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ODireitoComercialdeAngola(2013)

CHAPTER·JANUARY2013

READS

13

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SofiaVale

FacultyofLawofAgostinhoNetoUniversity…

40PUBLICATIONS0CITATIONS

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O DIREITO DE ANGOLA: DIREITO COMERCIAL1

Sofia Vale2

SUMÁRIO: 1. O Direito Comercial 2. Títulos de Crédito 3. Registo Comercial 4. Falência

5. Estabelecimento Comercial 6. Sociedades Comerciais 7. Outras Formas de

Desenvolvimento da Actividade Económica 8. Investimento Privado 9.Mercado

Accionista 10. Perspectivas de Evolução.

1. O DIREITO COMERCIAL

O direito comercial é um ramo especial de direito privado (em relação ao direito civil, que

constitui o direito privado comum) e que tem por objecto a regulação dos actos de comércio e

das actividades comerciais.

O Código Comercial em vigor em Angola é o código comercial português publicado em 1888

(conhecido como o Código de Veiga Beirão). A relevância do Código Comercial é actualmente

diminuta uma vez que muitas das suas disposições estão revogadas e foram substituídas por

legislação avulsa.

O âmbito de aplicação do Código Comercial engloba tanto os actos objectivos como os actos

subjectivos de comércio. São assim considerados actos de comércio objectivos todas as

transacções comerciais, independentemente de serem praticadas por comerciantes ou por não

comerciantes. Os actos subjectivos de comércio são aqueles que adquirem a sua comercialidade

em virtude de serem praticados por um comerciante.

1 Contribuição para a obra colectiva O Direito de Angola, Edição da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho

Neto, Luanda, 2014.

2 Professora da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, Luanda, Angola.

2

São considerados comerciantes os indivíduos que se dedicam à prática do comércio

(comerciantes em nome individual) e as sociedades comerciais. A grande diferença reside no

facto de os comerciantes em nome individual terem responsabilidade ilimitada, enquanto que

algumas sociedades comerciais (designadamente, as sociedades por quotas e as sociedades

anónimas) limitam a responsabilidade dos seus sócios ao montante do capital social que

subscreveram.

O Código Comercial procurou instituir um regime especial, apartando-se assim das regras

comuns do direito civil (vertidas no Código Civil), que tivesse em conta a particular natureza da

actividade comercial, tornando-a mais expedita e conferindo maior protecção aos credores dos

comerciantes.

Este particular estatuto que o direito comercial confere ao comerciante encontra-se vertido em

diversas regras, dentre as quais destacamos as seguintes: (i) regime de responsabilidade

solidária dos devedores comerciantes, por oposição ao regime regra da conjunção das dívidas

de natureza civil em que há vários co-devedores; (ii) as dívidas comerciais dos comerciantes

casados em regime de comunhão de adquiridos presumem-se contraídas no exercício do

comércio, só podendo esta presunção ser afastada mediante prova em contrário; (iii) os actos

praticados por um comerciante são considerados subjectivamente comerciais, só podendo a sua

comercialidade ser afastada mediante prova em contrário; (iv) a prova de certos factos em que

intervêm comerciantes é facilitada, designadamente no caso do empréstimo mercantil entre

comerciantes (que admite qualquer tipo de prova) ou no caso do penhor mercantil entre

comerciantes (que se basta com documento escrito, não se exigindo o respectivo registo); (v) os

créditos dos comerciantes prescrevem no prazo de dois anos, prazo consideravelmente mais

curto se comparado com o prazo ordinário de prescrição em direito civil (que é de vinte anos);

(vi) sobre os comerciantes impendem ainda um conjunto de obrigações especiais, como a de ter

firma, livros obrigatórios de escrituração mercantil, prestar contas e inscrever no registo

comercial os actos a ele sujeitos.

O conceito de actividade comercial patente na lei comercial angolana deve ser entendido em

sentido amplo, compreendendo não apenas a noção de actividade comercial em sentido estrito

mas também outras actividades económicas como, por exemplo, a bancária, seguradora ou de

transportes.

3

Note-se ainda que em Angola não existem tribunais com competência especializada em matéria

comercial, sendo os diferendos relativos a estas matérias remetidos para os tribunais comuns.

2. TÍTULOS DE CRÉDITO

O crédito é essencial para o desenvolvimento da actividade dos comerciantes e, por essa razão,

o direito comercial angolano apresenta uma noção muito ampla de títulos de crédito. Entende-se

por título de crédito o documento escrito, em papel, constitutivo de um direito de crédito, em que

o direito adere ao título (ou seja, o direito existe na medida em que o título existe), tornando mais

simples, rápida e segura a constituição e transmissão do crédito.

São títulos de crédito os títulos cambiais (letra, livrança e cheque), o conhecimento de depósito,

a cautela de penhor, a guia de transporte, as acções e as obrigações.

A evolução que se vem verificando em matéria de títulos de crédito tem suscitado a discussão

sobre se se deve ainda exigir que alguns destes títulos adoptem a forma de documentos

escritos. Por outro lado, alguns títulos de crédito são também valores mobiliários e para eles

estão a ser gizadas regras especiais quanto à sua circulação e transacção, no âmbito da

abertura da bolsa de valores que se avizinha.

Refira-se ainda que as leis uniformes sobre letras, livranças e cheques, aprovadas pelas

convenções de Genebra, de que Angola é parte, estão em vigor na ordem jurídica angolana.

3. REGISTO COMERCIAL

O Ministério da Justiça, através das Conservatórias do Registo Comercial, assegura a inscrição

e manutenção de um registo comercial permanentemente actualizado dos actos dos

comerciantes. Este registo é geograficamente descentralizado, existindo Conservatórias de

Registo Comercial em todas as províncias do país.

O objectivo primordial do registo comercial é assegurar a publicidade dos actos dos

comerciantes, de modo a conferir maior segurança ao tráfego mercantil. Assim, todos os

comerciantes estão obrigados a proceder ao seu registo. Não obstante, constatamos que, entre

nós, a generalidade dos comerciantes em nome individual não efectua tal registo. Já as

sociedades comerciais realizam inevitavelmente o seu registo, pois este é condição essencial

para a obtenção da personalidade jurídica colectiva.

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A obrigatoriedade de inscrição no registo comercial estende-se ainda às sucursais em Angola de

sociedades estrangeiras, às empresas públicas, às cooperativas e aos agrupamentos de

empresas.

Note-se que o primeiro acto que os comerciantes devem registar é a sua firma, ou seja, o nome

através do qual pretendem exercer a sua actividade comercial. Para esse efeito foi criado, sob a

égide do Ministério do Comércio, o Ficheiro Central de Denominações Sociais. A inscrição da

firma neste registo não invalida a necessidade de registar a mesma firma no registo comercial.

4. FALÊNCIA

As disposições relativas à falência dos comerciantes estavam inicialmente inseridas no Código

Comercial, tendo passado, em virtude de sucessivas reformas legislativas ocorridas ainda no

tempo colonial, para o Código de Processo Civil (de 1939). Ainda que este diploma seja de cariz

iminentemente processual, nele encontramos todo o regime substantivo da falência.

A falência apresenta-se como um instituto privativo dos comerciantes, que corresponde à

impossibilidade permanente destes cumprirem as suas obrigações perante os respectivos

credores; este instituto coexiste com o instituto da insolvência, aplicável aos devedores não

comerciantes. Deste modo, apenas podem ser declarados falidos os comerciantes em nome

individual, as sociedades comerciais e os sócios de responsabilidade ilimitada das sociedades

comerciais.

A filosofia inerente a este instituto aponta a falência como liquidação, circunscrevendo em larga

medida a possibilidade do comerciante ver a sua empresa ainda a funcionar após o processo de

falência estar concluído. Na verdade, o levantamento da inibição do falido administrar os seus

bens só ocorre em duas situações: (i) no caso do falido propor uma concordata, que é aprovada

por 75% dos seus credores ou (ii) no caso dos credores chegarem a acordo quanto à

constituição de uma sociedade de responsabilidade limitada da qual eles são sócios, que deva

continuar a actividade comercial do falido, assumindo os respectivos direitos e obrigações. Neste

último caso, como facilmente se conclui, ocorre uma verdadeira expropriação da empresa por

parte dos credores do falido.

Consoante a causa que motivou a falência, esta pode ser classificada como casual, culposa ou

fraudulenta, repercutindo-se esta classificação nas penas a aplicar ao falido (a falência culposa e

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fraudulenta convocam também sanções de natureza penal). A reabilitação do falido pode ocorrer

no termo do processo, no caso da falência ser casual; sendo culposa ou fraudulenta, só há lugar

à reabilitação depois do falido ter cumprido a pena que lhe foi aplicada.

Este sistema tem sido objecto de diversas críticas por parte da doutrina angolana, que considera

necessário a instituição de mecanismos que permitam o saneamento do falido, permitindo-lhe

recuperar a saúde financeira da sua empresa e continuar com a sua actividade comercial.

5. ESTABELECIMENTO COMERCIAL

O conceito de estabelecimento comercial, entendido como a empresa (com todos os elementos

corpóreos e incorpóreos nela incluídos) que pode ser objecto de negócios jurídicos, reveste-se

de particular importância no direito comercial angolano.

A legislação trata com particular acuidade da transmissão temporária (locação) e definitiva

(trespasse) do estabelecimento comercial. O facto de muitos estabelecimentos comerciais

estarem instalados em imóveis arrendados levou o legislador a consagrar um regime particular

quanto à locação e ao trespasse do estabelecimento comercial, que permite ao proprietário do

estabelecimento comercial dá-lo em locação ou trespassá-lo sem que tenha necessidade de

obter o prévio consentimento do senhorio do imóvel onde este se encontra instalado. O facto do

estabelecimento comercial ser visto como uma unidade jurídica que compreende todos os

elementos que o integram vem simplificar a sua transmissão (temporária ou definitiva), na

medida em que se torna desnecessário descriminar todos esses elementos no contrato

subjacente á transmissão.

Curiosamente, o Código Comercial não trata especificamente do estabelecimento comercial. As

regras que pautam a locação e o trespasse do estabelecimento comercial encontram-se

plasmadas no Código Civil, na Lei do Inquilinato e noutros diplomas avulsos (designadamente,

de carácter fiscal).

Refira-se ainda que o conceito de estabelecimento é também extensível a estabelecimentos que

desenvolvem uma actividade não comercial, como é o caso dos constituídos por profissionais

liberais.

6. SOCIEDADES COMERCIAIS

6

O conceito de sociedade patente no direito angolano reporta-se a um tipo de contrato (o contrato

de sociedade, previsto no Código Civil) e também a uma pessoa colectiva (a sociedade).

Uma sociedade tem necessariamente por objectivo o desenvolvimento de uma actividade

económica, podendo tal actividade ter natureza civil (sociedade civil) ou comercial (sociedade

comercial). A legislação comercial permite ainda às sociedades civis adoptarem um dos tipos

legais previstos para as sociedades comerciais (sociedades civis sob forma comercial).

Havendo necessidade de modernizar o funcionamento das sociedades comerciais, foi publicada,

em 2004, a Lei das Sociedades Comerciais. Neste diploma, o legislador consagrou o princípio da

tipicidade quanto à constituição de sociedades comerciais, só podendo ser constituídos em

Angola os seguintes tipos: (i) sociedades em nome colectivo, (ii) sociedades por quotas, (iii)

sociedades em comandita (simples ou por acções) e (iv) sociedades anónimas.

Qualquer um dos tipos legais acima referido é facilmente identificável através da respectiva

firma: (i) as sociedades em nome colectivo devem incluir na firma o nome de todos os seus

membros ou apenas o nome de alguns, acrescido do aditamento “& Companhia”; (ii) as

sociedades por quotas estão obrigadas a incluir na sua firma o aditamento “Limitada” ou “Lda.”;

(iii) as sociedades em comandita devem incluir na sua firma pelo menos o nome de um dos

sócios de responsabilidade ilimitada e o aditamento “& Comandita” ou “em Comandita” (para as

sociedades em comandita simples) e “& Comandita por Acções” ou “em Comandita por Acções”

(para as sociedades em comandita por acções) e (iv) as sociedades anónimas devem aditar a

expressão “Sociedade Anónima” ou “SA”.

Sem prejuízo das diferenças existentes entre os diversos tipos legais quanto à estrutura

orgânica, modo de transmissão das participações ou capital social mínimo, a grande diferença

entre os tipos respeita à responsabilidade dos sócios perante as dívidas sociais. De facto, as

sociedades por quotas e as sociedades anónimas são consideradas sociedades de

responsabilidade limitada, enquanto que as sociedades em nome colectivo e as sociedades em

comandita são vistas como sociedades de responsabilidade ilimitada. É certamente por esta

razão que nos últimos anos em Angola não há nota de que se tenham constituído sociedades

em nome colectivo ou sociedades em comandita. O tipo social que mais tem vindo a ser utilizado

entre nós é, indubitavelmente, a sociedade por quotas.

6.1. CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADES

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A constituição de sociedades em Angola dá-se com a celebração de um contrato de sociedade,

sendo também abrangido por este conceito a constituição de sociedades através de um acto

unilateral (o que sucede quando se constituem sociedades unipessoais). Entre nós têm vindo a

ser utilizadas, indistintamente, as expressões contrato de sociedade, pacto social ou estatutos da

sociedade para se reportarem ao documento do qual constam as regras essenciais que pautam

o funcionamento de uma sociedade comercial.

A Lei das Sociedades Comerciais estabelece que o número mínimo de sócios de uma sociedade

em nome colectivo, de uma sociedade por quotas e de uma sociedade em comandita simples é

de dois. Para as sociedades anónimas o número mínimo é de cinco sócios. Já as sociedades em

comandita por acções devem constituir-se com um mínimo de seis sócios.

A Lei das Sociedades Unipessoais (publicada em 2012) veio permitir a constituição de

sociedades por quotas e de sociedades anónimas com apenas um sócio. As sociedades

unipessoais estão impedidas de constituir outras sociedades unipessoais ou de subscrever

participações sociais noutras sociedades (quer estas sejam civis ou comerciais).

Para que se proceda à constituição de uma sociedade comercial é necessária a observância do

seguinte procedimento:

(i) deve obter-se um certificado de admissibilidade de firma junto do Ficheiro Central de

Denominações Sociais (assegurando-se de que a firma escolhida não é confundível com

as demais firmas que já se encontram registadas);

(ii) caso a sociedade seja constituída com recurso a investimento estrangeiro, é necessário

submeter perante a Agência Nacional para o Investimento Privado (ANIP) um projecto

de investimento que, depois de autorizado, conduz à obtenção de um certificado de

registo de investimento privado;

(iii) de seguida, há que proceder à abertura de uma conta bancária em nome da sociedade a

constituir, junto de qualquer banco comercial a operar em Angola, na qual se deverá

depositar o montante do capital social a realizar em dinheiro;

(iv) o contrato de sociedade deverá depois ser celebrado através de escritura pública,

exibindo-se perante o notário o comprovativo de depósito do capital social a realizar em

dinheiro (para as entradas em dinheiro) ou a declaração de avaliação dos bens emitida

por perito contabilista independente (para as entradas em espécie);

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(v) procede-se depois à inscrição da sociedade no registo comercial, sendo este o momento

em que a sociedade adquire personalidade jurídica;

(vi) o contrato de sociedade deverá depois ser publicado na III Série do Diário da República;

(vii) a sociedade deve também registar-se junto do Instituto Nacional de Estatística, obtendo

assim um certificado de registo estatístico;

(viii) segue-se a inscrição da sociedade no bairro fiscal da respectiva sede social, onde irá

obter um número de contribuinte e um certificado de início de actividade;

(ix) a sociedade deve também inscrever-se junto do Instituto Nacional de Segurança Social,

de modo a que posteriormente possa aí inscrever todos os seus trabalhadores;

(x) por último, a sociedade deverá requerer junto das entidades governamentais que tutelam

a sua área de actividade a emissão dos alvarás e licenças de que carece para que

possa desenvolver a actividade constante do seu objecto social.

A constituição de sociedades comerciais em Angola tornou-se bastante mais célere desde que,

em 2003, foi criado o Guiché Único da Empresa. Nas instalações do Guiché Único de Empresa

encontram-se delegações de todos os serviços públicos acima referidos que estão envolvidos no

processo de constituição de sociedades (com excepção da Agência Nacional para o

Investimento Privado e das entidades responsáveis pela emissão de alvarás e licenças para o

exercício da actividade), o que permite a constituição de uma sociedade comercial (com capital

exclusivamente nacional) num período de vinte e quatro horas.

6.2. A REGULAMENTAÇÃO PLASMADA NA LEI DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

A Lei das Sociedades Comerciais inicia com uma parte geral, composta por 175 artigos, na qual

se consagram as disposições aplicáveis a todos os tipos de sociedades comerciais. A referida

parte geral contém disposições atinentes à personalidade e capacidade, aos requisitos do

contrato de sociedade, às obrigações e direitos dos sócios, ao capital social, ao regime das

sociedades antes do registo, às deliberações dos sócios, à administração, à responsabilidade

civil pela constituição, administração e fiscalização da sociedade, às alterações do contrato de

sociedade, à cisão e transformação, à dissolução e liquidação, à publicação dos actos sociais e

à actividade de fiscalização que recai sobre o Ministério Público.

De seguida, a Lei das Sociedades Comerciais consagra o regime jurídico particular de cada tipo

de sociedade: os arts. 176º a 200º versam sobre as sociedades em nome colectivo, os arts. 201º

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a 216º regulam as sociedades em comandita (simples e por acções), os arts. 217º a 300º

dispõem quanto às sociedades por quotas e os arts. 301º a 462º tratam das sociedades

anónimas.

Subsequentemente, a Lei das Sociedades Comerciais apresenta regras quanto ao

funcionamento dos grupos de sociedades. Sob a epígrafe “sociedades coligadas” (arts. 463º a

497º), o legislador angolano tratou das sociedades em relação de simples participação, das

sociedades em relação de participações recíprocas, das sociedades em relação de domínio, das

sociedades em relação de grupo paritário e das sociedades em relação de subordinação.

Nos arts. 498º a 518º, a Lei das Sociedades Comerciais elenca um conjunto de disposições de

natureza penal, destinadas a sancionar a conduta dos membros dos órgãos sociais que se

encontre em contravenção com o disposto no referido diploma.

Por último, nos arts. 519º a 529º consagram-se as disposições finais e transitórias que, entre

outros, vieram possibilitar a adaptação das sociedades existentes à data da entrada em vigor da

Lei das Sociedades Comerciais às novas regras nela contidas.

6.3. DISTINÇÃO ENTRE OS DIVERSOS TIPOS DE SOCIEDADES COMERCIAIS

Os tipos de sociedades plasmados na Lei das Sociedades Comerciais apresentam diferenças

relevantes no que respeita a: (i) responsabilidade dos sócios perante a sociedade e perante os

credores sociais; (ii) estrutura orgânica; (iii) transmissão das participações sociais e (iv) montante

mínimo do capital social e condições de realização das entradas.

É sobre estas diferenças, que melhor nos permitem caracterizar cada um dos tipos sociais, que

nos ocuparemos de seguida.

6.3.1. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS PERANTE A SOCIEDADE E PERANTE OS

CREDORES SOCIAIS

A responsabilidade dos sócios das sociedades em nome colectivo é pessoal e ilimitada. Quer

isto dizer que os sócios respondem perante a sociedade pela sua obrigação de entrada. Perante

os credores sociais, responde, em primeiro lugar, o património da sociedade e, subsidiariamente,

todos os sócios (sendo a responsabilidade dos mesmos solidária). Note-se que quem não seja

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sócio mas tenha autorizado que o seu nome conste da firma da sociedade fica sujeito ao mesmo

regime de responsabilidade.

Nas sociedades em comandita (simples ou por acções) estabelece-se uma distinção entre o tipo

de sócios que nelas figura. Assim, os sócios comanditários respondem apenas pela realização

da sua entrada, não sendo chamados a responder pelas dívidas sociais. Já os sócios

comanditados respondem pessoal (pela sua obrigação de entrada) e ilimitadamente (perante os

credores sociais), nos mesmos termos em que respondem os sócios das sociedades em nome

colectivo.

Nas sociedades por quotas, a responsabilidade dos sócios é solidária e limitada. Dito de outro

modo, os sócios são solidariamente responsáveis pela realização de todas as entradas

convencionadas, podendo ser chamados a realizar a entrada que um outro sócio não realizou.

Pelas dívidas da sociedade, em regra, só o património social responde. Porém, podem os sócios

estabelecer no contrato de sociedade que todos ou alguns deles respondem (solidaria ou

subsidiariamente com a sociedade) perante os credores sociais, contanto que indiquem

expressamente qual o limite máximo dessa responsabilidade.

Nas sociedades anónimas, a responsabilidade dos sócios é duplamente limitada. Quer-se com

isto dizer que cada sócio apenas responde pelas acções que subscreveu e que pelas dívidas

sociais só o património da sociedade responde.

6.3.2. ESTRUTURA ORGÂNICA

A estrutura orgânica das sociedades em nome colectivo compreende dois órgãos, a saber, a

assembleia geral e a gerência. A assembleia é órgão supremo deste tipo social, no qual têm

assento todos os sócios. A assembleia tem competência para deliberar sobre todas as matérias

constantes da lei e do contrato de sociedade. À gerência cabem as tarefas de representação e

de administração da sociedade, sendo esta, via de regra, integrada por todos os sócios (só por

unanimidade dos sócios podem ser designados gerentes não sócios). Os diversos gerentes têm

poderes iguais e independentes, estando qualquer um deles apto a vincular a sociedade.

As sociedades em comandita têm também um órgão deliberativo (a assembleia geral) e um

órgão de administração (a gerência). Nas sociedades em comandita simples, são aplicadas, por

remissão, as regras respeitantes às sociedades em nome colectivo. Já nas sociedades em

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comandita por acções são aplicadas, também por remissão, as regras respeitantes às

sociedades anónimas. No que respeita à gerência, note-se que, em regra, só os sócios

comanditados podem integrá-la; tal só não sucederá se diversamente tiver sido estipulado no

contrato de sociedade.

Nas sociedades por quotas, a estrutura orgânica compreende sempre a assembleia geral e a

gerência, podendo ainda prever-se no contrato de sociedade a existência de um órgão de

fiscalização. A assembleia geral é composta por todos os sócios, cabendo-lhe decidir sobre

todas as matérias que lhe tenham sido atribuídas por lei ou pelo contrato de sociedade; este

órgão tem ainda competência residual para deliberar sobre qualquer matéria não integrada na

competência dos demais órgãos da sociedade. Já a gerência pode ser composta por sócios ou

por não sócios e, sendo plural, ela funciona de acordo com as regras da maioria.

As sociedades anónimas têm necessariamente três órgãos: a assembleia geral, o conselho de

administração (ou o administrador único) e o conselho fiscal (ou o fiscal único). Na assembleia

geral têm assento os sócios, mas não necessariamente todos os sócios (uma vez que podem

existir acções que não confiram ao sócio o direito de participar na assembleia geral ou o contrato

de sociedade pode exigir a detenção de um número mínimo de acções para que um sócio possa

nela fazer-se presente). A competência da assembleia geral varia consoante o disposto no

contrato de sociedade e é sempre subsidiária face à competência dos demais órgãos sociais. O

conselho de administração é composto por um número ímpar de membros, sócios ou não, a

quem cabe representar e administrar a sociedade. O conselho de administração só se subordina

às orientações da assembleia geral quando a lei ou o contrato de sociedade assim

determinarem. Caso assim o entenda, o conselho de administração pode delegar competências

em administradores delegados ou numa comissão executiva. O conselho fiscal é o órgão

encarregue de fiscalizar o cumprimento da lei por parte dos demais órgãos sociais, cabendo-lhe

também dar parecer sobre as contas da sociedade. O conselho fiscal é composto por três a

cinco membros efectivos (um dos quais deve ser necessariamente um perito contabilista) e dois

suplentes. Quando o capital social da sociedade anónima for inferior ao equivalente em kwanzas

a USD 50.000, pode optar-se pela figura do administrador único e do fiscal único.

6.3.3. TRANSMISSÃO DAS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS

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Nas sociedades em nome colectivo, as partes sociais só podem ser transmitidas após todos os

sócios terem dado o seu consentimento. Caso os demais sócios não consintam na venda, o

sócio que pretende alienar a sua parte social pode optar por se exonerar, recebendo da

sociedade o valor correspondente à sua parte social.

Já nas sociedades em comandita (simples e por acções), o regime da transmissão das

participações sociais varia consoante o respectivo titular. Assim, para que um sócio comanditado

possa transmitir a sua participação social é necessária uma deliberação da assembleia geral a

aprovar tal transmissão. Pertencendo a participação social a um sócio comanditário, o regime da

sua transmissão segue o disposto quanto às sociedades por quotas (sendo a sociedade em

comandita simples) ou o disposto quanto às sociedades anónimas (sendo a sociedade em

comandita por acções).

Nas sociedades por quotas, a cessão de quotas a favor de terceiro só é válida depois de obtido o

consentimento da sociedade, conferido por deliberação da assembleia geral aprovada por

maioria simples dos votos emitidos. Caso a sociedade não aprove a cessão e o sócio integre a

sociedade há mais de dez anos, a sociedade fica obrigada a apresentar-lhe uma proposta de

amortização ou de aquisição da quota. Este consentimento é, porém, dispensado quando a

cessão de quotas é feita a favor de cônjuge, ascendente, descendente ou outro sócio. Note-se

que a cessão de quotas deve ser efectuada por escritura pública.

A transmissão de acções nas sociedades anónimas é, via de regra, livre. Sendo as acções ao

portador, a sua transmissão não pode, de modo algum, ser condicionada. Caso as acções da

sociedade sejam nominativas, o contrato de sociedade pode prever condicionantes quanto à sua

transmissão, devendo tais condicionantes constar dos próprios títulos de acções para que sejam

oponíveis a terceiros. Em regra, as acções das sociedades anónimas angolanas são tituladas e

não escriturais.

6.3.4. MONTANTE MÍNIMO DO CAPITAL SOCIAL E CONDIÇÕES DE REALIZAÇÃO DAS

ENTRADAS

A lei não prevê um capital social mínimo para as sociedades em nome colectivo, uma vez que os

sócios podem realizar entradas em indústria (ou seja, contribuir para a sociedade com o seu

trabalho) e tais entradas não podem ser computadas no capital social. Para além das entradas

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em indústria, os sócios das sociedades em nome colectivo podem ainda realizar entradas em

espécie (ou seja, em bens avaliáveis em dinheiro) e em dinheiro.

Nas sociedades em comandita simples, aplica-se o regime das sociedades em nome colectivo,

pelo que também não há a obrigatoriedade de realizar um capital social mínimo. Já nas

sociedades em comandita por acções, uma vez que são subsidiariamente aplicáveis as regras

das sociedades anónimas, exige-se a realização de um capital social mínimo equivalente em

kwanzas a USD 20.000.

Para as sociedades por quotas, o legislador consagrou como capital social mínimo o equivalente

em kwanzas a USD 1.000. Neste tipo de sociedade só são admitidas entradas em dinheiro e em

espécie; caso algum sócio deseje contribuir para a sociedade com a sua indústria, poderá fazê-lo

através de prestações acessórias, que não são computadas no capital social. Note-se que nas

sociedades por quotas pode ser diferido até metade do valor das entradas em dinheiro, contanto

que: (i) o capital social mínimo seja realizado no momento da escritura; (ii) o valor seja diferido

para uma data certa e (iii) tal data não poderá ser fixada depois de decorridos três anos sobre a

constituição da sociedade.

Já para as sociedades anónimas, o capital social mínimo é o equivalente em kwanzas a USD

20.000. Neste tipo de sociedade também só são admitidas entradas em dinheiro e em espécie;

querendo contribuir com a sua indústria, os sócios podem fazê-lo através de prestações

acessórias que não são tidas em conta para efeito de determinação do capital social. Nas

sociedades anónimas é possível diferir a realização de até 70% das entradas em dinheiro, que

deverão ser realizadas até ao prazo máximo de três anos a contar da data de constituição da

sociedade.

7. OUTRAS FORMAS DE DESENVOLVIMENTO DA ACTIVIDADE ECONÓMICA

A actividade económica em Angola é desenvolvida essencialmente através de sociedades

comerciais, sendo o tecido empresarial angolano constituído quase integralmente por

sociedades por quotas e por sociedades anónimas.

Sem prejuízo, a lei consagra a possibilidade de criação de outras entidades com personalidade

jurídica através das quais se podem desenvolver actividades económicas, designadamente: (i)

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cooperativas, (ii) agrupamentos de empresas e (iii) sociedades de capitais mistos (públicos e

privados).

As cooperativas são reguladas pelo Código Comercial. As cooperativas distinguem-se das

sociedades comerciais uma vez que a sua finalidade se prende com a satisfação dos interesses

sociais e culturais dos seus membros, não sendo seu propósito distribuir lucros. Podem ser

instituídas tendo em vista a prossecução de actividades comerciais ou civis, mas devem sempre

adoptar um dos tipos previstos na Lei das Sociedades Comerciais (podendo, em consequência,

ser de responsabilidade limitada ou ilimitada). Estão obrigadas a constituir uma firma, da qual

deve constar o aditamento “Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Limitada” ou

“Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Ilimitada”, consoante o caso, estando também

obrigadas à prestação de contas.

O agrupamento de empresas encontra consagração legal na Lei sobre Contratos de Conta em

Participação, Consórcios e Agrupamentos de Empresas (publicada em 2003). Esta entidade

deve adoptar uma firma que inclua o aditamento “Agrupamento de Empresas” ou “AE”.

Distingue-se das sociedades comerciais na medida em que têm por objectivo melhorar as

condições do exercício ou o resultado das actividades económicas das empresas suas

associadas, podendo estar previsto no contrato que o institui que tem como objectivo secundário

gerar lucros. A capacidade do agrupamento de empresas é limitada, sendo-lhe vedada a

possibilidade de adquirir participações sociais em sociedades e só podendo adquirir o imóvel

onde pretende instalar a sua sede. Em regra, não tem capital próprio, beneficiando das

contribuições das empresas suas associadas. As empresas agrupadas respondem

subsidiariamente perante os credores do agrupamento de empresas e solidariamente entre si.

A possibilidade de criação de sociedades de capitais mistos (públicos e privados) encontra-se

actualmente regulada pela Lei das Parcerias Público-Privadas (publicada em 2011). Este

diploma estabelece que os projectos a implementar em regime de parceria público-privada

importam a constituição de uma sociedade de fim específico. Tal sociedade poderá adoptar

qualquer um dos tipos previstos na Lei das Sociedades Comerciais. Se a sua receita anual

estimada estiver acima do valor que vier a ser determinado pela Comissão Ministerial de

Avaliação das Parcerias Público-Privadas, então a sociedade de fim específico deve ser

necessariamente uma sociedade anónima, podendo emitir valores mobiliários.

15

8. INVESTIMENTO PRIVADO

A Lei do Investimento Privado (publicada em 2011) estabelece as regras aplicáveis aos projectos

de investimento a desenvolver por entidades privadas em Angola. O regime estabelecido por

este diploma não é aplicável às actividades de exploração petrolífera, diamantífera e às

instituições financeiras, não obstante os investimentos realizados nestes sectores estarem,

também eles, sujeitos a registo junto da Agência Nacional do Investimento Privado.

O referido diploma classifica o investimento como interno ou externo. O investimento externo

pode ser realizado por pessoas singulares ou colectivas, residentes ou não residentes cambiais

em Angola, independentemente da sua nacionalidade, desde que estas introduzam no território

nacional, capitais, tecnologias e know how e equipamentos. É também investimento externo, a

aplicação em território nacional da totalidade ou parte dos lucros gerados em virtude dum

investimento externo anterior e que sejam passíveis de exportação (reinvestimento externo).

O investimento externo mínimo autorizado pela Agência Nacional para o Investimento Privado,

que confere o direito à exportação de dividendos, é de USD 1.000.000 por cada investidor.

Investimentos abaixo de USD 1.000.000 mas superiores a USD 500.000 estão fora do âmbito de

aplicação a Lei do Investimento Privado, sendo-lhes aplicável a Lei Cambial nos termos que

vierem a ser regulados. De momento, aguarda-se a aprovação de regulamentação sobre esta

matéria pelo que ainda não é possível recorrer a este regime. Sem prejuízo, a Lei do

Investimento Privado desde já esclarece que os investimentos de montante inferior a USD

1.000.000 não conferirão aos investidores em causa direito à repatriação de dividendos.

Os direitos e garantias conferidos aos investidores estrangeiros incluem: (i) o direito a um

tratamento justo, não arbitrariamente discriminativo e equitativo; (ii) o direito ao repatriamento

dos dividendos, depois de implementado o projecto e mediante prova da sua execução e do

respeito pelos direitos adquiridos em relação às terras obtidas em regime de concessão; (iii) a

não interferência do Estado na gestão das empresas privadas; e (iv) o direito de importação

directa de bens do exterior e exportação autónoma de produtos produzidos pelos investidores

privados.

Os investidores externos têm as seguintes obrigações: (i) importar os capitais no prazo máximo

de cento e oitenta dias, a contar da data da emissão pelo Banco Nacional de Angola da

respectiva licença de importação de capitais, (ii) possuir contas bancárias em bancos comerciais

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domiciliados no país, (iii) empregar e formar trabalhadores nacionais, com condições salariais e

sociais equiparáveis às dos trabalhadores estrangeiros, bem como implementar um plano de

angolanização progressiva dos quadros de direcção e chefia (iv) pagar os impostos e demais

contribuições devidas em Angola.

8.1. REGIME PROCEDIMENTAL PARA APROVAÇÃO DE UM PROJECTO DE

INVESTIMENTO PRIVADO

A Lei do Investimento Privado estabelece um regime procedimental único: o regime contratual.

De acordo com este regime, deve ser conduzida uma negociação entre o candidato a investidor

e as autoridades competentes, no termo da qual será elaborado e assinado um contrato de

investimento. Do contrato de investimento, a celebrar entre o Estado Angolano e o investidor,

constam os termos específicos de cada projecto de investimento, eventuais incentivos e

facilidades (fiscais e aduaneiros), que são determinados tendo em consideração o mérito, a

importância e a conveniência do projecto em questão.

Para a aprovação de um projecto de investimento, o candidato a investidor deve, em primeiro

lugar, apresentar à Agência Nacional de Investimento Privado uma proposta detalhada, na qual

explique o seu projecto, acompanhada da documentação exigida por lei. O candidato a investidor

deverá indicar o modo como pretende desenvolver a sua actividade económica em Angola,

designadamente, se pretende constituir uma nova sociedade comercial, adquirir participações

sociais numa sociedade comercial já existente ou celebrar um contrato comercial (por exemplo,

de consórcio ou de conta em participação) com entidades que já operam em território angolano.

Recebida a proposta de investimento, a tramitação do processo será a seguinte:

(i) A Agência Nacional para o Investimento Privado pode pedir o aperfeiçoamento da

proposta (no prazo de quinze dias, sob pena de indeferimento), rejeitar a proposta

(indicando as razões da rejeição) ou aceitar a proposta, passando-se à fase de

apreciação da mesma.

(ii) Dentro de um prazo máximo de quarenta e cinco dias, a Agência Nacional para o

Investimento Privado deverá apreciar, negociar e remeter para a aprovação a proposta

de investimento.

(iii) Dentro do prazo de quarenta e cinco dias já referido, todo o processo é remetido para a

Comissão de Negociação de Facilidades e Incentivos, que dispõe de trinta dias para

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proceder à análise e avaliação da proposta de investimento e negociar com o investidor

o quadro de incentivos e facilidades por este solicitado.

(iv) Findo o prazo de trinta dias mencionado, acrescido de mais dez dias, a Comissão de

Negociação de Facilidades e Incentivos emite um parecer final sobre o projecto de

investimento (que deve conter a apreciação do mesmo, em termos gerais e específicos,

pronunciando-se em especial sobre os facilidades e incentivos solicitados pelo

investidor, atendendo aos critérios fixados na lei para a sua atribuição).

(v) Terminado este prazo (mas ainda dentro do prazo geral de quarenta e cinco dias dentro

do qual a Agência Nacional para o Investimento Privado se deverá pronunciar), a

Agência Nacional para o Investimento Privado dispõe de cinco dias para remeter o

processo ao órgão competente para o aprovar (o processo deve conter a apreciação

legal, técnica, financeira e económica do investimento, acompanhada do cronograma de

implementação, da proposta sobre as facilidades e incentivos a conceder e do projecto

de contrato de investimento a celebrar).

(vi) A aprovação cabe ao Conselho de Administração da Agência Nacional para o

Investimento Privado, no caso de projectos de investimento de valor igual ou inferior a

USD 10.000.000 (devendo ocorrer no prazo de quinze dias a contar da recepção do

expediente) ou ao Titular do Poder Executivo (o Presidente da República), após

apreciação do Conselho de Ministros, no caso de investimentos da valor superior a USD

10.000.000 (devendo a referida aprovação ocorrer no prazo de trinta dias a contar da

recepção do expediente).

(vii) Uma vez aprovado o projecto, este deverá ser devolvido à Agência Nacional para o

Investimento Privado para a assinatura do contrato, registo da operação de investimento

e emissão do certificado de registo de investimento privado, tudo no prazo de quinze

dias a contar da aprovação.

(viii) Não sendo o projecto aprovado, esta decisão deve ser formalmente comunicada pela

Agência Nacional para o Investimento Privado ao candidato a investidor, com indicação

precisos dos motivos que sustentaram a rejeição.

(ix) Após a emissão do certificado de registo de investimento privado, a Agência Nacional

para o Investimento Privado remete ao Banco Nacional de Angola cópia do mesmo e de

todos os demais elementos pertinentes, para que este licencie as respectivas operações

de importação de capitais, no prazo máximo de quinze dias a contar da data de

recepção do expediente.

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(x) O investidor deverá, então, importar os capitais acordados, através de um banco

comercial angolano, no prazo de noventa dias, e, se o projecto assim previr, também os

equipamentos nele previstos.

(xi) Seguidamente, o investidor está em condições de constituir uma sociedade comercial,

adquirir participações numa sociedade comercial já constituída ou celebrar o contato que

justificou a sua operação de investimento.

Refira-se ainda que a execução do projecto de investimento deve ter início dentro do prazo

fixado no certificado de registo de investimento privado e no contrato de investimento, só

podendo tal prazo ser alterado a pedido do investidor e com a anuência expressa da entidade

que procedeu à sua aprovação.

8.2. FACILIDADES E INCENTIVOS A ATRIBUIR AOS PROJECTOS DE INVESTIMENTO

Contrariamente ao que sucedia ao abrigo da anterior lei, a actual Lei do Investimento Privado é

clara ao definir que a concessão de incentivos e facilidades tem carácter excepcional, não sendo

automática e tendo as facilidades e incentivos uma duração necessariamente limitada.

O regime a aplicar a cada projecto de investimento é negociado casuisticamente com a

Comissão de Negociação de Facilidades e Incentivos, tendo como ponto de partida a proposta

do candidato a investidor. O resultado dessa negociação deve constar, necessariamente, do

contrato de investimento a celebrar entre o investidor e o Estado angolano.

Para beneficiar dos incentivos fiscais o investidor deverá ter a sua contabilidade devidamente

organizada e certificada por um auditor externo.

Os incentivos são concedidos tendo prioritariamente em atenção a zona geográfica de

implementação do projecto (de acordo com as zonas de desenvolvimento definidas na lei), o

interesse económico do projecto para o desenvolvimento da economia nacional (definindo a lei

quais os sectores de actividade que são considerados prioritários) e ser o investimento realizado

nas zonas económicas especiais e nas zonas francas.

Na ponderação sobre a proporção e graduação dos incentivos e facilidades fiscais e aduaneiros

a conceder e, especial, na fixação do período de duração dos incentivos, é analisado o impacto

económico e social do investimento, tendo em consideração: (i) o valor do investimento; (ii) o

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número de postos de trabalho criados e a formação concedida aos trabalhadores nacionais; (iii)

o volumes dos bens ou serviços a produzir e o impacto sócio-económico do investimento; (iv) o

seu papel na diminuição das assimetrias regionais; (v) o balanço cambial líquido; (vi) a inserção

do projecto em causa na estratégia de desenvolvimento económico do país; (vii) a percepção de

mais-valias directas e indirectas; (viii) o período estimado para o retorno do capital; e (ix) o

compromisso firme de reinvestimento dos lucros gerados pelo projecto.

No que concerne a incentivos e facilidades aduaneiros, é aplicável o regime de tributação

previsto na Pauta Aduaneira dos Direitos de Importação e Exportação à importação de

equipamento e mercadorias importadas ao abrigo de projectos de investimento privado

devidamente aprovados e cujo valor seja superior a USD 1.000.000. Isto é, a ponderação e

graduação é necessariamente a que vem prevista na referida pauta aduaneira.

Relativamente a incentivos e facilidades fiscais, considerando as zonas de desenvolvimento

definidas pela lei, é possível obter isenção ou redução de imposto industrial, de imposto de

aplicação de capitais, de imposto de SISA, bem como deduções à matéria colectável, deduções

à colecta, amortizações e reintegrações aceleradas, crédito fiscal, e diferimento no tempo do

pagamento do imposto.

Em casos excepcionais, poderá haver uma concessão extraordinária de incentivos e benefícios

fiscais (para além do quadro de incentivos expressamente previsto na lei), o que sucede quando:

(i) o investimento seja superior a USD 50.000.000 ou (ii) quando o investimento seja declarado

como altamente relevante para o desenvolvimento estratégico da economia nacional,

considerando a importância do sector de actividade em causa, o local, o valor do investimento e

a redução das assimetrias regionais, de acordo com os critérios definidos na lei.

8.3. EXPATRIAÇÃO DE DIVIDENDOS

Nas operações de investimento externo é permitido o repatriamento proporcional dos dividendos

ou lucros gerados no âmbito do projecto, desde que o investimento aprovado pela Agência

Nacional para o Investimento Privado atinja um valor mínimo de USD 1.000.000 por investidor.

O investidor tem o direito de expatriar: (i) os dividendos ou lucros distribuídos; (ii) o produto da

liquidação dos seus investimentos, incluindo as mais-valias; (iii) royalties ou outros rendimentos

de remuneração de investimentos directos associados à transferência de tecnologia; (iv) o

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produto de indemnizações em caso de expropriação ou (v) quaisquer importâncias que lhes

sejam devidas e estejam previstas em actos ou contratos que consubstanciem um investimento.

Sem prejuízo, tal direito de expatriar dividendos só pode ser exercido quando se verificarem as

seguintes condições: (i) depois de implementado o projecto de investimento e mediante prova da

sua execução; (ii) mediante apresentação de comprovado o pagamento dos impostos devidos

em Angola e (iii) desde que o investidor tenha a sua contabilidade devidamente organizada e

certificada por um auditor externo.

No que concerne ao repatriamento de dividendos ou lucros distribuídos, este deve ser sempre

proporcional e graduado, nomeadamente em função do valor investido, do período de concessão

e da amplitude dos incentivos e benefícios fiscais e aduaneiros concedidos, do prazo do

investimento, dos lucros efectivamente realizados, do impacto sócio-económico do investimento

e da sua influência na diminuição das assimetrias regionais, bem como do impacto do

repatriamento dos lucros e dividendos na balanças de pagamentos angolana.

Os termos exactos da proporção e graduação percentual do repatriamento de lucros ou

dividendos para cada projecto de investimento são objecto de ponderação e negociação

casuísticas com a Comissão de Negociação de Facilidades e Incentivos, mediante proposta do

investidor, devendo estes elementos constar, necessariamente, do contrato de investimento.

No entanto, a graduação do direito de repatriamento de lucros e dividendos deverá respeitar

sempre os limites impostos pela Lei do Investimento Privado, que tem em conta a área

geográfica onde o investimento foi realizado e o seu respectivo montante. Estes limites não são

contudo, aplicáveis aos projectos de investimento considerados como altamente relevantes para

o desenvolvimento estratégico da economia angolana, tendo em conta o sector de actividade em

causa, o local, o valor do investimento e o seu papel na redução das assimetrias regionais. Para

estes últimos, poderá ser negociado com a Comissão de Negociação de Facilidades e Incentivos

um regime de repatriação de capitais diferenciado.

8.4. PROMOÇÃO DO EMPRESARIADO PRIVADO ANGOLANO

A Lei do Fomento do Empresariado Privado Angolano (publicada em 2003) veio estabelecer um

conjunto de normas e de princípios destinados a promover os investimentos e as empresas

nacionais. O grande objectivo deste diploma é o de criar oportunidades preferenciais para as

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empresas angolanas, fomentando, designadamente, o estabelecimento de parcerias com

empresas estrangeiras que desejem desenvolver a sua actividade em Angola.

Para efeitos do referido diploma, são consideradas empresas angolanas aquelas cujo capital

social seja detido em, pelo menos, 51% por empresas angolanas ou por cidadãos angolanos,

exclusiva ou conjuntamente.

De acordo com a Lei do Fomento do Empresariado Privado Angolano, o Estado, os institutos

públicos, as empresas públicas e as entidades privadas que actuem como parceiros do Estado

devem promover a contratação preferencial, em igualdade de circunstâncias, de empresas

angolanas em detrimento de empresas estrangeiras. Esta regra veio, depois, a ser mais bem

concretizada noutros diplomas legislativos, designadamente na Lei da Contratação Pública

(publicada em 2010) e em diplomas aplicáveis a sectores de actividade específicos.

9. MERCADO ACCIONISTA

O mercado acionista não se encontra ainda em funcionamento em Angola e, por essa razão, as

sociedades angolanas são actualmente fechadas, não havendo lugar à subscrição do seu capital

por parte do público.

A Comissão de Mercado de Capitais (criada em 2005), entidade a quem caberá efetuar a

supervisão do mercado de valores mobiliários, está neste momento em fase de preparação da

respetiva regulamentação.

Na verdade, desde 2006 que tem vindo a ser anunciada a criação de uma bolsa em Angola que,

por vicissitudes várias, foi sendo sistematicamente adiada. No início de 2012, a Comissão de

Mercado de Capitais deu início à definição de um plano estratégico a cinco anos, que pretende

ver implementado até 2017. Este plano foi concebido em quatro fases: (i) até ao final de 2012

fica definido e aprovado o plano estratégico para o mercado de capitais em Angola, sendo

igualmente definido o quadro normativo para os fundos de investimento; (ii) em 2013 deverá

arrancar o mercado da dívida pública (que até agora funciona apenas entre o Banco Nacional de

Angola e os bancos comerciais, servindo sobretudo para financiar o orçamento de Estado) e o

mercado da dívida corporativa; (iii) em 2016 deverá arrancar o mercado acionista e (iv) em 2017

deverá arrancar o mercado de futuros. Assim, espera-se que a Bolsa propriamente dita surja em

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2016 ou 2017, após um ensaio de funcionamento do mercado acionista num formato de mercado

de balcão regulamentado.

Perspetivando a futura negociação em bolsa do capital social das sociedades anónimas

angolanas, a Lei dos Valores Mobiliários (publicada em 2005) contém disposições específicas

quanto às sociedades abertas. Consagra-se que estas sociedades não estão sujeitas ao limite

mínimo do capital social previsto na Lei das Sociedades Comerciais ou a qualquer limite

temporal para a alienação das suas acções, também não lhe sendo aplicáveis restrições quanto

à disposição do seu capital social, reservas e acções. As sociedades abertas perdem essa

qualidade quando um accionista passe a deter mais de 90% do capital social da sociedade (na

sequência de uma oferta pública de aquisição) ou quando tiver decorrido mais de um ano sobre

a exclusão da negociação das acções em mercado regulamentado, fundada na falta de

dispersão pelo público.

10. PERSPECTIVAS DE EVOLUÇÃO

O direito comercial angolano encontra-se actualmente vertido em diversos diplomas legais, o que

vai contribuído para a emergência de outros ramos do direito, como é o caso do direito bancário,

direito das sociedades comerciais, direito dos seguros, direito dos transportes, direito de

propriedade industrial e, certamente num futuro próximo, do direito dos valores mobiliários.

No que concerne ao direito das sociedades comerciais, já quase completamente autonomizado

do direito comercial, a evolução que já se vai fazendo sentir entre nós tende a promover a

simplificação dos procedimentos e das formalidades atinentes à constituição e desenvolvimento

das actividades das sociedades comerciais. Para este facto, muito contribui o facto de em

Angola se constituírem, todos os dias, novas sociedades comerciais, muitas delas com recurso

ao investimento estrangeiro. As reservas que ainda se vão fazendo sentir, prendem-se

essencialmente com a necessidade de assegurar a segurança jurídica de terceiros que com elas

contratam. Por outro lado, e muito por pressão das regras que vão sendo gizadas para as

instituições financeiras, tem-se assistido a um crescente interesse no que toca à definição e

implementação de práticas tendentes à melhoria do governo das sociedades comerciais.

A questão que se coloca é se o direito comercial se irá diluir nestes novos ramos de direito ou

se, pelo contrário, terá condições para se manter como um ramo de direito autónomo. A curto

prazo, pensamos que a manutenção do direito comercial enquanto tal se justifica, mas a

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evolução que se for verificando noutros ordenamentos jurídicos (designadamente, no português,

que muito influencia o angolano) irá certamente determinar o percurso para a evolução do direito

comercial em Angola.

LEGISLAÇÃO

Código Comercial, alterado pela Lei n.º 6/03 - Lei de Alteração ao Código Comercial, publicada no Diário Da República, I Série, n.º 17, de 3 de Março de 2003.

Código Civil.

Código de Processo Civil.

Lei n.º 1/04 - Lei das Sociedades Comerciais, publicada no Diário Da República, I Série, n.º 13, de 13 de Fevereiro de 2004.

Lei n.º 19/12 - Lei das Sociedades Unipessoais, publicada no Diário Da República, I Série, n.º 110, de 1 1de Junho de 2012.

Decreto n.º 43 525, de 7 de Março de 1961 – Lei do Inquilinato.

Código de Notariado, alterado pela Lei n.º 1/97 – Lei da Simplificação e Modernização dos Registos Predial, Comercial e Serviço Notarial, publicada no Diário Da República, I Série, n.º 3, de 17 de Janeiro de 1997.

Código de Registo Comercial, alterado pela Lei n.º 1/97 – Lei da Simplificação e Modernização dos Registos Predial, Comercial e Serviço Notarial, publicada no Diário Da República, I Série, n.º 3, de 17 de Janeiro de 1997.

Lei n.º 18/03 - Sobre os Contratos de Distribuição, Agência, Franchising e Concessão Comercial, publicada no Diário Da República, I Série, n.º 63, de 12 de Agosto de 2003.

Lei n.º 19/03 – Sobre os Contratos de Conta em Participação, Consórcios e Agrupamentos de Empresas, publicada no Diário Da República, I Série, n.º 63, de 12 de Agosto de 2003.

Decreto n.º 47/03 – Cria o Ficheiro Central de Denominações Sociais, integrado na orgânica do Ministério da Justiça, publicado no Diário Da República, I- Série, n.º 53, de 8 de Julho de 2003, alterado pelo Decreto n.º 01/07, de 3 de Janeiro (publicado no Diário Da República, I Série, n.º 2) e pelo Decreto n.º 14/07, de 3 de Maio (publicado no Diário Da República, I Série, n.º 28).

Lei n.º 20/11- Lei do Investimento Privado, publicada no Diário Da República, I Série, n.º 94, de 20 de Maio de 2011.

Lei n.º 01/07 - Das Actividades Comerciais, publicada no Diário Da República, I- série, n.º 58, de 14 de Maio de 2007.

Lei n.º 30/11 – Das Micro, Pequenas e Médias Empresas, publicada no Diário Da República, I Série, n.º 176, de 13 de Setembro de 2011.

Lei n.º 2/11 – Das Parcerias Público-Privadas, publicada no Diário Da República, I Série, n.º 9, de 14 de Janeiro de 2011.

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Lei n.º12/05 – Dos Valores Mobiliários, publicada no Diário Da República, I Série, n.º 114, de 23 de Setembro de 2005.

Decreto n.º 9/05 – Cria a Comissão de Mercado de Capitais, publicado no Diário Da República, I Série, n.º 33, de 18 de Março de 2005, alterado pelo Decreto Presidencial n.º 22/12, publicado no Diário Da República, I Série, n.º 20, de 30 de Janeiro de 2012.

BIBLIOGRAFIA

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ABREU, Jorge Manuel Coutinho de, Curso de Direito Comercial, Vol II - Das Sociedades, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2011.

ANIBARRO, Santiago Hierro (Dir.), Simplificar el Derecho de Sociedades, Ed. Marcial Pons, Madrid, 2010.

CAMPOBASSO, Gianfranco, Manuale di Diritto Commerciale, 5 edizione, Utet Giurica, Torino, 2010.

CONSTANTIN, A., Droit des Sociétès, 5 edition, Dalloz, Paris, 2012.

COTTINO, Gastone (Director), Tratatto di Diritto Commerciale, Cedam, Milano, 2011.

COZIAN, Maurice e VIANDIER, Alain, Droits des Sociétés. Editions Litec, Paris, 2007.

CUNHA, Paulo Olavo, Direito das Sociedades Comerciais, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2010.

KRAAKMAN, R., DAVIES, P., HANSMANN, H., HERTIG, G., HOPT, K., KANDA H., y ROCK, E., Diritto Societario Comparato. Un Approccio Funzionale, edición italiana a cargo de L. Enriques, Ed. Il Mulino, Bologna, 2006.

OLIVEIRA, Joaquim Marques de, Manual de Direito Comercial Angolano, vol I, Cefolex, Luanda, 2011.

OLIVEIRA, Joaquim Marques de, Manual de Direito Comercial Angolano, vol II, Cefolex, Luanda, 2011.