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1 O ENSINO E OS MANUAIS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA NA ERA VARGAS: AS CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS DE JONATHAS SERRANO E A SUA INFLUÊNCIA NA CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO WANESSA WENDT Mestranda PUCRS Bolsista CNPq. [email protected] Afinal, quem é Jonathas Serrano e qual o papel do ensino de História na construção do modelo de nação Varguista? Discutir a influência de Jonathas Serrano no ensino de história e na escrita dos manuais didáticos durante a Era Vargas (1930 1945) é o objetivo deste trabalho * . Para isso, centraremos a discussão nas obras didáticas “Como se ensina História” (1935), definida por Guy de Hollanda como “[...] uma das raríssimas obras nacionais publicadas sobre tal matéria, que merecem ser lidas” (1957, p. 10) e “História Contemporânea” para a 5ª série secundária do ciclo fundamental (1938). Ainda que em sua quase totalidade os manuais submetidos ao crivo da Comissão Nacional do Livro Didático fossem aprovados, uma vez que, caso esses não estivessem de acordo com os programas oficiais não encontravam editores nem adotantes (Hollanda, 1957, p. 196 - 197) as obras elaboradas pelo autor gozavam de prestígio entre adotantes e críticos, sendo líderes de venda no período. Jonathas Serrano (1885 1944) formou-se em Direito na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Há época do lançamento das obras em questão, era membro ativo do Instituto Histórico Brasileiro 1 e professor de História da Civilização do Colégio Pedro II 2 e do Instituto de Educação do Rio de Janeiro 3 . O autor participou ativamente da discussão acerca dos assuntos educacionais 4 no país e quando da ascensão de Gustavo Capanema a ministro da Educação e da Saúde trabalhou em * Este trabalho aborda parte de minha dissertação de mestrado em desenvolvimento sob orientação do Prof. Dr. Luciano Aronne de Abreu (PUCRS). 1 Além de uma série de outras associações estaduais, nacionais e internacionais de estudos históricos. 2 Cargo que ocupava desde 1926. 3 Cargo ocupado entre 1916 e 1937. 4 Tendo sido subdiretor técnico de instrução do distrito Federal entre 1928 e 1930.

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1

O ENSINO E OS MANUAIS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA NA ERA VARGAS:

AS CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS DE JONATHAS SERRANO E A SUA

INFLUÊNCIA NA CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO

WANESSA WENDT

Mestranda PUCRS – Bolsista CNPq.

[email protected]

Afinal, quem é Jonathas Serrano e qual o papel do ensino de História na

construção do modelo de nação Varguista?

Discutir a influência de Jonathas Serrano no ensino de história e na escrita dos

manuais didáticos durante a Era Vargas (1930 – 1945) é o objetivo deste trabalho*. Para

isso, centraremos a discussão nas obras didáticas “Como se ensina História” (1935),

definida por Guy de Hollanda como “[...] uma das raríssimas obras nacionais publicadas

sobre tal matéria, que merecem ser lidas” (1957, p. 10) e “História Contemporânea”

para a 5ª série secundária do ciclo fundamental (1938). Ainda que em sua quase

totalidade os manuais submetidos ao crivo da Comissão Nacional do Livro Didático

fossem aprovados, uma vez que, caso esses não estivessem de acordo com os programas

oficiais não encontravam editores nem adotantes (Hollanda, 1957, p. 196 - 197) as obras

elaboradas pelo autor gozavam de prestígio entre adotantes e críticos, sendo líderes de

venda no período.

Jonathas Serrano (1885 – 1944) formou-se em Direito na Faculdade de Ciências

Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Há época do lançamento das obras em questão,

era membro ativo do Instituto Histórico Brasileiro1 e professor de História da

Civilização do Colégio Pedro II2 e do Instituto de Educação do Rio de Janeiro

3. O autor

participou ativamente da discussão acerca dos assuntos educacionais4 no país e quando

da ascensão de Gustavo Capanema a ministro da Educação e da Saúde trabalhou em

* Este trabalho aborda parte de minha dissertação de mestrado em desenvolvimento sob orientação do

Prof. Dr. Luciano Aronne de Abreu (PUCRS). 1 Além de uma série de outras associações estaduais, nacionais e internacionais de estudos históricos.

2 Cargo que ocupava desde 1926.

3 Cargo ocupado entre 1916 e 1937.

4 Tendo sido subdiretor técnico de instrução do distrito Federal entre 1928 e 1930.

2

diversos projetos da pasta5. Documentação presente no arquivo Capanema, sob guarda

do CPDOC6, comprovam ter sido de autoria de Serrano os programas de História do

Brasil e de História Geral de 1940 e as instruções metodológicas de 1942. Além disso,

Serrano foi um dos professores mais ativos do projeto “Universidade do Ar”, iniciativa

federal de formação de professores secundaristas por meio das ondas da Rádio

Nacional. Sua trajetória como profissional da educação se deu em um contexto propício

a utilização do ensino, principalmente, de história na formação da nação brasileira e de

aproveitamento dos intelectuais no aparelho estatal.

Nesse sentido, ainda que preocupações em definir os rumos da nação brasileira

tenham sido registradas desde a independência do país, ações concretas sobre isso só

foram colocadas em prática durante o período varguista (1930 – 1945), quando se

constituiu o “[...] momento privilegiado no qual ocorreu uma discussão profunda sobre

nação, nacionalidade e nacionalismo, no Brasil, envolvendo agentes do Estado e

intelectuais” (GERTZ, 2013, p. 19). Momento privilegiado em que a discussão do

modelo educacional que deveria ser implantado e da pedagogia que deveria ser adotada

para que se construísse essa nação passaram à prática.

Foi nesse momento que o Estado brasileiro assumiu o sistema educacional

passando a legislar e fiscalizar a matéria, trabalhando na construção da pátria, para que

o país encontrasse seu lugar no concerto das nações, agindo enfim como unidade coesa.

É Daniel Pécaut quem nos diz que “o ensino representava um dos campos onde foi mais

sistemático o esforço do regime [varguista] para criar a mentalidade do ‘homem do

povo’(1990, p. 67)”.

Neste sentido, aliando o discurso nacionalista e autoritário do regime às ideais

do grupo conhecido como “profissionais da educação”, o qual defendia “[...] uma rede

de ensino público, obrigatório, leigo e gratuito” (PEIXOTO, 1983, p. 199), o novo

governo instituiu o ensino primário e secundário como um dos principais meios pelos

quais se construiria a nação brasileira e o sentimento de pertencimento a ela. Como

meio de uniformizar o ensino, o Ministério da Educação, além de instituir uma gama de

5 Membro do Conselho Nacional de Educação, da Comissão de Ensino Secundário do Plano Nacional de

Educação, da Comissão Nacional do Livro Didático, exerceu os cargos de membro do Conselho de

Ensino do Estado do Rio de Janeiro, do Conselho de Educação do Distrito Federal, da Comissão Nacional

de Censura Cinematográfica e juiz do Tribunal Eleitoral do Distrito Federal. 6 FGV, CPDOC, FUNDO GC 1940.02.01, rolo 55, f. 358.

3

reformas concernentes a esses níveis de ensino; determinou a utilização de manuais

didáticos previamente aprovados por órgão estatal. Em razão disso, o ensino de história

mereceu especial atenção do Ministério da Educação, posto que por meio da disciplina

os ideais nacionalistas e autoritários da Era Vargas poderiam ser justificados e incutidos

na mentalidade do povo. Afinal, para o Ministério da Educação e Saúde “a constituição

da nacionalidade deveria ser a culminação de toda a ação pedagógica [...] em seu

sentido mais amplo” (SCHWARTZMAN & BOMENY & COSTA, 1984, 141).

E os livros didáticos de história escritos no período, em consonância com as

diretrizes educacionais, contribuíram nesse processo, pois, como nos diz Ângela de

Castro Gomes, tais obras fazem parte da cultura Histórica de uma época e por meio,

especificamente, dos da disciplina de História poderemos entender o debate que se

estabeleceu no período acerca da concepção da escrita da História e do projeto de nação

proposto pelos anos Vargas (1996, p. 10). De acordo com a mesma autora ainda, o

estudo do período Vargas e, em especial, do papel da concepção de História ao longo

dele, e da sua apropriação pelo ensino, merecem destaques e estudos aprofundados uma

vez que as diretrizes deste regime deixaram marcas identificáveis ainda hoje (p. 208).

Vejamos então, de que forma Jonathas Serrano contribuiu nesse processo por

meio de suas obras didáticas.

As obras didáticas de Serrano

Como se ensina História (1935):

Dentre as obras didáticas da era varguista, “Como se ensina história”, de

Jonathas Serrano merece um estudo detalhado. Única obra de didática de história

publicada no período que se tenha notícia, o livro discute de maneira clara o programa

oficial em vigência, trabalha dicas de ensino para os professores, apresentando modelos

e exemplos; além de contar com extensa bibliografia de apoio, em que se sobressaem os

clássicos historiográficos da época. Por meio da obra, é possível entender também o

papel do ensino de história no modelo de nação proposto pelos anos Vargas.

Uma leitura pormenorizada, ainda que inicial, da documentação citada, nos

permiti concluir que as bases da legislação elaborada por Serrano encontram-se nessa

obra do autor publicada em 1935, como parte da coleção “Biblioteca de Educação”,

4

organizada pelo professor Lourenço Filho para a editora Melhoramentos de São Paulo.

O organizador também é o prefaciador da obra, a qual destaca como “[...] uma obra

simples, ao alcance de todos os nossos mestres, [que serviria] [...] às escolas brasileiras,

na realidade de suas condições presentes” (p. 10). Lourenço Filho elogia a capacidade

de Serrano por ter escrito um livro em que “Tudo enfim, [...] demonstra a segurança das

ideias e da experiência do mestre que o compôs. É uma obra sentida e pensada e, por

isso mesmo, de inestimável valor para os nossos mestres” (1935, p. 12).

Serrano afirma que o livro fora um desenvolvimento de discursos apresentados

em conferências na Associação Brasileira de Educação do Rio de Janeiro, declarando

ainda que escrevera tal obra não como uma tentativa abstrata de aplicação de ideais

estrangeiros no sistema educacional brasileiro, e sim com “[...] o propósito de elevar o

nível e aumentar o rendimento intelectual dos nossos cursos de história, dentro dos

limites das nossas possibilidades” (1935, p.14). Por fim, declara ser a obra um “[...]

livro de experiência, mais do que obra de erudição abstrata [...]” (1935, p.15) que tem

como alvo os militantes do ensino.

Assim, nos três primeiros capítulos de “Como se ensina História”, Serrano

aborda as transformações atuais pelas quais passava o campo historiográfico mundial,

discutindo a cientificidade da disciplina. De antemão, deixa claro que a história não

pode ser apenas a “[...] enumeração de vultos e episódios sem concatenação lógica, sem

nexos causais, sem critério psicológico” (1935, p. 18), especificando que a disciplina

está no grupo de maior complexidade das ciências sociais ou psicossociais o que torna

sua renovação complicada, bem como a renovação de seus programas escolares.

Serrano demonstra que o rigor histórico alcançado pela disciplina atualmente não

encontra precedente, o que se deve, principalmente, à discussão bibliográfica de alto

nível e ao emprego das ciências auxiliares.

Contudo, de acordo com o autor: “infelizmente [...] a História corre em nossos

dias o grave risco de ser levada em direção errônea e anticientífica” (1935, p. 21). Tal

risco derivaria de três desvios que os profissionais estariam cometendo: encarar a

disciplina apenas como uma reconstrução histórica, esquecendo sua estrutura narrativa;

romanceando-a em demasia, ou deixando-se influenciar por doutrinas políticas,

5

religiosas e nacionalistas, transformando-a em arma de combate. Nas palavras de

Serrano

Que doloroso contraste o da nossa época, em que de um lado ainda há quem

viva obsesso do perigo da intolerância medieval, das fogueiras da Inquisição

e até da profilaxia psicológica do Index no século da reforma, e não verbere,

em pleno século XX, a concepção estreita do materialismo histórico, a

tentativa até de uma literatura dirigida, consoante às diretrizes de Marx,

Engels ou Lenine, a coação que é asfixia da ciência, em nome de um

hipernacionalismo doentio, a fim de querer demonstrar-se uma pretensa

superioridade étnica, ou a missão providencial de tal ou tal nação moderna ou

contemporânea (p. 27 – 28).

O autor condena ainda a transformação do ensino de história em exposição de

belos fatos de efeitos oratórios fáceis e argumentos patrióticos em oposição ao caráter

científico, imparcial e objetivo da disciplina. Em seguida, discute a abordagem dos

programas oficiais de História propostos pela reforma Francisco Campos, em 1931.

Afirma que falta exequibilidade, crítica o método biográfico-episódico destinado às

turmas iniciais do primeiro ciclo, afirmando não ser história propriamente dita, e a

diminuição das horas-aula da disciplina. Atribui tais erros à falta de preparo e

experiência pedagógica dos legisladores. O erro dos legisladores resulta, na fala de

Serrano em que “[...] os alunos concluam [...] o curso de História com proveito mínimo,

senão quase nulo, salvo os que, por esforço pessoal, suprem as deficiências dos

programas” (1935, p. 30).

Além disso, o autor apresenta como medidas paliativas a adoção criteriosa da

cronologia e dos questionários metódicos, por meio de diversos tipos de quadros; a

onomástica; a uniformização de dados históricos por meio da utilização do alfabeto da

sociedade fonética internacional; a utilização constante da causalidade histórica; o

incentivo à criticidade e à pesquisa bibliográfica, à preleção, à leitura graduada, aos

exercícios de exposição oral e às projeções fixas e animadas. Tais prerrogativas

posteriormente apareceriam na reforma Capanema, nas instruções metodológicas e nos

programas da disciplina de história.

Cabe aqui ressaltar, que ainda que condene o método biográfico-episódico,

Serrano defende a onomástica, afirmando que

6

Nem todos [personagens históricos] interessam igualmente. Cumpre que os

alunos desde cedo compreendam porque certos indivíduos se tornam mais

dignos da atenção dos estudiosos do passado humano [...] Ao lado dos

monarcas e grandes conquistadores – às vezes tão prejudiciais ao progresso

humano – é indispensável apresentar desde cedo os construtores, os que

trabalharam para o bem da Humanidade, inventores, cientistas, homens de

pensamento e de ação, missionários, apóstolos, educadores de todos os

tempos (1935, p. 48 – 49).

Tal prerrogativa entra em contraste com a afirmação do autor que prega que o

ensino de história não deveria servir aos ardores patrióticos de governantes e deveria

evitar o culto às personalidades. Em seus manuais didáticos e nos futuros programas da

disciplina que viria a entregar ao ministro da educação, elege de acordo com métodos

não explicados, primordialmente personalidades políticas, para que os alunos biografem

e discutam feitos históricos, adotando em parte o método biográfico-episódico. Afirma

também ser favorável à utilização do ensino de história como parte da disciplina de

moral e cívica. Justifica dizendo:

Estudada e ensina à luz dos métodos racionais, pode a história contribuir de

modo apreciável para a grande obra da educação nacional. A primeira

condição para defender os altos interesses da Pátria é conhecê-la bem no seu

passado, a fim de compreender como, do que foi, veio a ser o que hoje é. O

patriotismo não deve ser amor cego, ignorante, exagerado, sistematicamente

laudativo de quando diga respeito ao seu país, sem exame prévio dos fatos,

sem critério na apreciação dos valores. Muito ao contrário. Reconhecer os

erros, as deficiências, as necessidades do meio social a que pertencemos é

estímulo para que nos esforcemos, na esfera de nossa influência, por minorar

ou corrigir tais males. Fora deplorável equívoco supor que um curso de

história pátria deveria ser, da primeira à última lição, um panegirico

hiperbólico, Cumpre dizer sempre a verdade. Traçando o perfil dos grandes

vultos, não há mister hipertrofia-los: apresentemo-los quais foram –

humanos, falíveis, com as inevitáveis fraquezas dos seres reais.

Prossegue:

Sublinhemos, porém, o que fizeram de bom e de sutil para o progresso do

Brasil. Principalmente os que construíram devem ser apontados, para

admiração e exemplo. Bem difícil é estudar a história pátria sem que o

sentimento perturbe a serenidade das apreciações. Afinal é a nossa terra e a

nossa gente, ou, como da sua França escreveu Lavisse ‘a carne da nossa

carne, o sangue do nosso sangue’. Mas há de ser um entusiasmo de amor

esclarecido, que estuda que raciocina e que pondera. Dado que não fosse

plenamente realizável, muito seria já conhece-lo e propugná-lo (1935, p.

140).

7

Logo, ainda que tenha criticado inicialmente a reforma Campos opta por ajudar

na consolidação de suas principais prerrogativas. A respeito das obras didáticas, Serrano

se posicionou também na obra aqui trabalhada. Defendeu que não era possível a

qualquer professor, embora competente, a redação de um bom manual, em condições

desejáveis (1935, p. 74), alertando ainda para a má qualidade de muitas obras que

circulavam então no mercado brasileiro, sem dar-lhes nomes, nem autores.

Nesse sentido, seria interessante então, entendermos o que Serrano considerava

uma obra didática de qualidade analisando sua principal obra com esse caráter,

“História Contemporânea” para a 5ª série secundária do ciclo fundamental (1938).

“História Contemporânea” para a 5ª série secundária do ciclo fundamental

(1938):

A obra “História da Civilização” insere-se em uma coletânea elaborada por

Serrano em cinco volumes, que o autor denominou “Curso de História” e que foram

publicados a partir de 1933. As obras contemplam o conteúdo específico para o ensino

de história em cada ano escolar, conforme a legislação do período. Nesse sentido, o

volume trabalhado aqui corresponde ao período contemporâneo, com capítulos de

história mundial, americana e brasileira, intercalados. Os conteúdos abordam temas que

vão da Revolução Francesa ao momento atual de publicação da obra. De acordo com o

autor, tal organização didática fora adotada a fim de fugir do

[...] erro de justapor a história da América e do Brasil à história geral. [Pois]

O aluno deve compreender a sequencia no tempo e no espaço, as causas e as

consequências, e como a história americana e, especialmente para nós, a

brasileira, reflete a ação poderosa de fatores da história geral (p. XVII).

Assim, os volumes apresentam organização didática idêntica, contendo no início

de cada capítulo um breve resumo do conteúdo abordado, tópicos gerais dos assuntos,

sinopse cronológica e tópicos para exercício. Na introdução da obra, Serrano justifica

que este último volume apresenta uma inovação:

[...] um trecho de leitura tirado de autor nacional ou estrangeiro. Não nos

limitamos a inserir trechos de historiadores especializados: às vezes uma

página de escritor ou publicista não tem menor interesse para tal ou tal

assunto, do que a erudita contribuição de um especialista eminente (p. XVI).

8

A escolha desses trechos de leitura acompanhava a lógica de que

[...] cada volume é escrito de acordo com o nível mental da média dos alunos

da respectiva série. [...] E além da idade, há que se considerar o

conhecimento menor ou maior das outras disciplinas, das línguas estrangeiras

e do próprio idioma vernáculo” (p. XVI).

O autor afirma ainda que aos alunos do 5º ano além de excelentes

conhecimentos adquiridos nas séries anteriores, seria

[...] indispensável [...] [a iniciação] na questão fundamental e complexa da

boa bibliografia e da crítica objetiva. Ao menos os melhores alunos da turma

devem ficar sabendo que não se pode discutir um assunto histórico sem

conhecimento da respectiva literatura, como dizem os alemães (p. XIX).

Porém, o autor não apresentou em seu manual textos dessa literatura nem

indicações mais profundas de leituras aos alunos. Nesse sentido, o que notamos nos

trechos destacados foi a constante preocupação de Serrano em frisar a importância do

conhecimento histórico no ensino secundário.

Na obra em questão, a crítica ao programa oficial feita pelo autor se refere à

recapitulação do ensinado anteriormente, item esquecido pelos legisladores. Ao sugerir

meios para que os professores efetuem a ação, Serrano crítica o pouco tempo semanal

disponível para ensino de história (p. XVIII).

Ao descrever os tópicos para exercício Serrano deixa clara sua posição quanto

ao papel do ensino de história. Nas palavras do autor:

Os tópicos para exercícios, - que são, compreenda-se bem, exemplificativos e

não exaustivos, insistem, sobretudo, nas questões de causas e efeitos, no

papel dos grandes vultos, na significação dos fatos mais importantes. Isto é

que é história, máxima para alunos da última série (p.XVII).

Ou seja, a escrita da história proposta por Serrano faz referências aos grandes

homens e aos grandes acontecimentos. Tal perspectiva serviria aos interesses do regime

no sentido de proporcionar a construção de uma nação que têm fatos e homens que

merecem destaque. A educação serviria para incutir na população que grandes

personalidades se sacrificaram em prol da nação, despertando o nacionalismo e o

9

patriotismo. E que os grandes fatos, tais como as guerras, e os movimentos

revolucionários foram necessários para garantir o bem do povo.

Nesse sentido, o autor apresenta já nos resumos iniciais dos capítulos opiniões

concernentes às questões políticas, econômicas e sociais do período. É o que podemos

notar no resumo apresentado na introdução do capítulo referente à primeira república

brasileira, denominado “O Brasil até 1930”, quando o autor afirma que

Findo o Governo provisório consequente à proclamação da república, entrou

o país na fase política definitiva, com a Constituição de 1891. Aceitas as

bases do regime norte-americano, passava o Brasil a ser uma federação de

estados autônomos, sob o governo de um presidente escolhido por eleição

direta. Foram ainda agitados os primeiros quatriênios, mas dominadas as

tentativas revolucionárias, começou uma fase de relativa calma e

reconstrução financeira. Após a fecunda presidência Rodrigues Alves, foram-

se acumulando erros e motivos de descontentamento, que explodiram na

Revolução de outubro de 1930 (p. 304).

Como se depreende do texto, Serrano afirma que o início da república foi

agitado e que dominadas as primeiras revoltas entrou em uma fase de relativa calmaria

socioeconômica, contudo após 1906 a situação alterou-se e sucederam-se diversos erros

e descontentamentos que contribuíram para a tomada do poder em 1930 pelos

revolucionários. Acreditamos aqui já estar uma evidência de um posicionamento do

autor que contribuiria para a justificação do novo regime uma vez que a revolução era

inevitável devido ao acúmulo de erros e descontentamentos.

Em seguida, nós tópicos abordados o autor destaca, como já referido

anteriormente, os grandes atos e os grandes homens, construindo uma narrativa

permeada por juízos de valor acerca desses. Assim, temos destaque às personalidades

dos primeiros presidentes do país. Enérgico e imparcial fora Floriano Peixoto (p. 305),

ponderado e honesto Prudente de Moraes (p. 305) e personalidades brilhantes, “[...] [os]

homens de valor excepcional” (p. 307) que compuseram os ministérios nacionais até o

fim do mandato de Rodrigues Alves, tais como Joaquim Murtinho, Barão do Rio

Branco, Pereira Passos e Osvaldo Cruz.

Na sequência histórica, os elogios às personalidades políticas cessam então

dando lugar a resumos mais curtos e objetivos sobre os próximos presidentes do

período. Serrano apenas cita o nome dos eleitos e ações esparsas, sem aprofundar

10

assuntos. Por exemplo, o governo de Hermes da Fonseca foi marcado pelas Revoltas da

Chibata, do Contestado e de Juazeiro, além das constantes intervenções nos estados.

Sobre o último dado, o manual não faz nenhuma referência. Acerca das revoltas,

Serrano afirma que aconteceram algumas “[...] sem maiores consequências” (p. 308).

Os tópicos governamentais permanecem pobres de informações até o autor

manifestar-se sobre os feitos do movimento de 1930. Temos então uma descrição

detalhada dos atos do novo regime tais como a elaboração do código eleitoral, à

concessão do direito ao voto às mulheres, a elaboração de um novo tipo de alistamento

eleitoral e promulgação da nova Constituição de 1934. O espaço que utiliza para

escrever os feitos modernizantes do novo regime contrasta com a falta de citação acerca

de meios autoritários utilizados pelos revolucionários. Entre esses atos que não

encontramos referências na obra, podemos citar a manipulação eleitoral que levou ao

movimento de 1930, a abolição do Congresso Nacional e das Câmaras municipais e a

criação dos cargos de interventor estadual escolhido pelo governo provisório

(SKIDMORE, 1982, p. 32 – 33).

Serrano parece-nos justificar o regime a partir de seus bons atos, omitindo os

processos que levaram a ascensão e manutenção de Vargas no poder. Essas parecem ser

evidências já de um discurso nacionalista que anos depois seria encampado pela

historiografia de referência7 que tende a interpretar a Revolução de 1930 como uma

ruptura entre o Brasil arcaico e descentralizado da República Velha e um novo país

moderno, industrializado e centralizado surgido durante a Era Vargas. Ou seja, uma

espécie de apoio ao discurso estatal de nacionalização e modernização da sociedade

brasileira por meio de medidas políticas autoritárias. Essas omissões históricas e o apoio

ao regime explicitados no manual didático fazem parte do projeto de construção da

nação elaborado nos anos Vargas à medida que contribuíram para consolidar na

população o sentimento de que a revolução era verdadeiramente nacional e defendia os

interesses públicos, ou seja um movimento nacionalista e patriótico.

7 Essa é a perspectiva adotada em Skidmore (1988); Carone (1976), Fausto (1994), Gomes (1999). É

interessante ressaltar que em 2004, cinquentenário da morte de Vargas, em seminário proposto pelo

Memorial do Ministério Público do Rio Grande do Sul, grande parte dos autores convidados a

palestrarem, reafirmou, por meio de suas pesquisas, ter sido a Era Vargas um momento de ruptura no

Brasil. Ver mais em: Axt; Barros Filho; Seeling; Bojunga, 2005.

11

A abundância de dados do recém-instaurado governo Vargas contrasta também

com as miseras três linhas que Serrano dedica ao governo de Washington Luís “O

sucessor do dr. Arthur Bernardes foi o dr. Washington Luís, deposto pela Revolução de

Outubro de 1930” (p. 309). Ou melhor, na omissão que o autor faz ao não descrever os

acontecimentos que levaram ao movimento de 1930, tais como as revoltas dos tenentes

que iniciaram em 1918. Serrano apenas cita a revolta do forte de Copacabana em 1922 e

1924, não fazendo nenhuma referência a Luís Carlos Prestes e sua coluna

revolucionária. O autor também faz breve referencia ao movimento revolucionário

paulista que explodiu em 1932, não citando características, motivos, participantes e

consequências. Poderíamos interpretar tais omissões como censura estatal varguista a

escrita da história? Quer como tentativa de silenciar os opositores do regime quer como

uma espécie de conciliação com a elite paulista, incorporando o movimento como

pertencente à revolição de 1930? A construção didática dessa conciliação poderia servir

às prerrogativas varguistas de união da nação e centralização do governo, pois apagaria

a insurreição paulista das páginas da história gerando no grosso da população a ideia de

que todo o país estaria a favor de Vargas, da revolução e do regime instaurado.

Outro dado interessante são as conceituações diferenciadas que Serrano faz entre

a tentativa de Deodoro da Fonseca de dissolver o Congresso em 03 de novembro de

1891 e o movimento de outubro de 1930. Ao primeiro o autor denomina golpe, ou

“como tentativa de infringir a constituição” (p. 304). Já ao segundo de “triunfante

revolução” (p. 309) e “revolução nacional” (p.311). Podemos interpretar também aqui

indício de sua aprovação e ação propagandista do movimento varguista, pois como

sabemos, o governo provisório varguista dissolveu o Congresso assim que assumiu a

presidência e sobre isso, Serrano não faz nenhuma referência. A utilização da expressão

“revolução nacional” também pode ser um indício de que Serrano compactou com o

projeto varguista de construção da nação no sentido de que esse é o único movimento

político ao qual o autor alia mudança ao caráter patriótico.

Para concluir, é interessante analisarmos o trecho de leitura que fecha o capítulo

de análise. Intitulado “O Brasil dos nossos dias” o texto foi elaborado pelo próprio

Serrano e publicado em obra anterior, em desacordo com o que o autor proporá na

introdução da obra, como referido. Pretendendo-se imparcial, Jonathas Serrano avalia os

12

estados do Rio de Janeiro e de São Paulo principalmente após os “[...] recentes

melhoramentos destes últimos anos” (p. 310) cidades maravilhosas de progresso

inteligente e rápido, afirmando ainda que “[...] o resto do país só espera os impulsos da

energia competente, em sólidas bases financeiras” (p. 310).

Em seguida, ainda que diga que há elementos “[...] para que se possa afirmar que

os trinta anos do século atual representam para o Brasil um progresso notável em todos

os aspectos da sua atividade” Serrano afirma que teriam sido nos últimos anos que os

“sintomas de inquietação, de exagero, que revelam as forças novas impacientes de agir e

rebeldes à repetição mecânica e servil do passado” teriam se manifestado e conduzido o

país ao progresso. E graças a elas “O nível de cultura média vai subindo, apesar da

proporção ainda vergonhosa de analfabetos. [E] Em todos os assuntos se vão formando

estudiosos bem informados” (p. 310). Como podemos notar o discurso do autor aqui

conflui com os ideais da reforma educacional proposta por Francisco Campos em 1931,

por meio do decreto nº 19. 890.

Por meio da legislação referida, Campos estabelecia um ensino secundário “[...]

para a vida pública, para aqueles que deveriam orientar e definir as grandes decisões

coletivas, estabelecer a organização política que viria dar sentido e direção à economia

nacional, as ‘nossas elites’, enfim” (MORAES, 1992, p. 304). Era nas mãos dessa elite

formada de acordo com os preceitos do novo sistema de ensino que seria posto então a

obra de organização e de racionalização da economia nacional e das leis do país.

Postura partilhada por Serrano como vimos ao longo desse texto. Nessa confluência de

pensamentos é que acreditamos estar a chave para explicar a liderança exercida por

Serrano na adoção de manuais didáticos no período.

Considerações finais

Como se pode notar pelo exposto, ainda que tenha se posicionado contrário à utilização

da matéria histórica como meio de despertar o nacionalismo exacerbado, Jonathas Serrano ao

adotar a onomástica contribuiu para tal utilização. Além disso, preconizou a história política e

classificou como heróis aqueles que venceram disputas políticas, em especial personagens

importantes após a Revolução de 1930. Revolução essa classificada pelo autor como marco de

modernização e melhora de aspectos sociais e econômicos do país. Por meio desse discurso nos

manuais didáticos, Serrano contribuiu na construção de um modelo de nação idealizado pelos

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revolucionários varguistas. Em muitas passagens das duas obras do autor é possível constatar

que Serrano aderiu ao discurso nacionalista e autoritário do governo elogiando atos dos

revolucionários e omitindo e deturpando ações desfavoráveis aos varguistas. Em relação ao

período anterior, o autor deixou claro que a revolução fez-se necessária em um contexto

turbulento, colocando os revolucionários como guardiões da nação, tal qual o discurso estatal e

de justificação da revolução e posteriormente, do período ditatorial.

Conforme constatamos pela análise de conteúdo, as obras aqui discutidas

contribuíram também na ascensão profissional de Jonathas Serrano junto ao governo

Varguista. O autor ao defender principalmente a incontestabilidade do alto valor

educativo da disciplina histórica e a importância de seu ensino no ciclo primário e

secundário além é claro, de evitar críticas contundentes e pontuais às figuras e fatos

centrais do novo regime costurou alianças que o levaram ao Ministério da Educação e

Saúde Pública, bem como à Comissão Nacional do Livro Didático. À frente desse

órgão pode constatar que grande parte dos manuais de história do período seguiram à

risca as instruções presentes em “Como se ensina História”. Em análise parcial de seus

pareceres e possível constatar que as alterações que sugeria aos autores como critério

para aprovação seguem as instruções presentes na obra.

De acordo com Hollanda, as obras de Serrano

Com efeito, não facilitavam tanto a memorização pelo discente e podiam

obrigar o docente a dar explicações complementares, para as quais nem

sempre estava preparado ou desejoso. Isto decorria de uma expansão, ou

melhor, inflação, do nosso ensino secundário, que seria um sintoma de

ascensão social das massas, causada pela industrialização rápida e

desordenada do nosso País (p. 137).

Nesse sentido, Serrano aproveitou a expansão do ensino e sua utilização

política pela Era Vargas para, por meio de seu prestígio como docente e autor de

manuais didáticos, ingressar nos órgãos de administração federal dos assuntos

educacionais. Em pleno exercício das atividades administrativas imprimiu sua marca

nas metodologias e nos programas para o ensino de História bem como se tornou porta-

voz dos ideais políticos dessa matéria por intermédio de suas aulas na “Universidade do

Ar”. No decorrer das palestras que proferiu na iniciativa federal de formação de

professores discorreu sobre seus pontos de vista históricos, como os professores

deveriam orientar suas aulas e quais materiais adotar.

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O autor aliou assim seu discurso educacional aos ideais do regime galgando

postos na administração federal contribuindo para o discurso de ruptura e de construção

nação propagado pela Era Vargas.

Bibliografia

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Fontes documentais

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Arquivo Gustavo Capanema. GCg 1940.02.01, rolo 55, fls. 290 – 363. CPDOC – FGV – RJ.