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1 O ENSINO DE FILOSOFIA, O TRABALHO COLETIVO NA ESCOLA E SUA CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO DO CIDADÃO 1 Cleides Terezinha Fries 2 [email protected] RESUMO: Este artigo pretende mostrar a contribuição do ensino de Filosofia na formação para a cidadania, a partir das determinações legais, e a possibilidade de articulação curricular, para o trabalho coletivo escolar. Busca na literatura idéias que convergem para esta intenção, e o que está na legislação. Na pesquisa qualitativa adota estratégia metodológica do Discurso do Sujeito Coletivo, realizada no Colégio Estadual Castelo Branco - EM, onde implementa a ação, que tenciona verificar como o trabalho coletivo na escola deve se efetivar para que contribua com a formação para o exercício da cidadania. PALAVRAS-CHAVE: Filosofia. Cidadania. Ética. Política. Democracia. ABSTRACT: This article intends to show the contribution in teaching Philosophy in formation of the citizenship, according to the legal determinations and the possibility to joint it to the curriculum for the school collective work. It searches in the Literature ideas that converge to this intention and what is in Law. This qualitative research methodology adopts the stratedy of Speech by Collective Subject done at Colégio Estadual Castelo Branco - EM, where implants the action which aims to check how the collective work at school should be done to help in the exercise of citizenship KEY WORDS: Philosophy. Citizenship. Ethics. Politics. Democracy. 1 INTRODUÇÃO O presente artigo apresenta os resultados do trabalho desenvolvido no Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, edição 2007, que se propôs investigar as contribuições da Filosofia na formação para a cidadania. Questiona a possibilidade do ensino de filosofia preparar para o exercício da cidadania: É possível, a partir das determinações legais, através do ensino de Filosofia, preparar o educando para o exercício da cidadania? E quando se coloca a preparação do educando para o exercício da cidadania, de que cidadania se fala? Com a preparação do educando para o exercício da cidadania, contribuir-se-á para a conquista dos direitos humanos, para a emancipação, convivência democrática, ética na política? _____________________ 1Trabalho Final do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, Edição 2007 2 Professora de Filosofia da Rede Estadual de Ensino do Paraná

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Page 1: O ENSINO DE FILOSOFIA, O TRABALHO COLETIVO NA ... O ENSINO DE FILOSOFIA, O TRABALHO COLETIVO NA ESCOLA E SUA CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO DO CIDADÃO1 Cleides Terezinha Fries2 profcleidefries@seed.pr.gov.br

1

O ENSINO DE FILOSOFIA, O TRABALHO COLETIVO NA ESCOLA E SUA CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO DO CIDADÃO1

Cleides Terezinha Fries2

[email protected]

RESUMO: Este artigo pretende mostrar a contribuição do ensino de Filosofia na formação para a cidadania, a partir das determinações legais, e a possibilidade de articulação curricular, para o trabalho coletivo escolar. Busca na literatura idéias que convergem para esta intenção, e o que está na legislação. Na pesquisa qualitativa adota estratégia metodológica do Discurso do Sujeito Coletivo, realizada no Colégio Estadual Castelo Branco - EM, onde implementa a ação, que tenciona verificar como o trabalho coletivo na escola deve se efetivar para que contribua com a formação para o exercício da cidadania.

PALAVRAS-CHAVE: Filosofia. Cidadania. Ética. Política. Democracia.

ABSTRACT: This article intends to show the contribution in teaching Philosophy in formation of the citizenship, according to the legal determinations and the possibility to joint it to the curriculum for the school collective work. It searches in the Literature ideas that converge to this intention and what is in Law. This qualitative research methodology adopts the stratedy of Speech by Collective Subject done at Colégio Estadual Castelo Branco - EM, where implants the action which aims to check how the collective work at school should be done to help in the exercise of citizenship

KEY WORDS: Philosophy. Citizenship. Ethics. Politics. Democracy.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta os resultados do trabalho desenvolvido no

Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, edição 2007, que se propôs

investigar as contribuições da Filosofia na formação para a cidadania.

Questiona a possibilidade do ensino de filosofia preparar para o exercício da

cidadania: É possível, a partir das determinações legais, através do ensino de

Filosofia, preparar o educando para o exercício da cidadania? E quando se coloca a

preparação do educando para o exercício da cidadania, de que cidadania se fala?

Com a preparação do educando para o exercício da cidadania, contribuir-se-á para a

conquista dos direitos humanos, para a emancipação, convivência democrática,

ética na política?

_____________________1Trabalho Final do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, Edição 20072 Professora de Filosofia da Rede Estadual de Ensino do Paraná

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Como desenvolver o Ensino de Filosofia a fim de possibilitar a formação para

o exercício da cidadania? E ainda, a disciplina de Filosofia pode possibilitar uma

articulação curricular, viabilizando condições para o trabalho coletivo escolar?

Com a promulgação da chamada “Constituição Cidadã”, em 1988, acredita-se

que com a democratização das instituições os problemas nacionais são

solucionados. No entanto, com o modelo de desenvolvimento econômico excludente

e concentrador de renda que acentua as desigualdades, o desafio da educação é

pensar, e atuar de forma a atingir os preceitos constitucionais, principalmente no que

diz respeito à Educação. No Paraná, em 1994, o Departamento de Ensino Médio,

realiza estudos com o objetivo de elaborar uma proposta curricular de Filosofia, é

elaborada a Proposta Curricular de Filosofia para o Ensino Médio, e se inicia

processo de implementação do ensino de Filosofia nas escolas públicas estaduais.

Nas escolas onde há professor de Filosofia, a disciplina é inserida no currículo como

estudos complementares, é o caso do Colégio Estadual Castelo Branco - EM. Mas

com a mudança de governo em 1995, o processo é interrompido, inicia-se a

reestruturação do sistema público de ensino direcionado aos interesses do mercado,

que se fundamenta no que recomenda o Banco Mundial: a educação básica deve ter

padrão de qualidade adequado para dar sustentação à base técnica do trabalho e

garantir a eficácia do capital globalizado. Para atender a esse propósito, a SEED

indica uma multiplicidade de opções de disciplinas e/ou projetos para compor o

currículo, o que fragmenta ainda mais o conhecimento, com a redução da carga

horária das aulas. A Filosofia, que questiona, investiga, busca a verdade dos fatos,

não interessa aos governantes que pretendem manipular o povo de acordo com

seus interesses.

Confirma-se assim a necessidade de organização dos educadores em defesa

de políticas públicas, especialmente para a educação, que não pode ficar a mercê

dos interesses de um governo.

A expectativa pela aprovação da Lei nº 9394/1996, é frustrada, sua

flexibilidade permite muitas interpretações, o que ocorre com o ensino de Filosofia e

Sociologia, apesar de prever que o estudante deverá dominar os conhecimentos

necessários ao exercício da cidadania, não determina a inclusão das disciplinas no

currículo, que recebem em muitas escolas somente tratamento transversal,

conforme determinações dos Parâmetros Curriculares Nacionais.

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Isso começa a mudar em 2006, no Paraná, com a Lei nº 15.228/2006, a

Filosofia conquista seu espaço no currículo. Porém, muitas dúvidas permeiam o

imaginário dos educadores com relação ao ensino de Filosofia no Ensino Médio.

Conquista-se um espaço no currículo, mas não se define o número de aulas e as

séries. Finalmente, em 2008, é sancionada a Lei nº 11.684/2008, que altera a Lei Nº

9394/1996, e inclui a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias do ensino

médio, que agora têm o amparo legal e devem fazer parte do currículo escolar, nas

três séries do Ensino Médio. Mas deve-se determinar como e quando isso

acontecerá, pois os currículos escolares têm que ser revistos. Dessa forma, se

permite aos adolescentes e jovens do ensino médio, o acesso a todas as disciplinas

do conhecimento, o que pode possibilitar a formação do cidadão ativo, crítico,

emancipado, que vive em uma sociedade plenamente humana.

Gallo alerta que se vive em uma sociedade de controle, e o ensino de filosofia

pode ser usado também como um instrumento de controle. Afinal, para que fazer de

todos cidadãos? (2003,p. 30)

O Brasil apresenta ainda, uma realidade desumana quanto à distribuição de

renda. A população não é somente excluída do econômico, mas também

discriminada racial, étnica, sexual e regionalmente. Da mesma maneira que ocorre

em diversos espaços da vida social, política, cultural, se repete na própria escola.

Educa-se para preparar “cidadãos” para a “sociedade do conhecimento”, o que se

faz é inserir as pessoas em um mercado de trabalho cada vez mais exigente e

menos sensível a vocações, anseios e necessidades humanas. (KOHAN, 2003)

Diante disso, quais as possibilidades da Filosofia no processo educativo?

Como se pode estabelecer o diálogo com as demais áreas do conhecimento, afim de

desenvolver uma proposta interdisciplinar? Que saberes são necessários para

atender as expectativas educacionais atuais? Qual o conhecimento que se tem da

legislação que regulamenta as ações nos diferentes segmentos sociais e permite a

convivência social?

A partir dessas reflexões, desenvolveu-se este trabalho que mostra em

primeiro plano, que a educação para o exercício da cidadania exige compreensão

dos conceitos de cidadania e de democracia, contextualizados social, legal, política,

econômica e historicamente. Faz-se necessário, portanto, definir o que se quer dizer

quando se diz educar para o exercício da cidadania, compreender o processo

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político e a participação política, e as responsabilidades das diferentes instituições

sociais neste processo: política, educação, família, ou seja, o coletivo social.

Na seqüência, investiga como a Filosofia pode fundamentar a compreensão,

a educação e o preparo do adolescente para o exercício da cidadania no adulto.

Pretende mostrar que a formação do professor; deve articular-se com os propósitos

da educação e apresenta algumas propostas que possam auxiliar na práxis da

cidadania na escola.

Para isto, baseia-se em autores cujas idéias convergem na mesma finalidade,

além daquelas presentes na legislação, mais especificamente as relativas à

educação e ao ensino de Filosofia. E finalmente, apresenta resultados da

implementação da ação no Colégio Estadual Castelo Branco – EM, onde atua o

Professor PDE. Para diagnóstico realiza pesquisa qualitativa e adota estratégia

metodológica do Discurso do Sujeito Coletivo, de Lefévre e Lefévre. A abordagem

metodológica dialética, pois as coisas e os conceitos são entendidos nas relações

que se estabelece no contexto em que se realizam. A articulação curricular na

viabilização de condições para o trabalho coletivo escolar, através da

interdisciplinaridade, de forma que contribua com a formação para o exercício da

cidadania. Busca uma metodologia de problematização e investigação que visa à

autonomia do pensar e provoca o diálogo no espaço escolar.

Em linhas gerais, essas são intenções deste trabalho, que tem como objetivo

despertar o pensamento crítico, buscar conhecimento da legislação, da ética, da

política que possibilitam a coerência entre o pensar e o agir, a teoria e a prática, e

contribuam na formação do cidadão.

2 O QUE SE QUER DIZER QUANDO SE DIZ “EDUCAR PARA O EXERCÍCIO DA

CIDADANIA”?

A preocupação com a educação para o exercício da cidadania tem figurado

constantemente, além da legislação, nos meios de comunicação. O que pode ser

entendido, pois como afirma Canivez, “a cidadania define a pertença a um Estado”,

garante ao indivíduo um status jurídico, ou seja, direitos e deveres particulares, que

dependem de leis próprias de cada Estado. O problema da cidadania coloca em

questão o modo de inserção do indivíduo em sua comunidade, e a sua relação com

o poder político. (1991,p.15)

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Em uma comunidade política os cidadãos reconhecem a autoridade de uma

mesma lei, que a fonte de autoridade está na lei, e por reconhecer a autoridade

desse princípio o cidadão é livre, não está sujeito a ninguém em particular. Todos os

cidadãos são iguais perante a lei, já que ela se impõe igualmente a todos. Na

Constituição Federal define-se as regras do exercício do poder, portanto, o que

fundamenta o Estado é a autoridade da lei. Os direitos e deveres do cidadão são

definidos pela lei: dependem do Estado e de sua própria legislação.

Constata-se que a maioria dos cidadãos pouco se preocupa com a ação

política. A participação na vida pública é uma possibilidade e não uma obrigação.

Mas, o cidadão deve ser ativo, agir sobre os que governam, contribuir para a

formação da opinião pública. Isso é uma questão para a Educação, já que a

igualdade dos cidadãos implica na igualdade em relação ao saber e à formação. A

educação não pode consistir apenas em informação ou instrução que permite aos

governados, o conhecimento de seus direitos e deveres, para que a eles se

conformem com escrúpulo e inteligência. Deve oferecer uma educação que

corresponda à sua posição de governante potencial. (CANIVEZ, 1991, p.31)

É também na escola que se institui a cidadania, pois se deixa de pertencer

somente à família para se integrar à comunidade. É na escola que seres diferentes

convivem sob a autoridade de uma mesma regra. O exercício da autoridade na

escola pode fundamentar-se em processos de discussão e de deliberação coletivas.

Organiza-se o espaço escolar e os alunos para que decidam as regras e confiem

tarefas mútuas. Mas, a educação dos cidadãos supõe conhecimento da legislação e

das instituições, a pessoa deve conhecer as leis que delimitam seus direitos e

deveres, distinguir em que situações se aplicam. O cidadão deve conhecer a lei para

que não fique exposto às arbitrariedades de uma pessoa ou grupo, já que a lei,

válida para todos, permite resolver as divergências sem conflitos. A existência da

democracia não pode depender da vontade dos governantes, pois só será garantida

se a comunidade for capaz de opor-se aos casos de abuso de poder.

O princípio democrático estabelece que todos têm o mesmo direito de

participar livremente das decisões, a discussão possibilita a pluralidade de idéias.

Todos os cidadãos podem (e devem) participar do debate político. O governo deve

promover a discussão, apresentar suas ações, explicá-las, organizar o debate para

que as decisões possam ser tomadas e aceitas pela maioria dos participantes.

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Aristóteles afirma no livro III da Política: Para ser cidadão não é suficiente

habitar o território e poder pleitear seu direito diante dos tribunais. O cidadão

autêntico exerce uma função pública: governa, tem uma função no tribunal, ou

participa das assembléias do povo, onde todos têm direito à palavra e podem

participar da direção dos assuntos. Cidadãos são aqueles que têm a possibilidade

de aceder a uma função pública. A cidadania é a participação ativa nos assuntos da

cidade. Nesse sentido, a liberdade não consiste apenas em gozar de certos direitos,

consiste essencialmente no fato de ser, como diz Hannah Arendt: ”co-participante no

governo” (apud CANIVEZ, 1991).

Logo, os cidadãos devem participar e se manifestar por meio da imprensa,

dos sindicatos, dos partidos políticos, julgar com a visão de quem governa, pensar

os problemas em função do interesse coletivo, assim as decisões resultam da

escolha entre diferentes projetos possíveis, e estão menos sujeitas ao erro.

Em uma democracia, a escola precisa formar cidadãos ativos. Deve

proporcionar a cultura, tanto como conjunto de conhecimentos referente às noções

essenciais dos principais domínios do saber, convívio com obras de arte, quanto

como desenvolvimento do gosto e da sensibilidade estética. O desafio político da

educação estética, da cultura no sentido de convívio com as obras de arte, é cultivar

o sentido de uma comunidade edificada na discussão, na procura de um acordo cuja

possibilidade, através das divergências, constitui o objeto de uma certeza

compartilhada. O gosto pela discussão favorece a compreensão dos problemas,

permite recusar o poder arbitrário e violento, opor a resistência pela idéia do Direito.

Proporciona assim, os meios para aprovar uma política com conhecimento de causa,

e traz a adesão da qual depende seus resultados (CANIVEZ, 1991).

Portanto, quando se diz “educar para o exercício da cidadania” não se trata

de atender aos apelos veiculados pelos meios de comunicação, que visam às

necessidades do mercado, ou as do poder político que pode pressupor somente o

cumprimento dos deveres. Refere-se à cidadania enquanto participação autônoma,

emancipada, ativa, em todos os âmbitos da vida do cidadão. Não se trata de falar

em vida digna para todos, mas buscar a efetivação dos direitos civis, políticos e

sociais que constituem a cidadania. Para tanto, a educação, e mais especificamente,

a Filosofia, tem contribuição decisiva nessa formação.

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Como afirma Severino, a filosofia se destina a formar a coletividade humana.

Não sem razão, ressalta-se que o compromisso fundamental do conhecimento é

com a construção da cidadania, entendida como forma adequada de existência no

âmbito social, adequada porque realiza uma necessária qualidade de vida, que o

próprio conhecimento permite configurar historicamente. A filosofia se dirige ao todo

da população e sua finalidade é a formação humana. Não se pode ser plenamente

humanizado sem a prática do pensar reflexivo, sem o seu efetivo exercício (2003).

Agora, para que se conquiste a coerência entre o pensar e o agir, a ação

educativa precisa ser alicerçada em uma visão política.

2.1 As filosofias políticas

Chaui afirma que a visão de política que se tem hoje, como algo perigoso e

distante, como uma conduta calculista e oportunista, uma força corrupta e, através

da polícia, uma força repressora usada contra a sociedade, como poder do qual se é

vítima tolerante, que admite a violência, é paradoxal porque a política foi inventada

pelos humanos para expressar suas diferenças e conflitos sem transformá-los em

guerra total, em uso da força e extermínio recíproco. O modo pelo qual os humanos

regulam e ordenam seus interesses conflitantes, seus direitos e obrigações

enquanto seres sociais.

E só se pode opor a esses fatos e lutar contra eles através da política. As

utopias de emancipação humana contra as modalidades de servidão, escravidão,

autoritarismo, violência e injustiça concebem o fim de poderes ilegítimos, mas não o

fim da política. As pessoas decepcionadas que recusam participar de atividades

sociais com fins políticos, com seu isolamento e sua recusa, fazem política, pois as

coisas continuam iguais. “A apatia social é uma forma passiva de fazer política”,

afirma Chaui.

Política e Filosofia surgem no mesmo período, “a Filosofia é filha da polis” e

por sua origem, não deixa de refletir sobre o fenômeno político, elaborar teorias para

explicar sua origem, sua finalidade e suas formas. Assim, os homens, seres que

falam e pensam, são seres de comunicação e é essa a causa da vida em

comunidade ou da vida política. Para os gregos, a finalidade da vida política é a

justiça na comunidade. A justiça política respeita o modo pelo qual a comunidade

determina a participação no poder. (Chaui, 1995, p.380)

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De acordo com Platão e Aristóteles um regime só é político se for instituído

por leis publicamente reconhecidas e sob as quais todos vivem, governantes e

cidadãos, sendo assim, a presença da lei torna o regime político legítimo, pois as leis

são feitas segundo a justiça. A presença ou ausência da lei, alterações econômicas

e militares, levam a corrupção ou decadência dos regimes políticos. Os filósofos

gregos concederam ao Ocidente a idéia de regimes políticos naturais.

Chaui afirma que se a finalidade da política é a vida justa e feliz, vida humana

digna de seres livres, nesse caso, ética e política são inseparáveis. Para os gregos

era inconcebível a ética fora da comunidade política.

Aristóteles distingue teoria e prática, diferencia poiesis e práxis. Reserva à

práxis um lugar privilegiado, a práxis por excelência é a política. Na obra, Ética a

Nicômaco, escreve: “A política se serve das outras ciências práticas e legisla sobre o

que é preciso fazer e do que é preciso abster-se; assim, o fim buscado por ela deve

englobar os fins de todas as outras, conclui que o fim da política é o bem

propriamente humano.” (apud CHAUI, 1995, p.385)

Aristóteles condiciona o bem do indivíduo ao bem da polis, as qualidades das

leis e do poder implicam nas qualidades morais dos cidadãos e as qualidades da

cidade dependem das virtudes dos cidadãos. Na cidade boa e justa os homens são

bons e justos e homens bons e justos constituem uma cidade boa e justa.

Em O príncipe, Maquiavel afirma que toda cidade é dividida por dois desejos

opostos: o desejo dos grandes de oprimir e comandar e o desejo do povo de não ser

oprimido nem comandado. Assim, a política nasce das lutas sociais e é obra da

própria sociedade para dar a si mesma unidade e identidade. A política resulta da

ação social a partir das divisões sociais, pois a sociedade não pode ser vista como

uma comunidade una, indivisa, homogênea, voltada para o bem comum. Essa

imagem da unidade e da indivisão, diz Maquiavel, é uma máscara com que os

grandes recobrem a realidade social para enganar, oprimir e comandar o povo. A

finalidade da política é a conquista e manutenção do poder. O verdadeiro príncipe é

aquele que sabe conquistar e conservar o poder, para isso, o príncipe deve ter virtu,

qualidades do dirigente para tomar e manter o poder.

Para isso, o príncipe não pode ser odiado, deve ser respeitado e temido. Visto

que, para Maquiavel, a política não é a lógica racional da justiça e da ética, mas a

lógica da força transformada em lógica do poder e da lei. A virtude política do

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príncipe aparece na qualidade das instituições que cria e mantém e na capacidade

de enfrentar ocasiões adversas: a fortuna ou a sorte. A legitimidade e ilegitimidade

dependem do modo como as lutas sociais encontram respostas políticas capazes de

garantir o princípio que rege a política: o poder do príncipe deve ser superior ao dos

grandes e estar a serviço do povo. É legítimo se for uma república, se o poder não

está a serviço dos interesses de um particular ou de um grupo de particulares.

A oposição virtude-fortuna nunca abandona a ética e, esta surge inseparável

da política, a mesma oposição se fez presente no pensamento político. Neste, o

governante virtuoso é aquele cujas virtudes não cedem ao poder da fortuna. Porém,

a virtu é a capacidade do príncipe para ser flexível às circunstâncias e aos tempos,

como ousadia para agarrar a boa ocasião e força para não ser arrastado pelas más.

A lógica política não segue as virtudes éticas dos indivíduos em sua vida privada, o

que pode ser imoral na ética privada pode ser virtu política. Maquiavel introduz a

idéia de valores políticos medidos pela eficácia prática e pela utilidade social, o

ethos político e o ethos moral são diferentes e não há fraqueza política maior do que

o moralismo que mascara a lógica real do poder.

Em relação ao poder, pergunta-se por que seres independentes concordam

submeter-se ao poder político e às leis, para formar uma sociedade? Indagações a

respeito da origem da sociedade e da política, originam as idéias de Estado de

Natureza e Estado Civil.

Uma das concepções de Estado de Natureza, é de Hobbes, do século XVII,

para ele, os seres humanos vivem isolados e em luta constante, vale a guerra de

todos contra todos ou “o homem lobo do homem”. Nesse estado, reina o medo e a

insegurança, então os homens inventam as armas e cercam as terras que ocupam

para terem segurança. Mas não há garantia de vida, a posse não é reconhecida,

prevalece a lei do mais forte, que pode tudo quanto tenha força para conquistar e

conservar. Outra concepção é a de Rousseau, do século XVIII: em Estado de

Natureza, as pessoas vivem isoladas, sobrevivem com o que garante a Natureza,

desconhecem lutas e comunicam-se em língua aberta e benevolente. Esse estado

de felicidade original, do bom selvagem inocente, termina com a divisão entre o meu

e o teu, surge a propriedade privada, que dá origem ao Estado de Sociedade.

Nas concepções de Estado de Natureza de Hobbes e do Estado de

Sociedade de Rousseau, impera o poder da força. Para deter esse estado de vida

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perigoso, os homens resolvem instituir a sociedade civil, criam o poder político e as

leis. A passagem do Estado de Natureza à sociedade civil se efetiva através de um

contrato social, pelo qual as pessoas renunciam à liberdade natural e à posse

natural de bens, riquezas e armas e aceitam transferir a outro o poder para criar e

aplicar as leis, surge a autoridade política. Baseia--se no conceito de direito natural:

por natureza, todos têm direito à vida, ao que é necessário à sobrevivência de seu

corpo, e à liberdade. Por natureza, todos são livres, mesmo que exista os mais fortes

e os mais fracos. Para Hobbes, pelo pacto, é criado o Estado, e para Rousseau, a

vontade geral como corpo moral coletivo, ou Estado.

Para Rousseau, o soberano é o povo, entendido como vontade geral, pessoa

moral coletiva livre e corpo político de cidadãos. Os seres humanos, pelo contrato,

criam-se a si mesmos como povos e a ele transferem os direitos naturais para que

sejam transformados em direitos civis. Assim, o governante é o representante da

soberania popular. Se aceita perder a liberdade civil e a posse natural para ganhar a

individualidade civil, ou seja, a cidadania. Enquanto criam a soberania e nela se

fazem representar, são cidadãos. No pensamento político de Hobbes e Rousseau, a

propriedade privada não é um direito natural, mas civil.

Quando a burguesia conquista o poder econômico, necessita de uma teoria

que lhe ofereça legitimidade política. Adota a teoria da propriedade privada como

direito natural, do filósofo inglês Locke, no final do século XVII. Locke parte da

definição do direito natural como direito à vida, à liberdade e aos bens necessários

para a conservação de ambas. Esses bens são alcançados pelo trabalho. O Estado

existe a partir do contrato social, com a finalidade de garantir o direito natural de

propriedade. O burguês se reconhece como superior social e moralmente aos

nobres, e também ao pobre, que não consegue se tornar proprietário privado, é

culpado por sua condição inferior. Pobre, não-proprietário e obrigado a trabalhar

para outros porque gasta o salário em vez de acumulá-lo para adquirir propriedades,

ou preguiçoso, pois não trabalha o suficiente para conseguir uma propriedade.

Para a teoria liberal a função do Estado, é garantir através das leis e do uso

legal da violência, o direito natural de propriedade, sem intervir na vida econômica,

pois, não tendo instituído a propriedade, o Estado não tem poder para nela interferir.

O Estado deve respeitar a liberdade econômica dos proprietários privados, deixar

que façam as regras e as normas das atividades econômicas, pois os proprietários

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privados são capazes de estabelecer as regras e as normas do mercado. Entre o

Estado e a pessoa se introduz a sociedade civil, sobre a qual a função do Estado é

de resolver, por meio das leis e da força, os conflitos da mesma. O Estado tem o

direito de legislar, permitir e proibir tudo que pertence à vida pública, garantir a

liberdade de consciência e de pensamento de todos os governados e pode usar a

censura quando as opiniões colocam em risco o Estado. Portanto, na teoria política

liberal o indivíduo é a origem e o destinatário do poder político, nascido de um

contrato social voluntário, no qual o contratante cede poderes, mas não cede sua

individualidade. O indivíduo é o cidadão.

As revoluções burguesas resultam na consolidação política da burguesia

como classe dominante, no entanto, a face democrática e igualitária que caracteriza

uma revolução, é derrotada por ela, que passa a dominar o Estado, as mudanças

reivindicadas pelas classes populares, constituir uma sociedade nova, justa, livre e

feliz, não são realizadas. Uma revolução mostra a estrutura e a organização da

sociedade e do Estado, a divisão social e política, a percepção de que o poder não é

natural nem necessário, mas resultado de uma ação humana e, como tal, pode ser

derrubado e reconstruído conforme as necessidades sociais. E ainda, a

compreensão de que os agentes sociais são sujeitos políticos e, portanto, dotados

de direitos. A consciência dos direitos faz com que os sujeitos sociopolíticos exijam

reconhecimento e garantia de seus direitos pela sociedade e pelo poder político, e

culmina com a declaração pública: Declaração Universal dos Direitos dos Cidadãos.

Pela declaração dos direitos, uma revolução estabelece a relação entre poder

político e justiça social, mas a justiça depende de instituições públicas que atendam

os cidadãos ao Estado. Compete ao poder político criar instituições que possam

atender e garantir a luta revolucionária por direitos.

Marx e Engels criticam o Estado liberal, e apresentam uma mudança decisiva

no modo de conceber a política e a relação entre sociedade e poder. O poder

político é a forma legal e jurídica pela qual a classe econômica dominante mantém

seu domínio. O aparato legal e jurídico dissimula que o poder político existe para

servir interesses e privilégios e garantir a dominação social. A sociedade civil é o

sistema de relações sociais que organiza a produção econômica, se realiza através

de instituições sociais: família, igrejas, escolas, polícia, partidos políticos, meios de

comunicação. É o processo de constituição e reposição das condições materiais da

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produção econômica que originam as classes sociais, que são antagônicas, seus

conflitos revelam a contradição de interesses, e se realiza como luta de classes.

O Estado aparece como poder público separado da sociedade civil, o

liberalismo o define como mantenedor do direito de propriedade privada e, reduz a

cidadania aos direitos dos proprietários privados. Então, a ampliação da cidadania é

resultado de lutas populares contra as idéias e práticas liberais. Marx investiga como

os homens passam da submissão ao poder pessoal de um senhor à obediência ao

poder impessoal do Estado.

Marx e Engels observam que, a cada modo de produção, a consciência dos

seres humanos se transforma. Por isso, afirmam que não são as idéias humanas

que movem a História, mas são as condições históricas que produzem as idéias. E

que o conjunto das relações de produção estabelece a estrutura econômica da

sociedade, onde se fundamenta a superestrutura jurídica e política que determina as

formas de consciência social. Portanto, não é a consciência dos homens que

determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua

consciência. (apud CHAUI, 1995, p. 414)

Por alegar que a sociedade se constitui a partir de condições materiais de

produção e da divisão social do trabalho, que as mudanças históricas são

determinadas por estas modificações, e que a consciência humana é determinada a

pensar as idéias que pensa por causa das condições materiais instituídas pela

sociedade, o pensamento de Marx e Engels é chamado de materialismo histórico.

Porém, a História como um processo de transformações sociais determinadas

pelas contradições entre os meios de produção e as forças produtivas. A luta de

classes exprime as contradições e é o motor da História. Por afirmar que o processo

histórico é movido por contradições sociais, o materialismo histórico é dialético.

No Estado moderno, as idéias de Estado de Natureza, direito natural, contrato

social e direito civil fundam o poder político na vontade dos proprietários dos meios

de produção, que se apresentam como indivíduos livres e iguais que transferem

seus direitos naturais ao poder político, instituindo a autoridade do Estado e das leis.

Assim, o Estado deve aparecer como expressão do interesse geral, que se encontra

a serviço do bem comum, da justiça, da ordem, da lei, da paz e da segurança, para

que se aceite a dominação. As pessoas só não percebem o vínculo entre o poder

econômico e o poder político por causa da ideologia, que leva a naturalização, ou

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seja, condiciona as idéias para que se pense que as coisas são como são porque é

natural que assim sejam. As relações sociais passam, portanto, a ser vistas como

naturais, existentes em si e por si, e não como resultado da ação humana. Através

da naturalização as idéias produzem alienação social.

Pelas condições da práxis cotidiana, há classes sociais com interesses

contrários. Quando estas se conscientizarem de sua práxis, se unirem e

organizarem, haverá transformação social, sem divisão e luta de classes, passam à

praxis política. Por isso, Marx e Engels dizem que a emancipação dos trabalhadores

terá que ser realizada pelos próprios trabalhadores. A sociedade comunista, livre e

igualitária, resulta, portanto, da praxis revolucionária da classe trabalhadora.

Para Marx, a revolução proletária deve acontecer nos países de capitalismo

avançado. É fundamental para a teoria da práxis revolucionária o pleno

desenvolvimento do capitalismo, pois isso significa que a infra-estrutura econômica,

o avanço tecnológico e o grau de organização da classe trabalhadora preparam a

mudança histórica.

A tese marxista considera indissociável a relação entre as idéias e as

condições materiais, entre teoria e prática, pois permite o desenvolvimento da

consciência crítica da classe trabalhadora. Para Marx, a teoria e a prática estão em

relação dialética, e o conhecimento histórico é processo permanente de análise e

compreensão das condições concretas da realidade social.

Alerta que a democracia pode se reduzir a um regime político eficaz, baseado

na idéia de cidadania organizada em partidos políticos, que se manifesta no

processo eleitoral de escolha dos representantes, na rotatividade dos governantes e

nas soluções técnicas (e não políticas) para os problemas sociais.

Justifica-se a crítica feita por Marx pois desde a Revolução Francesa de 1789,

a democracia declara os direitos universais do homem e do cidadão, contudo a

sociedade está estruturada de tal modo que tais direitos não existem concretamente

para a maioria da população. A democracia é formal, não é concreta. Todavia é a

única forma política que considera o conflito legítimo e legal, e permite que seja

trabalhado politicamente pela própria sociedade.

As idéias de igualdade e liberdade significam que os cidadãos são sujeitos de

direitos e que, tem-se o direito de lutar por eles e exigi-los. É esse o alicerce da

democracia. Um direito, não é particular e específico, mas geral e universal, válido

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para todos os indivíduos, grupos e classes sociais. Uma sociedade é democrática

quando, além de eleições, partidos políticos, divisão dos três poderes da república,

respeito à vontade da maioria e das minorias, institui direitos.

As observações de Aristóteles e de Marx indicam que a declaração do direito

à igualdade não faz existir os iguais, mas abre o espaço para a criação da

igualdade. A sociedade democrática trabalha politicamente os conflitos de

necessidade e de interesses e procura instituí-los como direitos e, exige que sejam

reconhecidos e respeitados, para isso, indivíduos e grupos organizam-se em

associações, movimentos sociais e populares, classes se organizam em sindicatos e

partidos, que limita o poder do Estado. A sociedade democrática procura trabalhar

os conflitos pelas instituições e pelas leis. No entanto, no capitalismo, são imensos

os obstáculos à democracia, pois o conflito de interesses é posto pela exploração de

uma classe social por outra, mesmo que a ideologia afirme que todos são livres e

iguais.

Com as mudanças implementadas pelo retorno da idéia liberal de

autocontrole da economia pelo mercado capitalista, afasta a interferência do Estado

no planejamento econômico. Adota-se a privatização, e a desregulação, que

exprimem: o capital é racional e pode resolver os problemas econômicos e sociais.

Além disso, o desenvolvimento enorme das tecnologias eletrônicas trouxe a

velocidade da comunicação e da informação e a automação da produção e

distribuição dos produtos. Essa mudança nas forças produtivas intensifica a

exclusão social, política e cultural da população, o que atingiu também o Brasil.

O direito à participação política encontra obstáculos, na forma de organização

da divisão social do trabalho propagam-se para a sociedade inteira, todos são

separados entre “competentes” e “incompetentes”. Assim, a posse de certos

conhecimentos específicos torna-se um poder para mandar e decidir. E transforma-

se em uma ideologia: a da competência técnico-científica. Essa ideologia, fortalecida

pelos meios de comunicação de massa que a estimula diariamente, atinge a política,

que passa a ser considerada atividade particular para administradores políticos

competentes e não uma ação coletiva de todos os cidadãos.

Outro obstáculo ao direito à participação política é posto pelos meios de

comunicação de massa. Para participar de discussões e decisões políticas tem que

possuir informações corretas sobre aquilo que será discutido e decidido. Entretanto,

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os meios de comunicação de massa não informam, transmitem as informações de

acordo com os interesses de seus proprietários e das alianças econômicas e

políticas destes com grupos detentores de poder econômico e político. Assim, por

não haver respeito ao direito de informação, não há como respeitar o direito à

verdadeira participação política.

Contudo, os obstáculos à democracia não inviabilizam a sociedade

democrática, pois nela se é capaz de perceber tais obstáculos e lutar contra eles.

Mas em vez de democracia, há instituições que atuam de modo autoritário. As leis,

que podem representar os privilégios dos poderosos ou a vontade pessoal dos

governantes, não são consideradas como expressão de direitos nem de vontades e

decisões públicas coletivas. O poder judiciário limitado pela morosidade, envolto em

um saber incompreensível e autoridade ineficiente, recorre-se para a transgressão (o

famoso “jeitinho”). Para Chaui, a democracia, no Brasil, ainda está por ser inventada.

(1995, p. 436)

Apesar da Constituição Federal de 1988 constituir o Estado Democrático do

Direito, e estabelecer como um dos seus fundamentos a cidadania, persistem muitas

deficiências em termos de seu conhecimento, extensão e garantias. Diante disso,

será a educação o fator que possibilita o exercício dos direitos civis e políticos?

Segundo Carvalho, a educação é o fator que mais bem explica o

comportamento das pessoas no que diz respeito ao exercício dos direitos civis,

políticos e sociais. Porém, o pensamento liberal renovado insiste na importância do

mercado como mecanismo auto-regulador da vida econômica e social e, como

conseqüência, na redução do papel do Estado. Com essa visão, o cidadão se torna

cada vez mais um consumidor, alheio às preocupações com a política e com os

problemas coletivos. A cultura do consumo dificulta o processo de construção da

cidadania. (CARVALHO, 2001)

Arroyo lembra das proclamações de dirigentes políticos que justificam a

exclusão da cidadania com a tese da imaturidade política do povo, e que prometem

o direito à participação desde que o povo mostre ter aprendido ser cidadão

consciente, racional e socializado. Existem aqueles que acreditam que educar o

povo, organizar um governo que o eduque e conduza para a maturidade política,

garante a cidadania e a democracia. (1995, p.33)

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Segundo Arroyo, a questão da cidadania está ligada a questão do poder,

deve-se partir da visão real da sociedade como construção histórica traspassada por

conflitos, antagonismos e lutas, onde a questão do poder está sempre presente, e

exige ser equacionado e socializado. Mas como equacionar devidamente a relação

entre educação e cidadania? Arroyo diz que somente uma visão crítica do progresso

capitalista e de suas formas sofisticadas de exploração e de embrutecimento do

homem permite equacionar os limites reais impostos pelo progresso à participação e

à cidadania. Para isso, é necessário comprometer-se com um projeto de sociedade

que modifique as condições materiais de existência a que estão submetidos os

trabalhadores. (1995, p.62-73)

Há relação entre educação e cidadania quando há luta pela cidadania, pelo

legítimo, pelos direitos, no espaço pedagógico onde se dá o verdadeiro processo de

formação e constituição do cidadão. A educação não é precondição da democracia e

participação, mas é fruto e expressão do processo de sua constituição.(1995, p.79)

Nessa intenção, apresenta-se algumas propostas que podem efetivar a práxis

da cidadania no espaço escolar.

3 PROPOSTAS QUE PODEM AUXILIAR A PRÁXIS DA CIDADANIA NA ESCOLA

Dallabrida (2003) apresenta uma possibilidade de construção da cidadania na

escola pública do Paraná, a partir das categorias elaboradas por Dussel. Para

construir a cidadania é necessário saber quais aspectos do filosofar libertador

podem auxiliar para que a escola pública torne-se mais democrática e contribua

nessa construção. O primeiro momento do Filosofar da Libertação se chama à tarefa

destrutiva, quando Dussel elabora a crítica da modernidade, e analisa os

fundamentos da filosofia européia e ocidental imposto a periferia. O segundo

momento é a tarefa construtiva na qual ele apresenta as categorias centrais. Há

cinco momentos propostos para o pensamento que procura ser autêntico:

proximidade-mediação, exterioridade, negação da alienação e pedagógica

libertadora.

A mediação possibilita a aproximação mais imediata, por isso torna-se elo de

ligação mediação-proximidade, sem a qual não ocorre encontro, a proximidade

transforma-se no primeiro ato concreto de libertação do outro, está no processo de

inclusão das lutas por melhores condições de vida, pois esta considera o que está

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além do sistema que o excluiu ou se auto-excluiu e agora se faz próximo,

chamando-o para junto de outros e com o outro rumo à libertação das injustiças do

sistema.

Dussel pensa a exterioridade como rosto que está além do sistema liberal

capitalista, o pobre e os excluídos, se constitui na afirmação do outro negado pelo

sistema. A cidadania objetiva a exterioridade, construir a dignidade humana, negada

pela totalidade do sistema opressor. E é possível buscar espaços de reflexão,

enxergar o rosto ôntico do outro que clama por ser ouvido: “Eu quero ser cidadão” –

imperativo ético da negação da alienação.

A preocupação de Dussel é com o ethos libertador. Ao desenvolver suas

bases epistemológicas contribui na construção de uma pedagógica libertadora, que

pensa as relações face-a-face entre professores e alunos, pais e filhos, políticos e

cidadãos. A pedagógica libertadora consiste em dar voz a todos os que dependem

do sistema a fim de que se estabeleça um diálogo entre opressor e oprimido faz com

que se modifique a relação de poder estabelecida entre ambos, com condições mais

justas. A libertação passa a ser o grito pela liberdade de todo ser humano como

outro negado pelo sistema que se coloca a partir da modernidade como totalidade

fechada, voz que pode ser do aluno ou dos professores que reivindicam melhores

condições de trabalho e salário. A pedagógica libertadora procura superar as

atitudes paternalistas, relações de comodismo tanto na esfera dos alunos quanto

dos professores quando os procedimentos de avaliação levam em consideração

apenas memorização de fatos, dados e fórmulas prontas. Pois manter os alunos sob

controle por custa de notas pode diminuir sua capacidade inventiva e criativa. Este

procedimento contribui com o jogo do sistema e transforma os alunos em cidadãos

passivos. Refletir a partir do outro, colocar-se a serviço da exterioridade negada para

auxiliá-la na libertação por uma práxis de comiseração. O ensino é apenas um

caminho na práxis educativa. A educação é a humanização do homem, que é uma

conquista, e esta conquista define sua cidadania enquanto ser de relações sociais

com os outros visando construir uma cidade mais justa para a coletividade e para si.

A cidadania está ligada à dimensão política, é um aspecto de libertação e de

mediação que implica nos fins da educação. A Filosofia da Libertação não se prende

a aspectos isolados ou parciais da realidade, mas como reflexão dialética tem como

objeto a totalidade, mas uma totalidade em transformação.

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Na sua reflexão sobre a cidadania, Dallabrida aponta a ausência de uma

adequada cidadania que conduz a condição de marginalização. Analisa o projeto

Escola Cidadã da Secretaria de Educação do Paraná, com base nos conceitos e

categorias de cidadania em Dussel. A Secretaria estabelece um pacto com os

educadores na busca de qualidade no ensino em âmbito estadual, e questiona o

fracasso escolar, a auto-análise de propostas educacionais a serem desenvolvidas

na escola. O documento Paraná: construindo a escola cidadã, destaca as bases

para a construção da cidadania nas escolas: a gestão democrática, conselho de

escola, e a autonomia. Tenta implantar o Projeto Escola Cidadã, com ações

baseadas em uma concepção democrática de Educação Pública: eleições diretas

para diretores, instalação de Conselhos Escolares e um programa de capacitação

docente que visa à melhoria da qualidade de ensino. Apresenta como princípios de

ação a autonomia e participação, com objetivo de democratização, e conquistar

direitos civis e sociais na escola pública estadual. Porém, a escola não se revela

democrática sem uma mudança na sua concepção e nas suas práticas. É preciso

investir na tarefa de uma escola pública com “qualidade de ensino” e exigir de todos

os envolvidos, governo, profissionais da educação, pais e alunos esforços contínuos.

(DALLABRIDA, 2003, p. 175)

Dussel propõe o diálogo, pois na comunicação direta a escola pode ficar

somente com a função de repassar as informações e decisões recebidas da

Secretaria de Educação e Núcleo Regional de Ensino. Considera o projeto

pedagógico como o momento de construção de cidadania na escola. Representa o

próprio exercício da cidadania em ato, onde o outro, o distinto, a exterioridade é

ouvida, tem voz e vez, quando as alteridades distintas decidem, executam e avaliam

suas práticas pedagógicas. Coloca-se a questão: porque um Projeto Político

Pedagógico? O que é um projeto libertador, que venha contribuir com a construção

da cidadania?

O projeto pedagógico inspirado no documento Escola Cidadã, com autonomia

da unidade escolar, foi dirigido pela Secretaria, Núcleo Regional de Educação e

membros da escola, assim acaba também por reproduzir as relações vigentes no

sistema: o Ego Magistral ditando os procedimentos ao Ente Orfanal. O projeto de

cidadania na perspectiva dusseliana é marcado pelas mediações humanas com o

mundo onde há espaço de participação suficiente para que a exterioridade manifeste

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suas intenções e anseios de libertação. Falta o diálogo proposto por Dussel,

necessário na efetivação de qualquer proposta. Existe uma distância grande entre o

que se pretende e a situação de fato. O discurso tende a se sobrepor à realidade

existente nas escolas. O documento faz uma proposta, mas isso não quer dizer que

a práxis educativa mude com a divulgação do mesmo.

Propõe a participação da comunidade na gestão e discussão, construção e

avaliação dos projetos pedagógicos de forma efetiva e permanente de acordo com

as necessidades e urgência que se apresentam. A escola será pública e terá função

de libertação das múltiplas situações de alienação e ignorância que o sistema

reserva, através da avaliação das políticas educacionais, percebe visões

fragmentadas e deficitárias nas políticas de governo. A tarefa de construir a

cidadania a partir da escola exige a mudança de mentalidade dos profissionais

quanto ao seu saber acadêmico. Se as propostas são pensadas de cima para baixo,

e atendem interesses do Estado ou de grupos interessados e não da comunidade

escolar, torna-se difícil construir a escola da cidadania pública e tampouco formular

um Projeto Político Pedagógico libertador. O ethos libertador exige elaborar práxis

libertadora, onde alunos, professores e comunidade local, em parceria, promovam

um projeto mais amplo situado, para além da escola capaz de transformar todo o

ethos do sistema.

A mudança ocorre quando cada espaço da escola adiciona vivências

cotidianas de proximidade. A aproximação entre professores e alunos constitui o

encontro interpessoal de duas alteridades distintas e permite ao professor a

obtenção do conhecimento do outro como outro. A associação dos alunos nos

grêmios estudantis com participação de seus membros no momento de decidir,

executar e avaliar suas metas constitui-se em novo ethos de exercício de poder e

verdadeiro aprendizado teórico-prático de cidadania ativa e libertadora no espaço

escolar. Instaura-se a metodologia analética de ensino onde professores e alunos

estão permanentemente mediados pelo diálogo problematizador, e superam as

teorias reprodutivas.

Na metodologia analética o professor considera as preocupações,

necessidades, aspirações, nível de percepção e visão de mundo do aluno dentro de

uma óptica de libertação. O primeiro momento da metodologia consiste na atitude de

escuta da palavra do aluno, cuja interpelação conduz a um leque de significações

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pelos outros colegas que escutam junto com o professor. A função do professor será

mediada pela provocação da pergunta, abrir discussão, superar a reprodução do

sistema nos alunos.

Para o filosofar libertador viabilizar-se exige o espaço e tempo necessários

para discussão capaz de formar a cidadania ativa e responsável. Sob essa

perspectiva de filosofar a elaboração das normas escolares pode ser momento

significativo porque exige a participação dos alunos nos níveis de decisão, execução

e avaliação das suas próprias condutas na escola, compromete-o com o processo

educativo onde a formulação de metas e objetivos conduz à libertação dos alunos da

inércia de pensar. Comprometer o aluno junto com o professor, investir no poder do

raciocínio, da reflexão e o fato de distanciar-se do definido formalmente, pode

possibilitar a instalação de um clima ético de respeito e colaboração, a busca de

soluções para a exterioridade em seu projeto de libertação.

A escola pode ser um espaço possível de luta, de denúncia da domesticação

e reprodutividade, de procura de soluções. Não basta resistir, é necessário agir para

modificar o ethos de escola e seu papel formador de cidadania. A avaliação deve

verificar se os alunos são capazes de pensar de forma rigorosa e globalmente sobre

os temas abordados, se expressam oralmente e por escrito de forma coerente e

clara, se suas argumentações vão além do senso comum. Com a Filosofia no Ensino

Médio existe a possibilidade de que possa colaborar na formação da cidadania ativa.

Na praxis educativa o filosofar libertador deve estar presente de forma crítica e

questionadora, contribuir desta forma na formação de sujeitos conscientes da sua

história. O caminho para a aplicação desta Metodologia é a busca de libertação

entendida como processo histórico de eliminação da imposição, repressão e auto-

repressão entre professores e alunos, alunos e alunos e aluno consigo mesmo no

interior da escola. A escola pública pode ser local de construção da cidadania

quando permitir a reflexão que busque o compromisso de toda uma comunidade

local para a realização mais plena de seus anseios comuns (DALLABRIDA, 1996).

A educação para os valores humanos pode ser uma saída. Para Aristóteles,

toda arte e toda investigação, bem como toda ação e toda escolha, visam a um bem

qualquer, e se existe, para as coisas que se faz, algum fim, evidentemente tal fim

deve ser o bem, o sumo bem. “Não terá o conhecimento desse bem grande

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influência sobre a nossa vida?” A finalidade da ciência deverá ser o bem humano.

(2000, p.17-18)

Afirma ainda que “cada homem julga bem as coisas que conhece, e desses

assuntos ele é bom juiz” . Os jovens tendem a seguir suas paixões, e não faz

diferença que seja jovem na idade ou no caráter, pois não é questão de idade, mas

do modo de viver e perseguir os objetivos ao sabor da paixão. O conhecimento e o

trabalho visam a algum bem e esse bem supremo é a felicidade. (2000, p.19)

Maturana analisa a dificuldade na tarefa educacional, e constata que está em

distinguir entre a formação humana e a capacitação. A formação humana tem a ver

com o desenvolvimento da criança como pessoa capaz de ser co-criadora de um

espaço de convivência social desejável, e como tarefa educacional consiste na

criação das condições que guiam e apóiam a criança em seu crescimento como um

ser capaz de viver no auto-respeito e no respeito pelo outro. A capacitação tem a ver

com a aquisição de habilidades e capacidades de ação no mundo no qual se vive.

Por isso, a capacitação como tarefa educacional consiste na criação de espaços de

ação onde se exercitem as habilidades que se deseja desenvolver, criando um

âmbito de ampliação das capacidades de fazer na reflexão sobre esse fazer como

parte do viver que se vive e deseja viver.

A tarefa de formação humana é o fundamento de todo o processo educativo,

e só se esta se completar a pessoa pode viver como um ser responsável e livre,

capaz de refletir sobre sua atividade, capaz de ver e corrigir seus erros, capaz de

cooperar e de possuir um comportamento ético, porque não desaparece em suas

relações com os outros, é capaz de não ser arrastada para as drogas e o crime,

porque não depende da opinião dos outros, não busca a sua identidade nas coisas

fora de si. A capacitação é um instrumento e um caminho na realização da tarefa

educacional.

A tarefa da Educação escolar é permitir e facilitar o crescimento das crianças

como seres humanos que respeitam a si próprios e os outros com consciência social

e ecológica, para que possam atuar com responsabilidade e liberdade na

comunidade a que pertencem. Para tal, no âmbito escolar deve haver aceitação de

todos como seres legítimos em sua totalidade, o olhar dos professores deve ser de

acolhimento do estudante em sua legitimidade. A educação é um processo de

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transformação na convivência no qual os educandos se transformam em seu viver

de maneira coerente com o viver dos professores. (MATURANA, 2001)

Além disso, necessita-se conhecer também a legislação, já que se age de

acordo com o que se conhece.

3.1 Que legislação se tem?

Existe uma vasta legislação, desde a Declaração Universal dos Direitos

Humanos. A UNESCO com seu propósito de contribuir para a paz e a segurança,

procura promover a cooperação entre as nações por meio da educação, da ciência e

da cultura, favorecer o respeito universal à justiça, ao estado de direito e aos direitos

humanos e liberdades fundamentais aos povos do mundo. Para Delours, o século

XXI exige capacidade de autonomia e discernimento, reforço da responsabilidade

pessoal na realização de um destino comum. Há necessidade de cada um se

conhecer e compreender melhor, pois se vive exposto ao excesso de informações e

emoções efêmeras, do instantâneo, concentrando-se sobre problemas imediatos.

Dessa forma, autocrítica e esclarecimento são fundamentais.

A cidadania consciente e ativa só poderá realizar-se plenamente em um

contexto de sociedade democrática. Dessa forma, recomenda para a educação: a

pesquisa pluridisciplinar, estudo de História e Filosofia, pois o estudo de Filosofia

desenvolve o espírito crítico indispensável ao funcionamento da democracia. É

necessário exercitar a atenção, a memória e o pensamento. Desde a infância, nas

sociedades dominadas pela imagem televisiva, o jovem deve aprender a prestar

atenção às coisas e às pessoas. A sucessão muito rápida de informações

mediatizadas, o “zapping” tão freqüente, prejudicam o processo de descoberta, que

implica duração e aprofundamento da apreensão. Esta aprendizagem da atenção

pode revestir formas diversas e tirar partido de várias ocasiões da vida (jogos,

estágios, viagens, trabalhos práticos de ciências). Também a realização de

exercícios de memória, exercícios de pensamento (indução e dedução) e ligar o

ensino ao trabalho. Ou seja, ensinar o aluno a por em prática os seus

conhecimentos. Ensinar a não-violência, conviver em um contexto igualitário, onde

existam objetivos e projetos comuns, isto é, cooperação, descoberta progressiva do

outro e participação. Adotar métodos de ensino de acordo com o reconhecimento do

outro, promover o diálogo e a troca de argumentos. A criatividade e empatia, o

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domínio das tecnologias, cidadãos atores e criadores. Despertar a curiosidade,

desenvolver a autonomia, estimular o rigor intelectual. Enfim, um ensino que seja

processo de construção da capacidade de discernimento (2000).

Em 1995, a ONU organiza jornada internacional de estudo “Filosofia e

Democracia no Mundo”, desse evento resulta a Declaração de Paris para a Filosofia,

no qual filósofos do mundo enfatizam a contribuição do ensino de Filosofia: formar

espíritos livres e reflexivos, que contribuam para a paz, preparados para assumir

responsabilidades. Pode contribuir também para a formação de cidadãos, no

exercício de sua capacidade de julgamento, elemento fundamental de toda

democracia.

Filósofos brasileiros, ainda em 1988, reunidos no Terceiro Encontro Nacional

de Filosofia, em Gramado, no Rio Grande do Sul, elaboram a Carta de Gramado,

para eles, a Filosofia é atividade intelectual que busca pensar o homem e sua

realidade, e elemento de formação humanística necessário na compreensão da

realidade social, política e econômica. Assumem o compromisso de promover o

desenvolvimento da Filosofia da Libertação no país, pois se constitui uma corrente

de pensamento filosófico que busca a reflexão crítica sobre a opressão do homem, a

partir de uma perspectiva latino-americana. Para a Filosofia da libertação são

questões fundamentais de reflexão e ação: a situação de exploração e dependência

dos países periféricos, a democracia, a educação, a justiça social, a ecologia e as

situações de discriminação de qualquer espécie. A Filosofia está sempre ligada às

necessidades de seu tempo, da mesma forma, na América Latina e no Brasil.

A partir da Constituição Federal, Constituições Estaduais e Lei Orgânica de

cada município, surge expectativa de garantia dos direitos fundamentais. Tem o

Estatuto da Criança e do Adolescente e todas as instituições estabelecem normas

para efetivar suas ações, e existem tantas possibilidades para conhecer a lei e

promover os direitos humanos, a ética, mas isso depende de uma sociedade

democrática preocupada em implementar a justiça social.

3.2 Quais as possibilidades da filosofia no contexto escolar?

As constantes transformações que ocorrem em conseqüência do

desenvolvimento científico e tecnológico possibilitam inúmeras formas de buscar

conhecimento. Proliferam-se os recursos tecnológicos, que proporcionam as mais

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variadas fontes de informação. Contudo, apesar da evolução do conhecimento

científico e tecnológico, as mudanças que o acompanham não satisfazem o homem,

que desenvolveu a ciência e a técnica, mas não se preparou para conviver com elas.

Falta-lhe o entendimento, o “discernimento” próprios da reflexão filosófica. Convive

neste momento com diferentes possibilidades de conhecimento, que vão do

conhecimento mítico ao conhecimento científico, permeados pelo senso comum e

pela ideologia, presente nos diferentes meios de comunicação, e principalmente na

educação. Fala-se na “sociedade do conhecimento”, mas na realidade, constatam-se

as contradições presentes na sociedade e no interior da escola.

Como a Filosofia pode contribuir neste processo de busca do conhecimento?

O desenvolvimento de uma prática pedagógica interdisciplinar pode contribuir neste

processo? Chaui afirma que: “a Filosofia tem uma vocação para formar um todo

daquilo que aparece fragmentado em nossa experiência cotidiana”. (1995, p. 15)

Para isso a filosofia deve situar qual é o seu papel no processo de construção

do conhecimento pelo educando que deseja dar significados aos conhecimentos

adquiridos. Ao relacionar filosofia e interdisciplinaridade, investigam-se as práticas

pedagógicas adotadas no processo educativo, e mostra que a interdisciplinaridade é

uma das possibilidades que o professor tem a sua disposição para atender às

necessidades atuais de educação.

Conforme Ferreira, a civilização da qual se faz parte forjou em nossas mentes

uma concepção de mundo onde os fatos, os fenômenos, a existência, se

apresentam de forma fragmentada, desconexa, cuja conseqüência é a angústia, a

incompreensão da totalidade, o medo, o sofrimento. A visão de mundo fragmentada,

a perda da unidade universal, surgiu em conseqüência da ciência. Assim a

interdisciplinaridade pode ser compreendida como sendo um ato de troca, de

reciprocidade entre as disciplinas ou ciências. (apud Fazenda 1993, p. 22)

Na realização de em um projeto interdisciplinar depara-se com algumas

barreiras, que podem ser materiais, físicas, institucionais ou pedagógicas. No

entanto, tais barreiras poderão ser transpostas pelo desejo de criar, de inovar, de ir

além. O que caracteriza a atitude interdisciplinar é a ousadia da busca, da pesquisa:

é a transformação da insegurança num exercício de pensar, em um construir. Essa

insegurança individual, característica do pensar interdisciplinar pode dissipar-se na

troca, no diálogo, no aceitar o pensar do outro. Ferreira afirma que uma prática

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interdisciplinar se caracteriza pelo sentimento intencional que ela carrega. Não há

interdisciplinaridade se não há intenções conscientes, claras e objetivas por parte

daqueles que a praticam. Se não há intenção de um projeto, pode-se dialogar, inter-

relacionar e integrar sem, no entanto, trabalhar interdisciplinarmente. A apreensão

da atitude interdisciplinar possibilita, para aqueles que a praticam, um grau elevado

de maturidade. Isso ocorre devido ao exercício de certa forma de encarar e pensar

os acontecimentos. Aprende-se com a interdisciplinaridade que um fato ou solução

nunca é isolado, mas sim conseqüência da relação entre muitos outros (1993).

Entende-se o conceito de interdisciplinaridade quando se considera que todo

conhecimento mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos, que

pode ser de questionamento, de confirmação, de complementação, de negação, de

ampliação, ou de esclarecimento. Para Fazenda, a interdisciplinaridade apresenta

uma substituição da concepção fragmentária para a unitária do ser humano. Além de

uma atitude de espírito, a interdisciplinaridade pressupõe um compromisso com a

totalidade. É necessário que professores e alunos trabalhem unidos, se conheçam e

se entrosem, para juntos, vivenciar uma ação educativa mais produtiva. (1993, p.29)

Mas na realidade, apesar do discurso educacional demonstrar um

posicionamento aparentemente “crítico” frente ao fenômeno educacional, o que

predomina na prática educativa, no cotidiano escolar, é um ensino desvinculado das

necessidades e interesses do aluno. A situação se agrava por não haver uma

preocupação efetiva com as condições cognitivas adequadas ao trabalho de

assimilação e compreensão dos conteúdos de ensino das diferentes disciplinas,

decorrentes da ausência de articulação curricular. Constata-se que os professores

têm pouco espaço para refletir, discutir, debater e avaliar a própria prática, com o

objetivo de aperfeiçoá-la no sentido de possibilitar uma articulação curricular, na

perspectiva interdisciplinar, e a articulação entre currículo e formação, faz-se

necessário criar condições para estabelecer efetivamente o trabalho coletivo escolar.

Com a disciplina de Filosofia pode-se atuar de forma significativa, como

elemento de crítica do próprio ensino, dessa forma, contribuir para a implementação

do trabalho interdisciplinar, na prática pedagógica. Mas a Filosofia não pode se

reduzir a mais uma disciplina no currículo, nem tampouco à função de assessora

metodológica das demais ou de sistematizadora dos diversos conteúdos das

ciências. Sua função é bem mais ampla no sentido que busca realizar a articulação

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da base cultural (interdisciplinaridade) e estabelece a ligação entre os conteúdos e

processo cognitivo, proporciona os meios para a articulação entre a experiência de

aprender e a experiência de viver (conforme Leopoldo e Silva, 1992).

A formação dos alunos no ensino médio integrada no trabalho interdisciplinar,

é formação viva, integrada, ainda que cada conteúdo tenha sua especificidade.

Fundamentada na concepção dialética, concebe o significado relacional de existir do

homem. Através da prática, mediante uma atividade transposta por determinantes

objetivos e por intencionalidades subjetivas, o ser humano se constitui em suas

relações com o mundo, com os seus semelhantes e até consigo mesmo, em um

discurso histórico que não se interrompe nem se fixa em uma forma estável e

permanente. Sua humanização só se dá através das mediações concretas de sua

existência histórico-social.

A Filosofia não pode perder seu caráter específico de reflexão permanente e

contínua que acompanha o homem no processo de conhecer o significado de sua

existência e do mundo onde se encontra. O que caracteriza o filosofar é a sua busca

de um saber instituinte, dinâmico e aberto. O que diferencia a Filosofia dos demais

conhecimentos humanos são as posturas, as perspectivas de abordagem e a

metodologia da reflexão. No caso da Filosofia a reflexão deve explorar a fundo todo

alcance da racionalidade natural, buscar seus objetos numa perspectiva de

totalidade, de radicalidade e de rigor (SEVERINO, 1992, p.7).

Para Severino, a questão básica é relacionar o conhecimento com a prática

humana, vincular o conhecimento pedagógico com a prática educacional. Seu

caráter interdisciplinar tem a ver com essa condição. A abordagem filosófica é um

dos recursos que se propõem para delinear finalidades, diretrizes, referências para a

ação. Afirma ainda que, quando se analisa a prática da educação no seu contexto

histórico, um dos aspectos que mais chamam a atenção é o seu caráter

fragmentário: os conteúdos dos diversos componentes curriculares não se integram;

as ações docentes, as atividades técnicas e as intervenções administrativas,

desenvolvidas no interior da escola não conseguem convergir e se articular em

razão da unicidade do fim; há dificuldade de articular os meios aos fins, de utilizar os

recursos para a consecução dos objetivos essenciais; ruptura entre o discurso

teórico e a prática real dos agentes; desarticulação da vida da escola com a vida da

comunidade na qual está inserida, do pedagógico com o político.

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Para superar a fragmentação na prática da escola é preciso construir um

projeto educacional entendido como o conjunto articulado de propostas e planos de

ação com finalidades baseadas em valores previamente explicitados e assumidos,

ou seja, fundamentados numa intencionalidade. Por intencionalidade entende-se a

força norteadora da organização e do funcionamento da escola provinda dos

objetivos preestabelecidos. E só sob a condução da intencionalidade que a equipe

dos profissionais da escola poderá constituir-se numa equipe, agindo como sujeito

coletivo. O projeto viabiliza a instauração de um universo de relações sociais onde

se desenvolve as condições da cidadania e da democracia, fundamentais na

existência dos seres humanos numa realidade histórica.

Portanto, a prática dos educadores é interdisciplinar quando se desenvolve no

âmbito de um projeto, se sustenta num campo de forças, e o que gera o campo de

forças de um projeto educacional é a intervenção atuante de uma intencionalidade,

sendo que a intencionalidade só se sustenta na articulação das mediações históricas

da existência humana.

Conclui Severino, que a educação é, na sua totalidade, prática interdisciplinar

por ser mediação do todo da existência. O processo educativo baseia-se na

multidisciplinaridade, e em uma pluridisciplinaridade, com múltiplos enfoques

mediatizados pelas várias disciplinas, para chegar à unidade na qual o todo se

reconstitui como uma síntese que é maior do que a soma das partes. Nesse sentido,

tem que ser também prática transdisciplinar. A transdisciplinaridade é uma nova

forma do sujeito que conhece, que pode ser independente de todas as modalidades

anteriores de saber. Mas uma síntese articuladora de elementos cognitivos e

valorativos de uma realidade complexa, dada em uma experiência marcada pela

complexidade. (Severino, 1998)

4 CONCLUSÃO

A questão é saber como a filosofia pode alicerçar o exercício da cidadania?

Para Arroyo, não é brincando de democracia na escola que o cidadão

aprende a construir a democracia, nem por desprezar o poder que se fortalece o

povo para a conquista e o exercício do poder. Porém, se depender da concepção

pedagógica, se eterniza o passado idealizado: voltar à infância da história social e

política como ideal de convívio humano.

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Enquanto se mantém uma visão negativa do convívio social, não se tem

condições de refletir sobre as transformações políticas que acontecem na sociedade,

e pode se fechar em saídas individuais e morais, como a transformação interna do

homem pela educação. Com essa concepção do social, não se educa para o

convívio social e político, mas tenta educar para que cada um se defenda do caos

social; não educa para transformar as condições sociais, mas para prevenir-se dos

males da inevitável condição social. Além disso, o medo da condição adulta como

fase de trabalho, convívio social e político, o culto à infância, o alargamento da

preparação para ser adulto, da infância, a infantilização da adolescência e da

juventude. A ênfase na eterna juventude, na eterna infância, tem limitado a ação

educativa.

A essa concepção negativa do adulto e da cidadania corresponde uma

educação negativa para a cidadania ou de prevenção contra o adulto, enquanto

sujeito da história, de relações sociais e políticas. Essa exaltação da infância se

alimenta do desprezo e do medo ao mundo adulto, como a exaltação da escola se

alimenta do desprezo aos processos educativos que se dão na prática social e

ambas fazem parte do movimento mais global da sociedade capitalista de divisão do

trabalho. No entanto, percebe-se que é nas relações, no real do mundo do adulto

que procede sua libertação. Portanto, a concepção do povo e de sua ação como

sujeito exige uma reflexão profunda na relação tradicional entre educação, cidadania

e participação política. (1995)

Nessa perspectiva, afirma Nosella, que se a pedagogia pretende formar o

cidadão socialista, deve ser um processo prático e participativo, fundamentar-se nas

modernas formas de produzir e de fazer política. Trata-se de uma educação prática

e historicista. Porque é no interior da luta, na forma como se desenvolve, que

acontece o processo educativo do cidadão, um processo educativo antiautoritário,

aberto e criativo (1995, p.89).

Para tanto, deve-se repensar a formação do professor, pois a questão da

construção da cidadania parte da formação do educador. O trabalho pedagógico

exige competência técnica e científica, mas também compromisso político e

sensibilidade ética. Os objetivos da educação não são puramente técnicos, mas

também éticos e políticos.

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A Educação efetiva-se como mediação para a construção da condição de

cidadania e de democracia, contribui para a integração dos homens no tríplice

universo do trabalho, da simbolização subjetiva e das relações políticas. A educação

só pode contribuir para a instauração da cidadania e da democracia se seu

investimento se der na dimensão construtiva dessas mediações. Dessa forma, o

desafio é como preparar as novas gerações para o trabalho, para a vida social e

para a cultura da subjetividade, sem degradá-las, sem submetê-las à opressão

social ou aliená-las.

A educação busca implementar a cidadania, para tal, precisa purgar de cada

ser humano as crenças, as fantasias, as ilusões e as paixões que não contribuem

para o desenvolvimento da consciência crítica. A pessoa ingênua pode ser

enganada pelos detentores do poder, quando se move no espaço das crenças e

opiniões, não consegue discernir o foco de sua dominação e aceita o discurso

hegemônico do interesse geral criado pelo consenso.

A escola é o espaço político onde se ministra as disciplinas para que o jovem

adquira o saber necessário para não se deixar enganar. O conhecimento intelectual

é o suporte para a formação da cidadania, instrumento básico para deixar a

consciência ingênua e adquirir consciência crítica. Para poder falar de cidadania, o

professor precisa fazer uma leitura mais aprofundada da sociedade, buscar os

saberes de sociologia, história, psicologia, economia, ciência política e até

lingüística. Esse conjunto vai dotá-lo de competência técnica suficiente para orientar

seus alunos, ensiná-los a analisar a estrutura social, os momentos conjunturais do

país. (SEVERINO, 1994)

Diante disso, percebe-se que as escolas precisam repensar constantemente

os seus projetos educacionais, a partir da sua realidade e alicerçados em uma visão

de homem e da sociedade que oriente a sua prática.

Este artigo foi confeccionado a partir da observação e análise do Colégio

Estadual Castelo Branco – EM, de Itapejara D’Oeste, NRE de Pato Branco, Paraná,

que oferta o Ensino Médio modalidade regular, e funciona em dois turnos, manhã e

noite. Para efetivação desta ação, realiza-se pesquisa de campo para diagnóstico

das condições do cotidiano escolar, que inicia com a observação de diferentes

circunstâncias, como o horário de recreio, sala dos professores, hora-atividade,

rotina das atividades administrativas e pedagógicas, conselho de classe e,

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principalmente entrevistas com 17 profissionais que atuam no estabelecimento, 16

do sexo feminino e 1 do sexo masculino, realizadas nos meses de novembro e

dezembro de 2007, período de encerramento das atividades escolares.

A partir da análise dos dados levantados nesta pesquisa, pelo Discurso do

Sujeito Coletivo, é possível perceber as contradições constantes no contexto

escolar. Há o formal, teórico, instituído. E o cotidiano onde se desenrola o processo

educativo. Constata-se o problema da freqüência no ensino noturno, mas a causa

deve ser investigada, pois são alunos que trabalham, enfrentam uma jornada diária,

em muitos casos, além das oito horas previstas. No entanto, não se pode afirmar

que os alunos que faltam mais são aqueles que trabalham. Há vários fatores que

podem intervir, que implicam em estudo específico, apesar de existir limitações na

escola para lidar com estas situações. Quanto às questões pedagógicas, os próprios

profissionais reconhecem a necessidade de atualizar conhecimentos para atender

as necessidades atuais do processo educativo. As limitações se justificam pela falta

de tempo, número de alunos por turma, questões relacionadas ao tempo e espaço

escolar. Quanto à infra-estrutura, percebe-se que se reclama pela falta de tudo,

enquanto pode-se deixar de aproveitar os recursos disponíveis. Conserva-se ainda o

resquício da educação recebida, e em alguns casos, a crença de que o sistema

impera as ações profissionais. E constata-se uma visão negativa dos alunos, no

discurso que afirma: não gostam de estudar, não tem interesse e motivação para o

estudo.

Para a elaboração do Projeto Político Pedagógico, enquanto alguns

participam do processo, outros têm participação limitada, e aqueles que não

participam. Neste caso, percebe-se que os professores efetivos, que atuam somente

no estabelecimento, têm condições de acompanhar o processo, porém aqueles que

trabalham em outra escola têm dificuldade de participar de igual maneira em ambas.

Aqueles que têm várias escolas, nem conseguem se envolver no desenvolvimento

das atividades. Conseqüentemente, conhecer os documentos de cada

estabelecimento e planejar ações em sintonia com os demais é difícil acontecer na

prática. Dessa forma, o trabalho fica fragmentado. Por isso se afirma que a teoria

não condiz com a prática.

Assim, a comunicação atende os aspectos formais, com a transmissão de

informações. Ou limita-se na tentativa de solucionar os problemas emergenciais do

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cotidiano. Sente-se falta de diálogo efetivo, intencional, que possibilite a reflexão,

discussão e planejamento com conhecimento de causa. As reuniões são

esporádicas, nem todos conseguem participar, a comunicação limitada provoca

comentários paralelos, e criam problemas de relacionamento. Apesar de reconhecer

a necessidade de diálogo e comprometimento de todos os envolvidos no processo

educativo, existe dificuldade de situar-se como integrantes de um coletivo.

Se por um lado se fala em ambiente familiar, por se tratar de uma escola

pequena, por outro, constata-se a distinção hierárquica entre os diferentes

segmentos, que se manifesta no discurso da falta de respeito, das diferenças e nas

questões de relacionamento pessoal.

Ainda que se reconheça a necessidade de formação para a cidadania, a

implementação no espaço escolar fica limitada ao cumprimento de deveres, as

situações de controle, pois persistem as práticas autoritárias. Constata-se que os

professores sentem-se inseguros frente às exigências das propostas pedagógicas

atuais, pelos resultados dessa pesquisa, e também, participando do cotidiano

escolar durante o período letivo. Muitas das ações estão limitadas ao senso comum,

o que se evidencia quando se fala em interdisciplinaridade e implementação de

ações para intervir nos problemas pedagógicos, de forma planejada e intencional,

fica clara a necessidade de estudo, reflexão e discussão por parte dos docentes.

Pois se admite a falta de conhecimento teórico necessário para fundamentar a

prática educativa. Os profissionais anseiam por melhorias, estão dispostos a

reflexão, discussão e estudo. Percebe-se, nos educadores, a consciência de seu

papel, mas sentem as dificuldades ocasionadas pela fragmentação do

conhecimento, pela rotina que permeia o cotidiano, e a necessidade de buscar

alternativas para superá-las. Sem dúvida os educadores, podem realizar através da

educação, uma revolução silenciosa capaz de transformar radicalmente a realidade,

pela efetivação de políticas públicas para a educação, há possibilidade. Como

“intelectuais orgânicos” se têm a liberdade, resta colocar em prática o pesquisado,

pensado, tendo em vista a transformação.

Nesse sentido, a Filosofia como parte integrante do currículo, evidentemente,

pode contribuir para desenvolver uma postura problematizadora, possibilitando a

reflexão filosófica, realizada de forma sistemática, radical, numa perspectiva de

totalidade. Pode proporcionar a compreensão da existência humana de forma global,

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não fragmentada, e, dessa forma, superar o senso comum, formando consciências

críticas, capazes de agir e intervir na realidade. E cada disciplina contribui para a

constituição de diferentes capacidades, se interagirem entre si, possibilitam um

desenvolvimento intelectual, social e afetivo mais completo e integrado.

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