o ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

115

Upload: uneb

Post on 04-Jul-2015

743 views

Category:

Documents


15 download

TRANSCRIPT

Page 1: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe
Page 2: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

O ensino público em Biritinga e

Riachão do Jacuípe

Por: Fábio Bastos e Leandro Matos

2010

Page 3: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

Nossos sinceros agradecimentos a todos aqueles que

contribuíram de algum modo para a construção desse

trabalho. Obrigado por tudo.

Page 4: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

É o processo que adoto: extraio dos acontecimentos

algumas parcelas; o resto é bagaço.

Graciliano Ramos

Page 5: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe
Page 6: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

4

Introdução

Há muita complexidade na existência humana. A experiência

de existir cobra condições apropriadas para uma convivência

com os demais indivíduos, para se adaptar a um mundo já

existente, pronto e ainda curso. Quantos seres foram capazes de

durante seus anos de vida transformar a história do mundo com

uma descoberta cientifica, um pensamento filosófico, um gesto

político ou uma invenção.

O saber e o conhecimento aliados a capacidade individual de

cada um, impulsionados pelo talento e a percepção, glorificaram

a história de grandes homens.

Na base disso tudo, está o valor que as pessoas que formam

uma sociedade depositam na educação dos seus jovens. Quando

possibilitam um terreno fértil para a expansão cultural daqueles

que compõem a sociedade em que vivem, o domínio do

conhecimento em prol dos avanços pendentes de cada época e

de um mundo que se quer mais justo, a sociedade como um todo

se transforma.

Claro que cada ponto desses é extremamente delicado tentar

resumi-los sem se apegar aos detalhes e nuances que eles

implicam. A rigor, as próprias histórias das sociedades nos

Page 7: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

5

emprestam um pouco das suas experiências. Percebemos a

educação, ou o valor que se dá a ela, como um elemento

cultural. Um dos pilares das grandes nações que foram erguidas

nos últimos séculos foi a educação ou o domínio de algum

conhecimento.

E é nesse processo histórico secular que o Brasil se perde

como um grande formador e construtor de uma educação de

qualidade. Essa ausência de políticas públicas, ou políticas

atrasadas e impróprias, renderam dividendos nada agradáveis

para o povo brasileiro. Notadamente, a pesquisa que rendeu ás

páginas deste livro encontrou traços de uma cultura pouco afeita

ao estudo, ao desenvolvimento humano. O problema não está

nos indivíduos, mas na forma como a sociedade vê e prioriza a

educação, que não consegue proporcionar no seu sistema

público de ensino uma educação realmente enriquecedora. E

isso sim reflete em seus indivíduos.

Biritinga e Riachão do Jacuípe são pequenas cidades do

interior da Bahia, distantes quase 90 quilômetros. Muito do que

se viu em uma, se viu em outra, e isso não foi coincidência. É o

resultado de políticas públicas para a formação dos nossos

jovens, retratadas em cada página desta obra.

Page 8: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

6

I

A educação é um direito de cada cidadão brasileiro. A cada

nova criança nascida, é um novo ser humano que precisa de

formação para as necessidades da vida. Precisa de instrução

adequada e conhecimentos suficientes e básicos para interagir

com o mundo. E, por isso, cedo ou tarde ela deve entrar na

escola para desenvolver-se como ser humano, de modo que as

faculdades da vida lhes sejam apresentadas. Então, da sala de

parto para a sala de aula é apenas uma questão de tempo. A não

ser para aquelas que, por um motivo ou outro, acabam entrando

nas estatísticas da mortalidade infantil.

Fora isso, os pais têm a obrigação de matricular as crianças

na escola e de acompanhar a sua freqüência. O que se chama de

dever da família. Mas para matricular é preciso ter onde

matricular, e mesmo saber a procedência da escola; se tem

qualidade ou se não tem. Promover tal educação eficiente e de

qualidade já configura uma obrigação do Estado brasileiro,

então representado pelos seus órgãos públicos, instituições e

suas respectivas autoridades. Entre elas, claro, os políticos. O

que, por si só, já nos anuncia algum dissabor.

Page 9: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

7

II

Riachão do Jacuípe e Biritinga são cidades pobres, sem

grandes privilégios geográficos, de economias frágeis e de

homens e mulheres públicas pouco notáveis, que não fazem

despertar por parte dos seus jovens a vontade de crescer

humanamente, educacionalmente e intelectualmente. Em parte

pela formação de uma boa parcela dos pais, que também não foi

das melhores, a grande maioria dos alunos pensa apenas em se

formar e concluir os estudos. É um pouco de uma cultura pobre,

de cidades pobres, imersas num país que historicamente nunca

foi um grande educador. E essa é um tipo de herança que

dispensa cartórios e inventários, mas que se herda,

gradativamente, com o passar do tempo.

Não dá para compreender o que se encontra por aí como

desenvolvimento pleno do ser humano, é até ofensivo achar que

a criança nascida quer tão pouco. Talvez sim. E talvez a família

pretenda pouco também. Mas fosse a vontade das mesmas,

certeza, não achariam muito mais do que o pouco que já acham.

Não é incomum encontrar pais que fazem um sacrifício que não

podem para poder colocar os filhos numa escola particular. E

nem é preciso ser um gênio para entender o que se pretende com

isso: que o filho tenha, no mínimo, uma formação e uma

Page 10: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

8

preparação mais adequada. O investimento é no futuro, em dar

meios para que ele consiga se tornar um bom profissional. E se

o movimento contrário acontece – do estudante sair da rede

particular para ingressar na rede pública – geralmente se dá por

conta de dificuldades financeiras ou por queda de rendimento.

São casos que não podem ser desprezados, nem passar

despercebidos, a diferença de dificuldade entre uma e outra e as

diferenças nas médias exigidas fazem com que o aluno, nesse

caso, seja matriculado na escola pública apenas para não ser

reprovado. Ou seja: os pais acham que estão desperdiçando

dinheiro com a educação dos filhos, posto que os mesmos não

demonstram interesse e dedicação. Então migram de um sistema

para outro. A lógica é elementar e denunciante: quisessem esses

realmente estudar, onde estudariam? Onde seria mais adequado?

É evidente que há alunos na rede particular que são

irresponsáveis e não se interessam pelo aprendizado. Isso não

parte de escola paga ou gratuita, mas de cada um, da cobrança

dos pais, do interesse pessoal. A diferença está é na média que

cada uma pode produzir.

Saber como a própria sociedade lê essas duas escolas é um

exercício indispensável. Boa parte dos pais quer mesmo é que os

Page 11: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

9

filhos tenham condições de obter uma educação digna,

independentemente de onde estudem. Seja numa escola

particular, seja numa escola pública. Pais que se prezam buscam

as boas escolas, e quando não podem pagar por uma, buscam

entre as melhores escolas públicas para matricular seus filhos.

Mas muita gente incompetente está aí permeando o ensino

público. Muita gente sem compromisso. A escola particular, até

pela sua natureza de competitividade no mercado, tende a suprir

as lacunas deixadas pela pública, oferecendo e proporcionando

um leque maior de opções. A cobrança sobre ela será,

provavelmente, sempre maior. As duas podem e devem conviver

juntas. O que não pode é uma conviver com deficiências como

se convivesse com o mérito.

Page 12: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

10

III

O maior problema apontado pelos professores quanto à

formação dos alunos são as séries iniciais. Eles se queixam que

o aluno é mal formado, e que as carências deixadas pela falta de

uma boa base – ou mesmo de uma base – geram dificuldades

terríveis na continuidade de sua vida escolar. Lea Cristina,

professora do Colégio Estadual Maria Dagmar de Miranda, em

Riachão do Jacuípe, diz que costuma encontrar alunos que não

sabem fazer contas bastante simples, “que deveriam ter sido

aprendidas lá atrás”. Esses erros na formação vão seguindo de

série em série e dificilmente são e serão corrigidos.

Parte desse problema acontecia porque as séries iniciais não

eram contempladas no orçamento destinado a educação, o que

tornava a base escolar na rede pública um tanto quanto

sucateada. Ao menos essa dificuldade orçamentária foi sanada

com a criação do Fundeb (Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação) em substituição ao Fundef (Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental), em

2007. Como o Fundef era destinado somente para o

financiamento do ensino fundamental, restava aos municípios

deslocarem clandestinamente alguns professores pagos pelo

Page 13: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

11

fundo para a educação infantil. Esses alunos não entravam no

Censo da Educação. Por conta do caráter “não autorizado” e a

falta de recursos próprios, não existiam tantas turmas assim. E

nem se conseguia fazer um trabalho bem feito, pela falta de

professores qualificados. Geralmente, quem ensinava essas

crianças eram os professores que tinham habilidade para cortar,

brincar...

Fora o Funbeb, que foi um grande avanço, no ano de 2010

entra em vigor a obrigatoriedade do ensino para crianças e

jovens entre 4 e 17 anos. Essa proposta foi aprovada pelo

Senado em 2009 e amplia as idades obrigatórias, anteriormente

de 6 a 14. Um passo relevante, pois estudos mostram que alunos

que começam a estudar antes dos seis anos de idade têm mais

chances de concluírem o nível superior.

No mesmo dia em que foi ampliada a obrigatoriedade do

ensino, o Senado aprovou uma proposta de emenda à

Constituição (PEC) que culminou com o fim da DRU

(Desvinculação de Receitas da União) na educação. A DRU foi

criada em 1994 e desbloqueia 20% das receitas da União de

qualquer setor. Com o fim da desvinculação na educação, uma

maior quantidade de recursos ficará disponível para o ensino. A

incidência da DRU será de apenas 5% em 2010 e a partir de

Page 14: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

12

2011 deixará de afetar por completo o orçamento educacional. O

planejamento do MEC é investir boa parte desses novos

recursos na educação de base.

Tais mudanças servem de alento, já que, em princípio, o

número de alunos com defasagem irá diminuir e a boa base dará

a eles uma capacidade maior de seguir em frente.

Se antes tarde do que nunca começam a surgir horizontes

melhores para a educação do país, o presente dá mostras das

dificuldades que precisam ser superadas para que sejam

atingidos níveis educacionais mais satisfatórios.

A escola Aurélio Rodrigues Mascarenhas, em Riachão do

Jacuípe, é um exemplo dessa transformação recente. Desde

2007, a partir da instituição do Fundeb, a escola passou do

ensino fundamental para a educação infantil. Alunos de quatro a

cinco anos passaram a estudar gratuitamente as educações

infantil 1 e 2 e as de até seis anos a alfabetização. Houve um

processo de municipalização na escola. Antes administrada pelo

Estado, o município assumiu o espaço e implementou uma nova

proposta. Projeto novo, o Aurélio foi escolhido por ficar

praticamente no centro da cidade. Com quase duzentas crianças,

o município já começa a buscar outros pontos mais extremos da

Page 15: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

13

cidade para oferecer também essa modalidade de ensino,

atendendo a pedido dos próprios pais.

No Aurélio, depois dessa transformação, o tamanho do aluno

diminuiu, mas o da esperança aumentou.

Lá, os alunos aprendem os significados de alguns símbolos e

as primeiras noções do alfabeto, a partir do contato com

algumas letrinhas. Cantam músicas, fazem oração e duas vezes

durante a semana contam histórias. E ao menos uma vezinha

vão até brinquedoteca. Nunca é brincar por brincar, sempre se

aprende noções básicas de alguma coisa ou desenvolve algum

estímulo. O mais pesado fica por conta da leitura e da escrita.

Eles começam a ver palavras, algumas sílabas, textos, pequenas

histórias, lendas, e por aí vai. Quando chega uma data

comemorativa, as atividades de rotina são trabalhadas para

explorar a temática, apresentando aos alunos alguma noção

sobre o tema. Segundo a professora Vanusa Lopes Soares, que

trabalha com as crianças no Aurélio Mascarenhas, só algumas

datas mais complexas é que não são trabalhadas, como a

Proclamação da República brasileira. Circunstância bastante

compreensiva, pois enfiar crianças em Deodoros e Florianos

seria até maldade. E, no mais, a história trata de perdoar os

meninos. Ao ser proclamada por militares em 15 de novembro

Page 16: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

14

de 1889, como registrou Aristides Lobo, “o povo assistiu àquilo

tudo sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram

seriamente estar vendo uma parada”. De fato, as crianças não

iriam muito além disso.

Na matemática eles aprendem os números de 0 a 100, que

vão sendo trabalhados gradativamente durante o ano. Noções de

subtração, adição e alguns probleminhas que estimulam a

pensar. A mistura é boa entre o método mais tradicional de

ensino e aquele mais criativo, com atividades lúdicas. “Um

método ajuda o outro, mas o tradicional é mais eficiente. É

repetitivo, mas o aluno aprende”, destaca a professora Vanusa.

O tempo passa, e a professora sorri satisfeita quando fala do

crescimento dos alunos. Só esconde o sorriso para lamentar a

falta de acompanhamento dos pais. “Tudo isso não adianta sem

ele ter o contato com o livro em casa. Fica restrito a escola”.

O acompanhamento dos pais é pequeno e, ressalta a

professora, a falta desse compromisso familiar é o maior

problema que eles enfrentam. A escola chama, conversa, orienta

e sempre toca nessa mesma tecla: precisa existir uma parceria

entre a escola e a família. Mas muitos pais não se interessam.

“Não existe uma preocupação com o acompanhamento das

Page 17: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

15

atividades do filho. Em ver se a criança está aprendendo, o que

está aprendendo, se faz a lição”. Rita Almeida, diretora da

escola, acredita que a maioria dos pais age dessa forma, “sem

acompanhar a criança”. Ela diz que costuma lembrar aos

mesmos que o esforço deve ser feito agora, no início, e que

depois que eles aprendem a ler e a escrever “seguem sozinhos,

com mais facilidade”.

A impressão dos professores é que os pais querem que os

seus filhos façam tudo ali na escola mesmo. Acontece que ela

não consegue dar conta de todo o processo. Por mais que se

esforce, por mais que dê uma boa aula, aquilo morre na sala, se

não tiver um acompanhamento.

Já experiente na questão, a professora Vanusa destaca a

relevância desses momentos de leitura em casa. “Eles aprendem

a copiar mais rápido porque treinam na escola, mas não sabem

ler. A dificuldade maior é na leitura, que não é praticada em

casa. Com isso você acaba criando alunos copistas”.

Nesse sentido, os pais alegam que os filhos dependem da

jornada ampliada – programa do governo que recebe os alunos

em turno oposto ao do horário escolar, para reforço –, e que eles

não aprendem o necessário. Os monitores das jornadas sentem

Page 18: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

16

dificuldades em trabalhar com tantos alunos de séries e escolas

diferentes e de modo tão individual. Acreditam que certo tipo de

trabalho não dá para ser feito nem na jornada, só mesmo em

casa.

Tanto pela manhã quanto pela tarde a criança fica na escola.

Estão em casa praticamente só à noite, passando o dia nas

instituições. E ainda assim os professores sentem essa pressão

para que a escola faça tudo. “Os pais hoje em dia estão

terceirizando os filhos”, frisa Darsone Cordeiro, assistente

administrativa do Colégio Osvaldo Cruz.

Exemplo desse descaso aconteceu com a professora Vanusa.

Certa vez, dois alunos que deveriam seguir adiante tiveram

dificuldades e permaneceram na alfabetização. A pedido dos

pais, ela achou interessante que os meninos freqüentasse a

escola para um reforço. Só que a evolução dos estudos esbarrava

na falta de acompanhamento, que não existia. Eles pouco ou

nada melhoravam.

O “baque” veio após o recesso junino. Esses mesmos alunos

voltaram das férias sem nem terem feito uma atividade passada

a mais de 20 dias. “Eu desisti. Era muito trabalho, me

desgastava muito e assim não tinha efeito”.

Page 19: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

17

Essa mistura de falta de interesse e de acompanhamento

esbarra em várias dificuldades. A formação dos pais influencia

bastante. Muitos são, inclusive, analfabetos, e não conseguem

ensinar. Os mais interessados tentam suprir essa deficiência com

o pagamento de um reforço escolar, mas nem sempre é assim.

“Quando encontro pais nessa situação peço que procurem

alguém que possa ajudar. Um tio, um vinzinho, um amigo...

qualquer um que possa contribuir de algum modo”, diz Rita

Almeida. Mas nem sempre os pais são analfabetos, e o que falta

mesmo é uma participação da família. A escola sente o impacto

de uma família alheia e descompromissada, assim como sente o

impacto positivo daqueles que querem e podem ajudar. Quando

une uma formação melhor e o interesse, “a gente vê o que quer

ver”, enfatiza a professora Vanusa. A satisfação aumenta e

realidade é outra.

Mas a realidade é outra e não é essa. A despeito do que está

sendo ensinado ao filho, e da qualidade, o mais importante tem

sido a preocupação com a freqüência. Mesmo sob chuva,

atrasados como for, os alunos tem freqüentado a escola. No

ensino infantil esse empenho dos pais é mais visível, já que os

pequenos não conseguem ir para a escola sozinhos. Nisso a

marcação é ali, no pé. A diretora diz até ter ficado surpresa com

o nível de freqüência de alguns alunos em 2009.

Page 20: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

18

O fenômeno se deve ao programa Bolsa-Família, que exige a

freqüência do aluno à escola como condição para o responsável

receber o benefício do governo. Agora, ao menos, os pais

mandam a criança para a escola. Mas uma das numerosas

críticas que são feitas ao programa é justamente a falta de

critérios mais rígidos para destinar o recurso. Se aumenta o

número de crianças com acesso a escola, retirando muitas delas

do trabalho infantil; e se ajuda a manter a criança na escola,

diminuindo a evasão escolar; o programa é limitadamente claro:

o aluno só precisa estar na escola.

“Eu não sei se o recurso ajuda ou atrapalha. Fico em dúvida

se os alunos viriam ou não para a escola caso não fossem

obrigados, mas também acredito que não da para ser dessa

forma”.

O próprio ministro da Educação, Fernando Haddad, disse em

entrevista a Folha de São Paulo em 2007 que era preciso

vincular o programa ao aprendizado, e não somente a

freqüência. Acontece que o cenário atual não é esse. E nessas

horas, a cultura, a educação e formação dos pais é que entram

em campo. O fenômeno não se limita apenas as séries iniciais,

elas só refletem este aspecto de maneira mais incômoda porque

nos oferece uma realidade ainda inalcançável: se a base era uma

Page 21: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

19

deficiência crônica da educação brasileira, agora, que ela é

oferecida com mais qualidade e abrangência, como justificar um

possível fracasso? Sem dúvida que apesar dos pesares só o fato

da criança freqüentar desde cedo a escola já é um avanço. Mas

isso por si só não resolve, existem outros fatores que precisam

ser considerados nessa equação, e esse certo desinteresse dos

pais por uma cobrança maior acerca da qualidade da educação

dos filhos aparece como um deles. Aparece porque é uma queixa

geral e que pode minar a tão sonhada e requisitada base. Outras

escolas também relatam o mesmo problema. “Só vem aqui

quando é para saber sobre as faltas, e ainda é com desaforo”,

afirma Darsone Cordeiro.

A despesa para manter o filho na escola pública hoje é

pequena. São programas e mais programas que distribuem desde

os livros didáticos ao transporte escolar. Os gastos dos pais são

mínimos, já não representam uma dificuldade tão grande. A

escola está aí. O que falta? Para o secretário de Educação de

Riachão do Jacuípe, o próprio Ministério da Educação tem

percebido que o que falta mesmo é esse envolvimento por parte

da família. Sem ela, a educação perde alguns dos seus pilares: o

apoio, o exemplo, a cobrança e o estímulo são alguns dos

elementos que se desvalorizam quando ela não está presente.

Em virtude desse problema, muitos programas tem se voltado

Page 22: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

20

para o atendimento da família, como uma grande rede que tenta

cercar toda a estrutura familiar e seus integrantes. Mas nem só

isso explica. A conscientização é um passo importante, mas as

escolas precisam receber mais atenção.

A Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, feita com dados

da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), é

contundente. O estudo revela que 97,6% da população entre 7 e

14 anos está na escola. Um número que praticamente confere a

educação brasileira status de universalizada. Apesar disso, não

há o que comemorar. Dessas crianças, 2,1 milhões continuam

analfabetas mesmo freqüentando a escola. Em 2007, 87,2%

desses 2,1 milhões freqüentaram a escola regularmente. Nesses

números residem aqueles que não tiveram acesso a base. São

números de 2007, que não refletem por completo essas novas

mudanças. Mesmo assim são números tão expressivos quanto

preocupantes, porque bem se sabe que muitos desses tiveram

sim uma base. Se os alunos chegaram a escola, e é preciso saber

como chegaram a escola, não há dúvidas de que é preciso

conhecer o que eles acharam quando abriram a porta da escola.

Page 23: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

21

Page 24: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

22

IV

Administrar uma escola não é tarefa fácil. O professor

Evando ensina Português no Colégio Maria Dagmar de Miranda

há 18 anos, em Riachão do Jacuípe, e já foi diretor dessa mesma

escola por um ano e oito meses. Quando perguntado, foi

categórico em dizer que “infelizmente, sim, já tinha sido

diretor”. A resposta não antecipava um descompromisso de sua

gestão, e sim remetia a um tempo árduo e de tarefas difíceis. “É

como se você tivesse que matar um leão por dia”, acrescentou.

Toda a escola é financiada com dinheiro público. Os

serviços, os materiais, os consertos... Quando o dinheiro fica

retido por qualquer motivo, a direção precisa fazer aquilo que

está além das suas atribuições. Se não opta por matar um leão

por dia, terá que fazer ao menos mágica ou malabarismo. É uma

preocupação constante em pôr a casa em ordem. “Os recursos

não chegam. Então ou você deve na praça ou fica sem o serviço.

Quando não vem, tira de outro, depois repõe”. Muitas vezes,

pega o mínimo possível em um determinado local, economiza

no que pode e não compra o que não pode, mas a falta existe e

persiste. Os diretores reclamam, contam a situação na Direc

(Diretoria Regional de Educação), procuram se informar e

esperam. A demora se dá por diversas burocracias. Entre elas

Page 25: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

23

está a do CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica), que é

único para todas as escolas do Estado. Com isso, se qualquer

diretor resolver gastar de maneira equivocada os recursos de sua

escola, de sua única escola, todas as demais sofrem a

conseqüência do bloqueio da conta.

No início de 2009 o atraso foi geral nas escolas do Estado.

De março a junho faltaram materiais básicos para o aprendizado,

como folhas de ofício e recargas para as impressoras. Para não

ficar sem, a direção do Maria Dagmar resolveu comprar os

materiais com parte do dinheiro de um prêmio recebido pelo

Colégio. Gasto decidido em reunião de colegiado. Sem isso,

ficaria inviável a confecção de atividades e provas para os

alunos. Mesmo assim, tudo era muito reduzido e limitado, e

tinha que ser feito de forma controlada, no aperto.

Não é nenhuma novidade colocar dinheiro do próprio bolso

dentro da escola. Alguns professores, como a professora Gilzete,

que ensina História também no Maria Dagmar, diz que cansa de

comprar pilotos, alugar filmes e ainda contribuir com algumas

outras atividades da escola, que precisam de ajuda. Como se

pode ver, o atraso de 2009 gerou alguns problemas, mas as

formas de enfrentá-lo já não eram nenhuma novidade. A

Page 26: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

24

ausência de material faz com que os professores gastem do

próprio bolso para poder custear algumas atividades básicas.

Nesses tempos de vacas magras, o professor Gabriel de

Oliveira se viu numa situação complicada. Na época, ele

ensinava História no Colégio Osvaldo Cruz, escola estadual que

fica em Riachão do Jacuípe, e pretendia aplicar duas provas para

duas turmas diferentes. Como as provas tinham em média cinco

páginas, ficou acuado com a situação. Talvez a escola não

pudesse se dar ao luxo de produzir algo tão supérfluo como uma

prova. E imaginando o não, decidiu então gastar do próprio

bolso para poder realizá-la. Para isso, adotou uma estratégia

econômica. As provas teriam que ser em dupla para reduzir o

prejuízo que teria. “No dia da atividade, eu não tive tempo,

então pedi a minha mãe que tirasse as cópias”. Dona Altamira,

mãe do professor Gabriel, acabou fazendo uma boa confusão na

hora de tirar as cópias. Ela seguiu a orientação da moça da

copiadora, que aludia e insistia que deveriam ser justamente um

número maior de cópias por se tratar de duas turmas e não

apenas uma. Convencida, Dona Altamira acabou tirando mais de

150 cópias. “A idéia era fazer em dupla, mas como ela já tinha

tirado além da conta, a prova teve que ser individual”. E foi

assim que o tempo, a dúvida e a confusão apertaram-se em

Page 27: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

25

coincidências e vestiram a fantasia da virtude, outrora usada e

abandonada pela obrigação.

E é assim. É difícil quando não chega, quando atrasa, mas

também não é nenhum mar de rosas quando tudo segue

normalizado durante todo o ano. Isso acontece porque os

recursos não são suficientes para se administrar uma escola, por

conta da demanda. Alguns professores relatam que não

conseguem ter um material adequado para as aulas, para cada

aluno, para cada atividade e assunto diferente. “O processo se dá

através do uso do material. Então, como o recurso acaba sendo

de algum modo escasso, o professor precisa sempre estar

perguntando se pode, quando pode, se tem. Isso atrapalha

muito”, alega Evando. Não é freqüente, mas também não chega

a ser tão incomum, as atividades terem que ser feitas em dupla

ou em trio por uma questão também econômica. E nem sempre a

mãe do professor Gabriel está aí para ajudar. São trabalhos

comuns da rotina dos alunos, mas imprescindíveis para uma

educação de qualidade. Para a professora Jocivone, “é uma

vergonha ter que colocar um número de questões X e um

número de folha X para poder fazer provas e atividades. “Prefiro

fazer no caderno”.

Page 28: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

26

O dinheiro chega de acordo com a particularidade de cada

despesa e programa. A merenda possui seu recurso próprio, e

recebe por aluno. Até o início de 2009, apenas o ensino

fundamental recebia a merenda escolar. Isso fazia com que os

colégios apertassem os cintos, pois não podiam deixar faltar

para ninguém e eram obrigados a distribuir o pouco que já tinha

entre todas as turmas. Ampliado, o Programa Nacional de

Alimentação Escolar (PNAE) também receberá aumento em

2010. Nos próximos anos, o valor subirá de R$ 0,22 diário por

aluno para R$ 0,35.

A manutenção é feita com recursos mais freqüentes, que

servem para custear despesas de produtos mais emergentes do

dia-a-dia e para algumas aquisições de “capital”, como a compra

de algo real para escola, que precisa ser tombado como

patrimônio. O dinheiro é curto e determinado, e quando

acontecem situações esporádicas, fora daquelas que estão

previstas no orçamento, fica sem solução. Ou a solução é muito

lenta.

É uma questão legal que deve ser respeitada, sem dúvida

alguma. O difícil não é obedecer a essa legalidade, mas sim

saber que não existem outras formas legais previstas para

solucionar os demais problemas. Se um telhado quebra, por

Page 29: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

27

exemplo, não tem como ser reparado de imediato. Tem que

esperar o final do ano ou algum dinheiro sobrar. Uma simples

tesoura, tão usada numa escola, também não pode ser adquirida.

Legalmente não tem recurso para este tipo de compra. Na

prática, as finanças seguem assim durante todo o ano: sem ter

como tapar buracos, muito menos fazer cortes.

Page 30: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

28

V

Existem diferenças administrativas de uma escola estadual

para uma escola municipal. O dinheiro que chega para as escolas

dos municípios via Fundeb é administrado pelas próprias

prefeituras. São elas que efetuam o pagamento dos professores e

administram o restante para a manutenção das escolas e outras

atividades. Quando a escola municipal não é tão grande, o

material necessário geralmente é solicitado pelos diretores à

secretaria de Educação municipal. Quando é, recebe alguns

recursos de programas federias que são administrados no

decorrer do ano. Mas precisam do apoio do município para

outras atividades, e todo o material humano funciona sob

gerencia municipal.

As escolas estaduais têm um contato mais distante, e recebem

os repasses direto do Estado, através da secretaria de Educação

do Estado (Sec). Ao mesmo tempo em que os diretores da rede

municipal têm um contato mais próximo com a estrutura da

secretaria e com o secretário, eles possuem também menos

independência financeira, já que poucas são escolas que

recebem recursos do governo federal.

Page 31: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

29

Essas diferenças são importantes, porque, em tese, o

município teria mais agilidade para resolver os seus problemas,

por acompanhar e vivenciar mais de perto a realidade de seus

alunos, professores, funcionários e escolas. Mas uma

dependência histórica na gestão dos recursos atrapalha bastante

a condução do sistema educacional. No município, o papel do

secretário de educação é o de organizar tudo aquilo que diz

respeito a sua pasta. No seu trabalho há um pouco de

administração sim, mas é difícil imaginar um secretário de

educação municipal como um verdadeiro gestor.

Essa parte fica sob o comando das secretarias de finanças e

principalmente dos prefeitos. E por mais que o Ministério da

Educação ofereça cursos de planejamento e gestão,

demonstrando relativo interesse em cuidar do dinheiro e da

qualidade dos gastos, as duas cidades, não só nas suas

respectivas atuais gestões, mas ao longo da história, quase nunca

tiveram secretários de educação que assumissem completamente

as finanças, com boa autonomia.

O papel do secretário é importante, mas geralmente fica

limitado ao de alguém que opina, sugere, discute, tenta

convencer e toma a frente de alguns projetos. Não que em

qualquer outro lugar um secretário seja completamente

Page 32: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

30

independente e tome conta de tudo sozinho – nem na Educação

nem em qualquer outra secretaria –, mas a morosidade não

costuma casar bem com a educação, pois o tempo passa e as

deficiências trazem conseqüências que quebram a seqüência do

aprendizado. Num exemplo clássico, o secretário percebe as

necessidades e tudo aquilo que precisa ser reposto para que não

falte nada nas escolas. Faz uma lista, pede os itens e aguarda sua

análise. Infalivelmente essa reposição demora. O material

solicitado costuma chegar atrasado, prejudicando o dia-a-dia das

escolas. “Acontece de demorar 30, 40 ou 60 dias para chegar o

que a gente pediu para agora. E quando chega, ainda é aquém do

esperado”, afirma o secretário de Educação de Riachão do

Jacuípe, professor Jucemar da Costa.

Secretária em Biritinga, Lúcia Cristina costuma passar seus

dias acompanhando e vistoriando as atividades e programas.

Realiza com freqüência reuniões com os coordenadores das

escolas e tenta discutir melhorias. O professor Jucemar da Costa

segue o mesmo dever, e disse se encontrar com o prefeito

algumas vezes para avaliar todo o processo. Em 2009, foram

quatro encontros, e em 2008, por conta da eleição, apenas dois.

Ex-secretária de Educação em Riachão do Jacuípe, a

professora Jocivone dos Santos Morais procurou criar projetos

Page 33: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

31

dentro das escolas. Destaca que, quando a frente de sua gestão,

incentivou bastante a qualificação dos docentes, promovendo

eventos, oficinas e palestras. Por causa das dificuldades, achava

importante o apoio e o acompanhamento pedagógico dos

professores.

Para cada evento, era preciso recorrer ao prefeito municipal.

Tinha consciência que tudo era um pouco na base da conversa e

da negociação, mas confessa que ela própria não se interessava

em lidar com o dinheiro. “Conhecia as histórias e preferia não

me envolver”. Mas acredita que os secretários deveriam se

impor e só aceitar o cargo sob essa condição (de ter uma boa

gerencia dos recursos). Para ela, o fato de não acontecer assim

não atrapalha apenas, “impossibilita”.

Sobre interferência política, o secretário de Educação de

Riachão do Jacuípe sentiu na pele como algumas coisas

funcionam. Certa vez, decidiu fechar uma escola situada na Vila

Guimarães, um povoado de Riachão do Jacuípe. Pensou, decidiu

e resolveu ir até a Rádio Jacuípe se pronunciar. Com o

microfone em mãos, explicou por qual motivo estava fechando a

escola. Justificou que o número de alunos era pequeno, que seria

melhor fechar a escola e transferir os alunos daquele local.

Page 34: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

32

Quando terminou seu pronunciamento, saiu dos estúdios da

rádio com destino a sua casa. Antes de chegar lá recebeu

telefonemas de dois deputados e de três vereadores pedindo que

não fechasse a escola. “Era um ano político”, define.

Acabou reconsiderando, e admite que errou quando quis

fechar a escola durante o ano letivo. O episódio serviu de lição,

e foi o motivador para a implementação de um sistema de pré-

matrícula já no mês de novembro.

Page 35: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

33

VI

A parte administrativa é importante para compreender como

funciona uma escola, com quais tipos de situações um diretor se

depara, e quais tipos de problemas ele tem que resolver. A parte

financeira da educação provoca um debate interminável. São

vários especialistas que defendem que o país gasta pouco para

formar seus alunos, e que por isso o sistema é tão sem

qualidade. Outros já creditam mais o insucesso ao “gastar mal”

do que ao montante propriamente dito. Discussões teóricas a

parte, quer elas pesem na realidade, outro fato relevante é a

fiscalização frouxa a qual estão submetidos estes recursos.

São vários impostos e repasses que são destinados a financiar

a educação: os professores recebem salários, as escolas passam

por reformas, novos equipamentos são adquiridos, a merenda é

distribuída diariamente... Tudo isso é pago e administrado por

alguém.

E, por se tratar de gasto público, preceitos como controle e

fiscalização são indispensáveis.

Nas escolas do Estado, os diretores recebem uma quantidade

X de recursos (a depender do porte da escola) para cobrir as

Page 36: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

34

despesas. A prestação deste dinheiro se dá por meio de

relatórios que são enviados as Direcs. É um sistema falho e

frágil, porque depende muito da honestidade daqueles que estão

à frente das diretorias. É uma fiscalização quase que formal, mas

sem o devido rigor de quem fiscaliza. “Você manda um relatório

com todas as despesas. Se tem algum erro, eles mandam alguma

notificação e pedem que você corrija. E só”, destaca Evando, ex-

diretor do Dagmar.

Das Direcs, as prestações seguem para a secretaria de

Educação e, se for necessário, esta repassa para o Ministério da

Educação. As Direcs costumam devolver as prestações quando

encontram erros, preceitos e notas que não ficaram claras. Mas

nada muito além disso, que nem de perto se aproxima de uma

fiscalização mais severa.

No geral, até mesmo pela falta de regularidade de alguns

recursos, as próprias escolas “burlam” as prestações. Quando a

despesa é urgente, a solução é pegar dinheiro do recurso que tem

e depois “maquiar” na prestação. Mais tarde, quando o outro

chega, compensa.

Uma importante arma da sociedade contra os maus gastos

públicos na educação é o conselho fiscalizador do Fundeb.

Page 37: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

35

Ele participa de algumas decisões referentes aos gastos e

fiscaliza-os. O acompanhamento é feito, inclusive, em algumas

obras. Tudo de fundamental interesse público.

Mas isso não tem se mostrado muito eficiente na prática.

Apesar da proposta, o grau de envolvimento do conselho é

questionável. “Depende da liberdade que os conselheiros têm

perante as instituições que eles representam. Eles podem não

querer que os problemas detectados venham a tona, ou que

façam uso político dessas informações”, destaca Joaquim

Carneiro Lobo, professor do Estado e ex-prefeito de Biritinga.

Com isso, eventuais irregularidades com o dinheiro que deveria

ser gasto com a educação se perpetuam.

Um levantamento feito pelo Ministério Público Federal

indica que a maioria dos atuais processos contra ex-gestores

municipais deriva de irregularidades nas áreas de educação e

saúde. Das 756 ações movidas pelo MPF e pelo Ministério

Público da Bahia, 79,2% estão relacionadas a essas duas áreas.

Mas não se tem notícia de quem tenha ressarcido os cofres

públicos.

Um dos facilitadores desses desvios é que os repasses do

Fundeb são feitos diretamente ao município, sem intervenção.

Page 38: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

36

Com isso, apesar da fiscalização definitiva ficar atribuída aos

Tribunais de Contas, o acompanhamento do conselho municipal

poderia agilizar algumas apurações. Mas o cenário de

impunidade desmotiva os participantes.

O atual presidente do Conselho do Fundeb em Biritinga,

Mirivaldo Santos, empossado em outubro de 2009, disse que

ainda não realizou nenhuma reunião e que a primeira a ser feita

pode ser a da entrega do cargo. “Se for para cobrir espaço, não

compete a mim”. O acompanhamento dos gastos acaba sendo

feito de forma superficial. As notas são repassadas, mas não se

cobra detalhes nem se arquiva.

Professora e vice-diretora do Colégio Estadual João Campos,

em Riachão do Jacuípe, a professora Janete Mascarenhas sentia

mais a presença da fiscalização. “Antes, até o pessoal do

Tribunal de Contas vinha aqui. Nos últimos anos não tem vindo

ninguém”.

Page 39: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

37

VII

Uma cultura arraigada, e que recai nessa ausência de

fiscalização, é a da freqüência em sala de muitos professores.

Nesse quesito, a direção escolar sempre foi a ponte de ligação

entre a Secretaria de Educação do Estado e os professores. Cabe

a direção o papel de notificar o descumprimento de algumas

obrigações por parte dos servidores, incluindo a freqüência ao

trabalho. No caso, sua presença na escola e principalmente na

sala de aula.

Embora registre-se que os professores possuem um limite de

faltas permitidas durante um período, alguns abusam dessa

prática e deveriam ser penalizados por ela. Quando esse tipo de

situação acontece, a punição é sentida no salário, com desconto

no salário do servidor faltoso. Mas isso só pode ocorrer quando

a secretaria é notificada da ausência. As faltas até que

acontecem, o difícil são elas “descerem”, como dizem no jargão

da classe.

Na prática, a situação é um pouco indigesta. A relação entre

as partes se dá com um misto de cumplicidade e medo.

Cumplicidade porque são todos colegas e no futuro um pode vir

a ser o “patrão” do outro. Sem contar os laços de amizade. Já o

Page 40: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

38

medo deriva da possibilidade de desencadear uma confusão e

um mal estar difíceis de lidar. Porque não somente o afetado

toma as dores – há quem tome as dores por afeto, ligação e

outros que, bravamente, se antecipam aos infortúnios futuros.

Complicada ou não, a situação dá mostras do

comprometimento. A cultura criada a partir da impunidade é a

da permissividade. Se alguns diretores se omitem, e não querem

causar um mal estar, refestelam-se os acomodados. “Muitos

professores são irresponsáveis e negligentes. São aqueles que

acreditam e confiam na impunidade”, diz a professora Jocivone

Morais. Na mesma linha, a professora Gilzete acredita que a

direção peca no quesito cobrança “porque um colega falta e não

quer que coloque a falta”. “Mas isso tem que ser feito para gerar

alguma organização”, complementa.

A leniência persistente traz consigo algumas conseqüências, e

uma delas é a rejeição ao seu antônimo. Se a direção resolve agir

com o devido rigor, a fama imediata dela é de exigente. Não

porque se cobra muito, mas porque se cobra. Os rumores e as

conversas deixam o ambiente pesado, criando um clima que

poucos diretores pretendem enfrentar. “Então, os novos

diretores não querem, preferem se omitir. Não querem criar esse

clima, já que antes não tinha”, diz Jocivone.

Page 41: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

39

A professora Janete Mascarenhas, acabou assumindo

interinamente a direção do Colégio João Campos. Durante o

tempo em que passou administrando a escola, anotou e

carimbou várias faltas. Como a caderneta é única para vários

professores e alunos, todas as faltas ficam em um mesmo lugar.

Segundo ela, três dessas cadernetas que tinham muitas faltas

sumiram “misteriosamente”.

André Mascarenhas, diretor eleito no Maria Dagmar no final

de 2008 e professor de História, diz ter tocado constantemente

no assunto nas reuniões. Com a concordância da maior parte dos

professores, principalmente a dos mais assíduos, a postura tem

sido mais dura com relação a esse tipo de comportamento. E a

aceitação nem sempre é muito boa. “A gente ouve comentários.

Alguns dizem que nunca imaginariam ver um professor da área

de humanas agindo dessa forma”.

Infelizmente essa prática não é exclusiva da educação. É uma

mentalidade intrínseca ao próprio funcionalismo público,

manifesta também na rede pública de ensino. Em razão disso, a

cobrança geralmente é vista como algo ruim nas escolas

públicas, como um gesto de autoritarismo. É a reação do vício

ao tratamento. Se “mexe” na coisa, as reações desencadeadas

são naturais. Até por que essa não é a única situação incômoda.

Page 42: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

40

A cobrança frágil recai sobre outros fatores, como o

envolvimento dos professores com a escola, o compromisso

geral e a qualidade das aulas. “Ou o diretor compra briga, e é

visto como um inimigo, ou faz vistas grossas, e faz de conta que

o outro ensina”, acrescenta Evando.

Tudo isso requer da direção algum jogo de cintura ou

coragem ou negligência – só depende do perfil de cada um.

O secretário de Educação do município de Riachão do

Jacuípe também acredita que os professores temem uns aos

outros com relação ao futuro. A possibilidade cria receios, pois

“como você vai punir seu futuro chefe?”, indaga.

Por algumas questões como esse corporativismo entre

professores, mistura de medo, receio e até mesmo de

camaradagem, o professor Jucemar da Costa é a favor da

indicação de um funcionário do quadro, e não de um professor.

No município, ele participa como pode da indicação dos

diretores das escolas. Em alguns casos diz que nem mesmo a

questão política pode atrapalhar, quando se trata de um

funcionário de muita competência. Fora isso, acha que a coisa

não muda muito. Secretário há três anos e professor a 20, avalia

Page 43: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

41

que faltam professores capacitados para exercerem o cargo de

direção. “Quase nenhum professor tem feito cursos de

especialização para gestão escolar, quase não temos

profissionais com esse perfil”. Apesar da polêmica histórica

sobre indicação política, inclusive nas escolas do Estado, não

faz muitos rodeios na hora de dizer: “indicação ou eleição dá na

mesma coisa”.

Page 44: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

42

VIII

O semblante do diretor tem quase sempre aquele ar pesado de

preocupação. Não faltam coisas à resolver, à orientar, à

possibilitar... A responsabilidade de colocar uma escola com

tantos problemas para funcionar é grande. Há quem fuja, há

quem lamente já ter sido e há quem ainda queira ser.

Nos municípios, a política local é tão mais intensa quanto

rasteira. Culturalmente, gente do grupo – seja ele qual for o

grupo, seja aquilo o que for um grupo – deve ocupar todos os

espaços possíveis. Se tudo é política, a educação jamais poderia

fazer oposição ao status quo, e justamente por isso a direção de

uma escola não escapa ilesa. São vários indicados para receber

indicação; elas partem do secretário, dos vereadores, dos

partidos e passam na mão do prefeito. Se nem sempre ele aponta

com o dedo indicador e diz “é esse”, nas outras apenas suspende

o polegar e consente, “pode ser esse”.

O Estado da Bahia também permaneceu usando este critério

de indicação durante muito tempo. Os partidos que compunham

a base aliada do governo acabavam escolhendo os novos

diretores.

Page 45: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

43

Foi em 2008, no segundo ano do governo Jaques Wagner,

que aconteceu uma mudança significativa nesse sentido. Em 18

de setembro foi assinado um decreto que instituía que os

diretores de escola passariam a ser eleitos pela comunidade

escolar por um tempo de três anos. Em tese, o governo abria

mão de mais de 4 mil cargos de confiança.

A partir de então, todos os profissionais do magistério teriam

chances de se elegerem, desde que atendessem a alguns pré-

requisitos. Dentre eles, um Curso de Gestão Escolar fora

oferecido, de modo que os interessados se aperfeiçoassem para a

função. No geral, foi tudo muito depressa e corrido, e logo no

dia 24 do mesmo mês do decreto já estavam abertas as

inscrições para um curso que começaria no dia 29, com carga

horária de apenas 120h. O professor Jucemar da Costa pensa

que essa capacitação do Estado foi feita as pressas e que

“capacitou apenas para a eleição”.

Logo no dia 17 de dezembro ocorreriam as eleições.

Em toda a Bahia, 13.640 professores do quadro efetivo do

magistério público estadual se inscreveram no curso de gestão.

Desses, 8.368 realizaram uma prova que habilitou 5.438 para se

Page 46: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

44

candidatarem em alguma chapa. Pronto. E a história volta para

Biritinga e Riachão do Jacuípe.

O ambiente era favorável a opção de escolha. O universo

educacional estava um pouco saturado de esperar o fim da

eleição para governador e começar as especulações de quem

seria ou não o novo diretor. Principalmente aqueles que sabiam

não ter chance: os opositores. A proposta de colocar nas mãos

da comunidade escolar o poder de escolha, considerando até

mesmo a participação de pais e alunos, era uma forma de por

fim ao favor e ao cabresto político, dando um mínimo de

independência as escolas.

A idéia era boa, mas não foi bem isso o que aconteceu. O

sentimento poderia ser de mudança, mas talvez a pressa, a falta

de estrutura da rede e a própria forma como se pensou as

eleições tenham prejudicado o resultado.

Nas seis escolas estaduais de Riachão do Jacuípe e nas duas

de Biritinga o processo foi sentido. Mas aquela que mais se

aproximou de uma eleição foi o Maria Dagmar, maior colégio

das duas cidades. Certamente não foi o pleito eleitoral tão

sonhado por alguns, onde os candidatos, tolhidos de uma

deliciosa demagogia, proporiam reformas impossíveis,

Page 47: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

45

prometeriam a construção de inesgotáveis bibliotecas e

debateriam insuflados as diretrizes de base da educação...

No Maria Dagmar de Miranda, o professor André foi

candidato em chapa única. Elaborou suas propostas, discutiu em

sala, abriu espaço para ouvir a escola. Fez tudo isso, mas sem

adversários. Professor de História a mais de 10 anos, acabou

conquistando a confiança dos alunos e da comunidade.

Sua chapa foi legitimada. Para ele, aconteceu uma abertura

democrática por parte da direção. E frisa a importância do

resultado: “me sinto mais respeitado, com direito a vez e voz”.

No Colégio Osvaldo Cruz, em Riachão do Jacuípe, a eleição

não aconteceu por conta de uma decisão dos próprios possíveis

candidatos. Quatro professores estavam aptos a participar da

disputa, mas, entre eles, foi consensual a manutenção da atual

diretora, Rosário Sampaio. Essa prática refletiu uma das

constatações da Coordenação de Gestão Descentralizada da

Secretaria Estadual da Educação (SEC). Na maioria das

unidades onde os atuais diretores se candidataram, não houve

concorrentes na disputa do cargo. Por decisão de quatro, ficou

escolhido o que uma totalidade maior deveria decidir. “Mas

todos estão satisfeitos com a nova direção”, ressalta a professora

Maria Valdete, vice-diretora do colégio.

Page 48: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

46

“As coisas melhoraram, antes tinham diretores que

mandavam. Se achavam os donos”, complementa a professora

do Osvaldo Cruz, Lindinalva Mascarenhas. Apesar do consenso,

a decisão privou os outros segmentos de participarem de uma

eleição. No caso do Osvaldo Cruz, a comunidade foi preterida

pelo gosto de alguns.

Mas de todos, nem um caso foi tão frustrado quanto o do

Colégio João Campos. Os dias que antecederam as eleições

foram cheios de requintes eleitorais. Três candidatos. O clima

era de disputa, e alguns alunos se manifestavam favoráveis a

candidato A, B e C com aquela efervescência natural dessas

horas. Passaram-se os dias e os bate-bocas. No dia da eleição

mesmo, tudo transcorria normalmente. Uns votavam, outros

também e outros nem sequer sonhavam em ir lá.

Perto do fim da eleição, as luzes simplesmente se apagaram.

A energia foi cessada e a aflição tomou conta da escola. Não

sabiam o que se passava, até um aluno enfim passar com a urna

da eleição.

A secretária do Colégio João Campos, Eliete Boa Hora,

testemunha que tudo ocorria normalmente, com documento e

tudo o mais que fosse preciso. “E de repente houve uma

Page 49: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

47

reviravolta”. Com o tumulto gerado, a polícia foi chamada para

apreender a urna, que foi resgatada na Polícia Militar dois dias

depois do acontecido. O caso foi parar na justiça.

Com isso, as vices-diretores acabaram assumindo o colégio

interinamente. Em seguida, teve outras tentativas de nomear

diretores, mas sem sucesso.

Após certa conturbação, Maria Rosário de Almeida foi

nomeada diretora, mas isso sem antes o colégio não ter passado

por dias difíceis de instabilidade política e murmúrios sobre

quem seria o novo indicado para o cargo. Preocupados com a

situação da escola e desgastados com o clima, alguns

professores resolveram convocar reuniões com o diretório

petista local e pôr uma pedra nesse problema. Após muita

discussão, o nome de Maria do Rosário apareceu como

consenso. Ainda assim, a decisão não foi tomada de imediato.

Teve diretor nomeado e com nomeação anulada num intervalo

de dois dias. Motivo, esclarece o documento: “publicação

indevida”. Só no final de 2009, com a nomeação da professora

Maria do Rosário, que o colégio passou a ganhar aspectos mais

tranqüilos. Mas todo o tumulto prejudicou o ano de 2009.

Page 50: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

48

Com todos esses problemas, as eleições passaram. O

processo tão desejado fora posto em prática e agora só restava

ao governo empossar os, até que fim, eleitos. A cerimônia

aconteceu em 16 de janeiro de 2009 e fora transmitida em

videoconferência para os municípios pólos da rede de educação.

Esse evento representava o marco inicial de uma proposta

política que resultou na eleição de 2.154 novos diretores e vice-

diretores que conduziriam os rumos das escolas públicas

estaduais da Bahia. Embora a idéia fosse bem recebida pela

comunidade escolar, o saldo não foi tão positivo assim, e serviu

para expor muitas deficiências que vieram a tona a partir dessa

iniciativa. Números divulgados pela Secretária de Educação

mostram que em apenas 1.001 das 1.681 escolas estaduais

ocorreu algum tipo de eleição. Isso porque o próprio decreto já

deixava de fora 114 escolas – as prisionais, creches e de 1ª à 4ª

série. Em outras 447 escolas, algumas situações impediram a

realização de qualquer eleição. Por decisões internas dos

professores ou outros fatores, houve ausência de chapas em

algumas instituições.

Outro motivo não menos grave foi a existência de escolas em

que candidatos sequer foram aprovados no processo seletivo.

Ninguém tinha condições de assumi-las, ao menos entre os que

se candidataram.

Page 51: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

49

Tudo isso posto, 1001 comunidades escolares puderam

escolher seus respectivos representantes. Puderam, mas ainda

assim em 101 delas as eleições foram invalidadas por não terem

atendido as exigências mínimas de representação. Válidas

mesmo, só em 900. Mas esse número ainda engloba aquelas em

que a eleição foi apenas um burocrático processo de validação,

com candidato único.

Algumas lições puderam ser tiradas dessa jornada. Muitas

regiões apresentam deficiências impossíveis de serem sanadas

simplesmente com eleições. A maior prova disso é que nem

mesmo o titubeante dedo político tornou-se obsoleto. Aquela

idéia de dar “autonomia” a comunidade escolar esbarrou na

própria incapacidade de algumas escolas de serem autônomas. E

a direção acabou sendo mesmo indicada, ”segundo critérios

compatíveis com os exigidos para a escolha dos dirigentes

eleitos”, ressaltou em nota a Secretaria de Educação.

A professora Maria Valdete, do Osvaldo Cruz, acha que o

novo sistema implantado é melhor do que o da indicação

política, “porque dá oportunidade para quem quiser se

candidatar”. Como todo processo democrático, esse também

carece de tempo. Os envolvidos aprenderão a melhor usar a

ferramenta que têm em mãos, aperfeiçoando o sistema. Mas não

Page 52: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

50

parece que isso por si só resolva. Ainda que legítimos, diretores

ainda podem ser incompetentes, pois falta gente qualificada para

ocupar o cargo.

E mesmo com bons eleitos, boa parte dos problemas das

escolas ainda permanecerá. Só que, agora, será escolhido

democraticamente quem terá o semblante de preocupação...

Page 53: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

51

IX

Para os alunos a mudança não foi assim tão radical. Afinal,

diretores já entravam e saiam anteriormente. A impressão que

eles possuem é que pouco ou nada mudou. Transcorrido um ano

de gestão democrática, a escola continua lá, quase a mesma. Em

parte porque o processo não foi assim tão bem sucedido. Mas

ainda que as eleições tivessem ocorrido no mais alto grau de

sucesso, a transformação seria pequena. As escolas sempre

tiveram direção, e ainda que indicados, muitos tinham

competência e deram sua contribuição como puderam. É que

algumas questões vão mais além. E se não estão alheios a este

processo político, os estudantes querem mesmo é saber da

escola funcionando. Das coisas andando. Sabem que todos esses

problemas que assolam a educação não são suas

responsabilidades. Pecam no zelo, é verdade, mas a eles não

compete resolver nem administrar nada. Eles só recebem o que

lhes dão.

Maiores prejudicados por políticas públicas equivocadas, os

estudantes nem sempre são as vítimas da história. Pilhas de

cadeiras quebradas e inutilizadas são testemunhas de um

pernicioso vandalismo. Ali empilhadas, constituem uma espécie

de monumento da má educação. Se os alunos só recebem aquilo

Page 54: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

52

que lhes dão, muitos fazem arte com aquilo que lhes é dado.

Tem quem ache bonito. Tem quem fique de pé.

Assim sendo, os próprios estudantes percebem que em alguns

pontos a escola se esforça, mas eles é que falham. As cadeiras,

por exemplo, quase sempre são encontradas em bom estado no

início do ano e quebram depois. Segundo o secretário de

Educação de Riachão do Jacuípe, em 2009, 1400 cadeiras foram

quebradas. Um número considerado alto por ele. Nas escolas do

Estado, as pilhas também são intermináveis. Além dessa

deterioração do patrimônio, diariamente eles convivem com a

manutenção precária de alguns serviços. Alguns alunos afirmam

que os banheiros estão recorrentemente sujos, mas muito por

conta da falta de educação dos próprios colegas. Limpos, quase

sempre eles encontram. O ambiente escolar reflete boa parcela

dos problemas sociais. São características inerentes a sociedade

e que a escola acaba recebendo, sem ter como resolvê-los. Os

professores apontam que a situação vem piorando nos últimos

anos, principalmente no que se refere ao respeito. Não raro,

ouvem frases que bem define essas linhas, e uma delas é

bastante significativa: “eu não obedeço meu pai e minha mãe,

imagine você”. O resto não é difícil de imaginar.

Page 55: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

53

O professor André Carvalho, diretor do Maria Dagmar de

Miranda, acredita na importância da escola para o aluno,

principalmente para aqueles que são excluídos socialmente. “A

escola é justamente esse lugar para receber o aluno”, definiu.

Sobre a dificuldade de lidar e contornar certos tipos de

situações, disse que um dia recebeu um aluno bastante

problemático. “Ele já tinha sido rejeitado de várias escolas, por

conta do comportamento”. Apesar de tudo, topou o desafio. E

não bastou mais do que o primeiro dia de aula para que o aluno

mostrasse o seu cartão de visita. Soltou uma bomba bem no

meio do pátio da escola. A atitude do professor André foi

chamá-lo para uma conversa. Tentou fazê-lo enxergar um pouco

da realidade e qual o rumo ele estava dando a sua vida. “Eu tive

uma conversa dura com ele, e ele aprendeu a lição”.

Ensinando a mais de 20 anos, a professora Maria Valdete

constata que o respeito tem diminuído. “A primeira educação,

que é a da família, não está sendo boa”, afirma. Para muitos, o

perfil da família é que tem mudado, e hoje elas estão mais

desestruturadas. Katiane Brito é psicóloga no Centro de

Referência de Assistência Social (CRAS), onde desenvolve um

trabalho de assistência às famílias, principalmente às mais

pobres. Para ela, mesmo uma estrutura familiar composta por

pai e mãe não garante um bom relacionamento. “O importante é

Page 56: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

54

que exista um ambiente familiar saudável em diversos sentidos.

Mesmo quando não se tenha a figura do pai ou da mãe, ou de

nenhum dos dois, alguém pode substituí-los com êxito”. Há

quase quatro anos atendendo nos CRAS, disse que os Centros,

ainda que não atuem diretamente nessa área, acabam recebendo

várias demandas relacionadas ao processo de aprendizagem. E o

diagnóstico muitas vezes acaba sendo diferente. “Na maioria das

vezes, isso acaba sendo apenas o primeiro plano. Quando vamos

verificar a situação a fundo, encontramos vários problemas e

uma estrutura familiar fragilizada”. Sobre o respeito, destaca

que as regras estabelecidas em casa são fundamentais para pôr

limites na criança. “Se a criança não tiver respeito dentro de

casa, não terá nem na escola nem em outro lugar”.

Constatações como essas não podem simplesmente passar

despercebidas. Mas é importante também reconhecer onde

terminam os problemas sociais, trazidos pelos estudantes, e onde

começam os da escola. São fatores que se associam para

apresentar uma realidade. Mas o descaso, o trabalho mal feito e

a incompetência não ganham respaldo por conta das

problemáticas sociais. A princípio, a escola pública tem que

melhorar muito para poder culpar unicamente os males externos.

E alguns pontos ajudam a tornar esse discurso fraco.

Page 57: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

55

Uma prática não muito incomum é a de dar “um jeitinho” na

nota do aluno. Quando ele perde por falta uma prova, uma

atividade, ou o que for, alguns professores fazem transferência

de nota de uma unidade para outra ou de uma atividade para

outra. A nota migra simplesmente para que não seja feita uma

nova avaliação. A impressão é que tanto faz. Nesse exemplo,

como em outras situações, difícil é crer na desigualdade social

ou na desestrutura familiar como elemento formador dessa

circunstância. O que mais parece é o que mais é:

descompromisso.

Isso quando o descompromisso é individual. Mas quando

acontece de faltar professor na escola, por não conseguir

contratação, a direção “dobra” a nota do aluno. O aluno não

pode ser reprovado numa matéria que não teve professor

naquela unidade. E fica apenas com a nota.

Tanto faz também quem assiste aula. Alguns alunos relatam

que muitos professores não estão preocupados com quem entra

ou sai da sala. “Eles nem colocam falta”, diz uma aluna do

Dagmar. Assim eles vão entrando, saindo, entrando, saindo, ou

nem entram: amontoam-se em conversas. A professora Gilzete

entende que muitos professores não se dão o respeito. “Eles

deveriam se impor, mas não se impõem”. O resultado é que

Page 58: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

56

alguns alunos sentem falta de mais rigor e de mais rigidez, ao

passo que admitem pecarem no interesse. “Se fossem mais

rígidos, acho que nos preocuparíamos mais”, admite a aluna. Já

para justificar esse comportamento ruim, dão as mais singelas

explicações, e elas vão desde os dias em que “está difícil assistir

aula” até os professores ruins. “Muitos enrolam e não ensinam

nada”, diz Naiane, aluna do 2º ano do Maria Dagmar. Se

professor não liga para aluno que entra e sai, tem aluno que trata

de não sair, como Jéssica Aparecida. Em 2009, ela concluiu o

segundo ano do ensino médio no Colégio Estadual João

Campos, em Riachão do Jacuípe. Diz que ama a escola, e

acredita que os professores se esforçam como podem. “Acho

que o professor quer que o aluno aprenda”. E, no geral, a escola

cobra, a direção fica a vagar pelos corredores pedindo que os

alunos retornem para as salas. Só que tem funcionado muito na

base do quem quer. A professora Lea Cristina, do Maria

Dagmar, se indaga sobre a situação atual do ensino. “Antes o

aluno era completamente diferente. Mas não sei se foi também o

ensino que mudou. Algo mudou. O aluno se preocupa muito

com a nota”, conclui.

Page 59: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

57

X

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

Anísio Teixeira (Inep) tem sido um importante aliado da

educação brasileira nos últimos anos. Através de estudos,

pesquisas e exames tem organizado estatisticamente os dados da

educação nacional e proporcionado uma leitura mais

compreensiva acerca da realidade vivida em nossas escolas. A

relevância dessas informações tem possibilitado ao país

enxergar seus problemas e posteriormente formular políticas

públicas condizentes com as carências de cada modalidade e

região. E uma das formas adotadas para se obter tais

informações foram os sistemas de avaliação de ensino, que

passaram a medir o grau de conhecimento do estudante

brasileiro através de aplicação de provas.

O Sistema de Avaliação da Educação Básica, hoje, é

composto pela Prova Brasil e o Saeb, dois exames

complementares que produzem amostragens diferentes; o Enem,

exame nacional do ensino médio, também mudou ao longo do

tempo, e recentemente tornou-se mais parecido com um grande

vestibular do que com uma prova de caráter avaliativo; o Enade,

antigo “Provão”, avalia os estudantes de nível superior.

Page 60: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

58

Esses instrumentos têm mostrado ao país quão deficitário

continua o nosso sistema educacional em alguns pontos. Os

assustadores números da Prova Brasil de 2007 mostram que a

qualidade não ocupa nem o segundo plano das prioridades de

nossas escolas. A verdade é que os números expõem o atraso e

um longo caminho a ser percorrido na medida em que

escancaram a trágica qualidade do ensino.

Em Biritinga e Riachão do Jacuípe, vários estudantes foram

submetidos à Prova. Como o objetivo é medir o grau de

conhecimento dos alunos, ela é aplicada aos estudantes das

séries inicias e finais do ensino fundamental: para os que estão

na 4ª e 8ª séries (ensino fundamental de 8 anos) e os que estão

no 5º e 9º (novo ensino fundamental de 9 anos) em turmas de

pelo menos 20 alunos matriculados. As instituições de ensino

não se inscrevem para participar do exame. O Inep, baseado nos

dados do Censo da Educação Básica, define automaticamente

aquelas que irão.

Na prova em si, o estudante se depara com questões básicas e

essenciais de Língua Portuguesa e Matemática, que testam sua

capacidade de resolver alguns problemas e sua compreensão de

leitura. Em Riachão do Jacuípe, três escolas estaduais e seis

municipais tiveram seus alunos avaliados pela Prova Brasil.

Page 61: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

59

Uma amostra que contou com 175 estudantes da quarta série e

220 da oitava, entre alunos do Estado e do município. Em

Biritinga, só os alunos da Escola Municipal Eujacio Simões é

que testaram o nível da quarta série da cidade. Num total de 84.

Entre os estudantes da oitava série, 106 estavam matriculados no

Colégio Municipal de Biritinga e outros 52 estudavam nas duas

escolas biritinguenses do Estado.

Os resultados indagam e engasgam. A organização Todos

Pela Educação estabeleceu cinco metas que devem ser

alcançadas pelo país até 7 de setembro de 2022. Entre elas, a

Meta número três destaca o direito que o aluno tem de aprender.

Para medir tal procedimento e monitorá-lo durante os próximos

anos, definiu as notas ideais que os alunos devem tirar na Prova

Brasil/Saeb. Como são provas iguais para séries diferentes,

adotou patamares diferentes para cada série e matéria. Num

exemplo, o aluno de quarta série só terá aprendido o que é

essencial em Português se tirou nota superior a 200 pontos. O

aluno da oitava, obviamente, é mais cobrado, e precisa de 275

pontos.

Munidos desses dados, acompanham e divulgam no site

oficial da organização a situação de cada cidade brasileira,

incluindo Biritinga e Riachão do Jacuípe. A idéia é que até 2022

Page 62: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

60

70% ou mais dos alunos tenham um aprendizado adequado à sua

série. Ao que parece, pelos números atuais, será uma tarefa

bastante difícil.

Segundo os números da Prova Brasil, tendo como parâmetro

as medidas definidas pelo Movimento Todos Pela Educação

(adotadas pelo próprio Ministério da Educação), 5,5% dos

alunos da oitava série de Riachão do Jacuípe aprenderam o que

deles era esperado em Matemática. E pode ser pior. Na mesma

matéria, 4,6% dos alunos da quarta série obtiveram um resultado

apropriado. Isso quer dizer que 95,4% dos pequenos alunos não

aprenderam aquilo que deveriam. É o direito de ir à escola que

não dá carona ao direito de aprender. Na cidade, a coisa nunca

não melhora muito, e o melhor resultado é um acanhando 15%

em Língua Portuguesa, dos alunos da oitava série.

Em Biritinga, a situação melhora um pouco, mas também não

insinua sorrir. Na 4ª série, os percentuais são de 26,2% e 20,2%

para Língua Portuguesa e Matemática, respectivamente.

Percentuais comparados aos nacionais, que incluem, por

abrangerem a mostra do Saeb, até mesmo as escolas

particulares. A fundo, os números por si só não revelam tudo.

Vale lembrar que são números referentes apenas aos 84 alunos

do Eujacio Simões, escola municipal de Biritinga. Realidade

Page 63: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

61

ruim, mas ainda assim positiva, soa confusa quando comparada

com as séries finais. Na 8ª, o desempenho cai para 15,2% e

5,1%, respectivamente.

A esmagadora maioria não tem aprendido o suficiente nas

escolas brasileiras. Nem em Biritinga nem em Riachão do

Jacuípe.

São números que comungam com a realidade apresentada

pela PNAD, que demonstram muitos alunos analfabetos mesmo

freqüentando a escola.

Mais populares, os dados do Enem são divulgados todos os

anos e medem a qualidade do ensino médio. A notícia mais

associada à divulgação desses números é a disparidade entre as

escolas particulares e as escolas públicas. Num ranking

organizado pelo jornal Folha de São Paulo, que reunia quase 2

mil colégios com os melhores resultados do Enem 2008, apenas

151 eram públicos, incluindo 83 federais, considerados uma

elite dentro do sistema.

No ranking geral, com mais de 27 mil colégios, o primeiro

colégio público baiano tradicional que aparece é o Municipal

Dr. João Paim, de São Sebastião do Passé. Sua posição: 2.672.

Page 64: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

62

Entre as duas cidades, o estadual Professor Dídimo M. Rios, de

Riachão do Jacuípe, é quem melhor figura, mas apenas na

posição 13.448.

Esse tipo de avaliação não mede apenas a qualidade da

escola, mas de todo o ensino e as partes envolvidas. O nível dos

alunos, dos professores, dos pais e até mesmo das políticas e

estratégias adotadas.

O aprendizado é proporcionando por vários componentes, por

isso o professor Evando acredita que o sistema de avaliação por

provas é útil, mas que poder ir mais além. “Não sou contra, mas

também não vou dizer que é realmente eficaz, existem outras

formas. Mas sei que hoje é a única”. O Enem é realizado todos

os anos e a Prova Brasil/Saeb em dois em dois. Já no fim de

2009, os estudantes da educação básica se depararam novamente

com a avaliação. Os resultados estão previstos para julho de

2010.

Page 65: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

63

XI

Boa ou ruim, saudosa ou traumática, poucos são aqueles que

na vida não carregam uma marcante lembrança dos tempos de

escola. Para alguns, a experiência de estudar foi tão significante

que despertara o desejo de ensinar. Meninas de outrora, algumas

professoras têm boas lembranças dos anos de estudantes. A

professora Maria do Rosário é uma delas. Hoje diretora do

Colégio João Campos, se considera uma felizarda por ter tido

uma excelente professora nas séries iniciais. “Ela era uma

professora de mão cheia”, orgulha-se. Essa boa referência fez da

antiga mestra um ídolo, e da pequena aprendiz, uma educadora.

Assim, outras também sonharam com a profissão, e tinham a

genuína vontade de estarem à frente de uma sala. A professora

Lindinalva achava a profissão muito bonita. “Quando menor, eu

brincava de ser professora”. E apesar de ter conseguido, lamenta

a situação atual, e não esconde querer se aposentar. “Hoje, estou

desiludida”.

Por diversos motivos, a profissão está pouco atrativa e boa

parte dos profissionais da área se queixam da desvalorização. A

ausência de um bom plano de carreira, a carga horária pesada e

os salários baixos são as deficiências mais comuns apontadas

por aqueles que acreditam na falta de reconhecimento da

Page 66: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

64

profissão. No Brasil, cada vez menos estudantes têm optado em

seguir a carreira de professor. De acordo com dados do

Ministério da Educação, o número de alunos se formando em

cursos de licenciatura tem caído nos últimos anos.

Em 2006, houve uma queda de 9,3% do número de alunos

que se formaram naquele ano com relação aos que se formaram

em 2005. De 2006 para 2007, a queda continuou. O número foi

4,5% menor. O baixo salário tem formado menos estudantes e

atraído profissionais ruins. E o desprestígio da classe é ainda

maior no Nordeste, que conta com a pior média de salários de

todo o país. O MEC elaborou um levantamento com dados da

PNAD de 2008 referente aos ganhos dos professores da

educação básica. Padronizando a carga horária em 40 horas, o

resultado foi uma média nacional de R$ 1.527 mensais. Em todo

o Nordeste, apenas o Estado de Sergipe oferece ganhos

superiores a média nacional. E os oito Estados restantes são

simplesmente os donos das oito piores médias do país, com a

Bahia amargurando uma média salarial de R$ 1.136 – a quarta

pior do Brasil.

Apesar dessa evidência, a questão divide muitos profissionais

da área na região. Até porque, como o custo de vida varia de

cidade para cidade, o poder de compra e o padrão de vida de

Page 67: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

65

cada professor altera-se de acordo com a realidade econômica

em que vivem. Um mesmo salário pode ser ruim numa cidade

como Salvador, capital do Estado, mas no mínimo razoável em

cidades do porte de Biritinga e Riachão do Jacuípe. E embora

seja unânime que os professores deveriam ganhar mais, a

“desculpa” do salário nem sempre procede, principalmente para

justificar um baixo rendimento.

“Existem muitos professores que ganham miséria e fazem

ótimos trabalhos. Não é só o salário, é estímulo”, atesta a ex-

secretária de Educação de Riachão do Jacuípe, Jocivone Morais.

Ela ainda acrescenta que muitos profissionais não têm mesmo é

compromisso e vocação.

Muitas vezes, por conta da carga horária pesada, da

responsabilidade de ensinar e da própria sensação de abandono,

todos os problemas misturam-se e o salário acaba sobressaindo-

se como a mais genérica das queixas. “Essa coisa de ganhar mal,

eles pegam o discurso no ar. Mal, mal, não ganham. O professor

é que não é comprometido. Não se trata de salário, mas do

profissional”, argumenta Evando. A professora Gilzete vai um

pouco mais além e indaga sobre a escolha e a responsabilidade

de cada um. “O professor sabe muito bem o quanto que vai

ganhar no momento em que se inscreve no concurso. Se ele faz

Page 68: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

66

uma escolha errada, que culpa o aluno tem disso? É o aluno que

tem que pagar por ela?”.

Lea Cristina é formada em Biologia, e ensina a pouco mais

de seis anos. Para ela, o professor está na base de todas as

formações e deveria ser mais valorizado. Alega que, comparada

com outras profissões, a de professor não é tão cobiçada por

conta do baixo salário. “Ela tem muita importância e deveria ser

reconhecida”.

Certamente, bons salários atrairiam pessoas mais

qualificadas, e seguraria alguns jovens professores interessados,

mas que ficam desencorajados com as atuais condições. Gente

de qualidade que pode e quer mais acaba buscando outros meios

mais prósperos de sobrevivência, e em muitos casos

abandonando a educação. O professor Gabriel de Oliveira, 26

anos, é formado em História e ensina a mais de 6 em escolas

públicas, cursinhos e colégios particulares. No geral, acredita

que o professor não ganha bem e projeta seu futuro. “Não quero

parar de dar aula, mas também não quero viver do salário

exclusivo de professor”. Um estudo financiado pela Fundação

Lemann e pelo Instituto Futuro Brasil mostrou que apenas 5%

dos melhores estudantes do ensino médio escolhem a árdua

missão de ser professor do ensino básico. O perfil dos alunos

Page 69: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

67

que escolhem ser professor tem mudado tanto, que alguns cursos

superiores têm oferecido meios de suprir algumas defasagens

que os alunos demonstram ao entrarem na faculdade. Com a

queda do nível, por conta do salário pouco atrativo, da perda do

respeito e do reconhecimento profissional, aqueles sem

perspectivas em outras áreas mais rentáveis estão optando pela

educação. E muitos alunos ao invés de encontrarem a professora

“de mão cheia” que encontrou a professora Maria Rosário,

acabarão achando um profissional frustrado e ressentido, “sem

vocação”.

E que se pondere os males que tal profissional possa trazer a

formação de alguém, a justiça solicita uma pequena nota: a

incompetência reparte com todas as áreas o sacrifício do não

saber. Se na educação isso pesa por que quem quase nada sabe

quase nada tem para ensinar, tem engenheiro que não se atreve a

entrar em casa que ergueu.

Page 70: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

68

XII

Nos pátios das escolas, os alunos circulam em busca de suas

missões. Muito que fazer. Vão ao banheiro, ao bebedouro, a

secretaria... Se batem, se falam, se olham. E circulam.

De vez em quando, a química trata de juntar as rodinhas, mas

o assunto provável está mais para a trama da novela do que o

diagrama de Linus Pauling...

Em momentos assim, o que acontece está muito ligado a

ausência de professores: os que deveriam ir e não vão, os que

estão na sala como se não estivessem e os que não existem. No

início do ano de 2009, as escolas estaduais apresentavam um

déficit de 7.510 professores. Pouco mais de 2 mil foram

contratados via Regime Especial de Direito Administrativo

(REDA) e mais de 5 mil vagas ficaram sem ser preenchidas.

Uma situação que agride mais uma escola do que outra, por

conta do contingente e da ocorrência natural de desfalques

durante o ano letivo. Com as férias, as aposentadorias, as

licenças médicas e até mesmo os falecimentos o regime de

contração temporária torna-se uma importante ferramenta para o

preenchimento de vagas e solução imediata desses problemas.

Acontece que nem sempre é assim que acontece, e outras

Page 71: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

69

peculiaridades continuam assessorando as já muitas deficiências

da rede de ensino.

Alguns diretores alertam que antes a coisa era um pouco pior.

A criação da possibilidade de contratar estagiários

temporariamente não dirimiu esta deficiência, mas ao mesmo

tempo atenuou a situação de algumas escolas. Todo ano,

atendendo a solicitação da própria secretaria, os colégios da rede

estadual enviam uma relação com o número de professores que

faltam para cada disciplina. Mas a coisa fica na mesma no que

diz respeito ao quadro efetivo. As aposentadorias, licenças e

outras situações alimentam uma instabilidade na hora de

organizar os horários das escolas, que contam com um corpo

docente próprio e uma realidade que varia de instituição para

instituição.

Contratar um estagiário pode ser um processo mais simples e

menos oneroso para o Estado. O governo alega, inclusive, que

há urgência na contratação do pessoal para não deixar o ano

letivo prejudicado. O que se exige é que eles tenham pelo menos

o nível médio para poder lecionar no ensino fundamental e

estarem cursando no mínimo o quinto semestre da faculdade

para lecionarem no ensino médio.

Page 72: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

70

Mas a falta de interesse de estudantes em determinadas áreas

resulta na criação de um contingente pequeno para atender a

demanda das escolas. O salário e as condições de trabalho pouco

atraem e nem sempre se consegue encontrar interessados.

Graças a própria dinâmica da profissão, o Colégio João

Campos enfrentou em 2009 um dos piores anos com relação a

ausência de professores. É o que assegura a professora Janete,

vice-diretora da escola. A dificuldade surgiu na hora de

contratar pessoas que atendessem as exigências, tivessem

disponibilidade e interesse. Em alguns casos, o entrave já

aparece no horário necessitado pela escola e o horário de aula do

universitário. Já em outros, quando o estudante não reside na

cidade, o custo-benefício do salário recebido com os gastos de

transporte e alimentação é que acabam não valendo a pena. Por

tanto, diante da falta de alguém que pudesse lecionar a disciplina

de Língua Inglesa, a direção encaminhou no mês de setembro

para a Direc II, em Feira de Santana, uma solicitação

demandando a carência desse profissional. Quem intermedia

essa contratação é o Instituo Euvaldo Lodi (IEL), especializado

em seleção de estagiários. Sabendo da vaga, a empresa consulta

o seu cadastro e procura os candidatos com o perfil necessário

para fazer a seleção. Mas nem sempre acha interessados.

Page 73: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

71

Tempos depois, enviou uma resposta nada satisfatória. Um

simples e-mail justificava que não tinha conseguido estudantes

com disponibilidade de deslocamento.

Pronto. Fica sem. E fica sem mesmo. Só no final do ano, após

dois meses, é que um antigo professor da casa, que não é

formado em inglês, foi contratado temporariamente. A vice-

diretora pediu que fossem feitas atividades para não dar notas

aos alunos de graça. Ainda no mesmo colégio, em 2009, faltou

professor de Física por 3 meses, pois nenhum dos efetivos é

formado na disciplina.

Como só pode contratar em definitivo por meio de concurso,

o poder público não conta com a flexibilidade natural das

escolas particulares, que praticamente estão dispensadas de

burocracias e substituem seus professores quando bem entende a

precisão. O REDA é uma forma de dar agilidade, mas sua

aplicação nem sempre é eficiente. Falta concurso para que não

faltem professores.

Em 3 de dezembro de 2009 o Tribunal de Justiça da Bahia

decidiu que todos os aprovados no concurso realizado em 2006

para professores Classe III e coordenadores pedagógicos tinham

o direito de serem nomeados até maio de 2010, prazo de

Page 74: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

72

validade do concurso. Na época, a secretaria de Educação

rechaçou as críticas e minimizou a decisão do Tribunal, que

determinava o preenchimento de todas as vagas abertas no

edital. O secretário de Educação da Bahia, Osvaldo Barreto, deu

entrevistas defendendo a contratação via REDA, considerada

por ele um tipo de contração necessária. Defendeu que há casos

de urgência, em regiões onde há carência de profissionais

efetivos formados em algumas áreas específicas. Ressaltou que

dos 3.769 professores selecionados no concurso, apenas 324

ainda não haviam sido convocados, e que um novo concurso já

estava sendo preparado para o início de 2010, com 3.200 vagas.

Mas as críticas não pararam.

A ausência de coordenadores pedagógicos nas escolas

públicas estaduais é motivo de queixa de 10 a cada 10

professores. Mas, mesmo assim, a secretaria sinalizou após a

decisão do Tribunal que contrataria apenas 246 coordenadores

das 800 vagas constantes no edital. Em entrevista ao jornal A

Tarde, Barreto explicou que não seriam necessários tantos

coordenadores pedagógicos para atender o projeto proposto pela

secretaria. Em algumas cidades pequenas, um único

coordenador seria o responsável por mais de uma escola.

Page 75: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

73

A contratação de pessoal não acontece assim de uma hora

para outra. O poder público tem responsabilidades fiscais e os

gastos com funcionários não podem simplesmente exorbitar. É

preciso ter um orçamento previsto que englobe a contração dos

novos contratados.

Mas se o Estado já apresenta um déficit de professores e

coordenadores, não parece que tenha muito mais o quê se

esperar a não ser a definição de suas prioridades. Professores

não deixarão de tirar licenças, aposentadorias, ou abandonar, por

motivos diversos, a profissão. Se esta reposição não é tratada

como prioridade, o que resta a escola fazer? Pode remanejar

dentro do próprio quadro (quando possível for) ou pedir um

novo profissional temporário, em caráter de urgência, quando

urgência tiver. Só que o que acontece, em verdade, é que os

contratados temporariamente estão sempre presentes, porque

mais baratos. Mas como recebem pouco, eles terminam

buscando outras opções, gerando uma nova instabilidade na

escola.

Se não pode contratar quem quer, por conta dos impasses

burocráticos, provavelmente a solução passaria por uma

contratação mais apropriada, com base no que realmente

precisa, e feita com mais freqüência. Desse modo, as vagas que

Page 76: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

74

fossem aparecendo poderiam ser preenchidas por ocupantes do

cadastro de reserva, que aos poucos iriam se tornando efetivos.

Só que novos concursos surgem, mesmo que raros, quando o

déficit até já aumentou. Medidas sérias e prioritárias precisam

ser tomadas para que desfalques recorrentes não signifiquem

perdas irreparáveis no aprendizado do aluno. Misturar a

burocracia para contratar com a incompetência para planejar

pode ser fatal. E o aluno não escapa. A aprendizagem não

sobrevive. E a falta de professor é a fratura exposta dessa

educação acidentada.

Page 77: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

75

XIII

Outra situação incômoda a qual estão submetidos muitos

alunos, é a triste constatação de que alguns professores são

deslocados para ensinar o que não sabem. Historicamente,

alguns cursos formam menos profissionais. Isso, somando-se ao

salário – que nem sempre consegue competir com as outras

ofertas de emprego existentes no mercado –, acaba deixando a

rede pública de ensino com uma carência crônica de professores

em algumas disciplinas. Segundo dados do Censo Escolar de

2007, a situação é mais grave nas séries finais do ensino

fundamental. Em todas as principais matérias que contemplam o

currículo escolar dos alunos, ao menos 10% dos professores de

nível superior ensinam sem a devida licença. Em Física, por

exemplo, esse número chega a 16,82% do total. No ensino

médio, a mesma disciplina piora um pouco, e 16,90% dos

professores ensinam sem licença. Apesar de a situação amenizar

um pouco nessa etapa do ensino, com mais professores

lecionando com licença, matérias como Química e Matemática

ainda apresentam dificuldades.

Nas escolas municipais de Biritinga, 114 dos 267 professores

efetivos são graduados. No antigo ginásio, correspondente as

Page 78: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

76

séries finais do ensino fundamental, 15 professores lecionam

disciplinas na qual estão habilitados.

Dados, muitas vezes, não expõem histórias. A professora

Diacuy Cordeiro Lima, é professora em Biritinga a 10 anos.

Formada em Letras com Língua Portuguesa pela Universidade

do Estado da Bahia (Uneb), nunca se sentiu realmente preparada

para ensinar a matéria nas escolas. Em Biritinga, só ensinou

Português no primeiro ano que entrou, mas logo pediu que lhe

colocassem para ensinar Matemática. Desde então, ninguém a

conhece por outra coisa a não ser como professora de

Matemática. “Eu gosto de Matemática e tenho condições de

ensinar bem a matéria. Sinto-me segura. Segurança que não

tenho para ensinar Português”, admite.

Formação nem sempre é garantia. Um bom número de

professores sabe ensinar bem mesmo sem nunca ter feito

faculdade ou um curso específico para aquela disciplina.

Contudo, a carência não é uma invenção, mas um retrato da

realidade. Tal aspecto aparece sempre quando é necessário

compor o quadro de aulas e a carga horária dos professores.

“Sempre tem um professor que acaba pegando uma matéria que

não quer”, afirma Janete Mascarenhas.

Page 79: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

77

Quando essa escassez de alguns profissionais especializados

atinge a escola, a solução encontrada é um balanceamento, de

modo que prejudique o aluno o menos possível. Os diretores

elencam todo o corpo docente e tentam de todas as formas

construírem uma grade adequada, de acordo com a série, o nível,

a disciplina e o horário. “Mas chega um momento que você não

tem escolha”, garante Evando. Os professores “especialistas”

ficam onde pede especialidade, e os que não possuem,

“descem”. As vagas que sobram são destinadas àqueles que têm

mais inclinação e afinidade, de acordo com alguns critérios. Mas

outras vezes não. O professor Gabriel já foi deslocado para

ensinar Educação Física. “Eu disse aos alunos que faria o

melhor que pudesse, mas que não sabia”. A boa vontade e o

espírito de colaboração até que toca o coração, mas não atinge o

cérebro.

Page 80: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

78

XIV

Inserida no meio de toda essa confusão que envolve o

principal agente da educação, uma categoria ainda falta ser

citada. Talvez essa não afete tanto o ensino, mas revele uns

jeitinhos possíveis e o gosto pelo o ofício. Alguns profissionais

constam que ensinam, mas nem por isso ensinam. Se os alunos

fossem perguntados sobre a dinâmica de aula de alguns

professores, diriam, sem titubear, “a mudança de substituto”.

Por diversos motivos e razões, alguns professores se ausentam

da sala de aula, colocam um substituto em seu lugar e apenas

assinam a aula que não dão.

Interligadas que são as coisas, a falta de professores não

deixa de se relacionar com essa prática. Em determinadas

situações, tem quem prefira transferir a responsabilidade de

ensinar a se prestar ao papel de fazer de conta. Quando recebe

uma matéria que pouco entende, “coloca” algum substituto. Só

que nem todos os casos são acompanhados de dilemas assim.

Com mais ou menos freqüência, tem aqueles que adotam a

prática por querer, por preferir assim. “O colégio aceita, e às

vezes é até melhor, já que a escola recebe muitas queixas

daquele professor”, diz Gilzete. Sempre unindo o útil a

necessidade, as coisas vão sendo contornadas.

Page 81: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

79

XV

Algumas escolas mudaram pouco nos últimos anos. Quem

nelas estudou há tempos atrás têm a sensação de que ali está o

que ali sempre esteve, como nos tempos de juventude. Assim de

fora, pouco mudou mesmo. Mas dentro, as salas de aula

sofreram uma sutil mudança, que deu ares inovadores ao ensino.

As tecnologias já transformam o mundo e o modo de viver

das pessoas há muitos anos, mas talvez nunca, ao menos no

Brasil, tenha modificado tanto o espaço da escola. Laboratórios

de informática, televisores, aparelhos de DVDs, TVs Pen Drives

e projetores têm penetrado o ambiente escolar ao longo dos

últimos anos. Essas transformações têm ocorrido de forma

gradativa, através de programas e projetos governamentais que

tentam implementar o acesso dessas novas tecnologias aos

alunos da rede pública de ensino.

Só que esse processo, principalmente no que se refere aos

laboratórios de informática, esbarra no despreparo dos

professores e na falta de manutenção dos equipamentos. Quase

sempre, os políticos acabam despejando os recursos de forma

apressada e sem tantos critérios, mais preocupados em tirar

benefícios do benefício concedido do que beneficiar os supostos

Page 82: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

80

beneficiados. O resultado dessa disseminação desordenada e

apressada é que os equipamentos são entregues a professores

que desconhecem o seu manuseio e a escolas que não possuem

condições de oferecer suporte para os reparos e instalações.

Sem o domínio da ferramenta, não há como utilizar o recurso

tecnológico de forma eficiente. O simples oferecimento do

aparato não garante a melhoria do ensino, e seu uso inadequado

pouco acrescenta. “Eles não ensinam a usar os aparelhos,

simplesmente colocam na escola”, reclama a professora

Lindinalva. Diante desse cenário, o Ministério da Educação tem

procurado formar os profissionais. Em 2008, criou o Proinfo

Integrado, um programa que inicia os professores no universo da

educação digital. Na primeira etapa, eles adquirem informações

sobre as tecnologias e só depois aprendem a aplicar os recursos

como ferramenta educacional. O curso tem um total de 180

horas, mas pretende formar, até o final de 2010, 240 mil

professores do ensino básico, numa rede que conta com 2,5

milhões de profissionais. Ainda é pouco.

Na maioria dos colégios, os computadores continuam

subutilizados, por conta do despreparo e até mesmo do

desinteresse. O secretário de Educação do município de Riachão

do Jacuípe lamenta que até mesmo alguns professores mais

Page 83: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

81

jovens não demonstram interesse em usar os recursos. “Você

pensa que eles chegam com espírito de modernidade, adaptados

as novas tecnologias, mas muitos são tradicionalistas. Pedimos

para que eles usem os laboratórios, mas não se importam, não

usam”. O aproveitamento dos laboratórios também é afetado

pela falta de manutenção dos computadores. Sem ter todo esse

poder financeiro de resolver os problemas num estalar de dedos,

as novas estruturas empacam nos velhos problemas. O

orçamento da escola não mudou muito, e as despesas continuam

as de sempre. Num laboratório comum, com média de 10

computadores, sempre há um risco de defeitos aparecerem.

Nessas horas é preciso consultar o caixa para saber o que

pode ser feito: quando um profissional pode vir, quando a peça

poderá ser reposta... E o tempo vai passando. Outras situações

mais emergenciais tomam a frente das necessidades dos

laboratórios. Ocasionalmente o número de máquinas disponíveis

para os alunos diminui, e os laboratórios passam de 10 a quatro

computadores, por exemplo. “É mais fácil a gente conseguir

outro computador. Esse ao menos existe a possibilidade de

pedir”, acrescenta a professora Janete Mascarenhas.

Para agravar a situação, duas escolas do Estado foram vítimas

de furto. Os colégios Osvaldo Cruz e João Campos, de Riachão

Page 84: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

82

do Jacuípe, tiveram o número de computadores reduzidos por

causa de uma ilustre visita aos laboratórios da escola.

Identificado, um sujeito se passou de funcionário da empresa

que instalou os computadores e mergulhou sorrateiramente nos

laboratórios. Como foram instalados na mesma “leva”, o

suposto funcionário alegou que iria fazer uma manutenção de

rotina nas escolas. Segundo uma funcionária, ele “veio ver se

estava tudo ok”. Sem suspeitar nem imaginar, as escolas

permitiram, e ele trancafiou-se na sua esperta manutenção.

Aos poucos, sentindo falta de uma peça aqui, outra ali, de

um computador “quebrado”, outro também, identificaram o

problema. “Após instalar a internet, perceberam que apenas três

computadores estavam funcionando e perguntaram o porquê”.

Apesar da perícia e tudo o mais, as peças furtadas não foram

repostas.

A sorte é que, por conta do andar da carruagem, os jovens

alunos têm acesso a computador e a internet em outros lugares

que não somente a escola. Mas essa não é realidade de muitos

que são atendidos pela rede pública de ensino, que possuem na

escola a única forma de acesso a ambas as tecnologias. Dados

do IBGE indicam que o Nordeste tem o pior índice de acesso a

Page 85: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

83

internet do país. Na região, a porcentagem da população com

acesso a grande rede pulou de 11,9% em 2005 para 25,1% em

2008. Apesar do crescimento, continua em último lugar.

Com o crescimento da internet no Brasil e no mundo, com a

informatização e a digitalização, tornou-se inevitável que as

escolas incorporassem as tecnologias ao seu sistema de ensino.

Não fosse só pela exclusão em si, até mesmo as antigas

operações administrativas das escolas estão sendo feitas com o

uso da informática. Provas, requerimentos, solicitações e fichas

dos alunos passaram a ser informatizados.

Equipamentos modernos assim muitas vezes destoam com o

aspecto de alguns estabelecimentos educacionais. No começo de

2009, os colégios estaduais começaram o ano com TVs Pen

Drives, um tipo de monitor educacional que possibilita

dinamizar as aulas com vários recursos de áudio, vídeo e

imagem. O investimento, de R$ 38 milhões, beneficiou as 18

mil salas de aula das 1.681 escolas da rede, além de salas de

professores e bibliotecas. Num total, 22 mil monitores foram

adquiridos. A ausência de elementos básicos para o

funcionamento do estabelecimento contrasta com as modernas

aquisições das escolas. No colégio João Campos, faltam mesas

para os professores em sala de aula, que improvisam com mesas

Page 86: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

84

da biblioteca. Das 18 Tvs Pen Drives recebidas pelo colégio,

apenas 11 foram instaladas. As outras sete estão dentro da caixa

esperando o colégio ter condições de fazer as instalações

elétricas e uns pequenos reparos para adaptar as salas.

O professor Evando é crítico quanto a esse tipo de ação.

“Base boa para os alunos e formação adequada para os

professores. Sem essas coisas essenciais, o resto é utopia”

Page 87: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

85

XVI

Os alunos que residem na zona rural encontram um problema

a mais na hora de estudar. Geralmente eles estudam em suas

localidades até a quarta série, em classes multisseriadas, e

depois precisam de deslocamento para ter acesso a séries

posteriores. Em alguns casos, eles freqüentam ainda mais cedo

as escolas da sede do município, quando os pais consentem que

essa seja a melhor opção para o filho, ou por falta de escola em

alguma localidade próxima.

Como o poder público tem a obrigação de oferecer o

transporte escolar, quem realmente decide sobre as matrículas

dos filhos são os pais. Sem o transporte, seria difícil garantir o

acesso de muitos alunos a rede pública de ensino. A distância

pode ser uma inimiga para quem precisa estudar, pois nem

sempre se vive onde se tem uma escola por perto.

Nascida e criada no povoado do Malhador, em Riachão do

Jacuípe, a professora Maria Rosário deu os seus primeiros

passos rumo à docência numa escola da zona rural. De manhã ia

para escola e quando chegava ainda cumpria várias obrigações

domésticas antes de estudar. E o caminho não era cômodo.

Distante seis quilômetros de sua casa, andava 12 km diários para

Page 88: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

86

ir à escola. “Meus pais vendiam leite, e quando tinha que deixar

os galões no caminho, íamos de jegue para escola, eu adorava”.

Hoje os tempos são menos árduos. Seus sobrinhos estudam

na mesma escola em que estudou, e percorrem de moto o

mesmo caminho por onde tanto andou. São duas gerações que

evidenciam diferentes momentos da educação brasileira. As

motos são custeadas pelo poder público, e representam uma

forma de garantir o acesso do estudante a escola. Desde a

Constituição de 1988, o Estado brasileiro tem por obrigação

buscar meios de viabilizar o acesso das crianças e jovens à

educação. Entretanto, a mudança de mentalidade não garante

também o acesso, nem mesmo sua rigorosa qualidade.

Penetrando os vários rincões das duas cidades, mais de 100

veículos trafegam com alunos e professores pelas estradas

biritinguenses e jacuipenses. Excetuando um microônibus e um

ônibus adquiridos por meio de convênios pela cidade de

Biritinga nos finais de 2008 e 2009, respectivamente, todos os

transportes são terceirizados e prestam serviços às prefeituras.

Cada motorista é remunerado por quilômetro rodado, de acordo

com o seu trajeto diário. A conta não é muito complicada. Se de

determinada localidade até a sede do município a distância

percorrida for de 15 km, conta-se a ida/volta, 30 km, e o número

Page 89: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

87

de viagens feitas no mês, conforme a quantidade de dias letivos.

Quem recebe mais é aquele com o maior número de quilômetros

rodados.

Só os municípios cuidam dos transportes. O Programa

Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate) repassa um

valor por aluno de acordo com as informações do Censo Escolar

do ano anterior e o número de dias letivos. É um recurso federal,

que é recebido tanto pelos estados quanto pelos municípios,

proporcional ao número de alunos das suas redes que utilizam o

transporte escolar. Apesar de não ter veículos, o governo

estadual contribui com sua parcela cabível, pois os mesmos

transportes administrados pelos municípios conduzem os alunos

para os colégios estaduais.

Na prática, esses valores não são suficientes para garantir o

transporte às escolas. Cada região apresenta e convive com suas

dificuldades. Estradas ruins, oferta de poucos bons transportes

para terceirização, material humano. Todos esses fatores pesam

negativamente.

Chefe do transporte escolar em Riachão do Jacuípe, José

Robson Carneiro de Jesus crê que o custo para a aquisição de

um ônibus é muito alto. Em 2009, a cidade recebeu R$ 142.678

Page 90: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

88

referentes ao Pnate. Como não possui veículos próprios, o

dinheiro do programa foi utilizado para o pagamento de

terceirizados. Mas o recurso do programa não tem essa

finalidade específica, podendo ser utilizado para reformas e

manutenção dos veículos, desde que esses sejam públicos. Nos

gastos em geral, o município ainda usa parte do Fundeb para

cobrir as despesas, pois o valor real gasto com transporte escolar

ultrapassa os repasses por aluno do Pnate. O pagamento do

Estado da Bahia gira em torno de R$ 138 mil no ano, e só cobre

apenas o ensino médio. “Isso só paga um mês e complementa o

outro. Os gastos por mês do município são de 108 mil”, diz

Jucemar da Costa, secretário de Educação de Riachão do

Jacuípe.

Por isso que com a experiência que tem lidando com dois

transportes próprios do município, Ângelo Presley de Araújo,

responsável pelo setor em Biritinga, acredita que a economia

com a aquisição de mais veículos seria excelente.

“Administrativamente, haveria uma grande economia”.

No dia-a-dia, as atribuições de um chefe do setor exigem

agilidade. Carros quebram, atolam, chegam atrasados e os

alunos não podem ficar sem ir à escola. E assim como Robson,

Ângelo busca acompanhar e organizar de perto todas as ações.

Page 91: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

89

Se um carro quebra, é preciso em poucos telefonemas solucionar

o problema e encontrar um substituto. Às vezes, o problema é

insolúvel. Durante períodos de chuva, algumas travessias ficam

difíceis de serem feitas, impedindo o livre tráfego dos veículos.

Sem ter como ir para a escola, os alunos perdem um ou mais

dias de aula, esperando o sol colaborar.

Robson e Ângelo contornam e administram situações que vão

um pouco além dos quilômetros e dos motores quebrados. Sem

freios, alguns alunos têm a mesma educação da cirrose e tratam

de corroer as poltronas; já outros, pouco afeitos ao calor,

insistem em quebrar as janelas. Segundo Robson, por conta das

más condições de algumas estradas e até mesmo dessa

deterioração, alguns motoristas não se encorajam em colocar

melhores veículos para prestar o serviço. Os prejuízos levaram a

criação de um termo de responsabilidade em que os pais ou

responsáveis assinam quando solicitam o cadastro para o uso do

transporte. “Quando acontecem casos assim, buscamos a

conversa. A justiça só em último caso”. Em Biritinga, o

município assume o prejuízo do veículo.

Apesar de tudo, os chefes do setor de transporte escolar

precisam ficar fiscalizando e cobrando algumas melhorias nos

transportes, pois nem todos os defeitos decorrem de vandalismo.

Page 92: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

90

Alguns desgastes em peças como pneus e freios são naturais, e

decorrem do uso regular, principalmente em estradas que

exigem mais, como é o caso das vicinais que ligam as zonas

rurais às sedes municipais. A inspeção tem que ser regular, pois

se não estiveram em boas condições, a segurança dos alunos fica

comprometida. “Sempre digo aos motoristas que eles têm que se

preocupar um pouco mais com os alunos e não apenas com eles.

Às vezes é preciso gastar mesmo”, diz Robson.

A qualidade dos veículos já não é nenhum primor, por conta

da oferta pobre para a terceirização. Muitas localidades são

desinteressantes, e só pessoas da própria região é que se propõe

a fazer o trajeto. Se o transporte contratado não é o ideal, as

opções não são tantas para que o aluno consiga assistir a aula.

Alguns carros são ruins mesmo, mas achar quem queira rodar

naquela linha não é tarefa fácil. “Às vezes substituímos e não dá

certo, tem que voltar o antigo”, assegura Robson.

Eliene Matos Santos mora na comunidade das Campinas, em

Riachão do Jacuípe, e é aluna do Colégio João Campos.

Considera o transporte tranqüilo. “Insegurança mesmo é a

insegurança natural das estradas”.

Page 93: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

91

Em Riachão do Jacuípe, praticamente todos os alunos da

zona rural passaram a estudar no turno da manhã. A medida foi

tomada pela secretaria de Educação em comum acordo com o

Ministério Público. O entendimento foi de que o horário

representava um risco iminente para os alunos. Quando um dos

transportes quebrava, os alunos acabavam chegando tarde da

noite em casa, expostos a riscos de assaltos. Alguns pontos eram

de risco e muitas vezes o conserto ou a ajuda poderia demorar.

Nunca foi registrado nenhum caso grave relacionado a essa

questão, a medida foi apenas preventiva.

Page 94: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

92

XVII

Um dos problemas que envolvem o transporte público escolar

são as caronas. Elas põem em risco a própria segurança dos

alunos, além de gerar um desconforto natural. Só que em duas

cidades pequenas como são Biritinga e Riachão do Jacuípe

difícil é não vê-las e não atendê-las. Todo mundo conhece todo

mundo e muitos se acham no direito de ir. Se o carro se dirige

para determinada localidade, muitos consideram uma ruindade

interminável não poder levá-los. A questão da exclusividade

para os estudantes é mera desculpa, tolice, perseguição. Até

alguns pais insistem em vir a sede da cidade quando o carro

parte da zona rural.

Para Robson, cada caso é um caso, e tenta contornar a

situação na base da conversa. “Algumas pessoas precisam fazer

exames, outras são ligadas a alguma associação, outras fazem

curso na cidade...“ Na medida do possível, tenta vê se aquela

pessoa realmente precisa. “Verifico se não tem outro transporte

no horário e se a precisão realmente existe”. Quando acha

importante “liberar”, esclarece a situação para os motoristas e os

alunos, e pede compreensão. Mas muitos não têm precisão

alguma e ficam de propósito, porque sabem que é de graça.

Simplesmente ficam esperando na porta do ônibus e depois

Page 95: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

93

inventam qualquer desculpa. Ângelo ouve muitas reclamações a

respeito das caronas diariamente na prefeitura. De pessoas que

querem ser transportadas, mas que não as deixam entrar...

Page 96: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

94

XVIII

A classe de professor é bastante queixosa. Quase todos

sugerem algo que precisa ser melhorado. Professores pedem

tempo. Tempo para no descanso de suas casas preparem as

aulas. Tempo para se dedicar mais a escola. Tempo.

Solicitam mais atenção dos pais, mais respeito dos alunos;

pedem salários mais altos, reconhecimento pela formação

continuada. Pedem apoio.

A grande maioria das escolas funciona praticamente com

alunos, professores, porteiros, secretários e auxiliares de

limpeza. Em um caso ou outro, alguém que tome conta do

laboratório. Coordenadores pedagógicos, psicopedagogos e

psicólogos são figuras quase que lendárias nas escolas. Lendas

inéditas, de tempos futuros, ou provenientes de histórias de

terras longínquas, onde as coisas existem. Então, para algum

canto do mundo, Biritinga é longe. Por conta do material

humano disponível, boa parte das escolas municipais conta com

o apoio dos coordenadores pedagógicos. Em virtude de uma

parceria feita entre a prefeitura municipal e a Universidade do

Estado da Bahia (Uneb), com o programa Rede Uneb 2000,

aproximadamente 100 professores se formaram em pedagogia

Page 97: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

95

no ano de 2007. Só nas séries iniciais, 55 pedagogos habilitados

estão trabalhando com as crianças. Na pré-escola (atual 1ª série

no ensino fundamental de 9 anos) e até o fim das séries iniciais.

Já em Riachão do Jacuípe, apenas oito coordenadores

pedagógicos compõe a administração da educação municipal.

Todas mulheres, cada uma cuida de uma etapa ou um setor do

ensino.

Mas, no geral, desprovido desses profissionais, o ambiente

escolar acaba deixando os professores acarretados. A professora

Janete Mascarenhas pensa que o professor não dá conta de tudo.

“Ele fica sobrecarregado, tem que ser pai, coordenador,

psicólogo...” Os mais comprometidos e os mais sensíveis, por

vezes se envolvem com as histórias e os problemas dos alunos.

Tentam com uma palavra ou uma conversa ajudar. Só que os

problemas, às vezes, vão além de uma desilusão amorosa; são

profundos, complexos e desalentadores. Por hora, a muitos cabe

apenas o conselho, o norte, a orientação. A outros, não. A

realidade de suas vidas parece puxá-los para longe da escola

como uma juventude que passa irresponsavelmente. São

situações lamentáveis, onde a escola é somente um lugar

secundário. Ou um lugar que é qualquer coisa, menos a casa.

Page 98: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

96

Os problemas naturais da juventude, seus anseios, desejos e

equívocos dispõem os professores de diferentes modos.

Dependendo de pessoa para pessoa, cada um lida ou aprende a

lidar com a situação de um modo diferente. Mas para a

psicóloga Katiane Brito, os professores absorvem os vários

problemas sem, no entanto, ter capacidade para isso. “Eles

tentam, mas não estão preparados para fazer esse papel”.

Segundo ela, os professores já têm problemas pessoais, e ficam

sobrecarregados com toda a situação da escola. O ideal seria um

profissional da área para poder fazer esse papel. E alerta que

mesmo a psicologia vai até onde pode. “Cada um tem o seu

limite de atuação”.

Por fim, certos casos são um tremendo golpe no futuro. O

desperdício angustia a alma, e por um momento, diante da

incapacidade de um e da realidade do outro, professores e alunos

são unicamente um desamparo só.

Page 99: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

97

XIX

Boas ações ainda emergem desse mar de equívocos. Os

colégios promovem eventos, feiras, gincanas e tentam estreitar

os laços entre os alunos, os professores, e a comunidade. Em

2009, o Colégio João Campos organizou uma gincana em que

uma das tarefas era arrecadar vasos que pudessem ser doados

para o armazenamento de sangue. Concluída a gincana, cerca de

mil vasos limpos e utilizáveis foram doados para o Hospital da

Mulher, em Feira de Santana. Os professores, na medida do

possível, tentam deixar marcas positivas na vida dos alunos. A

professora Gilzete relembra que estudou a vida inteira em escola

pública, e agora, como professora, tem a chance de oferecer aos

alunos muito do que ela não teve. Apesar da revolta com o

descaso que se encontra o sistema público de ensino, pondera:

“é gratificante poder contribuir com o crescimento do ser

humano”. Também desapontada, a professora Lea Cristina

acredita na educação de qualidade como uma ferramenta de

transformação e conscientização. “Decepcionada, mas ainda

continuo com aquela expectativa que tinha quando entrei”. Um

dos elementos que contribuem para a decepção é o pouco

reconhecimento do profissional que se qualifica, que busca

aprender mais.

Page 100: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

98

Professores mais preparados e mais qualificados tendem a ser

uma das bases da educação de qualidade. Visando assegurar

isso, uma das antigas propostas de qualificação de professores

ganhou fôlego no Brasil em 2009. Até 2011, o Plano Nacional

de Formação de Professores da Educação Básica pretende

colocar na faculdade 331,4 mil professores que ensinam sem

licenciatura. Através da Plataforma Freire, o professor

cadastrado pode encontrar a oferta de cursos, a instituição e

decidir o que pretende cursar.

Dentro da rede de ensino, existem alguns perfis de

professores que precisam ser atingidos por essas políticas, pois

muitos não se qualificaram ao longo do tempo, ou se formaram

em bacharelado. Com cursos gratuitos de formação, a

expectativa é que uma boa parcela desses profissionais se

adéqüe as propostas da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

A iniciativa conta com a colaboração de todos os governos, e

também com o suporte das instituições públicas de ensino. Das

vagas, 52% são oferecidas em cursos presenciais e 48% em

cursos a distância. Na prática, nem sempre a vontade se alia as

circunstâncias. Com carga horária cheia, filhos e casa para

cuidar, a oportunidade é deixada de lado em nome de urgências

maiores. “Muitas vezes os professores tem vontade, mas é

Page 101: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

99

preciso encontrar tempo”, salienta a professora Vanusa. Na

mesma linha, a professora Diacuy pensa que é possível fazer

outros cursos em melhores momentos. “O professor trabalha em

mais de um lugar e fica pouco tempo em casa, tem outras coisas

mais urgentes agora”.

Com a expansão das faculdades Eads em todo o Brasil, os

profissionais de educação em Biritinga e Riachão do Jacuípe

tiveram – e estão tendo – a oportunidade de se graduar. São

cursos que atendem, inclusive, a demanda de formação dos

professores e por isso contam com o apoio das prefeituras,

interessadas em graduar seu quadro docente. Em Riachão do

Jacuípe, parte dos recursos do Fundeb financia a graduação de

alguns professores da rede municipal.

No que pese as críticas que são feitas a esse tipo de ensino,

ele se adapta bem a realidade dos professores. Por isso tem

atraído os profissionais que já atuam sem graduação. São várias

opções de licenciatura com aulas que acontecem apenas uma vez

na semana, facilitando a vida de quem não pretende se desgastar

tanto, nem viajar diariamente para outra cidade. Depois da

equiparação legal da graduação a distância à presencial, e

também da adoção do sistema por algumas universidades

presenciais públicas, o número desse modelo de formação

Page 102: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

100

aumentou gigantescamente em todo o país. De 2004 para 2007

(data do último dado) o número de matrículas nas faculdades a

distância no Brasil cresceu de 59.611 para 369.766. Muitas delas

atingindo cidades do interior onde não existem faculdades

presenciais.

Em Riachão do Jacuípe, onde existem duas faculdades a

distância, a oferta e a procura são maiores. E ainda há outros

professores que optam por uma faculdade presencial, em cidades

vizinhas. Em Biritinga, as faculdades mais próximas ficam em

Serrinha, cidade a 20 quilômetros de distância.

Page 103: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

101

XX

Não é um único ponto que muda toda a educação.

Dificilmente se apostará num fator principal e causador de todos

os impasses que a rodeia. Notas nem sempre aferem o que um

aluno aprendeu de fato. Um oito, um nove ou um dez podem ser

alcançados de forma menos trabalhosa do que alguns seis. Na

rede pública, muitos profissionais são críticos quanto à forma de

avaliação. A média, cinco, é muito baixa.

Nisso reside as diversas chances que os alunos possuem de

passar, e uma média cinco é um facilitador considerável. Mas

professores alertam que nota é um fator bastante subjetivo. Os

defensores dessa tese acreditam que o mais importante é o

aprendizado, não a nota. A nota é um simples sistema de

avaliação, e que muitos professores, inclusive, mal sabem usar.

Em contrapartida, a exigência de uma média mais alta impõe um

ritmo mais pesado ao aluno. Só que pelos índices de

recuperação e até mesmo de reprovação, soaria um tremendo

absurdo a elevação da média.

Se não consegue atingir a média, após provas, trabalhos,

testes e outras atividades, os estudantes sujeitam-se a uma

recuperação. Com pouquíssimas aulas, que alguns sequer

Page 104: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

102

assistem, avançam para a prova final. Caso percam, ainda

seguem para o conselho de classe, onde podem ser reprovados,

aprovados, ou aprovados com dependência (mecanismo que

possibilita ao aluno avançar a série seguinte cursando

novamente as matérias ou a matéria em que foi reprovado). E

podem, até mesmo, chegar à oitava série com dependência da

quinta.

A professora Gilzete não vê com bons olhos o ambiente que

existe nas escolas, principalmente no que diz respeito à

cobrança. Sua opinião é de que o sistema público de ensino está

falindo como modelo de educação. “O professor brinca de

ensinar e os alunos brincam de aprender”. O desalento provém

do “é na base do quem quer”, e ao mesmo tempo da certeza de

que muitos desinteressados passam.

Os alunos estão dentro de todo esse ambiente. Um ambiente

que, para alguns, poderia ser de uma cobrança mais incisiva.

Não escondem que em muitos momentos são mesmo

desleixados, entretanto, mesmo quando perdem, valorizam as

pessoas que cobram um pouco mais. Perceptivos, acham que os

pais também poderiam chegar mais de junto, e que muitos são

aqueles que “querem se livrar dos filhos e jogam eles na escola”.

Essa constatação melancólica é notável nas falas dos diversos

Page 105: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

103

personagens que ilustram essa página da história. Ainda que

dessa história.

Diretores evocam a presença dos pais para conhecerem a

realidade das escolas e dos filhos, mas muitos não aparecem,

não dão um retorno, não se envolvem. Pouco perguntam pela

educação dos filhos, o que estudou ou está estudando. “Às vezes

o pai vai à escola, e quando você vê, acaba entendo porque o

filho é daquele jeito”, lamenta o professor Gabriel.

A estudante Jéssica Aparecida, até que não encontra tanto

apoio em casa, mas se considera uma aluna aplicada. Com bom

histórico, diz que em casa é a mãe que pergunta como estão as

coisas na escola. O pai já não apóia tanto e, segundo ela,

costuma dizer que “não adianta filho de pobre estudar que não

consegue nada”. Jéssica não concorda com a opinião do pai, e

acredita que isso vai de cada um.

Com boas notas, más notas, aos poucos, que seja, seguindo,

como for, os estudantes de repente se formam. Segundo a

professora Lea Cristina, já viu aluno no terceiro ano escrevendo

“çim”. Quiçá a pergunta não era “você tem crescido muito como

aluno nos últimos anos?”.

Page 106: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

104

E, enfatiza uma aluna que se formou em 2009. “Tem gente

que vai se formar sem saber nada”.

Page 107: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

105

XXI

Geralmente é uma notícia que estarrece encontrar alunos

concluindo o ensino médio e que são analfabetos. Ou que mal

sabem ler ou que mal sabem escrever. E é assim mesmo, ou

mesmo assim, que eles se formam.

A pergunta que não sai da cabeça de qualquer um, com o

gosto amargo da descrença, é como esses alunos são avaliados

até chegarem ao terceiro ano, quando, em tese, deveriam estar

aptos para este momento de conclusão, mas, no entanto,

poderiam voltar a freqüentar a quarta série e a enfrentariam com

alguma dificuldade.

A ação avaliativa classificatória como garantia de um ensino

de qualidade é contestada por muitos educadores. Seriam as

provas e notas, garantia de acompanhamento dos discentes no

processo de aprendizagem? Os municípios de Riachão do

Jacuípe e Biritinga apresentam processos avaliativos

considerados ineficazes por muitos professores das duas

cidades.

Todo o processo de avaliação, média cinco, dividido em

quatro unidades, parece não ter resultados satisfatórios ao final

Page 108: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

106

do ano letivo. O conselho de classe, votação entre professores

para o avanço ou permanência do aluno, levanta uma enorme

discussão na classe dos formadores educacionais. Para alguns,

uma chance para o aluno, para outros, uma falta de consideração

com a própria educação. Marivânia Cruz, coordenadora da

maior escola do município de Biritinga, considera o conselho de

classe uma forma injusta para professores e alunos. “Uma

catástrofe, um absurdo”.

O Conselho de Classe é um meio que possibilita ao aluno

uma chance de ser avaliado pelos seus professores quando perde

nas provas finais de recuperação. Tudo que ele pode fazer para

atingir a média transcorre durante o ano. Quando chega o fim, já

nesta etapa da educação, não interessa mais a superação e a

força de vontade. O aluno simplesmente está submisso ao julgo

dos professores: se este tem capacidade ou não de seguir em

frente, se este deve seguir ou não em frente.

O Conselho é um direito garantido do aluno. Quem participa

são os professores do estudante durante o ano e a direção da

escola. Tecnicamente, alguns critérios deveriam ser expostos

para fundamentar a argumentação. Notas, números de

recuperações, assiduidade, comportamento, dentre outros

relevantes.

Page 109: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

107

Na prática, nem sempre é assim. Cada escola tem seu

método, organização e normas. Cada professor tem suas

características e concepções próprias. A avaliação meramente

técnica não acontece, e o lado emocional é decisivo quando se

escolhe o rumo da vida escolar de um aluno.

O perfil do aluno que chega a recuperação é variado. Tem os

que chegam em uma ou duas matérias, tem os que fazem um

bom número e tem aqueles que não abrem mão de nenhuma.

Alguns alunos sequer estudam na recuperação e ainda soltam

piada. “Professor, lembra de mim no conselho”. Por isso e por

outros motivos, o fim de ano é um momento desgastante na vida

do profissional. Quase todos os professores detestam o conselho

de classe e não poupam críticas ao modelo, ao sistema e aos

colegas. “Participo porque não tem outra opção”, esclarece a

professora Lea Cristina. Como os critérios variam de escola para

escola, em algumas os alunos tem direito de ir ao conselho de

todo modo, seja qual for o resultado deles na recuperação.

A professora Janete Mascarenhas rechaça a idéia do

conselho. “A prova deveria ser a última instância”, afirma. Para

ela, como para muitos professores, os alunos possuem várias

chances durante o ano, e não aproveitam. E alguns casos são

Page 110: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

108

mais críticos, e muitos quase não fazem pontos. “Deveria existir

uma nota de corte”, sugere.

Formalmente, o que deveria ser avaliado é a capacidade que

o aluno tem de seguir adiante. Mas nem sempre funciona dessa

forma. Os depoimentos, os mais diversos, dão conta do descaso

em que se encontra essa fase do processo avaliativo. A razão

cede lugar a emoção, a vontade a preguiça e o mérito a simpatia.

Muitos profissionais, exibindo compromisso, querem

terminar o conselho de classe rapidamente. Chegam com pressa

e querem logo ir embora. Com o volume grande de alunos que

existe em algumas escolas, alguns até perguntam, “Ah, é aquele

branquinho?” Se é difícil em determinados momentos saber

quem é quem, sem ajuda de critérios e ausência de discussões

fica ainda mais difícil. Os critérios são passados de acordo com

a postura da direção. Quase sempre, fica no “passa ou não

passa”.

Alunos problemáticos são facilmente jogados para frente

“para que a escola possa ficar livre deles”. Não são incomuns

frases assim: “ninguém agüenta esse aqui mais, manda embora,

passa logo”. Outras vezes, a pressão social colabora, ou entra na

discussão, porque é melhor aquele aluno na escola, seguindo em

Page 111: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

109

frente, do que fora. É uma forma de evitar a evasão escolar. O

aluno reprovado não se sente bem, então, para “valorizá-lo”, a

escola prefere mantê-lo em ascensão. Por isso, em alguns pontos

do conselho, a professora Maria Valdete é crítica: “é como se a

gente tivesse tendo números”.

Quando não, o frágil coração amolece e aprova o aluno

bonzinho. Não simplesmente aquele com algumas dificuldades,

mas o carismático e “bom menino” que dá uma dó danada

reprovar... André Carvalho, diretor do Maria Dagmar, acha que

o professor não está preparado para avaliar o aluno, porque “não

sabe separar a razão da emoção”. “É um sistema altamente

falho”, reforça.

Outras expressões nada incomuns são as de indignação.

“Aprova. Por mim aprova. Já não está aprovando todo mundo

mesmo?”. “Já virou oba, oba mesmo, passa logo. Pode passar

esse também”. E outras de desleixo. “Por mim passa todo

mundo”. Mas algumas são terrivelmente mais duras. Segundo

um professor, já ouviu de um colega a seguinte frase: “tem

aluno que acha que passa comigo porque eu quero que ele passe.

Eu quero é me aposentar, que eles se arrombem”.

Page 112: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

110

Outro professor registra que em um dia de conselho de

classe, um evento era realizado na escola. Na ocasião, alguns

professores entravam e saiam da sala, perguntando se já tinha

chegado a vez de fulano, e que “queria terminar logo”.

E as histórias são as mais diversas. Segundo um professor,

uma mãe intercedeu por sua filha numa certa vez. Ela procurou

a diretora da escola e conversou. Quando chegou no dia do

conselho, a diretora se encheu de ternura ao ler o nome da

menina e pediu que os professores a avaliassem “com carinho,

deixando um pouco a razão de lado”. O afago, no caso, sairia

pelas vias da ignorância, de modo que carinhosamente ela

seguiria sem aprender aquilo que lhe era devido e necessário.

Amor de mãe tem dessas.

Como a iniciativa depende dos integrantes de cada escola,

várias escolas tem implementado propostas de melhorais para o

conselho de classe. Alguns colégios têm adotado fichas, com

algum histórico do aluno, e têm procurado métodos mais

eficientes. Mesmo perante esse cenário, as avaliações ainda

continuam muito emocionais nas escolas que adotaram esses

sistemas. “Mas o uso tem sido positivo. O outro processo era

arraigado e histórico”, constata o professor Evando.

Page 113: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

111

Para o professor Gabriel, os critérios do conselho deveriam

ser entregues antes, e não apenas no dia. Assim o professor

poderia analisar em casa com calma e chegar decidido no dia do

conselho.

O final do ano para a professora Gilzete é um momento de

grande angústia. É quando ela se depara com todo o processo de

construção e desenvolvimento do aluno ao longo do ano e

percebe que, apesar de todas as chances dadas, muitos alunos

terminam fazendo recuperação em sua matéria. Mas o que mais

choca, diz, “é ver boa parte desses alunos aprovados outras em

matérias”. “É como se eu me passasse de ruim e os outros de

bons”, reclama. Professora de História, diz encontrar com

freqüência alunos escrevendo pessimamente. No entanto, “em

disciplinas como português e redação eles passam”. Com

franqueza, diz se perguntar pela seriedade das pessoas e que se

só ela é uma idiota.

Page 114: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

112

XXII

Passado todo o processo, os alunos continuam seguindo por

caminhos e escolas diferentes, tendo formações diferentes e

destinos diversos. De certo, a busca constante é por uma

educação de qualidade que possibilite o crescimento individual

do ser e o enriquecimento coletivo da sociedade.

Os diálogos e experiências vividas apresentam a certeza

de que o sistema educacional dessas duas cidades, assim como o

do país, passa por sérias dificuldades estruturais. Apesar disso,

esforços foram percebidos para alcançar melhorias.

A educação é, portanto, um processo histórico que ao

longo do tempo passa por transformações. E o tempo reflete

cada iniciativa, cada mudança, cada concepção. As realidades

são próprias e muitas idéias e propostas se cruzam, compondo o

retrato do que vemos. Agentes deste sistema, os educadores têm

desempenhado um importante papel, inserindo nas escolas

meios para torná-las mais dignas e aprazíveis. A comunicação

entre educadores e alunos entra neste momento, sendo a base

para discussões e debates para políticas educacionais.

Page 115: O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

113

Compreender o sistema pode ser uma tarefa difícil, mas para

entendê-lo e melhorá-lo não há como buscar o distanciamento. É

preciso mergulhar. É preciso conhecer qual o papel de cada um

na construção desse processo tão elementar.

Dentre diversas certezas que a vida mostra, uma delas é o

alicerce de todas: uma boa educação significa qualidade de vida

melhor e uma sociedade desenvolvida.