o estado democrático de direito - constitucional - Âmbito jurídico

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23/7/2014 O Estado Democrático de Direito - Constitucional - Âmbito Jurídico http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10143&revista_caderno=9 1/2 Constitucional O Estado Democrático de Direito Adairson Alves dos Santos Resumo: O Estado democrático de direito é um conceito que designa qualquer Estado que se aplica a garantir o respeito das liberdades civis, ou seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas garantias fundamentais, através do estabelecimento de uma proteção jurídica. Em um estado de direito, as próprias autoridades políticas estão sujeitas ao respeito das regras de direito. Este trabalho foi orientado pela Professora Rosana Aparecida Valderano de Lima. Sempre que o Brasil se encontra em tempos de eleições, os candidatos empunham a bandeira da democracia, sobem ao palanque e bradam em seus discursos invocando o Estado Democrático de Direito, as vezes nem eles sabem o que estão dizendo. A ideia do Estado Democrático de Direito da maneira como hoje é conhecido é em decorrência de um extenso processo da evolução da forma como as sociedades foram se organizando ao longo dos séculos, como bem lembrou a professora Terezinha Seixas em suas aulas magnificamente ministradas no inicio do curso de graduação em Ciências Sociais e Jurídicas. Explanava a referida professora que as origens do Estado Democrático de Direito é oriundo dos antigos povos gregos e seus inesquecíveis pensadores, que já no século V a I a. C. dentre eles citava Sócrates, Platão e Aristóteles que criou a teoria do “Estado Ideal”, pensadores que refletiam sobre a melhor forma de organização da sociedade para o atendimento do interesse comum. Entretanto, foi no final do século XIX que as grandes bases do Estado de Direito foram consolidadas. No término do século XVIII, observamos nos livros de História a queda dos Estados absolutistas, modelo de Regime político que superou o modelo feudal e que concentrava todo o poder nas mãos dos reis soberanos, considerados representantes de Deus na Terra. Nos Estados absolutistas, os reis passavam a ter poderes plenos, reunindo em suas mãos os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além do controle espiritual dos súditos. Assim, eles, os reis, governavam de forma arbitrária e despótica, gerando uma série de injustiças e desequilíbrios sociais e prejudicando, sobretudo, os interesses de uma nova classe social que então ascendia – a burguesia. O abuso de poder por parte do rei absolutista revoltou a burguesia, classe econômica, política e social ascendente na época, que buscaram novos modelos de organização social onde o poder do rei fosse restrito e controlado. A revolução burguesa, segundo o professor José Jobson Arruda, culminou com o fim do absolutismo monárquico e da política econômica mercantilista, onde a burguesia favorecida pelo crescimento econômico pretendia mais liberdade para ampliação dos negócios. Alguns filósofos e teóricos passaram a refletir sobre as melhores formas de organização política e social que poderiam ser adotadas para a proteção da coletividade e das liberdades individuais. Nestas reflexões refutaram a tese de que o poder político derivaria de dádiva Divina, pois concluíram que o poder da sociedade deveria vir das pessoas que a formavam. Então, o homem, e somente ele, estaria incumbido de descobrir quais seriam os direitos básicos de todo ser humano e como deveria se organizar socialmente para que esses direitos fossem respeitados. Com essa racionalização dos direitos naturais, os quais até então eram divinos, foram surgindo movimentos que reduziram o poder do rei absolutista. Além de outros embasamentos para os direitos naturais do homem e aqueles fundamentados meramente na fé e em Deus acelerou o rompimento definitivo entre Estado e religião. Foi aí que surgiu o conceito de jusnaturalismo, ou seja, de que existem direitos que são naturais ao homem e que fluem da própria natureza humana os direitos básicos para que o ser humano pudesse viver de forma digna. Dentre os filósofos e teóricos que se destacaram na procura dos direitos naturais e irrenunciáveis do homem, convém destacar alguns que ofereceram suas contribuições, cujas ideias permanecem atuais. Thomas Hobbes defendia, já em 1651, que somente o direito de amparar-se a si mesmo era irrenunciável, sendo todos os outros direitos decorrentes deste, o que serviu de fundamento à reivindicação das duas conquistas fundamentais do mundo moderno no campo político: o princípio da tolerância religiosa e o da limitação dos poderes do Estado. Desses princípios nasceu de fato o Estado liberal moderno. Já John Locke, teórico do liberalismo, destacava três direitos naturais básicos: a liberdade, a propriedade e a vida, defendendo, até mesmo, o direito de qualquer povo destituir o poder que não garantisse tais direitos. Jean - Jacques Rousseau, em fins do século XVIII defendia que todos os homens nascem livres, e a liberdade faz parte da natureza do homem e os direitos inalienáveis do homem seriam a garantia equilibrada da igualdade e da liberdade, é dele também aquela idéia de que a organização social deve basear-se em um contrato social firmado entre todos os cidadãos que compõem a sociedade e a partir do contrato social surgiu a vontade geral que é soberana e que objetiva a realização do bem geral. Charles de Montesquieu (1748) contribuiu com essa racionalização quando lançou as sementes da ideia de separação dos poderes (tripartição das funções do Estado), obra de importância fundamental na defesa dos direitos individuais: “existem as leis da natureza, assim chamadas porque decorrem unicamente de nosso ser. Para conhecê-las bem é preciso considerar o homem antes do estabelecimento das sociedades” . Nas ultimas linhas demonstramos a transição do mundo medieval para o mundo moderno, representada pelo nascimento e pela queda dos Estados absolutistas, onde os fatos históricos contribuíram definitivamente para a consolidação do Estado moderno e de direitos naturais do ser humano, na geração do que hoje conhecemos como direitos humanos. Tais fatos históricos produziram documentos que até hoje fundamentam os direitos humanos no mundo. Na Inglaterra, país que durante o século XVII foi palco de importantes movimentos em defesa das liberdades individuais e contra arbitrariedades do Estado, dentre os quais destacamos os seguintes: I - Revolução Puritana, 1628 – PetitionofRights, que institui a necessidade de aprovação parlamentar de tributos e a proibição de punição de súditos sem amparo na lei; II - Habeas Corpus Act – 1679, em proteção à liberdade e ao devido processo legal; III - Revolução Gloriosa – 1689 – Bill ofRights, obrigatoriedade de aprovação das leis pelo Parlamento, garantia de liberdade religiosa. Você está aqui: Página Inicial Revista Revista Âmbito Jurídico Constitucional

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Por Aldair Alves dos Santos do site ambitojuridico.com.br

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  • 23/7/2014 O Estado Democrtico de Direito - Constitucional - mbito Jurdico

    http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10143&revista_caderno=9 1/2

    Constitucional

    O Estado Democrtico de Direito

    Adairson Alves dos Santos

    Resumo: O Estado democrtico de direito um conceito que designa qualquer Estado que se aplica a garantir o respeito das liberdades civis, ou seja, o respeito pelos

    direitos humanos e pelas garantias fundamentais, atravs do estabelecimento de uma proteo jurdica. Em um estado de direito, as prprias autoridades polticas esto

    sujeitas ao respeito das regras de direito. Este trabalho foi orientado pela Professora Rosana Aparecida Valderano de Lima.

    Sempre que o Brasil se encontra em tempos de eleies, os candidatos empunham a bandeira da democracia, sobem ao palanque e bradam em seus discursos invocando

    o Estado Democrtico de Direito, as vezes nem eles sabem o que esto dizendo.

    A ideia do Estado Democrtico de Direito da maneira como hoje conhecido em decorrncia de um extenso processo da evoluo da forma como as sociedades

    foram se organizando ao longo dos sculos, como bem lembrou a professora Terezinha Seixas em suas aulas magnificamente ministradas no inicio do curso de graduao

    em Cincias Sociais e Jurdicas. Explanava a referida professora que as origens do Estado Democrtico de Direito oriundo dos antigos povos gregos e seus inesquecveis

    pensadores, que j no sculo V a I a. C. dentre eles citava Scrates, Plato e Aristteles que criou a teoria do Estado Ideal, pensadores que refletiam sobre a melhor

    forma de organizao da sociedade para o atendimento do interesse comum.

    Entretanto, foi no final do sculo XIX que as grandes bases do Estado de Direito foram consolidadas.

    No trmino do sculo XVIII, observamos nos livros de Histria a queda dos Estados absolutistas, modelo de Regime poltico que superou o modelo feudal e que

    concentrava todo o poder nas mos dos reis soberanos, considerados representantes de Deus na Terra.

    Nos Estados absolutistas, os reis passavam a ter poderes plenos, reunindo em suas mos os Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio, alm do controle espiritual dos

    sditos.

    Assim, eles, os reis, governavam de forma arbitrria e desptica, gerando uma srie de injustias e desequilbrios sociais e prejudicando, sobretudo, os interesses de

    uma nova classe social que ento ascendia a burguesia.

    O abuso de poder por parte do rei absolutista revoltou a burguesia, classe econmica, poltica e social ascendente na poca, que buscaram novos modelos de

    organizao social onde o poder do rei fosse restrito e controlado.

    A revoluo burguesa, segundo o professor Jos Jobson Arruda, culminou com o fim do absolutismo monrquico e da poltica econmica mercantilista, onde a burguesia

    favorecida pelo crescimento econmico pretendia mais liberdade para ampliao dos negcios.

    Alguns filsofos e tericos passaram a refletir sobre as melhores formas de organizao poltica e social que poderiam ser adotadas para a proteo da coletividade e

    das liberdades individuais.

    Nestas reflexes refutaram a tese de que o poder poltico derivaria de ddiva Divina, pois concluram que o poder da sociedade deveria vir das pessoas que a formavam.

    Ento, o homem, e somente ele, estaria incumbido de descobrir quais seriam os direitos bsicos de todo ser humano e como deveria se organizar socialmente para que

    esses direitos fossem respeitados.

    Com essa racionalizao dos direitos naturais, os quais at ento eram divinos, foram surgindo movimentos que reduziram o poder do rei absolutista.

    Alm de outros embasamentos para os direitos naturais do homem e aqueles fundamentados meramente na f e em Deus acelerou o rompimento definitivo entre Estado

    e religio.

    Foi a que surgiu o conceito de jusnaturalismo, ou seja, de que existem direitos que so naturais ao homem e que fluem da prpria natureza humana os direitos bsicos

    para que o ser humano pudesse viver de forma digna.

    Dentre os filsofos e tericos que se destacaram na procura dos direitos naturais e irrenunciveis do homem, convm destacar alguns que ofereceram suas

    contribuies, cujas ideias permanecem atuais.

    Thomas Hobbes defendia, j em 1651, que somente o direito de amparar-se a si mesmo era irrenuncivel, sendo todos os outros direitos decorrentes deste, o que

    serviu de fundamento reivindicao das duas conquistas fundamentais do mundo moderno no campo poltico: o princpio da tolerncia religiosa e o da limitao dos

    poderes do Estado. Desses princpios nasceu de fato o Estado liberal moderno.

    J John Locke, terico do liberalismo, destacava trs direitos naturais bsicos: a liberdade, a propriedade e a vida, defendendo, at mesmo, o direito de qualquer povo

    destituir o poder que no garantisse tais direitos.

    Jean - Jacques Rousseau, em fins do sculo XVIII defendia que todos os homens nascem livres, e a liberdade faz parte da natureza do homem e os direitos inalienveis

    do homem seriam a garantia equilibrada da igualdade e da liberdade, dele tambm aquela idia de que a organizao social deve basear-se em um contrato social

    firmado entre todos os cidados que compem a sociedade e a partir do contrato social surgiu a vontade geral que soberana e que objetiva a realizao do bem

    geral.

    Charles de Montesquieu (1748) contribuiu com essa racionalizao quando lanou as sementes da ideia de separao dos poderes (tripartio das funes do Estado),

    obra de importncia fundamental na defesa dos direitos individuais: existem as leis da natureza, assim chamadas porque decorrem unicamente de nosso ser. Para

    conhec-las bem preciso considerar o homem antes do estabelecimento das sociedades .

    Nas ultimas linhas demonstramos a transio do mundo medieval para o mundo moderno, representada pelo nascimento e pela queda dos Estados absolutistas, onde os

    fatos histricos contriburam definitivamente para a consolidao do Estado moderno e de direitos naturais do ser humano, na gerao do que hoje conhecemos como

    direitos humanos. Tais fatos histricos produziram documentos que at hoje fundamentam os direitos humanos no mundo.

    Na Inglaterra, pas que durante o sculo XVII foi palco de importantes movimentos em defesa das liberdades individuais e contra arbitrariedades do Estado, dentre os

    quais destacamos os seguintes:

    I - Revoluo Puritana, 1628

    PetitionofRights, que institui a necessidade de aprovao parlamentar de tributos e a proibio de punio de sditos sem amparo na lei;

    II - Habeas Corpus Act 1679, em proteo liberdade e ao devido processo legal;

    III - Revoluo Gloriosa 1689 Bill ofRights, obrigatoriedade de aprovao das leis pelo Parlamento, garantia de liberdade religiosa.

    Voc est aqui: Pgina Inicial Revista Revista mbito Jur dico Constitucional

  • 23/7/2014 O Estado Democrtico de Direito - Constitucional - mbito Jurdico

    http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10143&revista_caderno=9 2/2

    Aproveitando a mar de reviravoltas que ecoavam da metrpole, os Estados Unidos da Amrica declararam, em 1776, sua independncia, afirmando em sua Carta de

    Independncia valores como os da igualdade de todos os homens e a existncia de certos direitos inalienveis, como a vida, a liberdade e a busca pela felicidade.

    Mas o marco principal e mais significativo acontecimento histrico na edificao dos direitos humanos e consequentemente do direito, foi a Revoluo Francesa de

    1789, da qual derivou a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, um dos principais documentos histricos que marcam o incio do Estado moderno.

    A Declarao de 1789 assegurava que todos os homens so iguais pela natureza e perante a lei e que a finalidade da sociedade a felicidade comum o governo

    institudo para garantir a fruio de seus direitos naturais e imprescritveis. Esses direitos so a liberdade, a segurana e a propriedade

    J Hans Kelsen, no sculo XX, tambm conceituou o Estado como sujeito artificial como a personalizao da ordem jurdica, e como a lei passa a ter a partir de ento

    um papel essencial na organizao das sociedades, sendo o instrumento por meio do qual o poder do povo se manifesta e que vincula a todos de forma igualitria:

    governantes e governados so igualmente sujeitos s determinaes da lei.

    A lei passa a representar a vontade dos cidados, pois a partir do comportamento destes que influencia o desenvolvimento das sociedades, devendo assim por todos ser

    respeitada, no importando a sua condio, implicando finalmente a ideia de Estado de Direito.

    O Estado de Direito nos dias atuais tem um significado de fundamental importncia no desenvolvimento das sociedades, aps um amplo processo de afirmao dos

    direitos humanos, sendo um dos fundamentos essenciais de organizao das sociedades polticas do mundo moderno.

    Mesmo assim continuamos no Sculo XXI com o objetivo de buscarmos mecanismos de aperfeioamentos para o modelo do Estado para que o mesmo atinja o quanto

    antes o equilbrio entre a liberdade e igualdade dos seres humanos e possa proporcionar o ideal de oportunidades de desenvolvimento com sade, segurana,

    habitaes dignas, educao para todos.

    Referncias bibliogrficas:

    AQUINO. Rubens Santos Leo de; FRANCO, Denise de Azevedo & LOPES, Oscar Guilherme Campos. Histria das sociedades: das sociedades modernas s sociedades

    atuais. Rio de Janeiro: Ao Livro Tcnico. 2006.

    ARISTTELES. tica a Nicmaco. So Paulo: Editora Martin Claret Ltda. 2006.

    CHAU, Marilena. Convite Filosofia. 9 ed. So Paulo: tica, 1997

    COMPARATO, Fabio Konder. A afirmao histrica dos direitos humanos. 1. ed. So Paulo: Editora Saraiva, 1999.

    HOBBES, Thomas. Leviat ou matria, forma e poder de um Estado eclesistico e civil. So Paulo: Abril Nova Cultural (Coleo Os Pensadores), 1994.

    KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 5. ed. So Paulo: Editora Martins Fontes, 2003.

    MONTESQUIEU. Do esprito das leis. So Paulo: Abril Cultural, 2004.

    ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. So Paulo: Editora Cultrix Ltda.2008.

    Adairson Alves dos Santos

    Estudante de Direito.

    Informaes Bibliogrficas

    SANTOS, Adairson Alves dos. O Estado Democrtico de Direito. In: mbito Jurdico, Rio Grande, XIV, n. 91, ago 2011. Disponvel em: . Acesso em jul 2014.

    O mbito Jur dico no se responsabiliza, nem de forma individual, nem de forma solidr ia, pelas opinies, idias e conceitos emitidos nos textos, por serem de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es).