o elenkhós da defesa de sócrates (2)
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FILOSOFIA, Período I - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA FILOSOFIA
Profa. Dra. Maria Cecília de Miranda Nogueira Coelho
Aluno: Carlos Henrique Barth
O elenkhós na Defesa de Sócrates
Platão dedicou boa parte de seus trabalhos à diferenciação clara entre o que é o sofista e
o que é o filósofo. Sua preocupação é justificada principalmente pela grande semelhança entre
o método socrático, o elenkhós, e o método dos sofistas. Como, para Platão, Sócrates teria sido
o mais justo e coerente que ele já conhecera, ele não admitia a confusão que os leigos faziam
entre o método de refutação socrática (o elenkhós) e o método dos sofistas (que Platão viria a
chamar de erística em seu diálogo Sofista). Tal confusão, no entanto, era até compreensível pois
os sofistas também trabalhavam com a refutação. A principal diferença estaria no objetivo do
método: Enquanto o método socrático tentava estruturar uma espécie de pesquisa em comum
junto ao interlocutor, de forma a tentar chegar juntos à verdade (funcionando portanto como uma
espécie de purgante para ideias erradas), o método sofista buscava fazer brotar a contradição nas
palavras do interlocutor, buscando assim vencer o debate.
Essa diferenciação, porém, se mostra menos clara em um contexto como o da Defesa de
Sócrates, dado que ali, seria justificável presumir que o principal objetivo de Sócrates é fazer
com que seus acusadores caiam em contradição, para que possa desmentí-los, “vencendo” assim
a “batalha” que trava com seu interlocutor, Meleto, que é um de seus acusadores formais.
É possível, no entanto, reconhecer traços do elenkhós na Defesa de Sócrates mas, em
análise superficial, nenhum deles permite uma diferenciação clara da erística sofista. Quando,
por exemplo, Sócrates se defende da acusação de Meleto de corromper a juventude por ensiná-
los a não crer nos deuses oficiais, apresentando-lhes novos deuses, Sócrates busca refutar esta
acusação com base em outra acusação de Meleto, a de que o próprio Sócrates não crê em deuses.
Ao apontar a clara contradição entre as duas acusações a respeito do seu suposto ateísmo e de
sua pregação de novos deuses, Sócrates desmente a acusação de que corromperia a juventude. A
situação, assim, lembra muito a do julgamento de Palamedes, no texto escrito por Górgias, um
sofista, onde este também apresenta sua defesa contra uma acusação supostamente injusta e não
é tão simples apontar uma distinção clara entre as duas defesas.
Poderia se argumentar, por exemplo, que Sócrates estava com a verdade e que seu
discurso buscava expô-la, mas o mesmo pode ser dito a respeito de Palamedes, uma vez que não
temos como confirmar se algum deles estaria efetivamente mentindo em sua defesa. Pode-se
dizer também que o objetivo de Sócrates seria antes chegar à verdade junto aos jurados, ou seja,
fazer um investigação conjunta com estes, a partir do diálogo com Meleto, objetivando assim
chegar o mais próximo possível da verdade, o que resultaria em sua inocência. Mas, em um
contexto como o de um julgamento, não seria essa a descrição exata de “vencer um debate”? Não
seria justamente esse o objetivo de um sofista em uma situação idêntica, seja sua acusação justa
ou injusta?
A discussão a esse respeito pode ser levada à outras esferas. É possível presumir que o
Sócrates apresentado por Platão na Defesa seja mais próximo do Sócrates histórico do que aquele
que se apresentará nos diálogos posteriores, onde Sócrates não usará apenas o elenkhós mas
também o método da maiêutica e da rememoração, que podem ser ideias puramente platônicas
colocadas na boca de Sócrates. É justo, portanto, nos perguntarmos também se o próprio (então
jovem) Platão, ao escrever a Defesa de Sócrates já teria uma concepção clara da diferença entre
o filósofo e o sofista. De qualquer forma, podemos dizer que Platão, em sua trajetória, veio a
absorver muito do método dos sofistas, caso contrário, estes problemas de diferenciação não
seriam peças tão amplamente abordadas em seus trabalhos.