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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO UNISAL CAMPUS MARIA AUXILIADORA ELISETE SOAVE VIANNA O DESPERTAR PARA A AUTONOMIA, PROTAGONISMO E ALTERIDADE SOB A CONCEPÇÃO DA PEDAGOGIA SALESIANA E DE PAULO FREIRE: um estudo de caso na Escola Salesiana São José- Campinas-SP AMERICANA-SP 2016

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

UNISAL – CAMPUS MARIA AUXILIADORA

ELISETE SOAVE VIANNA

O DESPERTAR PARA A AUTONOMIA, PROTAGONISMO E

ALTERIDADE SOB A CONCEPÇÃO DA PEDAGOGIA SALESIANA E

DE PAULO FREIRE: um estudo de caso na Escola Salesiana São José-

Campinas-SP

AMERICANA-SP

2016

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ELISETE SOAVE VIANNA

O DESPERTAR PARA A AUTONOMIA, PROTAGONISMO E

ALTERIDADE SOB A CONCEPÇÃO DA PEDAGOGIA SALESIANA E

DE PAULO FREIRE: um estudo de caso na Escola Salesiana São José-

Campinas-SP

Dissertação apresentada como exigência parcial para

obtenção do grau de Mestre em educação

Sociocomunitária à Comissão Julgadora do Centro

Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL – sob a

orientação do Prof. Dr. Francisco Evangelista.

AMERICANA-SP

2016

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Vianna, Elisete Soave.

V67d O Despertar para a autonomia, protagonismo e alteridade sob a

concepção da pedagogia salesiana e de Paulo Freire: um estudo de

caso na Escola Salesiana São José-Campinas-SP / Elisete Soave

Vianna. – Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo,

2016.

209 f.

Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL – SP.

Orientador: Francisco Evangelista.

Inclui bibliografia.

1. Educação sóciocomunitária. 2. Pedagogia salesiana.

3. Paulo Freire – 1921-1997. 4. Autonomia. I. Título.

CDD 371

Catalogação elaborada por Lissandra Pinhatelli de Britto – CRB-8/7539

Bibliotecária UNISAL – Americana

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ELISETE SOAVE VIANNA

O DESPERTAR PARA A AUTONOMIA, PROTAGONISMO E ALTERIDADE SOB A

CONCEPÇÃO DA PEDAGOGIA SALESIANA E DE PAULO FREIRE: UM ESTUDO

DE CASO NA ESCOLA SALESIANA SÃO JOSÉ-CAMPINAS-SP.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Strictu Sensu do Centro

Universitário Salesiano de São Paulo, como

parte dos requisitos para obtenção do título de

Mestre em Educação – área de concentração:

Educação Sociocomunitária.

Linha de pesquisa:

Análise histórica da práxis educativa nas

experiências sociocomunitárias e

institucionais.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Evangelista

Dissertação defendida e aprovada em 26 / 02 /2016, pela comissão julgadora:

____________________________________________________________

Prof. Dra. Ana Maria Melo Negrão – Membro Externo

Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL

___________________________________________________________

Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa – Membro Interno

Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL

___________________________________________________________

Prof. Dr. Francisco Evangelista – Orientador

Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL

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Dedico este trabalho e tudo o que ele representa em minha vida a meu

marido, companheiro e melhor amigo, Breno Matheus da Silva

Vianna! O que dizer sobre esta pessoa que me acompanhou e

incentivou, INCONDICIONALMENTE, em todos os momentos? Foi

quem mais sentiu minhas ausências, mesmo sendo o que sempre

esteve e está mais perto. Soube silenciar nos momentos certos, mesmo

quando queria ou precisava falar. Sempre nítido em seu olhar, em seu

rosto e em seus silêncios sua dedicação por mim.

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AGRADECIMENTOS

Quando chega a hora de agradecer é que se percebe os muito momentos de ausência.

Ausência de todos, inclusive de nos mesmos. Nesse sentido,

... agradeço a toda minha família por me compreenderem e por me respeitarem quando esses

momentos aconteceram. Meus pais, Ana e Milton, e irmãos Flávio, Celso, Milton e Maurício.

... agradeço aos meus filhos, Felipe, Gustavo e Pedro, que muito me ensinaram e ensinam.

Que transformaram minha vida, dando mais sentido a ela.

... agradeço aos meus netos, Alice, Giovanni e Marcela! O que dizer destes pequenos grandes

tesouros?

... agradeço ao meu marido, Breno! Sem mais palavras para agradecê-lo!

A vocês, muito obrigada por tudo!

Agradeço também aos meus mestres, todos eles, desde o primeiro dia de aula, um

agradecimento de coração pela doação, acolhimento e disponibilidade. Aos mestres com os

quais estive no programa de Mestrado em Educação Sociocomunitária: Profa. Dra. Fabiana

Rodrigues Sousa de Sante, Profa. Dra. Valéria Oliveira de Vasconcelos, Prof. Dr. Severino

Antônio Moreira Barbosa e Prof. Dr. Francisco Evangelista.

Agradeço à Profa. Dra. Ana Maria Melo Negrão e ao Prof. Dr. Antônio Severino, que

compuseram a banca de qualificação e defesa desta pesquisa, muito obrigada pelas

valiosíssimas contribuições.

Ao meu orientador Prof. Dr. Francisco Evangelista, o Chiquinho, agradeço por ter,

além de orientado meu trabalho, ter dado a liberdade de que tanto necessitei para expor

minhas ideias.

Às minhas colegas de trajeto de Campinas até Americana, Lidia Maria Soares Bizo e

Silvana Gracioli Pedroso, muito obrigada, por todos os momentos de incentivo, descontração,

conversas, as risadas e toda a ajuda, agradeço de coração.

Às pessoas me incentivaram de forma extraordinária: Alencar André David, Renata

Maria de Araujo Afonso Ferreira, Rafael Duarte Belletti, Luis Carlos Alves Rodrigues, Marly

Signori Baracat, José Carlos Ambar dos Reis, Andrea Rosa Cossolino, Antonio de Jesus

Santana, Elcio Arestides de Mattos da Silva, Vaníria Felippe, entre outros, muito obrigada.

Agradeço tanto aos meus alunos, os de hoje e os de sempre, pois sem eles nada disso

teria sentido, e também ao grupo de professores do EFII, colegas de todas as jornadas.

Agradeço a Deus, o sopro divino, que nos faz acordar todos os dias para sonhar, viver

e conviver.

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Onde você está em seu mundo?

(BUBER, 2011)

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RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo compreender e socializar o trabalho efetuado numa

escola da cidade de Campinas, no Estado de São Paulo, a Escola Salesiana São José, onde a

pesquisadora ministra, atualmente, aulas de Língua Inglesa para alunos de sexto e sétimo ano

do Ensino Fundamental II. Por meio dos projetos Garage Sale e Pink Lemonade, que são o

ponto de partida para toda a investigação científica, verifica-se a abrangência de práticas

educacionais mais significativas no ambiente escolar. Elegeu-se o Estudo de Caso para

analisar as práticas educacionais desenvolvidos na referida escola por acreditar-se que seja

esta a metodologia mais apropriada para desenvolver a pesquisa. Investiga-se e demonstra-se

que as concepções pedagógicas de Paulo Freire e João Bosco, fundador da Pedagogia

Salesiana, podem contribuir para as bases do protagonismo, autonomia e alteridade. Os

fundamentos da Educação Sociocomunitária são apresentados, uma vez que, a Educação

Sociocomunitária é o campo epistemológico em que se realiza a pesquisa, e por permitir um

olhar para a comunidade além dos limites da escola como espaço de Educação Formal. Com o

estudo das categorias e dos resultados da pesquisa sugere-se práticas educacionais para

viabilizar um processo de ensino-aprendizagem dialógico, de acolhimento, participação e

comprometimento com o outro num mundo globalizado que produz indivíduos que se

distanciam, apesar das grandes possibilidades de aproximação pela facilidade oferecida pelos

meios de comunicação. A pesquisadora surpreendida pelos resultados relata significativo

impacto nos alunos, que participaram dos projetos espontaneamente e nela própria. Respostas

como “descobri..., aprendi..., entendi..., passei a…, percebi..., vivenciei..., melhorei...” entre

outras falas dos alunos revelam a validade do uso de práticas significativas para aluno e

professor. Práticas que podem melhorar relacionamentos, aproximar pessoas e impactar

positivamente nas vidas de alunos e professores e comunidade, viabilizando acolhimento e

pertencimento.

Palavras Chaves: Educação Sociocomunitária. Pedagogia Salesiana. Paulo Freire. Autonomia.

Protagonismo. Alteridade.

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ABSTRACT

This research aims to understand and socialize the work done at a school in the city of

Campinas, State of São Paulo, Escola Salesiana São José, where the researcher, currently,

teaches English as a Foreign Language for sixth and seventh students at Ensino Fundamental

II. Through the projects Garage Sale and Pink Lemonade, which are the starting point for all

scientific research, we seek to determine the scope of significant educational practices at

school. The methodology of Case Study was elected as the most appropriate to develop the

research and to analyze the data. The aim is to investigate and demonstrate that the

educational concepts of Paulo Freire and John Bosco, founder of the Salesian Pedagogy, can

contribute to the foundation of protagonism, autonomy and alterity. The foundations of Socio-

communitarian Education are presented, since the Socio-communitarian Education is the

epistemological field in which the research is conducted, and because it allows a view to the

community beyond the school boundaries as formal education space. By studying the

categories we seek to revise educational practices to enable a dialogic, welcoming,

participative teaching-learning process, as well as, commitment to each other in a globalized

world that produces individuals who move away from each other despite the great variety and

possibilities of getting closer if we take mass communication into consideration. The

researcher, surprised by the results, reports significant impact on students, who participated in

the projects spontaneously and on herself as well. Answers like "I found out ..., I learned ..., I

understood ..., I came to…, I realized..., I experienced..., I improved..." among other lines of

students show the validity of the use of significant practices for student and teacher. Practices

that can improve relationships, bringing people together and positively impact the lives of

students, teachers and community, enabling acceptance and belonging.

Key Words: Socio-communitarian Education. Salesian Pedagogy. Paulo Freire. Autonomy.

Protagonism. Alterity.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 – Quem é vulnerável a quê e porquê ............................................................... 23

Ilustração 2 – A Itália em 1815, após o Congresso de Viena.................................................. 37

Ilustração 3 – O sítio dos Moglia............................................................................................. 42

Ilustração 4 – Ilustração 4 – Turim: Casa Pinardi, sede do oratório de São Francisco de Sales,

fundado por João Bosco em 1846............................................................................................ 50

Ilustração 5 – Oratório de João Bosco depois das primeiras reformas da casa Pinardi .......... 51

Ilustração 6 – João Bosco (Dom Bosco), saltimbanco............................................................. 54

Ilustração 7 – Casa onde nasceu Paulo Freire ............................................................... 72

Ilustração 8 – Convite ao evento que outorga à Paulo freire o Título de Cidadão Paulistano

.................................................................................................................................................. 75

Ilustração 9 – Escultura em homenagem aos que lutaram contra a opressão.......................... 76

Ilustração 10 – Registro fotográfico da Mostra Cultural da Escola Salesiana São Jose –

Projeto Garage Sale – 2013: Identificação oficial do setor EFII........................................... 126

Ilustração 11– Registros fotográficos da Mostra Cultural da Escola Salesiana São Jose –

Projeto Garage Sale – 2013: mesa pronta com os artigos para serem vendidos .............. 127

Ilustração 12 – Registro fotográfico da Mostra Cultural da Escola Salesiana São Jose –

Projeto Garage Sale – 2013 / Tudo arrumado para a venda ................................................. 128

Ilustração 13 – Registro fotográfico de sala de aula na Escola Salesiana São José - Projeto

Garage Sale – 2013 / A mesa preparada com os ingredientes............................................... 130

Ilustração 14 – Organização para degustação da Pink Lemonade em sala de aula: a receita na

lousa....................................................................................................................................... 131

Ilustração 15 – Organização para degustação da Pink Lemonade em sala de aula: a receita na

lousa: Pink Lemonade pronta servir ..................................................................................... 131

Ilustração 16: Registro fotográfico de sala de aula na escola Salesiana São José - Projeto

Garage Sale – 2013 / Os professores e funcionários do setor também experimentaram a

limonada!............................................................................................................................... 131

Ilustração 17: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima Trindade – missa e

entronização do Santíssimo na Comunidade Santíssima Trindade e Santíssimo ............. 136

Ilustração 18: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima Trindade – Encenação

de peça de Natal e Primeira Festa de Natal com o prédio ainda em construção

................................................................................................................................................ 136

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Ilustração 19: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima Trindade – Visita à

Comunidade: Dna. Edna conversando com os alunos e Alunos fotografando a construção do

novo prédio no mesmo terreno............................................................................................... 137

Ilustração 20: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima trindade – Dna. Edna e

a pesquisadora........................................................................................................................ 137

Ilustração 21: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima Trindade – registros

feitos de dentro do ônibus durante o pequeno tour pelo bairro onde se localiza a Comunidade

na companhia da Dna. Edna ................................................................................................ 138

Ilustração 22: Registro fotográfico da saída dos alunos, professora-pesquisadora e agente da

pastoral para a visita à Comunidade Santíssima Trindade ................................................. 138

Ilustração 23: Registros de aula na Escola Salesiana São José do Projeto Pink Lemonade -

2015 / Relação dos ingredientes e quem contribuirá ............................................................. 152

Ilustração 24: Uma volta no tempo - a carteira da escola rural.............................................. 171

Ilustração 25: A imponente sede da fazenda ......................................................................... 173

Ilustração 26: A pesquisadora e a Profa. Dra. Ana Maria Melo Negrão – A Dona Ana Maria

................................................................................................................................................ 177

Ilustração 27: O primeiro livro – Robinson Crusoé devorado pela pesquisadora e também

pelas traças ou cupins ............................................................................................................ 186

Ilustração 28: A Mulaliza de Mulardo da Vinci – criatividade em sala de aula ................... 187

Ilustração 29: “Prefessora de Ingrêis” ................................................................................... 188

Ilustração 30: O olhar da criança – A professora feliz........................................................... 130

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SUMARIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14

CAPÍTULO 1: EU, VOCÊ, NÓS: UM CAMINHO POSSÍVEL ....................................... 20

1.1. O ADOLESCENTE: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ........................................... 21

1.2. AS CATEGORIAS: AUTONOMIA, PROTAGONISMO e ALTERIDADE .......... 24

1.2.1. Considerações sobre autonomia e protagonismo ........................................... 24

1.2.2. Autonomia, protagonismo e o adolescente ..................................................... 28

1.2.3. Alteridade ................................................................................................................. 29

1.3. AUTONOMIA, PROTAGONISMO, ALTERIDADE E EDUCAÇÃO ................... 32

CAPÍTULO 2 – JOÃO BOSCO: DE ILHA À CONTINENTE ......................................... 34

2.1. JOÃO BOSCO, O HOMEM, O CIDADÃO E O RELIGIOSO DE SEU TEMPO ...... 34

2.2. EDUCACÃO SALESIANA .......................................................................................... 55

2.2.1. A sociedade Salesiana se configura ...................................................................... 55

2.2.1.1. Oratórios festivos ........................................................................................ 57

2.2.1.2. O campo da escola....................................................................................... 57

2.2.1.3. O campo de trabalho ................................................................................... 58

2.2.1.4. Criminalidade juvenil .................................................................................. 58

2.3. O SISTEMA PREVENTIVO E SEUS PRESSUPOSTOS ........................................ 59

2.4. O LEGADO DE JOÃO BOSCO: A EDUCAÇÃO SALESIANA E O SISTEMA

PREVENTIVO HOJE ........................................................................................................... 66

CAPITULO 3 – DIÁLOGO COM PAULO FREIRE ......................................................... 71

3.1. LER PARA REESCREVER .......................................................................................... 71

3.2. PAULO FREIRE: PURA INDIGNAÇÃO .................................................................... 77

3.3. PAULO FREIRE POR ELE MESMO: A SUA VOZ ................................................... 81

3.3.1. Entrevistas em vídeo ............................................................................................. 81

3.3.2. Entrevistas em publicações ................................................................................... 83

3.4. PAULO FREIRE E O DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA ......................................... 87

3.4.1. Relação dialógica e a busca do Ser Mais ............................................................. 89

3.4.2. Educação bancária e educação problematizadora ........................................ 91

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3.4.3. Invasão cultural ................................................................................................ 92

3.4.4. A ética universal do ser humano e a ética do mercado ................................. 94

CAPITULO 4 – A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA EM MOVIMENTO

PORQUE EM CONSTRUÇÃO ............................................................................................ 96

4.1. UM CAMINHO A PERCORRER ................................................................................. 97

4.2. EVIDENCIAS HISTÓRICAS: JOÃO BOSCO, ALGUMAS APROXIMAÇÕES E

CONVERGÊNCIAS POSSÍVEIS PARA A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA ...... 105

4.3. REFLEXÕES DA PESQUISADORA A RESPEITO DO CAMPO DA EDUCAÇÃO

SOCIOCOMUNITÁRIA .................................................................................................... 107

CAPÍTULO 5: OS PROJETOS EM SEU CONTEXTO .................................................. 113

5.1. OS SALESIANOS CHEGAM AO BRASIL E A CAMPINAS .............................. 113

5.1.1. A Escola Salesiana São José hoje .................................................................. 114

5.1.2. O Ensino Fundamental II: o berço dos projetos Garage Sale e Pink

Lemonade........................................................................................................................ 115

5.1.3. Uma escola em Pastoral ................................................................................. 116

5.2. O PROJETO GARAGE SALE ................................................................................ 117

5.2.1. Contextualização do projeto .......................................................................... 117

5.2.2. Gênese do Projeto Garage Sale ...................................................................... 119

5.2.3. Desenvolvimento do projeto: Preparação para a Mostra Cultural ........... 123

5.2.4. Desdobramentos do projeto Garage Sale ao longo dos anos ....................... 126

5.3. O PROJETO PINK LEMONADE ........................................................................... 128

5.3.1. Contextualização e Gênese do projeto .......................................................... 128

5.3.2. A Pink Lemonade vai para a Mostra Cultural ............................................. 132

5.3.3. Desdobramentos do projeto ........................................................................... 132

5.4. A COMUNIDADE SANTÍSSIMA TRINDADE .................................................... 133

5.4.1. Uma conversa acolhedora .............................................................................. 133

CAPÍTULO 6: OPÇÃO METODOLÓGICA E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS .... 139

6.1. O ESTUDO DE CASO E O COMPROMISSO DA PESQUISADORA ................... 139

6.2. OBSERVAÇÕES A RESPEITO DA APLICAÇÃO DO QUESTIONÁRIO ............. 139

6.2.1. Aplicação dos questionários no Ensino Fundamental II ................................. 140

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6.2.2. Aplicação do questionário no Ensino Médio .................................................... 141

6.3. DADOS OBTIDOS ..................................................................................................... 142

6.4. INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ............................................................................. 149

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 156

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 162

APENDICE A – Memorial da pesquisadora ...................................................................... 169

APÊNDICE B – Primeira versão do questionário ............................................................. 191

APÊNDICE C – Segunda versão do questionário (referência para os dados obtidos) .. 193

APÊNDICE D – Termo de autorização de uso de voz e imagem: Ensino Fundamental II

................................................................................................................................................ 195

APÊNDICE E – Termo de autorização de uso de voz e imagem: Ensino Médio ........... 196

APÊNDICE F – Entrevista: Alencar Andre David (Coordenador Pedagógico do EFII)

................................................................................................................................................ 197

APENDICE G – Entrevista: Renata Maria de Araujo Afonso Ferreira (Orientadora

educacional) ........................................................................................................................... 199

APÊNDICE H – Entrevista: José Carlos Ambar dos Reis (assistente de alunos) .......... 200

APÊNDICE I – Entrevista por e-mail: Rafael Duarte Belletti ( agente da Pastoral) .... 201

APÊNDICE J – Atividade Garage Sale .............................................................................. 203

APÊNDICE K – Atividade Pink Lemonade ....................................................................... 206

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14

INTRODUÇÃO

O mundo não é. O mundo está sendo.

Paulo Freire

o seu olhar lá fora,o seu olhar no céu

o seu olhar demora o seu olhar no meu

o seu olhar, seu olhar melhora, melhora o meu

Arnaldo Antunes / Paulo Tatit

Inacabados! ... Essa é a nossa condição quando nos encontramos, eu e meus alunos.

Inacabados, não apenas a cada encontro no início do ano letivo, mas a cada instante da nossa

caminhada pessoal e ao longo do nosso trajeto escolar. A cada olhar no outro, do outro e com

o outro nos melhoramos rumo ao Ser Mais. Esse “caminhar e olhar com” nos proporciona

mais que um sentimento de pertença, nos proporciona um sentimento de pertencer e ser no

mundo. Paulo Freire (2013b) diz que gosta de ser gente porque

[...,] inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas, consciente do inacabamento,

sei que posso ir mais além dele. Essa é a diferença profunda do ser condicionado e o

ser determinado. (FREIRE, 2013b, p. 52-3).

As palavras desse grande educador invocam-me a pensar no porque gosto de ser

professora. Gosto de ser professora porque gosto de aprender. Acredito na transitividade e

reciprocidade do verbo ensinar. Acredito no ensinar aprendendo e aprender ensinando de

Paulo Freire (2013b). Acredito no despertar do olhar.

Ao ser interpelado sobre a experiência da beleza, Rubem Alves (2012) em suas

“Pimentas” responde o que aprendeu com Platão:

Platão, quando não conseguia dar respostas racionais, inventava mitos. Ele contou

que, antes de nascer, a alma contempla todas as coisas belas do universo. Essa

experiência foi tão forte que todas as infinitas formas de beleza do universo ficam

eternamente gravadas na alma. Ao nascer, nos esquecemos delas. Mas não as

perdemos. A beleza fica em nós. Adormecida como um feto. Todos estamos

grávidos de beleza, beleza que quer nascer para o mundo qual uma criança. Quando

a beleza nasce, reencontramo-nos com nós mesmos e experimentamos a alegria.

(ALVES, 2012, p. 47-8).

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15

Talvez tenha sido pelo mesmo motivo as palavras de João Bosco (BROCARDO, 1986,

p. 93) dizer “Dai-me almas e ficai com o resto. “Daí-me almas e ficai com o resto” em latim,

Da mihi animas, Cetera tolle, talvez não se referisse à beleza das pimentas de Rubem Alves,

mas sim à bondade dos jovens com quem João Bosco convivia, esperando despertá-los para a

bondade. De acordo com Brocardo (BROCARDO, 1986), fazendo a interpretação dessa fala

de João Bosco nos seus tempos, a ideia indicada é a de uma direção justa que importava ser

seguida, ter em vista.

Assim olho para o “aprender” e para o “ensinar”. Ao aprendermos, despertamo-nos.

Despertamo-nos para um conhecimento que já estava em nós e que acabamos de resgatar. Ao

ensinarmos, aprendemo-nos. Momento propício para um manifesto, um manifesto do

educador. O manifesto da educadora Elisete, que nasceu Soave e se tornou Soave Vianna.

Educador

Educação e pertencimento andam de mãos dadas, educar é pertencer e fazer pertencer.

Educar é respeitar nas necessidades, nos desejos,

nos sonhos e na cultura.

Educar não é apenas ensinar, é o fazer despertar as ideias adormecidas no âmago dos que querem

aprender.

Educar é viabilizar o desenvolvimento que possibilita o amadurecimento.

Educar é promover a individualidade, é preparar

para SER.

Educar é possibilitar ver o mundo sob a lente do SER.

Educar é conduzir da dependência à autonomia

para ver o mundo de forma diferente a cada piscar de olhos.

Educar é despertar.

Educador, despertador.

O verbo “despertar” no dicionário nos permite outros olhares, tais como, acordar, sair

do estado de inatividade, passar a ter vigor, provocar, ser a origem de, dar motivo para,

manifestar-se, tornar-se presente. Oferece-nos o substantivo “despertador” e o duplo

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particípio: “despertado” e “desperto”. Minha visão de educação é aluno e professor

despertados e despertadores com e por ao longo da caminhada.

Porém, não sejamos ingênuos! Há que se cuidar muito bem do “despertar” no processo

educativo. Segundo Brandão (2007), a educação ajuda a pensar tipos de homens, mas quem

“pensa” no tipo de homem a se formar? Nesse sentido, o próprio Brandão (2007) alerta sobre

a educação:

Mas do que isso, ela ajuda a criá-los, fazendo passar de uns para os outros o saber

que os constitui e legitima. Mais ainda, a educação participa do processo de

produção e especialidades que envolvem as trocas de símbolos, bens e poderes que,

em conjunto, constroem tipos de sociedades. E esta é sua força.

No entanto, pensando às vezes que age por si próprio, livre e em nome de todos, o

educador imagina que serve ao saber e a quem ensina, mas, na verdade, ele pode

estar servindo a quem o constituiu professor, a fim de usá-lo, e ao seu trabalho, para

os usos escusos que ocultam também na educação – nas suas agências, suas práticas

e nas ideias que ela professa – interesses políticos impostos sobre ela e, por meio de

seu exercício, à sociedade que habita. Esta é sua fraqueza. (Brandão, 2007, p. 11-

12).

Nesse contexto, o despertar do educador é a reflexão e consciência de que este sabe a

quem, por quem e para quem educa. Para Freire (2001), conscientizar-se é tomar posse da

realidade e à medida que nos conscientizamos mais nos engajamos e nos comprometemos.

Para o autor, quanto mais conscientizados, mais capacitados estamos para ser anunciadores e

denunciadores porque assumimos o compromisso de transformar a realidade que nos cerca

(Freire, 2001). Para João Bosco em todo jovem, até nos mais arredios, há um ponto sensível

por onde se pode acessar o bem que existe nele e cabe ao professor encontrar esse ponto e

educar para o bem.

No meu inacabamento, encontro-me, agora, na posição de pesquisadora, com o

objetivo de buscar, principalmente em Paulo Freire e João Bosco a possibilidade de

vislumbrar práticas educativas significativas e “despertativas”, tanto para professores quanto

para alunos. Práticas educativas que propiciem o despertar para o conhecimento, para a

consciência do inacabamento, para o Ser Mais, de Paulo Freire (2013b). A inserção de

práticas educativas mais significativas, mais problematizadoras, voltadas para o “despertar”

da consciência de “ser no mundo”, possibilita um olhar da educação sociocomunitária dessa

pesquisa. Justifico a relevância deste estudo no sentido de que a socialização de experiências

como a que se propõe fazer, possa provocar outros olhares e “despertares”.

A metodologia a ser utilizada para buscar os dados que serão posteriormente

analisados é o Estudo de Caso, por tratar-se o objeto da presente pesquisa um projeto

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específico que se desenvolve numa determinada realidade. A escolha da metodologia se

justifica de acordo com Chizzotti (2006), quando este afirma que o Estudo de Caso constitui-

se em:

[...] uma busca intensiva de dados de uma situação particular, de um evento

específico ou de processos contemporâneos, tomados como “caso”, compreendê-lo o

mais amplamente possível, descrevê-lo pormenorizadamente, avaliar resultados de

ações, transmitir essa compreensão a outros e instruir decisões. (CHIZZOTTI, 2006,

p. 136).

Chizzotti (2006) apresenta ainda a visão de Estudo de Caso de Starke (Starke, 1994;

1995, apud Chizzotti, 2006). Dentro dessa visão, a que se adota para a presente pesquisa é o

Estudo de Caso intrínseco, que:

[...] procura conhecer melhor um caso particular em si, mesmo porque em sua

singularidade ordinária e específica torna interessante esse caso mesmo que não seja

representativo ou ilustrativo de outros casos. O objetivo da pesquisa não é construir

teorias ou elaborar construções abstratas, mas compreender os aspectos intrínsecos

de um caso em particular, seja uma criança, um paciente, um currículo ou

organização etc. (CHIZZOTTI, 2006, p. 137).

A presente pesquisa tem como objetivo compreender e socializar o trabalho efetuado

numa escola da cidade de Campinas, no Estado de São Paulo, a Escola Salesiana São José,

onde a pesquisadora ministra aulas de língua inglesa para alunos de sexto e sétimo ano do

Ensino Fundamental II. O Estudo de Caso em questão tratará de dois projetos desenvolvidos

na referida escola, inicialmente, realizado no evento chamado “Mostra Cultural”, de caráter

anual em suas primeiras edições e, posteriormente, a partir de 2013, de caráter bienal.

Os projetos se realizaram com aprovação e parceria da Coordenação Pedagógica e

Serviço de Orientação ao Estudante (SOE) do Ensino Fundamental II, e pela Pastoral da

escola, representados respectivamente por Alencar Andre David, Renata Maria de Araujo

Afonso Ferreira, e Rafael Duarte Belletti. O primeiro projeto é o Projeto Garage Sale,

concebido durante uma aula numa conversa com os alunos do sétimo ano em agosto de 2010.

O despertar deu-se durante a aula, com os alunos. A partir da leitura de um livro paradidático,

uma discussão se instaura na sala de aula e na aula seguinte uma atividade é intencionalmente

proposta aos alunos. Dessa atividade surge o projeto: organizar uma Garage Sale na escola.

Para quê? Inicialmente o objetivo era vivenciar uma atividade característica de outra cultura,

saber mais sobre essa atividade enquanto inserida no seu contexto cultural nativo, apropriar-se

dela conscientemente, no sentido que não se trata de uma perpetuação da prática no nosso

contexto, na nossa cultura, mas apenas uma forma de atingir objetivos momentâneos, que

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seria o outro objetivo, arrecadar fundos para doar para um dos projetos da Pastoral da escola.

O segundo projeto é o Projeto Pink Lemonade, que também surgiu dentro da sala de aula,

junto com os alunos, a partir de uma atividade de leitura e interpretação de texto (um diálogo

num restaurante) houve uma curiosidade para saber do que se tratava a Pink Lemonade que

acabou sendo feita em sala de aula após uma pesquisa sobre o assunto, e por fim foi

acrescentada ao evento Mostra Cultural juntamente com a Garage Sale. Projetos diferentes,

mas instalados como “vizinhos” na Mostra cultural. Ao longo da organização dos projetos,

Garage Sale, e Pink Lemonade, preparação, montagem, vivência, enfim, em todo o processo,

descobriu-se que a prática iria mais além. Outros olhares foram possíveis a partir dessa

prática.

Acrescento sobre a metodologia da pesquisa o caráter qualitativo e participante, visto

que faço parte e coordeno o projeto e, como pesquisadora, em constante busca da construção

do conhecimento. Segundo Oliveira et al (2014),

O(A) pesquisador(a) não é externo(a) ao fenômeno estudado, pois sua motivação

para conhecer e seu interesse partem de engajamento ao objeto de estudo. Esses

interesses movem aqueles(as) que, com seu trabalho, procuram interferir na

realidade e, nela, buscam compreensões acerca de processos humanos. (OLIVEIRA

et al, 2014, p.119).

Para coleta de dados utilizarei entrevistas com pessoas diretamente ligadas aos

projetos, aos locais onde a pesquisa se desenvolve. Quanto aos alunos participantes dos

projetos, além dos egressos do Ensino Fundamental II um questionário será aplicado.

Para desenvolver a pesquisa, apresento seis capítulos, além das considerações

finais. No primeiro capítulo, teço considerações a respeito das categorias autonomia,

protagonismo e alteridade. No segundo capítulo, a vida de João Bosco, a Educação Salesiana

e a pedagogia da presença de João Bosco, além do seu Sistema Preventivo são apresentados.

No terceiro capítulo, debato a visão de Paulo Freire sobre a Educação. No quarto capitulo, a

Educação Sociocomunitária é apresentada sob diferentes olhares, inclusive sob a ética

freiriana, como afirmam Caro e Daud (2013) trata-se de:

[...] uma ética da responsabilidade universal, uma ética da solidariedade aos

despossuídos, através de uma ciência educacional crítica. Sua pedagogia está a

serviço da emancipação social, enquanto busca formar sujeitos autônomos e capazes

de praticar a solidariedade, contribuindo para formação de uma consciência coletiva

transformadora e humanizadora do próprio processo escolar e da sociedade como

um todo. (CARO e DAUD, 2013, p.59).

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No quinto capítulo, discorrerei sobre os projetos objeto da pesquisa, sua concepção e

processo de realização. No sexto capítulo, os resultados da pesquisa serão explicitados e

analisados. Nas considerações finais pretendo olhar de forma distanciada para os resultados e

questionamentos levantados e refletir sobre eles.

É importante salientar que o interesse em pesquisar sobre protagonismo, autonomia e

alteridade nas práticas educativas veio por meio do trabalho, da experiência-vivência e das

curiosidades como professora-educadora, desenvolvido pela pesquisadora ao longo da vida

profissional, em diferentes ambientes como, escolas de idiomas, aulas particulares e escolas

regulares. A temática se fez mais pertinente ao longo do trabalho na Escola Salesiana São

José, onde foi possível desenvolver e participar de projetos em que se percebia a participação

dos alunos de forma autêntica e voluntária. A presente pesquisa nasce de uma inquietação

provocada por um dos despertares ao longo da caminhada: seria o despertar para a autonomia

e protagonismo um caminho para a alteridade?

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CAPÍTULO 1: EU, VOCÊ, NÓS: UM CAMINHO POSSÍVEL

Conhecer o ser humano não é separá-lo do Universo, mas situá-lo nele.

Edgar Morin

“Onde você está em seu mundo?” (Buber, 2011) Esta não é a pergunta que levou a

pesquisadora-autora à pesquisa que ora se apresenta, mas pode ser uma pergunta apropriada

para se iniciar uma conversa sobre e entre as categorias que permeiam as discussões deste

trabalho: autonomia, protagonismo e alteridade.

Com o advento da globalização e os avanços tecnológicos, que parecem ter chegado a

todos os cantos do planeta, o mundo vivencia um paradoxo: com todo o avanço tecnológico,

informações e comunicação em tempo real, não deveria o ser humano estar mais próximo, por

estar sabendo o que acontece com seus pares no mundo todo quase que simultaneamente? O

que se vive, no entanto, é um mundo em que cada vez mais o ser humano se distancia de seus

pares, ou seja, do próprio ser humano. Redes sociais aproximam pessoas virtualmente e ao

mesmo tempo as distanciam fisicamente podendo relegar o ser humano a uma profunda

solidão. Além disso, ou por conta disso, o que se vê hoje é um ser humano ensimesmado,

individualista e solitário. Atuais e frequentes episódios de violência relacionados à

intolerância no mundo, principalmente aos acontecimentos em países como a Síria, levando

milhares de pessoas a arriscarem suas vidas para fugir em condições desumanas tentando

chegar a um porto seguro, a um país que os receba e os acolha. Por outro lado vemos países

que tentam impedir ou dificultar a entrada dessas pessoas em seus territórios. Intervenções de

organizações internacionais de diferentes naturezas foram e estão sendo de extrema

importância para amenizar os efeitos da migração em massa. O exemplo acima citado é

apenas mais um episódio no mundo. Diferenças pessoais e culturais que dão a cada ser

humano sua identidade passam a ser um problema nesse contexto, ou seja, as diferenças

culturais que identificam o homem e lhe concedem o sentimento de pertença é motivo de

ações violentas contra o próprio homem. O quadro que se vislumbra, então, é o da negação do

ser humano pelo próprio ser humano.

Cada ser humano não só é diferente, mas também, único. “O homem não se repete” e

que essa “não repetição” seria a “sacramentalidade da criação” (NEGRÃO, 2015). Para,

Buber (2011) a condição de ser único impõe ao ser humano uma responsabilidade, pois

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Cada homem traz algo de novo ao mundo, algo que ainda não existia, algo sério e

único. “A obrigação de cada homem em Israel é saber refletir sobre seu caráter único

em seu modo de ser e sobre o fato de nunca ter existido ninguém igual a ele sobre a

terra. Se alguém igual já houvesse habitado a terra, não precisaria estar aqui. Cada

um é algo novo nesta terra e é chamado para realizar sua particularidade neste

mundo. Pois, na verdade, a vinda do messias se protela porque isso não acontece”.

(BUBER, 2011, p. 16).

Vale lembrar que a referência a “Israel” no trecho acima citado tem seu contexto no

livro de Buber “O caminho do Homem: segundo o ensinamento chassídico1”. E Buber (2011,

p. 17) acrescenta que “essa tarefa principal é a concretização única e específica de suas

potencialidades, e não a repetição de algo que um outro, ainda que seja o maior, já tenha

feito”

O que se pretende neste momento é ter um olhar para o ser humano sob algumas

lentes, e refletir sobre o homem, sobre Eu, sobre Tu, sobre Nós. Os olhares sob os quais se

pautará essa visão são principalmente os de Buber, Lévinas, Costa, Freire e Bosco. Antes de

discorrer sobre as categorias é necessário que se teça algumas considerações sobre a faixa

etária dos alunos participantes dos projetos, os adolescentes. Quanto às categorias, iniciarei

com as categorias autonomia e protagonismo e avanço discorrendo sobre alteridade por

pensar ser esta a ordem que melhor configura as reflexões sobre estas categorias mais adiante

na pesquisa.

1.1. O ADOLESCENTE: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Os jovens não só devem ser amados, mas devem saber que são amados. A primeira

felicidade de um menino é saber-se amado.

Dom Bosco

Como anteriormente mencionado, a presente pesquisa se desenvolve com adolescentes

de idade entre 11 e 12 anos numa escola de ensino privado que cursam o 6ª e 7ª ano do Ensino

Fundamental II. Sobre a Escola Salesiana São José discorreremos mais adiante, mais

especificamente no capítulo 5 onde se exporá o projeto objeto desse trabalho. Neste momento,

breves considerações a respeito do adolescente se fazem necessárias para que se possa

continuar discorrendo sobre as categorias.

1 Chama-se chassidismo (de chassid: devote à religião) o grande movimento místico-religioso que começou no

judaísmo do Leste europeu em meados do século XVIII. (BUBER, 2011, p. 20).

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Em primeiro lugar, devo tratar dos termos: adolescente e criança, os vocábulos

utilizados por autores para designar a faixa etária alvo desta pesquisa. Levando em conta o

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), seria correto chamar alguns dos alunos que

participaram dos projetos de crianças e outros de adolescente, visto que no Artigo No. 2 do

ECA considera-se crianças as pessoas até 11 anos de idade incompletos e adolescentes as

pessoas entre doze e dezoito anos de idade. Por outro lado, se levarmos em conta a

Organização Mundial da Saúde (OMS), teríamos outro modo de designar essas fases do

crescimento, a saber, pré-adolescência, que compreende da idade de 10 anos aos 14 anos,

adolescência, dos 15 aos 19 anos completos e juventude dos 15 aos 24 anos (Vivendo a

adolescência, 2016). Portanto, os termos adolescente e/ou jovem serão utilizados para

designar o público alvo desta pesquisa.

Para Costa (2000), a adolescência:

[...] é o tempo da grande travessia entre a infância e a idade adulta. Na infância, a

ação dos filhos é controlada de fora, pelos pais. Na idade adulta espera-se que a

conduta da pessoa seja controlada, de dentro, por ela própria. [...] É o tempo em que

o jovem vai, aos poucos, construindo sua autonomia. (COSTA, 2000, p. 47, grifo do

autor).

O mesmo autor (2000) complementa dizendo que a autonomia se completa quando o

adolescente chega à idade adulta, sendo a adolescência a fase da vida em que ele vai

construindo sua identidade e seu projeto de vida afirmando que, no comportamento, na forma

de se relacionar com o mundo, o adolescente se diferencia do adulto porque se apoia em

vivencias, experiências, relacionamentos e acontecimentos de sua vida. O adulto em primeiro

lugar tenta compreender quando se depara com algo novo, depois disso faz uma opção por

essa novidade ou não e, então finalmente, experimenta o novo, se esta for a opção. O

adolescente, ao contrário, em primeiro lugar experimenta e sente o novo, depois escolhe se

opta por ele ou não e por fim passa para a etapa de entender o novo. Por este motivo,

complementa Costa (2000), o adolescente pode ficar mais exposto a situações de risco do que

o adulto.

A propósito das situações de risco a que o adolescente pode se expor o Relatório do

Desenvolvimento Humano (Organização das Nações Unidas, 2014) coloca o adolescente em

situação de vulnerabilidade, como se observa na ilustração 1, por se encontrar em um período

sensível no ciclo da vida.

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Ilustração 1 – Quem é vulnerável a quê e por quê

Extraído de: http://www.pnud.org.br/arquivos/RDH2014pt.pdf>. Acesso em 12 de jan. de

2016)

Por motivos óbvios, o Relatório de Desenvolvimento Humano (Organização das

Nações Unidas, 2014) sugere

Colocar as pessoas em primeiro lugar. A redução de vulnerabilidades apela à

renovação da mensagem essencial do desenvolvimento humano <<colocar as

pessoas em primeiro lugar>> - uma mensagem constantemente promovida em todos

os relatórios do Desenvolvimento Humano desde 1900. (ORGANIZAÇÃO DAS

NAÇÕES UNIDAS, 2014, p. 29).

Costa (2001) cita os dez pontos básicos do Paradigma do Desenvolvimento Humano:

1. O fundamento real do desenvolvimento humano é o universalismo do direito

à vida;

2. Cada ser humano nasce com um potencial, que necessita de certas condições

para se desenvolver;

3. O objetivo do desenvolvimento é criar um ambiente no qual as pessoas

possam expandir suas capacidades;

4. Esse ambiente deve ainda oportunizar que a presente e as futuras gerações

ampliem suas possibilidades;

5. A vida não é valorizada apenas porque as pessoas podem produzir bens

materiais, nem a vida de uma pessoa vale mais que a de outra;

6. Cada indivíduo, bem como cada geração, tem direito a oportunidades que lhe

permitem melhor fazer uso de suas capacidades potenciais;

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7. A forma pela qual realmente são aproveitadas essas oportunidades e quais os

resultados alcançados é um assunto que tem a ver com as escolhas que cada um faz

ao longo de sua vida;

8. Todo ser humano deve ter capacidade de escolha, agora e no futuro;

9. Há uma necessidade ética de se garantir às gerações futuras condições

ambientais pelo menos iguais às que as gerações anteriores desfrutaram

(desenvolvimento sustentável);

10. Esse universalismo torna as pessoas mais capazes e protege os direitos

humanos fundamentais (civis, políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais).

(COSTA, 2001, p. 43-4).

O mesmo autor (2000, p. 30) nos convida a olhar para o adolescente sob uma ótica

diferente: “precisamos aprender a vê-los como solução, não, como problema” Poder-se ia

dizer que esse olhar consiste numa quebra de paradigma. Costa (2000) propõe a pedagogia da

presença para que lidemos com os adolescentes e assim a define:

A pedagogia da presença [João Bosco já propunha esse tipo de abordagem ao

adolescente] é um jeito de educar que se baseia na criação de um clima de abertura,

reciprocidade (disposição de troca) e compromisso entre pais e filhos, entre jovens e

adultos e – por que não? – entre adultos e adultos [e por que não entre professor e

aluno]. (COSTA, 2000, p. 50).

Levando em conta o exposto acima seria necessário pensar numa Educação que utilize

práticas educativas adequadas e significativas para que o adolescente tenha as condições de

desenvolvimento asseguradas. Pensar o adolescente como solução e não como problema exige

formas diferentes de atuação no cotidiano escolar, o que configura um desafio tanto para a

escola quanto para o professor/ educador.

1.2. AS CATEGORIAS: AUTONOMIA, PROTAGONISMO e ALTERIDADE

1.2.1. Considerações sobre autonomia e protagonismo

Autonomia:

Quando o homem compreende a sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio

dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e ao seu trabalho pode

criar um mundo próprio, seu eu e as suas circunstancias.

Paulo freire

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Etimologicamente autonomia significa o poder de dar a si a própria lei, autós (por si

mesmo) e nomos (lei). Não se entende este poder como algo absoluto e ilimitado,

também não se entende como sinônimo de auto-suficiência. Indica uma esfera

particular cuja existência é garantida dentro dos próprios limites que a distinguem do

poder dos outros e do poder em geral, mas apesar de ser distinta, não é incompatível

com as outras leis. Autonomia é oposta a heteronomia, que em termos gerais é toda

lei que procede de outro, hetero (outro) e nomos (lei). (ZATTI, 2007, p. 12).

Protagonismo:

A participação se torna genuína quando se desenvolve num ambiente democrático. A

participação sem democracia é manipulação e, em vez de contribuir para o

desenvolvimento pessoal e social do jovem, pode prejudicar a sua formação.

Principalmente, quando se tem o propósito de formar o jovem autônomo, solidário e

competente.

Antonio Carlos Gomes da Costa

De onde vem o termo protagonismo juvenil?

Vem do grego. Proto quer dizer o primeiro, o principal. Agon significa luta.

Agonista, lutador. Protagonista, literalmente, quer dizer o lutador principal. No

teatro, o termo passou a designar os atores que conduzem a trama, os principais

atores. O mesmo ocorrendo também com os personagens de um romance.

No nosso caso, ou seja, no campo da educação, o termo protagonismo juvenil

designa a atuação dos jovens como personagem principal de uma iniciativa,

atividade ou projeto voltado para a solução de problemas reais. O cerne do

protagonismo, portanto, é a participação ativa e construtiva do jovem na vida da

escola, da comunidade ou da sociedade mais ampla. (COSTA, 2016).

Falar em autonomia sem falar em heteronomia seria um contra senso, pois a

autonomia por si só não se basta, ela não é absoluta. A palavra heteronomia vem do grego:

hetero que significa diferente e nomos que significa lei e significa submissão e aceitação

de leis que não são “nossas”, mas que reconhecemos como válidas na sociedade em que

estamos inseridos. Portanto ser autônomo não significa ser autossuficiente, pois nossa

convivência na sociedade implica em ser respeitado pelo outro e em respeitar o outro.

Nesse sentido, protagonizar não significa levar a cabo e concretizar todos os desejos que

se possam ter. Entre autonomia e heretonomia poder-se ia colocar a liberdade e a ética.

Para Marques (2003)

A escola deve ser um espaço privilegiado de formação não só conteudística, mas

também de reflexão e crítica sobre a realidade e sua estrutura social, econômica,

política, religiosa e cultural. É claro que o próprio desenvolvimento de uma série de

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conteúdo escolar contribui para o crescimento da pessoa, uma vez que vai oferecer

elementos que possibilitarão uma reflexão mais profunda sobre si mesmo e a

sociedade. Neste sentido, ela está sendo um espaço direto de formação ética.

(MARQUES, 2003, p. 148-9).

Marques (2003) aponta que a educação é um processo constante em nossas vidas e que

além de ser um espaço importante para a construção de uma proposta ética, como citado

acima, ela também pode estar sujeita a um juízo de valor, pois a educação não é neutra, ou

seja, ela pode estar a serviço de uma ideologia.

Considerando a educação formal, espaço em que as atividades relacionadas aos

projetos alvo desta pesquisa acontecem, há que se fazer uma breve exposição da origem e

o trajeto da escola até os nossos dias.

A educação nos Setecentos era para poucos e era basicamente determinada pela Igreja,

cujo interesse era a catequização. O cunho repressor das famílias em relação aos filhos e

total autonomia da escola e do professor sobre o que seria mais correto ensinar deixava o

aluno na condição de total obediência em ambos os espaços. Nos Oitocentos, com o

advento da Revolução Industrial, como afirma Manacorda (1989) vista pela ótica de

Marx, a educação passou a ter um papel político-social, pois as relações de trabalho

modificaram e com isso toda a estrutura da sociedade. O modelo de produção artesanal

feudal dá lugar à produção nas fábricas e com elas, a escola aparece. Além disso, esse

novo modelo de produção provocou uma grande migração da população das áreas rurais

para as áreas urbanas. O objetivo da escola neste momento é preparar pessoas para atender

às necessidades do novo modo de produção. Uma das iniciativas que veio dos Setecentos

e perdurou ainda nos Oitocentos foi a do “ensino mútuo”, também chamado de

“monitoral”, uma forma de diminuir as despesas com a instrução e abreviar o trabalho dos

mestres e fazer o controle da instrução, para que esta não se tornasse um problema para o

estado. Este modelo consistia em treinar alguns jovens, os monitores, que seriam, na

verdade os multiplicadores das “lições” aprendidas. Manacorda (1989) descreva uma sala

de aula deste modelo de instrução:

Em um único local bem grande, em cujo modelo ideal constam três grandes naves

divididas por colunas ao longo das quais estão dispostos em quadrado os bancos das

várias classes, os alunos, sentados um ao lado do outros de acordo com o mérito e o

aproveitamento, são confinados aos monitores. (MANACORDA, 1989, p. 259).

Neste período, também os pais são alfabetizados, para que possam também ser

colocados para trabalhar nas fábricas, o que também provoca mudanças nos relacionamentos

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entres os pais e os filhos. Vemos que o foco da educação não é levar o ser humano a uma

condição melhor de existência pelo conhecimento, ao contrário, ela tem como objetivo manter

o status quo. Neste período surgem nomes como Pestalozzi, Fröebel e outros que se

preocupam com as crianças. Mais no final dos Oitocentos nota-se a contribuição das mulheres

nesta área. Com o nascimento da Escola Nova inicia-se a tendência da participação dos pais

na preocupação e participação na educação de seus filhos. No inicio do século XX, a escola

passou a desempenhar outras funções:

A escola e a família assumiram a responsabilidade pela civilização, ou seja, os

professores não deveriam ensinar apenas a escrever e a ler; deveriam transmitir

também padrões morais, os valores da vida social. A escola passou a completar a

tarefa do lar, a formação do caráter, o respeito à disciplina necessária para a

harmonia e a estabilidade sociais. A família por outro lado, completaria o trabalho

da escola auxiliando seus filhos no aprendizado das lições. (CORTELAZZO;

ROMANOWSKI, 2008, p. 46).

Ainda segundo as mesmas autoras (2008), a escola ao receber, cuidar e transmitir os

valores citados acima para os alunos mais pobres poderia contribuir para que instruídos e

preparados os alunos conseguissem sair da condição de pobreza e citam Faria (2000):

A escola não poderá ir diretamente auxiliar as classes pobres, facilitando-lhes meios

de vida e provendo-lhes de alimentos. Mas poderá suavizar o mal, fornecendo regras

de economia e de rendimento maior no trabalho. (FARIA, 2000 apud

CORTELAZZO; ROMANOWSKI, 2008, p. 46.).

O que se percebe neste contexto é uma escola sem poderes para mudar a sociedade e

com tendências assistencialistas, passando longe da ideia de uma instituição que provesse aos

alunos autonomia e conscientização.

No Brasil, a partir da década de 80 por causa da democratização a escola passar por

transformações que vão desde a administração, até as relações entre a escola e a comunidade e

inicia-se também a educação de jovens e adultos. Além disso, surge a gestão democrática que

tem como objetivo a participação da comunidade na escola. Os valores e princípios que

permeariam as relações entre escola e comunidade fundamentam-se nos princípios do

Programa Educação para Todos da Unesco (Unesco, 1990). Entre os quais, Cortelazzo e

Romanowski (2008) destacam: educação para todos para superar a exclusão,

institucionalização das decisões coletivas, articulação de políticas educacionais no projeto da

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escola, livre expressão da pluralidade e construção coletiva. Cortelazzo e Romanowski (2008)

apontam para a formação para a cidadania através da gestão escolar democrática.

1.2.2. Autonomia, protagonismo e o adolescente

O inacabamento sem a consciência dele engendra o adestramento e o cultivo. Os

animais se adestram, as árvores se cultivam, homens e mulheres se educam.

Paulo Freire

Para Paulo Freire (2013b) o ser humano é um ser inacabado com uma vocação

ontológica para o Ser Mais. A visão de Paulo Freire (2013b) sobre a presença do homem no

mundo é a de um ser ético “Como presença consciente no mundo não posso escapar à

responsabilidade ética no meu mover-me no mundo.”. Em outras palavras, a conquista da

autonomia não dá o direito ao ser humano de satisfazer todos os seus desejos exercendo um

falso protagonismo de acordo com Costa (2016), que afirma que nem todo protagonismo é

positivo, pois quando se trata de participações manipuladas, simbólicas ou apenas decorativas,

essas são, na verdade, formas de não-participação. Para que se evite ou para que não se cultive

esse tipo de protagonismo é que se faz necessário uma educação que contribua para a

formação de pessoas autônomas.

Sobre o protagonismo, Costa (2016) afirma essa ser uma modalidade da ação

educativa que cria espaços e condições que possibilitam aos adolescentes se envolverem em

atividades direcionadas à solução de problemas reais em que atuam com iniciativa liberdade e

compromisso. Trata-se atividades em que os adolescentes são os personagens principais e

podem atuar na busca de soluções para problemas da escola, da comunidade ou até da

sociedade. Essa participação democrática e autêntica leva o adolescente ao ganho e

construção da sua autonomia, autoconfiança e autodeterminação o que coopera para a

construção de sua identidade e projeto de vida (Costa 2016).

Num contexto de educação para a autonomia e protagonismo Costa (2000) o coloca o

adolescente com fonte de liberdade, iniciativa e compromisso:

Fonte de liberdade (opção): porque capaz de fazer escolhas, de tomar decisões

fundamentadas.

Fonte de iniciativa (ação): porque capaz de ir da intenção à ação, pondo em prática

suas escolhas e decisões.

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Fonte de compromisso (responsabilidade): porque capaz de assumir as

consequências de seus atos. (COSTA, 2000, p. 89, grifos do autor).

1.2.3. Alteridade

[...] mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma presença no mundo,

com o mundo e com os outros. Presença que reconhecendo a outra pessoa como um

“não-eu” se reconhece como “si própria”.

Paulo Freire

Ao fazer aquilo que queria fazer, fiz mil coisas que não queria. O ato não foi puro, deixei

vestígios. Ao apagar esses vestígios, deixei outros.

Lévinas

Deus nos colocou no mundo para os outros.

João Bosco

O homem se torna Eu na relação com o Tu.

Martin Buber

A palavra alteridade tem origem no latim alter, “outro”, a qualidade ou estado de ser

diferente. Buber (2001) apresenta o mundo como experiência e como relação

apresentando três entidades, a saber, o Eu, o Tu e o Isso. Sobre a experiência se refere à

interação do homem com a natureza, com os animais, com os objetos, com as coisas

concretas no sentido de que o Eu nessa relação, na relação com o Isso, não muda sua

essência, pois não há reciprocidade. Sobre o mundo das relações, Buber (2001) coloca três

esferas de relacionamento:

A primeira é a vida com a natureza. Nesta esfera a relação realiza-se numa

penumbra como aquém da linguagem. As criaturas movem-se diante de nós sem

possibilidade de vir até nós e o Tu que lhes endereçamos depara-se com o limiar da

palavra.

A segunda é a vida com os homens. Nessa esfera a relação é manifesta e explícita:

podemos endereçar e receber o Tu.

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A terceira é a vida com os seres espirituais. Aí a relação, ainda que envolta em

nuvens, se revela, silenciosa mas gerando a linguagem. Nós proferimos, de todo

nosso ser, a palavra-princípio [Eu-Tu] sem que nossos lábios possam pronunciá-la.

Mas como incluir o inefável no reino das palavras-princípio?

Em cada uma das esferas, graças a tudo aquilo que se nos torna presente, nós

vislumbramos a orla do Tu eterno, nós sentimos em cada um Tu um sopro provindo

dele, nós o invocamos à maneira própria de cada esfera. (BUBER, 2001, p. 54-5).

Em relação à primeira esfera, a da vida com a natureza, Buber (2001) depois de dizer

que podemos sentir, classificar, dominar, apreender como imagem, uma árvore pergunta:

Teria então a árvore uma consciência semelhante à nossa? Não posso experienciar

isso. Mas quereis novamente decompor o indecomponível só porque a experiência

parece ter sido bem sucedida convosco? Não é a alma da árvore ou sua dríade que se

apresenta a mim, é ela mesma. (BUBER ,2001, p. 55).

O que significa dizer que na relação com a natureza, com as coisas e animais, não

temos um retorno, por isso não nos reconhecemos neles.

Sobre a segunda esfera, a vida com os homens, o autor (2001) a relação verdadeira

entre os homens se dá quando há um encontro verdadeiro entre eles, pois nesse encontro

há reciprocidade. Buber (2001) afirma que o homem não é uma coisa, um objeto.

Eu não experiencio o homem a quem digo Tu, Eu entro em relação com ele no

santuário da palavra-princípio. Somente quando saio daí posso experienciá-lo

novamente. A experiência é o distanciamento do Tu. (BUBER, 2001, p. 55, grifo

nosso).

O encontro do ser humano com outro ser humano quando verdadeiro, isto é, quando é

puro e baseado numa abertura para o outro, é para Buber (2000, p. 56) “o verdadeiro berço

da vida”.

Sobre a terceira esfera, a esfera da vida com os espíritos, com o inefável Buber (2001)

busca na vida pré-natal da criança um elo, uma relação com a mãe, o ser que a carrega

considerando que esse elo que os une é um vínculo cósmico que liga o homem ao Tu

verdadeiro.

A vida pré-natal das crianças é um puro vinculo natural, um afluxo de um para o

outro, uma inter-ação corporal na qual o horizonte vital do ente em devir parece

estar inscrito de um modo singular no horizonte do ente que o carrega, e entretanto,

parece também não estar aí inscrito, pois não é somente no seio de sua mãe humana

que ele repousa. Este vínculo é tão cósmico que se tem a impressão de estar diante

de uma interpretação imperfeita de uma inscrição primitiva, quando se lê numa

linguagem mítica judaica que o homem conheceu o universo no seio materno, mas

que ao nascer tudo caiu no esquecimento. Este vínculo permanece nele como uma

imagem secreta de seu desejo. Não como se a nostalgia significasse um anseio de

volta, como prescrevem aqueles que veem no espírito, por eles confundido com o

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intelecto, um simples parasita da natureza. Ao contrário, é a nostalgia da procura do

vinculo cósmico do ser se desabrocha ao espírito com seu Tu verdadeiro. (BUBER,

2001, p. 66)

Na visão de Lévinas (2010) o homem é um ser que admite uma exterioridade, ou seja,

ele concebe o outro, é um animal racional, mas defende que ser racional não significa ser

domesticado por uma razão. Isso quer dizer que o fato de admitir o outro engaja o ser

humano numa totalidade,

Esta relação do indivíduo com a totalidade, que é o pensamento, em que o eu

considera o que não é ele e, contudo, não se dissolve, supõe que a totalidade se

manifesta, não como ambiência que roça de algum modo a epiderme do vivente,

como elemento no qual ele mergulha, mas como um rosto no qual o ser está em face

de mim. Esta relação, de participação ao mesmo tempo que de separação que marca

o advento e o a priori de um pensamento – em que os laços entre as partes não se

constituem senão pela liberdade das partes – é uma sociedade, seres que falam, que

se defrontam. O pensamento começa com a possibilidade de conceber uma liberdade

exterior à minha. Pensar uma liberdade exterior à minha é o primeiro pensamento.

(LÉVINAS, 2010, p. 37, grifos do autor).

Lévinas (2010) discorre a totalidade de sistema total e se refere ao universo do ser

humano como sistema parcial e chama de milagre o fato de o sistema total penetrar o

sistema parcial e considera o pensamento como o conhecimento do novo:

Como se realiza, por conseguinte, esta simultaneidade de uma posição na totalidade

e de uma reserva a seu respeito ou separação? [...] Esta penetração de um sistema

total em um sistema parcial que não o pode assimilar é o milagre. A possibilidade de

um pensamento é a consciência do milagre ou a admiração. O milagre rompe a

consciência biológica, ele possui um estatuto ontológico intermediário entre o vivido

e o pensamento. Ele é o começo do pensamento ou experiência. O pensamento que

inicia se encontra diante do milagre do fato. A estrutura do fato, distinta da ideia,

reside no milagre. Por aí, o pensamento não é simplesmente reminiscência, mas

sempre conhecimento do novo. (LÉVINAS, 2010, p. 36, grifos do autor).

Lévinas (2010) também tem um olhar para a transcendência e coloca o papel das

religiões reveladas em que há a relação de um eu com Deus que transcende. Esta relação

com o transcendente mantém o caráter da insuficiência do ser humano e ao mesmo tempo

seu caráter de totalidade e liberdade, pois o ser humano só concebe culpabilidade ou

inocência em relação à Deus, que oferece o perdão divino o que restitui ao ser humano sua

integridade inicial. Porém, para o autor (2010) o perdão supõe que o eu faltoso repare o

mal que fez e coloca o exame de consciência como um fator primordial para o ser

humano. Porém o papel da religião na mente moderna foi se perdendo, como afirma o

autor (2010), pois numa relação entre um eu e um tu, em que um terceiro fica excluído, o

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perdão pode libertar das faltas em relação ao tu, mas como o eu não alcança o terceiro não

tem consciência do efeito de seus atos em relação a esse terceiro. Esse perdão na relação

eu-tu pode levar à alienação, pois sem a consciência dos seus atos na vida de terceiros, o

eu continua agindo considerando-se absolvido de suas faltas. Porque o eu está em relação

com uma totalidade humana, Lévinas (2010) vê sentido na moral terrestre por considerar o

homem um ser político.

A moral terrestre convida a um caminho difícil que conduz em direção aos terceiros

que ficam fora do amor. Só a justiça dá satisfação à sua necessidade de pureza. Que

o diálogo seja chamado a exercer um papel privilegiado na obra da justiça social,

acabei em certo sentido de afirmá-lo, mas ele não pode assemelhar-se à sociedade

intima e não é a emoção do amor que o constitui. A lei prepondera sobre a caridade.

O homem também neste sentido é um animal político. (LÉVINAS, 2010, p. 44).

1.3. AUTONOMIA, PROTAGONISMO, ALTERIDADE E EDUCAÇÃO

Alteridade é antônimo de identidade, relações que o ser humano vive nas interações

sociais cotidianamente. Para Silva (2000, p. 81 apud Pacheco, 2016) “a identidade e a

diferença nunca são inocentes”, donde se pode concluir que essas relações baseadas nas

diferenças podem se constituir também relações de poder. Porém, essas mesmas

diferenças nos proporcionam pertencimento. Fleuri (2003) propõe a educação na

perspectiva intercultural em que a educação deixaria de formar de forma hierárquica e

linear e passaria a ser entendida como um processo constituído por relações entre

diferentes sujeitos. Essa perspectiva possibilitaria contextos interativos promovendo um

ambiente criativo para a formação do aluno.

Nesse processo, desenvolve-se a aprendizagem não apenas das informações, dos

conceitos, dos valores assumidos pelos sujeitos em relação, mas sobretudo a

aprendizagem dos contextos em relação aos quais esses elementos adquirem

significados. Nesses entrelugares, no espaço ambivalente entre os elementos

apreendidos e os diferentes contextos a que podem ser referidos, é que pode emergir

o novo, ou seja, os processos de criação que podem ser potencializados nos limiares

das situações limites. (FLEURI, 2003, p. 32, grifos do autor).

Além de alertar para a necessidade de mudança na concepção de educador, que na

perspectiva por ele sugerida seria um sujeito que interage com outros sujeitos na

elaboração de sentido, Fleuri (2003) aponta para a nova função do currículo e da

programação didática, que seria a de prover recursos para a elaboração e circulação de

informações entre sujeitos e ambiente de aprendizagem.

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Na sua concepção de educador Paulo Freire (2013b) propõe é que ensinar não é

transferência de conhecimento, mas que exige apreensão da realidade e enfatiza a ideia de

que ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando, a aceitação do novo e rejeição

a qualquer forma da discriminação. Paulo Freire (2013b) afirma que ensinar exige saber

escutar e exige também a disponibilidade para o diálogo. As exigências colocadas por

Paulo Freire (2013b) neste trabalho não esgotam as que o autor apresenta e sobre as quais

discorre em seu livro Pedagogia da Autonomia, porém, são suficientes para ver o

educador como alguém que se envolve com os alunos, com o processo de ensino e de

aprendizagem do aluno e até da sua própria aprendizagem, o que nos remete à pergunta

que deu início à conversa sobre autonomia, protagonismo e alteridade: “Onde você está

em seu mundo?” (Buber, 2011, p. 8). Lévinas (2010) discorre sobre respeito, autonomia,

heteronomia, protagonismo e alteridade brilhantemente:

Respeitar não pode significar sujeitar-se, contudo, outrem me comanda. Eu sou

comandado, quer dizer, reconhecido como capaz de uma obra. Respeitar não é

inclinar-se diante da lei, mas diante de um ser que me ordena uma obra. Mas para

que este mandamento não comporte nenhuma humilhação – o que me subtrairia a

própria possibilidade de respeitar – o mandamento que recebo deve ser também o

mandamento da comandar aquele que me comanda. Ele consiste em ordenar a um

ser que me ordene. Esta referência de um mandamento a um mandamento é o fato de

dizer Nós, de constituir um partido. Por esta referência de um mandamento ao outro,

Nós não é o plural de Eu. (LÉVINAS, 2010, p. 58).

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CAPÍTULO 2 – JOÃO BOSCO: DE ILHA À CONTINENTE

Já não era aceitável um Dom Bosco “ilha” no “mar” do seu tempo; a fim de entendê-

lo em profundidade, seria preciso examinar com atenção a maneira como ele vivera

concretamente suas convicções, seus valores, sob quais influências ele trabalhara,

quais as reações coletivas e pessoais produzidas com sua atuação. Em outras

palavras, seria preciso conferir suas ideias e estruturas mentais em relação aos

diversos níveis da sua vida e ação. (LENTI, 2012, p. 55).

Nesse capítulo proponho-me a fazer uma análise da pessoa e figura de João Bosco

com o objetivo de refletir sobre essa personalidade intrigante, que suscita tantas definições,

histórias, comentários, mas que é sem dúvida o centro de toda a filosofia e práxis na

comunidade salesiana. O que me proponho a fazer neste capítulo é ir além do santo “Dom

Bosco”, como é denominado João Bosco nessa comunidade, e olhar para o cidadão de sua

comunidade, para o religioso fervoroso, para o educador social, em fim, para essas facetas de

João Bosco em seu tempo e local, em seu contexto.

2.1. JOÃO BOSCO, O HOMEM, O CIDADÃO E O RELIGIOSO DE SEU TEMPO

O compromisso seria uma palavra oca, uma abstração,

se não envolvesse a decisão lúcida e profunda de quem o assume.

Se não se desse no plano do concreto.

Paulo Freire

Certa noite do inverno de 1815, soaram três ou quatro pancadas vacilantes á porta de

Francisco Bosco, lavrador da casaria dos Becchi, a uma légua do vilorio

Castelnouvo d’Asti, e não mais de cinco da populosa e rica cidade de Turim.

(WAST, 1933, p. 7).

Assim Wast (1933) situa e contextualiza os anos iniciais de João Bosco na casa dos

Becchi. Nesse momento, o autor narra um episódio em que a família que já estava pronta para

seu humilde e pouco jantar quando recebe a visita de dois desertores de Napoleão. Um dos

homens era piemontês e outro francês, que se juntaram à família e compartilharam de sua

humilde acolhida mostrando dois aspectos da casa dos Becchi:

Casa de cristãos era realmente a de Francisco Bosco e, nela, muitas vezes

encontraram refúgio e auxílio os desertores ou os retardatários dos exércitos, que

brigavam a favor de Napoleão ou contra, e cuja espada revolvêra a Europa, muito

especialmente a pobre Itália, durante vinte anos. (WAST, 1933, p. 8).

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Um desses dois aspectos é com certeza o fato de ser o deles, um lar cristão. O outro,

porem, implícito, mas facilmente identificado, é o de que Francisco Bosco não se encontrava

em um lado em especial da situação, pois acolhia em sua casa o ser humano que precisava de

ajuda, independente de qual fosse seu lado na guerra. O autor afirma também que essa era

uma forma de ficarem sempre sabendo da situação da guerra e das novidades, pois não era

raro o ajudado pagar a acolhida contando suas proezas na guerra.

Francisco Bosco aprendera de sua mãe, que ás vezes, o próprio Jesus se disfarçava

com andrajos de um soldado e vai bater á porta dos que se dizem cristãos, para

experimentar o seu coração.

Os filhos de Francisco Bosco também aprenderam aquela lição da avó e da mãe

Margarida Occhiena, de tal modo, que os pobres eram sempre recebidos, na casinha

dos Becchi, como si a sua miseria fôra o disfarçe de Deus em pessoa. (WAST, 1933,

p. 9).

Nessa mesma noite, enquanto a casa dos Becchi recebe e compartilha sua humilde

refeição com os desertores, dorme o filho mais novo do casal, João Bosco, nascido em 16 de

agosto do mesmo ano. Na casa moravam o pai Francisco Bosco, sua mãe, uma senhora já

velha e quase inválida, sua esposa Margarida Occhiena, e os filhos; Antonio de treze anos,

filho do primeiro casamento de Francisco, José de dois anos, e João, nascido há apenas alguns

meses. Na noite em que esse episódio de deu, havia à mesa mais duas pessoas, empregados

contratados para lavrar a terra.

Devido às agruras das condições climáticas 1816 foi um ano duríssimo. Secas e geadas

deixaram as plantações da região do Piemonte devastadas, e assim também as famílias, uns

tentando a vida na cidade, outros vindos da cidade tentar a vida no campo. Um ano de muitas

mortes na Itália. Porém, mais se agravou a situação da casa dos Becchi em 1817 com a morte

de Francisco Bosco, ficando a família, os três filhos e a sogra, nas mãos de Margarida

Occhiena, que preferiu não vender as terras deixadas pelo marido, e sim, cultivá-las e produzir

o que fosse possível para vender e sustentar a família. No entanto, como escreveu Wast

(1933), algumas coisas não mudam mesmo após a morte do marido:

Como em vida, do marido, a sua porta não se fecha nunca aos pobres. E quantos

pobres há no Piemonte! Um dia é uma vizinha cujo marido está sem trabalho. Pede

emprestado meio frasco de azeite, para temperar a polenta. Outro dia, um lavrador

que perdeu a colheita do milho e que já lhe deve um pão de centeio. Pode emprestar-

lhe outro? Jura que lhe devolverá os dois antes de acabar a semana. Outra vez um

desertor, que pretende passar a fronteira. Refugia-se na casa dos Bosco, sentindo

perto os carabineiros. Em seguida os carabineiros, aos quais Margarida oferece um

copo de vinho, enquanto o perseguido ouve tremendo, oculto detrás de uns feixes de

lenha. Parece que Deus multiplica os pães da arca de Margarida, pois, como ser tão

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pobre e socorrer a tantos, ainda lhe sobra para o sustento da família. (WAST, 1933,

p. 19-20).

Além das agruras deste ano, havia o grande contexto dos Becchi, o contexto onde a

infância de João Bosco se deu. A Itália desse tempo era uma Itália de grandes conflitos no

campo político, econômico, social e religioso. A revolução industrial veio a contribuir

muitíssimo com esse quadro. Em meados do século XVI iniciou-se o processo de morte do

regime feudal, ou seja, o desenvolvimento da fábrica coloca um fim à produção artesanal. De

acordo com Manacorda (1989), a partir do evento da mudança do modo de produção, muda

também o modo de vida dos homens, refletindo esse processo não só nas suas ideias e moral,

como também nas formas de viver e de instruir. Esse processo se inicia em meados dos

Setecentos, e desencadeia uma série de mudanças na sociedade e, portanto, nas relações entre

os homens em vários aspectos. No aspecto da instrução, que se baseava na forma popular de

se ensinar um ofício através das corporações de artes e ofícios e da aprendizagem artesanal,

com vistas a manter e perpetuar as atividades relacionadas ao ofício, uma significativa

mudança surge com o aparecimento da fábrica, com ela inicia-se a moderna instituição

escolar pública. Esse novo espaço de instrução é criado para suprir as necessidades da fábrica,

isto é, instruir indivíduos para que pudessem servir ao novo modo de produção. Esse

processo, ainda sob o olhar do mesmo autor (Manacorda, 1988) é criticado pelos socialistas

marxistas, por explorar o indivíduo, principalmente na sua força de trabalho. e por privá-lo de

qualquer instrução.

Com essas transformações o homem ficou destituído até do seu saber primordial, ou

seja, do saber da sua profissão, do seu ofício, que era também sua arte, ao homem é negado o

conhecimento que antes por ele era dominado. Neste momento, obrigado a trabalhar na

fábrica, ele não mais detinha o saber do processo de produção, não mais poderia passar a

diante o processo de produção que anteriormente dominava. Um ser destituído do seu próprio

conhecimento.

No período Napoleônico (1799 – 1815), a Itália se dividia em três partes: ao norte

onde o soberano era Napoleão (governando através do vice-rei, o general Eugênio de

Beauharnais), o reino da Itália, que constituía os Estados Pontifícios e as Marcas, e Vêneto e

Veneza (após 1805); ao sul, o Reino de Nápoles, cujo regente foi José Bonaparte (substituído

pelo marechal Joaquim Murat em 1808); e a parte anexada à França que incluía o Piemonte,

Ligúria, Toscana e Roma e os territórios papais ao redor de Roma, que eram províncias do

Império Francês (Lenti, 2012). Quando nasce João Bosco, o período Napoleônico, que

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politicamente foi dividido em três etapas (Consulado – 1799 até 1804; Império – 1804 até

1815; e o governo dos cem dias – 1815) estava no último período, “governo dos cem dias”,

que se deu após a prisão de Napoleão e a volta dele ao poder por mais cem dias e após esse

período final da era Napoleônica, o congresso de Viena voltando a se reunir firma acordos

importantes para o momento. Por meio desses acordos, fica a Itália dividida em dez estados

regionais (Reino da Sardenha, Reino Lombardo-Vêneto, Ducado de Parma e Piacenza,

Ducado de Lucca, Grão-Ducado da Toscana, Ducado de Módena e Réggio, Ducado de Massa

e Carrara, Estados Pontifícios, Republica de San Marino e Reino das Duas Sicílias) (Lenti,

2012).

Ilustração 2 – A Itália em 1815, após o Congresso de Viena

Extraído de (LENTI, 2012, p.137)

O Reino da Sardenha, com população de 3.814 milhões de habitantes, que tem na sua

formação as localidades de Piemonte, Saboia, Nice, Sardenha e Ligúria, sob o domínio de Rei

Vitór Manuel I da casa de Saboia é o contexto primeiro do infante, adolescente, e adulto João

Bosco, nascido em 16 de agosto de 1815. O contexto primeiro porque em sua idade adulta,

após tornar-se padre, em sua maturidade e consciência social ganha o mundo através da

congregação salesiana que fundaria anos mais tarde.

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Mais mudanças viriam na revoltosa Itália. Havia uma ânsia por uma nação, por um

país, por unidade. Esse movimento foi tomando força e com ele ou em nome dele, novas

ordens se instauravam na Itália, que era campo fértil para o surgimento de sociedades

secretas, movimentos e revoluções. Wast (1933) define esse período como uma novela que

pode ser comparada a um drama confuso devido aos tempos turbulentos da época (1830 a

1870). Para o autor, João Bosco vive e convive com esse drama, e sobrevive nesse cenário

revolto sem deixar de ser um fervoroso e explícito defensor do Papa. Consegue lidar com

implacáveis inimigos do Papa e ainda assim defender seus ideais pessoais. Ideais que talvez

tenham vindo de sua infância além de pobre, muito dura por ser ele um ser já diferente entre

os seus próprios familiares. Em que diferente? Na vontade de aprender, no olhar além do

campo, do olhar para o horizonte, que naqueles tempos difíceis apenas os mais atrevidos e

puros poderiam ter. Esse seu olhar puro e atrevido da criança o acompanha a vida toda

fazendo dele um ser insatisfeito, sempre buscando mais. Caberia aqui um olhar freiriano? O

sentir-se inacabado, buscando o ser mais? (Freire, 2014b):

Ninguém pode ser, autenticamente, proibindo que os outros sejam. Esta é uma

exigência radical. O ser mais que se busque no individualismo conduz ao ter mais

egoísta, forma de ser menos. De desumanização. Não que não seja fundamental –

repitamos – ter para ser. Precisamente porque é, não pode o ter de alguns converter-

se na obstaculização ao ter dos demais, robustecendo o poder dos primeiros, com o

qual esmagam os segundos, na sua escassez de poder (FREIRE, 2014b, p. 105, grifo

do autor).

Nessa Itália revolta e sedenta por unidade, apontados por Wast (1933) atuam os

maçons2 e os carbonarios

3, que secretamente participavam da política. Para o autor, o

programa secreto dessas sociedades tinha dois objetivos bastante explícitos, isto é, conseguir

dos príncipes e reis governantes uma constituição para o povo e fazer da Itália uma só nação

independente. Porém, o autor confere a elas um terceiro objetivo, este sim secreto, mas

identificável, que era destruir o Pontificado para descristianizar o mundo, objetivo esse que

não poderia ser revelado num campo católico. O caminho dessas sociedades era arrebatar o

2 Maçons: de Maçonaria que é uma sociedade discreta e por essa característica, entende-se que se trata de ação

reservada e que interessa exclusivamente àqueles que dela participam. De caráter universal, cujos membros

cultivam os princípios da liberdade, democracia, igualdade, fraternidade e aperfeiçoamento intelectual, sendo

assim uma associação iniciática e filosófica.

3 Carbonários: foi uma sociedade secreta e revolucionária que atuou a Itália, França, Portugal e Espanha nos

séculos XIX e XX. Fundada na Itália por volta de 1810, a sua ideologia assentava-se em valores patrióticos e

liberais, além de se distinguir por um marcado anticlericalismo.

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povo convencendo-o de que o poder lhes seria devolvido, prender o rei por meio de uma

Constituição para garantir a paz.

Chegavam, na Itália, os reflexos da Revolução Industrial. Uma divisão de classes e

uma luta por igualdade em todos os aspectos da sociedade se instaura na Itália. De acordo

com Cambi (1999),

[...], dois modelos ideológica e epistemologicamente antitéticos venham a contrapor-

se: o burguês e o proletário, um inspirado no positivismo e outro ligado ao

socialismo. São dois modelos que interpretam a oposição de classes que está no

centro da sociedade industrial, determinando dois diferentes e opostos universos de

valores, inclusive educativos, e de organização social, inclusive educativa. O

positivismo exalta a ciência e a técnica, a ordem burguesa da sociedade e seus mitos

(o progresso em primeiro lugar), nutre-se de mentalidade laica e valoriza os saberes

experimentais: é a ideologia de uma classe produtiva [...]. O socialismo é a posição

teórica (científica) da classe antagonista, que remete aos valores “negados” pela

ideologia burguesa (a solidariedade e a igualdade, a participação popular no governo

da sociedade) e delineia estratégias de conquista do poder que insistem sobre as

contradições insanáveis da sociedade “sem classes”. (CAMBI, 1999, p. 465-6).

Como poderia um padre fervorosamente católico sobreviver em meio a sociedades

secretas e políticas buscando a laicidade? De onde conseguir ajuda para seus meninos? Que

meninos eram esses que inspiraram João Bosco a idealizar e construir uma congregação que

perpetuasse sua obra?

Em sua infância difícil, João Bosco passou por muitas necessidades, no entanto, para

além delas, o sofrimento com problemas familiares também o atormentavam. Menino esperto,

com espírito de organização e autonomia, conseguia vender suas gaiolas e pássaros no

mercado com muita facilidade, de memória incrível para a idade, aprendeu a ler em reuniões

de comunidades frequentadas pela família e que desde muito cedo queria ser padre, mas

menino que tinha ao mesmo tempo paciência para aprender, mas também um gênio forte que

o traia em situações extremas (Wast, 1933). Não era entendido por seu irmão mais velho, por

quem era obrigado a trabalhar no campo porque não via necessidade de se aprender a ler e

escrever, pessoa rude e sofrida com a incumbência de suprir o lugar de chefe da família

depois da morte do pai. Sua mãe não se atrevia a enfrentá-lo de forma que teve que afastar

João Bosco de casa para evitar atritos maiores. Sobre esse aspecto da pessoa de João Bosco e

de como este conhece o capelão Dom Calosso, que o ajudaria mais tarde, Wast (1933) relata

que João Bosco levantava muito cedo, fazia todo seu trabalho para poder participar de uma

atividade religiosa num vilarejo vizinho. Na primavera de 1826, estava João Bosco voltando

sozinho desse vilarejo, vem pensando no que ouvira, vê o capelão e faz o que todos têm medo

de fazer, aproxima-se dele para conversar. Naquela época, o clero na Itália era reservado, e

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mantinham uma distancia para terem respeito dos paroquianos. João Bosco não concordava

com esse comportamento e sofria com esse distanciamento dos padres. Tendo nascido em

1815, em 1826 tinha apenas 11 anos de idade e já se indispunha com suas ideias. A forma

como ele se dispõe a entabular a conversa com o capelão nos dá essa certeza:

“Si eu fôsse sacerdote, cumprimentaria a todos, falaria com todos, me faria querer de

todos. e assim, lhes poderia ensinar e guiar...”

Pois bem; eis que aquele sacerdote, respeitável pelas suas cans e pela sua dignidade,

que caminha a pé de Buttigliera a Murialdo, pára na metade da estrada, chama-o e

interroga-o carinhosamente. (WAST, 1933, p. 35).

A conversa continua e o padre descobre a esperteza de João Bosco e acaba

convidando-o para sua casa todos os dias para ensinar-lhe italiano e latim, posto que João

Bosco falava o dialeto piemontês. Mesmo fazendo todo o trabalho que seu irmão mais velho,

Antonio, lhe impunha, este resolveu acabar com os estudos de João Bosco obrigando-o a

parar de uma vez com tudo, mas sabendo que mesmo assim, João nunca seria um camponês

de verdade. Defendia que não precisou aprender latim, nem gramática para ser um homem

forte e trabalhador. Mais uma vez, Wast (1933), mostra o João Bosco que perdia a paciência

perante a injustiça:

João escuta, com indignação, os despropósitos de Antonio a e não póde conter o seu

genio vivaz.

- Falas mal e não percebes! Por muito ignorante que sejas, nunca serás mais forte

que o nosso burro...

João concluiu sua observação mordaz e já correndo, para fugir do enfurecido

Antonio, que lhe quer cobrar aquele gracejo. Graças ás suas excelentes pernas

escapou de uma valente sova. (WAST, 1933, p. 38).

Assim, nem mesmo sua mãe consegue mantê-lo mais em casa e toma uma atitude:

A sua própria mãe não no podia livrar da incessante perseguição e, um dia, resolveu

afastá-lo de casa. Entregou-lhe um embrulho com alguma roupa e os seus livros,

acompanhou-o um pedaço pelas estradas, cobertas de neve naquela ocasião, e sem

derramar uma lágrima, para não no afligir, nem se enternecer, abençoou-o e deixou-

o partir.

- Adeus João! Que a Madona te acompanhe!

Aonde iria João, na crua manhã, choroso e tiritando?

A qualquer parte, onde o quiséssem como criado, sem salário e pela comida tão

somente. [...]

Mas sua mãe lhe disse:

- A muita neve na montanha pôs os lobos fora dos seus esconderijos. Alguns

desceram até ao país. Si a noite te surpreende, não durmas na estrada. Amanhecerias

congelado ou te destruiriam os lobos. Chega a casa dos Moglia e te darão refugio no

celeiro e, á madrugada, partirás.

Mês onde está a casa dos Moglia, naquele labirinto de caminhos, colinas e aldeias

silenciosas, que a neve confunde e a noite vai cobrindo?

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O Bosquetto, amedrontado, invoca a Maria Auxiliadora, cuja estampa leva no

surrão, e com o último pálido fulgor daquele triste dia descobre a granja e aproxima-

se.

- Aonde vais, rapaz, a estas horas? – disse-lhe um velho que aparece á estrada.

- Vou a procura de um patrão que me queira empregar sem salário.

- Máu tempo para procurar um patrão! Segue adiante e que deus te ajude!

O velho fecha a porta e o rapaz fica fora, abandonado á sua sorte. Por fortuna, outro

homem o vê, e desconfiado, talvez, de que seja algum gatuno que espera a ocasião

para penetrar no galinheiro, interroga-o:

- A quem procuras, menino?

- A Luis Moglia.

- Sou eu; que queres?

- Minha mãe é Margarida Bosco; não me póde em casa porque meu irmão mais

velho me castiga. Mandou-me vir aqui; dê-me qualquer trabalho.

- Pobre menino! Eu não tenho trabalho para dar-te. Até depois da Anunciação não

haverá nada que fazer. Volta para a casa.

- eu não peço salário. Si me deixas dormir no celeiro e me der a comida, trabalharei

quanto quiser.

- Disse-te que não. Em minha casa não necessito de criado. Nem deves ser capaz

para tanto. Não posso ter-te.

O Boschetto senta-se no umbral de pedra e pôs-se a chorar.

-O senhor diz que não sei fazer nada. Experimente o meu trabalho e ficará satisfeito

de mim. Não me mande para a casa, porque minha mãe não me receberia.

Ao ouvir aquela voz infantil, saí Dorotea Moglia e diz ao marido:

- Vamos experimentar este menino por alguns dias. [...]

Ali esteve dois anos. Nos dias de festa, ou quando o máu tempo impedia o trabalho,

reunia no celeiro os pequenos da vizinhança, ensinava-lhes o catecismo e divertia-os

com seus misteres de palhaço. (WAST, 1933, p. 38-9).

O menino João Bosco com toda a sua pouca compreensão do mundo, entendera que

sua mãe estava fazendo o melhor para ele, e apesar de sua atitude continua a respeitá-la e

amá-la. De acordo com Lenti (2012), João Bosco não menciona esse episódio nas Memórias

do oratório, para o autor, uma das possibilidades para explicar essa omissão pode ter sido por

respeito à memória de sua mãe.

O modo como a vida vai encaminhando seus problemas podem ter contribuído para

que mais tarde na sua opção pelo sacerdócio e pelos jovens. Já na tenra idade tem um olhar

acima do horizonte, parece perceber além do que se lhe apresenta. Parece ter o entendimento

que o tempo e a paciência lhe ajudarão a sanar os problemas.

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Ilustração 3 – O sítio dos Moglia

Extraído de (LENTI, 2012, p. 192)

Cresce João Bosco e com todas as dificuldades que a vida lhe apresenta, torna-

se padre, porém, sem deixar de perguntar e questionar como fez com Dom Calosso. Conforme

Lenti (2012), Padre Calosso, modo como se refere ao citar Dom Calosso, foi a figura paterna

para João Bosco. Adolescente com seus quinze anos, João Bosco tinha nele o pai, o amigo, o

benfeitor, e sofreu muito com sua morte. Para Lenti (2012), as dificuldades por que passou

João Bosco em sua infância e adolescência e o modo como as encarou e as superou, ajudaram

a formar seu caráter, a aproximá-lo ainda mais da religião, e também contribuíram para sua

vocação. Para o autor, o fato de ser criado sem pai o fez escolher ser o padre dos jovens

necessitados. Talvez dos jovens como ele fora um dia. Talvez João Bosco visse nos seus

meninos, nos seus jovens a sua própria imagem.

Assim como havia dito a Dom Calosso que se fosse padre cumprimentaria a todos para

poder ensinar-lhes, João Bosco continuou a fazer em toda a sua vida. Desta forma foi

conquistando seus meninos para ensinar-lhes. Seu modo de abordar as pessoas e em especial

seus meninos era para conquistá-los, para poder assim ajudá-los. Ocorre que João Bosco

mesmo em sua certeza de que queria ser sacerdote teve momentos de crise relacionados ao

seu discernimento vocacional. Sua dúvida, num determinado momento, foi entre o seminário

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e o noviciado. Aparentemente, de acordo com Braido (2008) a opção pela ordem dos

franciscanos, ou seja, pelo noviciado, seria inicialmente por ser esse o meio mais próximo às

possibilidades econômicas de sua mãe e de seu tio que o ajudariam a arcar com as despesas de

seu estudo. Diferentemente do seminário que tinha o custo da pensão para poder lá estudar.

Porém, segundo Lenti (2012), o nome de João Bosco contava na lista dos quarenta recrutas da

lista do serviço militar em 5 de novembro de 1835. João Bosco tinha então 21 anos. Se

entrasse no seminário ficaria dispensado do serviço militar por estar estudando para se tornar

padre. João fez a escolha mais conservadora para seus estudos, escolheu entrar para o

seminário, mas não sem antes conversar com as pessoas que lhe ajudaram a tomar a decisão,

como Luís Comollo, seu amigo mais próximo. Para o autor, ser dispensado do serviço militar

não deve ter sido o fator decisivo para a escolha, pois a escolha pelo noviciado franciscano

não seria a mais adequada para seus propósitos, ou seja, a opção pelos jovens. João Bosco

entrou no seminário de Chieri em 3 de novembro de 1835, passa seis anos lá (cursa dois anos

de filosofia e quatro anos de teologia) e é ordenado sacerdote em 5 de junho de 1841 (Braido,

2008). No último ano do seminário João Bosco recebe diversas ordens, de acordo com Lenti

(2012): a tonsura4 e as quatro ordens menores (hostiário, leitor, exorcista e acólito); o

subdiaconato; o diaconato e o sacerdócio.

Ainda antes de se ordenar sacerdote, João Bosco passava o período das férias, que

duravam quatro meses e meio, fazendo trabalhos manuais, mexia com ferro, madeira e fazia o

que mais gostava aos domingos, o catecismo aos que ele chamava de amigos, meninos que

muitas vezes aos 16 ou 17 anos nada sabiam do catecismo. Também começou a ensinar a ler e

escrever aos que ainda não sabiam, sem nada cobrar, porém, exigia assiduidade, atenção e

confissão mensal (João Bosco, 2012). Com licença e supervisão para pregar, preocupava-se

em ser entendido e como era sempre aplaudido, achava que estava conseguindo se fazer

entender. No entanto, um dia após um sermão sobre a Natividade de Maria resolveu perguntar

sobre a pregação a uma pessoa que parecia capaz de lhe dar um retorno sobre ela e teve uma

surpresa que lhe serviu de lição. Essa passagem de sua vida está nas Memórias do Oratório

(João Bosco, 2012):

- Sua pregação foi sobre as pobres almas do purgatório.

E eu havia pregado sobre as glórias de Maria.

Em Alfano quis saber também o parecer do pároco, padre José Pellato, homem de

muita piedade e doutrina, e pedi-lhe a opinião sobre minha pregação.

4 Tonsura: cerimônia religiosa em que o bispo dá um corte no cabelo do ordinando ao conferir-lhe o primeiro

grau de Ordem no clero, chamado também de "prima tonsura".

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- Seu sermão – respondeu – foi muito bonito, ordenado, exposto em boa linguagem,

com pensamentos da escritura; se continuar assim poderá ter êxito na pregação.

- Será que o povo compreendeu?

- Pouco. Meu irmão padre, eu e pouquíssimos outros.

- Mas como é que coisas tão simples não são entendidas?

- Ao senhor parecerão fáceis, mas para o povo são elevadas. Passar por alto a

história sagrada, raciocinar rapidamente sobre uma série de fatos da história

eclesiástica, tudo isso é coisa que o povo não entende.

- Então, que me aconselha a fazer?

- Abandonar a linguagem e a maneira dos clássicos de desenvolver o tema, falar em

dialeto se for possível, ou também em língua italiana, mas popularmente,

popularmente, popularmente. Em vez de raciocínios, sirva-se de exemplos,

comparações, apólogos simples e práticos. Lembre sempre que o povo compreende

pouco, e que as verdades da fé nunca lhe são suficientemente explicadas.

O paternal conselho serviu-me de norma em toda a vida. (JOÃO BOSCO, 2012, p.

98-9).

Desde menino quando divertia os amigos e nas férias quando ensinava o catecismo

João Bosco já estava entrando em contato com o público que seria seu alvo principal e razão

de viver em muito breve. Em relação aos seus estudos e leituras, em suas memórias João

Bosco deixa claro que tinha bastante tempo para leituras extras, pois devido à sua memória

favorecida, seus estudos do seminário não lhe tomavam muito tempo, por isso ele tinha tempo

para dedicar-se a outras leituras e a aprender línguas. Devido ao seu conhecimento de grego,

pode ensinar a língua enquanto estava no seminário ainda. João Bosco se dedicou mais ainda

ao aprendizado da língua para poder ensiná-la melhor, fazendo traduções da Bíblia e

literatura. João Bosco relata em suas memórias que estudou francês e elementos de hebraico e

que o hebraico, o grego e o francês, foram as suas línguas preferidas depois do italiano e do

latim (João Bosco, 2012).

Ao terminar seus estudos, após se ordenar sacerdote, João Bosco procurou padre

Cafasso em Turim, para decidir sobre seu futuro sacerdócio e este lhe aconselhou a estudar

moral e pregação no Colégio Eclesiástico de São Francisco de Assis. Então, apesar de ter

recebido três propostas para trabalhar, João Bosco atendeu ao conselho do padre Cafasso que

se tornou seu guia. João Bosco passou então a acompanhá-lo e este o levou primeiramente

para visitar as prisões. Nesse momento João Bosco entrou em contato com o que seria seu

futuro trabalho (Lenti, 2012). Sua vocação foi resultado da evolução natural de um homem

que vê à sua volta uma cidade com problemas sociais muito grandes, em meio à expansão

imobiliária, crescimento da indústria, êxodo rural que provocavam um aglomerado de pessoas

em busca de melhores condições numa cidade já em situação caótica com pessoas passando

privações. João Bosco que já tinha um olhar especial para as crianças, passou a se interessar e

se preocupar mais ainda com elas ao ver a situação de muitas delas nas ruas e nas prisões de

Turim. Preocupava tanto com os meninos desamparados e que não teria tempo para esperar

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leis, verbas, burocracias, de quem quer que seja. Os “seus meninos” tinham urgência e

carência de cuidados. Torres (1950) cita Agosti-Chizzolini para relacionar a pedagogia de

João Bosco com a ciência enfatizando que:

Em Don Bosco la Sociología es inseparable de La pedagogia, por ser su obra

essencialmente social. Destacado puesto ocupa em el estúdio y solución de los

problemas contemporáneos que apasionan al mundo. Dicen Agosti-Chizzolini em su

libro ya famoso: Magistério:

“Don Bosco, que procuró hacer más formativa la escuela humanística, tuvo uma

clara conciencia de la Escuela del trabajo. El problema social se imponía. Marx

había lanzado su manifesto a los proletários. La Escuela liberal se perdia em vanas

polémicas. Urgia salir al encontro de los trabajadores em uma hora em que la

industria se desarrollaba com ritmo creciente. Don Bosco abrió para los hijos Del

pueblo sus escuelas professionales, donde ellos se educan a um tiempo a aprender

um oficio y a amarlo, teniendo de mira también la perfeccíon de la habilidad técnica

que empeña lãs energias Morales, plasmando el caráter.

“El problema de la orientación y educación al trabajo fué por él comprendido y

sentido en función de la cuestión social, que el industrialismo había agrabado y ante

la cual el libeeralismo econômico y el socialismo marxista se alzaban em batalha,

incapaces de darle uma solución vital.

Em la obra de Don Bosco es evidente desde el principio la conciencia de lo social

com sus realidades y sus exigências. El instituto educativo que él introduce, em el

cual la máquina entra junto al libro, la técnica junto con la cultura humanística, es el

ejemplo de uma caridad fraterna, donde la separación de lãs sociales se halla

superada y remediada em su raiz por el vínculo de la caridad.”. (TORRES, 1950, p.

35, grifos do autor)5.

5 Tradução da autora: A Sociologia em Dom Bosco é inseparável da Pedagogia, por ser sua obra

essencialmente social. Ocupa posição de destaque no estudo e solução de problemas

contemporâneos e preocupam o mundo. Agosti-Chizzolini em seu famoso livro: Magistério, disse:

"Dom Bosco, que procurou fazer da escola uma fonte de formação, tinha clara consciência da

importância da Escola para o trabalho. Havia um problema social. Marx tinha lançado seu

manifesto para o proletariado. A Escola liberal estava perdida em polêmicas inúteis. Era preciso ir

ao encontro dos trabalhadores no momento em que a indústria se desenvolvida em ritmo acelerado.

Dom Bosco abriu as portas das suas escolas profissionais para os meninos do povo. Onde eles

estudavam e aprendiam um ofício. Aprendiam também a amá-lo. Ele tinha também como alvo a

perfeição da habilidade técnica e a formação do caráter dos alunos. O problema da orientação e

educação para o trabalho foi compreendida e sentida por ele em função da questão social, que o

advento da indústria tinha agravado e pelo qual o liberalismo econômico e o socialismo marxista se

lançaram em batalha, mas incapazes de encontrar uma solução.”

“Na obra de Dom Bosco fica evidente, desde o início, uma consciência da questão social, bem

como de suas realidades e exigências. O sistema educacional que ele introduziu, no qual a máquina

e o livro vêm juntos, assim como a técnica com a cultura humanística, é o exemplo de uma

caridade fraterna, onde os problemas são superados pelo vínculo caridade.”

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O primeiro aluno de João Bosco chegou a ele por meio do sacristão José Comotti. Em

suas memórias, João Bosco conta como ele entrou em sua vida:

No dia solene da Imaculada Conceição de Maria, 8 de dezembro de 1841, estava, à

hora marcada, vestindo-me com os sagrados paramentos para celebrar a santa Missa.

O sacristão José Comotti, vendo um rapazinho a um canto, convidou-o a ajudar-me

a Missa.

- Não sei – respondeu ele, todo mortificado.

- Vem – replicou o outro -, tens de ajudar.

- Não sei – retorquiu o rapaz – nunca ajudei.

- És um animal – disse o sacristão enfurecido. – Se não sabes ajudar a Missa, que

vens fazer na sacristia?

E, assim dizendo, tomou do espanador e começou a desferir golpes nas costas e na

cabeça do pobrezinho.

Enquanto este fugia, gritei em voz alta:

- Que está fazendo? Por que bater nele desse jeito? Que é que ele fez?

- Se não sabe ajudar a missa, por que vem à sacristia?

- mas você agiu mal.

- E que lhe importa?

- Importa muito, é um meu amigo, chame-o imediatamente, preciso falar com ele.

- Oi, rapaz! – pôs-se a chamar; e correndo atrás dele e garantindo-lhe melhor

tratamento trouxe-o para junto de mim.

O rapaz aproximou-se a tremer e a chorar pelas pancadas recebidas.

- Já ouviste Missa? – disse-lhe com a maior amabilidade que pude.

- Não – respondeu.

- Vem então ouvi-la. Depois gostaria de falar de um negócio que vai te agradar.

Prometeu. Era meu desejo aliviar o sofrimento do pobrezinho e não deixá-lo com a

má impressão que lhe causara o sacristão.

Celebrada a Missa e terminada a ação de graças, levei o rapaz ao coro. Com um

sorriso no rosto e garantindo-lhe que já não devia recear novas pancadas, comecei a

interrogá-lo assim:

- Meu bom amigo, como te chamas?

- Bartolomeu Garelli.

- De onde és?

- De Asti.

- Tens pai?

- Não, meu pai morreu.

- E tua mãe?

- Morreu também.

- Quantos anos tens?

- Dezesseis.

- Sabes ler e escrever?

- Não sei nada.

- Já fizeste a Primeira Comunhão?

- Ainda não.

- Já te confessaste?

- Sim, quando era pequeno.

- E agora, vais ao catecismo?

- Não tenho coragem.

- Por que?

- Porque meus companheiros mais pequenos sabem o catecismo, e eu, tão grande,

não sei anda. Por isso fico com vergonha de ir a essas aulas.

- Se te desse catecismo à parte, virias?

- Então sim.

- Gostaria que fosse aqui mesmo?

- Com muito gosto, contanto que não me batam.

- Fica sossegado, que ninguém te maltratará. Pelo contrário, serás meu amigo. Terás

de haver comigo e mais ninguém. Quando queres começar?

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- Quando o senhor quiser.

- Esta tarde serve?

- Sim.

- E se fosse agora mesmo?

- Sim, agora mesmo. Que bom!

[...] A esse primeiro aluno juntaram-se outros mais. (JOÃO BOSCO, 2012, p. 122-

5).

Depois dessa conversa, João Bosco fica sabendo que Bartolomeu Garelli era aprendiz

de pedreiro, iniciou ali mesmo suas primeiras lições de catecismo com João Bosco citando

uma ave-maria juntos. No domingo seguinte, outros meninos vieram com Garelli. Inicia-se

neste momento toda a obra de João Bosco.

Schiélé (2008) comenta sobre os meninos, dizendo que eram aprendizes, em sua maior

parte, operários de construção: pedreiros, rebocadores, estucadores, pavimentadores, todos

vindos de suas províncias para a capital a fim de ganhar o pão. E acrescenta que João Bosco

chamava as reuniões com os meninos de oratório, prática criada por são Felipe Nerí em Milão

e que havia chegado a Turim. A partir de 1841, João Bosco iniciaria seu próprio oratório, com

características diferentes dos oratórios até então praticados. Os oratórios tradicionais eram

seletivos, davam atenção apenas aos melhores meninos, diferentemente do oratório do João

Bosco que dava preferência aos jovens pobres e abandonados (Lenti, 2012). Em seu início,

João Bosco teve muitas dificuldades para estabelecer uma sede para seu primeiro oratório,

pois não dispunha de um local para reunir os meninos, e durante alguns anos teve que se

mudar por diferentes motivos, entre os quais, o comportamento dos meninos. João Bosco não

desistiria do seu intento: encontrar um local definitivo para seu oratório. Enquanto isso se

dedicava a outras atividades, sem deixar de se encontrar com os meninos, que cresciam em

número, nos locais possíveis, que eram cedidos por terceiros. De acordo com Wast (1933), o

início de toda a obra de João Bosco foi com Bartolomeu Garelli, o primeiro catecismo

acontece no mesmo dia em que o conhece, na sacristia da igreja de São Francisco de Assis, no

domingo seguinte, já se contava nove meninos, entre eles, Bartolomeu Garelli. Como o

número de meninos aumentava, João Bosco conseguiu reuni-los no pátio do Pensionato

Eclesiástico, onde ele morava, com a autorização de seus superiores, Padre Gualla, e Padre

Cafasso. Assim se passaram três anos, de 1841 até 1844 e ele já reunia mais de cem meninos.

Em 1844, João Bosco terminou seus estudos e teve que deixar o Pensionato. Para onde levaria

seus meninos? Padre Cafasso, que tinha fé na iniciativa de João Bosco, conseguiu que ele

fosse designado como segundo capelão num orfanato recentemente fundado na mesma

cidade. Seria esse o segundo local de reunião de João Bosco com seus meninos, num pavilhão

num terreno anexo ao Refúgio Santa Filomena (Wast, 1933). A responsável pelo local era

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Julieta Coulbert, casada com o Marquês de Barolo, vindo a ser chamada desde o casamento de

Marquesa Barolo. O casal que viveu por 31 anos juntos, não podia ter filhos, e por este

motivo ajudavam aos pobres dedicando-lhes afeto, gastando com eles o supérfulo de suas

grandes posses.

A Marquesa, uma pessoa voluntariosa, não acostumada a ser contrariada, acabou por

ter esse lado de sua personalidade exacerbado ao ficar viúva. Foi dela a autorização para que

João Bosco usasse o terreno para reunir seus meninos. As reuniões com os meninos

aconteceram no local por apenas oito meses, quando reclamações das irmãs que cuidavam do

refúgio começaram a surgir. Eram referentes ao barulho e possíveis comunicações entre os

dois lares. Os meninos teriam que se mudar novamente (Wast, 1933). Com mais de trezentos

meninos e jovens, para onde iria João Bosco com todos eles? Inicialmente encontrar um novo

local parecia uma tarefa difícil, mas, ao perambular pelos arredores do Refúgio, João Bosco se

encontra em frente ao cemitério, “in Vinculis”, onde avistou uma capela. Mais uma vez, com

autorização do capelão de 62 anos de idade, ali passaria a se reunir aos domingos com os

meninos, se não fosse o incidente com a brincadeira de bola que espantou uma galinha que

chocava ovos e deixou a criada do capelão furiosa. O resultado foi que a permanência lá se

deu apenas por um domingo. Era maio de 1845 e João Bosco estava de mudança novamente

(Wast, 1933). Moinhos do Dora, este foi o novo local de reunião de João Bosco com seus

meninos, foi autorizado pela administração municipal a utilizar uma pequena capela que era

dedicada a São Miguel. Tão pequena era a capela, que aos domingos ficava cheia para a

missa, que seus meninos mal encontravam lugar dentro dela. O espaço alternativo seria uma

praça em frente à capela, mas muito movimentada por carros, pedestres, cavalos e ali ficavam

à mercê do mau tempo. Além disso, reclamações dos vizinhos do local começam a surgir, os

meninos teriam invadido seu espaço e faziam muito barulho. Era dezembro e em 1º de janeiro

o espaço não poderia mais ser utilizado. João Bosco não se abatia, agora sim, não mais

incomodaria ninguém, resolveu optar por um oratório ambulante, que funcionava da seguinte

forma: no domingo de manhã os meninos eram esperados por ele na Praça da Igreja e dali

dirigia-se com os meninos para um santuário para celebrar a missa e confessar os meninos. Na

parte da tarde dava o catecismo em algum lugar improvisado e saiam para brincar e se

divertir. O oratório ambulante só durou até a chegada de um inverno muito rigoroso, quando

resolveu alugar três cômodos de uma casa vizinha ao Hospital da Marquesa Barolo. Neste

local se reuniam os meninos da seguinte forma: durante a semana à noite, os cômodos eram

usados para aulas noturnas para os meninos que estivessem atrasados nos estudos, aos

domingos para as reuniões com todos os meninos, porém, as atividades religiosas eram

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realizadas numa paróquia vizinha, e os momentos de brincadeiras eram realizados nos campos

vizinhos. Mais reclamações, sempre o barulho, principalmente à noite e a invasão. João Bosco

novamente sem um local para reunir seus meninos aluga um campo vizinho onde um barracão

de taipa estava sendo construído (Wast,1933).

Neste momento de sua caminhada, João Bosco enfrentaria outras adversidades. A

Igreja não via com bons olhos tantos meninos reunidos sob o comando de João Bosco, para as

autoridades da Igreja esses meninos pertenciam a alguma paróquia e se a frequentassem, não

haveria a necessidade para tais reuniões. O teólogo Borel saia em defesa de João Bosco

dizendo que esses meninos há pouco tempo não frequentavam igreja nenhuma, e agora o

faziam com João Bosco, além do mais, a maior parte deles era de fora de Turim. A idade dos

meninos era também um agravante, dizia o teólogo Borel, a maioria tinha entre 15 e 18 anos,

como colocá-los entre os meninos menores nas paróquias? Melhor deixá-los com seu mestre.

Os burgueses viam em João Bosco e seus meninos uma corja pronta para revoltas populares, e

por isso também foi chamado à sede do município para prestar contas ao Marquês de Cavour,

Síndico de Turim, ao qual João Bosco respondeu que só deixaria de suas atividades com os

meninos por ordem de seu Arcebispo. A ordem não foi conseguida e policiais eram

designados para acompanhar as reuniões aos domingos. Alguns deles diziam que se voltassem

muitos domingos seguidos acabariam se confessando também, chamando João Bosco de

“conspirador original”. João Bosco chegou a ser considerado megalomaníaco por querer

tantas coisas, e de demente por ter uma ideia fixa, e não enxergar a realidade que estava

contra ele (Wast, 1933).

O resultado foi que sua licença para usar o campo foi cassada e João Bosco e seus

quatrocentos meninos estavam novamente na rua. O motivo era diferente desta vez, dizia um

dos proprietários do terreno que os meninos pisavam o capim tão pesadamente, que ali nada

mais cresceria, até as raízes morreriam. O aluguel a vencer seria perdoado e dentro de quinze

dias teriam que deixar o local. João Bosco sem acreditar no que ouvia, apelou para a

Providência e mais uma vez rezou. Rezou fervorosamente foi ouvido. Finalmente surge uma

oportunidade de estabelecer o oratório num local definitivo: o galpão na casa Pinardi em

Valdocco.

Sem perspectiva de outro lugar para se reunir com seus meninos, João Bosco recebe

uma visita:

[...], chegou o último domingo em que me permitiam organizar o Oratório no prado

(15 de março de 1846). Eu calava, mas todos sabiam de minhas dificuldades e

espinhos. Na tarde desse dia contemplei a multidão de meninos a brincar, e pensava

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na messe abundante que ia se preparando para o sagrado ministério. Vendo-me

agora tão só, falto de colaboradores, forças esgotadas, saúde em estado deplorável,

sem saber onde no futuro reunir meus meninos, senti-me profundamente comovido.

Afastando-me um pouco, pus-me a passear sozinho, e pela primeira vez quiçá senti-

me comovido até às lágrimas. Caminhando e erguendo os olhos ao céu, exclamei:

- Meu Deus, por que não me mostrais o lugar em que desejais que reúna esses

meninos? Daí-mo a conhecer ou dizei-me o que devo fazer.

Nem bem terminei esse desabafo, chegou um homem chamado Pancrácio Soave,

que disse a gaguejar:

- É verdade que está à procura de um lugar para construir um laboratório?

- Laboratório, não. Oratório.

- Nào sei se é a mesma coisa, oratório ou laboratório, mas lugar existe, venha ver. É

a propriedade do senhor José Pinardi, pessoa honesta, venha e fará um bom contrato.

(JOÃO BOSCO, 2012, p. 160-1).

Ilustração 4 – Turim: Casa Pinardi, sede do oratório de São Francisco de Sales, fundado

por João Bosco em 1846

Extraído de (JOÃO BOSCO, Santo. 2012, p. 170)

Depois de combinarem todos os detalhes do contrato, no domingo dia 12 de abril de

1846, João Bosco levou todos os seus meninos para o terreno da casa Pinardi e lá e tomaram

posse do novo local.

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Ilustração 5 – Oratório de João Bosco depois das primeiras reformas da casa Pinardi

Extraído de: (SHIÉLÉ, 2008, p. 39)

Infelizmente, os tempos eram turbulentos na Itália. Movimentos pela liberdade

fundidos com os anseios nacionalistas italianos, a igreja perdendo seus privilégios, agora sem

o monopólio do casamento6, judeus e protestantes podendo expressar-se livremente suas

ideias contra as posições católicas, os jesuítas sofrendo pressão popular por serem antiliberais

sendo expulsos de Gênova e de Turim. Essa desordem política atinge a João Bosco, que em

meio a esse turbilhão em 1849, perde muitos de seus jovens mais velhos para os ideais de

padres entusiastas ao movimento político e os convidam a lutar contra a Áustria. Esse

acontecimento define o modo de agir de João Bosco pelo resto da sua vida ao decidir-se não

se envolver com a política de forma alguma. Sofria também com a própria indagação dos

párocos de Turim, que não aprovavam a reunião de tantos jovens com João Bosco, diziam que

eles deveriam se dirigir às suas paróquias e não seguirem João Boco. Quando indagado sobre

sua posição política, sempre dizia que era fiel ao Papa e que na política não era de ninguém.

João Bosco foi acusado de estar em contato com os jesuítas, e por vezes teve seus aposentos e

oratório revistados por policiais. João Bosco resolve ir ter com um ministro para saber o

6 A nova situação religiosa da Itália: a constituição italiana reconhecia a religião católica apostólica romana

como oficial na Itália, sendo outros credos apenas tolerados de acordo com as leis. Em 1949, porem, um Decreto

real passa a outorgar direitos civis e religiosos aos valdenses e judeus. A lei que lhes concedia a emancipação foi

aprovada em 19 de junho de 1848. Havia no Piemonte aproximadamente 21 mil valdenses e 7 mil judeus.

(LENTI, 2013).

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motivo de tantas buscas, ao que lhe responde o ministro que sabia o bem que fazia à

juventude, mas que ele deveria tratar apenas dos seus meninos e não se meter em política, ao

que João Bosco responde que nunca o fez (Wast, 1933). Segundo o mesmo autor, a política de

João Bosco era a do Evangelho:

O ministro levanta-se. Começa a passear nervosamente. Chega, neste instante,

Cavour, presidente do Gabinete, que demonstra ficar contente de ver dom Bosco,

embora as relações estivessem cortadas, há algum tempo.

- Que há,dom Bosco? Arrumemos os seus assuntos amistosamente. Eu sempre o

estimei, não é assim? Bem, conte-me o que há.

- Senhor conde, vossa excelência conhece a minha casa. Muitas vezes honrou-a com

as suas visitas e elogiou minha óbra em beneficio dos meninos pobres. Agora sou

vítima de calúnias, de intrigas, de perseguições.

- É verdade; conheço a sua óbra e protegi-a. mas há quem, abusando do seu bom

coração, o enganou e o envolveu na política.

- Não tenho outra política que a do Evangelho, senhor conde. De que me acusam?

- Di-lo-ei em poucas palavras: o espírito que domina a sua óbra é contrário ao que

anima o governo. Você está ao lado do Papa e contra o Governo.

- Eu sou do Papa, como católico, e sê-lo-ei, enquanto viver, em coisa de religião.

Quanto à política, eu não sou de ninguém, nem me envolvo em nada. Faz vinte anos

que vivo em Turim trabalhando, escrevendo, falando publicamente. Si sou culpado

de alguma coisa, castigai-me; mas si sou inocente, deixem-me em paz. (WAST,

1933, p. 277-8).

Exigia-se de João Bosco uma posição, um lado, ao que ele sempre dizia que estava do

lado dos jovens, e por isso iria ao encontro de quem o ajudasse a cuidar deles: “Achamos

vantajosissima a nossa máxima de não nos envolver em política: nem pró, nem contra...”

(Wast, 1933, p. 279). O autor ainda acrescenta que João Bosco não presenciava as lutas

políticas de forma indiferente, era franco e agia com desassombro, fazendo chegar aos

ouvidos dos poderosos as verdades que queria falar.

Essa mesma posição de João Bosco, a confirma, Auffray (1946):

"Minha política é a do Pai-Nosso", repetia muitas vezes. Quer dizer que êle se

ocupava tão sòmente em instaurar o reino de Cristo nas almas dos filhos do povo.

Tudo o mais não lhe roubava nem um pensamento do espírito, nem um minuto de

tempo. No seu alto espírito católico tinha compreendido instintivamente que o

sacerdote não deve imiscuir-se nas lutas das ideias políticas, pois que ele deve ser de

todos. Inscrever-se num partido, receber a carteira de inscrição é a mesma coisa que

transformar fatalmente, os membros do partido oposto, em inimigos. Ora Dom

Bosco – e quantas vêzes o disse – para cumprir sua missão precisava de todos, do

liberal impertinente, como do mais intransigente conservador. No adotar essa

atitude, o seu zelo apostólico pensava – como aliás confessou muitas vêzes – no

último instante da vida desses políticos. Não se chama à cabeceira, no momento da

morte, o sacerdote político, o que se preocupa com os negócios dêste mundo, mas

sim o que sempre foi visto trabalhar, exclusivamente, para o Reino de Deus. Sempre

houve quem recriminasse essas amizades contraídas por ele no mundo liberal, essas

relações com inimigos da Igreja.a acusação foi discutida até no processo de

beatificação. De fato Dom Bosco, na segunda metade do século XIX, foi talvez o

único padre da Itália, que sempre esteve em relações com os fundadores da Itália

nova. Logo de, pois dos acontecimentos que iniciaram a formação da Unidade

Italiana, reunindo sob a Cruz de Sabóia todos os Estados da Península, o clero

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tomou decididamente posição de adversário e rompeu as relações com o poder.

Foram muitos raros os que continuaram ainda a circular entre o mundo dos novos

senhores; a entre esses poucos estava Dom Bosco. Ele tinha as melhores razões para

o fazer. Tinha que contar com esses homens para viver, queria servir-se deles para o

bem que ia realizando e se preocupava com a alma deles, espreitando o primeiro

momento oportuno para aí poder depor a semente do remorso. É dêle uma afirmação

ousada, que Justifica numa imagem pitoresca, a sua atitude para com os piores

adversários do nome católico: "Se entre mim e uma alma se interpusesse o demônio

em pessoa, esperando que eu te tirasse o chapéu para me deixar passar a fim de

salvar nossa alma, eu não hesitaria nem um instante em fazê-lo.". (AUFFRAY,1946,

p.268-9).

Apesar de necessitar de todos, segundo o mesmo autor, ao mesmo tempo que João

Bosco não adulava os poderosos, procurava manter contato com eles, pois tinha dois objetivos

claros: precisava do apoio deles para levar a cabo sua obra, e também porque “seu coração de

sacerdote sonhava em conduzi-los docemente, pouco a pouco com as armas da luz e da

bondade, à concepção cristã.” (Auffray, 1946 p. 284 )

Extremamente curiosa essa posição e determinação de João Bosco de manter-se fora

da política, pois nem assim, ele conseguiu ficar fora dela. De acordo com Aufray (1946), por

fazer questão de dizer querer ser, sempre e em todos os lugares, padre:

[...] é que se viu tanta gente recorrer a ele para lhe confiar as mais delicadas

incumbências das quais ele se desempenhou com a mais cabal exatidão. Tornou-se

uma verdadeira força política, precisamente porque nunca se imiscuiu em política.

(AUFRAY, 1946, p. 269-70).

Para Terésio Bosco (1993, p. 246), o “deixar a política de lado” de João Bosco não

significava apenas ser apartidário, a palavra política tinha, naquela época, a ver com questões

sociais das quais se concordava ou discordava, por exemplo, ser contra ou a favor do mercado

livre, ser contra ou a favor da intervenção do estado nas questões do Trabalho, ou até com

sociedades operárias socialistas. Nesse sentido, se João Bosco tivesse envolvimento com

essas “questões sociais” políticas teria que se declarar “a favor” e consequentemente “contra”

alguém, e por isso não lhe interessava essa posição, como explica Terésio Bosco (1993):

Ser conhecido como “padre social” era pôr-se imediatamente fora de toda ajuda dos

burgueses e dos ricos. Ele, ao contrário, precisava de ajuda. E logo. De todas as

partes. Porque não queria deixar que os meninos pobres voltassem à rua. (BOSCO,

1993, p. 247, grifo do autor).

Temos aqui, talvez, a face mais intrigante de João Bosco, o cidadão, o religioso, o

educador, o empreendedor, enfim, o homem que por não querer se ligar a ninguém

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politicamente, poderia tornar-se uma ilha dentro do contexto em que vivia, mas, ao contrário

disso, torna-se um continente que transborda solidariedade para todos os lados.

Para Campelo (2014) o fato de João Bosco proteger seus jovens e servir politicamente

ao bem comum, ou seja, o fato de não se envolver com a política não o tornou uma pessoa

alienada. Ao contrário, mantinha relações com a classe política e com a classe eclesiástica,

articulava em favor de seus jovens nessas duas esferas, mantinha-se sempre informado dos

fatos. Respeitava a todos e aceitava ajuda de todos, foi sempre profundamente político sem

fazer proselitismo político. Campelo (2014) ainda acrescenta a respeito de João Bosco e sua

política do “pai nosso” quando de uma audiência com o Papa Pio IX:

Na verdade o que importava era o bem das pessoas, especialmente de “seus jovens”,

e o Reino de Deus. E apresentava ao Santo Padre um caminho bem simples para

resolver gradualmente diversas questões.

Não obstante estas “convicções”, Dom Bosco nunca esteve ausente da política

italiana. Deu-se bem com as autoridades, qualquer que fosse a orientação delas e

nunca se recusou a fazer o que lhe era possível para o bem da Igreja e da Pátria.

(CAMPELO, 2014).

Voltando ao tempo do menino dos Becchi, o menino que se divertia e divertia os

colegas, veremos que uma das suas habilidades era a de se equilibrar na corda, imagem usada

até os dias de hoje ao se ilustrar a figura de João Bosco, Dom Bosco, nas escolas salesianas.

Talvez seja essa uma das características que o menino não perdeu ao se tornar homem. Uma

das imagens recorrentes de João Bosco e de sua infância é a do menino saltimbanco.

Ilustração 6 – João Bosco (Dom Bosco), saltimbanco

Extraído de: https://tweeteatro.files.wordpress.com/2014/10/3.jpg. Acesso em 05/07/2015

O saltimbanco João Bosco se equilibrava na corda para divertir, enquanto o homem, o

religioso se equilibrava entre forças poderosas, trabalhava e lutava por seus ideais sem pender

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para lado nenhum, porém com objetivos definidos e olhos fixos no horizonte sem perder as

esperanças de que conseguiria atravessar cada obstáculo dos seus percursos. Posição que lhe

conferia, por conta da sua habilidade, de ao conseguir equilibrar-se e transitar por essas forças

antagônicas, uma visão privilegiada: sobre a corda, o menino tinha a visão do horizonte, e na

sua liberdade de “não ser de ninguém”, o homem adquiria informações que lhe fortaleciam

cada vez mais nos seus intentos. Voltemos um pouco mais para a época do seu nascimento:

seu pai e depois sua mãe acolhiam em sua humilde casa tanto os soldados amigos, quanto os

inimigos, por conseguirem enxergar acima deles, por conseguirem ver o ser humano antes da

posição de cada um deles na guerra.

Torres (1950) que definiu João Bosco como metapolítico, resume de forma muito

interessante essa faceta da personalidade dos Bosco.

2.2. EDUCACÃO SALESIANA

Ensinar e, enquanto ensino, testemunhar aos alunos o quanto me é

fundamental respeitá-los e respeitar-me são tarefas que jamais dicotomizei.

Nunca me foi possível separar em dois momentos o ensino dos conteúdos da

formação ética dos educandos.

Paulo Freire

2.2.1. A sociedade Salesiana se configura7

Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra

no trabalho, na ação-reflexão.

Paulo Freire

Em 1854, a era dos Oratórios de João Bosco começa a dar lugar a uma nova

configuração para suas obras. Ele sentia que precisava de ajudantes e começa um processo de

busca e preparação de jovens que ele considerava capazes e que tivessem a vocação para

7 Lenti (2012, p. 401), ao discorrer sobre problemas com ordenações de padre na Itália, acaba fazendo um quadro

interessante sobre acontecimentos que permearam a vida e a obra de João Bosco. São eles: a)1831-1840: auge da

restauração; b) 1841-1850: estouro da Revolução Liberal; c) 1851-1860: 1ª década da Revolução Liberal; d)

1861-1870: unificação da Itália – 2ª década da Revolução Liberal; e) 1871-1880: 3ª década da Revolução Liberal

– reformas de Dom Gastaldi; f) retorno à normalidade sob o arcebispo Alimonda.

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ajudá-lo. Precisou de várias tentativas, depois de ter feito escolhas e ter preparado os meninos

que ele achava seriam os ideais, mas sem sucesso, até chegar aos que seriam seus primeiros

seguidores, dentre eles estavam Miguel Rua e João Cagliero. Em 1854 reuniu-se com os

jovens que estava preparando, e propôs a eles uma experiência de caridade como a de São

Francisco de Sales, o que mais tarde se transformaria em voto de consagração religiosa – os

salesianos (Paula, 2008). No momento histórico da Itália, não seria possível iniciar-se uma

nova congregação religiosa, visto que o ambiente era anticlerical e laical. De acordo com

Lenti (2013), o momento fundacional da sociedade salesiana foi quando João Bosco

comunicou a alguns jovens sua intenção de fundar uma congregação religiosa (9 de dezembro

de 1859) e volta a reunir-se com os que decidiram abraçar os votos de pobreza, castidade e

obediência, em 18 de dezembro do mesmo ano. Ainda de acordo com o mesmo autor, o fim

expresso da Sociedade era “promover e conservar o espírito de verdadeira caridade que se

requer na Obra dos Oratórios para a juventude abandonada e em perigo, e a ajuda recíproca

para a própria santificação” (Lenti, 2013, p. 258). Em 1857, porém, João Bosco é aconselhado

pelo ministro Rattazzi (Urbano Rattazzi 1808-1873), autor de uma lei contra conventos, a

criar uma sociedade animada pelo espírito de João Bosco, mas formada por cidadãos livres.

Só dessa forma sua sociedade seria reconhecida pelo governo do momento (Paula, 2008).

Assim, depois de varias etapas vencidas para a aprovação da Sociedade São Francisco de

Sales, João Bosco vê sua Sociedade se alastrando, pois que em 1860 já havia também leigos,

chamados de coadjutores, religiosos com os mesmos direitos dos sacerdotes e vivendo em

comunhão fraterna, dentro da mesma Sociedade (Paula, 2008). A propósito do nome,

Sociedade Salesiana, ele deriva de São Francisco de Sales (em latim: Salesius), proposto por

João Bosco como modelo caridade-bondade (Paula, 2008). De acordo com Auffray (1946),

João Bosco resumiu sua trajetória em 1880 em suas anotações, desta forma:

“Um observador atento pode verificar facilmente que há quatro períodos

característicos, de dez anos cada um, na história que vai desde a fundação do

Oratório até hoje: o primeiro (1841-1851) é o período do Oratório ambulante; o

segundo (1851-1861) é o da Consolidação: o terceiro (1861-1871) poderia tomar o

nome de expansão fora de Turim; e o quarto (1871-1881) chamar-se-ia período de

expansão mundial". (AUFFRAY, 1946, p. 411, grifo do autor).

No que se refere ao modo de trabalhar de João Bosco desde seu tempo dos oratórios

até que criar a Sociedade Salesiana, há que se deixar claro, que seu método foi mais prático do

que teórico, segundo Auffray (1946, p. 285), “uma pedagogia que está mais na vida do que

nos livros.”, pois segundo ele, afirmou João Bosco que o método que usava para formar os

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salesianos, seus discípulos, era atirá-los na água para que aprendessem a nadar, ou seja,

colocá-los no contexto para que pudessem sentir, analisar e avaliar as possibilidades para

poder agir. Sobre sua pedagogia com seus meninos, de acordo com Auffray (1946), João

Bosco afirma que se trata de promover a proximidade entre e com eles.

Davério (1980) aponta quatro espaços de ação e intervenção de João Bosco, a saber, os

oratórios festivos, o campo da escola, o campo do trabalho e a criminalidade juvenil. Sobre

cada um deles, o autor esclarece:

2.2.1.1. Oratórios festivos

Não eram novidades no momento histórico de João Bosco, porem tinham uma

identidade diferente, um novo espírito. João Bosco atraia os jovens para os oratórios

com jogos, música, como o próprio João Bosco chamava diversões honestas, e usava a

evangelização como meio de promoção humana, pois, segundo ele, “era preferível ver

os meninos brincando em vez de deixá-los fazer molecagens pela cidade”. (Davério,

1980).

2.2.1.2. O campo da escola

João Bosco via na escola um espaço para educar a juventude. Defendia a educação

cristã, pois dizia que a educação não cristã que se praticava naqueles tempos, baseada

em clássicos pagãos, era perversa e corrompia o coração da juventude. Por este motivo

lançava-se a publicar clássicos de escritores cristãos. Vendo na escola um espaço

privilegiado para trabalhar com a juventude, procurava ter em seus espaços escolares

duas categorias de alunos: o estudante e o aprendiz. Por este motivo sempre procurava

ter nas casas salesianas um espaço para a “escola normal” e um espaço para a “escola

de artes e ofícios e de laboratórios”. Segundo o autor, João Bosco abriu escolas de

diversos tipos, como escolas diurnas, dominicais, noturnas, elementares e secundárias,

escola para alunos internos e externos, e também escolas de ritmo normal e de

“recuperação”, sendo esta última para adultos que quisessem melhorar de vida.

(Davério, 1980). É possível, portanto, situar João Bosco como um formador de

pessoas críticas na medida possível, pois ele mesmo via esta face negativa da

educação naquele momento e local. A educação despertando para a autonomia e para

o protagonismo na sociedade.

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2.2.1.3. O campo de trabalho

João Bosco era homem de ação, fundou vários laboratórios para que seus alunos

pudessem se aperfeiçoar, entre eles, laboratórios de alfaiates, sapateiros, carpinteiros.

Fundou também escolas profissionais de tipografia, encadernação, mecânica, entre

outros. No campo do trabalho João Bosco cuidava de seus jovens de forma que eles

não fossem explorados por seus patrões, protegendo-os com contratos de trabalho, os

primeiros na história da Itália, que eram assinados por P. João Bosco. Neste campo

agia como um perfeito sindicalista para proteger seus jovens. Seus contratos

continham itens como: período de aprendizado, obrigações e direitos do empregado e

do empregador, repouso, ausências, salários, aumentos salariais, férias anuais,

reparações de eventuais danos por parte do aprendiz, relatório mensal do procedimento

do aprendiz e por fim, o compromisso e engajamento do próprio João Bosco nas suas

obrigações contratuais de prometer assistência para bons resultados e boa conduta do

aprendiz, ou seja, João Bosco confiava nos jovens a ponto de se comprometer por eles

(Davério, 1980). O mesmo João Bosco que se preocupava com uma formação

saudável para seus jovens, também se preocupava com o futuro deles a ponto de

intervir na sociedade local para que direitos fossem garantidos.

2.2.1.4. Criminalidade juvenil

Os espaços dos oratórios, da escola, e do trabalho eram para João Bosco uma forma de

prevenção, de evitar que o jovem se lançasse na criminalidade. Porém, em relação aos

jovens que já haviam se envolvido com a criminalidade, João Bosco mantinha a

mesma linha de ação, ou seja, cuidado, proteção e respeito. Chegou a fazer uma

proposta de atuação no reformatório da “Generalla” quando o Prefeito de Turim

insistiu para que ele se encarregasse da educação dos jovens encarcerados. A proposta

era de total liberdade de ação, o que não foi aceito. A forma que João Bosco entendia

como a melhor maneira de agir com estes jovens passava pela instrução religiosa

incluindo os sacramentos da Eucaristia e da Confissão, por uma vigilância amigável

em vez de severa repressão, e finalmente, pelo amor aos jovens que lá se encontravam,

pois provavelmente jamais em suas vidas teriam se sentido amados. Sua proposta não

foi aceita pelo Prefeito de Turim naquele momento, pois este achou que João Bosco

queria mesmo era transformá-los todos em padres. Mais tarde, no entanto suas “casas

de reeducação” tiveram grande sucesso na recuperação de jovens em situações de

criminalidade (Davério, 1980).

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João Bosco era protagonista do seu tempo e atuante na sociedade com o

objetivo de formar jovens também atuantes e protagonistas na sociedade.

2.3. O SISTEMA PREVENTIVO E SEUS PRESSUPOSTOS

A afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade.

O que não posso obviamente permitir é que minha afetividade

interfira no cumprimento ético de meu dever de professor.

Paulo Freire

Liberdade.

Alguém poderá pensar: essa vigilância continua, por mais que seja paterna, acabará

por formar hipócritas, na certa. Não! Não é verdade! Porque este sistema de

educação permite que o menino se abra e se manifeste, deixando à liberdade toda a

expansão possível. Da disciplina conserva só o que é necessário para que uma casa

possa caminhar bem; e fecha os olhos para tudo o mais. Não tem a idolatria da

ordem, dessa famosa ordem exterior que se pode facilmente identificar com a

imobilidade e o silêncio, e que para alguns é o ideal da educação.

O Santo queria uma disciplina que estivesse a serviço da educação e não uma

disciplina que se desenvolvesse como fim a si mesma, pela beleza do espetáculo que

pudesse oferecer aos olhos do visitante, ou pela tranqüilidade que conseguisse

proporcionar à existência do mestre. Os corações, as almas das crianças devem

expandir-se, devem revelar-se no livre exercício de suas atividades, porque o

educador para levar avante o seu trabalho tem necessidade de conhecer o fundo das

almas; por conseguinte não deve uma disciplina mal entendida vir comprimir por

demais esta espontaneidade. (AUFFRAY, 1946, p. 292-3).

A confiança, chave do sistema. Como conquistá-la.

Quem não vê que essa alegria, difundida por toda a casa com tal profusão, alargava a

alma da criança e lhe alimentava permanentemente a confiança? Ora, a confiança,

dizia o Santo, é tudo na educação. Nada de sólido conseguiremos construir,

enquanto a criança não nos entrega o coração. Tudo o mais serve para preparar e

para dispor a isso que é o essencial: cativar o coração do menino. E com isto

tocamos o ponto central de todo e qualquer sistema educativo: o problema da

autoridade. Que lugar lhe dava Dom Bosco? Ou melhor - uma vez que ninguém

mais do que ele desejava que esse lugar fosse o mais importante possível, - sobre

que bases o colocava? Na força ou no físico imponente? No temor do castigo ou da

humilhação? Na razão que percebe a razoabilidade das ordens que se dão? Na fé que

reconhece a ordem como vinda de Deus? Podemos responder assim: Nem na força

nem no temor, tanto quanto isso fosse possível; na razão e na fé, desde que fosse

possível. [...] Sem afeto não há confiança e sem confiança não há educação, repetia

continuamente Dom Bosco. (AUFFRAY, 1946, p. 297-8, grifo do autor).

Além do seu fervoroso lado religioso que João Bosco possuía como fundante em todo

o seu trabalho com os meninos, percebia outras necessidades em relação a eles, por isso sua

atuação ia além da religiosidade, ele tinha em mente a integração dos meninos na sociedade

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além dos limites do Oratório. A confiança e a liberdade eram a chave para que cada jovem

construísse sua própria identidade e se despertasse para a autonomia e para protagonismo,

visto que João Bosco se preocupava com a vida desses jovens além dos seus domínios. Lenti

(2013) destaca sua preocupação com as questões sociais e sua visão de educação:

Por educação ele entendia ajudar o jovem a crescer e desenvolver-se como ser

humano e como cristão, para que pudesse encontrar um lugar adequado na

sociedade. De fato, no contexto da revolução Liberal e da secularização total da

sociedade, ele chegou à convicção de que só através da educação dos jovens seria

possível restaurar a sociedade Cristã. (LENTI, 2013, p. 77-8).

Também Wast (1933), relata sobre o modo de trabalho do João Bosco e sua forma de

pensar uma sociedade justa. João Bosco fala sobre democracia, anarquia e socialismo:

Um povo que não tem nenhuma noção dos seus deveres, porque os oradores não lhe

falam mais do que seus direitos; que não conhece outros limites além dos que ele se

prescreve nas leis, mudáveis como os homens que as fazem, está na estrada da

anarquia.

E quando caí na anarquia, que é a desordem, o povo, desesperado, acaba por se

entregar a um ditador. A ditadura impõe ordem á força. Dá momentaneamente a

sensação da liberdade, porque não há tirania mais abominavel que a da multidão

anarquizada.

A ditadura, porém, é a negação da liberdade e da justiça. Portanto, anti-cristã.

Dom Bosco teve a intuição da democracia num momento em que a muitos parecia

uma heresia.

O operário, o proletário, como dizem os socialistas, é a grande massa da população,

a maioria, e num regime democrático é o governo. (WAST, 1933, p. 175-5).

E Wast (1933) relaciona sua forma de pensar à educação:

Preparemos o operário para o grande papel que vai desempenhar nas sociedades

modernas, como eleitor, e muitas vezes como eleito. Ensinemos-lhes os seus direitos

e os seus deveres. Façamô-lo habil em seu oficio, demos-lhe a instrução, que antes

era exclusivo patrimônio dos ricos e dos nobres; façamô-lo bom católico e fa-lo-

emos bom democráta; saberá eleger e saberá governar. E assim teremos feito o bem

da pátria e da Humanidade. (WAST, 1933, p. 175).

Para Auffray (1946), João Bosco tinha um sistema de educação, que primava pela

sinceridade e liberdade. A liberdade que leva à expansão e manifestação espontânea do aluno.

A disciplina que conduz à confiança e que promove a educação e não a que silencia e reprime

a alma do aluno. João Bosco era contra a vigilância castradora e a idolatria e a ordem pelo

simples fato de que essa ordem facilitaria a vida do educador a agradaria aos visitantes.

Ainda de acordo com Auffray (1946), João Bosco dizia que era necessário um equilíbrio para

não correr o risco de “refrear desapiedadamente a liberdade juvenil, nem desatar-lhes todos os

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freios”. Já em relação ao educador, dizia que esse deveria ensinar o menino a agir um dia sem

o seu auxílio, ou seja, dar condições ao aluno que ele se estabeleça como um ser consciente de

suas obrigações e de seus direitos na sociedade.

O constante cuidado com os meninos João Bosco chamava de assistência-presença, e,

de acordo com Ferreira (2008), os fundamentos psicológicos da assistência-presença sãos

dois: a simpatia e a vontade de estar sempre com os jovens, acolhendo-os com amor e

mostrando interesse pela pessoa concreta, interessando-se por ela verdadeiramente. Continua

o autor dizendo, em relação aos meninos de todos os tempos, que esse sentimento de pertença

e acolhimento pode afastar os meninos das exigências do consumismo e de um submundo de

desespero sem saída (Ferreira, 2008).

Sobre o estilo de educação de João Bosco, Ferreira (2008) afirma ser um estilo de ação

educativo-pastoral, uma espiritualidade vivida na ação. Acrescenta que este tem consistência

orgânica, convicções e conteúdos precisos, atitudes, estruturas, metodologias e formas

próprias.

A preventividade, no entender de Dom Bosco, não pode ser concebida como simples

proteção ou defesa exterior do educando. Seu verdadeiro sentido é positivo. O

Sistema Preventivo, desde o ponto de vista etimológico, revela-se muito rico de

conteúdo: o sentido de “chegar com antecedência”. [...] implica na aceitação do

educando como ele é. Estabelece com ele uma relação dialógica, que possibilita o

seu crescimento a partir de dentro. Ajuda-o a construir sua parcela de liberdade, no

processo de abertura de responsabilidade comunitária e religiosa. (FERREIRA,

2008, p. 31-2).

Parece encontrar-se na relação que propicia o diálogo e que possibilita o crescimento

de dentro para fora, a razão pela qual João Bosco preferiu optar pelo sistema preventivo e não

pelo sistema repressivo. O sistema preventivo possibilitaria uma maior aproximação com os

meninos, uma relação de conversa, de reciprocidade que o outro sistema era baseado no temor

reverencial, colocando o superior numa posição superior da qual só sairá para castigar

(Auffray, 1946). Ainda de acordo com o mesmo autor:

Êste método preventivo, como ele o chamou em oposição ao outro – o método

repressivo, feito à base de castigos, – procura cortar o mal pela raiz, tirando a

ocasião, neutralizando-a ou pondo de sobreaviso os alunos para não caírem nela.

Como a ciência moderna, esse método confia mais na higiene do que na medicina. O

outro método dizia ao menino: “Anda direito, não perturbes a disciplina porque

senão, vê o que te está reservado.” Este diz: “Cuidado! Aqui está uma ocasião

perigosa. Fique firme, vence o obstáculo; e se for muito difícil, apoia a tua fraqueza

na minha força, pois estou aqui a teu lado.”. (AUFFRAY, 1946, p. 288, grifo do

autor).

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Scaramussa (1979) confirma a tese de que salvar a alma dos meninos por meio da

religião era um dos objetivos da ação de João Bosco, mas afirma que ele tinha também o

cuidado de incluir em suas ações condicionamentos terrenos, individuais e sociais, ou seja,

preocupava-se com os meninos sobrevivendo no seu contexto, sem sua presença. Seu modo

de educar consiste em um movimento de buscar ao outro quando e se necessário, deixando

claro e dando o exemplo da presença, pois ele sempre estaria por perto se o jovem

necessitasse se ajuda ou de apoio. Entre João Bosco e seus jovens havia a reciprocidade, uma

relação entre seres como postula Buber (2001).

Lenti (2013) descreve a forma de atuação de João Bosco usando as palavras “método”

e “estilo”, dizendo que ele teve uma concepção integral de educação, no sentido de que se

busque o desenvolvimento integral da pessoa cultivando suas melhores potencialidades para

formar o bom cidadão e o bom cristão. Para o autor, o método funciona em diversos níveis

integrados. Cita quatro níveis: e acrescenta que o método funciona de forma que os níveis se

relacionam entre si:

No nível da “filosofia” educacional, o método é uma síntese pessoal e original de

humanismo e fé cristã, adquirida por Dom Bosco a partir de algumas tradições

educativas, da sua experiência cultural e da experiência pessoal com os jovens ao

longo de muitos anos.

No nível seguinte, esta filisofia educacional baseava-se num conjunto de princípios

resumidos no trinômio Razão, Religião e Carinho [Amorevolezza]. Com estas bases,

ele construiu um ambiente espiritual e educativo caracterizado pela familiaridade,

espontaneidade, confiança e alegria.

No nível das estratégias, dava-se a importância à proteção-prevenção e à assistência

pela presença contínua e serviçal do educador.

No nível dos meios/ferramentas, fez-se uso adequado de reforços educativos e de

instrumentos formativos tais como o trabalho e o estudo, a prática religiosa, o rigor

moral, e a grande variedade de atividades como jogos, esportes, passeios, teatro,

música e celebrações.

O estilo educativo de Dom Bosco é definido pelo conjunto de todos esses elementos.

(LENTI, 2013, p. 83).

O espírito de família e o espírito comunitário, como entendia João Bosco, reinaria nas

casas salesianas. Aos seus olhos, elas seriam um lugar onde todos pudessem compartilhar

como se fosse um lar, onde todos formavam uma comunidade educativa em comunhão como

uma família.

Cada um dos níveis acima citados no revela algo sobre João Bosco. No nível da

filosofia educacional, descobrimos um João Bosco que acata as formas já existentes de

educar, aprofunda-as de acordo com suas necessidades e configura o seu estilo de educar.

Também nos revela este nível, o homem humilde que aprende com os jovens, pois a

experiência com e entre eles aprimora seu olhar para eles mesmos, para seu contexto e para

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seu modo de educar. No segundo nível percebe-se seu lado afetivo e acolhedor, com a

preocupação de fazer com que o outro se sinta respeitado e que tenha a sensação de pertença.

O nível das estratégias revela a vontade de ser e ter ao seu redor o educador presente e atento

às necessidades dos alunos cuidando para que situações desagradáveis pudessem ser evitadas.

O nível dos meios ou ferramentas mostra um João Bosco que tem uma visão ampla da

situação dos jovens, pois procurava proporcionar a eles o reino de Deus através da religião, a

salvação das almas, um ambiente familiar saudável com esportes, música entre outros

acolhendo os jovens juntamente com a preocupação com os estudos dos jovens, tinha sempre

no seu foco o objetivo de dar aos jovens condições de serem autônomos e protagonistas na

sociedade em que atuariam por meio do próprio estudo e formação que recebiam e por meio

do trabalho que exerceriam.

O Sistema Preventivo de João Bosco baseia-se no segundo nível descrito por Lenti

(2013), ou seja, no tripé: razão, religião e amorevolezza (palavra italiana sem tradução

especifica para a Língua Portuguesa, mas que poder ser entendida como amor cuidadoso,

carinho). Scaramussa (1979) discorre sobre essas três dimensões do sistema de João Bosco.

Sobre a dimensão religiosa o autor destaca que a religião seria o único caminho para a

salvação, e que viver essa dimensão significava para João Bosco aderir à Igreja Católica e a

Cristo:

Ajudar os jovens a salvar-se significava, pois, levá-los a aderir a Cristo como

modelo, como mestre que “ensinou tudo o que é necessário crer e fazer para nos

salvarmos”, e como salvador; significa inseri-los na Igreja, instruindo-os de acordo

com a doutrina católica, usando os meios de que ela dispõe para a santificação e para

a salvação. (SCARAMUSSA, 1979, p. 74).

Porém, esta dimensão não se remetia apenas ao cumprimento de práticas religiosas no

dia-a-dia, não era uma dimensão apenas instrumental, João Bosco a via como a conversão

voluntária, de inteligente amor a Deus, o que significava ter uma consciência afetiva que

levasse o indivíduo a inclinar seu coração para o bem, para boas escolhas – uma fé

esclarecida, fundada em argumentos racionais e históricos (Scaramussa, 1979).

Ainda de acordo com o mesmo autor, esse aspecto do seu modo de agir que

privilegiava a razão acontecia num clima de liberdade, espontaneidade e alegria. Juntamente

aos momentos de práticas religiosas, momentos de diversão sadia, de trabalho empenhado e

de estudo sério eram rotina na pedagogia de João Bosco, pois, sua atividade educativa estava

marcada pelo senso do concreto e do prático (Scaramussa, 1979).

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Sobre a dimensão do cuidado amoroso, a amorevolezza, o mesmo autor destaca que o

modelo educativo de João Bosco tinha inspiração no modelo divino (Scaramussa, 1979), pois

a relação “educador-educando” era uma relação fraternal, de espírito e de família. Scaramussa

(1979) destaca muito bem essa dimensão quando diz:

Também o espírito de família, a paternidade, a “amorevolezza”, a caridade, a

paciência, a mansidão, a assistência, a liberdade, a alegria e outros, encontravam a

sua motivação em elementos religiosos e tinham uma conotação sobrenatural, de tal

forma que se podia falar numa “divinização da ação humana”, ou uma “teologia da

educação”. O educador é um instrumento nas mãos de Deus e deve ser um sinal do

amor de Deus pelos jovens. (SCARAMUSSA, 1979, p. 74).

Como conciliar, então, um João Bosco que “na política não era de ninguém”, que

mesmo não querendo e declaradamente indo sempre para o lado que lhe interessava para

atingir seus objetivos com os meninos e para salvar as almas dos que lhe ajudavam, sem se

importar de que lado eles pudessem estar, e esse João Bosco fervorosamente religioso e

tenazmente atento às necessidades de seus meninos? Scaramussa (1979) responde essa

pergunta ao abordar os aspectos humanísticos do Sistema Preventivo de João Bosco ao

destacar que ele queria resolver as questões e promover a juventude com a qual lidava, e que

para alguns desses jovens, o que se fazia necessário e urgente era alimentar, vestir, alojar,

além de arrumar-lhes um trabalho que os tirasse da ociosidade. O autor vai além:

O fim primário da ação de Dom Bosco era a salvação eterna dos jovens. A mesma

dinâmica desse fim religioso e transcendente implicava na valorização da dimensão

humana e natural. Por isso, na mente e na ação educativa de Dom Bosco, ao lado de

“bom cristão” estava a preocupação de formar o “bom cidadão”. A santidade,

concebida como prática das virtudes, sobretudo como cumprimento dos deveres do

próprio estado, implicava necessariamente, também, numa formação humana, moral

e profissional, como alicerce que possibilitassem essa prática. (SCARAMUSSA,

1979, p. 82).

Refletindo ainda sobre João Bosco, sua atuação, e seus métodos, recorro novamente à

Scaramussa (1979) que afirma que João Bosco teve que lançar mão de medidas nitidamente

pedagógicas em sua ação com os meninos e jovens pobres e abandonados, afirmando que seus

princípios, sua ação e atuação sem dúvida situaram-no e deram lugar e originalidade ao seu

Sistema Preventivo na pedagogia. O autor discute ainda se seria possível classificar o

“Sistema” preventivo de método, e sobre isso afirma:

Dom Bosco tinha uma idéia bastante clara do problema educativo. Escolheu, adotou

como seu e propôs para os educadores salesianos um método, o Preventivo. Quando

falava em Sistema Preventivo, tinha em mente “um modo de agir, um complexo de

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procedimentos educativos, que implicavam todo um organismo de convicções, de

idéias, de razão e de fé, que constituíam o seu modo de tratar educativamente os

jovens, sem ulteriores preocupações científicas e epistemológicas.” Pensava,

portanto, num método.

Os estudiosos parecem ter chegado à conclusão de que se considerar o termo

“sistema pedagógico” no sentido rigoroso, formal e técnico de elaboração reflexa, do

ponto de vista científico, do fato pedagógico, o Sistema Preventivo não constitui um

“sistema”, mas um método; melhor, um estilo, uma arte. Afirmam, no entanto,

também, que, os escritos de Dom Bosco revelam que ele possuía provavelmente, na

sua mente, todo um quadro de idéias sistemáticas que orientavam a sua prática

educativa e que, a partir dessa prática, e ao seu redor, poder-se-ia formar uma

verdadeira “visão complexa e orgânica da pedagogia, seja nos seus princípios

teoréticos, seja em suas aplicações metodológicas”. (SCARAMUSSA, 1979, p. 99-

100).

O modo de João Bosco atuar é: para Scaramussa (1979), um método; para Wast

(1933) um sistema; e para Lenti (2013), método e também estilo. Para Ferreira (2008, p. 13),

no entanto, “O sistema educativo de Dom Bosco não é apenas um método a mais na

pedagogia.” Para Ferreira (2008, p. 13), para ele, trata-se de uma “pedagogia de amor”.

Permito-me fazer uma pequena reflexão entre os termos usados até o momento. Se

pensarmos em: a) método como uma maneira ou modo de se fazer alguma coisa ou como

modo proceder; b) sistema como um corpo de normas, regras ou componentes que em

conjunto formam um todo harmônico; c) pedagogia como um conjunto das ideias e teorias

relacionadas à educação; e d) estilo como hábito, prática, praxe ou costume; teríamos então

que a atuação de João Bosco era um método, pois tinha uma forma de proceder, um sistema

porque havia um corpo de regras que regia sua ação com os jovens e um estilo e uma

pedagogia, pois era baseado na prática. Saliento a visão de Soffner, Antonio e Evangelista

(2013) sobre a forma de agir de João Bosco:

Pela proposta educativa de João Bosco, o jovem é passivamente submetido a uma

sociedade injusta, que o afasta da bondade e da salvação cristã das almas, sendo,

portanto, papel da educação religiosa, civil, moral, artística, profissional e científica

sua retificação. Considera como fatores a serem analisados para tal: a) família; b)

escola; c) sociedade; d) educador; e) educando; f) ambiente educativo.

O ambiente educativo é fundamental para atingir tais objetivos educacionais, mais a

razão e compreensão do que acontece no mundo e como o bom senso pode servir de

guia a sua interpretação e, ainda, o diálogo, o respeito – tudo isso gerando mais que

sistema, mas um estilo – em que a inteligência nata dos jovens é resguardada, e o

coração que bate em seu peito, considerado. Mesmo do ponto de vista mais rígido da

disciplina associada ao sistema de Bosco, encontramos num texto salesiano de 1946

(sem autor, 1946) a afirmação de que a mesma faz parte integrante do Sistema

Preventivo, em suas características de prevenção e de aconselhamento a alunos,

diretores e assistentes, antes de qualquer tipo de castigo. (SOFFNER, ANTONIO,

EVANGELISTA, 2013 p.58).

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Preocupado com o ambiente, João Bosco agia de forma a atingir seus objetivos,

deixando para segundo plano um possível tratado teórico sobre sua práxis. Os autores também

se referem à práxis de João Bosco como um estilo de educação que pretende levar o jovem à

autonomia, para além das fronteiras da escola:

[...] concluímos que o sistema educativo de Dom Bosco emprega o conceito de

práxis na preocupação com a autonomia que os jovens deverão apresentar em

relação à vida, não bastando o provimento da educação formal, quando se prepara os

educandos para as questões e conflitos da vida. Sua proposta de emancipação das

pessoas chega ao nível de prepará-las para os ofícios, o que pode parecer paradoxal,

mas no contexto de sua época (o industrialismo europeu) é aceitável. Interpreta a

pedagogia não apenas a forma pela qual um conteúdo ou lição é transmitido aos

aprendentes, mas algo a ser executado e praticado em vida, transformando-se em

experiência vivida com valor de reflexão do processo como um todo. (SOFFNER,

ANTONIO, EVANGELISTA, p.60-1).

Inclino-se a considerar o modo de agir de João Bosco um estilo de educar devido à

forma como ele mesmo lidava com sua prática, agia como fosse necessário, ou seja, era

movido pelo momento e circunstância, baseado em sua experiência sem se preocupar com

registros de suas práticas e sem a intenção de se constituir como um modelo pedagógico.

Volto agora ao título desse capítulo – “João Bosco: de ilha à continente”, para

complementar as reflexões sobre o homem, o cidadão, o religioso e seu contexto. João Bosco

agia de forma inusitada para a época, chegava a chocar por suas escolhas, posições e práticas,

era autônomo em suas ações, protagonista do seu tempo e ao mesmo tempo era um continente

no qual conviviam as mais diversas polaridades do seu contexto.

2.4. O LEGADO DE JOÃO BOSCO: A EDUCAÇÃO SALESIANA E O SISTEMA

PREVENTIVO HOJE

O ser determinado se acha fechado nos limites da sua determinação.

Paulo Freire

Para atualizar Dom Bosco hoje é necessário identificar-se com ele, o que não

significa imitá-lo materialmente; ou seja, é necessário copiá-lo formalmente, não

mecanicamente. De outra forma: fazer hoje o que ele faria e não o que ele fez.

Parece razoável a afirmação de P. Braido: “Para permanecer fiel a Dom Bosco e ao

seu espírito, dever-se-á, necessariamente, ir além de Dom Bosco.”.

(SCARAMUSSA, 1979, p. 104).

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Como educadores salesianos, todos nós sabemos muito bem que o mais importante

não é repetir o que Dom Bosco disse e nem fazer exatamente o que ele fez. Para nós,

hoje, a grande tarefa e o grande desafio educativo devem ser dizer o que Dom Bosco

diria e fazer o que ele faria se estivesse confrontando com as realidades que hoje nos

cabe enfrentar. (COSTA; SILVA FILHO, 2002, p. 37).

Dois olhares para, uma mesma direção: não imitar João Bosco, mas sim, fazer o que

ele faria hoje – eis aqui a direção que, tanto Scaramussa (1979) como Costa e Silva Filho

(2002) nos indicam sobre a Educação Salesiana e o Sistema Preventivo de João Bosco.

Para Scaramussa (1979), o Sistema Preventivo e a assistência-presença hoje envolvem

uma reflexão sobre o papel do educador e sobre o relacionamento educativo atual. Neste

sentido o autor aponta três instâncias: a exigência de um relacionamento pessoal autêntico

(relação dialógica - amorevolezza), a exigência de autonomia e autenticidade (liberdade

criativa – razão) e a instancia da dinâmica de grupo. Importante faz-se ressaltar que para o

autor, a instância da dinâmica de grupo é o ambiente no qual as duas outras instâncias se dão.

Para o autor, o grupo é:

Onde se faz sentir uma mentalidade democrática, patenteia-se uma recusa da

massificação e a redescoberta das relações mais estreitas e empenhativas do pequeno

grupo, o respeito pelas pessoas e por seus direitos fundamentais e a responsabilidade

comunitária ou grupal. Os jovens buscam experiências desse tipo para conquistar

sua própria liberdade. (SCARAMUSSA, 1979, P. 114).

Scaramussa (1979) acrescenta que o educador salesiano hoje, sem imitar João Bosco,

seria o animador, um membro autêntico do grupo e portador de valores. O autor se refere ao

educador como aquele que aceita o educando como um ser digno de confiança e de amor e

aceitável enquanto pessoa, não emite julgamentos sobre ele, abrigando nesse gesto a

amorevolezza, o amor carinhoso, fazendo assim a ponte com a religiosidade – a presença de

amor, a presença religiosa vivenciando a autenticidade e dialogicidade na relação educador-

educando.

Os autores Costa e Silva Filho (2002), vão além, afirmando que João Bosco tinha

como objetivo formar o bom cristão e o honesto cidadão e numa Itália onde regia o ambiente

laico, mesmo com todas as adversidades que enfrentou, enquadrou seu modo de educar a este

modelo fazendo com que formar o “cidadão cristão” fosse viável naquele ambiente inóspito.

Nesse sentido, os autores lembram o artigo 2 da Lei de diretrizes e Bases da Educação

Nacional brasileira no qual se lê que:

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e

nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do

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educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho. (LDB: Lei 9.394/96).

A educação pretendida e oferecida por João Bosco era aquela que se baseava em

princípios de liberdade e solidariedade, o que comunga com a ideia do artigo da lei citada

acima, ou seja, João Bosco buscava o desenvolvimento pleno dos seus meninos, e para os

autores, no artigo citado, a dimensão da fé não esta descartada, justamente por se tratar do

desenvolvimento pleno. O outro aspecto que aproxima o olhar da pedagogia de João Bosco

aos dias de hoje é o da preparação para exercer a cidadania, visto que João Bosco se

preocupava com a inserção dos meninos-jovens na sociedade, e sobre a preparação e

qualificação para o trabalho, vê-se o ideal de João Bosco no texto desse artigo da lei

brasileira. No entanto, a forma como João Bosco pensava a qualificação para o trabalho, não

era a de se colocar na sociedade mais uma pessoa que iria atender às “necessidades do

mercado”, como hoje muito se refere à qualificação para o trabalho. João Bosco primava pela

educação integral dos jovens no sentido de que a educação e a qualificação para o trabalho

formassem um conjunto que oferecesse ao jovem adulto formado a possibilidade de

emancipação para que ele pudesse agir de forma consciente e autônoma em suas esferas de

atuação.

Costa e Silva Filho (2002) entendem que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

brasileira busca o desenvolvimento de três dimensões no educando: a da pessoa, a do cidadão

e a do futuro trabalhador, visando à formação de um jovem autônomo. Os autores aproximam

a visão de educação de João Bosco em seu tempo, à educação hoje, principalmente a

Educação Salesiana nas três dimensões: na dimensão pessoal do jovem autônomo, sugerem

que a educação deva desenvolver valores – uma educação para valores. Sob a dimensão da

cidadania, os autores propõem que o jovem seja educado para tomar iniciativas, para a

liberdade e para o compromisso, ou seja, ação, opção e responsabilidade que levam ao

protagonismo juvenil. Em relação ao futuro trabalhador, muito já se falou neste trabalho sobre

a preocupação de João Bosco na Itália dos Oitocentos em devolver os meninos-jovens à

sociedade de forma que eles pudessem exercer sua cidadania como bons cristãos e honestos

cidadãos através de uma vida digna por meio de uma profissão e do trabalho.

Estudo, trabalho, dignidade, religiosidade, autonomia, protagonismo e realização

pessoal parecem ser a tônica dos três autores acima citados quando se fala da Educação

Salesiana hoje – João Bosco hoje. Porem, o respeito ao outro parece ser o valor que se destaca

em toda a caminhada salesiana. Scaramussa (1979) aborda o tema da educação dos jovens sob

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a perspectiva Salesiana na America Latina hoje, traçando um perfil da situação desse jovem,

enfatizando que o jovem existe dentro de determinadas estruturas econômicas e sociais

caracterizadas pela desigualdade social o que leva à marginalização da maior parte da

população, além de outros problemas, como: emprego, desemprego, subemprego, problemas

familiares, a falta de participação na esfera política, e também o problema da evangelização.

Ao especificar os problemas que a marginalização acarreta, o autor afirma que ela atinge a

todos os grupos e o quadro que é colocado bem poderia ser o quadro enfrentado por João

Bosco nos Oitocentos.

A marginalidade rural se manifesta através do analfabetismo, do desemprego, dos

salários de fome, do complexo de inferioridade diante do “mito da cidade”. A

marginalidade urbana se manifesta na desintegração da família, na precariedade das

condições de vida, da habitação, de saúde, no desemprego, na exploração através do

trabalho, na falta de qualificação para o trabalho, no analfabetismo, na falta de

condições para estudar, na criminalidade. (SCARAMUSSA, 1979, p. 119).

Além desses aspectos, o autor ainda aponta o jovem como um alvo de fácil

instrumentalização e exploração pela indústria do consumo por meio de diferentes mídias e

pela criação de estereótipos que escravizam e massificam esse jovem. Para o autor, este

quadro produz expressões tão conhecidas: “juventude contestadora”, “revoltada”,

“delinquente” que se refugiam nas drogas e na prostituição (Scaramussa, 1979).

Frente a essa situação, Costa e Silva Filho (2002) propõem atitudes a serem tomadas e

desenvolvidas no contexto atual e defendem que o educador tem um papel fundamental nesse

processo. Enfatizam a importância de um educador que tenha uma visão compreensiva da

questão juvenil, que busque e aprenda a se posicionar eticamente, entendendo que tem nas

mãos um ser humano, independente da sua condição de incluído, excluído ou ameaçado de

exclusão. No jovem, os autores vislumbram um ser que na construção de sua identidade esta

em busca de um projeto de vida. Volto a insistir na imagem de João Bosco nos Oitocentos,

que os autores parecem estar colocando hoje:

Não podemos, entretanto, jamais esquecer que, em nossa ação junto aos jovens das

camadas populares, além de educá-los, é preciso ajudá-los a viabilizar-se,

economicamente e socialmente, no quadro maior de um modelo de desenvolvimento

hostil à promoção social das massas espoliadas e à sua libertação cultural.

(SCARAMUSSA, 1979, p. 120).

Assim, pode-se dizer que a Educação Salesiana vem ao encontro da problemática da

juventude atualmente. Scaramussa (1979) salienta que essa proposta de educação é

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evangelizadora no sentido que anuncia um Cristo vivo e libertador, e é tipicamente salesiana

no sentido que procura atuar com o Sistema Preventivo, que tem como objetivo a libertação

do jovem, bem como procura trabalhar para que ele próprio transforme a realidade das

estruturas marginalizadoras e massificantes que o cercam. Para Scaramussa (1979)

O Sistema Preventivo de Dom Bosco apresenta suas contribuições para a América

Latina. Também a América Latina apresenta suas contribuições para o

aprofundamento do Sistema Preventivo. No mesmo sentido empregado por Paulo

Freire a respeito da relação educativa – “não existe educador, nem educando” –

muito pode crescer a educação na América Latina com o Sistema Preventivo, assim

como este cresce no confronto com a realidade latino-americana. (SCARAMUSSA,

1979, p. 139).

O ideal de formar “bons cristãos e honestos cidadãos” de João Bosco em seu tempo é

o mesmo que se busca hoje para nossos jovens, ou seja, formar cidadãos autônomos e

conscientes, jovens que, por terem consciência de sua posição e lugar no mundo, sejam

protagonistas, e que busquem e tenham no e para o outro um olhar de um ser humano para

outro ser humano e não de um ser humano para um objeto, do qual só se vê o seu uso e

vantagem, configurando assim a alteridade na visão de Lévinas (2010) de que o homem é um

ser que admite uma exterioridade e que concebe o outro. Não podemos fazer a pergunta

proposta por Buber “Onde está você em seu mundo?” para João Bosco, mas por toda sua

trajetória temos muitos indícios de que ele parecia saber onde estava e porque estava em seu

mundo. No entanto, podemos, hoje, como educadores na proposta da Educação Salesiana

proporcionar momentos ou situações em que nossos alunos possam refletir e se tornarem

conscientes de seu mundo e do papel que representam nele.

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CAPITULO 3 – DIÁLOGO COM PAULO FREIRE

3.1. LER PARA REESCREVER

Consideremos (nossos alunos) como filhos, pondo-nos a seu serviço,

e não dominando.

João Bosco

É preciso trabalhar como se a gente não fosse morrer nunca

e viver como se a gente devesse morrer todos os dias.

João Bosco

Em novembro de 1981, Paulo Freire abriu o Congresso Brasileiro de Leitura em

Campinas discorrendo sobre “A importância do ato de ler”, tecendo considerações

importantes sobre a leitura da palavra, da realidade e do contexto-mundo. Leitura do mundo:

ponte para a conscientização e para o pertencimento. Nessa ocasião, Freire (2011) se refere

várias vezes à sua proposta de alfabetização e deixa clara sua leitura dela:

Refiro-me a que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura

desta implica a continuidade da leitura daquele. [...], esse movimento do mundo à

palavra e da palavra ao mundo está sempre presente. Movimento em que a palavra

dita flui do mundo mesmo através da leitura que dele fazemos. De alguma maneira,

porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas

precedida pela leitura do mundo mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de

“reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente.

(FREIRE, 2011, p. 29-30).

Para demonstrar a importância do ato de ler, Freire (2011) faz uma leitura do seu

próprio processo de leitura de mundo, depois do seu processo de leitura da palavra e comenta

sobre sua leitura de mundo após ter adquirido a habilidade de ler a palavra. O autor usa a

expressão “palavramundo” ao referir-se à aquisição da leitura da palavra, a “palavramundo” é

impregnada de significados, e nem sempre é essa que se aprende ou apreende no processo de

escolarização, ou seja, nem todas as palavras usadas na alfabetização têm significado para

quem está sendo alfabetizado, o que leva a uma alfabetização sem engajamento com o mundo.

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O Cidadão Nordestino, Paulo Reglus Neves Freire, nascido em 19 de setembro de

1921, uma segunda-feira, em Recife, Pernambuco, Brasil, tem no seu nome significados

interessantes, como aponta Vale (2005):

Seu nome completo é PAULO REGLUS NEVES FREIRE.

O pai de Paulo Freire queria homenageá-lo com o nome Regulus, mas por um erro

do cartório, seu nome ficou sendo Reglus. [...]

Paulo: de pequena estatura (latim)

Reglus – Regulus: pequeno rei (latim)

Freire: irmão, frei (do latim frater e posteriormente do francês frère). (VALE, 2005,

p. 04).

Um rei de pequena estatura com o tamanho de um irmão amoroso.

Ilustração 7 – Casa onde nasceu Paulo Freire

Extraído de: (GADOTTI, 1996, p. 28)

Em “A importância do ato de ler”, o Freire (2011) retoma seus anos de infância, cita

seu contexto-mundo primeiro: seu quintal e todos os significados deste continente. Neste

contexto-mundo iniciou sua alfabetização à sombra das mangueiras tendo os gravetos das

mangueiras como instrumento para escrever no chão as letras e palavras que aprendia com sua

mãe. O autor acrescenta ainda que foi alfabetizado com as palavras de seu mundo, e não com

as palavras do mundo dos adultos (Freire, 2011). Sobre a infância de Freire, Gadotti (1996)

relata o que a mãe escreveu sobre Paulo Freire ainda bebê: uma criança muito devota e

demonstrava isso pelo modo como pegava em seu crucifixo, além de ser também preocupado

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com as lições da escola, a ponto de não querer comparecer às aulas enquanto não sabia tudo o

que se esperava dele. Sobre sua primeira professora e a primeira experiência na escola,

Gadotti (1996), apresenta um artigo escrito por Freire para uma revista, no qual o próprio

Freire relata que a ida à escola não acarretou rupturas para o menino Paulo, pois se sentia bem

na escola e quanto à professora, essa o ensinou a juntar as palavras nas sentenças.

Da forma como Freire foi alfabetizado para o método de alfabetização de Paulo Freire

há um hiato natural no tempo, mas o espírito da alfabetização de adultos continuou o mesmo,

ou seja, ler o mundo, ler a palavra, reler o mundo com e por meio da palavra. Gadotti (1996)

descreve essa leitura:

O “convite” de Freire ao alfabetizando adulto é, inicialmente, para que ele se veja

enquanto homem ou mulher vivendo e produzindo em determinada sociedade.

Convida o analfabeto a sair da apatia e do conformismo de “demitido da vida” em

que quase sempre se encontra e desafia-o a compreender que ele próprio é também

um fazedor de cultura. O “ser-menos” das camadas populares é trabalhado para não

ser entendido como desígnio divino ou sina, mas como determinação do contexto

econômico-político-ideológico da sociedade em que vivem.

Quando o homem e a mulher se percebem como fazedores de cultura, está vencido,

ou quase vencido, o primeiro passo para sentirem a importância, a necessidade e a

possibilidade da leitura e da escrita. Estão alfabetizando-se, politicamente falando.

(GADOTTI, 1996, p. 37).

Trata-se da leitura do mundo, do seu pertencimento nele, e do seu direito a esse

pertencimento. Com a leitura da palavra aprofunda-se o olhar nesse mundo

fortalecendo o pertencimento. A visão de educação política, engajada fica clara nesse

processo de leitura de mundo. Sobre o método de alfabetização de Paulo Freire

Gadotti (1996) afirma:

[...] a alfabetização do povo brasileiro – porque quando criou o método jamais

pensava que ele se expandiria pelo mundo – era, então, no bom sentido da palavra,

uma tática educativa para atingir a estratégia necessária: a politização do povo

brasileiro. Nesse sentido, é revolucionário porque ele pode tirar da situação de

submissão, de imersão e da passividade aqueles e aquelas que ainda não conhecem a

palavra escrita. A revolução pensada por Freire não pressupõe uma inversão nos

polos oprimido-opressor, antes, pretende re-inventar, em comunhão, uma sociedade

onde não haja a exploração e a verticalidade do mando, onde não haja a exclusão ou

a interdição da leitura do mundo aos segmentos desprivilegiados da sociedade.

(GADOTTI, 1996, p. 40).

Gadotti, (1996) aponta, ainda, que por este olhar político à educação – ler a

palavra lendo o mundo – Freire esteve no exílio por quase dezesseis anos. Relata sua

peregrinação pelo mundo depois que se viu obrigado a deixar o Brasil: Bolívia, Chile,

Estados Unidos e Suíça – de onde como Consultor Especial do Departamento de

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educação do Conselheiro Mundial de Igrejas viajou pela África, Ásia, Oceania e

América, menos para o Brasil – para ajudar países que haviam conquistado

independência política a sistematizar seus planos de educação.

Freire volta ao Brasil definitivamente em 1980, abrindo mão do convite para

ficar na Suíça para lá residir e trabalhar com segurança. No Brasil foi professor na

PUC-SP, e na UNICAMP, onde ficou até 1990. Assume o cargo de Secretário de

Educação do Município de São Paulo em 1º de janeiro de 1989, na gestão de Luiza

Erundina de Souza, mas se afasta do cargo em 1991 para voltar a escrever e à

docência. Sua obra tem repercussão mundial, sendo Pedagogia do Oprimido traduzida

em mais de vinte idiomas. Ganhador de muitos prêmios, cidadão honorário de várias

cidades no Brasil, homenageado ao redor do mondo, “Doutor Honoris Causa” e

“Professor Emérito” em diversas instituições dentro e fora do Brasil, Freire tem sua

obra consagrada ao redor do mundo. Por isso, talvez, Gadotti (1996) tenha preferido,

em um determinado momento da biografia de Paulo Freire, colocar um aparte sobre

onde anda Paulo Freire hoje:

Alguns anos atrás, houve quem dissesse, maldosamente, que Paulo Freire havia

deixado de pensar. Ledo engano! Para desespero dos seus detratores, Paulo Freire

continua pensando, agindo, produzindo, continua publicando, lendo, continua

trabalhando, participando, brigando. Continua apaixonado pela leitura da palavra e

do mundo. Paulo Freire continua na briga, continua trabalhando, estudando, se

envolvendo em novos projetos. Continua indignado com a falta de liberdade, com o

descaramento político etc... enfim, Paulo Freire continua vivo como seu próprio

pensamento. (GADOTTI, 1996, p. 115).

Gadotti (1996) estava certo ao dizer que Paulo Freire, apesar de ter falecido em

2 de maio de 1997, em São Paulo, continua conosco. Aqui cabem ainda mais três

citações sobre Freire: o convite para o evento em que ele iria receber o Título de

Cidadão Paulistano, o parecer de Rubem Alves sobre sua ida para a UNICAMP

(Gadotti, 1996), e a escultura de Paulo Freire na Suíça (Vale, 2005). Em primeiro

lugar, o convite para receber o Titulo de Cidadão Paulistano (Gadotti, 1996):

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Ilustração 8 – Convite ao evento que outorga à Paulo freire o Título de Cidadão

Paulistano

Extraído de: (GADOTTI, 1996, p. 115)

A seguir, o parecer de Rubem Alves Professor Titular II, sobre a ida de Paulo

Freire para a UNICAMP, datado de 25 de maio de 1985 e protocolado sob o n nº.

4.838/80nos registros administrativos da Universidade Estadual de Campinas:

“O objetivo de um parecer , como própria palavra o sugere, é dizer a alguém

que supostamente nada ouviu e que, por isso mesmo, nada sabe, aquilo que parece

ser, aos olhos do que fala ou escreve. Quem dá um parecer empresta os seus olhos e

o seu discernimento a um outro que não viu e nem pôde meditar sobre a questão em

pauta. Isto é necessário porque os problemas são muitos e os nossos olhos são

apenas dois...

Há, entretanto, certas questões sobre as quais emitir um parecer é quase

uma ofensa. Emitir um parecer sobre Nietzsche ou sobre Beethoven ou sobre

Cecília Meireles? Para isso seria necessário que o signatário do documento fosse

maior que eles e o seu nome mais conhecido e mais digno de confiança que aqueles

sobre quem escreve...

Um parecer sobre Paulo Reglus Neves Freire.

O seu nome é conhecido em universidades através do mundo todo. Não o

será aqui, na UNICAMP? E será por isto que deverei acrescentar a minha

assinatura (nome conhecido, doméstico), como avalista?

Seus livros, não sei em quantas línguas estarão publicados. Imagino (e bem

pode ser que eu esteja errado) que nenhum outro dos nossos docentes terá

publicado tanto, em tantas línguas. As teses que já se escreveram sobre seu

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pensamento formam biografias de muitas páginas. E os artigos escritos sobre o seu

pensamento e sua prática educativa, se publicados, seriam livros.

O seu nome, por si só em pareceres domésticos que o avalizem, transita pelas

universidades da América do Norte e da Europa. E quem quisesse acrescentar a

este nome a sua própria “carta de apresentação” só faria papel ridículo.

Não. Não posso pressupor que este nome não seja conhecido na UNICAMP.

Isto seria ofender aqueles que compõem seus órgãos decisórios.

Por isso o meu parecer é um recusa em dar um parecer. E nesta recusa vai,

de forma implícita e explícita, o espanto de que eu devesse acrescentar o meu nome

ao de Paulo Freire. Como se, sem o meu, ele não se sustentasse.

Mas ele se sustenta sozinho.

Paulo Freire atingiu o ponto máximo que um educador pode atingir. A

questão é se desejamos tê-lo conosco. A questão é se ele deseja trabalhar ao nosso

lado. É bom dizer aos amigos:

‘ – Paulo Freire é meu colega. Temos salas no mesmo corredor da

Faculdade de Educação da UNICAMP...’

Era o que me cumpria dizer.”. (Gadotti, 1996, p. 44-5).

Finalmente, a grande escultura de pedra por Pye Engstron, que queria

homenagear os que lutaram contra a opressão, em 1972 em Estocolmo na Suécia.

Nesta escultura, Freire foi esculpido ao lado de outros seis grandes nomes: Pablo

Neruda, Ângela Davis, Mao Tsé-Tung, Sara Lidman, Elise ottosson-Jense e Georg

Borgström.

Ilustraçao 9: Escultura em homenagem aos que lutaram contra a opressão

Extraído de: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pye_Engstrom_2008.JPG.

Acesso em 16. jul. 2015

Sim, Paulo Freire, o rei indignado de pequena estatura com o tamanho de um

irmão amoroso, realmente, dispensa qualquer apresentação.

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3.2. PAULO FREIRE: PURA INDIGNAÇÃO

É preciso paciência contínua, constância, perseverança, fadiga.

João Bosco

Impregnados de e com o outro nos percebemos e pertencemos. A ciência e consciência

do outro me permite ser. Freire (1983, p. 38-9) afirma que “o homem é consciente e, na

medida em que conhece, tende a se comprometer com a própria realidade”; Define a

consciência bancária da educação, na qual o educando recebe passivamente os

conhecimentos, tornando-se apenas um depósito do educador, e apresenta três estados de

consciência, a saber: a consciência ingênua, a fanática e a critica. Sobre elas, Freire (1983)

tece algumas reflexões. A consciência no seu primeiro estágio seria a ingênua, uma

consciência mágica da realidade, estado em que se busca um compromisso com a realidade,

mas responde aos desafios com ações mágicas. O autor, no entanto, afirma que esse estágio de

consciência existe em todos nós, mas deve ser superado. A consciência fanática, segundo o

autor, é uma entrega irracional à realidade, acrescenta que esse estágio é próprio do homem

massificado. Em relação à consciência crítica, o autor ressalta que para atingi-la é necessário

um processo educativo de conscientização, e que sem ele, esse estágio não é alcançado, e

complementa dizendo que na consciência crítica há comprometimento de fato. Freire (1983)

segue com as características da consciência ingênua e da consciência crítica.

A comparação feita pelo autor entre consciência ingênua e consciência crítica se faz

importante nesse trabalho, visto que a opção de se debruçar na pesquisa pode ter sido

resultado de um processo da própria pesquisadora, de saída de um estágio de consciência para

outro, quero dizer, da ingenuidade, para uma forma crítica de ler o mundo, a realidade. O

autor define a consciência ingênua como simplista, superficial, que tira conclusões

apressadas. Ela tende a pensar no passado como “tempos melhores”, não vê o futuro com

possibilidades de mudança, é frágil na discussão de problemas e impermeável à pesquisa

porque se satisfaz com explicações mágicas e massificadoras. A consciência crítica, no

entanto, quer aprofundar-se na análise dos problemas, reconhece que a realidade pode ser

mudada, é inquieta, faz de tudo para livrar-se de preconceitos e de transferência de

responsabilidade. Nutre-se do diálogo, indaga e pode chocar. Sobre a consciência crítica o

autor afirma que ela “face ao novo, não repele o velho por ser velho, nem aceita o novo por

ser novo, mas aceita-os na medida em que são válidos” (Freire, 1983, p. 41).

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Freire (2001), no entanto, refere-se à conscientização como um compromisso histórico

no sentido de que se trata de uma inserção crítica na história, com os homens assumindo seu

papel de sujeitos autônomos que fazem e refazem a história. Freire (2001) explicita que:

Uma das características do homem é que somente ele é homem. Somente ele é capaz

de tomar distância frente ao mundo. Somente o homem pode distanciar-se do objeto

para admirá-lo. Objetivando ou admirando – admirar se toma aqui no sentido

filosófico – os homens são capazes de agir conscientemente sobre a realidade

objetivada. É precisamente isto, a práxis humana, a unidade indissolúvel entre

minha ação e minha reflexão sobre o mundo. (FREIRE, 2001, p. 29-30, grifo do

autor).

Há, para Freire (2001), ainda, outro elemento no processo de e na conscientização, que

é a utopia. O autor, não se refere à utopia do não-realizável mas sim à utopia que convida e

requer uma posição de denuncia de estruturas desumanizantes e anuncio da possibilidade de

uma estrutura humanizante, e reforça que a utopia exige conhecimento crítico dessa estrutura.

A tomada de posse da realidade, ou seja, o conhecimento das estruturas desumanizantes, é

para o autor a conscientização, o que significa um movimento de afastamento da realidade.

Esse afastamento produz a desmitificação, que não virá por meio do opressor, pois este tem a

tendência em mistificar a realidade (Freire, 2001). O autor continua:

O trabalho humanizante não poderá ser outro senão o trabalho da

desmitificação. Por isso mesmo a conscientização é o olhar mais crítico possível da

realidade, que a des-vela para conhecê-la e para poder conhecer os mitos que

enganam a que ajudam a manter a realidade da estrutura dominante.

Diante do universo de temas em contradição dialética, os homens tomam

posições contraditórias; alguns trabalham na manutenção das estruturas, e outros, em

sua mudança. (FREIRE, 2001, p. 33, grifo do autor).

O autor estabelece uma relação entre “universo de temas” que podem surgir ao se

fazer uma leitura crítica da realidade, e a temas geradores de conscientização. Para ele, o tema

de maior importância a ser trabalhado é o da dominação, que leva ao seu contraponto, a

libertação, que passa a ser o objetivo a ser alcançado. Afirma também que os temas geradores

estão contidos em situações-limite e as contem e que as tarefas que eles implicam exigem

atos-limite (Freire, 2001).

Cabe neste momento uma observação de Freire (Freire, 2014b) a respeito do

radicalismo e do sectarismo. Ser radical para o autor significa ser crítico, enraizado, engajado

no esforço da transformação da realidade concreta e objetiva; ao contrário do sectarismo que é

castrador, fanático e alienante. Freire (2014b), no entanto, afirma que um radical pode se

tornar um sectário, um radical reacionário, quando só aceita a sua verdade sem possibilidade

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de diálogo ou de contestação. Este sofre tanto quanto o sectário de “falta de dúvida”, ou seja,

ambos se encerram em seus “círculos de segurança” para se protegerem das dúvidas.

Para continuar a conversa com e sobre Paulo Freire, necessário se faz esclarecer seu

posicionamento sobre a relação opressor-oprimido, a que ele, o autor, chama de contradição

(Freire, 2014b). O opressor que é desumano e falsamente generoso, tem necessidade de

manter a “ordem”, o status quo, que o privilegia a qual se nutre da miséria do desalento e da

morte do oprimido. Este por sua vez ao se conscientizar e se lançar na busca da sua

humanidade pode através da generosidade verdadeira se libertar. Porém, o autor coloca que

apesar de esse ser um processo de conquistas que só pode partir do oprimido, alerta para o

fato de que o oprimido que “hospeda” o opressor em si, precisará de um grau muito maior de

conscientização, pois poderá correr o risco de se tornarem opressores ou subopressores. O

homem novo, o que se liberta do opressor, que não tem mais a sombra do opressor nele

introjetada, para Freire (2014b), é o homem que consegue se livrar da situação de opressão,

sem se tornar um opressor, ele mesmo, o que não tem medo da liberdade, pois esta não o

assusta, nem o faz se sentir perdido. Sobre o parto da liberdade e sobre a pedagogia do

oprimido, Freire (2014b) afirma:

Sua luta se trava entre eles mesmos ou serem duplos. Entre expulsarem ou

não o opressor de “dentro” de si. Entre se desalienarem ou se manterem alienados.

Entre seguirem prescrições ou terem opções. Entre serem espectadores ou atores.

Entre atuarem ou terem s ilusão de que atuam na atuação dos opressores. Entre

dizerem a palavra ou não terem voz, castrados no seu poder de criar e recriar; no seu

poder de transformar o mundo.

Este é o trágico dilema dos oprimidos, que a sua pedagogia tem de

enfrentar.

A libertação, por isso é um parto. E um parto doloroso. O homem que nasce

deste parto é um novo homem que só é viável na e pela superação da contradição

opressores-oprimidos, que é a libertação de todos. (FREIRE, 2014b, p. 47-8).

Não obstante, Freire (2014b) afirma sobre o opressor que o fato de ele se descobrir na

posição de opressor, não significa que ele irá se solidarizar com o oprimido. O autor segue

dizendo que a solidariedade da parte do opressor em relação ao oprimido, não significa que há

uma mudança no opressor a ponto de este ter tomado consciência do oprimido e que vá lutar

por ele. A solidariedade verdadeira só se dará quando a luta acontecer com os oprimidos para

que a transformação ocorra. A solidariedade será verdadeira para com o oprimido só quando

for um ato de amor, quando o oprimido deixar de ser injustiçado e quando este conseguir

dizer a sua palavra.

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Ao discorrer sobre a contradição opressor-oprimido Freire (2014b) defende o diálogo

e afirma que:

A pedagogia do oprimido, que busca a restauração da intersubjetividade, se

apresenta como pedagogia do Homem. Somente ela, que se anima de generosidade

autêntica, humanística e não “humanitarista”, pode alcançar este objetivo. Pelo

contrário, a pedagogia que, partindo dos interesses egoístas dos opressores, egoísmo

camuflado de falsa generosidade, faz dos oprimidos objetos de seu humanitarismo,

mantém e encara a própria opressão. É instrumento de desumanização. (FREIRE,

2014b, p. 56).

A respeito da liberdade e da libertação, Freire (2014b, p. 71-2) é categórico ao afirmar

que “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em

comunhão”, o que representa o caráter dialógico da pedagogia do oprimido. Esse diálogo, no

entanto, não deve ser o diálogo vertical, domesticador, ao contrário, ele deve ser e acontecer

para que se reconheça a vocação natural do homem de Ser Mais, o que o levará ao

engajamento.

Voltando-se para a educação, Freire (2014b) define como educação bancária, aquela

em que o educador se comporta como o detentor do saber e o educando é considerado

ignorante, assim como o opressor e o oprimido. Da mesma forma, a educação libertadora,

significa a superação da contradição educador-educando nessa relação antagônica, para que se

atinja o ideal de os dois se tornarem simultaneamente educadores e educandos. Sobre a visão

bancária da educação, Freire (2014b) afirma:

Não é de estranhar, pois, que nessa visão “bancária” da educação, os homens sejam

vistos como seres da adaptação, no arquivamento dos depósitos que lhes são feitos,

tanto menos desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua

inserção no mundo, como transformadores dele. Como sujeitos. (FREIRE, 2014b, p.

83).

Da mesma forma poder-se-ia afirmar, então, que no momento em que o educador se

conscientizar que é também um aprendiz, ele mesmo poderá exercitar os educandos para que

eles possam também se ver como educadores, pois, ainda de acordo com o autor, a educação

bancária vem alterar a noção de que os marginalizados ficam de fora. Para ele:

Na verdade, os marginalizados, que são sempre os oprimidos, jamais

estiveram fora de. Sempre estiveram dentro de. Dentro da estrutura que os

transforma em “seres para o outro”. Sua solução, pois, não está em “integrar-se”, em

“incorporar-se” a esta estrutura que os oprime, mas em transformá-la para que

possam fazer-se “seres para si”. (FREIRE, 2014b, p. 84-5, grifo do autor).

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3.3. PAULO FREIRE POR ELE MESMO: A SUA VOZ

Há que se admitir, que a tecnologia pode, sim, ser de muita utilidade para o ser

humano. Não podemos negar isso, principalmente porque vivemos num mundo em que a

tecnologia invade todos os espaços. Positivo é o uso que podemos fazer dela para resgatar e

vivenciar fatos, rever pessoas, ou vê-las depois que elas já se foram deste mundo. Textos,

fotos, gravações, e vídeos. Vídeos podem nos aproximar de fatos ou de pessoas e

proporcionar um encontro que não foi possível pessoalmente. Esse foi o sentimento que me

levou à busca, na rede da Internet, de vídeos em que eu pudesse ouvir a voz de Paulo Freire e

entrevistas em publicações em que sua voz foi ouvida. Por ser a audição, o sentido que me

impacta de uma forma impar, precisava ouvir Paulo Freire.

3.3.1. Entrevistas em vídeo

Para uma educadora que ensina uma língua estrangeira, a habilidade de ouvir tem uma

importância relevante. Portanto, as entrevistas em vídeo em que se pode ouvir a voz de Paulo

Freire constituem-se num instrumento muito valioso e significativo.

Ouvi Paulo Freire assegurar que há uma enorme diferença entre adaptação e inserção

do homem no mundo. Adaptar-se está relacionado às condições climáticas, materiais,

históricas, sociais, enfim, refere-se ao ajuste do corpo. Inserir-se está relacionado à tomada de

decisão no sentido de intervir no mundo e que rejeita posições fatalistas, pois para ele, a

realidade está sempre submetida a possibilidades de intervenções do homem.

Ouvi Paulo Freire explicar que somos seres inacabados. Porém, inacabados de forma

diferentes dos outros bichos e das plantas, e que, ao tomarmos consciência deste

inacabamento seria contraditório não nos inserirmos numa busca, por ele chamada de busca

de busca do Ser Mais. Afirmou também que esta busca é uma luta constante entre o “ser” e

“deixar de ser”. O Ser Mais exige uma posição de constante escuta e leitura crítica do mundo

e da realidade ao nosso redor.

Sobre a transcedentalidade e a “mundanidade”, Paulo Freire verbalizou:

Eu me situo entre, entre os que, primeiro entre os que creem na transcedentalidade.

Em segundo, eu me situo entre aqueles que crendo na transcedentalidade não

dicotomizam a transcedentalidade da mundanidade. Em primeiro lugar, até do ponto

de vista do próprio senso comum, eu não posso chegar lá, a não ser a partir de cá, e

se cá, se aqui é exatamente o ponto em que eu me acho para falar de lá, então é

daqui que eu parto e não de lá. Eu respeito o direito que ele tem de dicotomizar, mas

eu não aceito a dicotomia. Quer dizer, então, isso coloca a questão da minha fé, da

minha crença, que indiscutivelmente interfere na minha forma de pensar o mundo.

(FREIRE, 1997, TV PUC de São Paulo).

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Ouvi Paulo Freire dizer que nunca precisou de argumentações de natureza científicas e

filosóficas para se justificar na sua fé. E que a realidade dura dos favelados e camponeses, a

dura realidade que os levava a uma adaptação e a não-inserção no mundo, o remeteu a Marx.

Porém, quanto mais lia Marx, mais se aproximava de Cristo.

Paulo Freire também contou em entrevista que

É que quanto mais, quanto mais eu li Marx, tanto mais eu encontrei uma certa

fundamentação objetiva para continuar camarada de Cristo. Então, a, as leituras que

eu fiz de Marx, de alongamentos de Marx, não, não tive(ram), não me sugeriram

jamais que deixasse de encontrar Cristo na esquina das próprias favelas. Eu fiquei

com Marx na mundanidade a procura de Cristo na transcedentalidade. (FREIRE, TV

PUC de São Paulo, 1997).

Sobre o exílio e sobre cultura Paulo Freire declarou:

O meu tempo no exílio foi um tempo de intenso, de intensa aprendizagem, quer

dizer, eu aprendi muito durante o exílio. Mas não é fácil, é uma aprendizagem difícil

porque é uma aprendizagem que você faz longe da sua realidade, do seu contexto,

longe de sua família, de seus amigos, do cheiro do chão, da cor das nuvens, do gosto

da comida, e não é fácil a gente aguentar essa, essa saudade grande. Mas eu aprendi

desde muito cedo no exílio uma coisa fundamental, que é, a primeira coisa que eu

aprendi no exílio é de que não é possível fazer juízos de valor para culturas, quer

dizer, a cultura você entende, você, você procura entender, você procura perceber a

diferença entre a forma de estar sendo do chileno e a nossa de brasileiros, a do

genebrino, onde eu morei também, a dos Estados Unidos, do americano, e a nossa,

mas não cabe à gente dizer que no Brasil isso é melhor, o Brasil é melhor do que

aqui, o Brasil é melhor do que aqui. Não dá, porque é simplesmente diferente, não é

melhor, nem é pior. (FREIRE, TV Cultura, 1989).

Sobre o direito de continuar conhecendo Paulo Freire pronunciou:

Olha, eu acho, para concluir, eu acho que isso é um direito dos jovens, um direito

nosso, dos jovens, como dos velhos, também, como dos velhos que não se deixam

envelhecer: o direito de continuar conhecendo, o direito de continuar curioso. Por

exemplo, eu, eu, apesar da minha idade, eu tenho horror, principalmente por que eu

me sinto muito moço, eu tenho horror a dar conselho, não dou nem a meus netos,

mas se eu tivesse de dar um conselho a vocês aqui hoje, seria, seria exatamente o

seguinte: primeiro, não deixem morrer em vocês os jovens que vocês estão sendo e

os meninos e meninas que vocês foram. Segundo, por isso mesmo não permitam

matar em vocês a curiosidade permanente diante do mundo. (FREIRE, TV Cultura,

1989).

Sobre o direito da pergunta Paulo Freire respondeu:

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Olha, eu acho que em primeiro lugar, a pergunta, esta pergunta é absolutamente

legítima. Eu acho que é um direito. O direito à pergunta, foi por causa do direito à

pergunta que eu fui preso e depois fui exilado, quer dizer, eu me bato por isso, pelo

direito de todo mundo. (FREIRE, TV Cultura, 1989).

Sobre algumas de suas escolhas Paulo Freire comunicou:

Eu não sou anticomunista no sentido, nesse sentido medieval, de considerar que

comunista come gente, de rosbife. Mas também não sou comunista, quer dizer, eu

sou, porém, um socialista, eu acredito no socialismo, eu acredito na participação

popular, eu acredito na transformação do mundo realizada, sobretudo, por aqueles e

por aquelas que se encontram desprovidos ou roubados no seu direito de ser.

(FREIRE, TV Cultura, 1989).

Ouvi Paulo Freire esclarecer que é um socialista cristão, que respeita diferenças,

acredita que se possa mudar o mundo.

3.3.2. Entrevistas em publicações

Em 1974, Paulo Freire concedeu uma entrevista a Barry Hill, quando foi mais uma vez

questionado sobre sua posição a respeito de sua religiosidade e sua opção de trabalhar com

ideias Marxistas. Paulo Freire diz que encontra Deus, seu colega, ao encontrar pessoas.

Hill: You are a Christian who uses Marxists ideas. How do you resolve the two?

Freire: I always receive this question. For me – no problem. Since I was a very

young man, very naïve, I have not accepted that being a Christian means that a man

must be a reactionary…

Another thing: I had a very difficult childhood. I experimented hunger. I know what

it means to be hungry… I always say to be hungry is when you don’t know when

you next can eat.

I had to hunt, to fish, to \kill birds with my sling shot. And yet there were two things

I never had; first of all I never thought that God was responsible for death. And,

second, I never lost sense of intimacy with God – as a kind of colleague, not as a

kind of master…

When I was a young man, I went to the people, to the workers, the peasants,

motivated, really, by my Christian faith. At that time, when I was very young – 20 or

21 years – I talked with the people I learned how to speak with the people – the

pronunciation, the words, the concepts. When I arrived with the people, the misery,

the concreteness, you know! But also the beauty of the people, the openness, the

ability to love which the people have, the hope of the people, the friendship…

The obstacles of this reality sent me – to Marx. I started reading and studying. It was

beautiful because I found in Marx a lot of things the people had told me – without

being literate. Marx was really a genius. But when I met Marx I continued to meet

Christ on the corners of the street – by meeting the people. (FREIRE, HILL, 1974).8

8 Hill: Você é um cristão que usa marxistas idéias. Como você resolve os dois?

Freire: sempre me fazem esta pergunta. Para mim - não há problema. Desde que eu era um homem muito jovem,

muito ingênuo, eu não aceito que ser cristão significa que um homem deva ser um reacionário ...

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Paulo Freire em seu “passeio” entre o Cristianismo e o Marxismo pode confundir aos

que, superficialmente, olham para sua obra e práxis. O Personalismo, cuja figura principal se

faz em Emmanuel Mounier (1905-1950), “quer ser equidistante do cristianismo e do

socialismo para se tornar uma síntese de ambos” (Nielsen Neto, 1985, p. 207). A

característica principal do Personalismo é destacar os valores da pessoa, é uma filosofia da

ação (Nielsen Neto, 1985). Amorin (2010) destaca o papel da pessoa no Personalismo:

A pessoa, segundo o personalismo, surge como uma presença voltada para o mundo

e para as outras, sem limites, misturadas com elas numa perspectiva comunitária. As

outras pessoas não a limitam, fazem-na ser e crescer. Não existe senão para os

outros, não se conhece senão pelos outros, não se encontra senão nos outros. A

experiência primitiva da pessoa é a experiência da segunda pessoa. (AMORIN,

2010, p. 55).

A Teologia da Libertação que surge e se desenvolve na América Latina em um

processo histórico articula duas realidades históricas: a realidade sociopolítica e a realidade

cristão-eclesial. Na dimensão sociopolítica foi um movimento popular que despertou os

oprimidos para a conscientização e contribuiu para sua organização para lutar contra a

pobreza, surgindo em Cuba em meados da década de 50. Na dimensão cristão-eclesial foi um

movimento que deu início, no Brasil também em meados da década de 50, às CEBs

(Comunidades eclesiais de Base), que propiciavam um lugar de conscientização dos cristãos

em face de problemas sociais e eclesiais. Conscientização, luta pelos oprimidos, como poderia

Paulo Freire não se aproximar deste movimento?

Neste sentido, Paulo Freire se aproxima tanto do Personalismo como da Teologia da

Libertação numa dimensão de alteridade. Marxista ou/e Cristão, para Paulo Freire o que

Outra coisa: eu tive uma infância muito difícil. Eu experimentei a fome. Eu sei o que significa passar fome ... Eu

sempre digo passar fome é quando você não sabe quando você vai poder comer outra vez.

Eu tive que caçar, pescar, matar pássaros com meu estilingue. Mas, ainda havia duas coisas que eu nunca tive:

primeiro, eu nunca pensei que Deus era responsável pela morte. E, em segundo lugar, eu nunca perdi sensação

de intimidade com Deus - como uma espécie de colega, não como uma espécie de mestre ...

Quando eu era jovem, eu fui para o povo, para os trabalhadores, os camponeses, motivado, realmente, por minha

fé cristã. Naquela época, quando eu era muito jovem – 20 ou 21 anos – eu falava com as pessoas, eu aprendi a

falar com as pessoas - a pronúncia, as palavras, os conceitos. Quando eu me aproximei do povo, a miséria, a

concretude, você sabe! Mas também a beleza das pessoas, a abertura, a capacidade de amar que as pessoas têm, a

esperança do povo, a amizade ...

Os obstáculos dessa realidade me levaram à Marx. Comecei a ler e estudar. Foi lindo, porque eu encontrei em

Marx um monte de coisas o povo tinha me dito - sem ser alfabetizada. Marx era realmente um gênio. Mas,

mesmo depois de ter conhecido Marx, eu continuei a encontrar Cristo nas esquinas das ruas ao me encontrar com

as pessoas. (Tradução da autora).

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importava era olhar e ver o outro, assim como, olhar e ver-se no outro, e sem perder-se de si

mesmo ir ao encontro do outro como se fosse encontrar-se a si mesmo.

Moacir Gaddotti resume bem o “passeio” de Paulo freire entre estas correntes,

aparentemente, antagônicas:

Como pensador de esquerda, Paulo Freire acredita que ser cristão não é ser

reacionário, e ser marxista não significa ser um burocrata desumano. Os cristãos

devem rejeitar a exploração.

Assim se inicia sua prática, que encontra impulso no movimento socialista cristão

das décadas de 50 e 60. A consciência política dessa prática o fez perceber que se

tornara político por ser educador e por ser cristão. Isto é, era inviável que, sendo

cristão, fosse neutro, da mesma forma como era inviável ser neutro enquanto

educador. (GADDOTTI, 1989, p. 79).

Voltemos à entrevista concedida a Barry Hill em 1974. Paulo Freire fala sobre a

possibilidade de as suas ideias aplicadas em uma sociedade no mundo, e não apenas na

América Latina:

Hill: Which aspects of your work are relevant to a Western industrial democracy

like Australia?

Freire: The problem of the manipulation of consciousness – of the alienation of us

under the impact of the different ways we have in this kind of society to manipulate

so-called public opinion. In this kind of society we have the feeling that we are free,

but, we are not. We are conditioned every minute, every day by what the television

says. […].

One of my points of emphasis is how to work against it. […]

Another point is the systematic education we have in the so-called First World. This

is the education I criticised as “banking education”. It’s very common. Of course, I

was criticising education in Latin America, but I also knew I was criticizing

education in the U.S. in the last analysis when we think of education we have to

think of power. Education is a political act […]. (FREIRE, HILL, 1974).9

Ainda nesta mesma entrevista Paulo Freire desmistifica a “revolução”:

Look, first of all I think we cannot idealise revolution. One of your tendencies is not

to think of the injustices we have in bourgeois society – of the number of people

who did not eat today or the number of children who did not go to school but to

think instead of the distortions of the revolution […]

9 Hill: Quais aspectos do seu trabalho são relevantes para uma democracia industrial ocidental como a Austrália?

Freire: O problema da manipulação da consciência - da alienação sob o impacto das diferentes maneiras que

temos neste tipo de sociedade para manipular a chamada opinião pública. Neste tipo de sociedade temos a

sensação de que somos livres, mas, nós não somos. Somos condicionados a cada minuto, a cada dia com o que

diz a televisão. [...]. Um dos meus pontos de ênfase é como trabalhar contra ele. [...]

Outro ponto é a educação sistemática que temos no chamado Primeiro Mundo. Esta é a educação que eu tenho

criticado como "educação bancária". É muito comum. Claro, eu estava criticando a educação na América Latina,

mas eu também sabia que eu estava criticando a educação nos EUA, em última análise, quando pensamos em

Educação, temos de pensar em poder. A Educação é um ato político... (Tradução da autora)

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Secondly, our tendency is to idealise, to think of the revolution as something

spiritual. I always say revolution cannot create paradise. Revolution is history within

history. Revolution is made by human beings and not by angels and God […].

(FREIRE, HILL, 1974).10

Em dezembro de 1978, Paulo Freire foi entrevistado por Claudius Ceccon e Miguel

Paiva, em Genebra. Ressalto dessa entrevista, a fala de Paulo Freire em que ele se diz

universal porque é profundamente brasileiro:

Claudius: De Recife para o mundo.

Freire: Não como a Rádio Jornal do Comércio. Mas é preciso também que se

explique isso, porque parece muita falta de modéstia, um treco profundamente

cabotino, falar de minha universalidade, como se eu fosse aqui um cara que se pensa

um homem do mundo, no sentido que se dá, quando se diz isso. Não, o que eu quero

dizer é que sou, existencialmente, um bicho universal. Mas só sou porque sou

profundamente recifense, profundamente brasileiro. Eu sou capaz de querer bem,

enormemente, a qualquer povo. (CECCON, 1978).

Em setembro de 1991, depois de sua experiência como Secretário da educação da

cidade de São Paulo, Paulo freire em entrevista para Cadernos de Ciência, reafirma sua

posição de que educar é um ato político, sem precisar ser partidário e democrático.

Antes mesmo de ter tido a extraordinária experiência na secretaria, eu já sabia de

algumas coisas, que foram reforçadas nos meus dois anos e meio neste cargo. A

primeira é que a educação é um ato político. Não há pratica educativa indiferente a

valores. Ela não pode ser indiferente a um certo projeto, desejo ou sonho de

sociedade. Ninguém é educador por simples acaso. Ninguém forma por formar. Há

objetivos e finalidades, que fazem com que a prática educativa transborde dela

mesma. Isso não quer dizer que a educação seja uma prática partidária. Eu não

poderia fazer, nem fiz, uma administração que pretendesse impor às crianças, aos

educadores e a toda rede municipal, os mesmos sonhos pelos quais eu me fiz

militante fundador do PT. Isso tem a ver com a ética que a política exige. O partido

é apenas o veículo através do qual seus militantes procuram viabilizar os sonhos e

ideais do seu partido. Quando eu entrei para a secretaria, eu já sabia também que a

educação, na minha opinião, é uma prática democrática através da qual educadores

e educandos tiram as vendas dos olhos para melhor verem a realidade. (FREIRE,

1991).

É relevante neste ponto deixar claro que a posição e ponderações da pesquisadora a

respeito de Paulo Freire, sua obra, ideias e conceitos vão além do olhar político partidário que

10

Olha, primeiro de tudo eu acho que não podemos idealizar a revolução. Uma das suas tendências é não pensar

nas injustiças que temos na sociedade burguesa - o número de pessoas que não comeram hoje ou o número de

crianças que não foram à escola, mas em vez disso, pensar nas distorções da revolução ...

Em segundo lugar, a nossa tendência é idealizar, é pensar na revolução como algo espiritual. Eu sempre digo que

a revolução não pode criar o paraíso. Revolução é a história dentro da história. Revolução é feita por seres

humanos e não por anjos e por Deus ... (Tradução da autora)

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se possa ter a respeito e em respeito ao autor. Nesta pesquisa ao me referir a Paulo Freire e

“política” não faço referência à política partidária.

3.4. PAULO FREIRE E O DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA

Uma educação eficaz apoia-se inteiramente na razão, na religião e na bondade.

João Bosco

Sem afeto não há confiança e sem confiança não há educação.

João Bosco

Recorro a Paulo Freire (2001) para dentro do grupo dos opressores, destacar uma

posição na qual penso que me encontro e faço esforço para nela continuar:

[...] encontramo-nos frente a uma questão de grande importância: o

fato de que alguns membros da classe dos opressores unam-se aos

oprimidos em sua luta pela liberdade, deslocando-se assim de um pólo

da contradição a outro. Seu papel é e foi fundamental durante toda a

história deste combate. (FREIRE, 2001, p. 70).

Como viver a forma de pensar de Paulo Freire na realidade do cotidiano? Onde me

colocar – no grupo dos opressores ou dos oprimidos? Sobre a relação opressor-oprimido

Paulo Freire (2014b) afirma que:

A violência dos opressores, que os faz também desumanizados, não instaura uma

outra vocação – a do ser menos. Como distorção do ser mais, o ser menos leva os

oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos. E esta luta somente tem

sentido quando os oprimidos, ao buscarem recuperar sua humanidade, que é uma

forma de criá-la, não se sentem idealistamente opressores, nem se tornam de fato

opressores dos opressores, mas restaurados da humanidade em ambos. Eis ai a

grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertar-se a si mesmos e aos

opressores. (Freire, 2014b, p. 41).

Seria interessante aqui uma leitura da relação opressor-oprimido, descrita por Paulo

Freire (2014b), sob a ótica de Buber (2001):

Não há Eu em si, mas apenas o eu da palavra-princípio Eu-Tu e o Eu da palavra-

princípio Eu-Isso.

Quando o homem diz Eu, ele quer dizer um dos dois.o Eu ao qual se refere está

presente quando ele diz Eu. Do mesmo modo quando ele profere Tu ou Isso de uma

ou outra palavra-princípio está presente.

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Ser Eu, ou proferir a palavra Eu são uma só e mesma coisa. Proferir Eu ou proferir

uma das palavras-princípio são uma ou a mesma coisa.

Aquele que profere uma palavra-princípio penetra nela e permanece. (BUBER,

2001, p. 51-2).

A relação entre os seres para Freire (2014b), quando se refere ao opressor e ao

oprimido é de total ruptura e distanciamento. A possibilidade de aproximação viria da

humanização entre eles. Na visão de Buber (2001) a relação entre os seres só será completa

quando um olhar para o outro e ver um ser humano – relação Eu-Tu, e não uma coisa –

relação Eu-Isso. Quando opressor e oprimido se olham como seres humanos se reconhece o

respeito e uma relação de alteridade entre eles. Porém se um olhar para o outro de forma

invasiva, estarão vendo no outro uma coisa – a relação não será entre um ser humano e outro,

e sim entre uma coisa e outra, pois nenhum deles neste momento poderia ser chamado de ser

humano na medida em que estão explorando seu próximo. Se contextualizarmos esta situação,

é importante destacar que a definição sobre quem é o opressor ou o oprimido numa sociedade

pode gerar discussões, pois o ser humano desempenha diferentes papeis na sociedade e dentro

desses papeis poder ser ao mesmo tempo opressor e oprimido dependendo de que aspecto se

toma como referência. A possibilidade de rompimento e mudança de paradigma, ou seja, de

mudança de posição e de sentidos do ser humano poderia vir conscientização de seu papel nos

diferentes momentos da vida.

A busca por práticas educativas que cultivem a autonomia e o protagonismo no âmbito

de uma escola privada é, portanto, a busca pelo despertar para o outro, para a alteridade. O

fato de se estar no grupo dos opressores ou dos oprimidos não predestina o homem a ser um

opressor ou oprimido para sempre, pode determinar, mas não predestinar.

Eu me situo entre, entre os que, primeiro entre os que creem na transcedentalidade.

Em segundo, eu me situo entre aqueles que crendo na transcedentalidade não

dicotomizam a transcedentalidade da mundanidade. Em primeiro lugar, até do

ponto de vista do próprio senso comum, eu não posso chegar lá, a não ser a

partir de cá, e se cá, se aqui é exatamente o ponto em que eu me acho para falar

de lá, então é daqui que eu parto e não de lá. Eu respeito o direito que ele tem de

dicotomizar, mas eu não aceito a dicotomia. Quer dizer, então, isso coloca a questão

da minha fé, da minha crença, que indiscutivelmente interfere na minha forma de

pensar o mundo. (FREIRE, 1997, TV PUC de São Paulo, grifo nosso).

Se transportarmos a fala de Paulo Freire (1997) sobre a transcedentalidade e a

mundanidade para a relação opressor-oprimido, descrita acima, poderíamos dizer que um não

chegará ao outro se não transcender, se não olhar para e com o outro, se não despertar para o

outro e deixar-se ver pelo outro ou poderíamos dizer “transbordar com e no outro”.

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Há outras ideias de Paulo freire que fortalecem esse posicionamento nas práticas

educativas:

3.4.1. Relação dialógica e a busca do Ser Mais

Freire (2013a) coloca a relação dialógica como prática fundamental à natureza humana

e à democracia. Porém antes mesmo de abordar o tema, discorre sobre como

fenomenologicamente aborda seu objeto de estudo, neste momento, o diálogo, ou seja, expõe

sua tática de tomar uma distancia epistemológica do objeto, “cercando-o”, tomando-o em suas

mãos para apreendê-lo e compreendê-lo. Neste “cerco”, o autor percorre ideias como o

inacabamento do ser humano e a consciência deste inacabamento, a busca pelo Ser Mais, e a

esperança – sem a qual não teria sentido a consciência do estado de inconclusão. Sem

esperança não buscaríamos Ser Mais.

A propósito do Ser Mais, Freire (2013a) aponta a educabilidade do ser humano, e a

propósito da educabilidade do ser humano, o autor defende que o ser humano seja consciente

dela, pois só assim este poderá se tornar consciente de si mesmo e do mundo, assim como

dele no mundo, caso contrário, a tendência seria o adestramento ou o cultivo, próprios de

animais e de plantas. Acrescenta que na condição de estar no mundo, da consciência de si

mesmo e do outro em si mesmo e no mundo há uma experiência carregada de sentimentos,

emoções, desejos que captam o mundo que onde o “eu” se encontra. Essa tomada de

consciência, para o autor, deve estar inundada de curiosidade. Ser curioso neste contexto

significa estar aberto sensivelmente ao mundo, ao ser desafiado e estimulado sentir-se curioso

de compreensão. O autor defende a Pedagogia da Pergunta, uma forma de educação da

curiosidade, que ele define:

Interessa-nos aqui a curiosidade ao nível da existência. Esta disposição permanente

que tem o ser humano de espantar-se diante das pessoas, do que elas fazem, do que

elas dizem, do que elas parecem; diante dos fatos, dos fenômenos, da boniteza, da

feiura, esta incontida necessidade de compreender para explicar, de buscar a razão

de ser dos fatos sem ou com rigor metódico. (FREIRE, 2013a, p. 133).

No âmbito escolar, a Pedagogia da Pergunta seria não apenas um desafio para os

educadores na sua forma de ensinar, ela seria também um desafio ao próprio educador, de ser

um curioso – um ser curioso que naturalmente fará curiosos os seus educandos- a expressão

usada por Freire (2013a, p. 137) é “partejar”; partejar a criticidade com o educando. Partejar a

criticidade com o educando significa não dizer a palavra ao educando, mas sim fazer com que

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ele próprio encontre sua voz e palavra. A criticidade partejada por meio da curiosidade

descobre verdades ocultas que alienam (Freire, 2013a). Ao educador cabe a tarefa de refletir

sobre essas verdades ocultas em meio aos conteúdos que foram burocraticamente

determinados. A relação dialógica e não tagarela com o educando favorece a curiosidade, a

inquietação, possibilitando ao que pergunta saber por que razão pergunta. Porém, há uma

interessante forma de diálogo colocada por Freire (2013a) no âmbito escolar, no momento da

aula na relação educador-educando. O autor afirma que pode haver diálogo numa aula

expositiva, pois nesse caso pode, o educando, estar assimilando, registrando e processando o

que está sendo colocado pelo educador. Para que se estabeleça um diálogo entre eles não se

faz necessário produzir perguntas, o autor chama esse tipo de diálogo de invisível (Freire,

2013a), não porque ele não acontece, mas porque ele acontece sem necessidade de perguntas.

Esse diálogo vai frutificar em curiosidade.

Freire (2013a) coloca uma preocupação em relação à ausência da curiosidade

epistemológica nas práticas educativas, e em relação à redução da educação à pura técnica, na

qual a curiosidade não tem lugar, podendo não ir além do cientificismo distando-se da ciência.

É isso que se encontra no miolo, na substancia do discurso “pragmático”, sobre a

educação. A utopia da solidariedade cede seu lugar ao treino técnico para a pura

sobrevivência num mundo sem sonhos, pois que estes já “nos criaram demasiados

problemas”...

Se já não há mais classes sociais, se já não há ideologias, direita nem esquerda, se

tudo é quase igual, o que vale é treinar os educando para que se virem bem.

Treiná-los, e não formá-los. Treiná-los para que se adaptem, sem problemas, sem

protestos, pois que fazem mal os protestos, ao mundo. Os protestos agitam,

sublevam, torcem a verdade, desassossegam e se movem contra a ordem, contra a

paz, contra o silêncio necessário a quem trabalha, a quem produz. (FREIRE, 2013a,

p. 141-2).

Do outro lado estão o diálogo e a dialogicidade. Segundo Freire (2013a), estes se

tornam um antídoto para a anestesia a que esse processo de “treino” leva, e pode fazer com

que este “antídoto” seja desvelador, devolvendo ao ser humano a esperança na busca do Ser

Mais.

Para Ana Maria Araújo Freire (1999), a teoria pedagógico-política de Paulo Freire está

fundada na reflexão de sua escuta do povo, da interpretação do contexto histórico brasileiro,

partindo sempre de suas experiências e da convivência e sofrimento com o povo, da prática da

“escuta do outro”. Para Ana Maria Araújo Freire (1999), Paulo Freire exercitou a dialética

“escutar x refletir x engajar-se”, ou seja, prática-teoria-prática.

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Paulo intencionalmente dirigiu sua consciência para a concretude do mundo

subjetivo – valorizando os sujeitos históricos – e do mundo subjetivo pela análise

séria e acurada da situação real de opressão da população recifense, nordestina,

brasileira, do mundo. Da opressão de classe, de cor, de religião, de idade, de sexo.

Das ditas minorias, na realidade, da maioria. (FREIRE, 1999, p. 147).

Segundo a mesma autora (1999), na teoria de Paulo Freire, há a intencionalidade no

uso da razão e da emoção, instaurando com essa dialética o que a autora chama de “par

transformador: criticidade x humanismo” (FREIRE, 1999, p. 147), que para ela possibilitam

uma leitura consciente de mundo de um maior número de pessoas.

A teoria do conhecimento de Paulo, portanto, enfatiza e valoriza, entre outras coisas,

essas categorias: esperança e libertação. Afirma que se somos um devir, um ser

completando-se, um ser, que acreditando ou não, está incessantemente fazendo-se na

e com a história ao fazê-la e que, portanto, não é um ser determinado, pronto,

acabado, mas uma possibilidade de ser, tal qual a história mesma; somos então,

necessária e ontologicamente, seres capazes de sonhar, de olhar para o futuro, o que,

em última instância, ou em outras palavras, é ter esperança. Esperança em algo. Em

algum projeto que nada mais é do que a utopia. (FREIRE, 1999, p. 150).

3.4.2. Educação bancária e educação problematizadora

Em sua pedagogia do oprimido, Paulo Freire (2014b, p.48) classifica o processo de

libertação como um “parto doloroso”, do qual surge um homem que supera a contradição

opressor-oprimido.

A educação bancária, segundo Freire (2014b) é a visão da educação que perpetua o

homem na situação de ajustado e adaptado aos interesses dos opressores, busca transformar o

educando em um simples depositário de ideias, sem consciência de si mesmo nem de sua

realidade. Portanto, desse processo não se espera formar sujeitos autônomos, apenas

indivíduos passivos.

Para contrapor essa visão bancária de educação, Freire (2014b) propõe a educação

problematizadora, de caráter reflexivo, que implica num constante desvelamento da realidade

e conta com educadores e educandos investigadores críticos em constante diálogo e

possuidores de uma curiosidade epistemológica, uma curiosidade que move e contribui no

movimento da superação da contradição opressor-oprimido.

Indignado, Paulo Freire (2014a), deixa claro que não haveria porque falar de educação

se os homens e mulheres não vissem a possibilidade de mudança. Alerta sobre o discurso da

impossibilidade de se mudar o mundo, afirmando que este é o discurso de quem se acomodou

no mundo e desistiu da possibilidade de mudá-lo ou de quem tem interesse na manutenção do

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mundo como está. Para Paulo Freire (2014a) posições fatalistas adicionadas à aspectos

condicionantes do ser humanos são confundidos com determinismos, o que pode gerar seres

inertes, pois diante da determinação, nada há para se fazer para mudar o status quo. Diante

deste quadro, o autor (2013a) defende a liberdade conquistada por meio de luta consciente, a

liberdade com a qual podemos “ser mais” e “ser no mundo”. Porém alerta que quanto mais

imersos na realidade que não pode ser mudada e mais anestesiados historicamente os homens,

tanto menos futuro se poder esperar para estes homens, pois vêm o presente como um ponto

final em sua história, ou seja, nada mais será possível fazer para sair da situação em que está

inserido. Práticas educativas significativas e problematizadoras podem contribuir para a

mudança deste estado de inércia para um estado de consciência que pode levar à autonomia e

protagonismo.

3.4.3. Invasão cultural

Ninguém pode ser, autenticamente, proibindo que os outros sejam. Esta é uma

exigência radical. O ser mais que se busque no individualismo conduz ao ter mais

egoísta, forma de ser menos. De desumanização. Não que não seja fundamental –

repitamos – ter para ser. Precisamente porque é, não pode o ter de alguns converter-

se na obstaculização ao ter dos demais, robustecendo o poder dos primeiros, com o

qual esmagam os segundos, na sua escassez de poder.

Para a prática “bancária”, o fundamental é, no máximo, amenizar esta situação,

mantendo, porém, as consciências imersas nela. Para a educação problematizadora,

enquanto um quefazer humanista e libertador, o importante está em que os homens

submetidos à dominação lutem por sua emancipação. (FREIRE, 2014b, p. 105).

Dentro da teoria da ação antidialógica, Paulo Freire (2014b) destaca os aspectos da

conquista, da divisão e da manipulação para manutenção do status quo opressivo. Porém,

considera a invasão cultural a característica fundamental da teoria da ação antidialógica,

acrescentando que esta serve à conquista (Freire, 2014b). Segundo o autor, a invasão cultural

pode se dar lentamente ou não, e leva a cultura invadida a perder sua originalidade ou ficar

ameaçada de perdê-la, porque os invasores modelam e os invadidos são modelados. Para os

invasores há, segundo freire (2014b) a necessidade de que os invadidos tenham a sensação de

inferioridade perante o invasor, o reconhecimento da superioridade dos invasores e a mudança

de valores dos invadidos pelos dos invasores. Essa mudança de valores acentua a alienação

dos invadidos perante sua própria cultura, diante do seu próprio ser e estar sendo. Uma

identificação do eu oprimido com a do tu opressor acaba acontecendo, e apenas o

reconhecimento desta “identidade” e o distanciamento dela, com a objetivação da situação é

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que a luta pela libertação poderá ocorrer. Para Freire (2014b) pode haver um tipo de invasão

cultural dentro da própria sociedade, pois sujeitos educados em sociedades opressoras,

famílias, lares, escolas, estão sendo educados para serem opressores nestes mesmos

ambientes. O autor cita Fromm:

Crianças deformadas num ambiente de desamor, opressivo, frustradas na sua

potência, como diria Fromm, se não conseguem, na juventude, endereçar-se no

sentido da rebelião autêntica, ou se acomodam numa demissão total do seu querer,

alienados à autoridade e aos mitos de que lança mão esta autoridade para formá-las,

ou poderão vir a assumir formas de ação destrutiva. (FREIRE, 2014b, p. 209).

Freire acrescenta a esta “deformação” continua no ambiente escolar, e associa-se à

posição classista, ou seja, este tipo de educação forma profissionais que vão perpetuar essa

cultura, vão sentir-se convictos de que devem transferir, levar e entregar ao povo seus

conhecimentos (Freire, 2014b), são os que o autor chama de “sobredeterminados” pela sua

própria cultura. No ambiente escolar seriam os professores “donos da verdade”,

antidialógicos, os que acreditam que estão “fazendo o bem” para os educandos, pois estes são

incultos. Ocorre que, como aponta Freire (2014b, p. 210-211), alguns desses “opressores bem

intencionados” se dão conta de que o insucesso dos oprimidos se dá por conta de suas ações

invasoras que desconsideram os opressores e sua cultura. Neste momento, ele se dá conta de

que é necessário mudar. Freire (2014b) descreve esse momento como a descoberta de si

mesmo como oprimido e opressor, e que a necessidade de mudar sua ação para um quefazer

dialógico vem junto com o medo de se libertar. Para Freire (2014b), uma revolução cultural é

necessária antes que o poder se instale, para ele, profissionais de formação universitária

deveriam ser reeducados por essa revolução cultural. O resultado dessa revolução seria um

poder novo, não o que oprime, mas sim, o que liberta e transforma. Em relação ao

desenvolvimento que vem da transformação, Freire (2014b) afirma que nem toda

transformação vem seguida de desenvolvimento, ou seja, a transformação só acarretará o

desenvolvimento se as decisões e o movimento de transformação estejam no espaço e tempo

do invadido que se conscientiza e busca o ser mais e se tornam “seres para si”. Para a

mudança, Freire (2014b, p. 54-55) afirma que há a necessidade da objetividade do olhar para

o “não eu”, para além da “minha subjetividade”, para que se possa desvelar a realidade

objetiva e agir sobre ela, transformando-a.

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3.4.4. A ética universal do ser humano e a ética do mercado

É preciso testemunhar a nossos filhos que é possível ser coerente, mais ainda, que ser

coerente é um sinal de inteireza de nosso ser. Afinal a coerência não é um favor que fazemos

aos outros, mas uma forma ética de nos comportar.

Paulo Freire

Em contraponto com a ética do mercado, que Freire (2014a) classifica como malvada

e inviabilizadora da democracia porque mesmo sendo praticada numa democracia, apenas

exerce o lucro, o autor reconhece a ética universal do ser humano.

A ética do mercado além de injusta e cruel perpetua o pensamento de que a mudança

não é possível, dissemina o determinismo, ou seja, não há o que fazer, a ano ser que algo

mágica aconteça e mude a realidade, seu discurso é fatalista, numa visão individualista. A

ética universal do ser humano, por outro lado, promove a luta pelos menos favorecidos, pelos

que não tem porque o ter de alguns não permitem que eles tenham. Contrária à visão

individualista do mundo do salve-se-quem-puder, a ética universal do ser humano

experimenta a solidariedade que liberta não o assistencialismo que oprime, e defende o direito

de ir e vir, o direito de dizer a palavra, o direito de ter voz (Freire, 2014a) O sonho de uma

sociedade mais justa, para Freire (2014a), nasce da utopia, do sonho que nos faz lutar, o sonho

que nos faz querer ter um mundo melhor, que passa pelo respeito ao que é público e pela

manutenção de valores.

Da mesma forma como o operário tem na cabeça o desenho do que vai produzir em

sua oficina, nós, mulheres e homens, como tais, operários ou arquitetos, médicos ou

engenheiros, físicos ou professores, temos também na cabeça, mais ou menos o

desenho do mundo em que gostaríamos de viver. Isto é utopia ou o sonho que nos

instiga a lutar. (FREIRE, 2014a, p. 154).

De acordo com Buber (2011) é preciso que o ser humano se contemple que encontre

seu caminho, mas que não termine a contemplação em si mesmo. o ser humano deve começar

a procurar caminhos para si mesmo e para o outro. Para o autor (2011) o ser humano deve

compreender-se, mas não deve ocupar-se apenas de si mesmo. Para Buber (2011),

O homem deve, em primeiro lugar, reconhecer que a situação de conflito entre ele e

os outros é apenas efeito de situações de conflito em sua própria alma; em seguida,

deve tentar superar esse seu conflito interno, para então poder ter com seus

próximos, como um homem transformado, pacificado, novas relações,

transformadas. (BUBER, 2011, p. 31).

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A dicotomia opressor-oprimido vista sob a ótica da ética universal do ser humano

poderia superar a ética do mercado por meio do diálogo que uma educação problematizadora

consegue instaurar, fazendo com que o movimento entre os dois polos desta relação se torne

possível e consiga uma via de mão dupla. Neste diálogo talvez fosse possível um outro

diálogo. Um diálogo com o outro como ser humano e não como um instrumento de uso e

exploração. Poder-se-ia incluir nesta conversa a pergunta que vem permeando os contornos

desta pesquisa. A pergunta de Buber (2011): “Onde está você em seu mundo?”. Opressor e

oprimidos olhando uma para o outro e para si mesmos como seres humanos. Um olhar

simples, do dia-a-dia, um olhar como o de um “Bom Dia” de todos os dias. Um olhar

cotidiano, que tem que ser construído e cultivado a cada manhã e a cada encontro. O olhar que

traz a paz. Vicent Martínez Guzmán (2016), declarou em uma entrevista que “La paz no es un

asunto de héroes y santos, sino de gente común y corriente”.11

11

Tradução da autora: A paz não é um assunto de heróis e santos, mas de gente comum no dia-a-dia.

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CAPITULO 4 – A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA EM MOVIMENTO

PORQUE EM CONSTRUÇÃO

Eu sou um intelectual que não tem medo de ser amoroso. Amo as gentes e amo o mundo. E é

porque amo as pessoas e amo o mundo que eu brigo para que a justiça social se implante

antes da caridade.

Paulo Freire

Tenham coragem diante de sua fé e suas convicções. São os maus que devem temer diante

dos bons, e não os bons diante dos maus.

João Bosco

Espero que durante a fala eu possa desenvolver e argumentar em favor de uma tese

em relação a isso, qual seja, a de que a educação sócio-comunitária não é, pois está

sendo construída nas ações, nas práxis comunitárias e sociais que estão se

desenvolvendo. Para mim, então, a educação sócio-comunitária não existe, pois está

em construção. (MARTINS, 2006, p. 66).

A fala de Martins (2006) inquieta, impacta, e ao mesmo tempo instiga esta

pesquisadora. Inquieta, pelo sentimento de incompletude e inacabamento relacionado ao

conceito do campo da Educação Sociocomunitária. Impacta, pois essa pesquisa é

desenvolvida num programa de Pós-Graduação em Educação Sociocomunitária. No entanto,

instiga a pesquisadora a tentar cooperar na busca de referenciais teóricos que colaborem e

contribuam para sua sustentação. O caminho a ser percorrido neste capítulo será o de tentar

embasar a pesquisa dentro do campo teórico da Educação Sociocomunitária. Não teria a

pesquisadora se embrenhado por este campo se não tivesse se identificado com e nele. Para

buscar um referencial que fundamente a presente pesquisa dentro deste campo lançarei mão

das reflexões de Antonio (2013), Caliman (2006), Caro (2006), Cruz (2015), Evangelista

(2013, 2015), Gomes (2008), Groppo (2010), Morais (2006), Martins (2006), Paulo Freire

(2013b, 2014) e Soffner (2013) principalmente. Antes de iniciar as reflexões, porém, seria

interessante retomar a ideia do inacabamento do conceito da Educação Sociocomunitária. Se

este conceito está em construção, está ainda inacabado, portanto, identifica-se com o ser

humano, que segundo Paulo Freire (2014b) é um ser inacabado, inconcluso em e com uma

realidade que sendo histórica também é inacabada. Teríamos aqui um ponto de identificação

– refiro-me ao campo da Educação Sociocomunitária e o ser humano e seu aspecto

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comunitário e social. É importante salientar também que o campo da Educação

Sociocomunitária é aberto às mais diferentes vozes e que por este mesmo motivo há dentre

os que lutam pelo seu estabelecimento como um campo da ciência acadêmica, diferentes

vozes, como por exemplo, a de Martins, que é marxista e a de Morais que não comunga do

mesmo pensamento.

4.1. UM CAMINHO A PERCORRER

Não é possível falar em educação sem falar de escola e escolarização. Porém, a

educação não se dá apenas no contexto escolar. Caro (2006), cita Trilla (1993), quando se

refere a essa educação que se dá fora da escola classificando-a como uma complementação às

demais formas de se educar. Ainda citando Trilla, Caro (2006) aponta que a educação é uma

realidade complexa, heterogênea e versátil e que na tentativa de se classificar diferentes tipos

de educação, busca-se denominações para acolher as diversas formas de se educar, citando a

educação formal, a educação não-formal e a educação informal destacando que:

Quando se distingue a educação informal, formal e não-formal, em princípio, a

distinção está fazendo referência àquele que educa, ao agente, à situação ou à

instituição, onde se situa o processo educativo. Essa classificação não se completa,

como todas as possibilidades do universo educativo; é somente uma tentativa de

marcar fronteiras, que vêm gerar outras discussões. Essa distribuição dos setores

formal, não-formal e informal encobre a relação e a hierarquia lógica entre elas.

(CARO, 2006, p. 19-20).

Em seu texto, Caro (2006) recorre a autores que se referem à educação que acontece

fora da escola, ora como informal, ora como não-formal.

Em relação à educação formal e informal, Caro (2006) pauta-se em Fermoso (1994) e

Afonso (1992).

A distinção entre a educação formal e a informal, para Fermoso (1994), consiste nos

estímulos com que se atua sobre os seres humanos para ajudá-los a se

desenvolverem melhor. A educação informal é produto, de modo principal, ainda

que não exclusivo, da família e dos meios de comunicação de massas, verdadeiros

agentes socializadores. E Afonso (1992) define a educação informal como todas as

possibilidades educativas, no decurso da vida do indivíduo, construindo um processo

permanente e não organizado. (CARO, 2006, p. 20).

Definir educação formal, portanto, seria relativamente simples, ou seja, educação

formal é aquela que se dá dentro da escola. A escola que se iniciou com a Revolução

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Industrial, no século XIX, aquela que preparava o homem para trabalhar nas fábricas, e que

hoje prepara o homem para o mercado de trabalho.

Infelizmente (Ou seria felizmente?), não é tão simples assim definir educação formal

se pensarmos nos reflexos desta na sociedade. Para Caro (2006), a educação formal, a que

acontece na escola, seria uma forma de preservar os interesses da sociedade que a mantém e

seus programas, que comumente, são avanços repetitivos e inadequados à realidade cultural.

A autora da presente pesquisa diria que, felizmente, não é tão simples definir a educação

formal porque podemos ter esse olhar para ela, ou seja, um olhar crítico que permite refletir

sobre ela.

Caro (2006) ressalta diferenças entre a educação formal e não-formal que vão além da

localidade onde se dão. Educação formal é a que é definida por cada país, é regida pelas leis e

outras disposições administrativas, é graduada e hierarquizada. A educação não-formal, no

entanto, tem procedimentos e instâncias que rompem com determinações que caracterizam a

escola, ou a educação formal. Caro (2006) considera a educação não-formal mais flexível que

a educação formal:

A educação não-formal costuma ser mais hábil, flexível, versátil e dinâmica que a

formal. Nasce como uma contribuição ao atendimento daqueles que se encontram

excluídos de qualquer proteção necessária para seu desenvolvimento.

A educação não-formal visa contribuir para a formação integral do indivíduo,

envolvendo o crescimento pessoal, a consciência da cidadania e a possibilidade de

sua inserção na sociedade. Enfim, esta educação consiste em um modo de educar

voltado aos interesses e necessidades dos educandos num ambiente adaptado ao

aluno, à sua cultura e ao seu meio social. (CARO, 2006, p. 22-3).

Caro (2006) reflete sobre a educação que ocorre na escola e sobre a escola:

Quando falamos em educação, sempre nos referimos àquela que ocorre dentro da

escola. Parece ser a escola a única responsável pelo desenvolvimento integral do

indivíduo, portanto também a única responsável pelo fracasso da educação. (CARO,

2006, p. 19).

Mais adiante, Caro (2006) ainda afirma que:

Quando se fala em educação, seria muito simplista reduzi-la à educação escolar, pois

se observa somente uma parte da realidade. A escola não é a reserva natural da

formalidade e do rigor pedagógico. Como dizem Petrus et al (2000), a educação é

global, é social e se dá ao longo de toda a vida. O objetivo da educação é capacitar

para viver em sociedade e comunicar-se, porém, é preciso admitir que, em algumas

ocasiões, a escola adota uma certa atitude de reserva frente aos conflitos e problemas

sociais dos alunos. (CARO, 2006, p. 21).

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Essa crítica refere-se ao modo como essa educação, a formal, pode funcionar nas

sociedades latino-americanas, onde segundo a autora a educação ainda é um processo vertical

que pode acarretar num processo de arquivamento do que é depositado (Caro, 2006, p. 21).

Neste processo quem é arquivado é o próprio homem, que se torna incapaz de criar e de

transformar, porque se transforma em um objeto.

Poderíamos, neste momento, fazer uma volta ao passado, ao século XIX, quando as

escolas foram agregadas às fábricas para preparar o homem que nelas iriam atuar. As fábricas

que foram responsáveis pela perda de referência e identidade deste homem que até então tinha

total conhecimento e domínio do processo de produção, que era artesanal. Um processo que

lhe permitia intervir, criar e que lhe concedia uma identidade e a possibilidade de aprender.

Manacorda (1989) bem coloca este processo:

Acontece, de fato, que o desenvolvimento industrial, tornado possível pela

acumulação de grandes capitais, graças à exploração dos novos continentes

descobertos, e de grandes conhecimentos científicos voltados não somente para o

saber, mas também para o fazer, traduz-se, do ponto de vista do artesão das

corporações, num longo e inexorável, processo de expropriação. Ao entrar na fábrica

e ao deixar a sua oficina, o ex-artesão está formalmente livre, como capitalista,

também dos velhos laços corporativos; mas, simultaneamente, foi libertado de toda

sua propriedade e transformado em um moderno proletário. Não possui mais nada:

nem o lugar de trabalho, nem a matéria prima, nem os instrumentos de produção,

nem a capacidade de desenvolver sozinho o processo produtivo integral, nem o

produto do seu trabalho, nem a possibilidade de vendê-lo no mercado. Ao entrar na

fábrica, que tem na ciência moderna sua maior força produtiva, ele foi expropriado

também da sua pequena ciência, inerente ao seu trabalho; esta pertence a outros e

não lhe serve para mais nada e com ela perdeu, apesar de tê-lo defendido até o fim,

aquele treinamento teórico-prático que, anteriormente, o levava ao domínio de todas

as suas capacidades produtivas: o aprendizado. (MANACORDA, 1989, p. 271).

Manacorda (1989) ainda questiona sobre o aprendizado. Onde estaria ele neste

processo?

Inicialmente nada: os trabalhadores perdem sua antiga instrução e na fábrica só

adquirem ignorância. Em seguida, a evolução da “moderníssima ciência da

tecnologia” leva a uma substituição cada vez mais rápida dos instrumentos e dos

processos produtivos e, portanto, impõe-se o problema de que as massas operárias

não se fossilizem nas operações repetitivas das máquinas obsoletas, mas que estejam

disponíveis às mudanças tecnológicas, de modo que não se deva sempre recorrer a

novos exércitos de trabalhadores mantidos de reserva: isto seria um grande

desperdício de forças produtivas. Em vista disso, filantropos, utopistas e até os

próprios industriais são obrigados, pela realidade, a se colocarem o problema da

instrução das massas operarias para atender às novas necessidades da moderna

produção de fábrica: em outros termos, o problema das relações instrução-trabalho

ou da instrução técno-profissional, que será o tema dominante da pedagogia

moderna. (MANACORDA, 1989, p. 271-2).

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Segundo o mesmo autor, como consequência deste processo, criam-se escolas

científicas, técnicas e profissionais. O foco da presente pesquisa não é o aparecimento desta

escola, mas o modo como ela surge, ou seja, para atender às necessidades do sistema de

produção vigente, o que se poderia considerar o equivalente a dizer da escola de hoje, que ela

prepara o aluno para o mercado. Então, seria hoje a escola um espaço para se retirar do

educando sua identidade cultural a fim de se preservar interesses e ideais de uma sociedade

dominante? Qual seria o papel do educador crítico neste contexto?

Diante dessas colocações sobre educação formal e não-formal, Caro (2006), explicita

que a educação não-formal respeita a pessoa como um ser cultural, como um ser que tem

história, que tem identidade. Ela tem um caráter transformador e possibilita que o cidadão se

torne consciente de seu valor e que tome a realidade em que vive em suas mãos, resgatando a

sua dignidade e a do outro. Para a autora, o processo que acontece na educação não-formal se

embasa na educação social que é objeto da pedagogia social, termo alemão que tem três

sentidos diferentes: ajuda educativa, profissional e cultural à juventude. Os fundamentos mais

remotos da pedagogia social alemã levam ao cristianismo, à Pestallozzi12

(1746-1827) e à

Fröebel13

(1782-1852), como ressalta a mesma autora. Caro (2006) acrescenta que o campo de

intervenção da educação social é o espaço sociocomunitário e que ela é determinada pelo seu

âmbito social e pedagógico. Ainda na esfera da educação não-formal, Caro (2006) cita a

educação comunitária que tem uma proposta de trabalho com uma pedagogia libertadora,

sendo a educação não-formal seu meio de atuação.

Assim, Caro (2013) destaca a importância de Paulo Freire para a Educação

Sociocomunitária:

A ética freireana é uma ética da responsabilidade universal, uma ética da

solidariedade aos despossuídos, através de uma ciência educacional crítica. Sua

pedagogia está a serviço da emancipação social, enquanto busca formar sujeitos

autônomos e capazes de praticar a solidariedade, contribuindo para a formação de

12

As três teorias do pensamento de Pestallozzi são: 1. A educação como processo que deve seguir a natureza,

resgatando o pensamento de Rousseau – o homem é bom e deve ser apenas assistido em seu desenvolvimento; 2.

A educação moral, intelectual e profissional desenvolvendo a formação espiritual do homem como unidade entre

coração, mente, e mão (ou arte); 3. A instrução que deve partir sempre da intuição, do contato com diversas

experiências levando o aluno a concretizar o aprendizado no seu próprio meio. (Manacorda, 1989).

13 As três ideias do pensamento de Fröebel que se sublinha são: 1. A concepção da infância; 2. A organização

dos jardins de infância diferentes do abrigos de infância, comuns na Europa depois da restauração; 3. A didática

da primeira infância, o coração do método de Fröebel, que teve ecos importantes na práxis escolar do século

XIX. (Manacorda, 1989).

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uma consciência coletiva transformadora e humanizadora do próprio processo

escolar e da sociedade como um todo. (CARO, 2013, p. 59).

E a autora vai além:

A importância de Paulo Freire na Educação Sociocomunitária, bem como na

educação social, fundamenta-se na compatibilidade do discurso social e

comunitário, existente em seus escritos. O conteúdo da carta de Paulo Freire (1993)

aos professores tem singela sinergia com as intenções da educação social e da

Educação Sociocomunitária para com os educadores. Nesta carta, ele dialoga sobre

questões da construção de uma sociedade democrática e popular. Escreve

especialmente aos professores, convocando-os ao engajamento nessa luta. (CARO,

2013, p. 62-3).

Parece pertinente consideramos o olhar de Evangelista e Cruz (2015) sobre a

Investigação Narrativa e a Educação Sociocomunitária em “Narrativas de Formação em

Educação: possibilidades para a pesquisa e investigação em Educação Sociocomunitária”

ainda no prelo. Nesse trabalho, os autores vislumbram a possibilidade de utilizar a

investigação narrativa no campo da Educação Sociocomunitária no sentido de que ao narrar, o

pesquisador revê sua prática pedagógica, revê seu pensar, seu fazer, mais que isso, reflete

dialogicamente sobre eles, produzindo sentidos para o próprio pesquisador e para o outro.

Nesse trabalho, Evangelista e Cruz (2015), refletem sobre as dificuldades encontradas em

relação à aceitação da investigação narrativa como método de pesquisa, mesmo nas ciências

humanas. Há um olhar para o “fazer Ciência em Educação” referente a novos paradigmas

científicos de pesquisa, no tocante aos sentidos que podem surgir quando se considera as

interpretações e compreensões das intersubjetividades ao pesquisar.

Para os autores, cada sujeito está em um contexto, num ambiente, onde produz

conhecimento e valida suas experiências. Os diferentes sujeitos em diferentes contextos que

produzem conhecimento também produzem contradições ao se encontrarem. Desses

encontros saem diferentes, modificados fazendo história. Por este motivo, para Evangelista e

Cruz (2015), as Ciências Humanas que se ocupam da compreensão das experiências da vida

humana podem estar também sujeitas à mudanças. Na investigação narrativa, segundo os

autores, ser sujeito da experiência é mais do que descrever, é interpretar e reinterpretar

fenômenos, podendo, os relatos e narrativas serem utilizados como dados da pesquisa pelo

distanciamento efetuado no momento da análise destes dados.

A pesquisa narrativa rompe com a ciência clássica quando reconhece a subjetividade

do conhecimento que produz, pois a subjetividade traduz a relação do sujeito com

seu objeto, com o sujeito, e com as relações entre os sujeitos. Este tipo de pesquisa

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em educação, estabelece outro tipo de relação entre os envolvidos na investigação e

construção do conhecimento e do novo saber. (EVANGELISTA, CRUZ, 2015).

Ainda caminhado com lado de Evangelista e Cruz, seria interessante notar a posição

dos autores em relação à pesquisa no campo da Educação Sociocomunitária:

A narrativa sobre/na experiência e o vivido pelo/do pesquisador/narrador em sua

trajetória de formação e investigação, concretiza a sua formação como “profissional

prático” da educação e a relação teórico-prática na construção de seus caminhos

propostos pela pesquisa acadêmica com o seu fazer prático e contínuo. [...] Pensar a

pesquisa em educação partindo das narrativas de formação e as trajetórias na

formação docente e do educador social, possibilita que se busque pelo viés da

experiência vivida, ideais, metas e ao mesmo tempo, sentidos para tudo o que se

realiza na sua prática profissional. (EVANGELISTA, CRUZ, 2015).

Se considerarmos as definições de Groppo (2010) de comunidade e de

sociedade:

Nas suas acepções descritivas, comunidade e sociedade seriam tipos distintos de

grupo social: a comunidade como grupo menor, tradicional, primitivo, simples rural

e de tipo primário (família, aldeia e bairro); a sociedade como grupo maior,

moderno, complexo, urbano e de tipo secundário (empresa, partido, clube,

universidade e cidade).

Entretanto, desde logo a sociologia notou que comunidade e sociedade são aspectos

da vida social presentes em todos os grupos e relações sociais, em diferentes

combinações. Todo grupo social é comunidade e sociedade ao mesmo tempo, ainda

que um dos dois princípios costume ser preponderante. (GROPPO, 2010, p. 63)

Podemos considerar a partir das definições de comunidade e sociedade acima e do

ponto de vista de Evangelista e Cruz, que a investigação narrativa pode vir a ser uma forma de

se realizar pesquisa no campo da Educação Sociocomunitária, pois o aspecto comunitário e

social se entrelaçam nas relações dos sujeitos e os transformam a cada encontro.

Morais (2006) também apresenta um caminho que leva à Educação Sociocomunitária.

Ao discorrer sobre a complexificação social, Morais (2006) faz um passeio através da história

e esquematicamente e apresenta uma sequência da evolução das sociedades. Começa nas

sociedades agro-pastoris, a forma feudalista de organização da sociedade no Mundo Antigo,

que subsiste no Mundo Contemporâneo. Nessas sociedades, a figura central era o camponês,

que percebia a totalidade e sentido do seu trabalho. O camponês era paciente e conservador.

Em seguida cita as sociedades artesanais, quando as atividades humanas voltam-se para o

“fabrico” de bens domésticos e de ornamentação principalmente com o manuseio do couro.

Surge a figura do artesão, que ainda tem domínio total da sua produção, e percebe o sentido

do seu trabalho. Em seguida, surgem as sociedades manufatureiras, um primeiro esboço das

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fábricas, com a divisão do trabalho em diversas fases. As relações humanas se transformam

com base nas formas de trabalho e o trabalhador começa a perceber o sentido antropológico

do seu trabalho, ou seja, aparecem as primeiras formas empregatícias e o homem começa a

ver sua vida dividida em momentos em que trabalha e em momentos em que não trabalha.

Constituem-se em seguida, as sociedades maquinofatureiras com a primeira Revolução

Industrial e com elas as fábricas. Essas têm relação com o capital, o operário das fábricas é

impaciente, vive as tensões geradas pela exploração de sua força de trabalho e é

revolucionário. Por fim, o autor cita as sociedades atuais, as sociedades pós-industriais,

também chamadas por ele de sociedades do funcionariado tecnocrata, um alienado

indiferente, que não se livraram das indústrias, mas são marcadas pelas transações simbólicas,

como câmbio, TEDs, DOCs, entre outras. Ao mostrar este processo evolutivo, a

complexificação social, Morais (2006) tem a intenção de discutir as noções de educação,

sociedade e comunidade. E ao fazê-lo, expõe a importância da complementaridade para falar

de comunidade e sociedade. O autor afirma que comunidade e sociedade são complementares

e dessas duas realidades surge uma terceira que é a sóciocomunitária. Interessante se faz notar

que Morais (2006) percorre o trajeto do ser humano e suas relações, e afirma que a vida

humana “do orgânico ao psico-espiritual, é um sistema de trocas com o entorno”. Adiante, o

autor ainda afirma que “o homem é um ser-para-o-mundo (comunhão) e um ser-pelo-outro

(convivência identitária)”. Em relação à educação, ele afirma:

Por todas estas razões se repete sempre e com razão que educar é tarefa de toda a

sociedade; tarefa que se inicia no lar e as famílias não podem delegar, em sua

condição de “grupo primário” de laços existenciais afetivos, mas que se estende

como compromisso de todas as frentes sociais, em sua consciência humana pública e

personalizante. Educar (do latim educere), num primeiro plano significa levar de um

lugar para outro; todavia, não quer dizer levar-se de um lugar qualquer para outro

qualquer, significando a condução de uma personalidade da alvorada de suas

primeiras experiências vitais à sua consciência de cidadania, a qual implica visão

lúcida do seu mundo relacional e de si mesma. (MORAIS, 2006, p. 48-9).

Na tentativa de sintetizar recorro novamente a Morais (2006) quando este cita Buber,

que difere coletividade de comunidade, dizendo que a primeira é apenas um enfeixamento de

indivíduos, enquanto que a segunda, a comunidade em evolução revela um estar um-COM-o-

outro. Este estar um-COM-o-outro revela um face-a-face dinâmico um fluir do Eu para o Tu.

Morais (2006) define a Educação Sociocomunitária:

Eis por que não entendo o sócio-comunitário como o apenas pôr-se, lado a lado e de

forma contígua, sociedade e comunidade. Quando sociedade e comunidade se

complementam, essa dinâmica recíproca dá origem à terceira realidade do sócio-

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comunitário. Então, a escolha por uma educação sócio-comunitária é bem mais

complexa do que às vezes se pensa, pois ela implica trabalhar-se da forma mais

completa, uma realidade sutilmente composta. (MORAIS, 2006, p. 55-6).

Morais (2006) cita Bauman quando este afirma que o comunitarismo é uma filosofia

dos fracos, e lança uma pergunta bastante pertinente e inquietante em relação à Educação

Sociocomunitária, qual seja: “Com que comunidades nos ocuparemos?”. Essa resposta quem

nos dá é João Bosco.

Antes de propor uma resposta à pergunta de Morais (2006) estabeleço mais um

caminho percorrido para chegar à Educação Sociocomunitária embasado na educação

salesiana. Gomes (2008) assim estabelece uma relação entre João Bosco e a Educação

Sociocomunitária:

Em nosso caso, a proposta da investigação em educação Sócio-comunitária surgiu

do estudo da identidade histórica de uma prática educativa, a educação salesiana.

Em suas origens históricas, ela se fundava na articulação de uma comunidade civil –

de religiosos e cidadãos comuns – em torno de um projeto educacional, que

participou e promoveu transformações sociais em seu tempo e lugar histórico.

(GOMES, 2008, p. 52-3).

As práticas de João Bosco com a finalidade de tirar meninos da rua explorados por

patrões se deram, como anteriormente mencionado, no contexto da Itália do século XIX que

estava lutando pela unificação, por uma língua que os unisse como Estado, uma Itália que não

conseguia lidar com suas cidades cheias de migrantes do campo em busca de uma vida melhor

e que convivia com sociedades secretas, com o socialismo e anarquismo e, além disso,

caminhando para uma tendência a se tornar um estado laico. Nesse ambiente inóspito João

Bosco se equilibrava na “corda bamba” da política e se mantinha um cristão fervoroso e

seguidor fiel do Papa. Abordava os jovens que dependiam de patrões. Patrões que visavam

apenas o lucro e que se consideravam benfeitores pelo fato de esses mesmos meninos

explorados brigarem por um emprego, mesmo que isso significasse sofrimento e quase

escravidão. A abordagem em geral era feita na rua, e tinha o objetivo de conquistar a

confiança dos meninos e mostrar-lhes um caminho que inicialmente nem ele sabia como seria

trilhado a despeito de tantas dificuldades. João Bosco articulou uma organização religiosa

nessa Itália que tinha tendências a se tornar um estado laico com dificuldades econômicas,

políticas e sociais. Suas intervenções com os meninos que abordava eram honestas e

respeitosas em relação a eles, pois sabia que jamais permaneceriam naquelas condições se

pudessem escolher.

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Gomes (2008) faz questão de refletir sobre “comunidade”, o que parece bastante

oportuno para se definir a ação de João Bosco. Comunidade para Gomes (2008) em geral tem

um sentido positivo, tanto que quando se trata de algo negativo, tem seu lado positivo

preservado pela retórica, pois é um termo que em geral é ligado ao bem comum. Para ilustrar,

o autor associa o termo “comunidade” a “presidiários” e “terroristas”, e justifica o

apagamento do lado negativo ao fato de a palavra estar de certa forma blindada, justamente

pela ligação ao sentido do bem comum.

Outra preocupação do autor é discutir “intervenção” o que ele classifica como um ato

de ruptura. A proposta da Educação Sociocomunitária, segundo o autor, numa primeira visão

seria uma forma de se articular a comunidade a mudar algo na sociedade por meio de

processos educativos, o que não significa dizer que a Educação Sociocomunitária pudesse

representar a solução de todos os problemas sociais e educativos, mas sim, “a

problematização das possibilidades de emancipação de comunidades e pessoas em construir

articulações políticas, por meio de ações educativas, que provoquem transformações sociais

intencionadas” (Gomes, 2008).

Segundo Gomes (2008), comunidade, transformação social, emancipação e autonomia

são valores integrantes da Educação Sociocomunitária, e para o autor, faz-se necessário uma

investigação sobre a Educação Sociocomunitária a fim de ir além do discurso científico, é

necessário que se investigue historicamente para que ela seja colocada como uma práxis

educativa.

A educação Sócio-comunitária é uma divisão na Ciência da Educação que, como as

demais, envolve seus interesses e riscos. Proposta sua investigação a partir de

evidências históricas de sua ocorrência prática, necessita ser investigada tanto sob a

perspectiva histórica como sob a perspectiva crítica de sua prática, notadamente,

como enfatizamos, em suas categorias de comunidade e intervenção educativa.

(GOMES, 2008, p. 62).

4.2. EVIDENCIAS HISTÓRICAS: JOÃO BOSCO, ALGUMAS APROXIMAÇÕES E

CONVERGÊNCIAS POSSÍVEIS PARA A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA

Em suas raízes, as ações sociocomunitárias remontam ao modo como João Bosco agia,

e seus diferentes espaços de intervenção. Sua forma de agir ilustra seu tempo e seu contexto.

No entanto, hoje, o Quadro Referencial da Pastoral Juvenil Salesiana, instrumento para

orientar o itinerário da ação da pastoral salesiana, discorre sobre a originalidade das obras

sociais salesianas e destaca:

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Dom Bosco, pelas ruas de Turim, notou as necessidades dos jovens em perigo e

respondeu à sua pobreza abrindo novas frentes de serviço pastoral. Logo que entrou

no Colégio Eclesiástico, o padre Cafasso lhe confiara a tarefa de visitar as prisões

nas quais, pela primeira vez, constatou a condição alarmante e desafortunada de

muitos jovens detidos. O impacto com os jovens na prisão comove-o e perturba-o,

mas suscita também uma reflexão operativa.

Considerou-se enviado por Deus para responder ao grito dos jovens pobres e

intuiu que, se era importante dar respostas imediatas ao mal-estar deles, era-o ainda

mais prevenir as suas causas com uma proposta educativa integral. Para tanto,

ele quis, em primeiro lugar, acolher junto de si os jovens, órfãos e abandonados, que

chegavam à cidade de Turim à procura de trabalho, não podendo ou não querendo

seus pais assumir o cuidado deles.

Com o zelo missionário de Dom Bosco, vamos ao encontro das crianças, dos

adolescentes e dos jovens que vivem em condições de exclusão social. Esta

expressão deve ser assumida além do mero significado econômico; a ele faz

referência o conceito tradicional de pobreza, pois também implica a limitação no

acesso à instrução, à cultura, à moradia, ao trabalho; implica também a falta de

reconhecimento e obtenção da dignidade humana além da interdição ao exercício da

verdadeira cidadania. Nós acreditamos que a forma mais eficaz de responder a essa

dificuldade é a ação preventiva em suas múltiplas formas.

A opção pelos jovens pobres, abandonados e em situação de risco sempre esteve

presente no coração e na vida da Família Salesiana, desde Dom Bosco até hoje; de

aqui uma grande variedade de projetos, serviços e estruturas para a juventude

mais pobre, com a opção da educação, inspirada no critério preventivo salesiano.

(ATTARD, 2014, p. 233-4, grifo do autor).

Soffner, Antonio e Evangelista (2013) também aproximam a prática de João Bosco à

Educação Sociocomunitária, afirmando sobre o estilo de João Bosco, dizendo que este:

Nasce de sua sólida formação filosófica e teológica, de sua intuição sacerdotal e de

sua visão cristã do mundo, fruto da formação tomista. Dom Bosco não foi um

pedagogista, um teórico da educação, ou estudioso de problemas didáticos; não

escreveu um estudo refletido e científico-positivo em torno da metodologia. Era, na

verdade, um educador, cuja ação pedagógica foi marcada por intervenção, e por um

estilo educativo único. Eis aqui a aproximação com o conceito de educação

sociocomunitária, que modernamente trata da práxis social e comunitária, do papel

da sociedade civil em relação às atribuições educacionais do Estado, da autonomia,

cidadania, ação social (por meio da participação e intervenção social), da

intersubjetividade, da ação de sujeitos comunitários e sociais, da práxis educativa (já

trabalhada anteriormente), do educador como articulador comunitário e social, das

intervenções educativas formais, não formais e sociais, e do momento histórico de

Dom Bosco – as origens do trabalho salesiano em relação a esses pontos. Ou seja,

uma visão atual da educação sociocomunitária como representante salesiano nessas

discussões. (SOFFNER, ANTONIO, EVANGELISTA, 2013, p.64).

Voltamos ao questionamento de Morais (2006), “Com que comunidade nos

ocuparemos?”, ao qual João Bosco responde: a opção é pelos jovens pobres. Tendo a

Educação Sociocomunitária sua origem nas ações e intervenções de João Bosco no século

XIX, no contexto histórico e social em que se inseria, e sabendo-se que esta escolha pelo

jovem carente ou em situações de risco ou exclusão, seria pertinente dizer que também a

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Educação Sociocomunitária estaria ligada a comunidades com este perfil. Importante se faz

esclarecer que, por carente, pode-se entender não apenas a situação financeira, mas também

questões que podem acarretar principalmente a falta de uma vida digna. Neste sentido, o

método preventivo e a proposta de educação integral da Educação Salesiana podem contribuir

para o campo de ação da Educação Sociocomunitária para que este campo de ação e de

pesquisa possa agir também de forma a intervir prevenindo e não apenas corrigindo.

Confirmando a colocação de Soffner, Antonio e Evangelista (2013), a práxis de João Bosco

para resgatar meninos e jovens em situação de risco na Turim do século XIX, remete a um

olhar sociocomunitário no sentido de que suas intervenções articulavam a comunidade e a

sociedade para atingir seus objetivos em meio a um ambiente inóspito marcado por intensos

movimentos políticos religiosos.

4.3. REFLEXÕES DA PESQUISADORA A RESPEITO DO CAMPO DA EDUCAÇÃO

SOCIOCOMUNITÁRIA

Apresento neste momento algumas reflexões da pesquisadora, aluna do Programa de

Mestrado de Educação Sociocomunitária do UNISAL sobre este campo de pesquisa.

Em primeiro lugar, recorro a Martins (2006) quando este diz que a Educação

Sociocomunitária poderá vir a ser se for articulada com a práxis comunitária e com a práxis

social. O autor cita Gramsci quando este coloca que “é preciso que os intelectuais sintam o

que o povo sente, assim como é necessário que o povo saiba o que os intelectuais sabem”

(Martins, 2006, p. 78) para que se possa transformar o mundo, ou seja, um vendo e se vendo

no outro, sentindo e se sentindo no outro e consequentemente identificando-se com e no

outro. João Bosco dizia algo semelhante sobre os jovens: “Que os jovens não somente sejam

amados, mas que eles próprios saibam que são amados”. A respeito desta máxima de João

Bosco, (Davério, 1980) apresenta um episódio das Memórias de João Bosco que narra como

um menino elegante e rico foi parar nas mãos de João Bosco. Conta que certa manha um pai

entristecido e desanimado com os maus modos, com o afastamento da religião e com a

rebeldia do filho procurou João Bosco para que este cuidasse do menino, já que os genitores

não sabiam mais como agir para que ele se tornasse uma pessoa melhor. Já haviam

experimentado os mais diferentes colégios sem sucesso. Sua única esperança era o padre.

Depois da conversa com o pai, João Bosco manda chamar o menino e conversa com ele. O

menino aceita ficar com o padre, mas impões três condições para ficar. Eram elas: que não lhe

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falassem de confissão, que fosse dispensado de ir à igreja e que pudesse “escapulir” das

atividades quando quisesse. João Bosco aceitou. O menino, então, passou a ser tratado com

bondade, como se fosse um de seus melhores alunos e era respeitado nas condições impostas.

Por vezes fugia das atividades e achava que era um “espertalhão” e considerava os outros uns

“bobocas”. Com o tempo passou a notar como todos o tratavam e a gostar dos colegas do

local. Pensou que se eles mesmo indo à igreja eram alegres, por que não poderia ele próprio

ser alegre mesmo indo à igreja? Por fim, um dia entrou na igreja não por curiosidade, mas

decidido a se confessar. João Bosco comenta sobre o episódio com seu biografo: “percebeu

que era amado, o que antes nunca havia sentido”. Percebeu-se no outro e com o outro.

O que se entende nas entrelinhas da ação de João Bosco é que havia uma flexibilidade

para cuidar dos jovens, pois com muita rigidez não seria possível conquistá-los. Além, é claro,

de respeito ao olhar para e COM o outro.

É inegável a necessidade de se buscar bases teóricas para que a Educação

Sociocomunitária se estabeleça como um campo de pesquisa e de intervenção, por isso

convido o leitor a refletir comigo sobre método de trabalho de João Bosco e Paulo Freire, e a

escolha destes nomes se dá pela importância dos mesmos no campo da Educação

Sociocomunitária.

Sobre a práxis de João Bosco:

Em 1886, portanto dois anos antes de morrer, Dom Bosco recebeu uma carta do

reitor do Seminário Maior de Montpellier uma carta na qual pedia insistentemente

que lhe comunicasse o segredo de sua pedagogia. Era já a segunda vez que lhe fazia

tal pedido. À primeira carta do reitor, Dom Bosco tinha respondido: “De meus

meninos consigo tudo o que desejo, graças ao temor de Deus infundido em seus

corações”. “Mas – retrucava o correspondente – o temor de Deus é apenas o

princípio da sabedoria. E para terminar? Vamos, Dom Bosco, quero que V. Rev.ma

me dê a chave de seu sistema para eu adotá-lo em proveito dos meus seminaristas”.

“O meu sistema! O meu sistema! Repetia o Santo enquanto ia dobrando de novo a

carta. Mas se nem eu o conheço! O que tenho feito é apenas ir seguindo o que Deus

me inspira e as circunstancias sugerem.”

E era isso mesmo. Esse homem que teve o gênio da educação não cogitou em

arquitetar um sistema. Ao declinar de seus dias recolheu, é verdade, os resultados de

sua experiência; mas foi só isso. (AUFFRAY, 1946, p. 285).

O que se poderia concluir é que a situação definiria a melhor forma de agir, ou seja,

não se pode negar a inclusão no mundo, não se pode negar o contexto histórico.

Freire e a situcionalidade:

Sendo os homens seres “em situação”, se encontram enraizados em condições

tempo-espaciais que os marcam e a que eles igualmente marcam. Sua tendência é

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refletir sobre sua própria situcionalidade, na medida em que, desafiados por ela,

agem sobre ela. Esta reflexão implica, por isto mesmo, algo mais que estar em

situcionalidade, que é a sua posição fundamental. Os homens são porque estão em

situação. E serão tanto mais quanto não só pensem criticamente sobre sua forma de

estar, mas criticamente atuem sobre a situação em que estão (FREIRE, 2014b, p.

141, grifo do autor).

Poder-se-ia vislumbrar uma convergência nos olhares de João Bosco e de Freire no

aspecto do “agir e estar no mundo”, no sentido de que há uma flexibilidade na forma de estar

neste mundo, pois estando nele, agimos com ele e com os que neles estão. Freire (2014b)

destaca que não há homem sem realidade e que o movimento do homem parte das relações

“homens-mundo”, o que nos remete a João Bosco em sua posição de agir conforme a

situação. Mais do que a situação, mais do que o estar no mundo, pode-se dizer que as duas

formas de agir, interagir e intervir citadas podem estar mais relacionadas ao estar no mundo

COM. As relações assim como ou mais do que as situações é que definem a forma de agir.

Caliman (2009) fala sobre um novo paradigma da educação para o século XXI,

diferente do século XX:

O paradigma da educação dominante no século XX foi de tipo utilitário, era

centralizado sobre a aprendizagem como condição para o sucesso profissional, para

o acesso ao conhecimento útil e para a fruição consequente de bens econômicos.

Como reação a tal pragmatismo, começa a se estabelecer um novo paradigma

onde a construção dos novos saberes é eminentemente relacional, não

meramente instrumental. (CALIMAN, 2009, p. 09-17, grifo nosso).

No Relatório Delors (1998) sobre Educação para o século XXI, “Educação Um

Tesouro A Descobrir”, a UNESCO apresenta os quatro pilares desse novo paradigma da

educação:

Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve organizar-se

em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão

de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a

conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para

poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e

cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser,

via essencial que integra as três precedentes. É claro que estas quatro vias do saber

constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de contato, de

relacionamento e de permuta. (DELORS, 1998, p. 89-90, grifos do autor).

Caliman (2009) cita o relatório Delors (1998) para a UNESCO:

Algumas consequências desse novo paradigma, desenhado pela Unesco no Relatório

Delors, contemplam: (a) a aprendizagem ao longo de toda a vida: a educação não se

confina numa etapa inicial da vida, mas passa a estar presente em todos os ciclos de

vida; (b) o aprender vivendo e o viver aprendendo; (c) a compreensão que leva à

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participação: “eu compreendo, logo participo”. A aprendizagem contribui para

ganhar inteligibilidade sobre a vida e sobre o mundo; (d) a aprendizagem enquanto

participação: “eu participo, logo existo”. (CALIMAN, 2009, p. 09-17).

Paulo Freire (2014b, p. 141) afirma que “os homens são porque estão em situação e

serão tanto mais quanto não só pensem criticamente sobre sua forma de estar, mas

criticamente atuem sobre a situação em que estão”, João Bosco dizia que fazia o que as

circunstancias sugerissem (Auffray, 1946), e sabendo-se de todo o trabalho de João Bosco foi

a base histórica da Educação Sociocomunitária, e que tanto Freire como João Bosco atuaram

em principio na educação não-formal, podemos chegar até a Educação Sociocomunitária hoje

na perspectiva do Relatório Delors (1998):

Mas, em regra geral, o ensino formal orienta-se, essencialmente, se não

exclusivamente, para o aprender a conhecer e, em menor escala, para o aprender a

fazer. As duas outras aprendizagens dependem, a maior parte das vezes, de

circunstâncias aleatórias quando não são tidas, de algum modo, como

prolongamento natural das duas primeiras. Ora, a Comissão pensa que cada um dos

“quatro pilares do conhecimento” deve ser objeto de atenção igual por parte do

ensino estruturado, a fim de que a educação apareça como uma experiência global a

levar a cabo ao longo de toda a vida, no plano cognitivo como no prático, para o

indivíduo enquanto pessoa e membro da sociedade. (DELORS, 1998, p. 90, grifo do

autor).

Se a educação formal delegou o “aprender a viver juntos” e o “aprender a ser” para

“circunstancias aleatórias”, como o Relatório Delors (1989) aponta, resta à comunidade e à

sociedade juntas e complementarmente agirem nestes dois “aprenderes”. A Educação

Sociocomunitária, nem de longe se definiria como uma “circunstancia aleatória”, pois é uma

realidade com base histórica de intervenção sociocomunitária em João Bosco, é um campo

para que se trabalhe o “aprender a viver juntos” e o “aprender a ser”. João Bosco e Paulo

Freire confirmam essa possibilidade.

No entanto, enquanto todos os quatro pilares da educação, segundo o Relatório Delors

(1998) não estão presentes na educação formal, a Comissão que o idealizou e criou não perde

a esperança:

Ora, a Comissão pensa que cada um dos “quatro pilares do conhecimento” deve ser

objeto de atenção igual por parte do ensino estruturado, a fim de que a educação

apareça como uma experiência global a levar a cabo ao longo de toda a vida, no

plano cognitivo como no prático, para o indivíduo enquanto pessoa e membro da

sociedade. Desde o início dos seus trabalhos que os membros da Comissão

compreenderam que seria indispensável, para enfrentar os desafios do próximo

século, assinalar novos objetivos à educação e, portanto, mudar a idéia que se tem da

sua utilidade. Uma nova concepção ampliada de educação devia fazer com que todos

pudessem descobrir, reanimar e fortalecer o seu potencial criativo — revelar o

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tesouro escondido em cada um de nós. Isto supõe que se ultrapasse a visão

puramente instrumental da educação, considerada como a via obrigatória para obter

certos resultados (saber-fazer, aquisição de capacidades diversas, fins de ordem

econômica), e se passe a considerá-la em toda a sua plenitude: realização da pessoa

que, na sua totalidade, aprende a ser. (DELORS, 1998, p. 90).

A segunda e última reflexão sobre o campo da Educação Sociocomunitária é a visão

da aluna do Programa de Mestrado em Educação Sociocomunitária. Durante as aulas e

eventos do Programa que presenciei e participei, pude confirmar o que Martins (2006) quer

dizer, ou seja, há sim uma preocupação em se refletir sobre este campo teórico. Pelo que foi

exposto neste capítulo em relação ã ligação entre a Educação Sociocomunitária e João Bosco

e suas intervenções no seu contexto histórico, em façe à busca por estabelecer-se este campo

na academia e pela minha vivência na disciplina “História da Educação Salesiana”, sugiro

duas ações: a primeira é que se torne esta disciplina obrigatória por motivos relevantes já

colocados nesta pesquisa; e segundo que se proponha uma disciplina para que e na qual os

alunos do Programa pudessem ler, estudar, refletir, e auxiliar nessa busca, uma disciplina que

discutisse o próprio campo da Educação Sociocomunitária, e que essa fosse também uma

disciplina obrigatória devido à sua importância. A intenção com essas sugestões são de

contribuir com o processo e com o Programa.

Para finalizar este capítulo sobre a Educação Sociocomunitária, sem, contudo, esgotar

o assunto, devo concordar com Martins (2006) quando este afirma que a Educação

Sociocomunitária é um campo que está em construção. No entanto, peço licença para, sob

outro aspecto, discordar e acrescentar que, de acordo com Freire (2014b), para ser é preciso

estar sendo, portanto, a Educação Sociocomunitária é, pois está sendo, e aprova disso é a

presente pesquisa, portanto ele existe. Ainda na percepção de Freire (2013b)

Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante,

transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de

amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A

assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a “outredade” do

“não-eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu. (FREIRE, 2013b,

p. 42, grifo do autor).

Seria possível pensar a Educação SocioCOMunitária como um encontro no e com o

outro, pois,

O fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros me põe numa

posição em face do mundo que não é a de quem não tem nada a ver com ele. Afinal,

minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se

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insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da

história (FREIRE, 2013b, p. 53, grifo do autor).

O sujeito que dá sentido à sua própria história na e COM a história do outro. Como

olhar para e com o outro se não se vê o outro? “Onde está você em seu mundo?” (Buber,

2011).

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CAPÍTULO 5: OS PROJETOS EM SEU CONTEXTO

Os projetos objeto de estudo desta pesquisa se deram numa Escola Salesiana, portanto,

faz-se necessário a contextualização dos Salesianos no Brasil. Por este motivo, propõe-se um

breve histórico dos salesianos até que chegam à Campinas, local onde a Escola Salesiana São

José se insere e onde os projetos foram desenvolvidos, bem como uma breve explanação a

respeito da escola e da Pastoral da escola.

5.1. OS SALESIANOS CHEGAM AO BRASIL E A CAMPINAS

Em 11 de novembro de 1875, depois de várias tratativas e contatos feitos por João

Bosco, a primeira missão dos salesianos embarca para novas terras: a patagônia. Os

missionários, seis padres e quatro religiosos leigos (um marceneiro, um sapateiro, um mestre

de música e um mestre de serviços caseiros) embarcam para a Argentina levando e iniciando a

obra salesiana na América Latina. Da Argentina não custou muito aos salesianos a emigrar

para o Uruguai, Brasil, Chile e Equador (Schiélé, 2008).

No Brasil, em 1882, o padre Luís Lasagna faz uma sondagem para sentir as

necessidades do país no campo educacional. Viaja do Rio de Janeiro até Belém do Pará e

sugere que os salesianos comecem com os Oratórios Festivos, Escolas de Artes e Ofícios e

com a instalação de escolas agrícolas para atender as necessidades dos jovens e do país. Em

1883 os salesianos fundam o Colégio Salesiano Santa Rosa em Niterói com oficinas de

monotipia, encadernação, sapataria, marcenaria, mecânica e eletricidade. Em 1905 expandiu-

se para a o ensino comercial (Santos; Castilho, 2003). Em 1895 inaugura-se a primeira escola

agrícola em Cachoeira do Campo, posteriormente reconhecida pelo Governo do Estado de

Minas Gerais como escola superior, formando engenheiros agrícolas em 1919 (Santos;

Castilho, 2003).

Na cidade de Campinas-SP, em 1897, os salesianos fundam o Lyceu de Artes e

Officios Nossa Senhora Auxiliadora que veio como resposta ao pouco empenho por parte da

Republica pela educação (Negrão, 1997). O Liceu acolhia e profissionalizava órfãos

abandonados. Por conta a configuração da cidade de Campinas no inicio do século XX, um

centro rural com muitas propriedades rurais, passando da monocultura do café para a

policultura, nasce um sonho entre os salesianos: uma escola agrícola (Negrão, 1997). A escola

é inaugurada em 1914. Com o tempo e com a urbanização, no entanto, a escola agrícola teria

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que ser deslocada para outro lugar. O local escolhido foi onde hoje se encontra a Escola

Salesiana São José, que iniciou suas atividades como escola agrícola recebendo, em regime de

internato, menores em dificuldades (orfandade, problemas familiares, de alcoolismo e

miséria), numa época em que o internato era considerado um mal necessário (Negrão, 1997).

Aos poucos as oficinas foram instaladas e já se configuravam as atividades em favor de obras

externas, o atendimento à instituições como a Capela das Filhas de Maria Auxiliadora, a

paróquia Nossa Senhora das Graças, a Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, o Colégio

Progresso, a Casa de Saúde “Dr. Bierrenbach de Castro” – Hospital de Moléstias Nervosas e

Mentais, a capela de Barão Geraldo, e o Orfanato “Lar Escola Nossa Senhora do Calvário”,

onde atuavam celebrando missas entre outras atividades. As atividades de esporte e

assossiacionismo sempre estiveram presentes como ferramentas para a conquista do

crescimento humano (Santos; Castilho, 2003). Desde seus primórdios, a Escola Salesiana São

José comunga dos valores e preceitos salesianos da preventividade:

O educador acompanha continuamente os jovens com olhar cheio de amor,

deixando-lhe, porém, amplo e livre espaço de movimento e de construção de ricos

processos de valoração. Age sempre buscando a persuasão, menos com as palavras e

mais com os exemplos. Tem consciência de que “não basta amar, é preciso que o

outro se sinta amado”... e por isso “esforça-se por fazer-se amar!”. Corrige e propõe

limites cordialmente em lugar de punir fria e categoricamente pelas ações praticadas,

muitas vezes, por natural leviandade e mobilidade de espírito, próprias da idade. [...]

em síntese, o educador põe em prática, afinal, o grande segredo de se fazer querer

bem, para obter com amor aquilo que talvez nem com a força se alcançaria ou que,

em seu lugar, produziria falsidade, duplicidade e incoerência. (SANTOS;

CASTILHO, 2003, p. 265).

5.1.1. A Escola Salesiana São José hoje

[...] o ser humano não pode realizar-se plenamente sem abrir-se ao “Tu Absoluto” e

comprometer-se com Ele. [...] A pedagogia salesiana acredita que o encontro com o

Outro, Tu Absoluto, pode passar, quase sempre acontece assim, pelas mediações e

pistas humanas, a partir de uma dimensão de alteridade. (SANTOS; CASTILHO,

2003, p. 278).

A dimensão da alteridade só se alcança quando se consegue olhar para o outro sem se

perder de si mesmo, ao se olhar o outro e vendo-se nele, sem se perder nele. Na linha tênue

entre a autonomia e heteronomia é necessário que se busque a identidade. A identidade

construída dentro de uma perspectiva de alteridade e ética pode levar ao protagonismo que

constrói. Nessa direção pautam-se as ações dos profissionais salesianos e, portanto, permeiam

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as escolhas pedagógicas da Escola Salesiana São José. Sobre a missão e valores da Escola

Salesiana São José:

MISSÃO

Viver os valores cristãos e ajudar os alunos a dominar o conteúdo ensinado e a

buscar o conhecimento, capacitando-os à realização pessoal e atuação na sociedade,

tornando-a melhor.

VALORES

Preocupamo-nos com a formação integral do ser humano;

Acreditamos que a religiosidade é fundamental na formação integral;

Acolhemos a todos com respeito e "Amor-Fraterno";

Damos as razões das nossas atitudes;

Praticamos o diálogo-educativo e a ética como princípios em nossas ações;

Buscamos a vivência da autonomia;

Incentivamos o protagonismo saudável;

Trabalhamos com eficiência, competência, compromisso e profissionalismo;

Somos todos co-responsáveis nas ações educativas. (ESSJ, 2016).

A Escola Salesiana São José conta com os setores de Educação Infantil, Ensino

Fundamental I, Ensino Fundamental II, Ensino Médio, CPDB (Centro Profissional Dom

Bosco – que atende a cerca de 200 jovens de baixa renda, entre 14 e 18 anos, com cursos de

formação Técnicos Profissionais de qualidade gratuitamente, tendo em vista uma formação

integral ajudando na sua inserção no mercado de trabalho e realização pessoal) e São José

Pleno (opção de período integral do 2º ao 5º Ano) (ESSJ, 2016). O prédio da Escola Salesiana

São José abriga também o campus do Centro universitário Salesiano – Unisal com cursos de

graduação e pós-graduação, diurnos e noturnos.

A escola conta com eventos que envolvem os alunos em projetos pedagógicos

especiais como a Mostra Cultural (anteriormente chamado de escola Aberta e São José:

Ciência e Cultura), Jogos Missionários (anteriormente chamado de Semcel – Semana de

Cultura, Esporte e Lazer e também de Jogos Marianos). Há também outros eventos que têm a

função de integrar a escola com a comunidade, como: Passeio Ciclístico, Festa de São José e

Festa Junina. Há os projetos específicos de cada setor da escola ou que permeiam todos os

setores da escola como as campanhas solidárias, projetos da Pastoral da escola entre outros.

(ESSJ, 2016)

5.1.2. O Ensino Fundamental II: o berço dos projetos Garage Sale e Pink Lemonade

O Ensino Fundamental II atenda a alunos do 6º ao 9º ano, com idades que em geral

vão de 12 até 15 anos e tem os seguintes componentes curriculares: Arte, Ciências, Educação

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Física, Ensino Religioso, Filosofia, Geografia, História, Inglês, Língua Portuguesa,

Matemática e conta com uma equipe formada por professores especialistas de cada

componente curricular, além de Equipe de Apoio ao estudante, Orientação Pedagógica e

Coordenação Pedagógica. O Ensino Fundamental II tem como finalidade e objetivos:

O Ensino Fundamental II tem por objetivo a formação básica do cidadão, mediante:

a) o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o

domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

b) a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia,

das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

c) o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de

conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;

d) o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de

tolerância recíproca em que se assenta a vida social. (ESSJ, 2016).

No Ensino Fundamental II, por meio da Orientação Pedagógica, importantes projetos

que possibilitam a formação integral do aluno são desenvolvidos. Entre eles: Hábito de

estudo, Projeto Liderança (escolha de alunos representantes de classe e do professor

orientador de cada classe, feita pelos próprios alunos de forma democrática). Estes projetos

propiciam momentos de protagonismo dentro da sala de aula e fora dela, em que o aluno pode

exercer sua autonomia para julgar, escolher e tomar aas melhores decisões a respeito da sua

vida escolar. (ESSJ, 2016). Outros projetos permeiam o setor, como Projeto Estudo do Meio

(saídas pedagógicas com os alunos na companhia de professores com objetivo de pesquisar e

produzir conhecimento em momentos posteriores em sala de aula).

5.1.3. Uma escola em Pastoral

A Pastoral na Escola Salesiana São José articula os espaços de vivência dos valores

humanos, sociais, salesianos e religiosos oferecendo oportunidades de expressão de fé para

todos os membros da Comunidade Educativa, diferentemente do Ensino religioso que é um

componente curricular com conteúdo específico e da Catequese que é própria da Comunidade

Eclesial – a paróquia para os católicos. (ESSJ, 2016).

A Pastoral da Escola Salesiana São José tem suas metas e princípios:

Da Escola em Pastoral; Da autonomia; Do respeito às individualidades e à

diversidade; Da opção preferencial pelos jovens e pelas crianças; Da abertura ao

ecumenismo e ao diálogo inter-religioso; Do trabalho de equipe e do

associacionismo juvenil; Da Articulação da Juventude Salesiana; Do planejamento

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participativo; Do núcleo animador do Conselho da CEP; Do protagonismo juvenil.

(ESSJ, 2016).

De forma gradual a Pastoral da escola:

[...] anunciará os valores evangélicos e denunciará os contra-valores dentro e fora

da escola; promoverá a inculturação do evangelho nas diferentes realidades sócio-

culturais dos membros da comunidade educativa; trabalhará a capacidade de

núcleo animador (Criará “processos” em detrimento do ativismo); oferecerá

distintos programas e atividades: PJE (Pastoral da Juventude Estudantil), AJS

(Articulação da Juventude Salesiana), Retiros Espirituais, Dias de Formação,

Mensagens diárias antes das aulas, Celebrações, Catequese bíblica, Mariana e

Salesiana, Apoio ao Ensino Religioso, Campanhas de Solidariedade e de

Cidadania, Visitas às Entidades, Semana Missionária, Programas de Acolhimento

e Entrosamento, Animação, Reflexão e Oração, respeitando as etapas em que se

encontram os membros da Comunidade Educativa (faixa etária, grau de

envolvimento eclesial, entre outros). (ESSJ, 2016).

Destaca-se dentre os itens acima citados, as Mensagens Diárias: Bom Dia / Boa tarde

que constituem momentos de conversa entre professores e alunos em sala de aula ou em

espaços para isso determinados em que a partir da leitura de uma mensagem abre-se um

diálogo há uma interação entre alunos e professores. Além deste projeto, destacam-se as

Campanhas Solidárias que movimentam os alunos e famílias em torno de um objetivo

comum: ir ao encontro do outro que está com dificuldades. Dentro desta modalidade, se

incluem os projetos desenvolvidos nas aulas de Inglês nos 6ºs e 7ºs anos do Ensino

Fundamental II.

5.2. O PROJETO GARAGE SALE

5.2.1. Contextualização do projeto

Encontro me neste momento na posição de pesquisadora participante deste projeto.

Não seria possível escrever sobre o projeto antes de deixar alguns conceitos claros a fim de

que se possa contextualizá-lo, justificá-lo em relação à sua própria existência, execução e até

mesmo ao caminho até a escrita deste. Os conceitos em questão são autonomia, protagonismo

e alteridade nas práticas educativas e se faz necessário também contextualizar o ensino de

língua estrangeira no contexto da escola onde o projeto se insere.

Para que se contextualize o projeto remeto-me ao memorial da pesquisadora, quando

nele escrevo sobre a experiência e vivência com a língua estrangeira e deixar claro meu

conceito de educação. Devo acrescentar às ideias desse memorial, que durante o tempo em

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que trabalhei como professora de língua estrangeira – Inglês estive em contato com pessoas

que valorizavam, por motivos diferentes, a cultura estadunidense e ao mesmo tempo convivia

com um contexto totalmente contrário no ambiente familiar, meu pai era totalmente contra a

invasão política e econômica dos Estados Unidos da América. Era difícil transitar por esses

dois ambientes tendo que ensinar a língua estrangeira sem perder de vista o valor que esta

tinha e tem no mercado de trabalho e vida acadêmica, bem como as possibilidades de invasão

cultural que poderia ser proporcionada por este aprendizado.

As inquietações aumentaram nas aulas de literatura da língua inglesa no curso de

Letras na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, muitos questionamentos se juntaram

aos que já existiam. Iria encontrar meu lugar, meu equilíbrio apenas após ter saído do

ambiente de ensino de língua estrangeira em escolas de idiomas e ingressar no ambiente de

ensino de língua estrangeira em escolas regulares de Ensino Fundamental e Médio. Neste

momento da minha vida profissional é que pude começar a me definir como professora de

língua estrangeira, e cidadã brasileira consciente da sua cultura, do seu valor dela e também

do valor de outras culturas. Tomei ciência dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e a

partir daí, a construção do conceito de educar e educação foram se estabelecendo e se

fortalecendo na minha prática.

A partir de discussões e reflexões com colegas, da escrita de planejamentos, da

interdisciplinaridade nas práticas educativas, da diversidade de material com os quais lecionei

desde então, com a filosofia de cada escola por onde passei, e com os alunos e famílias com

os quais trabalhei e convivi, o aprendizado foi aumentando e o círculo de possibilidades e

abrangências me atingindo, me tocando e me fazendo pertencer. O círculo de pertencimento

foi aumentando, de pertencer a um grupo de professores, uma comunidade escolar, uma

comunidade que ensina língua estrangeira, passei a pertencer ao meu bairro, à minha cidade,

ao meu estado, ao meu país e ao mundo. Nesse ponto, fica inevitável tentar provocar meus

alunos e tentar despertar a curiosidade e o respeito por outras culturas.

Chego à Escola Salesiana São José em 1998. Com duas aulas de inglês semanais, com

a duração de 45 minutos que a partir de 2009 passaram a ter 50 minutos. Até o ano 2008 a

escolha de todo o material a ser adotado era de responsabilidade do professor. A partir de

2009 houve a implantação do Material da Rede Salesiana de Escolas (RSE) O livro de inglês

de autoria de Luziana Lanna e Anneliese Gama de Carvalho passou a ser o material de uso em

sala, porem, os livros paradidáticos continuaram a ser de responsabilidade do professor.

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5.2.2. Gênese do Projeto Garage Sale

O nome do projeto objeto de estudo desta pesquisa, na Escola Salesiana São José, é

Garage Sale e aconteceu pela primeira vez em 2010 com a participação dos alunos de todas

as salas dos sétimos anos da escola. O trabalho se iniciou com a leitura de um reader14

da

Editora Cambridge chamado 12 Things to Do at Age 12 da autora Marcia Wuest . Nesse livro

os alunos leram sobre a história de um garoto de doze anos chamado Diego. Diego e seu

irmão Paco têm o costume de fazer uma lista com as coisas que eles querem fazer no ano

seguinte. Diego fará 13 anos no dia seguinte e tem uma lista com 12 coisas que ele queria ter

feito aos 12 anos de idade. Na lista de Diego há “coisas” como ter uma alimentação saudável,

ler livros, visitar a avó toda semana, recolher lixo na praia até ajudar alguém que não fosse da

sua família. Essa leitura foi realizada em atividades e aulas diferentes, desenvolvidas em

classe, individualmente ou em duplas, ou em casa como tarefa, ao longo do segundo trimestre

letivo (maio, junho, e primeira semana de agosto). Ao final da leitura, primeira semana de

agosto, houve um movimento por parte dos alunos sobre a ideia do personagem de ajudar uma

pessoa “sem ser da família” para a qual os alunos usaram o termo “o próximo”. Comentavam

que ele, o personagem, seria um exemplo a ser seguido, mas que era difícil encontrar uma

pessoa em uma situação para ajudar, já que eles, os alunos eram muito jovens e dependiam

totalmente dos pais. Também achavam que ajudar uma menina a resgatar seu cãozinho de

estimação, como o personagem, não seria uma ajuda muito significativa. A conversa começou

numa das salas e se repetiu nas outras duas salas, com os alunos achando que “essa ajuda não

contava”, que “era muito pouco” Os comentários e a direção das conversas variaram, mas

partiram dos comentários dos alunos. E a reflexão sobre que tipo de ajuda seria “significativo”

como alguns alunos haviam dito foi feita em todas as salas, e também sobre quem seria essa

pessoa que eles chamaram de “o próximo”. Em geral, a ajuda considerada significativa seria

aquela que trouxesse conforto físico, como abrigo, alimentação, ou seja, necessidades básicas,

e “o próximo” seria alguém fora do contexto da família. Mais um questionamento para os

alunos: Não poderia “o próximo” ser alguém dentro da família? Neste momento, dentro do

contexto de uma aluna de língua estrangeira, minha vontade era mostrar aos alunos e porque

não a mim mesma, que embora a ajuda relativas às necessidades básicas fossem importantes,

outras “coisas” também seriam tão necessárias quanto elas. Coisas como resgatar um animal

de estimação, receber um presente de Natal, ou um carinho inesperado. A conversa com os

14

Reader: livro de leitura paradidático adotado para trabalho complementar de leitura e interpretação de texto e

possibilidades de interdisciplinaridade

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alunos também foram na direção de costumes diferentes dos nossos. Quem dos alunos da

classe teria um costume como o do personagem do livro, Diego? Quem conhecia alguém que

o tivesse? Ninguém tinha um costume como aquele, mas tinham outros costumes relacionados

ao dia dos seus aniversários. Durante essas reflexões, eu estava em processo de ebulição e,

muitas “coisas” vinham à minha cabeça, “coisas” relacionadas à diferentes costumes e

culturas, à modos de se ajudar o outro e me vi nos meus alunos, com a vontade de ajudar sem

saber o que ou como fazer. Garage Sale! Esse costume tão distante da nossa cultura me

assolou no momento em que falava com uma das turmas. Mas, de onde teria vindo essa ideia?

Respondo: de um sonho antigo, de fazer da minha aula, da disciplina que eu leciono um meio

de intervir ou talvez até, quem sabe, transformar a sociedade, ou seja, olhar para fora da

minha sala de aula. Teria que sair da minha zona de conforto para planejar, organizar e avaliar

todo o projeto sem melindres, sem medo de agir. Como tarefa de casa, foi feito o pedido para

que os alunos pensassem em “coisas” que eles gostariam de fazer no próximo ano de suas

vidas, independente da época do ano. Eles teriam que pensar em um número de “coisas” igual

à sua idade, como o personagem do livro. O objetivo desta atividade, que já estava

programada, era a produção de uma pequena lista com frases em inglês dizendo o que cada

um gostaria de realizar no próximo ano de suas vidas, ou seja, estabelecer algumas metas a

serem alcançadas.

Na aula seguinte, propositadamente, eu traria para os alunos uma atividade (Apêndice J) sobre

um costume comum nos Estados Unidos da América – a Garage Sale. O objetivo explícito da

atividade seria trabalhar com a habilidade de interpretação de texto e estudo de vocabulário. A

atividade foi sofrendo atualizações e variações para evitar repetições de um ano para outro. O

objetivo implícito seria sugerir que se organizasse uma Garage Sale na escola para que se

doasse o dinheiro para projetos da pastoral da escola.

No intervalo entre uma aula/semana e outra penso que o esclarecimento sobre a prática

e costume da organização da Garage Sale seria significativa para o leitor neste momento.

A venda de garagem ou Garage Sale, em inglês, é também conhecida por vários

outros nomes, como Yard (quintal) Sale, Attic (sótão) Sale, Garbage (lixo) Sale, Moving

(mudança) Sale dentre outros. A prática parece remontar do século XVI quando a palavra

“romage”, um termo náutico, entrou na língua inglesa para designar como se dava a

movimentação da carga ao ser embarcada nos navios. Mais tarde no século XVIII o termo

passou a se referir também a uma “busca exaustiva”. Viva, como o próprio idioma, a palavra

ganhou outro significado, passou a referir-se às cargas de diversas naturezas deixadas e

esquecidas nos navios. Toda carga sem destino e sem dono começou a ser vendida nas docas e

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no século XIX, essa venda, começou a ser chamada de “Rummage Sale”, e também vendia

mercadorias indesejáveis de depósitos e armazéns. Já no final do século XIX essas vendas

eram feitas em praças públicas em geral em frente à igreja principal do local e como a função

era arrecadar fundos para a igreja, moradores do local passaram a doar objetos que não mais

utilizavam para a venda.

Hoje as Garage Sales são montadas nas garagens, quintais ou até em frente das casas

das pessoas ou famílias que as organizam e os objetos não mais desejados são colocados

sobre mesas improvisadas cobertas com toalhas ou lençóis para serem vendidos. Os motivos

que levam a população a organizar uma Garage Sale podem variar. Uns o fazem por motivo

de mudança de cidade ou país, outros para prover espaço dentro da casa para outras

finalidades. Há os que o fazem para arrecadar dinheiro para uma viagem ou para comprar algo

que desejam. Alguns arrecadam dinheiro para doar para instituições de caridade ou até pela

consciência da necessidade de uma sociedade sustentável, promovendo a reutilização das

peças, em vez de colocá-las no lixo.

As Garage Sales são mais comuns e frequentes nos Estados Unidos da América, no

Canadá, ocorrendo na Austrália com menos frequência, porem, há relatos de sua ocorrência,

com menor frequência, em outras localidades no mundo todo. Estima-se que essa atividade

possa gerar a quantia de dois bilhões de dólares por ano.

Uma semana depois...

Feito o trabalho com o texto sobre Garage Sale proposto pela professora, houve uma

conversa com os alunos sobre diferentes culturas, hábitos e costumes em países diferentes,

com relatos dos alunos sobre costumes diferentes nas suas próprias famílias. Após essa

conversa retomamos a lista que cada um tinha trazido com as coisas que gostaria de fazer. A

primeira coisa foi conversar com um colega para ver se haviam itens ou desejos iguais ou

parecidos em suas listas, bem como a possibilidade de finalização e correção do que já havia

sido feito. Após essa etapa, mais uma conversa e alguns fazem leituras voluntárias em voz alta

de um ou dois itens da sua lista. Ouvidos curiosos e atentos. Listas com desejos bastante

diferentes, cada lista conta uma história pessoal, mas em quase todas há um item relacionado

ao outro, à comunidade a que os alunos pertencem, como, família, escola, bairro, cidade.

Fiquei devendo a minha lista, que foi cobrada pelos alunos. Fiz a lista oralmente com eles, fui

falando os itens em inglês e a tarefa era ouvir e entender o que eu desejava. Então fomos à

lousa. Fizemos uma lista do grupo: “O que a classe gostaria de fazer como um grupo até o

final do ano?” Devo lembrar que essa atividade estava sendo executada em agosto (segunda

semana). Hora de sonhar e escrever em inglês. Lista pronta. Fizemos a leitura. Algumas

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coisas possíveis, outras nem tanto. Volto ao personagem e comento sobre o último objetivo da

sua lista: ajudar alguém que não fosse da família. Seria possível a classe como um grupo

ajudar alguém que não fosse da família como o personagem do livro? Deixo essa tarefa para

que pensem ao longo da semana.

Durante a semana, uma reunião com o coordenador do Ensino Fundamental, o Sr.

Alencar David André foi marcada e o consentimento para se levar esse projeto à frente foi

dado. Da mesma forma houve uma conversa com o representante da Pastoral da escola, Sr.

Rafael Duarte Belletti que acolheu o projeto com muito carinho e animação. Autorização

concedida, Pastoral envolvida, chegou a hora de colocar “fogo na lenha”. O que o grupo de

alunos dos 7os anos da Escola Salesiana São José poderiam fazer para contribuir para um

mundo melhor, para melhorar a realidade à sua volta?

Inicio a aula retomando a “tarefa de casa”, pensar sobre o que o grupo poderia fazer

para ajudar alguém que não fosse da família. Um dos questionamentos dos alunos foi: Quem a

classe poderia ajudar? Como saber quem precisa de ajuda? A sugestão foi falar com a Pastoral

da escola. Através dela poderíamos nos organizar para destinar a ajuda. Mais perguntas: Que

ajuda? Como os alunos que dependem dos pais poderiam ajudar? Foi então que a ideia de

fazer uma Garage Sale na escola saiu quase que no mesmo momento, entre alguns alunos e

professora. Um instante de silêncio. E, a primeira pergunta que ouvi após a quebra do silêncio

foi: “Será que o Alencar vai deixar?”. Depois, mais e mais perguntas: “Mas quem vai vender

as coisas?”, “Vamos ganhar dinheiro?”, “O que vai ser vendido?”, “Quando e onde seria a

Garage Sale?”. Essas entre outras perguntas não sei se nesta ordem, ou se todas juntas, mas

foi um momento maravilhoso de “perguntação” e de olhos que se cruzavam para saber as

resposta e para saber mais. Acalmada a turma, vamos às respostas. “Sim o Alencar vai deixar

(Ahhhhhh!), eu já falei com ele e o Rafael (da Pastoral) gostou o projeto.” Perguntas

novamente: “Teacher, então você já estava pensando em fazer a Garage Sale”? (Muito

espertos, esses meus alunos.) “Não, não estava pensando, estava sonhando, mas precisava da

ajuda de vocês, pois quero organizá-la com vocês!”. Já é o final da aula. Lição de casa:

comecem a olhar para suas casas de outra forma e vejam o que vocês não usam mais e que,

com a permissão dos seus pais ou responsáveis, pode ser doado para vendermos na nossa

Garage Sale. “Pode trazer na próxima aula?”. “Não, esperem eu arrumar um lugar para

colocar os objetos que vocês vão trazer.” Mais perguntas nos minutos finais da aula e mais

perguntas, mesmo depois que a música tocou (sinal do término da aula). Alunos me

acompanham até a porta e corredor para saber se eles iriam fazer o troco e “mexer” com o

dinheiro. “Claro que sim, você vão fazer tudo!” Olhos de vontade de chegar logo o dia da

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Garage Sale, alunos e professora! Assim nasceu o projeto da Garage Sale da Escola Salesiana

São José.

Que fique bem claro que essa dinâmica foi desenvolvida com uma das turmas. Ao sair

de lá, já sabia que não poderia mais desenvolver a mesma atividade com as outras duas

turmas, pois elas já estariam sabendo da novidade. E assim foi. A atividade foi mudada, pois

realmente todos já estavam sabendo. Nas outras salas, o exercício proposto foi de imaginar

outro final para o livro incluindo uma Garage Sale.

Mais uma semana se passa...

Foi divulgado para os alunos que a Garage Sale aconteceria na Mostra Cultural da

escola e a próxima proposta de trabalho foi confeccionar cartazes na língua estrangeira para

colocar na Mostra Cultural para anunciar o evento. Esses esboços seriam corrigidos pela

professora e na semana anterior à Mostra Cultural os cartazes seriam finalizados em aula.

Mais uma semana se passa e a conversa sobre a Garage Sale continua: Por que

motivos uma família americana organizaria uma Garage Sale? Por que motivo nós estamos

“copiando” e fazendo algo que não é comum no nosso país? O que uma Garage Sale tem a

ver com sustentabilidade? E outra rodada de conversa acontece. Nesse momento a reflexão

gira em torno dos motivos pelos quais se organiza uma Garage Sale principalmente. No nosso

caso, iríamos organizar uma para poder ajudar uma comunidade, mas neste momento, há um

resgate de algo que havia sido estudado no primeiro trimestre, o Dia da Terra (Earth Day),

quando discutimos sobre sustentabilidade, quando falamos sobre reduzir, reutilizar e reciclar,

juntamente com a professora de ciências, sobre consumo consciente da água e chegamos

numa outra face da Garage Sale, a possibilidade de reutilizar objetos que possivelmente iriam

para o lixo.

A partir deste momento, o projeto foi devidamente incluído nos planejamentos da

disciplina de Inglês no EFII.

5.2.3. Desenvolvimento do projeto: Preparação para a Mostra Cultural

A organização das atividades da Mostra Cultural da escola seguiria um planejamento

para a escola como um todo e especificamente do setor de Ensino Fundamental II para que

tudo acontecesse de forma organizada e para que tudo fizesse sentido para o aluno que estaria

apresentando o resultado de seu estudo e empenho.

As etapas do planejamento para a Garage Sale foram:

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a) Estabelecer um local para guardar as doações;

b) Começar a receber as doações voluntárias dos alunos;

c) Discutir com as classes para escolher os alunos para fazer “propaganda”

da Garage Sale pela escola, passado de classe em classe desde o

Ensino Fundamental I até as salas do Ensino Médio. Essa seleção é

feita junto com a classe, alguns alunos se candidatam, outros são

indicados e a classe vota ou resolve quem vai representá-los para falar

sobre o evento.

d) Fazer o levantamento dos alunos que gostariam de ajudar na montagem

da Garage Sale no dia anterior à Mostra Cultural. Os alunos que

participam da montagem da Garage Sale não recebem nenhum tipo de

nota por desempenhar esta atividade. Para que não haja confusão com

muitos alunos para a montagem da Mostra Cultural, os alunos que não

participam da montagem são dispensados das aulas do dia, no entanto,

há muito interesse por parte dos alunos para participar deste momento,

inclusive os que estudam no período das tarde e comparecem no

período da manhã para poder participar. No dia da montagem as

funções seriam as seguintes: transportar as doações do local onde estão

guardados até o local da Mostra Cultural, ajudar a montar a barraca que

abriga a Garage Sale, arrumar as mesas com os artigos a serem

vendidos por afinidade, colocar os cartazes, confeccionados pelos

alunos, na escola em locais visíveis, estimar e estabelecer os preços dos

artigos que seriam vendidos, fazer as etiquetas com os preços e colocar

os preços nos artigos.

e) Fazer o levantamento dos alunos que gostariam de participar da Garage

Sale no dia da Mostra Cultural, os que tomariam conta da Garage Sale

durante a Mostra Cultural. Essa atividade pode gerar uma nota aos

alunos que dela participam, se seu compromisso com os horários de

entrada e saída forem respeitados e se sua conduta durante o tempo em

que estiverem atuando na Mostra Cultural. A participação na Garage

Sale no dia da Mostra Cultural consiste em chegar no horário

combinado e ficar por uma hora (tempo que cada aluno permanece nas

atividades na Mostra Cultural), vender os artigos, explicar para os

visitantes e compradores em potencial sobre o projeto Garage Sale,

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receber e fazer o troco para os compradores, em fim, gerenciar o espaço

no tempo em que ficar no local. Ao final, contar o dinheiro e entregar o

envelope para a professora, e finalmente, dar sua ficha de controle de

participação para a professora assinar.

f) Fazer o levantamento dos alunos que gostariam de ajudar a “desmontar”

a Garage Sale, no final da Mostra Cultural. Essa atividade não gera

nota aos alunos, mas sempre há alunos que gostam de ficar para ajudar

na desmontagem da Mostra Cultural. Os alunos que optam por

participar deste momento ficam de trinta minutos a uma hora na escola

ajudando a guardar o que será mantido e a descartar o que será enviado

para reciclagem ou lixo.

g) Preparar os envelopes para os alunos guardarem o dinheiro arrecadado

no seu horário de Garage Sale. Esses envelopes são fornecidos pela

escola, neles há o nome dos alunos que participaram a cada hora e o

total de dinheiro arrecadado no período em que ficaram tomando conta

da Garage Sale. São grampeados e guardados pela professora que os

encaminha para a sala do coordenador pedagógico do Ensino

Fundamental II, o Sr. Alencar David André para ser contado na semana

seguinte.

h) A Mostra Cultural sempre acontece num sábado, sendo sua montagem

na sexta-feira, portanto, na semana seguinte o dinheiro é contado pela

professora e encaminhado para a pastoral da escola. O dinheiro

arrecadado é dividido em três, e um membro da Pastoral da escola vai a

cada classe para que os alunos representantes de cada classe possa fazer

a entrega do dinheiro em mãos. É uma entrega simbólica, marcando o

fechamento do processo todo. É um momento que os alunos se sentem

orgulhosos de poder ajudar. Agora eles sabem que é possível ser

solidário, que o trabalho em grupo, apesar de toda a diversidade, pode

funcionar. Sem sair da escola foi possível ajudar uma comunidade que

cuida de crianças da mesma idade deles.

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Ilustração 10: Registro fotográfico da Mostra Cultural da Escola Salesiana São

Jose – Projeto Garage Sale – 2013 / Identificação oficial do setor EFII

Extraído de: Acervo pessoal da pesquisadora

5.2.4. Desdobramentos do projeto Garage Sale ao longo dos anos

No ano seguinte, 2011, houve uma “cobrança” por parte dos alunos do 7º ano, que no

ano anterior estavam no 6º ano para que a Garage Sale fosse novamente organizada com e

por eles. Houve no ano de 2011 a troca do livro paradidático para que não houvesse uma

repetição da história. O livro adotado neste ano foi A Rock Concert for India da autora

Patrícia Chapin. O livro conta a história de uma menina que gosta tem uma banda de música

com alguns amigos e por proposta do professor de geografia participa de um projeto para se

comunicar com adolescentes de outras partes do mundo e saber sobre seu país. Monique, a

personagem principal da história, se corresponde através de e-mails com Tarum, um menino

que mora na Índia. Num determinado ponto da história, Monique fica sabendo pelos

noticiários de televisão que a cidade de Tarum havia sido inundada. Ela resolve ajudar

fazendo um show beneficente e manda o dinheiro para a cidade do amigo, o professor que

deposita o dinheiro numa conta bancária por meio da Internet.

O trabalho com o paradidático relacionado ao conteúdo programático é desenvolvido,

e entre as atividades está a elaboração de cartazes numa proposta diferente para o final do

livro: Se em vez de um show beneficente, Monique tivesse organizado uma Garage Sale,

como teria sido o final da história? Convido-os a fazer o esboço de um cartaz, em inglês,

como o que aparece no livro, só que em vez de anunciar o show, anunciaríamos a Garage

Sale da personagem. Mãos à obra, acertando os detalhes sobre a atividade a ser desenvolvida

em duplas ou em trios. Feito o esboço no caderno, cada grupo mostraria seu trabalho para a

classe.

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A partir da segunda edição do projeto Garage Sale na escola (2011) os alunos

passaram a assistir ao vídeo da Festa de Natal da Comunidade Santíssima Trindade. Nesse

vídeo, o Papai-Noel entrega presentes às crianças. Os presentes que foram comprados com o

dinheiro que os alunos da Escola Salesiana São José arrecadaram na Garage Sale do ano

anterior. Em 2014, a Sra. Edna, representante da Comunidade Santíssima Trindade, veio à

escola receber o dinheiro da doação e conversou com os alunos. Contou como esse dinheiro

é importante, mas que o mais importante era o carinho dos alunos e agradece a todos pela

ajuda, pedindo a Deus que os abençoe muito.

Este ano, 2015, há novidades no projeto. Os alunos da Escola Salesiana São José

visitaram a Comunidade Santíssima Trindade, acompanhados pelo Sr. Rafael da Pastoral da

escola e pela Profa. Elisete. A visita se deu no dia 18 de setembro no período da tarde. Os

alunos que fizeram a visita foram escolhidos pelos próprios colegas de classe por meio de

votação. E a escolha foi feita pensando no colega que melhor representasse a turma na visita,

pois esse colega terá uma responsabilidade grande: ele será os olhos dos colegas que não

puderam ir, eles vão contar para a turma como foi a visita e mostrar o local que recebe a

ajuda de todos por meio do projeto. Na semana anterior à Mostra Cultural da escola que em

2015 será dia 03 de outubro, os alunos que visitaram a Comunidade mostrarão aos colegas

das respectivas classes um material preparado por cada visitante apresentando, mostrando o

que viram e o que sentiram durante a visita. Enquanto isso, mais doações para a Garage Sale

estão chegando. Abaixo, alguns registros fotográficos da Mostra Cultural da Escola

Salesiana São Jose – Projeto Garage Sale – 2013:

Ilustração 11: Registro fotográfico da Mostra Cultural da Escola Salesiana São

Jose – Projeto Garage Sale – 2013 / mesa pronta com os artigos para serem vendidos

Extraído de: Acervo pessoal da pesquisadora

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Ilustração 12: Registro fotográfico da Mostra Cultural da Escola Salesiana São

Jose – Projeto Garage Sale – 2013 / Tudo arrumado para a venda

Extraído de: acrevo pessoal da pesquisadora

5.3. O PROJETO PINK LEMONADE

5.3.1. Contextualização e Gênese do projeto

Fevereiro de 2011: O exercício do livro do 7º ano da Rede Salesiana de Escolas, na

página 15, pedia para que os alunos completassem um diálogo com algumas palavras já

fornecidas e que depois praticassem este diálogo com os colegas. Um diálogo entre três

pessoas: Sally, Paul e a garçonete (waitress). Tarefa pedida para a semana seguinte à aula em

que se trabalhou o conteúdo com o vocabulário necessário para que a mesma fosse realizada.

Na semana a seguinte a tarefa é corrigida e em uma das classes uma pergunta surge:

Professora você já tomou “essa” pink lemonade? Resposta da professora: Não. Outra

pergunta: Como é que a limonada fica “rosa”? Resposta da professora: Nunca vi a receita

desta limonada, mas penso que deve ser suco de alguma fruta vermelha. Como o uso dos

berries é comum no contexto onde provavelmente este diálogo está acontecendo, deve ser

esse o motivo. Mas não tenho certeza. Mais perguntas: O que é berries, mesmo? A professora

lembra os alunos das frutas silvestres nativas de alguns lugares do hemisfério norte, mas

especificamente as que aparecem nos Estados Unidos da América e da alguns exemplos:

strawberry, blueberry, e outros. O aluno responde que ficou curioso e a classe se põe a

comentar as possibilidades: groselha, morango, uva, entre outras frutas. A professora deixa

que os alunos conversem alguns minutos entre si sobre o assunto. A aula está terminando e é

hora de colocar a tarefa para semana seguinte (próxima aula). Muito obvio: pesquisar uma

receita tradicional de Pink Lemonade (além da tarefa do livro que já estava programada.).

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Espanto não seria a palavra correta para descrever o rosto dos alunos, acho que seria um misto

de curiosidade e sentimento de que seria uma tarefa inútil, pois não era parte do conteúdo das

provas, como comentou um aluno. Sem problemas, ainda assim, era uma tarefa. A professora

já sabia o que fazer com essa tarefa.

Na semana seguinte, antes mesmo de entrar na sala de aula: Professora, é groselha?

Não, é morango! Não, eu vi uma receita com corante alimentício! Todos acalmados, e em

seus lugares, e falamos um pouco sobre a receita. A aula continua. Verificação da tarefa do

livro seguida de correção. É claro que a pergunta veio: Professora, e a receita? A professora

responde: Sim, agora é hora da receita. Quem gostaria de ler a receita que trouxe? Vários

alunos quiseram ler suas receitas. Receitas diferentes, de diferentes fontes, e então ouve-se

uma receita mais tradicional, de acordo com a pesquisa feita pela própria professora, como

tarefa de casa. A receita é colocada na lousa. Todos a copiam no caderno. Alguns querem

fazê-la em casa. A professora chega, então, ao ponto que pretendia ao pedir a receita: E se nós

fizéssemos essa Pink lemonade aqui na sala de aula para que todos nós possamos

experimentar juntos? Wow! Animação geral. Porém, precisamos dos ingredientes. Eu

(professora) trago o suco de cranberry (o suco que faz a limonada ficar rosa). Rapidamente

aparecem voluntários para os outros ingredientes e na aula seguinte a limonada rosa é feita

nas salas de aula do 7º ano, exceto em uma das salas. O motivo foi que não houve a

curiosidade de perguntar sobre a limonada durante a atividade do livro. A professora bem que

ficou com vontade de contar o que estava acontecendo, provocar os alunos para que eles

perguntassem, mas se conteve. Na semana seguinte, porem, a curiosidade ficou misturada

com a “braveza” dos alunos. Por que essa “atividade” não foi feita na nossa classe,

professora? Resposta: Simplesmente porque vocês não perguntaram, não tiveram a

curiosidade de perguntar. Reação da classe: Mas, agora a gente quer saber. Professora: Ok,

então aguardem que vamos combinar. Os alunos: Hoje? Professora: (Suspense) Pode ser! A

aula está terminando e é hora de colocar a tarefa para semana seguinte (próxima aula). Muito

obvio: pesquisar uma receita tradicional de Pink Lemonade (além da tarefa do livro que já

estava programada.). Contentamento é a palavra para descrever o rosto dos alunos e também o

sentimento de respeito e de que foram ouvidos. Mesmo não sendo parte do conteúdo das

provas, a tarefa foi muito bem vinda. A professora e os alunos já sabiam onde iam chegar com

essa tarefa.

Tudo pronto, a data para trazer os ingredientes com a autorização dos pais ou

responsáveis concedida, chegou o dia de fazer a limonada. A professora traz os utensílios

necessários, o suco de cranberry e os alunos que se comprometeram em trazer os ingredientes

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os trazem como combinado. Arrumada a mesa com uma toalha, tudo preparado, a limonada é

feita pelos alunos com a ajuda da professora. Hora de experimentar: a maioria acha uma

delicia. É bom notar neste ponto que a receita foi adaptada, pois originalmente é um pouco

forte. A receita original:

Pink Lemonade Recipe (Original Recipe Yield 12 servings )

Ingredients

2 cups white sugar

9 cups water

2 cups fresh lemon juice

1 cup cranberry juice, chilled

Directions

In large pitcher combine sugar, water, lemon juice and cranberry juice. Stir to

dissolve sugar. Serve over ice.15 (ALL RECIPES, 2015)

A receita feita com os alunos é a mesma, mudando-se apenas a quantidade de limão,

usou-se apenas uma xícara de suco de limão.

Algumas fotos para ilustrar os momentos em sala de aula. Importante registrar que as

fotos abaixo foram tiradas no ano de 2013, pois, os registros fotográficos nos eventos

anteriores (2011 e 2012) se perderam.

Ilustração 13: Registro fotográfico de sala de aula na Escola Salesiana São José -

Projeto Garage Sale – 2013 / A mesa preparada com os ingredientes.

Extraído de: Acervo pessoal da pesquisadora

15

Tradução da autora: Receita da Pink Lemonade (Receita Original Rendimento 12 porções)

Ingredientes: 2 xícaras de açúcar refinado, 9 xícaras de água, 2 xícaras de suco de limão fresco, 1

xícara de suco de cranberry gelado

Instruções: Numa jarra grande misture o açúcar, a água, suco de limão e suco de cranberry. Mexa até

dissolver o açúcar. Sirva gelado.

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Ilustração 14: Registro fotográfico de sala de aula na Escola Salesiana São José -

Projeto Garage Sale – 2013 / A receita na lousa.

Extraído de: acervo pessoal da pesquisadora

Ilustração 15: Registro fotográfico de sala de aula na Escola Salesiana São José -

Projeto Garage Sale – 2013 / A limonada está pronta, agora é só servir!

Extraído de: acervo pessoal da pesquisadora

Ilustração 16: Registro fotográfico de sala de aula na escola Salesiana São José -

Projeto Garage Sale – 2013 / Os professores e funcionários do setor também

experimentaram a limonada!

Extraído de: acervo pessoal da pesquisadora

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5.3.2. A Pink Lemonade vai para a Mostra Cultural

No mesmo ano, 2011, os alunos sugeriram que se vendesse também a pink limonade

na Mostra Cultural da escola juntamente com a Garage Sale. Alguns pontos foram levados

em conta para que o projeto se realizasse, entre eles: a) a autorização do Coordenador

Pedagógico do Ensino Fundamental II, o Sr. Alencar André David; b) a condição de que a

manipulação dos ingredientes seria feita pela professora devido ao fato de se estar oferecendo

um alimento às pessoas; e c) que os ingredientes seriam todos doados pelos alunos dos 7ºs

anos. Isso não foi problema, alguns até se ofereceram para usar o dinheiro da sua mesada para

comprar. Houve um momento em cada sala para que os alunos se colocassem como

voluntários a trazer os ingredientes. Conseguiu-se uma grande quantidade de ingredientes e

assim o projeto se concretizou. Com a proximidade da Mostra Cultural em 2011, a professora

preparou uma atividade (Apêndice K) sobre a Pink Lemonade para ser Aplicada em sala de

aula com os alunos, os objetivos desta atividade, além de trabalhar vocabulário e leitura e

interpretação de texto foi deixar os alunos um pouco mais informados sobre o “produto” que

venderiam em breve. A atividade foi sofrendo atualizações e variações para evitar repetições

de um ano para outro.

5.3.3. Desdobramentos do projeto

A partir de 2015, o projeto Pink Lemonade passou a ser realizado pelos alunos dos 6ºs

anos, ficando o projeto Garage Sale com os alunos dos 7ºs anos. O motivo é que houve uma

mudança no material didático da Rede Salesiana de Escolas e com esta mudança, o “diálogo”

que deu origem ao projeto Pink Lemonade não mais existe no material. Como os projetos já

são bem conhecidos e esperados na escola houve o convite, por parte da professora, para os

alunos dos 6ºs anos para que eles realizassem o projeto. Houve uma aceitação muito grande

por parte dos alunos dos 6ºs anos. Todos eles assistiram ao DVD com a festa de Natal da

Comunidade Santíssima Trindade, neste momento do projeto, já houve distribuição dos

ingredientes para que os alunos tragam para se fazer a Pink Lemonade na Mostra Cultural em

03 de outubro. Porém, os alunos dos 7ºs anos sentiram-se um pouco enciumados porque

queriam participar do projeto. O motivo do convite e do deslocamento do projeto foi que

desta forma se atingiria um número maior de alunos participando e para que os alunos dos 7ºs

anos pudessem se dedicar mais ao projeto Garage Sale. O mesmo aconteceu com os alunos

dos 6ºs anos em relação à visita à Comunidade Santíssima trindade em 18 de setembro de

2015 e todas as etapas descritas acima estão previstas para acontecer.

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5.4. A COMUNIDADE SANTÍSSIMA TRINDADE

Sobre a Comunidade Santíssima Trindade, nada sabíamos. No primeiro ano em que o

projeto Garage Sale aconteceu, nem sabíamos quem seriam os destinatários da nossa ajuda, o

que não impediu que o projeto se concretizasse. A partir do segundo ano em que, agora os

projetos, se realizaram, ficamos sabendo, alunos e professora, sobre a Comunidade por meio

do Rafael, agente da Pastoral, que nos contou que o fruto das nossas ações iriam ajudar uma

Comunidade a comprar presentes de Natal para crianças e que para muitas delas este seria o

único presente que ganhariam no Natal. Um CD de vídeo chega até nós, por meio do Rafael,

com fotos e filmagens da festa de Natal do ano anterior. Pudemos ter, então, uma ideia do que

estávamos fazendo e para quem estávamos fazendo.

5.4.1. Uma conversa acolhedora

A igreja não é para ficar fechada, é para ir ao encontro da comunidade.

Dna. Edna

Quando terminamos nossa conversa, entendi porque a Comunidade Santíssima

Trindade é tão atuante no bairro Parque Floresta 1. Foi quando a Dna. Edna disse a frase da

epigrafe acima. Ela marcou o final da nossa conversa sobre a Comunidade Santíssima

Trindade, mas não o final da visita, pois ela havia preparado um bolo, pão caseiro, café e chá.

Um sentimento de acolhida toma conta de quem se aproxima da Dna. Edna.

A conversa com a Dna. Edna não foi gravada, pois ela confessou que fica um pouco

constrangida com registros de sua fala em gravações ou filmagens. Por respeito a ela, nossa

conversa foi feita sem nenhum de registro com câmera ou gravador. As anotações foram feitas

durante a conversa.

A Comunidade Santíssima Trindade tem por volta de 25 anos, pois a contagem da sua

existência começou com a peregrinação e luta estabelecer um grupo de oração em uma

comunidade, apesar de a primeira missa datar do ano de 1994.

No final dos anos 80 e início dos anos 90, quando o Bairro Parque Floresta 1 ainda não

existia, quando a região ainda era “só mato”, como descreve a Dna. Edna, havia no local dois

grupos de terço que rezavam nas casas dos moradores, pois não possuíam um local adequado

e específico para isso. As irmãs gêmeas Bina e Rosa (sobrenome não informado), moradoras

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do local, achavam que já era tempo de se organizarem para criar uma comunidade, então ao

final de cada terço rezado, elas conversavam com as pessoas para saber que era da vontade

delas que se criasse numa comunidade para o local e se queriam ajudariam nessa luta. Com as

afirmativas dos moradores, elas foram conversar com o Bispo Dom Gilberto Pereira Lopes (5º

Bispo e 3º Arcebispo Metropolitano de Campinas - 1982 a 2004) sobre a possibilidade de se

criar a tal comunidade. Após estudos, a permissão foi concedida e as irmãs voltaram a

percorrer as casas no bairro para que se escolhesse um nome para a comunidade e após cada

terço rezado, uma conversa para que todos pudessem se pronunciar a respeito do nome a ser

escolhido. Das opções oferecidas, o nome escolhido pela própria comunidade foi Santíssima

Trindade. Uma etapa concluída.

As atividades da comunidade se iniciaram mesmo sem que tivessem um local para as

atividades. O padre vinha para o local e as missas eram celebradas nas casas dos moradores.

As irmãs Bina e Rosa se incumbiam de buscar a eucaristia em outras igrejas para que a missa

pudesse ser celebrada. Após algum as missas começaram a ser celebradas no Centro Social do

bairro. Além das missas, a comunidade também realizava algumas celebrações no Centro

Social.

A partir do momento que se constitui a comunidade, há a necessidade de se oferecer os

serviços da Pastoral da criança para a comunidade local, sendo assim, duas das moradoras, a

Dna. Edna e a Cleide (sobrenome não informados) receberam treinamento e formação para

exercer as funções relacionadas às atividades da Pastoral da Criança. Segundo a Dna. Edna,

foi muito difícil para elas, pois tinham que cuidar de suas casas e famílias, filhos pequenos e

num sábado a tarde se ausentarem para o curso de formação era tarefa árdua. Por conta dessas

dificuldades principalmente com os cuidados com os filhos pequenos, foram atendidas

quando pediram para que durante o curso fizessem um rodízio, cada uma participava num

sábado enquanto a outra cuidava dos filhos das duas e durante a semana passava o

treinamento para a outra. Conseguiram terminar o curso e as atividades da Pastoral da Criança

puderam ter início na Comunidade Santíssima Trindade.

Boa vontade havia de sobra, mas a Comunidade ainda continuava sem um local

adequado para atender as mães e as crianças. O Centro Social já não comportava as

atividades. Decidiu-se invadir um terreno em frente ao Centro Social. Ficaram lá algum

tempo, mas foram obrigados a sair. Neste momento, descobriram que havia um terreno ao

lado do Centro Social de propriedade da Prefeitura Municipal de Campinas para onde se

mudaram. Com uma permissão especial construiu-se um pequeno barracão e a partir deste

momento deu-se início à luta para ficar no local definitivamente. A partir do momento em que

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o terreno foi invadido, mas sendo utilizado para atividades voltadas à comunidade local,

houve a permissão permanente para que a Comunidade Santíssima Trindade se estabelecesse

no local. Mais uma etapa vencida.

O próximo passo era conseguir a entronização do Santíssimo no local. Após consultas

ao Bispo, ainda pelas irmãs Bina e Rosa, várias alterações foram feitas para preparar o local

para tal. Finalmente, depois de algum tempo, tudo preparado, uma missa espacial foi realizada

para celebrar a entronização do Santíssimo. Mais uma alegria para a comunidade do bairro.

A Dna, Edna veio do estado do Paraná e já participava das atividades da Comunidade

Santíssima Trindade, mas ficou mais atuante nos últimos 16 anos. Poucos recursos, mas muita

luta fez com que a Comunidade Santíssima Trindade chegasse a ser tão atuante no bairro

como é atualmente. Outras atividades foram agregadas às que já existiam, entre outras, o

Grupo dos Hipertensos, as festas, incluindo a Festa de Natal que recebe a doação do trabalho

e empenho dos alunos do Ensino Fundamental II da Escola Salesiana são José desde 2011.

A Festa de Natal começou timidamente e foi se configurando até chegar ao que é hoje,

um evento esperado pelos moradores do local, crianças e adultos. Boa vontade e muita

confusão no início, ma a abertura à criticas e opiniões fez com que a festa fosse tomando

corpo e ficasse cada ano melhor. Começou sendo feita na rua, depois passou a ser feita no

Centro Social, ou em outros locais como escolas da região e finalmente começou a ser

organizada de forma mais adequada depois que a Comunidade Santíssima Trindade ganhou

sede própria. Os anos passavam e a experiência também ajudou na escola da melhor forma de

se organizar a festa para o bem estar das pessoas que dela participavam. Havia uma

preocupação grande com as pessoas por ser dezembro um mês de clima quente e os

organizadores não queriam vê-los no sol e calor, esperando em filas para poder receber os tão

esperados presentes do Papai Noel.

Inicialmente havia pouca ajuda para a festa, mas a Dna. Edna intensificou a busca por

fundos para que a festa ficasse cada vez melhor. Hoje ela conta com algumas contribuições

certas para a festa, e aos poucos vai conseguindo outras para substituir a s contribuições

esporádicas. A partir de um determinado momento, a festa passou a ser da responsabilidade

da Dna. Edna que no início achou que “não daria conta do recado”, em suas palavras, mas que

resolveu assumir o compromisso para não ver essa atividade se extinguir. A cada ano ela diz

que tem mais alegrias por ver que diante de cada dificuldade coloca suas necessidades nas

mãos de Deus e vai conseguindo coisas que nem poderia imaginar que conseguiria. O Rafael

da Pastoral da Escola Salesiana São José já a conhecia e já contribuía de alguma forma com o

trabalho da Comunidade Santíssima Trindade, mas passou a contribuir também para a festa de

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Natal. Dna. Edna diz que luta por novas conquistas e sempre quer mais para o bem da

comunidade. Dna. Edna quis mostrar algumas fotos para que eu pudesse ter noção da luta de

todos para atingir os objetivos. E algumas fotos tiradas no dia da visita à Comunidade

Santíssima Trinada com os alunos foram acrescentadas.

Ilustração 17: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima Trindade –

missa e entronização do Santíssimo na Comunidade Santíssima Trindade e Santíssimo

Extraído de: acervo pessoal da Dna. Edna

Ilustração 18: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima Trindade –

Encenação de peça de Natal e Primeira Festa de Natal com o prédio ainda em

construção

Extraído de: acrevo pessoal da Dna. Edna

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Ilustração 19: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima Trindade –

Visita à Comunidade: Dna. Edna conversando com os alunos e Alunos fotografando a

construção do novo prédio no mesmo terreno.

Extraído de: acervo pessoal da pesquisadora

Ilustração 20: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima trindade –

Dna. Edna e a pesquisadora

Extraído de: acervo pessoal da pesquisadora

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Ilustração 21: Registro fotográfico da visita à Comunidade Santíssima Trindade –

registros feitos durante o pequeno tour pelo bairro onde se localiza a Comunidade na

companhia da Dna. Edna

Extraído de: acervo pessoal da pesquisadora

Ilustração 22: Registro fotográfico da saída dos alunos, professora-pesquisadora e

agente da pastoral para a visita à Comunidade Santíssima Trindade

Extraído de: acervo pessoal da pesquisadora

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CAPÍTULO 6: OPÇÃO METODOLÓGICA E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

6.1. O ESTUDO DE CASO E O COMPROMISSO DA PESQUISADORA

A opção pelo Estudo de caso como metodologia para a presente pesquisa, como

mencionado anteriormente, deu-se pelo desejo de se estudar uma situação específica e atual

vivida pela pesquisadora com um olhar para a possibilidade de se socializar as experiências e

resultados obtidos. Para Chizzotti (2006), a singularidade de uma experiência pode colaborar

em outros contextos e instruir na tomada de decisões. Starke (apud, Chizzotti, 2006),

acrescenta que o Estudo de Caso não tem a pretensão de elaborar teorias a respeito do assunto

abordado, nem é esse o objetivo da pesquisadora. Porém, Yin (2001) alerta para a necessidade

de se superar críticas que normalmente são feitas à esta metodologia. Para Yin (2001), as

críticas, ou preconceitos, termo usado pelo autor, são: 1. Falta de rigor da pesquisa de estudo

de Caso, por se encontrarem evidencias de que casos em que aceitou-se informações

equivocadas ou visões tendenciosas, ao que o autor afirma que “cada pesquisador de estudo

de caso deve trabalhar com afinco para expor todas as evidencias de forma justa” (Yin, 2001,

p. 29); 2. Fornecimento de pouca base para se fazer uma generalização científica, crítica que o

autor refuta afirmando que Estudos de Caso:

[...] são generalizáveis a proposições teóricas, e não a populações ou universos.

Nesse sentido, o estudo de caso, como o experimento, não representam uma

“amostragem”, e o objetivo do pesquisador é expandir e generalizar teorias

(generalização analítica) e não enumerar frequências (generalizações estatísticas).

(YIN, 2001, p. 29.)

O terceiro ponto citado por Yin (2001) é o estudo de caso pode demorar muito

tempo para ser realizado e resultar em documentos ilegíveis, mas acrescenta que nos moldes

como os Estudos de Caso são conduzidos atualmente não se pode usar mais este argumento,

pelo rigor científico que se agregou às pesquisas que usam esta metodologia.

Os pontos acima colocados são de grande relevância para o sucesso na obtenção e

analise dos dados obtidos na presente pesquisa e geram por parte da pesquisadora o

compromisso de exercitar o distanciamento quando necessário para que se possa ter uma

análise imparcial dos dados assim como se fez na obtenção dos mesmos.

6.2. OBSERVAÇÕES A RESPEITO DA APLICAÇÃO DO QUESTIONÁRIO

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A forma de se obter dados para que se verificasse a abrangência e impacto do(s)

projeto(s) nos alunos e a forma como eles vivenciaram e sentiram a experiência foi a de se

aplicar um questionário com os alunos. Em primeiro lugar é necessário que se exponha sobre

a forma como o questionário foi aplicado, após o que se explanará sobre o questionário em si

e sobre os resultados obtidos.

A aplicação de um mesmo questionário com perguntas que identificassem o aluno,

setor, sexo, idade, ano de participação no(s) projeto(s) entre outras informações foi feita de

forma diferente nos dois setores da escola em que havia alunos participantes do(s) projeto(s).

6.2.1. Aplicação dos questionários no Ensino Fundamental II

A partir da autorização concedida pelo Coordenador do Ensino Fundamental II, a

aplicação do questionário seguiu e aconteceu de acordo com as regras explicitadas pelo

próprio Coordenador do setor, ou seja, o questionário não poderia ser aplicado em sala de

aula, e somente poderia ser aplicado após a autorização dos pais ou responsáveis pelos alunos.

Se a pesquisadora decidisse por aplicar o questionário na escola, essa aplicação teria que

acontecer no período contrário às aulas dos alunos. Devido à dificuldade de se ter os alunos

em período contrário na escola por conta de fatores como transporte, disponibilidade dos pais

e dos próprios alunos, decidiu-se por entregar o questionário em sala de aula para os alunos

com o termo de Autorização grampeado a ele, pois desta forma os pais ou responsáveis

autorizariam ou não a participação dos alunos mediante as perguntas que eles teriam que

responder. Os alunos não eram obrigados a responder nem a devolver o questionário. Para os

alunos dos 6ºs e 7ºs anos a pesquisadora entregou no final de uma de suas aulas e para os

alunos de 8ºs anos com autorização e consentimento de outros professores o questionário foi

entregue em momentos previamente combinados para que não se atrapalhasse as aulas, visto

que o setor encontrava-se em época de aulas de Recuperação Paralela. Da mesma forma, os

alunos não eram obrigados a responder o questionário e levavam para casa mediante seu

desejo de colaborar. Não foi possível entregar o questionário para os alunos dos 9ºs anos por

estes estarem fora da escola em viagem de formatura e por entrarem em período de provas

trimestrais na sua volta. O retorno dos questionários foi feito em data combinada (6ºs e 7ºs

anos na aula seguinte e 8ºs anos em dia combinado com cada turma de acordo com suas

preferências.).

A pesquisadora optou por fazer a aplicação do questionário após o evento Mostra

Cultural, que aconteceu na primeira semana de outubro, em que os alunos realizam a parte

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final do(s) projetos(s). Porém a aplicação não foi imediata, pois logo após o evento, iniciava-

se o período de provas mensais durante o qual não houve autorização para a aplicação.

6.2.2. Aplicação do questionário no Ensino Médio

Uma ocorrência que fugiu totalmente do controle da pesquisadora deu-se durante este

processo e apesar de não ter, aparentemente, interferido na aplicação do questionário, deve ser

informada. Ao receber o e-mail da pesquisadora, enviado em setembro de 2015, com o pedido

formal para que o questionário fosse aplicado e com nomes de alunos que participaram do(s)

projeto(s) e que ainda eram alunos da Escola Salesiana São José, o Coordenador do setor,

Ensino Médio, entendeu que já poderia proceder com a entrega do questionário para os

alunos, fez as cópias e os entregou. O gesto foi acolhido pela pesquisadora que agradecida

recebeu e guardou os questionários que haviam sido devolvidos pelos alunos que quiseram

respondê-lo. Ocorre que na ocasião da Qualificação desta pesquisa, 23 de outubro de 2015,

houve sugestões para que mudanças fossem feitas no questionário a fim de que este fosse

aperfeiçoado para facilitar a obtenção dos dados para posterior análise. Portanto, houve a

necessidade de se aplicar a nova versão do questionário. Houve novo contato com o

Coordenador do setor e nova autorização.

A autorização para que os alunos respondessem o questionário durante o período das

aulas foi concedida mediante prévia consulta com a Coordenação e Orientação do setor.

Feitas as consultas, aplicou-se a nova versão do questionário nas turmas nos momentos

determinados. Da mesma forma, os alunos não eram obrigados a responder as perguntas, e os

que optaram por participar levaram o termo de Autorização para seus pais ou responsáveis

assinarem e os trouxeram nos dias combinados no setor. Neste setor, a pesquisadora teria que

se responsabilizar por aplicar o questionário. A aplicação deu-se da seguinte forma, de acordo

com as instruções do setor: a pesquisadora entregava em cada uma das salas e explicava o

motivo de sua presença e convidada os alunos para participarem. Os alunos que o desejassem

a acompanhariam para outra sala onde o questionário seria aplicado. Ressalta-se que de forma

análoga, preferiu-se aplicar o questionário após o evento Mostra Cultural, pois os alunos do

Ensino Médio teriam a chance de participar mais uma vez do evento o que lhes traria

recordações sobre suas participações anteriores. Contudo, a aplicação do questionário foi

autorizada nos intervalos entre as provas trimestrais, ou seja, no momento em que a

pesquisadora entrava nas salas para fazer o convite havia sempre um professor em processo

de esclarecimento de dúvidas para a prova que seria aplicada nas aulas seguintes. Não houve

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142

grandes questionamentos por parte dos alunos a respeito da nova aplicação do questionário,

apenas perguntas de curiosidade sobre o motivo do novo convite. Após uma breve explicação

do motivo, a escrita se dava sem problemas.

6.3. DADOS OBTIDOS

Do total de alunos que desejaram responder ao questionário, 36 o devolveram, porém,

um com autorização assinada, mas em branco (um aluno do 6º ano); outros três respondidos

que não puderam ser utilizados por não estarem acompanhados do Termo de Autorização dos

pais ou responsáveis (uma aluna do 6º ano, e dois alunos da 2ª série do Ensino Médio).

Portanto o total de questionários utilizados para a analise foi de 32. Deste total, 14 alunos são

do Ensino Fundamental II, sendo que 10 são do sexo feminino e 04 do sexo masculino e 18

são do Ensino Médio, sendo que 08 do sexo feminino e 10 do sexo masculino, num total de

18 alunos do sexo feminino e 14 do sexo masculino. O quadro abaixo indica os Anos e as

Séries dos alunos e sexo de acordo com os setores (Informações obtidas no cabeçalho do

questionário).

Tabela 1 – Número De Alunos / Setor / Gênero / Série/Ano

Ensino Fundamental Ensino Médio

Ano Total de

alunos

Sexo

feminino

Sexo

masculino

Série Total de

alunos

Sexo

feminino

Sexo

masculino

6º 06 04 02 1ª 06 02 04

7º 02 01 01 2ª 06 03 03

8º 06 05 01 3ª 06 03 03

9º ----------- ----------- ----------- ----------- ----------- ----------- ----------

A informação sobre a idade dos alunos também foi contemplada, ressaltando que os

alunos de até 14 anos cursam o Ensino Fundamental II e os alunos com 15 anos ou mais

cursam o Ensino Médio. Os resultados obtidos foram os seguintes (Informações obtidas no

cabeçalho do questionário):

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Tabela 2 – Alunos / Idade

Idade dos alunos Total de alunos

11 anos 05

12 anos 02

13 anos 04

14 anos 03

15 anos 06

16 anos 03

17 anos 08

18 anos 01

Outra informação que se obteve foi em relação ao ano de participação dos alunos no(s)

projeto(s), informação que o quadro abaixo revela (Pergunta 1):

Tabela 3 – Ano de participação no(s) projeto(s)

Ano da participação Total de alunos

2010 - Alunos que participaram no 7º Ano do

Ensino Fundamental II e em 2015 cursam a 3ª

série do Ensino Médio

06

2011 - Alunos que participaram no 7º Ano do

Ensino Fundamental II e em 2015 cursam a 2ª

série do Ensino Médio

06

2012 - Alunos que participaram no 7º ano e

em 2015 cursam a 1ª série do Ensino Médio

06

2013 – alunos que participaram no 7º Ano do

Ensino Fundamental II e cursam o 9º Ano do

Ensino Fundamental II em 2015

---------------

2014 - Alunos que participaram no 7º Ano do

Ensino Fundamental II e em 2015 cursam o

8ª Ano do Ensino Fundamental II

06

2015 - Alunos que em 2015 cursam o 6ª ou 7º

Ano do Ensino Fundamental II

08

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144

Em relação ao(s) projeto(s) dos quais os alunos participaram (Pergunta 2), temos as

seguintes informações: 07 participaram do projeto Garage Sale apenas, 11 participaram do

projeto Pink Lemonade apenas e 14 participaram dos dois projetos. Ressalta-se que nos anos

de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014, os dois projetos eram desenvolvidos com os alunos dos 7ºs

Anos apenas, por razões já expostas anteriormente, apenas no ano de 2015 é que uma

mudança foi sugerida pela professora e acatada pela Coordenação Pedagógica do setor,

quando o projeto Garage Sale foi mantido para os alunos dos 7ºs Anos e o projeto Pink

Lemonade foi sugerido pela professora e aceito pelos alunos dos 6ºs Anos.

Deste ponto os dados obtidos serão expostos de acordo com a ordem das perguntas no

questionário e posteriormente se fará comentários e análises. A forma como se exporá os

resultados justifica-se por não se tratarem de perguntas cujas respostas caberiam numa tabela

ou quadro por serem respostas pessoais e vários tópicos relevantes para a análise foram

surgindo ao longo da leitura das respostas. O que se propõe a fazer é uma compilação das

respostas e indicar o numero de vezes que cada uma delas aparece. As perguntas 1 e 2 já

tendo sido contempladas, inicia-se pela pergunta 3.

Pergunta 3: De que forma você participou no(s) projeto(s)?

Respostas obtidas:

- na montagem da Mostra Cultural – 3

- na venda dos objetos no dia da Mostra Cultural – 26

- na doação de objetos para serem vendidos na Garage Sale - 10

- na divulgação do(s) projeto(s) na Mostra Cultural - 2

- visitando a Comunidade Santíssima trindade e contando o que vi para meus colegas – 1

- na doação de ingredientes para a limonada – 3

Pergunta 4: Quais eram os objetivos do(s) projeto(s)?

Respostas obtidas:

- arrecadar dinheiro para uma instituição – 12

- ajudar uma instituição – 15

- arrecadar dinheiro para doar para uma instituição comprar presentes de Natal para crianças

da localidade – 4

- ter uma nova experiência enquanto aluno – 1

- mostrar uma atividade de uma cultura diferente da nossa – 6

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Pergunta 5: Como foi trabalhar em equipe com pessoas diferentes de você? Como o grupo

aceitava as opiniões de cada integrante? O diálogo foi fácil?

Respostas obtidas:

- foi bom para conhecer as pessoas dos outros 6ºs Anos – 5

- a aceitação das opiniões era boa, sem discussões – 9

- o diálogo era preciso para vender os objetos e a limonada – 2

- o trabalho em equipe foi legal – 3

- todos se entendiam – 1

- Foi divertido – 4

- às vezes nós discutíamos, mas nos entendíamos – 1

- foi um desafio legal – 4

- ouvíamos as propostas – 4

- o diálogo era fácil – 13

- fiz novos amigos – 2

- foi uma experiência diferente – 2

- tínhamos que melhorar a comunicação com os outros – 6

- aprendemos a ouvir e respeitar as diferenças – 6

- o grupo tinha o mesmo objetivo, isso facilitou – 4

- houve cooperação – 2

- não foi fácil aceitar as opiniões dos outros – 1

- trabalho em equipe é sempre um desafio – 1

- nem sempre tinha concordância – 1

- a professora nos ajudou a nos entendermos – 1

Pergunta 6: De que forma você passou a entender os demais participantes diferentes de você?

Respostas obtidas:

- entendi que é legal conhecer pessoas diferentes de você – 1

-conversando – 4

- ajudando – 3

- percebi que cada um tem um jeito de pensar – 5

- fazendo amizade como os participantes – 2

- contribuindo – 1

- respeitando – 7

- através do diálogo – 6

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- entendi que até as pessoas mais “fechadas” gostam de ajudar – 1

- quando todos têm o mesmo objetivo fica mais fácil – 4

- ouvindo o outro – 1

- tentando entender o outro – 3

- conhecendo melhor cada um – 1

- passei a ter mais paciência – 1

Aceitando as ideias do grupo – 4

Pergunta 7: Você obteve notas pela participação no projeto? Sim ( ) Não ( )

Respostas obtidas:

25 participantes obtiveram nota pela participação

7 alunos não receberam nota pela participação.

Há um ponto para se esclarecer nestas informações. Esta variação ocorre devido às

regras do Ensino Fundamental II em relação às produções e avaliação dos alunos para a

Mostra Cultural, mais especificamente, no ano de 2015 tentou-se uma nova forma de

avaliação em que o aluno escolhe as disciplinas em que deseja ser avaliado e receber as notas

referentes à sua participação na Mostra Cultural. Portanto, alguns alunos participaram do

projeto sem receber nota por vontade própria.

Pergunta 8: Se sua resposta foi SIM: você teria participado sem obter nota? Por quê?

Respostas obtidas:

Respostas SIM – 23

Respostas NÃO – 0

Respostas TALVEZ – 2

Respostas em branco – 7

Respostas obtidas para razoes para participar sem nota:

- tive a oportunidade de conhecer uma instituição – 1

- o que importa é ajudar, não a nota – 1

- meus amigos participaram – 1

- uma experiência nova – 1

- fiquei curioso(a) sobre o projeto – 1

- ajudaria a arrecadar fundos para pessoas necessitadas – 7

-eu quis participar desde que a professora falou do projeto – 4

- é uma atividade dinâmica e desperta o interesse – 1

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- para entender como funciona uma Garage Sale de verdade – 1

- é uma oportunidade de ser solidário(a) – 4

- um projeto produtivo - 1

- sempre pensei em ajudar o próximo – 2

- é importante ajudar – 1

- é divertido – 3

- é um projeto legal – 3

Pergunta 9: De que modo essa experiência foi importante para você? Você aprendeu algo por

meio dessa participação?

Respostas obtidas:

- melhorei minha cooperação – 3

- melhorei no relacionamento com os outros – 9

- entendi melhor o que é solidariedade – 7

- conheci e vivenciei um aspecto de uma cultura diferente da minha – 5

- eu ajudei quem precisa – 3

- comecei a ajudar e a participar de outros projetos como esse – 1

- vivenciei uma realidade diferente da minha, a de pessoas com dificuldades – 2

- foi importante para deixar a timidez de lado/para ter menos vergonha – 2

- aprendi o processo de organizar a arrecadação dos fundos para ajudar as pessoas – 1

- a prendi a me comunicar melhor e negociar – 1

- o trabalho voluntário é importante, aprendi isso para o futuro – 2

- aprendi muito, foi diferente – 1

- a prendi a socializar – 1

Pergunta 10: De que forma o(s) projeto(s) gerou/geraram a sua curiosidade?

Respostas obtidas:

- por ajudar crianças carentes – 1

- para saber como tudo ia acontecer – 5

- pela experiência de vender – 3

- pela experiência de algo novo, diferente da minha cultura – 3

- porque todos participariam, alunos e professora – 1

- por causa da ajuda que isso ia gerar – 6

- porque eu não conhecia a limonada cor-de-rosa – 2

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- por ser algo novo – 5

- pela experiência de trabalhar em grupo com um objetivo em comum – 1

- são projetos diferentes – 5

- gosto de participar de coisas diferentes – 1

- para ver se daria certo – 1

- pareceu ser divertido – 2

- para saber que objetos iríamos arrecadar para vender - 1

Pergunta 11: De que forma você descobriu suas potencialidades ao participar dos projetos?

Respostas obtidas:

- fiquei mais confiante para trabalhar em grupo e resolver problemas coletivos – 2

- percebi a união para ajudar o próximo – 1

- consegui vender com facilidade – 1

- senti que fui útil ao participar, que posso ajudar – 3

- senti que me sai bem na participação – 1

- percebi que sei trabalhar em grupo – 3

- gostei de ser elogiado quando tudo deu certo – 1

- não fiquei com vergonha de vender – 1

- explorei meu potencial de vendedor e gostei – 7

- percebi que podemos mudar o mundo com pequenas ações, é só incentivar – 1

- eu acabava liderando o grupo e achei bom – 1

- tive que me comunicar com pessoas que não conhecia para vender e gostei – 3

- fiquei feliz em ser solidário – 2

- percebi meu potencial para me comunicar nas vendas – 2

- respostas em branco – 1

Pergunta 12: Em quais outras iniciativas pessoais esse(s) projeto(s) motivou-o(a)? Você

participaria ou criaria outras atividades sociocomunitárias como essas?

Respostas obtidas:

- o projeto me incentivou a ser mais caridoso(a) / solidário(a) – 11

- sim, eu participaria de outras atividades como essa – 22

- eu criaria campanhas para ajudar crianças – 2

- o projeto me motivou a tomar iniciativas para ajudar outras pessoas – 9

- o projeto me mostrou que eu posso fazer a diferença – 1

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- já participo de outros projetos desse tipo – 3

- o projeto me incentivou a não jogar fora nada que possa ser útil para alguém – 1

- o projeto me incentivou a participar de outros projetos na Mostra Cultural – 1

- o que me incentivou foi o objetivo do projeto – 1

Pergunta 13: De que forma foram fortalecidos os laços de afetividade entre os participantes?

Respostas obtidas:

- uma relação de respeito mútuo por meio do trabalho em equipe – 4

- aprendi a aceitar diferentes pontos de vista – 1

- ficamos mais unidos – 6

- novas amizades surgiram – 6

- todos ajudaram – 1

- levamos o trabalho a sério e nos divertimos – 2

- não foram laços muito intensos – 1

- aprendemos a conviver e fortalecer amizades – 4

- o trabalho em equipe trouxe sucesso ao projeto – 3

- estávamos unidos por uma mesma causa – 2

- conversando – 2

- durante a venda os laços de afetividade foram fortalecidos – 3

- por poder ajudar o próximo - 1

6.4. INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

É de grande relevância o fato de que a pesquisadora se surpreendeu com os resultados

obtidos, principalmente por não esperar que estes se pudessem se revelar tão abrangentes e

significativos. Havia por parte da pesquisadora uma expectativa de que as respostas em geral

seria mais ligadas ao fato de se estar desenvolvendo o(os) projeto(s) no contexto do ensino de

uma língua estrangeira, o inglês, tão comumente ligada à colonização e invasão cultural. Por

este motivo esperava-se que as respostas fossem mais ligadas ao contexto da disciplina de

Língua Inglesa. No entanto, a pesquisadora se surpreendeu e os motivos se mostraram muito

claros. Passo, então, para a interpretação das respostas e dados obtidos para que o leitor

compartilhe da minha leitura dos resultados.

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Em primeiro lugar, a respeito do número de alunos que retornaram os questionários é

necessário levar em conta os seguintes aspectos: nem todos os alunos quiseram levar o

questionário para casa, e nem todos estavam presentes no dia da entrega dos mesmos. O fato

de os alunos estarem em período de Recuperação Paralela no Ensino Fundamental II pode ter

impactado na devolução dos questionários por dois motivos: por um lado, alunos que não têm

necessidade de estar presente nesse período de aulas neste momento do ano (3º trimestre). Por

outro lado, os alunos que frequentam as aulas neste período, em geral, estão com o foco de

sua atenção voltado para os estudos com vista ao seu sucesso nas provas de Recuperação

Paralela que deverão enfrentar no próximo passo do processo de Recuperação Paralela. Em

relação aos alunos do Ensino Médio, o mesmo pode ter acontecido, com o agravante de que

sua grade de disciplinas é maior do que a do Ensino Fundamental II, portanto um acumulo de

conteúdos para estudar maior pode acontecer.

Em segundo lugar, uma observação sobre o gênero dos alunos que responderam e

entregaram o questionário: um número levemente maior do sexo feminino devolveu o

questionário (18 alunas e 14 alunos) levando-se em conta o total de questionários devolvidos.

Em terceiro lugar, no que concerne ao numero de alunos de cada setor que respondeu e

entregou o questionário, poder-se-ia destacar um aspecto interessante, qual seja, um maior

numero de alunos do Ensino Médio entregou os questionários (18 alunos do Ensino Médio

contra 14 alunos do Ensino Fundamental II). Considera-se interessante e até contraditório pelo

fato já mencionado de que os alunos têm um numero maior de disciplinas para administrar do

que os alunos do Ensino Fundamental II. Por outro lado, poder-se-ia concluir que esses alunos

já tiveram tempo de assimilar e refletir mais sobre a experiência de ter participado do(s)

projeto(s) e sobre o efeito dessa participação em suas vidas, o que por sua vez se encerra outra

contradição, se levarmos em conta que os alunos do Ensino Fundamental II devem estar com

os fatos relacionados à participação no(s) projeto(s) mais avivados em sua memória. Uma

observação ainda sobre os alunos do Ensino Médio que devolveram os questionários: a

maioria participou do primeiro ano da realização do projeto Garage Sale (em 2010 apenas

este projeto foi realizado).

Pretende-se, a partir deste ponto, interpretar as respostas que se seguem levando em

conta os conceitos e a teoria desenvolvida no Capítulo 1 sobre as categorias: autonomia,

protagonismo e alteridade.

A pergunta 3, “De que forma você participou nos(s) projetos?”, apresentou respostas

que mostraram alunos exercendo sua autonomia em várias situações. Do momento em que

iniciam a montagem do stand da Garage Sale e da Pink Lemonade no local determinado pela

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organização do evento, os alunos têm liberdade para diferentes ações, como: decorar os

espaços, distribuir cartazes feitos por eles mesmos pela escola para anunciar os projetos,

verificar entre as doações quais objetos não serão vendidos por não apresentarem condições,

devem discutir para determinar os preços das “mercadorias”, como eles gostam de chamar os

objetos que serão vendidos, confeccionar etiquetas para colocar os preços nos objetos,

distribuir os objetos nos locais mais apropriados para serem vendidos, entre outras tarefas.

Neste processo os alunos conversam, discutem sobre o que é melhor e decidem o que fazer. A

professora apenas auxilia quando necessário. Em geral, as sugestões chegam antes mesmo de

a professora se pronunciar. Uma grande maioria dos alunos respondeu que participou

vendendo objetos no dia da Mostra Cultural, atividade que demanda para os jovens uma certa

desenvoltura para atender as pessoas visitantes e também para responder às perguntas feitas

sobre o(s) próprio(s) projeto(s), pois as pessoas ficam curiosas para saber o que será feito

com o dinheiro arrecadado, para saber que tipo de limonada estão vendendo, de onde é o que

a faz ficar cor-de-rosa, entre outras perguntas. Essas atitudes mostram a autonomia dos alunos

nos momentos de decisão e de resposta aos questionamentos que surgem. Sobre a resposta

referente à visita à Comunidade Santíssima Trindade, a resposta dada foi, certamente, de uma

dos alunos que foram eleitos, dentre os candidatos de cada turma (a palavra “turma” se refere

às diferentes classes do mesmo ano ou série, como 6º Ano A ou B do Ensino Fundamental II,

ou 1ª Série A ou B do ensino Médio) pelas próprias turmas para visitarem a comunidade e

serem “seus olhos, ouvidos, sentidos e sentimentos”, como a professora resumiu a missão dos

colegas escolhidos que depois contariam para a classe o que viram, ouviram, perceberam e

sentiram. Os alunos protagonizaram ao se candidatarem, ao elegerem os colegas, ao visitar a

comunidade e ao contar para seus colegas o que lhes marcou.

A pergunta 4, “Quais eram os objetivos do(s) projeto(s)?”: resumindo as respostas

poderíamos usar a “ajudar o próximo” participando de uma experiência nova. Alteridade ao

ver o outro participando no seu local de identidade. Talvez nesta pergunta ou nas respostas a

essa pergunta a professora-pesquisadora tenha se surpreendido mais, pois o esperado, como já

foi mencionado, era que se obtivesse mais respostas ligadas aos objetivos da disciplina de

Língua Inglesa e os aspectos culturais de diferentes culturas. Um quadro interessante e

esperançoso descortina-se quando uma disciplina se torna um meio para que outras

habilidades e possibilidades se aflorarem.

A pergunta 5, “Como foi trabalhar em equipe com pessoas diferentes de você? Como

o grupo aceitava as opiniões de cada integrante? O diálogo foi fácil?” encerra um longo

caminho percorrido por volta de três meses de planejamento, preparação até a execução dos

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projetos na Mostra Cultural. A partir do momento em que as turmas aceitam o convite para

participar do projeto inicia-se um trabalho de conversa, pesquisa, discussões e ações entre os

alunos da cada turma, entre alunos de turmas diferentes, entre alunos e professor(es), entre

alunos e Equipe pedagógica do setor (Pessoal de apoio, orientadora e coordenador). Além

disso, os alunos conversam em casa e com colegas fora da escola para arrecadarem objetos

para venda e para trazer ingredientes para a limonada. Depois de decidir em que projeto cada

um vai se engajar e abraçar, os alunos intensificam seus esforços e ações para os mesmos.

Nem todos os alunos precisam participar, uma vez que não são obrigados a isso, mas o fato de

não participarem dos projetos na Mostra Cultural não inviabiliza sua contribuição nos

momentos de trabalho em sala de aula, ao contrário, eles são convidados a participar e são

ouvidos, mesmo porque algumas das atividades desenvolvidas em sala de aula estão

relacionadas ao conteúdo a ser desenvolvido ao longo do ano. Embates aconteceram durante

as aulas, mas todos foram resolvidos através do diálogo e da escuta do outro. Conflitos que

fazem crescer e fortalecer laços.

Um momento interessante nas aulas é o de se fazer o levantamento das doações de

ingredientes necessários para fazer a limonada cor-de-rosa para vender durante todo o tempo

do evento. As fotos abaixo mostram a forma como se organiza este momento em aula, os

próprios alunos fazem as anotações na lousa, ao mesmo tempo, que ouvem e incentivam os

colegas, além de se organizarem em conjunto. O papel da professora neste momento é de

orientar e acompanhar o processo, que, em geral, não leva mais do que o tempo combinado e

determinado no início.

Ilustracão 23: Registros de aula na Escola Salesiana São José do Projeto Pink Lemonade

- 2015 / Relação dos ingredientes e quem contribuirá

Extraído de: acervo pessoal da pesquisadora

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153

Reclamações sobre a letra pequena ou ilegível, sobre o aluno que quer “trazer tudo e

não deixa nada para o outro trazer”, conversas para dividir a compra do suco de cranberry

entre dois ou três alunos, pois ele custa caro, se resolvia com diálogo, às vezes, custoso, mas

compensatório. Ouvir o outro, passar por cima de rusgas pessoais para ajudar o outro que eles

nem sabiam quem era. Não se pode atingir a todos, haja vista, a resposta dizendo que “não foi

fácil aceitar a opinião do outro”, ou que “nem sempre tinha concordância”. Apesar do fato de

que “trabalho em equipe é sempre um desafio”, o fato de o “grupo ter um objetivo” e de ter

havido melhora na comunicação entre os colegas, a cooperação se consolidou e os laços

foram se estreitando.

A pergunta 6, “De que forma você passou a entender os demais participantes

diferentes de você?” trouxe à tona verbos e sentimentos que demonstram a dimensão de

alteridade alcançados em momentos ao longo do processo. Respeitar, ouvir, entender, ou

tentar entender, aceitar, ajudar, conversar, contribuir, dialogar, conhecer ações que podem

desencadear a reciprocidade, a cumplicidade até. Algumas respostas que indicam um olhar

para dentro de si próprio, como: “passei a ter mais paciência”, “aceitei as ideias do grupo”, ou

“entendi que até as pessoas mais fechadas gostam de ajudar” mostram um protagonismo

interno, um movimento de olhar para dentro e se conhecer melhor, o que pode levar à

autonomia e ao outro.

A pergunta 7, “Você obteve notas pela participação no(s) projeto(s)? Sim ou Não” e a

pergunta 8, “Se sua resposta foi SIM: você teria participado sem obter nota? Por quê?” estão

intimamente ligadas. As respostas para a pergunta 7, mostram uma quantidade bem maior dos

que obtiveram notas pela participação, pois a nota era parte do processo dentro das exigências

do evento e do procedimento do setor (Ensino Fundamental II). Ressalta-se, no entanto, que

os alunos não ganhavam notas por ajudar na montagem da Mostra Cultural nem por terem

trazido doações de qualquer natureza ao logo da organização do(s) projeto(s), a nota era

obtida mediante participação no dia do evento. Havia um outro tipo de doação além dos

objetos e ingredientes trazidos pelos alunos, havia a doação de seu tempo, sua boa vontade,

seu comprometimento com uma causa maior: o outro. O que nos leva à pergunta 8, ou melhor,

às respostas para esta pergunta. A maioria respondeu que SIM, teria participado se obter nota

pela participação. Apenas para registrar, as respostas em branco correspondem aos alunos que

não receberam notas pela participação. As duas respostas com a interpretação “talvez”

correspondem à resposta “acredito que sim, pois era um projeto com objetivo nobre”,

interpretou-se “talvez” pelo uso de “acredito que sim” e à resposta “talvez sim, porque não

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teria colaborado com os meus colegas” o que pela forma como foi colocado não ofereceu

condições de assertividade na interpretação.

A pergunta 9, “De que modo essa participação foi importante para você? Você

aprendeu por meio dessa participação?” se caracteriza especialmente para o olhar de si

próprio. E sentimentos descritos por meio de verbos na primeira pessoa, como: melhorei (12),

entendi (7), conheci (5), ajudei (3), aprendi (6), vivenciei (7) juntamente com “comecei a

ajudar e a participar de outros projetos como esse”, “foi importante para deixar a timidez de

lado” demonstram representam uma mudança de movimento, tanto interno, como externo.

Explico: internamente por meio e por causa do olhar para si próprio pode levar à uma

mudança de paradigmas ou aproximação consigo mesmo; externamente, pode indicar um

movimento para a solidariedade, para o outro. O outro a que me refiro não é necessariamente

o outro que está passando por necessidades, o outro pode ser também o que está próximo,

aquele com quem se caminha todos os dias, ou pode ser também, como é o caso de quem

ensina e aprende uma língua estrangeira, o nativo desta língua, que tem costumes e hábitos

diferentes, que pensa de forma diferente e por isso age de forma diferente. Lidamos com esse

“outro” nas aulas da disciplina de Língua Inglesa mesmo sem pensar e nos darmos conta

disso. Trata-se de um olhar de acolhimento e entendimento, mais uma vez, sem perder de

vista sua própria identidade. Um gostar do outro e das coisas do outros sem deixar de gostar

de si e de das coisas que o identifica. Adentramos aqui o campo da invasão cultural, assunto

abordado nas aulas da disciplina ao longo do ano, que passa pela questão da identidade e

autonomia do jovem.

A pergunta 10, “de que forma o(s) projeto(s) gerou/geraram a sua curiosidade?” traz

respostas ligadas ao novo, ao participar de uma experiência nova, diferente, divertido. Ao lado

deste aspecto, a boa vontade ou a vontade de ajudar também aparece, não se dilui entre o

prazer de fazer, de experimentar, de ver “o que vai acontecer”. A preocupação com o lado

“nobre” como descreveu um(a) aluno(a) não se perdeu.

A pergunta 11: “de que forma você descobriu suas potencialidades ao participar do(s)

projeto(s)?”, revelaram varias formas pelas quais os alunos foram impactados pela

participação no(s) projeto(s). A liderança positiva esteve presente, sentimento de

solidariedade, de alegria, e realização pessoal permearam as atividades, a sensação de ser

reconhecido por ter ajudado não só ao próximo necessitado da Comunidade Santíssima

Trindade, mas ao colega nos momentos de companheirismo, os elogios marcaram, o trabalho

em grupo dentro e fora da sala de aula são valorizados nas respostas. A disposição para o

diálogo é sempre alimentada.

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Na pergunta 12 “Em quais iniciativas pessoais esse(s) projeto(s) motivou-o(a)? Você

participaria ou criaria outras atividades sociocomunitárias como essas?” o protagonismo em

relação à participação e à vontade de participar aparece por meio do incentivo e da motivação

provocada. “O projeto me motivou” e “o projeto me incentivou” apareceram em 23 das 51

respostas obtidas, ou seja, mais de cinquenta por cento se sentiu, claramente, motivado para

protagonizar em outros momentos. Porém se levarmos em conta outras respostas como “Eu

participaria de outras campanhas” teríamos mais 22 respostas positivas no sentido da

mobilização causada por uma atividade desenvolvida em sala de aula e levada pela maior

parte do tempo pelos próprios alunos. Duas respostas impactaram a pesquisadora, no sentido

de que são respostas dadas por jovens que se predispõe a ajudar, e, assertivamente respondem:

“sim, eu criaria campanhas para ajudas crianças”. A escolha do verbo “criar” é muito

significativa. Crianças e jovens criando para si próprios e para o outro.

A pergunta 13 “De que forma foram fortalecidos os laços de afetividade entre os

participantes?” nos remete aos próprios alunos e a convivência entre eles no dia a dia da

escola. Percebe-se um espírito de alteridade nas respostas em que os alunos verbalizam o

respeito ao outro, ao respeito mútuo, ao verbalizar que aprendeu a aceitar as diferenças, a

conviver e fortalecer amizades, ao reportar a união entre eles. Refiro-me não à alteridade do

assistencialismo, nem a que mobiliza para o outro em necessidade, mas a alteridade proposta

por Buber (2011), quando este sustenta:

Há algo que podemos encontrar num único lugar no mundo. É um grande tesouro

que podemos chamar de concretização da existência. E o lugar em que estamos é

onde este tesouro deve ser encontrado. (BUBER, 2011, p. 44).

O fortalecer laços de amizade, o ir ao encontro do outro e de si mesmo, o desenvolver

trabalhos em equipe, o divertir-se com, o conversar com, o unir-se à, enfim, as ações

carregadas de sentidos fortalecem um ser humano simplesmente por estar juntos. Assim

Buber (2011) reconhece:

Mesmo se tivéssemos poder sobre os confins da Terra, não alcançaríamos a

existência completa que o relacionamento tranquilo e dedicado ao próximo vivente

nos pode proporcionar. Mesmo se soubéssemos dos segredos dos mundos

superiores, não teríamos uma participação tão verdadeira na existência real do que se

nos dedicássemos, com sagrada intenção, a um trabalho do curso de nosso dia a dia.

Nosso tesouro está enterrado sob o nosso fogão. (BUBER, 2011, p.45-6).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

MILAGRE DOS CACOS

A leveza de um caco

ofertado com rituais de lirismo e fé.

Cada pedaço renascido,

recriado por mãos inquietas e sábias,

imortalizadas num mosaico.

Das pequenezas sim

o ofício da convivência dos pedaços

e aos pedaços o sublime e encantado

signo do sagrado.

A leveza e a arte na capelinha

incorporando parte por parte o esplendor

e as dimensões de catedral.

Tarsísio Bregalda

Cada criança traz em si a humanidade inteira – nada do que é humano lhe será

estranho –, mas ao mesmo tempo se revela singular, irrepetível na tessitura do

mundo. Precisa ser assim reconhecida: um sujeito humano em formação, vivendo

uma idade que não é apenas uma fase de passagem para a idade adulta, mas uma das

dimensões da existência humana. A educação dessa criança precisa de imagens

poéticas, precisa de vivências filosóficas. (ANTONIO, 2013a, p. 17).

... um ser humano,

... um caco,

... um mosaico,

... uma catedral!

Assim vejo a participação de cada um dos alunos nos projetos ao longo dos anos. E

que bom poder dizer “ao longo dos anos”, porque isso significa que os projetos não morreram

com o passar do tempo, não se definharam, ao contrário, continuam vivos e se renovando a

cada ano. Construídos e feitos de pequenos cacos que se unem formando lindos mosaicos no

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lirismo e na fé do dia a dia de uma sala de aula, de uma escola e da vida que pulsa nesses

ambientes. Lirismo no dia a dia? Sim! Lirismo no movimento para e com o outro, não apenas

para o outro que necessita de ajuda, mas também para o outro que é diferente dele e que está

tão ao seu lado. Ao seu lado tão cotidianamente. O olhar sem preconceito, o olhar que aceita

diferenças e as respeita, o olhar de alteridade, pois se vê no outro sem se perder de si mesmo.

As respostas obtidas por meio do questionário aplicado aos alunos indicam o lado

positivo da ludicidade dos projetos, além de expressarem a ideia de ser uma atividade “nova”

que despertou a curiosidade. Para além do aspecto das categorias estudadas, percebe-se um

desejo de se engajar em algo novo, divertido, interessante, nobre, no sentido que ajuda o

próximo. O jovem gosta de “ir fundo” de “se jogar”, de ser intenso em tudo o que faz. Porém,

se voltarmos à Ilustração 1 no capítulo 1 (Quem é vulnerável, à quê e porquê?) podemos

verificar que se trata de uma fase crítica e o trabalho com projetos como os que ora se

apresentam indicam caminhos e levam ao bom protagonismo, pois além de propiciarem um

clima solidário e de alteridade são de grande relevância na Educação Formal ou Informal.

Perder-se de si mesmo é muito fácil numa idade em que ainda não se encontrou, ou que se

está procurando sentidos. Sentidos nos dois sentidos, como direção e significado.

A respeito da postura e atitude do educador, Freire (2013b) aponta que este deve

acreditar na mudança, ser exemplo, ser crítico, ser humilde, deve saber escutar, ter respeito

pela autonomia do educando, ser amoroso e deve estar aberto ao diálogo. O que se busca

durante todas as etapas dos projetos, desde a proposta até a finalização, é que se dialogue para

encontrar soluções para os possíveis conflitos, dentre os quais poderíamos colocar os aspectos

mais práticos, como “De que forma conseguiremos os ingredientes para a limonada?”, ou

“Onde vamos guardar as doações que conseguimos até que chegue o dia da Mostra

Cultural?”, até conflitos que surgem entre os próprios alunos sobre “quem vai fazer o quê,

quem tem mais habilidade para o quê, em que horários participarão, visto que há uma tabela a

ser seguida e conciliada com outros projetos de outras disciplinas, quem vai ceder para que o

outro possa, também, conciliar seus horários e ter a chance de participar?”. Alguns pedidos

não atendidos, algumas solicitações atendidas parcialmente, porém não sem antes terem sido

levadas em consideração e discutidas. Momentos de tensão, que foram resolvidos dentro da

sala de aula e que exigem do professor postura e atitudes assertivas, como as citadas por Paulo

Freire (2013b), pois podem facilmente tornar-se referência para os alunos.

Ao buscar algumas vozes de fora da sala de aula sobre os projetos o que se ouve

corrobora com os dados obtidos por meio do questionário em alguns pontos. O Sr. Alencar

André David, Coordenador Pedagógico do Ensino Fundamental II, em entrevista (Apêndice

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F) para a professora-pesquisadora, afirmou que creditou no projeto Garage Sale por ser uma

novidade e disse que o projeto aconteceu e foi um sucesso porque os alunos o abraçaram.

Contou também que os alunos se organizaram muito bem na ausência da professora no

primeiro evento (A ausência deu-se pela exigência da própria escola de a professora participar

de um encontro sobre o material da Rede Salesiana de Escolas em outra localidade.). Sobre o

projeto Pink Lemonade contou que foi “uma alegria ver os alunos brigando para participar do

projeto”. A Sra. Renata Maria de Araujo Afonso Ferreira, Orientadora Educacional do Ensino

Fundamental II, também em entrevista (Apêndice G) para a professora-pesquisadora, aponta

para o lado cultural e social dos projetos, destacando a cultura do brasileiro de não gostar

muito de comprar objetos usados, e a questão dos objetivos do projeto no sentido de que os

alunos encontram sentido porque é uma ajuda concreta. O Sr. José Carlos Ambar dos Reis

(Assistente de alunos), por sua vez (Apêndice H), sinaliza para a filosofia salesiana dos

projetos afirmando que os mesmos proporcionam um olhar para fora da escola e incentivam o

protagonismo dos alunos, além do lado social de ajudar os necessitados. Sobre a filosofia

salesiana, o Sr. Alencar André David enfatizou a questão do “sonho”, comentando que João

Bosco teve grandes sonhos, mas sempre com os pés no chão, como foi o caso deste sonho da

professora-pesquisadora, um sonho que se concretizou com a adesão dos alunos, pois sem

isso nada teria acontecido. Para Rafael Duarte Belletti, responsável pela Pastoral da escola,

“Projetos como esse permitem que a pastoral esteja muito próxima dos alunos, dentro de sala

de aula. Pois o Pátio é o lugar da pastoral. Mas quando consegue entrar também na dinâmica

da sala de aula, o resultado do trabalho pastoral é ampliado. Essa parceria permite que o

discurso pastoral da escola seja vivenciado de forma prática pelos alunos.” (Apêndice I). Estes

aspectos confirmam a ação e movimentação dos alunos numa demonstração de entusiasmo,

mostrando-se autônomos e protagonistas.

Se ensinar, do latim insignare, significa deixar uma marca ou sinal, poder-se-ia dizer

que tanto alunos quanto professora foram marcados pelos projetos, pelas ações. Não apenas

por atingir os objetivos propostos, mas pelo percurso feito para que pudessem ser realizados.

Percurso que propiciou a ação consciente e transformadora de uma práxis, instaurando novas

possibilidades dentro de um contexto de Educação Formal, qual seja, voltar os olhos para fora

deste espaço por meio da Pedagogia Salesiana numa visão Sociocomunitária. A visão da

Educação Sociocomunitária, o viés da Pedagogia Salesiana, assim como a impossibilidade de

uma Educação neutra remete-nos à pergunta proposta por Buber (2011) e epigrafe desta

pesquisa: Onde você está em seu mundo?”.

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Cortella e Dimenstein (2015) asseveram que o processo educativo é de grande

importância para a conquista da cidadania:

Dimenstein: [...] Quando se quer proibir alguma coisa, o que se diz é: “Vamos

matar a ideia do princípio, o verbo”. Daí, vemos com muita clareza que a cidadania,

a comunicação, a educação são um eixo indissociável. O que é a ágora, na verdade,

senão o processo da comunicação em que se misturam a cidade, a cidadania e

também o processo educativo?

Cortella: A ágora, a grande praça, é o lugar do encontro assim como a educação, a

comunicação, a cidadania são modos de encontro. (CORTELLA, DIMENSTEIN,

2015, p. 32, grifos do autor).

Assim como, a ágora, para os gregos, era o local de reunião e assembleias populares, o

espaço escolar, por meio de práticas dialógicas e significativas, pode se tornar um local de

encontro. Um espaço para que educandos e educadores possam se encontrar, e ao outro.

João Bosco se preocupava com seus jovens desde o momento que adentravam seus

limites até que os jovens os deixavam e além, isto é, protegia-os, cuidava de sua

sobrevivência, dava-lhes uma formação religiosa e profissional, mantinha-os num ambiente

de alteridade, em que um era consciente do outro e cuidava dele, assim como ele mesmo o

fazia. Todo esse cuidado vinha aliado à preocupação de devolver estes jovens à sociedade

como pessoas autônomas, conscientes de seu papel no seu contexto. Desta forma, seus

espaços de atuação foram também espaços de encontro, ágoras.

A Educação pode ser concebida como um local de encontro e não apenas um local que

assegura a informação, principalmente no contexto hodierno, e escola, espaço de Educação

Formal, por meio de práticas dialógicas e significativas, sendo um espaço para encontros

pode, como o fazia João Bosco, formar cidadãos conscientes que consigam ler seu contexto e

atuar nele de forma positiva.

Contudo, para que se construa este espaço de encontro, há que se propiciar, também,

ao educador momentos de reflexão de sua própria práxis, não só em seu processo de

formação, mas durante toda a sua caminhada profissional. Desta forma, enquanto

profissionais e pessoas engajadas terão, também, consciência de sua importância na

construção da cidadania dos educandos.

A presente pesquisa proporciona a visão de que práticas educacionais dialógicas e

significativas vão além de se construir com e proporcionar ao educando a possibilidade de que

ele se sinta sujeito do seu processo educativo, protagonizando de forma consciente. A

pesquisa possibilita ver que, também, o educador pode construir sua identidade e refletir sua

práxis desta forma. O encontro, o diálogo, a conversa, o compartilhar, o pertencer, o

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sentido..., nenhum deles se dá na solidão, no entanto, assim como necessitam do outro,

necessitam cuidados e atenção, como afirma Benjamin (1987):

ATENÇÃO: DEGRAUS!

O trabalho em uma boa prosa tem três graus: um musical, em que ela é composta,

um arquitetônico, em que ela é construída, e enfim, um têxtil, em que ela é tecida.

(BENJAMIN, 1987, p. 27)

Da prosa ao diálogo, da falação ao entendimento, assim nasceu o diálogo que levou ao

entendimento e ao consenso principalmente nas situações de conflito no processo de

organização dos projetos. O degrau musical se fez no aspecto lúdico dos projetos, a música do

brincar convida a participar. O degrau arquitetônico se deu na organização e execução dos

projetos. O resultado foi um tecido que não se tinha antes de se iniciar as atividades: um

sentimento de acolhimento entre todas as turmas participantes do projeto, alunos com uma

visão diferente da própria turma, uma sensação de pertencimento. Um novo tapete se formou

porque novas tramas se teceram. Um novo chão. Um chão que tem como base a Pedagogia

Salesiana, o pensamento freiriano da dialogicidade e a lógica da Educação Sociocomunitária

do olhar para fora dos muros da escola. Esse novo chão proporciona a educador e educandos a

possibilidade de ver o outro e por isso ver-se a si mesmo, face às diferenças encontradas.

Finalizadas as atividades há o convite para responder os questionários da pesquisa e respostas

como “descobri..., aprendi..., entendi..., passei a…, percebi..., vivenciei..., melhorei...” entre

outras falas dos alunos revelam a validade do processo. Práticas que podem melhorar

relacionamentos, aproximar pessoas e impactar positivamente nas vidas de educador,

educando e comunidade, viabilizando acolhimento e pertencimento para todos os envolvidos.

Havia um sonho e ao iniciar esta pesquisa não se tinha a noção da dimensão e da abrangência

do trabalho com os alunos. O que se pretendia era verificar se práticas significativas poderiam

levar os alunos a se envolverem e ao se envolverem agir de forma autônoma e protagonizar, o

que foi verificado e constatado, haja vista, a adesão e motivação dos alunos em sua

participação espontânea e voluntária.

Na língua Inglesa, a palavra alteridade pode ser exprimida de duas formas, uma que

oriunda do latim, alterity. A outra oriunda das línguas germânicas, otherness. A última tem

um aspecto muito interessante devido ao sufixo -ness, que acrescenta o significado de “ser

abundante em”. Sendo assim, otherness significa “ser/estar abundante de ... (do outro nesta

palavra)”. Preciso desta palavra para descrever o modo como nos sentimos ao finalizarmos os

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projetos e verificarmos o que conseguimos fazer, em termos de ajudar o outro e em termos de

convivermos e transbordarmos no e com o outro para que tudo pudesse se concretizar.

Terminamos inundados do outro e transbordados no outro.

Inicialmente com o objetivo de compreender e socializar o trabalho desenvolvido nas

aulas de Língua Inglesa, nascida de uma inquietação pessoal, qual seja, responder a pergunta

“Seria o despertar para a autonomia e protagonismo um caminho para a alteridade?”, a

presente pesquisa permite afirmar que é possível contribuir na formação de jovens para que se

tornem pessoas autônomas e protagonistas, que ao olharem para e com o outro consigam

transformar a sociedade em que se inserem. E tudo isso foi e é possível num local perfeito

para encontros – a escola. Por isso, conclamo, pois, os envolvidos na educação para a

possibilidade de propor práticas educativas mais significativas para educador e educando pela

dialogicidade entre protagonismo, autonomia e alteridade. A dialogicidade mágica em João

Bosco, a busca da conscientização através da leitura da palavra por Paulo Freire e a conversa

com a comunidade proposta pela Educação Sociocomunitária nos remetem à importância da

palavra, e sobre a palavra, Rubem Alves (2015) nos diz:

As palavras são entidades mágicas, potências feiticeiras, poderes bruxos que

despertam os mundos que jazem dentro do nosso corpo, num estado de hibernação,

como sonhos. Nosso corpo é feito de palavras. Assim, podemos ser príncipes ou

sapos, borboletas ou lagartas, campos selvagens ou monoculturas, poetas e

inventores ou monótonos funcionários. Diferente dos corpos dos animais, que

nascem prontos ao fim de um processo biológico, o nosso corpo ao nascer é um caos

grávido de possibilidades, à espera da palavra que fará emergir do seu silêncio,

aquilo que ela invocou. Um infinito e silencioso teclado que poderá tocar

dissonâncias sem sentido, sambas de uma nota só, ou sonatas e suas incontáveis

variações.

A este processo mágico pelo qual a palavra desperta os mundos adormecidos se dá o

nome de educação. Educadores são todos aqueles que têm esse poder. (ALVES,

2015, p. 89, 90)

Educador, despertador!

Despertemos!

A autora

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APENDICE A – Memorial da pesquisadora

In understanding something so intensely personal as teaching, it is critical we know about the

person the teacher is.16

Ivor Goodson

Ló passado es la raís de lo presente. Ha de saberse lo que fue, porque lo que fue está en lo

que es... 17

José Martí

Enfim mudamos para o sítio dos meus avós. A situação não estava lá essas coisas e parecia

que morar lá por uns tempos ajudaria, pois a casa na cidade seria alugada – quatro filhos e

mais um que viria logo, logo. Realmente difícil. Os dias eram de muito vento, o lugar era

aberto, descampado. Posso sentir o vento nos meus cabelos e o cheiro do capim gordura.

Percebia que minha mãe não gostava muito da ideia de morar lá, ficaria muito longe da cidade

e dos parentes. Para ela eram dias solitários e de muito trabalho. Para nós, as crianças, era

uma aventura. E tinha a casa. Vinícius de Moraes cantou a casa...

Era uma casa

Muito engraçada

Não tinha teto

Não tinha nada

A nossa casa no sítio também era uma aventura. As portas ainda não estavam colocadas, as

janelas fechadas com placas de Duratex, tudo ainda por terminar. Ela tinha telhado, é claro,

mas não tinha forro. À noite o vento passava pela escuridão, entre as telhas e pelos meus

ouvidos. Sim, dava medo! Em compensação, durante o dia, muitas aventuras e traquinagens.

Havia porcos, a horta, o pomar com as laranjas, mangas, goiabas e outras frutas. Uma delícia.

Com minha avó durante o dia tinha o “catar” lenha, colher as frutas no pomar para depois do

16

Tradução da autora: Para entender algo tão pessoal como o ato de ensinar, é de suma importância sabermos

quem é essa pessoa, o professor.

17 Tradução da autora: O passado é a raiz do presente. Temos que conhecer o passado porque o passado está no

presente.

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almoço, e, às vezes, sair em busca de almeirão de café, uma verdura que nascia assim do

nada, no meio do mato. Mas precisava ter muito cuidado, pois poderia ser confundido com

outra folhagem não comestível. Com meu avô, à noite, era olhar para as estrelas e tentar, no

meu caso, ver o “Cruzeiro do sul”, as “Três Marias”, depois entrar e ouvir o rádio que ele

mesmo tinha montado. Conseguíamos ouvir a BBC de Londres e outras “estações” em inglês

e eu pensava, ainda vou entender o que eles falam. Com meu pai, procurar enxames de

abelhas para produzir mel, acompanhar e observar enquanto ele cavava as covas de

bananeiras que na época das chuvas eram um convite à arte, pois elas ficavam cheinhas de

água – nossa piscina. Minha mãe? Com ela ficavam os cuidados com nossa higiene, a comida

e uma coisa de que eu gostava muito era quando ela tocava seu acordeom. Ela tinha tido

algumas aulas antes de mudarmos para o sítio, e era muito bom ouvi-la tocar. Tinha também o

córrego no fundo da propriedade, muita taboa, muitos pulos sobre elas – tão macias, e o

engraçado é que no dia seguinte elas estavam todas em pé novamente, isso eu nunca entendia.

Tinha também o medo de topar com uma cobra ou um papa-vento, que era um tipo de

lagartixa grande que olhava para você e jogava um veneno nos seus olhos. Cuidado, ele gosta

de ficar nas goiabeiras. E foi numa delas que um dia eu topei com um deles. Com a cobra eu

topei num dos tanques artificiais na plantação de agrião, ela olhava para mim e eu para ela,

nem me lembro para que lado corri, o que eu sei é que até hoje tenho pavor de bicho que se

arrasta.

A grande novidade era que eu ia para a escola assim que nos instalássemos no sítio. Era um

misto de medo e de muita vontade que as aulas começassem logo. Mal sabia, eu, que as aulas

já tinham começado em março. E já era abril. Pequei o bonde andando. Todo mundo na escola

já se conhecia. Não me lembro do primeiro dia, não consigo.

A sala de aula

Numa sala bem grande três fileiras de carteiras duplas, umas seis ou sete carteias, eu acho.

Uma fileira para cada ano/série. Três lousas lá na frente, uma mesa no meio. Uma professora!

Era assim que as coisas funcionavam na Escola Mista da Fazenda Sete Quedas. Hoje, fazendo

as contas, seriam mais ou menos 40 alunos, divididos entre primeiro, segundo e terceiro ano.

Comecei na fileira da direita, olhando para a lousa. Era assim: a professora colocava a matéria

e explicava em cada lousa e, enquanto a gente copiava e trabalhava em algum exercício ou

fazia alguma leitura, ela ia para a outra lousa, e assim por diante. No segundo ano a escola

mudou para um prédio ao lado da casa principal da fazenda. Hoje, neste lugar há um grande

condomínio. Recentemente num congresso sobre pesquisa (auto)biográfica na Universidade

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Estadual do Rio de janeiro – UERJ me deparei com uma sala usada para estudos históricos e

não resisti. Tive que tirar essa foto. Foi um momento de retorno ao passado, mas gostando

muito do presente.

Ilustração 24: Uma volta no tempo - a carteira da escola rural

Fonte: Extraído do acervo pessoal da pesquisadora

A escola

Inicialmente ia para a escola com meu avô, depois que ele me ensinou o caminho, passei a ir

sozinha. Todos se admiravam por eu não ter medo das vacas que encontrava pelo caminho. Eu

morria de vontade de passar a mão nelas, mas o respeito que eu tinha por elas não me

permitia. O que ninguém entendia porque eu tinha medo de passar na frente da casa do

“Baiano”. Ele morava no topo de um morrinho que eu tinha que subir. A casa de um lado da

estrada e o local onde ele criava os animais do outro. E eu passava no meio. Acontece que os

patos, perus, marrecos, gansos, todas essas aves escandalosas, corriam atrás de mim. A única

salvação era colocar a bolsa nas costas para proteger a “retaguarda” e correr. Isso não era uma

aventura, era um terror. Minha salvação foi o Seu Joaquim e sua esposa, Dona Olívia, nossos

vizinhos. Comecei a “cortar” caminho pelo sítio deles. Eles eram um casal sem filhos,

caseiros do sítio vizinho. De certa forma eles me adotaram. Todo dia eles me esperavam perto

do poço onde a Dona Olívia estaria dando comida para todos os seus gatinhos. A quantidade

podia variar, mas eram sempre uns oito ou dez. E quase todo dia o Seu Joaquim já vinha com

a flor para eu levar para a professora. Às vezes era uma flor que tinha um cheiro tão gostoso,

parecia chocolate e às vezes era um copo-de-leite. Por que será que eu adoro gatos? Por que

será que uma das minhas flores preferidas é o copo-de-leite? A partir do dia que eu topei com

a cobra na plantação de agrião do meu pai e cheguei sem fôlego na casa do Seu Joaquim ele

começou a me esperar lá embaixo, perto do córrego que eu tinha que atravessar, caso a cobra

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aparecesse novamente. Só ele e a Dona Olívia acreditaram em mim, meus avós disseram que

eu tinha visto um pedaço de pau e achei que era uma cobra. Quase ninguém acreditava em

criança naquela época. Assim que pegava minha flor, me despedia deles e ia para a escola. Ai

começava a outra jornada - esperar a professora no ponto de ônibus. Andava até o ponto de

ônibus e me juntava aos outros que por lá ficavam. A professora chegava e caminhávamos

juntos para a escola, a professora e seus fieis seguidores e defensores, uns cinco ou seis

alunos, além de mim. No caminho muitas conversas. Contávamos as novidades e cada dia era

uma pessoa diferente que encontrávamos no caminho. A professora cumprimentava a todos.

Lá embaixo, no lago, todos nós, às vezes, a professora também, atirávamos pedrinhas

fazendo-as pular sobre a água. A cada dia, aprimorávamos nossa técnica de atirar as

pedrinhas. Tudo começava com a escolha das melhores pedras, por isso na descida até o lago,

entre as conversas prestávamos atenção e já íamos selecionando as pedrinhas. Isso era muito

importante, pois a competição era coisa séria. Posso ver as pedrinhas marrons mais achatadas

que eu pegava do chão! Minhas pedrinhas iam bem longe. Escrevendo sobre isso hoje, me

pego pensando se a professora, a Dona Maria, não usava isso como uma forma de nos manter

ocupados para não arrumarmos confusão no caminho. A turma era danada. A Dona Maria era

mais esperta do que eu pensava! Um dia, durante a aula, ela ficou tão brava que quebrou a

régua na cabeça de um aluno, e o pior é que ele era o filho do novo administrador da fazenda.

Ela até chorou no caminho de volta para o ponto de ônibus, arrependida, mas dizia que ele

bem que mereceu, e que ela não conseguiu se controlar. Nesse dia ninguém quis ficar com ela

na volta. Todos meio assustados. Fiquei com pena dela, mas não me lembro do que falei a ela,

tão grande era minha preocupação com ela e meu respeito aos seus sentimentos. Mas me

lembro que caminhei ao seu lado até o ponto de ônibus.

No segundo ano muita coisa mudou. A professora agora era a Dona Teresinha, muito mais

brava que a Dona Maria que havia se aposentado. Todos a respeitavam muito ela nem gritava

quando ficava brava. A competição das pedrinhas no lago continuou, mas já nos primeiros

dias de aula nossa escola mudou de prédio. Fomos transferidos para um prédio bem perto da

sede da fazenda. A ilustração abaixo é uma foto recente da sede da Fazenda Sete Quedas, hoje

o condomínio Swiss Park.

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Ilustração 25: A imponente sede da fazenda

Fonte: http://static.panoramio.com/photos/large/49178303.jpg Acesso em 21/06/2014

Feche os olhos. Imagine-se em frente da porta de entrada, olhando para dentro do salão

principal. Às suas costas no lado direito, umas três construções abaixo, ficava o espaço da

escola. Cursamos o segundo e terceiro ano praticamente ao lado do casarão. Na época foi uma

mudança muito importante, como se tivéssemos sidos promovidos. A sala de aula era muito

grande, mas a disposição das carteiras, lousas e mesa era a mesma. O que era diferente, então?

Era uma sala meio mágica. Ao andarmos pela sala ouvíamos o barulho dos nossos pés no

chão sobre o assoalho de madeira, como se embaixo dele existisse um porão, mas não era um

porão como na minha casa da cidade. Embaixo passava um rio! Bom, na verdade não era um

rio, embaixo da sala passava um córrego que não sabíamos de onde vinha. Ele saia debaixo da

sala de aula. Diziam que era de uma nascente e que tinha sido canalizada antes da construção

das casas. O legal era que no recreio a gente passava pela pequena ponte de madeira que a

Dona Teresinha pediu que fosse feita, ou pulávamos o pequeno veio de água limpinha que

vinha de baixo do “túnel”. No começo, a gente ficava olhando pelo buraco para tentar ver de

onde vinha, mas era tão escuro, que não tinha como ver nada. Um dia a “Dona” Teresinha

perguntou se a gente queria fazer uma horta. Todos ficaram muito animados. Houve uma

divisão do terreno, e de grupos para que cada grupo tivesse seu canteiro e plantasse as

hortaliças. Levei alguma coisa para casa, mas não consigo lembrar exatamente o que foi. A

Dona Teresinha era brava mesmo. Um dia o José Luis puxou meu cabelo, fui reclamar. Ela

chamou o José Luis e me disse: “Agora você vai puxar a costeleta dele até ele chorar.”. Eu

hesitei, não queria fazer isso, cheguei até a me arrepender de ter contado a ela, mas não teve

jeito, tive que puxar a costeleta dele. E ele chorou. Mas depois tudo passou, ele percebeu que

eu fiz aquilo porque a professora mandou e a gente não podia desobedecer. A amizade

continuou a mesma. Tem muitas historias para contar dessa época. Algumas delas eu conto

hoje para meus alunos.

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A outra novidade do segundo ano era que meu irmão, o Flávio, também iria para escola

comigo. E com isso, eu além de fazer minhas tarefas, tinha que ajudar o Flávio porque ele não

gostava de fazer tarefa. Minha mãe tinha que ficar atrás dele para que ele o fizesse, e eu tinha

que ficar ao lado dele para ver se estava certo. Afinal, eu já estava no segundo ano e já podia

ajudar meu irmão E o tempo passou, e veio o terceiro ano. No final de cada ano, vinham os

examinadores para aplicar a prova final. Três pessoas que não conhecíamos, olhavam para a

gente com aquelas caras sérias e feias. A professora sempre ficava um pouco nervosa. Os

alunos então nem se fala. Eu nem ligava, até gostava de ver aquelas pessoas ali, era uma

forma de eu mostrar que estudei e que sabia a matéria. A Dona Teresinha era uma boa

professora e eu confiava nela. O que aconteceu quando veio o resultado da prova do final do

terceiro ano foi uma grande surpresa para todos. Acontece que a Dona Teresinha tinha

prometido um prêmio para quem tirasse a maior nota no exame. Ela trouxe o prêmio uns dias

antes do exame: um estojo completo, com lápis de cor, lápis preto, canetas e por cima dele um

apontador de lápis no formato de uma “bola”. Tudo embalado em papel celofane, com um

laço de fita vermelha bem grande. Como eu queria ganhar aquele estojo para poder usar

aquele material. A grande surpresa? Adivinhe quem ganhou o estojo? Isso mesmo, o Flávio!

Ele que nem gostava de estudar tanto assim, ganhou o estojo! Eu fiquei muito brava, é claro.

Mas fiquei muito feliz porque o estojo ia para minha casa e eu poderia usar os lápis também.

Mas o que eu me lembro do estojo é que meu pai comprou um livro de pintar e uma vez ele

pintou um desenho usando os lápis de cor do estojo. Era um leão na floresta. Meu pai pintava

umas partes e nas outras ele usava uma faca bem pequena e afiada para raspar a ponta do lápis

e depois passava o dedo na “raspa” da tinta da ponta do lápis que ficava sobre o desenho e

ficava um colorido suave, e sem usar a ponta do lápis. Ficou lindo. O leão marrom e a

folhagem verde. Nas partes pequenas do desenho ele usava a ponta do lápis e nas partes

maiores ele usava a técnica do dedo. Ainda posso sentir o cheiro daquele livro de pintar e do

lápis de cor.

De volta à casa da cidade

Na fazenda não tinha como continuar os estudos, então voltamos a morar na cidade. Eu cursei

o quarto ano no Grupo Escolar Júlio de Mesquita. Não me lembro de muita coisa desta escola,

mas me lembro de que um dia a Dona Marina disse assim: “Um minuto tem 60 segundos.

Vocês sabem quanto dura um minuto?”. E a classe ficou em silêncio. E ela disse: “Então

vamos conversar durante um minuto e vocês vão ver quanto tempo dura um minuto.”.

Conversamos um tempão, e ela olhava no relógio até que o tempo acabou e ela disse: “Vocês

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viram quanto conversamos em um minuto?”. Foi uma experiência muito interessante aquela.

Há também um fato muito interessante que aconteceu durante o ano no quarto ano. A escola

dava sopa para os alunos mais carentes, e um dia a Dona Marina disse que quem fosse ao

quadro e acertasse o problema ganharia uma ficha para a sopa da merenda no lanche. Eu fui

ao quadro, acertei a resposta e ganhei o presente. No recreio fui então tomar a sopa: fubá e

couve picadinha. Não consegui comer aquilo e sentia muita vergonha porque as outras

meninas comiam como se fosse a única refeição que fariam no dia (e talvez fosse em alguns

casos) ou porque devia estar muito gostoso. Elas me olhavam com estranheza. Até que uma

delas me perguntou se eu não queria comer e se ela poderia comer. Eu senti um alívio muito

grande, e dei meu prato de sopa para ela. Voltei para a sala chateada e não contei nada a

ninguém, mas tive que mentir e dizer que a sopa estava gostosa. Muitos anos depois eu

descobriria que tenho uma intolerância muito grande que beira a alergia ao alho. O cheiro

daquela sopa ainda penetra nos meus sentidos e a imagem de desaprovação da menina para

quem eu dei a sopa também. Esse foi também um dos motivos que me fez parar de comer

carne – único alimento onde se usava alho na nossa casa.

Ao final do quarto ano, o “Exame de Admissão”. Uma prova para poder ingressar no ginásio.

Eu queria ser professora e, portanto, iria prestar o exame na “Escola Normal”, uma escola

estadual em Campinas que preparava as futuras professoras de “Grupo Escolar”. Era assim

que eu ouvia falar. Acontece que essa era uma escola muito concorrida, poucas vagas e muitas

candidatas. Não consegui passar no exame. Meu pai ficou bravo, pois para ele eu deveria ter

prestado o exame bem perto de casa, e ali com certeza eu passaria. Uma tia que tinha

condições financeiras resolveu pagar uma escola particular para mim. Eu até gostava da

escola, mas não cabia lá. O que eu me lembro de lá é de um campeonato de queimada, eu

salvei o time sem ser queimada. Meu time todo torcendo para eu conseguir queimar a menina

do outro time. Eu consegui. Não sei o que aconteceu, mas na mesma época meu pai se

desentendeu com alguém da secretaria e me perguntou se eu não queria sair da escola e ficar

em casa estudando para prestar o exame de admissão no final do ano e ir estudar perto de

casa. Eu concordei. E assim foi. Mas o que eu lamento até hoje é que eu nem fui buscar a

medalha do campeonato de queimada. Só fiquei com as lembranças de um acontecimento

impar naquela escola – Instituto Lancastre, que ficava na Rua Barreto Leme, bem ao lado do

prédio da Prefeitura Municipal de Campinas. Mas tudo valeu a pena, pois conheci a biblioteca

da Prefeitura Municipal. Ainda sinto o cheiro daquele lugar, e a bibliotecária que vinha nos

atender depois de tomar um cafezinho. Um cheiro de livros manuseados e café. Perdia a hora

quando ia escolher o livro que levaria para casa.

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No final do ano fiz um cursinho de admissão, pago por minha tia, e passei no exame. Minha

escola agora era o Ginásio Estadual Monsenhor Doutor Emílio José Salim. No final da quinta

série eu tive outra “surpresa”. Um dia minha mãe chega e me diz: “Elisete, a filha da Alice

(uma amiga dela) virá todos os dias de amanhã até o final do ano para você ensinar

matemática para ela passar no exame de admissão. A Alice não tem como pagar o curso de

admissão e como você já passou no exame e está na quinta série, você vai ensinar matemática

pala ela”. A principio não gostei muito da ideia, fiquei brava e pensava: por que eu? Logo eu

que nas brincadeiras de escolinha em casa, com minha prima e meus irmãos preferia ser

aluna. Agora ia ter que dar aula de matemática? Mas não teve jeito e era urgente, pois no dia

seguinte a menina estaria em casa. Pensei em como eu ia fazer para que a menina passasse no

exame de admissão e logo conclui que era muito lógico: pensei no que caiu no exame que eu

havia prestado, e no que eu não tinha estudado na quarta série, peguei meu livro de

matemática da quinta série e comecei a fazer com ela o conteúdo (eu não usava a palavra

“conteúdo”, dizia “exercícios”) que ela não iria estudar. Expliquei isso a ela no primeiro dia e

começamos. E não é que eu gostei da brincadeira (E estou “brincando” disso até hoje.). Todo

dia ficava esperando ela chegar para dar os exercícios que havia preparado. E como eu

gostava de corrigir os exercícios. Notei também que o que eu não sabia muito bem ficava

mais claro quando explicava para ela. Eu estava aprendendo enquanto ensinava. Ou ensinando

enquanto aprendia? Isso me acompanhou a vida inteira. No final do ano, ela fez o exame e

passou. Como fiquei contente. Isso não chegou a ser uma surpresa para mim. Eu sabia que ela

ia passar, ela estava preparada. Pelo menos em matemática! Hoje tenho o mesmo sentimento

em relação aos meus alunos, acho que todos têm capacidade de aprender.

No ginásio outros acontecimentos me marcaram. Na quinta série além das aulas de

matemática para a filha da Alice, algo acontecia na escola. O Brasil em plena ditadura, 1970,

e eu não tinha a menor ideia de que isso estava acontecendo. Nossa diretora era muito brava,

tinha também o professor de Educação Moral e Cívica que nos vigiava do lado de fora da sala

espiando pela janela e suspendia quem ele achasse que estava fazendo “bagunça”. Não sei que

poder ele tinha, mas se ele mandasse, o aluno era suspenso. Nas sexta série, entre todos os

professores, dois foram impactantes em minha vida. O professor de história que dava aula

desenhando no quadro: aprender “Entradas e Bandeiras” com os desenhos que o professor

Airton fazia era moleza. Mas a professora de português, a Dona Ana Maria Negrão, era

demais! Ela chegava com seu carrão, um Galaxi, dava a volta pela escola cantando pneu na

curvinha. Todos sabiam que ela estava chegando. Na sala de aula, sentava-se à mesa com seu

avental de professora e nos ensinava análise sintática. E um belo dia ela disse que íamos

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escrever uma redação. Foi uma aula inesquecível! Primeiro escolhemos o tema – a classe toda

participou: Um dia na praia. Depois ela pediu para que fôssemos falando tudo o que podia

acontecer num dia na praia ou o que era preciso para se preparar para um dia na praia. A

classe falando e ela escrevendo tudo na lousa. A lousa ficou cheia. Não cabia mais nada. Até

os cantinhos foram utilizados. Não havia mais espaço As ideias já tinham se esgotados,

passamos para o próximo passo. Ela então pediu para que separássemos as ideias colocadas

no quadro por afinidade. Assim foi feito. Todos trabalhando e pensando juntos com ela, que

ia fazendo as anotações no quadro. A próxima etapa era resolver quantos parágrafos teria

nossa redação e o que colocaríamos em cada parágrafo. Copiamos tudo no caderno. Apagou-

se a lousa e começamos a escrever juntos: Um dia na praia. O texto ficou lindo. Para casa a

tarefa era escrever uma redação da mesma forma que fizemos em classe. Confesso que não

via a hora de chegar em casa para escrever. Não me lembro do tema, mas me lembro de que

gostei muito do resultado. Essa forma de escrever me marcou para sempre. Recentemente tive

o prazer de encontrar a Dra. Ana Maria Melo Negrão numa atividade do Programa de

Mestrado em Educação Sociocomunitária onde ela fazia parte de uma banca de defesa, e não

resisti, pedi a ela que fizemos uma foto juntas.

Ilustração 26: A pesquisadora e a Profa. Dra. Ana Maria Melo Negrão – A Dona Ana

Maria

Extraído de: Acervo pessoal da pesquisadora

Na sétima série as aulas de educação artística me encantavam. Fazíamos desde roupinhas de

bebê até almofadas de crochê. As aulas de inglês, tão esperadas, foram um pouco frustrantes.

Do livro New Spoken English até que eu gostava, mas não sei por que não gostava da

pronúncia da professora. Quem era eu para não gostar da pronúncia da professora? Na minha

primeira prova de inglês tirei três e meio. Que decepção! Embora eu nem pensasse nisso, essa

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nota eu não teria como esconder do meu pai, pois a professora era nossa prima. Que azar! Que

mundo pequeno! Isso teve desdobramentos na minha vida. Acontece que eu estava fazendo

aulas de corte e costura com uma amiga da escola e ela parou de fazer as aulas de corte e

costura porque o pai dela disse que era muito importante aprender inglês. Comentei em casa e

depois de alguns dias meu pai me perguntou se eu gostaria de fazer inglês. Eu gostei da ideia,

e mais uma vez peguei o bonde andando, pois no meu primeiro dia no curso de inglês no

Yazigi, a turma já estava no capítulo três. Mas eu adorei a professora, a Leila. Fiz todas as

lições atrasadas e já tirava as melhores notas da turma. Eu adorava falar inglês. Voltando para

a sétima série, tinha também o professor de ciências, o professor Wilson. Um homem alto

muito magro que nos contava dos livros que lia. Isso também teve desdobramentos em minha

vida. Na oitava série comecei a estudar à noite, já estava na hora de arrumar um emprego se a

chance aparecesse. Estudar à noite era muito bom. A professora de Inglês era ótima. A

professora de História era muito legal, o livro adotado era como um grande gibi, história em

história em quadrinhos – ela me conquistou. Durante uma das nossas aulas, chamei-a para

tirar uma dúvida e olhei na mão dela. Fiquei assustada, ela tinha mãos ásperas, mãos de

alguém que arrumava cozinha, que trabalhava no sítio da família, e me veio à mente naquele

momento: o que é e o que faz um professor fora da sala de aula? Que tipo de pessoa é um

professor fora da sala de aula? Um mistério!

1974 – já estou no colegial: Escola Estadual Anibal de Freitas. Cursei o primeiro colegial à

tarde, não consegui vaga à noite. Detestava tudo, não me encaixava naquela escola, naquela

turma. Tinha sono nas aulas, mas mesmo assim, duas coisas me marcaram neste ano. O

professor de Geografia adotou um livro muito difícil do autor Melhem Adas. Eu lia e não

entendia nada. Foi ai que eu encontrei outra forma de estudar, grifar as partes importantes, e

entender o mais importante do parágrafo. Aprendi sozinha. O outro fato que me marcou foi o

modo como a professora de português a Dona Maria (outra Dona Maria) ensinava. No nosso

livro de literatura havia poesias com palavras estranhas até então. O que eu nunca mais

esqueci foi da expressão “céu plúmbeo” e ela explicando que plúmbeo vinha do latim, que

significava da cor de chumbo que era por isso que o símbolo do chumbo na tabela de química

era “Pb”. Por que será que a professora de química não fazia assim? Ai quem sabe eu iria

gostar da aula dela também! Coisas que eu pensava!

Segundo ano do colegial, consegui voltar a estudar à noite e comecei a trabalhar numa livraria

em agosto. Meu pai conhecia o dono e arrumou o emprego para mim. Eu adorava, me lembro

de ter entregado o primeiro salário nas mãos dele. O que eu mais gostava era que eu podia

comprar livros com vinte por cento de desconto. Comprava livros de inglês e também do

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autor que o professor Wilson, de ciências, nos falava: Lobsang Rampa, um monge budista e

suas histórias. Li quase todos os seus livros. Mais tarde pela Internet vim a ler que ele era uma

farsa. Confesso que fiquei decepcionada, mas algumas de suas ideias já haviam me

conquistado. Continuei estudando inglês de manhã e tinha permissão do patrão para chegar

mais tarde nos dias que tinha aula de inglês. No final do ano a loja vendia brinquedos. Como

eu gostava de ajudar a arrumar o estoque, como eu gostava daquele cheiro de bonecas e

carrinhos. Era muito bom trabalhar lá. Volto a falar da escola e de um acontecimento que

mudaria minha vida. Segundo colegial, primeiro dia de aula à noite. Cheguei, olhei para a sala

e vi um aluno que me parecia mais velho do que os outros e pensei comigo mesma que ele

deveria ter “repetido de ano”, pois tinha cara de mais velho. Esse aluno com “cara de mais

velho” seria o homem com quem eu me casaria e teria três filhos maravilhosos, hoje meu

marido, o Breno. Mas só começamos a namorar quando estávamos na faculdade. No segundo

ano descobri mais uma forma de estudar. As aulas de Biologia com o professor Alcides eram

muito interessantes, ele contava da formação do universo, da divisão das células e tudo mais,

mas não tinha adotado um livro didático para estudarmos em casa. A fama dele é que

ninguém conseguia “fechar a nota” sem fazer exame no final do ano. Isso bastava para eu

querer passar sem exame no final do ano. Era um desafio. Precisava dar um jeito de poder

estudar em casa sem livro. Comecei anotando tudo o que ele falava na aula. Em casa, nos

finais de semana, passava tudo a limpo e estudava muito. No final do ano o resultado: eu e

outro colega conseguimos fechar e não ficamos de exame. O professor Alcides tinha uma

coleção de insetos e ele dava meio ponto para cada inseto “fora-de-série” que a gente

trouxesse para ele. “Fora-de-série” era um inseto que ele ainda não tinha na sua coleção. Ele

olhava para o inseto e na hora dizia se já tinha ou não. Eu consegui um “fora-de-série”

durante o ano inteiro. Ao final do segundo ano ficou decidido que eu iria parar com o curso de

inglês, pois a maioria dos alunos da turma havia passado para o horário da tarde e não haveria

mais a turma da manhã. Eu não poderia estudar à tarde por causa do trabalho. No terceiro ano

do colegial, mais uma vez a história se repete, a escola mudou de prédio. Fomos para um

prédio novinho em folha. Novos amigos chegaram. As aulas de Biologia ainda eram com o

professor Alcides. Ele inaugurou o laboratório de Biologia. Fizemos dissecção de animais.

Primeiro ele dividiu a classe em equipes e distribuiu as tarefas determinando os animais de

cada grupo. Depois ele orientou para a pesquisa sobre os animais a serem dissecados. Falou

sobre o que fazer no dia da experiência. Finalmente chegou o dia. A dissecção e a explicação

para a classe. Minha equipe fez dissecção de uma barata. Uma experiência e tanto! Nessa

época eu já dirigia e já tinha um “fusquinha” 64. Uma tia havia comprado e não conseguiu

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aprender a dirigir. Deu o carro para mim. No segundo semestre, eu já ia para a escola de carro

e na volta pegava meus irmãos que estudavam no “Monsenhor Salim” que também havia

mudado de prédio, agora era um prédio maior e mais equipado. Eu conhecia todos que

trabalhavam lá, e quando chegava mais cedo ficava conversando com os professores e

funcionários da limpeza e secretaria, a Dona Mirna, o Seu Macedo, a Dona Filomena entre

outros. Sentia-me importante, pois era “filha” daquela escola, um exemplo a ser seguido por

quem estava estudando. A imagem de que é possível estudar além dos limites do bairro. Era

assim que os professores que me conheciam falavam para incentivar os alunos. O Professor

Aquino, de Português, me convidava para entrar na aula dele e ficar lá conversando com os

alunos de vez em quando. E faziam a maior propaganda quando eu falava que ia prestar o

vestibular para ser professora. Eu não tinha a menor ideia do que era passar no vestibular, da

dificuldade, da concorrência, mas se passasse no vestibular naquele ano ganharia uma bolsa

de estudos integral na PUC-Campinas. Um desafio e tanto. Fiz a inscrição prestei o vestibular.

Primeira opção: Letras – Português e Inglês; segunda opção: História; terceira opção:

Pedagogia. Queria muito voltar a estudar e aperfeiçoar meu inglês e também queira ser

professora. Eu não tinha passado no exame de admissão para a Escola Normal, mas agora

minha chance de me tornar professora aparecia novamente em minha vida. Agarrei com unhas

e dentes! Passei no vestibular.

Primeiro ano do curso: usava nas aulas de conversação um livro que eu já conhecia, era um

dos que eu havia comprado na livraria onde trabalhara, mas aproveitava cada oportunidade de

aprender algo novo. A professora de conversação, a Lilian, me convidou, no final do ano, para

fazer um tipo de estágio na escola onde ela trabalhava. Eu ia com ela uma vez por semana e a

ajudava a tirar as dúvidas dos alunos, a corrigir provas, e frequentava a sala dos professores

que mais tarde eu iria frequentar como professora. Ela trabalhava numa escola salesiana – a

ETEC. No segundo ano da faculdade, muita gramática da Língua Portuguesa. A professora

Linei, exigia o máximo dos alunos. Tinha a fama de deixar todo mundo de exame. Mais uma

vez eu tinha que encontrar uma forma de não ficar de exame. Não me contaminava com o que

as colegas falavam. Descobri o que fazer no dia em que ela fez o convite para monitoria de

português. No final do ano, nenhum exame. Terceiro ano da faculdade, estamos em 1979 e eu

tinha minha primeira aula de Literatura da Língua Inglesa. Eis que entra na sala uma senhora

muito elegante, falando um inglês que eu não entendia no início. A maioria da sala “boiava”.

Depois de dez minutos eu já estava entendendo tudo o que a professora Nair Leme Fobé, a

Mrs. Fobe, falava. Uma introdução da literatura inglesa. Depois veio mais, muito mais.

Autores, obras e textos dos quais nunca me esqueci, Thorton Wilder, William Goldwing,

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William Shakespeare, John Milton, Jane Austen, George Orwell, e muitos outros. Uma

festa!!! Aprendi muito com a Mrs. Fobé, uma mulher e mestra incrível. Aprendi com ela a ler

nas entrelinhas, a ver o que subjaz no texto.

Um ano antes, no Segundo ano da faculdade, havia começado a trabalhar numa escola de

idiomas, Pink and Blue. Poucas aulas para começar, mas no ano seguinte, no meu terceiro ano

da faculdade, todas as aulas que eu pudesse pegar. A proprietária era a Dona Judaiba,

conhecida com Tia Jú, uma pessoa que me ensinou muito sobre ensinar e aprender, muito

sobre lidar com as pessoas, e muito sobre a vida.

Uma sensação de dever cumprido, mas também de saudade ao terminar a faculdade. Depois

disso, nunca mais parei de estudar. Combinamos, porém, meu marido e eu, que teríamos

nossos filhos e que depois eu voltaria para fazer especializações, mestrado e o que mais

tivesse vontade ou precisasse. Resolvemos inclusive que eu pararia de trabalhar por um

tempo, para me dedicar aos nossos filhos.

Três anos de namoro, e o Breno entra na minha vida definitivamente. Casamento em 1981.

Vida nova, apartamento novo e vieram os outros meninos. O Felipe chegou em 1983, o

Gustavo chegou em 1985 e o Pedro chegou em 1989. Quantas coisas esses quatro me

ensinaram! E ensinam até hoje!

Em 1988 volto a trabalhar na mesma escola de idiomas. Não cheguei a perder o contato com a

Tia Jú, nem com a Mrs. Fobé. Uma visita aqui, um curso ali e assim mantive o contato com

essas pessoas que tanto me ensinaram.

Profissionalmente e pessoalmente, 1991 foi um ano muito difícil. Muitas dúvidas. E eu me

perguntava: “Você só consegue dar aula nesta escola, Elisete? Começou a trabalhar como

professora lá, parou, teve filhos, voltou para lá e vai ficar lá até quando?” Resolvi me demitir

e fui investir em outras possibilidades, Passei em 5º lugar no concurso para professores do

estado. Assumi as aulas no “Ginásio Estadual Monsenhor Doutor Emílio José Salim”. Feliz

da vida, mas tive uma grande decepção. Até então via o lado romântico da profissão, devo

confessar. Pedi exoneração em semanas. Ao mesmo tempo, assumi aulas e coordenação de

área de Língua estrangeira, Inglês e espanhol, numa escola particular de ensino regular e

lecionava para Ensino Fundamental I, II e Ensino Médio, alem de exercer a coordenação. A

escola ficava em Vinhedo-SP. Em breve os meus filhos também seriam meus alunos no

Instituto Sant’Anna. O que me levou a colocar meus filhos na escola foi um triste incidente na

escola estadual onde eles estudavam – a mesma que agora se chamava “E. E. Monsenhor

Doutor Emílio José Salim” onde eu havia estudado e onde era recebida com tanto carinho. O

triste incidente a que me refiro foi que um dia após levar os meninos para a aula, notei que o

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Felipe havia esquecido algo no carro e voltei para lhe entregar. Ao entrar na escola, alguns

alunos ainda chegando, uma professora gritando com um aluno, pegando-o pelos braços e

orelhas, levantando-o do chão. E o que eu vi em seguida foi meu filho, o Felipe, que sempre

foi bem maior do que as crianças da mesma idade, sendo levantado do chão por aquela

mulher, sem nenhuma reação, da cabeça baixa. Ao ver-me ela se assustou. Depois fiquei

sabendo que não era a primeira criança a sofrer esse tipo de agressão. No dia seguinte meus

filhos começaram a estudar no Colégio Sant’Anna em Vinhedo, onde eu trabalhava. Foi quase

que uma imposição da diretora e proprietária da escola onde eu trabalhava, frente a uma

agressão dessa natureza. (Nada fiz para que a professora reparasse o fato, acho que nem teria

como reparar uma agressão, porque fiquei sabendo que ela estava para se aposentar, e com

muitos problemas familiares e pessoais.) Senti-me muito aliviada e valorizada. Os meus

filhos, Felipe e o Gustavo foram meus alunos mais uma vez, visto que já tinham sido meus

alunos no curso de inglês na escola de idiomas Pink and Blue.

Algum tempo depois precisei deixar a coordenação de área na escola em Vinhedo. Precisava

dedicar mais tempo e dar mais atenção aos meus filhos. Por conta disso também, tive que me

demitir da escola e voltei a trabalhar em Campinas. Através de uma indicação comecei a

trabalhar no Colégio Rio Branco, ministrando aulas para Ensino Fundamenta II e Ensino

Médio e três anos depois, iniciei minha caminhada na Escola Salesiana São José. A

identificação com a filosofia salesiana foi imediata. Já tinha contato com a escola, pois dois

dos meus filhos estavam estudando lá. Estávamos em 1998. Tive novamente o prazer de ser

professora dos meus três filhos no São José no Ensino Médio. E tive o privilégio de entregar

seus diplomas na cerimônia de formatura no final do Ensino Fundamental II e Médio. Coisas

da Escola Salesiana São José – os funcionários da escola têm o privilégio de entregar o

diploma para seus filhos nas solenidades de formatura. Uma gentileza que não tem preço.

Em 2000 e 2001 tive a oportunidade de trabalhar na Nova Escola em Valinhos lecionando no

Ensino Médio. Uma experiência muito interessante, um lugar acolhedor onde conheci pessoas

que valem a pena ter por perto. Durante todo meu trajeto conheci muitas pessoas. Aprendi

com todas. Gostei de ter convivido mais com umas do que com outras. Venho crescendo na

Escola Salesiana São José desde o momento que lá pisei como mãe de aluno. Hoje conto

minhas histórias para meus alunos nos momentos em que isso se faz oportuno.

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Histórias que eu conto aos meus alunos

Histórias podem ilustrar um tempo diferente, uma situação inusitada, uma coisa engraçada,

mas acima de tudo, elas podem traduzir vida. Ao contar minhas histórias aos meus alunos me

sinto mais perto deles, me sinto gente como eles.

1. Dirigindo a Kombi no domingo

Já havíamos voltado a morar na cidade, mas todo domingo íamos almoçar no sítio dos meus

avós. Eu tinha dez anos de idade, meu pai tentava ensinar minha mãe a dirigir a Kombi. Ela

não conseguia. A cada domingo um problema. Um dia ele disse, “Elisete, quer aprender a

dirigir?” Eu era a filha mais velha e meus pés já alcançavam os pedais. Também tinha a

torcida dos meus irmãos. Não pensei duas vezes, pulei para o banco do motorista. Meus

irmãos com olhares de agitação, todos torcendo para eu conseguir. Sai, e dirigi até o portão do

sítio, entrei pela porteira e desliguei a Kombi. Tremia mais que vara verde, mas a sensação de

ter conseguido atingir um desafio era maravilhosa. Essa história eu só posso contar para os

alunos mais velhos, pois poderia incentivá-los a tentar a façanha. Isso nunca.

2. Você gosta de curau?

Logo que comecei a estudar na fazenda, na primeira série, muito eufórica com a ideia de ir

para a escola, queria participar de tudo. Um dia a professora, numa atividade com a classe

toda falando sobre a rotina da fazenda perguntou para a classe: “Quem pode me falar uma

sentença com a palavra “curral”?” Eu imediatamente levantei a mão. Percebi que todos me

olharam com surpresa, afinal eu havia acabado de chegar. Mesmo assim eu disparei a

sentença, a frase da minha vida: “Eu gosto de comer curral” Não entendi porque todos caíram

na risada. Um coro muito alto, todos olhando para mim – a menina da cidade querendo

aparecer. Depois de algum tempo quando a professora também parou de rir e conseguiu

retomar a aula, fiquei sabendo que o doce de milho que minha avó fazia era o “curau”.

Participar da aula é muito importante, mas é melhor não fazer o que eu fiz! Porém, aprendi a

lição, nunca sair falando sem pensar.

3. Minha única e desastrosa tentativa de colar na escola

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Após ter tido aulas de Francês com a mesma professora, a Dona Milma, na 5ª e 6ª série (hoje

6º e 7º ano) e sempre tirando nota dez, eu “precisei” colar na última prova do ano. Toda vez

que conto essa história, meus alunos me perguntam por que eu precisaria colar se sempre

tirava dez. Pois é, vi todo mundo colando e achei que também deveria colar, pois a matéria

nova era um verbo cuja conjugação era muito difícil. Sem olhar no caderno, escrevi o verbo

conjugado na palma da minha mão esquerda. Colei de mim mesma! Durante a prova teria que

ter cuidado para a professora não ver. Amadorismo ao extremo! Durante a prova, que era

mimeografada, (nesse ponto da história sempre tenho que fazer uma pausa para explicar o que

era “mimeografada”. Pausa que também dá certo suspense na história.), eu não conseguia ler

uma palavra, me levantei e fui perguntar para a professora o que estava escrito lá segurando a

prova com a mão esquerda. Foi pior do que o momento do “curral” / “curau”. Nem se

compara! Queria que o chão se abrisse e que eu fosse engolida naquele momento. Como

explicar para a Dona Milma que eu nunca havia colado nas provas de Francês? E o pior, é que

ela iria sair da escola para morar na França no ano seguinte. Como iria explicar isso depois de

ouvir dela: “Eu não esperava isso de você, Elisete! Volte para sua carteira e termine a prova.”

Na tentativa de explicar, gaguejei, fiquei vermelha, gelada, mas de nada adiantava, não tinha o

que explicar. É preciso ter muita necessidade para colar numa prova. É preciso estar

desesperado ou simplesmente como eu, me deixar envolver pela situação. Depois de contar a

estória e responder às perguntas dos meus alunos, faço uma reflexão com eles para dizer o que

acho sobre a cola no ambiente escolar dizendo que sempre parto do princípio que meus alunos

não precisam disso. Tenho confiança no meu trabalho e no trabalho e filosofia da escola e,

principalmente, acredito no potencial de cada um de deles. É como eu termino essa história,

hoje já superada. Resultado da experiência: nunca mais consegui colar nem passar cola.

4. História de professora mãe

Outro dia uma aluna veio nos visitar na escola e ficamos recordando os tempos de aluna dela

na escola e ela me diz: “Nunca me esqueço da história que você contou de você e seus filhos

no shopping nos Estados Unidos.” Fiquei muito contente em saber que minhas histórias

permanecem na recordação de alguns alunos. A história é a seguinte: Perdi minha mãe num

shopping em Miami. Sim, é verdade. E todos que estavam comigo queriam ajudar a procurá-

la – meus filhos (Felipe com 12 anos, Gustavo com 10 anos e Pedro com 6 anos) e meu pai.

Nenhum deles falava inglês. “NÃO! Eu proibi.” Provavelmente teria que procurar por cinco

pessoas em vez de procurar por apenas uma pessoa. Depois que encontrei minha mãe deixei

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todos no mesmo local e fui comprar um perfume de presente para uma pessoa e recomendei:

“Não entrem na loja de perfumes porque todos vocês estão com blusas de frio, com mochila

nas costas e podem quebrar algo.”. Entro na loja, começo a conversar com o dono, ele pensa

que sou americana ou que moro lá há muito tempo devido à minha fluência na língua, e de

repente entra o Pedrinho. E eu me dirijo a ele e pergunto, em inglês, o que ele estava fazendo

ali. Eu estava conversando com o dono da loja e sem perceber falei com o Pedrinho em inglês.

Dou uma bronca e peço para que ele volte ao lugar combinado. O Pedrinho se vira, sem falar

uma palavra e volta para o lugar combinado – um banco em frente à loja. Neste momento o

senhor me pergunta se meus filhos falavam inglês e eu respondo que o Pedro ainda não. A

pergunta seguinte foi: “Como é que ele te entendeu e fez o que você mandou?”. Eu digo “Ele

não fala inglês, mas sabe quando eu estou brava.” Muitas risadas e mais uns quinze minutos

de papo com aquele senhor tão simpático que acabou me contando que sua filha era

professora e lidava com crianças e jovens que são retirados do lar por abusos dos pais.

Situações que se repetem em todos os lugares.

Chega de histórias, embora eu tenha outras para contar.

Minha conversa com os livros

Cartilha Caminho Suave: Minha querida cartilha “Caminho Suave” Como me realizava lendo

suas páginas. Sensação de conquista, ler as páginas que ainda não tinham sido “ensinadas”.

Os mais belos Contos de Fadas: Lembro-me muito bem do meu primeiro livro “Os mais

Belos Contos de fadas”. Eu estava no segundo ano e ganhei do meu pai. Eu já conseguia ler as

histórias. Minha favorita era a da Rapunzel.

“Almanaque do Pensamento” e “Selecões do Reader’s Digest”: Meu pai sempre teve livros

em casa. Eu adorava olhar para eles, ler um pouco, Dentre os muitos livros que tínhamos em

casa, eu gostava de ler as “Seleçoes do Readers Digest”. Meus avós gostavam de comprar um

periódico anual chamado “Almanaque do Pensamento”. Essas publicações continham textos

muito diversos, e eu gastava uma grande parte do meu tempo lendo-as.

Robinson Crusoé”: O primeiro livro ninguém esquece. Recordo-me do primeiro livro que li:

Robinson Crusoé. Era do meu pai. Dentre os muitos que eu via na estante de livros, foi esse

que me conquistou.

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Ilustração 27: O primeiro livro – Robinson Crusoé devorado pela pesquisadora e

também pelas traças ou cupins

Extraído de: Acervo pessoal da pesquisadora

As páginas estão amarelas, os cupins ou as traças comeram partes de suas páginas. Aquelas

duas marcas parecendo uma seta são os caminhos que o bicho percorreu no livro durante o

tempo que ele ficou perdido encaixotado enquanto eu morava num apartamento que não tinha

espaço para meus caros livros. Hoje ele tem um lugar de destaque na minha estante de livros.

Meu Pé de Laranja Lima: Sofri, chorei, ri muito com o Zezé. Como alguém pode sofrer tanto

assim? Quanta polêmica, quanta preocupação! Diziam que o livro tinha palavrões. Quem se

atreveria a ler os palavrões na sala de aula. O que faria a professora? Mandaria a gente pular a

palavra? O que aconteceria? O resultado disso é que todos terminaram de ler o livro antes de

começarmos a ler em classe.

Fábulas de Monteiro Lobato: O livro que eu não devolvi – A Maria Angélica, colega de

escola no Monsenhor Salim, me emprestou um livro de fábulas do Monteiro Lobato. Eu li o

livro, mas ela disse que eu poderia ficar mais tempo com ele se quisesse. Fiquei tanto, que

acabei não devolvendo. Lia uma história quase toda noite para meus irmãos.

A Caverna dos Antigos: O professor Wilson, de ciências, contou na aula, uma vez, que ele leu

num livro de um monge budista chamado Lobsang Rampa. O livro contava sobre uma

caverna com objetos que supostos extraterrestres teriam deixado no nosso planeta. Ele

contava com tanto entusiasmo, que eu tinha que pegar esse livro na biblioteca para ler. Esse

foi o primeiro dos muitos que li deste autor. Li todos os livros que encontrei na biblioteca, e

depois comprei os que não encontrei lá.

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Enciclopédias para pesquisas e trabalhos da escola: Em casa tínhamos “Enciclopédia

Trópico”, a “Coleção Conhecer”, comprada por fascículos por meu pai. Páginas lindas. A

cada fascículo novas aventuras. Havia um tópico que me encantava, falava da sobre história

universal – A Idade Média me encantava particularmente. Aguardava essas histórias toda

semana. Tinha também a “Enciclopédia Life”. Caríssima!

Desenhos dos meus alunos (Alguns da minha coleção)

Desenhar não é meu forte. Talvez seja por isso que sempre admirei os desenhos que meus

alunos faziam, e fazem. Muitos eu pedia de presente, outros eu pedia que fizessem para mim.

Ainda tenho alguns guardados. Apenas alguns para exemplificar.

“A Mulaliza” – “Obra de Mulardo Da Vinci” (1979 ou 1980): desenho de um aluno que

cursava o Second Grade na escola de idiomas Pink and Blue. Durante a aula eu vi que ele

desenhava, mas também sabia que ele estava acompanhando a aula, eu o conhecia e sabia do

seu potencial. No final da aula eu perguntei o que ele estava desenhando e ele me mostrou o

desenho da “Mulaliza”. Achei o máximo, e pedi de presente, ele me deu. O aluno tinha

naquela época uns nove ou dez anos, hoje eu acho que ele nem se recorda que eu existi na

vida dele, mas eu me lembro dele. Um garoto cheio de vida e muito inteligente. Criatividade

incontestável!

Ilustração 28: A Mulaliza de Mulardo da Vinci – criatividade em sala de aula

Extraído de: Acervo pessoal da pesquisadora

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188

Outros desenhos que igualmente me foram ofertados depois de uma aula. O desenho da

“Prefessora de Ingreis” foi feito em 2002 por um aluno que não aceitava ter que aprender

inglês, mas que me respeitava muito. Talvez porque também era muito respeitado na sua

opção de não querer aprender inglês por achar uma “invasão dos gringos”. Era como ele

falava. Apesar disso, nós tínhamos um canal de conversa, eu respeitando seu ponto de vista

crítico, mas tentando fazê-lo entender que era necessário separar as coisas. Aprender a língua

dos “gringos” poderia ser uma ferramenta a mais para lidar com eles nessa invasão.

Ilustração 29: “Prefessora de Ingrêis”

Extraído de: Acervo pessoal da pesquisadora

E mais esse desenho (ilustração 30) de uma aluna do EFII, dentre tantos outros desenhos,

bilhetinhos, cartinhas, acrósticos e poesias. Sinais de que se é querido, respeitado e confiável.

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189

A aluna disse que me desenhou feliz porque ela achava que eu era feliz “dando aula”.

Acertou.

Ilustração 30: O olhar da criança – A professora feliz

Extraído de: Acervo pessoal da pesquisadora

Pós-graduação – Especialização e Mestrado

Não parei de estudar em momento algum da minha caminhada. Sempre com muito apoio dos

meus filhos e do meu marido. A especialização em Gramática da Língua Inglesa foi muito

interessante. Depois cursei, mas não conclui a pós-graduação em Psicopedagogia. Cursei

todas as disciplinas, fiz o estágio, escrevi a monografia, mas não a entreguei. Tive a certeza de

que não iria trabalhar na área no final do curso, durante as horas de estágio. Afinal, meu

objetivo era mesmo ter mais ferramentas para ajudar na minha prática, ajudar meus alunos.

Nesse sentido, o curso foi muito interessante e proveitoso. Em 2013, veio a possibilidade de

realizar um sonho. O Mestrado. Eu não queria fazer isso apenas pelo título, eu queria fazer

algo para socializar minha experiência de mais de trinta anos do meu trabalho como

educadora e professora de língua estrangeira – Inglês. Deveria haver algum lugar onde eu

pudesse veicular isso. Iniciei o Programa do Mestrado em Educação do Unisal em Americana

cursando como “aluno especial” (confesso que comecei nesta condição, pois eu queria saber

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se me veria no programa.). E comecei em muito boa companhia, a Lidia e a Silvana, colegas

de trabalho da Escola Salesiana São José, pessoas que hoje me atrevo a chamar de amigas.

2013 disciplinas como “aluno especial”, aulas com o professor Severino. Ao final dessas duas

disciplinas, já estava mais do que certo que eu me encontrei no programa. Educação

Sociocomunitária – onde mais eu poderia veicular minhas experiências profissionais e de vida

(se é que se pode separar essas duas coisas), se não ali? Em 2014 inicio minha caminhada

como aluna regular no programa e uma coincidência me impactou muito. Dia 13 de março de

2014, meu aniversário, meu primeiro dia da aula como aluna regular do programa de

mestrado, e neste mesmo dia, à noite, logo após a aula, formatura do Pedro, meu filho caçula,

no curso de Ciências Contábeis na PUC-Campinas. Foi muita emoção.

Hoje trabalhando e estudando e sendo muito bem cuidada por meu marido. O Breno

cozinha, ajuda a limpar a casa, lê o jornal e me conta as coisas, me leva cafezinho na cama.

Ajuda em tudo o que pode. Sem ele não teria como fazer tudo isso, trabalhar, e estudar. Os

três filhos casados. Esses três muito me ensinaram, mas mais do que isso, me preencheram a

vida. Quanta coisa eu e o Breno não teríamos vivido e aprendido se não fosse por e com eles.

Tenho verdadeiros mestres me ensinando no programa de mestrado. Tenho aprendido muito,

estruturando, solidificando algumas ideias que há muito povoam meus pensamentos. A cada

disciplina, novas descobertas. Mais descubro que tenho muito mais a aprender.

Quanto à família? Está crescendo. Os mais novos integrantes chegaram há bem pouco. O

nome deles? Alice e Giovanni, meus netinhos. E continua crescendo, A Marcela, irmã do

Giovanni, chegou em julho de 2015 e o bebe do meu caçula chega em alguns meses.

E a vida? A vida continua... Outros netos...? Doutorado...? Quem sabe?...

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191

APÊNDICE B – Primeira versão do questionário

Pesquisadora: Elisete Soave Vianna

Mestranda no Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL / Americana

Identificação:

Nome: _________________________________________________________

Idade: _________________________________________________________

Sexo: ( ) feminino ( ) masculino

Série/ Ano que está cursando atualmente: _____________________________

Data: ___________________________________________________________

Entrevista escrita

1) Você participou do Projeto Garage Sale ou Pink Lemonade no sétimo ano do Ensino

Fundamental II, em que ano isso se deu?

________________________________________________________________

2) De qual dos projetos você participou?

( ) Garage Sale ( )Pink Lemonade ( ) Garage Sale e Pink Lemonade

3) De que forma você participou no(s) projeto(s)?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

4) Você se lembra como o projeto foi apresentado a você ou a sua classe? Explique.

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

5) Você se lembra dos objetivos do projeto?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

6) Você se lembra se obteve notas pela participação no projeto?

( ) Sim ( ) Não

7) Se sua resposta foi SIM: você acha que teria participado sem obter nota? Por quê?

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192

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

8) A experiência de ter participado do projeto foi importante para você? Você aprendeu

algo por meio dessa participação?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

9) Você se lembra se recebeu um retorno sobre o projeto após a execução? Comente.

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

10) Você pode dizer que mudou seu ponto de vista ao olhar para o mundo, para sua vida

após ter participado desse projeto? Comente.

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

11) Você participou ou participaria de outras atividades sociocomunitárias como essa

novamente? Comente.

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

Muito obrigada pela sua participação e acolhida!

Profa. Elisete Soave Vianna

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193

APÊNDICE C – Segunda versão do questionário (referência para os dados obtidos)

Pesquisadora: Elisete Soave Vianna

Mestranda no Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL / Americana

Identificação:

Nome: _________________________________________________________

Idade: _________________________________________________________

Sexo: ( ) feminino ( ) masculino

Série/ Ano que está cursando atualmente: _____________________________

Data: ___________________________________________________________

Entrevista escrita

1) Em que ano você participou do Projeto Garage Sale e/ou Pink Lemonade?

_____________________________________________________________________

2) De qual dos projetos você participou?

( ) Garage Sale ( )Pink Lemonade ( ) Garage Sale e Pink Lemonade

3) De que forma você participou no(s) projeto(s)?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

4) Quais eram os objetivos do(s) projeto(s)?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

5) Como foi trabalhar em equipe com pessoas diferentes de você? Como o grupo aceitava

as opiniões de cada integrante? O diálogo era fácil?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

6) De que forma você passou a entender os demais participantes diferentes de você?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

7) Você obteve notas pela participação no projeto? ( ) Sim ( ) Não

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8) Se sua resposta foi SIM: você teria participado sem obter nota? Por quê?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

9) De que modo essa experiência foi importante para você? Você aprendeu algo por meio

dessa participação?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

10) De que forma o(s) projeto(s) gerou/geraram a sua curiosidade?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

11) De que forma você descobriu suas potencialidades ao participar do(s) projeto(s)?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

12) Em quais outras iniciativas pessoais esse(s) projeto(s) motivou-o(a)? Você participaria

ou criaria outras atividades sociocomunitárias como essa?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

13) De que forma foram fortalecidos os laços de afetividade entre os participantes?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

Muito obrigada pela sua participação e acolhida!

Profa. Elisete Soave Vianna

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195

APÊNDICE D – Termo de autorização de uso de voz e imagem: Ensino Fundamental II

Autorização para pesquisa e uso de voz e imagem

Eu, Elisete Soave Vianna, RG 8.425.964-4, sou aluna regular do Curso de Pós-Graduação

(Mestrado em Educação) do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL),

unidade Americana e orientanda do Prof. Dr. Francisco Evangelista, docente deste curso e

desta instituição.

Como parte de material necessário para obtenção do grau de Mestre em Educação, necessito

desenvolver uma pesquisa e venho solicitar a autorização para realizar o trabalho de campo,

utilizando a técnica de entrevista (oral e escrita) com os(as) alunos(as) do 6º, 7º, 8º e 9º anos

do Ensino Fundamental II, e dos alunos da 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio da Escola

Salesiana São José, Campinas - SP, coletar depoimentos (orais e escritos) e imagens para

fins estritamente acadêmicos, durante o período de agosto/2015 a dezembro/2015.

Para tanto, necessitarei realizar conversas com o grupo de alunos em horários contrários ao de

seus estudos, posteriormente agendados por meio de comunicado escrito.

Comprometo-me a, ao final do desenvolvimento do trabalho de pesquisa, fazer o retorno dos

resultados para todos os envolvidos diretamente no processo da investigação.

Americana, 10 de agosto de 2015.

.........................................................................................................................

Autorização para pesquisa e uso de voz e imagem

Eu,________________________________, RG_____________________, autorizo o

trabalho de campo de pesquisa através da técnica de entrevista, coleta de depoimento (oral e

escrito) e imagem, realizado com meu(minha) filho(a)

_____________________________________, aluno do ___ ano/série ___, do Ensino

Fundamental II, da Escola Salesiana São José, Campinas – SP, para fins estritamente

acadêmicos da aluna do Curso de Pós-Graduação (Mestrado em Educação) do Centro

Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL), Elisete Soave Vianna.

Data____/______/2015

Assinatura: ______________________________________

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APÊNDICE E – Termo de autorização de uso de voz e imagem: Ensino Médio

Autorização para pesquisa e uso de voz e imagem

Eu, Elisete Soave Vianna, RG 8.425.964-4, sou aluna regular do Curso de Pós-Graduação

(Mestrado em Educação) do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL),

unidade Americana e orientanda do Prof. Dr. Francisco Evangelista, docente deste curso e

desta instituição.

Como parte de material necessário para obtenção do grau de Mestre em Educação, necessito

desenvolver uma pesquisa e venho solicitar a autorização para realizar o trabalho de campo,

utilizando a técnica de entrevista (oral e escrita) com os(as) alunos(as) do 6º, 7º, 8º e 9º anos

do Ensino Fundamental II, e dos alunos da 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio da Escola

Salesiana São José, Campinas - SP, coletar depoimentos (orais e escritos) e imagens para

fins estritamente acadêmicos, durante o período de agosto/2015 a dezembro/2015.

Para tanto, necessitarei realizar conversas com o grupo de alunos em horários contrários ao de

seus estudos, posteriormente agendados por meio de comunicado escrito.

Comprometo-me a, ao final do desenvolvimento do trabalho de pesquisa, fazer o retorno dos

resultados para todos os envolvidos diretamente no processo da investigação.

Americana, 10 de agosto de 2015.

.........................................................................................................................

Autorização para pesquisa e uso de voz e imagem

Eu,________________________________, RG_____________________, autorizo o

trabalho de campo de pesquisa através da técnica de entrevista, coleta de depoimento (oral e

escrito) e imagem, realizado com meu(minha) filho(a)

_____________________________________, aluno do ___ ano/série ___, do Ensino Médio,

da Escola Salesiana São José, Campinas – SP, para fins estritamente acadêmicos da aluna do

Curso de Pós-Graduação (Mestrado em Educação) do Centro Universitário Salesiano de

São Paulo (UNISAL), Elisete Soave Vianna.

Data____/______/2015

Assinatura: ______________________________________

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APÊNDICE F – Entrevista: Alencar Andre David (Coordenador Pedagógico do EFII)

Data: 11 /08/2015

Pesquisadora: Alencar, eu me lembro de que quando tive a ideia de organizar uma Garage

Sale com os alunos dos 7os anos do EFII da Escola Salesiana São José, fui conversar com

você para saber se o projeto teria chance de ser aprovado, antes de propor aos alunos. Naquele

momento, tive receio de que ele não fosse aprovado porque os alunos teriam que lidar com

dinheiro. O que você pensou sobre o projeto, qual foi sua primeira impressão sobre ele?

Alencar: Minha primeira imagem agora, o que me lembro neste momento é de uma

liquidação que os alunos fizeram no final, quando a Mostra Cultural já estava para acabar e

eles resolveram sozinho fazer essa liquidação para vender o que restava.

Pesquisadora: Sim, eles me contaram que resolveram fazer isso para arrecadar mais dinheiro

para o projeto. Neste dia eu não estava na escola, pois estava participando de um curso numa

outra escola salesiana sobre o material da Rede Salesiana de Escolas em Piracicaba, e deixei

os alunos com tudo preparado. Eles “se viraram” sozinhos.

Alencar: Verdade, me lembro agora que você deixou os envelopes com os horários de cada

turma de alunos que iriam participar e com o nome dos alunos em cada horário. Não tivemos

que fazer nada, tudo funcionou tranquilamente, os alunos se organizaram muito bem e fizeram

tudo sozinhos. Eu só guardava os envelopes cada vez que mudavam os alunos.

Pesquisadora: O que fez você acreditar no projeto?

Alencar: Gosto de “apostar” em coisas novas, era uma situação do livro didático, era uma boa

ideia. Lembro que uma aluna se empolgou e queria até mandar fazer camisetas para os alunos

que iriam trabalhar na Garage Sale, mas não foi possível pela proximidade do evento. A

questão do dinheiro não me preocupou e o projeto superou as expectativas foi bem organizado

e os alunos se envolveram e estavam empolgados no final. Foi uma aposta num projeto da

professora, apostamos juntos e a Garage Sale foi isso, uma aposta em conjunto. Mas é bom

ressaltar que veio de você, da professora da classe e os alunos se envolveram, sem eles, sem o

envolvimento deles, não seria possível ir em frente com o projeto. Eles abraçaram o projeto.

Pesquisadora: Os alunos que já participaram se lembram até hoje, comentam comigo. E os

alunos do 6º ano que vão para o 7º ano, no início do ano já perguntam se vamos fazer “neste

ano” também. Todo ano a mesma pergunta. Eu me sinto recompensada, pois foi um projeto

que saiu de uma conversa com as classes.

Alencar: E o projeto teve desdobramentos. No ano seguinte o professor dos 8os e 9os anos

começou a fazer os cookies e acabou ajudando a entidade com a pastoral. Depois veio o

projeto da Pink Lemonade. A semente foi plantada e bem cuidada, e o projeto foi se

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aprimorando ao longo dos anos, reforçando, que isso aconteceu porque os alunos abraçaram a

causa. Sem isso nada seria possível.

Pesquisadora: Alencar, você poderia comentar sobre o projeto Pink Lemonade? O que fez

com que você o aprovasse? Como é ver os alunos vendendo a limonada na Mostra Cultural?

Alencar: Pink Lemonade foi outra aposta....Lembro-me bem quando a profa. Elisete trouxe a

proposta. Primeiramente “testamos” na sala de aula, no setor (até porque o suco era importado

e de alto custo). Como o teste foi um sucesso, foi muito fácil o projeto deslanchar na Mostra

Cultural com muito sucesso. Foi uma alegria enorme ver os alunos “brigando” para trabalhar

neste projeto e para vender a limonada. E até hoje este projeto faz sucesso entre os alunos.

Pesquisadora: Os projetos foram se aprimorando. O que você acha do desdobramento do

projeto este ano (2015) de visitarmos a entidade Santíssima trindade, a professora, os alunos e

a pastoral?

Alencar: Outra novidade.... Como o setor já tem experiência neste tipo de atividade tenho

certeza que dará certo e o resultado será maravilhoso. Levar os alunos até o local do

destinatário da campanha é uma excelente ideia para que eles também possam ver para onde o

resultado da sua ação está sendo direcionado. Parabéns por mais esta iniciativa.

Pesquisadora: Fique a vontade para outros comentários e muito obrigada pela cooperação.

Alencar: Quero agradecer a profa. Elisete pela oportunidade de compartilhar os nossos

sonhos e projetos. Estes projetos somente tiveram sucesso porque a profa. Elisete é uma

seguidora dos projetos de D. Bosco e que como ele tem grandes “sonhos”. Ela faz de tudo

para que os sonhos sejam concretizados e não desanima diante dos obstáculos que aparecem,

sem contar que tem um carisma muito grande para envolver os nossos alunos, porque com já

disse anteriormente, sem a adesão deles nos projetos, nada disto teria acontecido!

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199

APENDICE G – Entrevista: Renata Maria de Araujo Afonso Ferreira (Orientadora

educacional)

Data: 11 /08/2015

Pesquisadora: Quais são suas impressões sobre o projeto Garage Sale com os alunos do 7°

Ano do EFII da Escola salesiana São José – Campinas?

Renata: Acho um projeto bacana porque tem a ver com a mente brasileira. Os brasileiros têm

preconceito com brechós, mas valorizam antiguidades. Em relação aos alunos e sua

movimentação ao longo do projeto, eles demoram um pouco para se mobilizar, mas se

envolvem mais na semana em que o evento acontece. É típico da idade. Nos dias antes

da Garage Sale, eles começam a ver o que tem para vender e querem comprar ou reservar

coisas, o que é muito bacana. O projeto proporciona aos alunos trabalhar com a ideia de

comprar artigos usados, no inicio eles ficam um pouco tímidos, mas ao verem a “mercadoria”

exposta no dia da venda, com os preços, a coisa muda e eles se animam e compram. Eles

perdem a timidez. Há outro aspecto sobre o projeto que é bastante educativo que é a questão

da reciclagem, e o preconceito sobre objetos reciclados ou feitos de material reciclado. É

interessante ver, também, quando os alunos vêm o dinheiro arrecadado e se sentem

orgulhosos por doar para a instituição.

Pesquisadora: Quais são suas impressões sobre o projeto Pink Lemonade com os alunos do

7° Ano do EFII da Escola Salesiana São José – Campinas?

Renata: Considero importante o conhecimento de costumes e hábitos de culturas diferentes.

No caso da Pink Lemonade, os alunos são estimulados e pesquisar sobre os ingredientes e

modo de fazer. Como eles são naturalmente curiosos, logo se interessam e experimentam na

prática a preparar o delicioso suco que posteriormente será comercializado na Mostra

Cultural. No dia da Mostra, percebe-se os alunos extremamente motivados e envolvidos com

o processo de preparação, divulgação e venda do produto. Mais interessante ainda fica

sabendo que a verba arrecadada será destinada a ação social, que envolve também a área de

língua portuguesa. Tenho certeza que esta aprendizagem será levada para toda a vida!

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200

APÊNDICE H – Entrevista: José Carlos Ambar dos Reis (assistente de alunos)

Data: 11 /08/2015

Pesquisadora: Quais são suas impressões sobre os projetos Garage Sale e Pink Lemonade

com os alunos do 7° Ano do EFII da Escola Salesiana São José – Campinas?

José Carlos: O aspecto da solidariedade desenvolvido com os alunos tem a ver com o espírito

de Dom Bosco. Os projetos contribuem para a formação pedagógica dos alunos e também

prepara para a vida. Para as crianças, os projetos se destinam a quem precisa e isso motiva

para o trabalho. Dentro da Mostra Cultural, eles (os alunos) se envolvem na montagem e no

aspecto social dos projetos, de ajudar a quem precisa. Os projetos proporcionam ao aluno um

olhar para fora da escola, para a sociedade, para os necessitados, o que é um dos aspectos da

filosofia salesiana. Um dos pontos dessa filosofia é o protagonismo juvenil, que os projetos

proporcionam aos alunos, porque são eles que executam tudo.

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201

APÊNDICE I – Entrevista por e-mail: Rafael Duarte Belletti ( agente da Pastoral)

DATA: 04/02/2016

Quais são suas impressões sobre os projetos Garage Sale e Pink Lemonade levando em

consideração:

Rafael Duarte Belletti:

- Os projetos em si

Os projetos Garage Sale e Pink Lemonade são naturalmente envolventes e significativos.

Propor que os alunos coloquem em pratica o aprendizado de inglês para uma ação de

visibilidade na escola é atraente para o aluno da faixa etária em questão. O pré-adolescente

gosta de ter função social, de ter visibilidade. O objetivo de captar recursos para beneficiar um

grupo, uma entidade dá um significado mais atraente ainda. Sinaliza ao aluno que o que ele

está fazendo é muito importante. Não é só uma atividade escolar submetida à avaliação, mas

um ato que gerará mudança na vida de outras pessoas.

- O envolvimento dos alunos

O aluno se envolve quando vê significado.

Duas coisas ajudam a dar significado ao projeto: a visita à comunidade que será beneficiada

ou a vinda da coordenadora da comunidade para dar seu testemunho. E a motivação que o

dinheiro será usado para compras de brinquedos para a festa de Natal. Essas coisas dão um

fundo humano para o projeto. "Eu me envolvo porque estou ajudando alguém"

- O potencial para despertar nos alunos momentos de autonomia e protagonismo

Acredito que quando uma responsabilidade é dada ao adolescente, ele dá conta do recado.

É benéfico para a formação humana, o adolescente se sentir responsável, protagonista. A

atividade de ter que trabalhar nas barracas do Pink Lemonade e Garage Sale, dentro de um

tempo determinado faz o aluno se sentir "dono" do projeto. É dele também! Se ele não se

envolver, a coisa não acontece. Sentir isso é bom!

- O olhar da pastoral

Projetos como esse permitem que a pastoral esteja muito próxima dos alunos, dentro de sala

de aula. Pois o Pátio é o lugar da pastoral. Mas quando consegue entrar também na dinâmica

da sala de aula, o resultado do trabalho pastoral é ampliado. Essa parceria permite que o

discurso pastoral da escola seja vivenciado de forma prática pelos alunos

- O envolvimento do professor/escola com a Pastoral e com os alunos

Como disse, é uma parceria benéfica, pois estreita laços e potencializa as ações. A ação da

professora é potencializado pelo apoio logístico da pastoral. A presença da pastoral junto

aos alunos é potencializado pela abertura da professora.

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202

- Outros pontos que você achar importantes

A dimensão social do projeto: beneficiar uma festa de Natal de uma comunidade carente. Essa

dimensão agrega muitos valores ao processo de ensino-aprendizagem. O aluno está

aprendendo muito mais do que simplesmente conteúdos da disciplina.

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203

APÊNDICE J – Atividade Garage Sale18

GARAGE SALE

Text 1: Garage sale

A garage sale, (or yard sale, or tag sale, or attic

sale, or moving sale, or junk sale), is an informal

event for the sale of used goods (artigos,

mercadorias). Typically people sell used goods in

a garage sale, but sometimes they sell new goods

too.

The goods are for sale because the owner (dono) does not want or does not need the

item, to minimize their possessions, or to raise funds (arrecadar fundos). Garage sales are

organized because people clean their houses, or because they are going to move to a new

residence.

Goods in garage sales include old clothing (roupas), books, toys, household

knickknacks, garden tools, sports equipment, and board games. "Early Birds” are the people

who arrive before (antes) the hours of the sale.

Bargaining on prices is routine, and items may or may not have price labels (rótulos)

affixed. Some people buy goods from these sales to restore (restaurar) them for resale

(revender).

(Texto adaptado de: http://en.wikipedia.org/wiki/Garage_sale Acesso em 29/08/2010)

(Fonte da figura: http://www.sunaeugene.org/wp-content/uploads/2015/07/garage-sale_2-

1.jpg Acesso em 24/08/2015)

I – Answer in Portuguese.

1. Quais são os outros nomes dados para garage sale?

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

2. O que geralmente se vende neste dia?

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

3. Por que as pessoas normalmente organizam garage Sales?

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

4. O que /Quem são os early birds?

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

18

Atividade elaborada pela Profa. Elisete Soave Vianna que pode ser utilizada para fins educacionais com os

devidos créditos.

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204

Text 2: Garage Sale Tips

1. Collect Items - Don't leave it until the last minute.

2. Advertise – Write the date and times of the sale, your address, and special items you have

for sale.

Use bright colors (yellow or lime green work well), paper with BIG lettering.

3. Price Your Items - Mark every item. A general guideline is to price items at 1/4 or 1/5 of

the price.

4. A Note on Clothing - Kids' clothing can sell anywhere from $1 to $5.

5. Display Your Stuff - Arrange to have plenty of clothing racks and tables. Hang clothing if

possible. Re-arrange the goods to fill holes.

6. Create the Atmosphere - Have pleasant music playing. If your sale is on a hot day, you

may want to have a large tub filled with ice and cans of pop for sale.

7. Open your doors! - Don't allow (permitir) early birds. Don't allow people to come inside

your home. Don’t let people use your bathroom, phone, or try on clothes. Be prepared to say

“no”.

8. Finishing Up - Be sure to remove your signs promptly.

9. The best part - Now comes the fun part... counting the money!

(Adaptado de: http://www.mommysavers.com/Articles/having_a_garage_sale.htm Acesso em

29/08/2010)

II – Em português, complete o quadro abaixo com as informações do texto. Siga o exemplo.

1. Separar o material a

ser vendido Não deixe para selecionar o material a ser

vendido na última hora.

2. Anuncie

3. Coloque preço nas

peças

4. Sobre as roupas

5. Arrume as peças

6. Crie uma atmosfera

agradável

7. Abra suas portas

8. Terminar a venda

9. A parte mais

divertida

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205

Text 3 – Garage Sale Box

III – Observe a figura abaixo e faça um comentário em português.

(Fonte da figura: https://doorleader.wordpress.com/2012/05/17/10-things-for-a-great-garage-

sale/)

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

IV – HOMEWORK: Entregar no dia _____ / ______ / 2015

Assista ao vídeo e responda em português.

Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rEKaDalh3ow Acesso em

24/08/2015

a) O que você achou mais interessante no vídeo sobre garages sales?

b) Ao organizarmos uma garage sale no Brasil estamos de alguma forma valorizando um

aspecto cultural que não é nosso, não é brasileiro. Você acha que por isso corremos o

risco de perder nossa identidade cultural? Comente.

c) O faria com que um povo perdesse sua identidade cultural?

d) Você acha que no Brasil estamos valorizando aspectos de outras culturas em

detrimento da nossa? Comente.

e) Que valores, costumes ou quais aspectos da cultura brasileira, nós, brasileiros,

podemos perder com a globalização?

f) Como você definiria a identidade do povo brasileiro?

g) O que poderia ajudar um povo a resgatar sua identidade?

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206

APÊNDICE K – Atividade Pink Lemonade19

PINK LEMONADE

Text 1 – Pink Lemonade Recipe

This refreshing recipe for pink lemonade is the perfect

drink to serve at any summertime celebration.

Ingredients

Original recipe makes 12 servings

2 cups white sugar

9 cups water

2 cups fresh lemon juice

1 cup cranberry juice, chilled

Directions

In large pitcher combine sugar, water, lemon juice and cranberry juice. Stir to dissolve sugar.

Serve over ice.

Preparation time: 10 minutes

(Adaptado de: http://allrecipes.com/recipe/20560/old-fashioned-pink-lemonade/ Acesso em

24/08/2015)

Text 2 – The Lemonade: Did you know?

The Mongolians invented lemonade in 1299 A.D.. It was the Mongol Emperors'

favorite drink. Lemonade was also the most popular basic American drink. It also became

popular in Paris in 1630 when the price of sugar fell.

Rich with Vitamin C, "the high concentration of citric acid that gives lemons their tart

flavor stimulates the flow of saliva, effectively relieving a sense of dryness." It was noted

lemons had a long shelf life.

(Fonte: http://destinedtodenver.blogspot.com.br/2014/03/lemonade.html Acesso em

24/08/2015)

19

Atividade elaborada pela Profa. Elisete Soave Vianna que pode ser utilizada para fins educacionais com os

devidos créditos.

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Text 3 – Pink Lemonade Nutrition Facts

(Fonte: http://fruit-rush.com/wp-content/uploads/2013/04/Pink-Lemonade-Nutrition-Facts.jpg

Acesso em 24/08/2015)

1. Escreva em português:

Fat - ________________________

Sodium - _____________________

Protein - _____________________

Carbohidrate - _________________

Calories - _____________________

Source - ______________________

Iron - ________________________

Vitamin A - __________________

Calcium - ____________________

Serving - _____________________

Amount per serving - ___________

______________________________

______________________________

2. Como você classificaria a Pink Lemonade? Como um alimento saudável ou não?

Explique.

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_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

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Text 3 – Lemons and life

(Fonte: http://www.telapost.com/wp-content/uploads/2014/06/lemons.png Acesso em

24/08/2015)

a) Escreva o provérbio em português.

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

b) Explique o provérbio. Se puder, dê um exemplo do seu dia-a-dia.

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

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HAVE FUN! – Fruit Wordsearch

(Fontehttps://www.pinterest.com/pin/558868634981393014/ Acesso em 24/08/2015)