo a produção de uma notícia, veiculando a informação de

forma mais instantânea, dura, crua. É como se a “velha mídia” representasse olhos

que enxergam, no sentido de emitir uma opinião formada, enquanto que a “nova

mídia” prefere ser apenas olhos que vêem, deixando que o próprio espectador tire

suas conclusões. Obviamente, devemos também relativizar essa pureza, pois, por mais

que o discurso “mídia livrista” seja a imparcialidade, os olhos do grupo de jornalistas

claramente se dirigiam a favor dos manifestantes e contra sua repressão, justamente por

tentarem marcar uma posição de oposição a grande mídia.

E o espaço preferido pela “nova mídia” na transmissão de seus conteúdos é

a internet e dentro dessa nova realidade midiática, as redes sociais podem criar

uma atmosfera bastante favorável à conversação civil, que é aqui tomado como o

locus do desenvolvimento da opinião pública. Desta forma, o compartilhamento

de um filme, uma curtida em um argumento ou o envolvimento em foros de

discussão eleva o facebook, à um protótipo de esfera pública habermasiana, pois

funciona enquanto espaço deliberativo, de conversação civil e de formação da

opinião pública, apesar de não necessariamente aglutinar esses usuários em

grupos comprometidos de fato com a transformação social.

Considerações Finais

Partindo do princípio de que a função primordial da esfera pública é servir

como espaço de deliberação da sociedade civil, tendo como produto da discussão

a construção de uma opinião pública, é possível pensar a internet enquanto esfera

pública. Contudo, devemos partir do pressuposto de que a esfera pública deve ser

compreendida enquanto espaço discursivo, logo capaz de ser recriado e

desenvolvido em torno de diferentes contextos comunicacionais. Neste sentido, o

facebook, pode ser considerado enquanto um modelo da esfera pública

habermasiana, justamente por conseguir promover algum tipo de deliberação

horizontal, mesmo que não seja totalmente democrática.

13

É importante reafirmar, portanto, que não parto de uma concepção

inocente da internet enquanto esfera pública, no sentido de que ela deva ser

considerada, essencialmente, um espaço livre e democrático. Tampouco parto de

uma concepção ingênua de esfera pública como espaço mediador entre os anseios

da sociedade civil e o Estado, visto que as passeatas e manifestações de junho,

apesar de exporem o grito da opinião pública e devolver a rua ao povo, em muito

pouco modificaram as estruturas do poder.

É igualmente válido dizer que, um dos pressupostos fundamentais à

existência desse espaço argumentativo, onde a opinião pública pode ser construída

através de discussões e debates francos é que ela seja acessível à todos, livre e

democrática. Sabemos, contudo, que este aspecto é problemático, tanto do ponto

de vista da existência de uma verdadeira democracia digital, quanto de uma

educação crítica, acessível a todos, fundamental na criação de sujeitos

“preparados” ao debate público.

Neste sentido, um dos desafios à educação contemporânea é a formação

política dos jovens tendo em vista a sua preparação para atuar nessa esfera

pública, cada vez mais ampla e aberta. Somente a partir de uma concepção de

educação crítica, poderemos pensar na construção de uma esfera pública

realmente democrática, pois somente ela é capaz de produzir reflexões de cunho

político a serem tornadas públicas na conversação civil. Apenas concretizando-se

um ideal de ensino que mire à emancipação intelectual e não à reprodução do

sistema econômico, cultural, social e político será possível afirmar, sem maiores

problemas, que vivemos, atualmente, em um momento de ampliação e

democratização da esfera pública.

REFERÊNCIAS

AVRITZER, Leandro & COSTA, Sergio. “Teoria crítica, democracia e esfera pública”. In: MAIA, Rosiley; CASTRO, Maria Céres Pimenta Spínola (org.). In: Midia, esfera pública e identidades coletivas. Editora UFMG, Belo Horizonte, 2006.

GINDRE, Gustavo. O que está acontecendo com os nossos barões?. In: Revista Caros Amigos, edição Nov. 2013.

14

GOMES, Wilson. Apontamentos sobre o conceito de esfera pública política. In: MAIA, Rosiley; CASTRO, Maria Céres Pimenta Spínola (org.). In: Midia, esfera pública e identidades coletivas. Editora UFMG, Belo Horizonte, 2006.

HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1990.

HABERMAS, Jürgen. Direito de Democracia: entre a facticidade e validade, vol.II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

KANT, I. Resposta a pergunta: O que é esclarecimento? (1783). Tradução de Luiz Paulo Rouanet. Disponível em: http://www.uesb.br/eventos/emkant/texto_II.pdf. Acesso. jun-2015.

LUBENOW, Jorge Adriano, A categoria de esfera pública em Jurgen habermas: para uma reconstrução autocrítica. Cadernos de ética e filosofia política 10, 1/2007.

MAIA, Rousiley. Mídia e deliberação: atores críticos e o uso público da razão. In: Midia, esfera pública e identidades coletivas. Editora UFMG, Belo Horizonte, 2006

MEDEIROS, Jackson da Silva. Considerações sobre a esfera pública: redes sociais na internet e participação política. In: TransInformação, Campinas, jan-abr. 2013.

RECUERO, Raquel, FRAGOSO, Suely, AMARAL, Adriana. Métodos de Pesquisa para internet. Porto Alegre, Sulina, 2013.

SCHNEIDER, Marco. Internet e Cidadania nas periferias do Rio de Janeiro. Estudos em Comunicação nº 12. Dezembro de 2012.

SILVEIRA, Sérgio Amadeu. Convergência digital, diversidade cultural e esfera pública. In: PRETTO, N.L. & SILVEIRA, S.A, orgs. Além das redes de colaboração: internet, diversidade cutural e tecnologias do poder. [on line]. EDUFBA, 2008.

TIC Domicílios e Empresas 2012 = Survey on the use of information and com-munication technologies in Brazil: ICT Households and Enterprises 2012 / [coor-denação executiva e editorial / executive and editorial coordination, Alexandre F. Barbosa ; tradução /translation DB Comunicação (org.)]. São Paulo. Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2013.

VALENTE, Jonas. Concentração ameaça potencial do mundo digital. In: Revista Caros Amigos, edição Novembro, 2013.

SITES ACESSADOS:

Sobre a pesquisa dos 10 sites mais acessados:

http://top10mais.org/top-10-sites-mais-acessados-do-brasil/#ixzz2nScIVhnG

Trechos da entrevista de Habermas utilizada:

http://cyberdemo.blogspot.com.br/2007/11/entrevista-de-habermas-sobre-internet-e.html