o dolo no direito civil

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1 O dolo no Direito Civil Segundo Venosa, “São fatos jurídicos todos os acontecimentos, eventos que, de forma direta ou indireta, acarretam efeito jurídico” (2008, p. 319), portanto, a partir desta explanação, podemos citar diversos exemplos de fatos jurídicos como um terremoto, a morte de uma pessoa, o divórcio de um casal, a venda de um carro. Seguindo este raciocínio, podemos separar fatos jurídicos em fatos naturais – quando decorrem de acontecimentos provocados pela ação da natureza (o terremoto que destrói uma casa é um fato jurídico, pois apresentou uma conseqüência jurídica) – e atos jurídicos, quando são concebidos por alguma ação humana. Os atos jurídicos primeiramente são divididos em lícitos e ilícitos. Subseqüentemente, os atos  jurídicos lícitos se subdividem em atos jurídicos em sentido estrito (ou meramente lícitos) e negócios jurídicos. Para se entender esta divisão dos atos jurídicos lícitos, pode-se utilizar uma breve explicação de ato  jurídico em sentido e strito de Maximilianus Clá udio Américo Führe r: “Ato Jurídico em sentido estrito é o delineado pela lei, na forma, nos termos e nos efeitos, com mínima margem de deliberação, como na descoberta de um tesouro, no reconhecimento de filho ou na interpelação judicial”. (2007, p. 48) Por conseguinte, pode-se compreender que um ato jurídico é qualquer ação praticada pelo homem sem intenção de causar um efeito jurídico, no entanto acaba ocasionando-o. Segundo o mesmo autor, a definição de negócio jurídico: “O negócio jurídico, ao contrário caracteriza-se pela maior liberdade de deliberação, na fixação dos termos e das decorrências jurídicas, como na compra e venda e nos contratos em geral. Negócio  jurídico, diz von Bülo w, é “norma con creta estabelecida pelas partes”.” (2007, p. 48) Sempre que hou ver intenção es pec ífica de gerar algum efeito jur ídico, ao obt er, res gua rda r, transmitir, alterar ou extinguir direitos se estará diante de um negócio jurídico. Para um ne góc io jur ídi co ter validade, é necessári o: ag ent e cap az, obj eto lícito, pos sív el, determinado ou determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei, como está redigido no artigo 104 do Código Civil. Porém, qualquer negócio jurídico é anulável se este for viciado por qualquer defeito indicado nos artigos 138 a 165 do CC. Esses defeitos são: erro, dolo, coação, estado de  perigo, lesão e fra ude contra cred ores. Chamados pelo Código de 1916 de vícios de consentimento (erro, dolo e coação) e vícios sociais (simulação e fraude contra credores), os atuais defeitos do negócio jurídico, tornam a vontade mal dirigida, mal externada. Finalmente se pode concluir que o dolo é um defeito do negócio jurídico, que o torna anulável, e assim seguir para uma explicação mais detalhada deste defeito do negócio jurídico. 2. Conceito Como o Código Civil Brasileiro não define dolo, para começar a compreendê-lo, pode se utilizar a famosa definição de Clóvis Beviláqua: “Dolo é artifício ou expediente astucioso, empregado para induzir alguém à prática de um ato jurídico, que o prejudica, aproveitando ao autor do dolo ou a terceiro.” Pode-se dizer, então, que dolo é qualquer meio utilizado intencionalmente para induzir ou manter alguém em erro na prática de um ato jurídico. Porém, existem pensadores como Carvalho Santos e Larenz que discordam de Beviláqua e não consideram o prejuízo um elemento definidor do dolo, e que seria suficiente para sua configuração ap en as um artifício qu e in du z alguém a ef et ua r ne gócio ju ríd ic o, me smo esse o tendo necessariamente propósito de causar dano ao enganado, já que a lei civil aplicada nesse caso não  protege o patrimôn io, e sim a liberdade de decisão. Já Maria Helena Diniz se mostra adepta à definição de Beviláqua, como é mostrado na citação a seguir:

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O dolo no Direito Civil

Segundo Venosa, “São fatos jurídicos todos os acontecimentos, eventos que, de forma direta ouindireta, acarretam efeito jurídico” (2008, p. 319), portanto, a partir desta explanação, podemos citar diversos exemplos de fatos jurídicos como um terremoto, a morte de uma pessoa, o divórcio de um

casal, a venda de um carro. Seguindo este raciocínio, podemos separar fatos jurídicos em fatosnaturais – quando decorrem de acontecimentos provocados pela ação da natureza (o terremoto quedestrói uma casa é um fato jurídico, pois apresentou uma conseqüência jurídica) – e atos jurídicos,quando são concebidos por alguma ação humana.Os atos jurídicos primeiramente são divididos em lícitos e ilícitos. Subseqüentemente, os atos

 jurídicos lícitos se subdividem em atos jurídicos em sentido estrito (ou meramente lícitos) enegócios jurídicos.Para se entender esta divisão dos atos jurídicos lícitos, pode-se utilizar uma breve explicação de ato

 jurídico em sentido estrito de Maximilianus Cláudio Américo Führer:“Ato Jurídico em sentido estrito é o delineado pela lei, na forma, nos termos e nos efeitos, commínima margem de deliberação, como na descoberta de um tesouro, no reconhecimento de filho ouna interpelação judicial”. (2007, p. 48)Por conseguinte, pode-se compreender que um ato jurídico é qualquer ação praticada pelo homemsem intenção de causar um efeito jurídico, no entanto acaba ocasionando-o. Segundo o mesmoautor, a definição de negócio jurídico:“O negócio jurídico, ao contrário caracteriza-se pela maior liberdade de deliberação, na fixação dostermos e das decorrências jurídicas, como na compra e venda e nos contratos em geral. Negócio

 jurídico, diz von Bülow, é “norma concreta estabelecida pelas partes”.” (2007, p. 48)Sempre que houver intenção específica de gerar algum efeito jurídico, ao obter, resguardar,transmitir, alterar ou extinguir direitos se estará diante de um negócio jurídico.Para um negócio jurídico ter validade, é necessário: agente capaz, objeto lícito, possível,

determinado ou determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei, como está redigido no artigo104 do Código Civil. Porém, qualquer negócio jurídico é anulável se este for viciado por qualquer defeito indicado nos artigos 138 a 165 do CC. Esses defeitos são: erro, dolo, coação, estado de

 perigo, lesão e fraude contra credores.Chamados pelo Código de 1916 de vícios de consentimento (erro, dolo e coação) e vícios sociais(simulação e fraude contra credores), os atuais defeitos do negócio jurídico, tornam a vontade maldirigida, mal externada.Finalmente se pode concluir que o dolo é um defeito do negócio jurídico, que o torna anulável, eassim seguir para uma explicação mais detalhada deste defeito do negócio jurídico.

2. Conceito

Como o Código Civil Brasileiro não define dolo, para começar a compreendê-lo, pode se utilizar afamosa definição de Clóvis Beviláqua: “Dolo é artifício ou expediente astucioso, empregado parainduzir alguém à prática de um ato jurídico, que o prejudica, aproveitando ao autor do dolo ou aterceiro.” Pode-se dizer, então, que dolo é qualquer meio utilizado intencionalmente para induzir oumanter alguém em erro na prática de um ato jurídico.Porém, existem pensadores como Carvalho Santos e Larenz que discordam de Beviláqua e nãoconsideram o prejuízo um elemento definidor do dolo, e que seria suficiente para sua configuraçãoapenas um artifício que induz alguém a efetuar negócio jurídico, mesmo esse não tendonecessariamente propósito de causar dano ao enganado, já que a lei civil aplicada nesse caso não

 protege o patrimônio, e sim a liberdade de decisão.Já Maria Helena Diniz se mostra adepta à definição de Beviláqua, como é mostrado na citação a

seguir:

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“Parece-nos contudo que a razão está com Clóvis, pois além de que, na prática, ocorre umacorrespondência entre a vantagem auferida pelo autor do dolo e um prejuízo patrimonial sofrido

 pela outra parte, há, virtualmente, um prejuízo moral pelo simples fato de alguém ser induzido aefetivar negócio jurídico por manobras maliciosas que afetaram sua vontade”. (2004, p. 417)

 Não se pode confundir o dolo civil com dolo criminal, que é a intenção de praticar qualquer ato que

se diz contrário a lei. No direito penal, o crime é “doloso quando o agente quis resultado ou assumiurisco de produzi-lo” (Código Penal, art. 18, I). Também possui diferenças em relação ao dolo processual, que segundo Gonçalves, “decorre de conduta processual reprovável, contrária a boa-fé eque sujeita, tanto o autor como o réu que assim procedem a sanções várias, como ao pagamento de

 perdas e danos, custas e honorários advocatícios”. (2005, p. 375)O dolo também distingue-se da simulação, na qual a vítima é lesada sem participar de negócio

 jurídico algum, já que a intenção na simulação é criar falsa visão do pretendido visando fraudar a leiou prejudicar terceiros.O dolo civil – como os outros vícios – tem a virtude de anular o negócio jurídico, como conta nosarts. 145 e 171 do Código Civil. Esse vício pode ocorrer por apenas um ato ou por série de atos,completando assim a conduta dolosa.

O dolo vicia o negócio jurídico porque para se ter um ato jurídico legítimo, é necessário vontade das partes, e, segundo Venosa:“O elemento básico do negócio jurídico é a vontade. Para que essa vontade seja apta a preencher oconceito de um negócio jurídico, necessita brotar isenta de qualquer induzimento malicioso. Deveser espontânea. Quando há perda dessa espontaneidade, o negócio está viciado. O induzimentomalicioso, o dolo, é uma das causas viciadoras do negócio”. (2008, p. 393)

3. Erro, Dolo e Fraude

Segundo Stolze Gagliano e Pamplona Filho, o dolo é o erro provocado por terceiro, e não pelo próprio sujeito enganado. Pode-se confirmar que tanto o erro como o dolo são representaçõeserrôneas da realidade, porém, no dolo, esta representação errônea é provocada por um terceiro,como usualmente é dito pela doutrina que o erro é espontâneo e o dolo surge provocado.Outra semelhança que se pode tomar em questão, segundo Venosa, é que, da mesma maneira que háerro essencial e erro acidental, existe dolo principal (ou essencial) e dolo incidente, com as mesmasconseqüências: a primeira opção dos dois defeitos resulta na anulabilidade do negócio e a segunda,não. De acordo com o mesmo autor, “o dolo essencial, assim como erro essencial, são aqueles queafetam diretamente a vontade, sem os quais o negócio jurídico não teria sido realizado”. (2008, p.394)Costumeiramente, as ações anulatórias de negócios jurídicos são fundadas no dolo, uma vez que oerro tem natureza subjetiva, não havendo, assim, como precisar o que realmente se passa na mentedo autor no momento do negócio. Assim, as partes legitimadas preferem alegar dolo e demonstrar o

artifício ardiloso da outra parte, menos difícil de se evidenciar.Em relação à fraude, segundo Venosa, esta tem intenção de burlar lei ou convenção preexistente oufutura. Já o dolo surge no mesmo momento do negócio jurídico e tem como objetivo enganar o

 próximo. Ainda de acordo com o mesmo autor, “a fraude geralmente visa à execução do negócio,enquanto o dolo visa à sua própria conclusão”. (2008, p. 394)Um ótimo exemplo para o entendimento de dolo e fraude também vem de Venosa: “há dolo quandoalguém omite dados importantes para elevar o valor do seguro a ser pago no caso de eventualsinistro; há fraude se o sinistro é simulado para o recebimento do valor do seguro”. (2008, p. 394)

4. Características e Requisitos do Dolo

Existe a necessidade de o dolo ser essencial, ou seja, ele que impulsiona a vontade do declarante.

Para viciar o negócio, este deve estar na base do negócio jurídico, caso contrário, será dolo

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acidental e não viciará o ato. O artigo 145 explica que o dolo deve ser a causa da realização donegócio jurídico, sendo assim chamado de dolo principal ou essencial.Conforme o artigo 148, o dolo deve promanar do outro contratante ou, se vindo de terceiro, o outrocontratante dele deve ter conhecimento. Outra característica interessante é que, como mencionadoanteriormente, para parte da doutrina o prejuízo é secundário no dolo, e o que realmente importaria

seria a intenção de enganar, de prejudicar. Segundo Serpa Lopes (1962), o ato ou negócio éanulável ainda que a pessoa seja levada a praticar ato objetivamente vantajoso, mas que ela nãodesejava.O silêncio intencional, ou seja, uma das partes omitir algum fato relevante ao negócio jurídicotambém constitui negócio jurídico.O prazo para se anular um negócio jurídico é de quatro anos, contado do dia em que se realizou onegócio, segundo artigo 178, inciso II.5. Dolo Essencial (Principal) e Dolo AcidentalSegundo Maria Helena Diniz, “o dolo principal é aquele que dá causa ao negócio jurídico, sem oqual ele não se teria concluído (CC, art. 145), acarretando, então, a anulabilidade daquele negócio”(2004, p. 418). Pode se concluir, portanto, que o dolo é essencial quando se não fosse pelo dolo, o

negócio não se concretizaria, por isso que a anulação do negócio é válida nesse caso.Já no caso do dolo acidental existe a intenção de enganar, todavia o negócio aconteceria com ousem dolo; porém surge ou é concluído de forma mais onerosa ou menos vantajosa para a vítima. Elenão tem influência para a finalização do ato, conforme dita o artigo 146: “É acidental o dolo,quando a seu despeito o ato se teria praticado, embora por outro modo”. O dolo acidental nãoacarreta a anulação do negócio jurídico, porém obriga o autor do dolo a satisfazer perdas e danos davítima.Um ótimo exemplo de dolo acidental vem de Stolze Gagliano e Pamplona Filho:“O sujeito declara pretender adquirir um carro; escolhendo um automóvel com cor metálica, e,quando do recebimento da mercadoria, enganado pelo vendedor, verifica que a coloração é, emverdade, básica. Neste caso, não pretendendo desistir do negócio poderá exigir compensação por 

 perdas e danos”.Pode-se compreender que o autor do negócio já tinha intenção de comprar um automóvel, e foienganado apenas na cor deste, que suponhamos que não era de suma importância para a vítima.Agora um exemplo de dolo essencial dos mesmos autores:“Diferente, seria, porém, a situação em que ao sujeito somente interessasse comprar o veículo sefosse da cor metálica – hipótese em que este elemento faria parte da causa do negócio jurídico.

 Nesse caso, tendo sido enganado pelo vendedor para adquirir o automóvel, poder-se-ia anular onegócio jurídico com base em dolo.”Agora nota-se que um requisito para a compra do automóvel era que ele fosse de cor metálica,

 portanto se ele tivesse uma pintura básica o negócio não se concretizaria, e aconteceu graças ao

dolo do vendedor, que enganou o comprador e viciou a sua vontade.Como o dolo essencial já está acoplado ao negócio jurídico desde seu início – já que este intencionaa vítima desde antes da concretização do negócio – Segundo Venosa, “procura-se por outro ladoidentificar o dolo incidente como aquele praticado no curso de negociação já iniciada. Comfreqüência isso pode ocorrer, mas não é caso exclusivo de dolo incidental” (2008, p. 396).Diferenciar dolo essencial de dolo acidental é uma tarefa trabalhosa e complicada, este trabalhocabe ao juiz durante a averiguação e avaliação das provas.