o desenvolvimento local sob a Ótica do complexo agroindustrial da soja em mato grosso do sul

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Dax Peres Goulart O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

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Page 1: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

Dax Peres Goulart

O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO

COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO

DO SUL

Page 2: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

12

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO LOCAL

–MESTRADO ACADÊMICO– CAMPO GRANDE – MS

2006

Page 3: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

13

Dax Peres Goulart

O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO

COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO

DO SUL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Desenvolvimento Local –

Mestrado Acadêmico – sob a orientação da

profª. Drª. Antonia Railda Roel.

Page 4: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

14

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO LOCAL

–MESTRADO ACADÊMICO– CAMPO GRANDE – MS

2006

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________

Orientadora - Profª. Drª. Antonia Railda Roel

Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)

__________________________________________________

Prof. Dr.

Instituição

__________________________________________________

Prof. Dr.

Instituição

Page 5: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

15

DEDICATÓRIA

Aos meus filhos, Daniel e Sophia.

Eles são mais que especiais.

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16

AGRADECIMENTO

A meus pais, Assis José Goulart in memoriam e Regina Rita Peres Goulart, pela

vida e amor.

À professora Antonia Railda Roel, pela inestimável colaboração para com a

realização deste trabalho.

Ao Centro Universitário de Campo Grande – UNAES, em especial ao professor

João Leopoldo Samways Filho, pela bolsa de capacitação de docentes, sem a qual não seria

possível a realização deste sonho.

Aos professores do Programa de Mestrado da UCDB, que no decorrer do curso

indicaram os caminhos para o desenvolvimento local.

Aos meus amigos de Campo Grande - MS, que de diversas formas contribuíram para minha

formação, tanto acadêmica como pessoal.

Page 7: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

17

RESUMO

Neste trabalho procurou-se apontar que a partir do conceito, delimitação e constituição do

Complexo Agroindustial (CAI) da Soja em São Gabriel do Oeste foi possível aventar que a

chamada “agricultura moderna local” encontra-se subordinada aos interesses do capital e

dependente do processo de industrialização. Os capitais industrial e financeiro revestidos de

diversas formas e roupagens suscitam um novo padrão de acumulação e reprodução,

concentrando-se a jusante e, principalmente, a montante da agricultura. Assim, a consolidação

do CAI implica em uma nova dinâmica para o desenvolvimento da agricultura moderna,

estando esta condicionada à lógica dos capitais industrial e financeiro. A partir do conceito de

CAI articulado com a noção de território foi possível compreender a dinâmica do processo de

desenvolvimento local e territorial em Mato Grosso do Sul. A análise do processo de

desenvolvimento local e de construção do território, bem como o entendimento das relações

capitalistas e a participação do Estado, foram os focos deste trabalho. A definição do conceito

de território, utilizado como instrumental analítico para entendimento da escala espacial de

reprodução e acumulação capitalista possibilitou compreender as relações de interdependência

entre agricultura e os demais atores do mundo globalizado. O estudo permitiu ainda,

evidenciar o conceito de desenvolvimento local a partir da concepção e visão de um mundo

competitivo, forjado numa relação de dependência em escala vertical entre territórios

desenvolvidos e demais localidades sub-desenvolvidas.

PALAVRAS-CHAVES: Complexo Agroindustrial; Desenvolvimento Local;Território.

Page 8: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

18

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: DELIMITAÇÃO DO ESPAÇO ANALÍTICO E DO ENCADEAMENTO ADOTADO..... 45

Figura 2: Articulação no interior do CAI.......................................................................... 72

FIGURA 3: RELAÇÃO ENTRE OS PLAYERS QUE INTEGRAM O CAI............................................. 74

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19

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1: COMPOSIÇÃO DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS – 1968-1980, SEGUNDO

IBGE.................................................................................................................................... 53

GRÁFICO 2: PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL DA REGIÃO CENTRO-OESTE NA PRODUÇÃO

AGRÍCOLA (VBP) E NO CRÉDITO (VTC) – 1973-1977, SEGUNDO O

MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E O BANCO CENTRAL DO BRASIL.................. 70

GRÁFICO 3: PRODUÇÃO DE SOJA, ARROZ E MILHO EM MATO GROSSO DO SUL NO

PERÍODO DE 1970-1990, SEGUNDO A IBGE, SECAP E CONAB............................... 84

GRÁFICO 4: ÁREA DE PLANTIO DE SOJA EM MATO GROSSO DO SUL – 1990-2005,

SEGUNDO A CONAB....................................................................................................... 94

GRÁFICO 5: ÁREA DE PLANTIO DE SOJA E DOS PRINCIPAIS GRÃO NO BRASIL – 1990-

2005, SEGUNDO A CONAB............................................................................................. 95

GRÁFICO 6: PRODUÇÃO DE SEMENTES DE SOJA EM MATO GROSSO DO SUL – 1990/91-

2004/05, SEGUNDO A APROSSUL.................................................................................. 97

GRÁFICO 7: PRODUTIVIDADE DA SOJA NO BRASIL E EM MATO GROSSO DO SUL – 1990-

2005, SEGUNDO A CONAB............................................................................................. 99

GRÁFICO 8: PRODUÇÃO DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL - 1990-2005, SEGUNDO A

CONAB............................................................................................................................... 100

Page 10: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

20

LISTA DE TABELAS

TABELA 1: PRODUÇÃO DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS AUTOMOTRIZES - 1960-1980..................... 63

TABELA 2: IGP-DI ANUAL MÉDIO E TAXAS MÉDIAS DE JUROS DO CRÉDITO RURAL NO

BRASIL – 1970-1980............................................................................................................... 67

TABELA 3: PARTICIPAÇÃO PERCENTAL NO VALOR BRUTO DA PRODUÇÃO (VBP) E NO

VALOR TOTAL DO CRÉDITO (VTC) DE SOJA E FEIJÃO NO BRASIL – 1973-

1977.... 69

TABELA 4: PARTICIPAÇÃO DAS PRINCIPAIS CULTURAS NO CRÉDITO TOTAL

SUBORDINADO À POLÍTICA DE GARANTIA DE PREÇOS MÍNIMOS – 1967-68 -

1975-76...................................................................................................................................... 76

TABELA 5: PRINCIPAIS CULTURAS EM ÁREA E PRODUÇÃO EM MATO GROSSO DO SUL

NOS ANOS DE 1970-1975-1980-1985-1990.......................................................................... 79

TABELA 6: INDICADORES DE MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA EM MATO GROSSO DO

SUL – 1970-1985...................................................................................................................... 92

TABELA 7: PRODUÇÃO DE SEMENTES DAS PRINCIPAIS CULTURAS BRASILEIRAS EM MIL

TONELADAS – 1990-2002...................................................................................................... 96

TABELA 8: PRODUÇÃO DE SOJA NOS MAIORES MUNICÍPIOS PRODUTORES DE MATO

GROSSO DO SUL – 1990-2005 (MIL TONELADAS).......................................................... 101

TABELA 9: CAPACIDADE DE PRODUÇÃO DAS UNIDADES AGROINDUSTRIAIS

ESMAGADORAS DE SOJA LOCALIZADAS EM MATO GROSSO DO SUL................... 107

Page 11: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

21

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................................................. 11

CAPÍTULO I

METODOLOGIA............................................................................................................................................ 14

CAPÍTULO II O DESDOBRAMENTO TERRITORIAL E A NOVA DINÂMICA DA AGRICULTURA

MODERNA.............................................................................................................................. 16

2.1. DESENVOLVIMENTO LOCAL E TERRITORIAL.............................................................................. 16

2.2. A CONSTITUIÇÃO CONCEITUAL DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL (CAI).......................... 26

CAPÍTULO III

A CONSTITUIÇÃO DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL E O PAPEL DO ESTADO.......................... 48

2.1. AGRICULTURA MODERNA: A PARTICIPAÇÃO DO ESTADO NO BRASIL E NO CENTRO-

OESTE...................................................................................................................................... 48

2.2. A CONSTITUIÇÃO DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL NO BRASIL......................................... 58

2.3. A CONSTITUIÇÃO DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL EM MATO GROSSO DO

SUL.......................................................................................................................... ................. 77

CAPÍTULO IV

O COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO

SUL.................................................................................................................................................................. 91

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................................ 112

REFERÊNCIAS............................................................................................................................................. 114

Page 12: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

22

INTRODUÇÃO

Com o advento da globalização as estruturas verticalmente integradas por

operações lineares capazes de integrar numa única unidade produtiva todos os processos

necessários para disponibilizar aos consumidores um produto final cederam lugar a uma nova

e significativa alteração na configuração estrutural da produção.

A fragmentação da produção em economias de escopo e o foco das empresas

voltado para o seu “core business” ou carro-chefe suscitou a completa integração e interação

entre clientes e fornecedores. Destas relações surgiram novos conceitos como arranjos

empresariais, cadeias produtivas, cadeias de suprimentos, complexos agroindustriais, dentre

outros, para tentar explicar suas interligações, relações de interdependência e conexões em

diversas dimensões espaciais.

O presente estudo é relevante porque busca analisar o desenvolvimento local em

Mato Grosso do Sul a partir do processo de modernização e da industrialização da agricultura

e de consolidação do Complexo Agroindustrial da Soja (CAIS). Pretende-se demonstrar que,

com o desenrolar do processo de modernização concebido no pós-guerra, a nova dinâmica da

agricultura torna-se subordinada aos interesses do capital e dependente do processo de

industrialização. Os capitais industrial e financeiro apresentam-se concentrados a jusante e,

principalmente, a montante da agricultura.

A consolidação de um referencial teórico e conceitual permitirá estabelecer a

definição de Complexo Agroindustrial (CAI), possibilitando ainda ampliar o debate em torno

das questões que envolvem a nova dinâmica da agricultura moderna e suas relações com o

desenvolvimento local, bem como a participação do Estado neste processo de acumulação

capitalista.

O entendimento de questões relacionadas com o desenvolvimento local e

territorial nas diversas dimensões (escalas espaciais) é o foco principal deste trabalho, pois a

definição do conceito de Complexo Agroindustrial (CAI) e, por conseguinte, o entendimento

da noção de Território, tornar-se-ão os principais instrumentos de cunho analítico utilizados

para compreender as relações de interdependência entre a agricultura local desempenhada em

MS e a indústria nacional e transnacional, bem como demonstrar a parcela de participação do

Estado no processo de acumulação capitalista. Por outro lado, o principal corolário pressupõe

Page 13: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

23

a agricultura condicionada à lógica dos capitais industrial e financeiro. Ou seja, o objetivo do

sistema são a reprodução e a valorização do capital.

Tendo em vista a realidade de um mundo complexo foi elaborado o seguinte

problema de pesquisa para este trabalho: como analisar o desenvolvimento local em Mato

Grosso do Sul a partir do conceito de Complexo Agroindustrial da Soja (CAIS), forjado pelo

processo de modernização e de industrialização da agricultura, considerando-se ainda a

marcante participação do Estado?

O objetivo do autor é analisar o processo de desenvolvimento local em Mato

Grosso do Sul a partir da modernização da agricultura e sob a ótica da constituição do

Complexo Agroindustrial da Soja (CAIS).

Os objetivos específicos são:

1. constituir e delimitar o conceito de Complexo Agroindustrial (CAI);

2. analisar a participação do Estado como agente promotor da industrialização

brasileira e da consolidação do Complexo Agroindustrial (CAI);

3. evidenciar os desdobramentos territorial, econômico, social e histórico da chamada

“modernização da agricultura” em Mato Grosso do Sul, como produtor da matéria-

prima pertencente ao Complexo Agroindustrial da Soja (CAIS);

Este estudo, além da Metodologia, foi dividido em mais três capítulos básicos que

podem ser resumidos da seguinte maneira: a) conceituação de desenvolvimento local e

território com ênfase na integração espacial do CAI; c) constituição de Complexo

Agroindustrial; d) participação do Estado no processo de modernização e industrialização da

agricultura; e) consolidação do Complexo Agroindustrial da Soja (CAIS) em Mato Grosso do

Sul.

No Capítulo I têm-se o método de abordagem, os procedimentos metodológicos

empregados, os procedimentos técnicos e o tipo da pesquisa.

No Capítulo II pretendeu-se estabelecer a conceituação teórica de

desenvolvimento local e também de território, pois a constituição do CAI em Mato Grosso do

Sul e seu encadeamento, tanto a jusante, como principalmente a montante, pressupõe uma

investigação entre territórios em escalas de integração vertical pertencentes a espaços distintos

e distantes, mas alinhados e articulados entre si. Na seqüência, preocupou-se em estabelecer

um conceitual analítico acerca da constituição, delimitação e definição do Complexo

Agroindustrial (CAI).

Page 14: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

24

No Capítulo III foi analisada a participação do Estado no processo de

modernização e industrialização da agricultura no Brasil e no Centro-Oeste, bem como

protagonista na consolidação do Complexo Agroindustrial (CAI) no Brasil e no Estado de

Mato Grosso do Sul.

Compreender a participação do capital industrial e financeiro sob a égide do

Estado como agente promotor da industrialização brasileira e da modernização da agricultura

foi fundamental para estabelecer as interligações e a interdependência da produção de soja em

Mato Grosso do Sul, tanto a jusante, como a montante desta principal matéria-prima.

No Capítulo IV verifica-se que a presença maciça do Estado, nas esferas federal e

estadual, suscitou compreender o processo de industrialização no país e também a

consolidação do Complexo Agroindustrial da Soja (CAIS) em Mato Grosso do Sul como um

novo viés de reprodução e acumulação do capital industrial.

Page 15: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

25

CAPÍTULO I

METODOLOGIA

O método de abordagem1 adotado neste trabalho e utilizado para analisar o

processo de desenvolvimento local em Mato Grosso do Sul a partir da modernização da

agricultura e sob a ótica da constituição do Complexo Agroindustrial da Soja (CAIS) será o

método dedutivo. Esse método possibilitará interpretar a dinâmica da realidade a partir da

participação do Estado no processo de modernização da agricultura, da constituição do

Complexo Agroindustrial (CAI) no Brasil, no Centro-Oeste e, por fim, a consolidação do

Complexo Agroindustrial da Soja (CAIS) em Mato Grosso do Sul.

Os procedimentos metodológicos estão organizados em quatro etapas: a)

construir um arcabouço teórico sobre Complexo Agroindustrial (CAI), Desenvolvimento

Local e Território; b) descrever a participação do Estado no processo de modernização e

industrialização da agricultura; c) constituir o Complexo Agroindustrial (CAI) no Brasil e no

Centro-Oeste; d) constituir o Complexo Agroindustrial da Soja (CAI) em Mato Grosso do

Sul, tendo em vista os conceitos de desenvolvimento local e de território.

Os procedimentos metodológicos específicos praticados em cada etapa da pesquisa

auxiliarão a descrever e explicar as desigualdades e as relações de interdependência presentes

no processo de desenvolvimento local vigente em Mato Grosso do Sul.

O ápice metodológico do estudo da agricultura moderna será concebido a partir do

aprofundamento de questões relacionadas com o caráter periférico do Estado de Mato Grosso

do Sul e, sobretudo, potencializadas pelas relações antagônicas evidenciadas no âmbito da

evolução do processo de verticalização e integração agricultura-indústria.

Neste caso, o local é o Estado de Mato Grosso do Sul, o objeto é a soja, o CAI

como instrumento e a escala espacial é o território.

Esta dissertação pode ser classificada como uma pesquisa básica, pois pretende

analisar o desenvolvimento local existente em Mato Grosso do Sul a partir do

aprofundamento de questões relacionadas com a industrialização da agricultura, sobretudo,

potencializadas pela participação do Estado e compreendidas a partir das inter-relações

1 Ver ANDRADE, Maria Margarida. Introdução à Metodologia do Trabalho Científico. 4ª. ed. São Paulo: Atlas,

1999.

Page 16: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

26

evidenciadas no âmbito da evolução do processo de interação e integração agricultura-

indústria.

Quanto à maneira de abordar o problema, e tomando-se como base os preceitos

defendidos por Merrian (1998), esta pesquisa apresenta, dentre outras características, uma

investigação que busca analisar, compreender, descrever, constituir, delimitar, evidenciar,

contextualizar de forma flexível, os fenômenos que emergem no CAI da soja.

Quanto aos objetivos, esta pesquisa pode ser classificada como: descritiva, pois

procura descrever o processo de modernização da agricultura, culminando com a constituição

do CAIS em Mato Grosso do Sul.

Os procedimentos empregados para explorar a realidade são: pesquisa

bibliográfica visando a identificar as características dos agentes envolvidos no Complexo

Agroindustrial da Soja (CAIS) e demais informações de fontes secundárias.

Esta pesquisa possui os seguintes procedimentos técnicos:

- Pesquisa bibliográfica: a partir do tema proposto, buscou-se fontes bibliográficas, com

consulta a livros, artigos em periódicos nacionais e internacionais, dissertações e teses

defendidas, periódicos nacionais e internacionais e informações disponíveis na internet.

- Levantamento: a pesquisa demandou um levantamento de dados em instituições públicas

e privadas relacionadas com a agricultura e indústria. O objetivo desse levantamento foi

extrair dados pertinentes ao tema para subsidiar e enriquecer a análise;

- Documental: além de bibliografia e dados de fontes secundárias, a pesquisa necessitou de

documentos públicos, tais como: programas de governo, leis municipais, estaduais e

federais, dentre outros.

Page 17: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

27

CAPÍTULO II

O DESDOBRAMENTO TERRITORIAL E A NOVA DINÂMICA DA

AGRICULTURA MODERNA

2.1. DESENVOLVIMENTO LOCAL E TERRITORIAL

Para compreender o desenvolvimento local torna-se necessário inserir o conceito

de educação como um fator fundamental da dinâmica deste processo. Nos atuais cenários, a

qualidade do conhecimento de um país constitui, sem dúvida, um elemento diferenciador e

estratégico.

A possibilidade de ter uma formação educacional imbricada para o

desenvolvimento surge como um pré-requisito para uma inserção sócio-econômica. Análises

recentes indicam correlações entre as sociedades, os graus de educação e o tipo de inserção

coletiva. Contar com pessoas melhor formadas abre caminho, por exemplo, para a

incorporação de processos coletivos cooperativos, permitindo inovações e mudanças de

atitudes, gerando transformações duradouras.

Todavia, inovações, mudanças e transformações suscitam a formação. Ou seja, em

Lothellier (1974) apud Ávila (2000) a formação permite a percepção das formas de

existência. Assumir a forma é dar sentido a tudo que é aparentemente incerto e impessoal.

Assim, a formação é “[...] a busca, decifração, discernimento e incorporação de sentidos e

valores de determinada realidade” (ÁVILA, 2000, p. 63).

Ipso facto, educação pressupõe a formação enquanto capacidade cognitiva de

compreensão da realidade. Aqui, a realidade é o desenvolvimento local em Mato Grosso do

Sul e suas interações com o mundo moderno e competitivo. Ou seja, a industrialização da

agricultura, as transformações decorrentes deste processo e a conseqüente consolidação dos

CAI.

Em Ávila (2000), incorporar sentidos e valores depende do caminho a ser seguido

para alcançar o desenvolvimento humano em seus aspectos físico, moral, intelectual e social.

A educação permite traduzir a realidade e indicar o rumo em direção ao desenvolvimento das

capacidades humanas. Com efeito, compreender o conceito de desenvolvimento local é dar

forma para esta realidade.

Para Ávila (2003), compreender a realidade sobre desenvolvimento é expor a

relação de dependência existente entre países desenvolvidos e países sub-desenvolvidos. Tal

compreensão pode ser remetida às relações espaciais em escalas verticais distintas, mas

Page 18: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

28

intimamente articuladas sob o ponto de vista da constituição de territórios. Esta relação de

dependência ocorre em dois prismas intimamente articulados, convergentes e alinhados. Ou

seja, nos âmbitos interno e externo concernentes aos territórios sub-desenvolvidos os grandes

centros desenvolvidos se alimentam, tiram proveitos e cultivam a manutenção da relação de

dependência à guisa da premente e permanente sustentação dos seus próprios interesses.

No tocante às relações existentes entre agricultura e indústria, percebe-se em Mato

Grosso do Sul a transferência de matérias-primas eminentemente agrícolas em direção aos

centros industrializados. Estas matérias-primas agrícolas serão processadas e transformadas

pelas agroindústrias localizadas no centro industrial de expansão capitalista e distribuídas,

tanto no centro, como também nesta periferia (retorno da matéria-prima com maior valor

agregado). Além do retorno dos produtos finais derivados das matérias-primas agrícolas, a

disjunção espacial produtiva, caracterizada pela migração de unidades indústrias

fragmentadas, buscam a periferia e utilizam uma mão-de-obra desqualificada para realizarem

atividades banalizadas a partir de uma integração comandada pelo centro. Estas migrações do

capital industrial para a periferia também podem ser consideradas como estratégias de

reprodução e acumulação do capital em decorrência de uma nova divisão espacial do trabalho.

Em Mato Grosso do Sul, principalmente em Campo Grande, pode-se constatar a

instalação de agroindústrias processadoras e transformadoras de matéria-prima, bem como

indústrias responsáveis pela confecção de silos para armazenagem de grãos. Porém, quando é

retomado o conceito de CAI utilizado neste trabalho percebe-se a inexistência da

internalização de uma indústria de bens de produção voltada para a agricultura local

(produção de máquinas, equipamentos e insumos modernos). Nesse sentido, a integração dos

capitais industrial e financeiro situados a montante da matéria-prima agrícola não permite a

delimitação local de um CAI para a soja colhida em Mato Grosso do Sul situado num único

território. Percebe-se a sobreposição de escalas de visualização articuladas entre em si, onde

territórios dissociados por fronteiras espaciais, mas intimamente conectados e integrados pela

força do interesse industrial, possibilitam a definição do CAI da soja no âmbito territorial

numa escala vertical de reprodução e acumulação capitalista.

Logo, pode-se aventar que o sub-desenvolvimento é relativo quando se percebe

que ele não é retroalimentado por si só e involuntariamente. A relação de desigualdade é o

êmbolo do sub-desenvolvimento, pois aquela mantêm-se em razão da exploração constante

que se reproduz nos diferentes prismas e “o que de fato interessa é cultivá-la enquanto

Page 19: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

29

eficiente dinamismo de sustentação e permanente alimentação de seus próprios interesses e

„riquezas‟” (ÁVILA, 2003, p. 14 e 15).

Diante desse contexto o desenvolvimento local surge no território sub-

desenvolvido como um novo viés ideológico e de cunho político, permeado de ações

assistenciais que visam a perpetuar a cultura submissa e dependente imposta pelos territórios

chamados centros capitalistas desenvolvidos aos demais espaços periféricos sub-

desenvolvidos.

No entanto faz-se mister descortinar tal estratégia imposta pelo capitalismo

globalizador e definir, de fato, o que é realmente desenvolvimento local.

Para tanto, segundo Ávila (2003, p. 17) para introduzir ao debate o que vem a ser

desenvolvimento local deve-se primar pela observação das seguintes questões infra-

relacionadas.

a da relação do mundo desenvolvido com suas próprias periferias,

carências e pobrezas internas e socioeconomicamente

desequilibradoras;

a da atual relação de dependência e subjugo do mundo

subdesenvolvido ao mundo desenvolvido;

a da relação do mundo subdesenvolvido com as suas próprias

chances de efetiva e emancipadamente se desenvolver [...] a partir de

comunidades-localidades concretas e bem definidas.

Quando se observa que o conceito de formação concorre para a consolidação da

educação como fenômeno ontológico deve-se atentar para a predominância da relação de

dependência existente entre desenvolvimento e sub-desenvolvimento presente na terceira

questão, uma vez que esta tem caráter revolucionário e constitui-se no principal axioma do

sub-desenvolvimento, pois ao remeter o desenvolvimento local autóctone ao seu próprio

destino, condiciona a chance de tornar-se desenvolvido ao poder de rompimento das amarras

que impedem a sua emancipação. Esta emancipação pressupõe, segundo Ávila (2003), a

alteração da forma de interação que as comunidades locais têm com o paradigma de

desenvolvimento cultivado e difundido pelo mundo capitalista globalizante. Assim, sub-

desenvolvimento supõe a incapacidade de ditar uma nova ordem, dar uma nova forma à

realidade e estabelecer uma cultura focada em suas próprias potencialidades.

[...] sensibilizar-se, mobilizar-se e organizar-se para a geração

gradativamente cooperativa de seu próprio bem-estar de base, como o

desvelamento de auto-estima, o cultivo da auto-confiança e o tornar-se

capaz, competente e hábil para discernir e buscar tanto suas próprias

Page 20: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

30

alternativas de rumos sócio-pessoais futuros quanto soluções possíveis, no

seu âmbito ou fora dele, para seus mais imediatos problemas, necessidades e

aspirações. E isso sempre a partir daquilo que estiver ao seu alcance

(principalmente o conhecimento e o aproveitamento de suas peculiaridades e

potencialidades), bem como do simples para o complexo e do mais para o

menos comunitariamente necessário (ÁVILA, 2003, p. 19).

Além da capacidade (saber discernir, decifrar e incorporar a realidade),

competência e habilidade constituem as principais virtudes que compõem o tripé necessário

ao empoderamento de uma comunidade na geração de um espiral de causação circular

positiva como forma de superação dos gargalos que aprisionam o desenvolvimento. Ou seja,

(des)envolver localmente é desvendar as capacidades, competências e habilidades de uma

comunidade que passa, por um lado, a assumir e promover o seu desenvolvimento interno e,

por outro, a digerir e metabolizar as influências externas de maneira a aproveitar seus

benefícios e descartar os efeitos negativos.

Segundo Martin (1999), o desenvolvimento local é o processo reativador da

economia e dinamizador da sociedade local, mediante o aproveitamento eficiente dos recursos

endógenos existentes numa determinada região, capaz de estimular e diversificar seu

crescimento econômico, criar emprego e melhorar a qualidade de vida da comunidade local,

sendo o resultado de um compromisso pelo qual se entende o espaço como lugar de

solidariedade ativa, o que implica mudanças de atitudes e comportamentos de grupos e

indivíduos.

Seguindo os preceitos do prof. Carpio Martín, Ávila (2000, p. 68) afirma que o

“núcleo conceitual” do desenvolvimento local pode ser definido como o “efetivo

desabrochamento das capacidades, competências e habilidades de uma „comunidade

definida‟ (portanto com interesses comuns e situada em determinado território ou local com

identidade social e histórica), no sentido de ela mesma se tornar paulatinamente apta a

agenciar e gerenciar (diagnosticar, tomar decisões, planejar, agir, avaliar, controlar, etc.) o

aproveitamento dos potenciais próprios, assim como a „metabolização‟ comunitária de

insumos e investimentos públicos e privados externos, visando à processual busca de

soluções para os problemas, necessidades e aspirações, de toda ordem e natureza, que mais

direta e cotidianamente lhe dizem respeito”.

Para Ávila (2000) apesar desta definição deve-se estabelecer a diferença entre os

significados de “desenvolvimento local” e de “desenvolvimento no local”, considerando-se

ainda a participação da comunidade. Para Ávila (2000, p. 69), desenvolvimento no local,

Page 21: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

31

“quaisquer agentes externos se dirigem à „comunidade localizada‟ para promover as

melhorias de suas condições e qualidade de vida, com a „participação ativa‟ da mesma” e

desenvolvimento local, “a comunidade mesma desabrocha suas capacidades, competências e

habilidades de agenciamento e gestão das próprias condições e qualidade de vida,

„metabolizando‟ comunitariamente as participações efetivamente contributivas de quaisquer

agentes externos”.

Ainda em Ávila (2000), no primeiro caso, os agentes externos são os únicos

promotores do desenvolvimento e a comunidade apenas se envolve participando. No segundo,

a própria comunidade é a protagonista do seu desenvolvimento e os agentes externos são os

que se envolvem participando.

A busca pela extinção da relação de dependência está condicionada ao aumento

significativo da capacidade cinética (gerar capacidades, competências e habilidades) do

capital humano pertencente à comunidade e do seu poder de externalizar os efeitos positivos

do processo de conhecimento para um processo de desenvolvimento resolúvel.

Torna-se visível a percepção aparente que a reestruturação do capitalismo

contemporâneo e da sociedade, ocorrida a partir do pós-guerra, propiciou o surgimento de

novas relações e mediações entre as diversas escalas espaciais, ou seja, as mudanças

decorrentes do novo paradigma econômico interferiram em âmbitos locais, regionais e

nacionais.

Para Buarque (2000, p. 11), sob os auspícios da globalização, entende-se como

desenvolvimento local “como uma resultante direta da capacidade dos atores e da sociedade

local se estruturarem e se mobilizarem, com base nas suas potencialidades e sua matriz

cultural, para definir e explorar suas prioridades e especificidades, buscando a

competitividades num contexto de rápidas e profundas transformações. Desta forma, o

desenvolvimento de uma localidade – município, microrregião, bacia, ou mesmo espaço

urbano – deve ter um claro componente endógeno, principalmente no que se refere ao papel

dos atores sociais, mas também em relação às potencialidades locais”.

Para Coelho (2001) apud Martinelli et al. (2004), a partir da constituição de

fluxos produtivos a globalização da economia atua entre territórios fragmentados e muitos

destes alijados do processo produtivo, outros incluídos, enfim, a desestruturação e a

reestruturação dos espaços produtivos representam os movimentos do capital, ou seja, os

territórios são os locais de ocorrência das transformações nas formas de produzir e de

reproduzir o capital em escalas regional e local. Aqui reside a real possibilidade de

Page 22: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

32

implementação de estratégias no nível local relacionadas com os aspectos econômicos,

primando sempre pela eficiência (melhores formas de produzir) e eficácia (atingir os

resultados esperados) do processo produtivo para garantir a competitividade frente ao mundo

globalizado e em constante mutação.

[...] a globalização, ao contrário daquilo que se poderia pensar à primeira

vista, vem justamente reforçar a importância do desenvolvimento local, visto

que cria a necessidade de formação de identidades de diferenciação entre

regiões e comunidades, para que possam enfrentar um mundo de extrema

competitividade (MARTINELLI et al., 2004, p. 2).

Segundo Max-Neef et al. (1986), quando o desenvolvimento é remetido à escala

humana tem-se um conjunto de satisfatores que correspondem às necessidades vitais de cada

indivíduo ou sociedade. Ou seja, necessidades são carências individuais ou coletivas e

satisfatores são as formas incorporadas por um indivíduo ou pela comunidade, relativas à

existência humana, utilizadas para satisfazer suas necessidades.

Uma comunidade que visa a compreender suas necessidades e potencialidades

tem como instrumento para decifrar a realidade a classificação dos diversos satisfatores

relacionados com as suas carências individuais e coletivas. A elaboração de uma matriz de

necessidades e satisfatores, estando estas necessidades divididas em duas categorias

(existenciais e axiológicas) e seus respectivos satisfatores, nasce de uma tentativa de

sistematizar as diversas nuances de um desenvolvimento possível. O desenvolvimento à

escala humana considera o fator econômico como forma de medir a carência material

(aquisição de bens) e potencialidade (possibilidades de progresso material) de uma

comunidade.

De acordo com Harvey (1998) reduzir o desenvolvimento ao progresso material

caracteriza uma análise positivista desagregada de uma proposta de desenvolvimento mais

humanista, pois conceber um desenvolvimento comprometido com a satisfação das

necessidades básicas do ser humano é atribuir ao aspecto econômico a tarefa de reduzir as

mazelas que afligem e impedem o caminhar de uma sociedade. O crescimento econômico é

visto como um meio, um veículo de condução rumo ao desenvolvimento, ou seja, o progresso

material, por si só, não tem condições de garantir a continuidade do processo de

desenvolvimento (sustentabiliadde).

Sen (2000) avança nesta questão quando propõe um modelo de desenvolvimento

resultante não só do progresso material, mas de um conjunto de variáveis que propiciam ao

Page 23: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

33

indivíduo as mínimas condições para exercer seus direitos e ter a sua liberdade. Para tanto,

este conjunto de variáveis deve estar representado pelos seguintes elementos: industrialização;

crescimento do PIB; crescimento da renda; acesso à educação e saúde; aumento da

expectativa de vida; diminuição da mortalidade infantil; respeito aos direitos humanos;

participação política; etc.), ou seja, variáveis econômicas, sociais e políticas. Para Sen (2000),

a expansão de uma economia de mercado aliada à livre iniciativa privada, suplementada pela

participação do Estado, seria indispensável para atingir as metas de desenvolvimento.

Para Borba (2000) apud Martinelli et al. (2004), o desenvolvimento pode ser

concebido como um processo de aperfeiçoamento em curso a ser comparado com um

conjunto condições e/ou situações desejadas pela sociedade como forma de avaliar de a

condição humana. Porém, para Martinelli et al. (2004), o termo desenvolvimento não pode ser

usado isoladamente para retratar todas as dimensões da evolução humana, pois em alguns

momentos há a necessidade de priorizar os aspectos econômicos e, em outros, enfatizar as

questões sociais e, assim, sucessivamente. Nesse sentido, faz-se necessário encarar o

desenvolvimento sob uma visão sistêmica para abranger todas as dimensões da vida, bem

como retratar as diversas nuances da evolução de uma sociedade.

Em termos de desenvolvimento, certas premissas devem ser aceitas, para que

o termo realmente possa representar toda a expressão da capacidade de

evolução da humanidade. Isso talvez seja possível, se for levado em

consideração que o desenvolvimento deve refletir o progresso da sociedade

como um todo, em suas múltiplas dimensões e não apenas na dimensão

econômica. Aqui, mais uma vez, deve-se empregar o enfoque sistêmico, para

uma visão mais abrangente (MARTINELLI et al., 2004, p. 52).

Segundo Silveira (2001) apud Martinelli et al. (2004), o desenvolvimento

econômico local coloca-se na condição de dar uma resposta alternativa aos reflexos da

globalização e da reestruturação produtiva, ou seja, construir novas possibilidades a partir de

suas próprias capacidades e potencialidade endógenas para transformar a localidade. O local

torna-se estratégico, do ponto de vista das oportunidades econômicas, e detentor de vantagens

competitivas diante deste cenário imposto pela globalização e caracterizado por uma forte

reestruturação produtiva, fragmentação dos territórios e descentralização das unidades

industriais. Tais características são definidas por Lins (1988) como “disjunção espacial

produtiva” e por Lipietz (1987) como “fordismo periférico”, ou seja, quando estes

deslocamentos partem dos centros dinâmicos do capitalismo para as demais regiões

periféricas e influenciam na organização espacial da mão-de-obra.

Page 24: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

34

Dessa forma, o desenvolvimento econômico local pode ser definido como

aquele processo reativador da economia e dinamizador da sociedade local

que, mediante aproveitamento eficiente dos recursos endógenos disponíveis

em uma zona determinada, é capaz de estimular seu crescimento econômico,

criar empregos e melhorar a qualidade de vida de uma comunidade local

(ALBUQUERQUE, 1998 apud MARTINELLI et al., 2004, p. 56)

O mundo globalizado está condicionado à capacidade do capital em ajustar-se e

moldar-se conforme as diversas escalas espaciais a partir das relações de interdependência

entre o capital industrial descentralizador e o capital financeiro integrado, superando as

barreiras físicas do tempo e do espaço, tendo em vista a perpetuação do processo de produção

de mercadorias que são lançadas no mercado, sobretudo e, neste caso, voltadas para o

comércio agroindustrial. Além disso, não se deve perder de vista a fragmentação espacial da

produção e a concentração territorial das indústrias de bens de produção localizadas nos

centros capitalistas.

Tem-se ainda uma clara evolução da concepção fordista do desenvolvimento

capitalista, ou seja, o aumento da produtividade dos fatores de produção, a intensificação do

uso da tecnologia e o aparato regulatório do Estado estão cedendo espaço para um novo

modelo baseado em processos de produção flexíveis, descentralizado, informal e de pouca

participação e influência do Estado e de suas instituições regulatórias.

Segundo Ploeg et al. (2000) apud Schneider (2004) o desenvolvimento no campo

tende a alongar as suas interações e alterar a relação do homem com o capital a partir da

superação da sua dependência com o processo de modernização técnico-produtiva,

desenvolver estratégias autônomas representadas por unidades familiares, sem perder de vista

a concepção capitalista do seu negócio, bem como considerar os viéses econômicos, sociais e

ambientais que, por sua vez, necessitariam de uma reconstrução conceitual diferente do

paradigma produtivista vigente. No momento, esta tendência está em movimento contrário

aos interesses do capital industrial territorialmente descentralizado, mas fortemente conectado

entre si, e do capital financeiro altamente concentrador de riquezas. Ou seja, no presente

trabalho pode-se aventar que a tendência defendida por Ploeg (2000) está mostrando-se às

avessas da realidade aparente em Mato Grosso do Sul. A integração do CAI da Soja é

territorialmente descentralizada, apesar de boa parte da produção da soja estar altamente

concentrada em grandes propriedades rurais ou representada por cooperativas constituídas por

pequenos produtores, dependente de máquinas, equipamentos e insumos modernos e

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35

financiada por um capital específico que visa a atender as suas necessidades em busca de uma

maior valorização.

De acordo com Santos (1994) é a partir dessa constatação que a abordagem do

território vem responder as atuais perguntas. Ou seja, o novo ordenamento do espaço suscita

novos contornos para construção e funcionamento do território, integrado tanto verticalmente

como horizontalmente. A escala horizontal representa o espaço contíguo, próximo, vizinho e

territorialmente reunido, enquanto que a escala vertical é forjada por pontos distantes e

socialmente conectados. Ou seja, percebe-se na escala vertical a relação situada a montante da

produção de soja (matéria-prima) quando tem-se a dependência total do local na aquisição de

máquinas, equipamentos e insumos modernos produzidos em territórios distantes, mas

articulados entre si. Por outro lado, as agroindústrias situadas a montante da matéria-prima

(soja) dividem com os demais territórios a produção da soja colhida em Mato Grosso do Sul.

Na constituição do CAI da soja em Mato Grosso do Sul percebe-se a existência de territórios

espacialmente isolados, mas altamente articulados em prol do desenvolvimento capitalista.

Em Santos (1994) apud Schneider (2004), o “retorno ao território” reflete a

adoção de uma análise baseada em mudanças sócio-econômicas, espaciais, institucionais,

políticas e ambientais oriundas da reestruturação do capitalismo da era pós-fordismo,

globalizante, fragmentado e ao mesmo tempo descentralizado e que se recompõe, atua e

interage no âmbito dos próprios territórios.

Para Santos (1994), os controles horizontal e vertical impõem uma dialética ao

conceito de território. Ou seja, para o autor existem dois controles: um controle "local" da

chamada parte "técnica" da produção e um controle remoto, à distância, da parte política da

produção. No âmbito técnico da produção as cidades locais ou regionais e de espaços

contíguos controlam o espaço no entorno do território. O controle distante, que acontece de

forma política, é concebido nas cidades do centro do capitalismo global. Suas interferências

encontram-se espalhadas e são difundidas no território local. Em Santos (1994), esta

tendência contribui para alienação dos homens com seus espaços a partir de uma mobilidade

iminente. Por outro lado, o território global e transnacional torna-se alicerçado no lugar, ou

seja, o próprio local passa a ficar unido verticalmente, porém, do ponto de vista horizontal, as

relações humanas são reconstruídas e fortalecidas localmente, de acordo com os interesse

exclusivos do capital e impulsionadas para garantir a sobrevivência dos mercados. Aí está a

contradição. A verticalização modernizante, vista aqui como a integração do CAI da Soja,

principalmente das atividades situadas a montante da produção da matéria-prima, corrompe a

Page 26: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

36

coesão da integração horizontal, pois o capital (mercado) se contrapõe à coesão horizontal que

surge a partir dos interesses da sociedade civil.

[...] a nova etapa do processo secular de racionalização é essencialmente

devida à emergência de um meio técnico-científico-informacional, que busca

substituir o meio natural e o próprio meio técnico, produz os espaços da

racionalidade e constitui o suporte das principais ações globalizadas [...]

empresas regulam as suas necessidades produtivas segundo regras que

estabelecem, e tanto vigoram no interior da firma como em suas relações

verticais e horizontais. Mas o fato de que a norma se tornou indispensável ao

processo produtivo, conduz, ao mesmo tempo, à sua proliferação e leva,

naturalmente, a um conflito de normas que o mercado não basta para

resolver (SANTOS, 1999, p. 266 e 270).

Em Santos (1994), quando se depara com o enfraquecimento do Estado

Territorial, a parte técnica e a parte política do território estavam entrelaçadas. Atualmente

não há como deixar de observar a completa distinção entre as partes. As contradições do

mundo globalizado acontecem no território. Ou seja, na escala vertical, caracterizada pela

fragmentação do espaço de atuação parcial dos atores, é definida a regra do jogo, enquanto na

escala horizontal a totalidade expressa pela sociedade civil perde terreno e ao mesmo tempo

operacionaliza os interesses do mercado global. O campo de batalha entre o mercado e a

sociedade civil é o território.

Segundo o sociólogo Schneider (2004, p. 108 e 109), o conceito de território deve

ser entendido como o reflexo “das relações dos indivíduos com o espaço em que transcorre

sua sociabilidade e suas atividades produtivas e nas formas de apropriação e dominação que

decorrem destas relações”. Ou seja, um processo em construção, fruto da relação e interação

humana que acontece no espaço entendido como expressão das relações que envolvem

qualquer tipo de influência de um indivíduo ou grupo de indivíduos sobre os demais

integrantes de um determinado local.

Neste mesmo sentido, vários autores, como Guy Di Méo (1998), Raffestin (1993),

Soja (1993), Sack (1986), definem o território como um espaço de intensa interação social

marcada por relações de poder e dominação. O espaço torna-se território a partir das relações

sociais que acontecem de forma simbólica, concentrada, vivenciada, contextualizada,

temporizada e que expressam uma dinâmica de poder e controle.

Assim, o “território [...] é fundamentalmente um espaço definido e delimitado

por e a partir de relações de poder” (SOUZA, 1995, p. 78). Neste caso, as relações de poder

podem ser compreendidas pela constituição e a completa integração do CAI da Soja a partir

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37

da subordinação da agricultura de Mato Grosso do Sul aos interesses do capital industrial

territorialmente isolado, situado a montante do processo produtivo, financeiramente

concentrado e, alinhado, conectado e articulado em escala vertical com a produção da

matéria-prima (soja), situada a jusante e espacialmente delimitada.

Do ponto de vista local, Reis (1992) apud Schneider (2004, p. 114), encara a

questão da territorialidade local permeada de interações, mediações e articulada com o não-

local. Ou seja, “o território como o centro de articulações e mediações entre a diversidade e

heterogeneidade da sociedade local com o ambiente externo [...] não seria, portanto,

autônomo e tão pouco inteiramente dependente do exterior, mas o resultado concreto e

material do processo de articulação e mediação”.

2.2. A CONSTITUIÇÃO CONCEITUAL DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL (CAI)

A partir do pós-guerra o processo de modernização da agricultura brasileira pode

ser entendido como a ampliação da utilização da base técnica decorrente da capacidade de

importação de máquinas, equipamentos e insumos industriais modernos (tratores,

semeadeiras, ceifadeiras, debulhadores, fertilizantes, adubos, defensivos químicos, sementes

certificadas, rações, etc.) com o objetivo de aumentar a produtividade da agricultura, ao passo

que, de acordo com Serra (1981), esta mesma importação de máquinas e equipamentos

ocorrida no início dos anos 50 permitiu uma ampliação significativa da capacidade instalada

do parque industrial brasileiro nos setores de produção de bens de capital, bens de consumo

duráveis e bens intermediários, o que possibilitou o surgimento das condições iniciais para o

crescimento subseqüente e início da industrialização nacional. Ou seja, em 1951/52 os efeitos

aceleradores das importações brasileiras, no que tange a aquisição de máquinas e

equipamentos para os sub-setores de bens de capital/capital e capital/consumo, repercutiram

positivamente no processo de internalização da indústria. Esta composição de um estoque

inicial de capital contribuiu para a expansão do mercado interno industrial e influenciou a

política de substituição de importações intensificada pelo Plano de Metas do governo

Kubitschek. De 1956 a 1960 o governo federal priorizou o processo de internacionalização do

setor de bens de capital (D1) e proporcionou a instalação das indústrias automobilísticas e de

máquinas e equipamentos, sobretudo, voltados para a agricultura. Assim, pode-se ainda

destacar que a expansão das indústrias básicas no ramo da química pesada, petróleo, papel e

celulose, foram essenciais para fomentar o processo de modernização da agricultura.

Page 28: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

38

De acordo com Alves et al. (1988), tendo em vista as dificuldades de

financiamento das atividades agrícolas nas décadas de 50 e 60, muitos pesquisadores,

governos e agricultores optaram pela expansão da fronteira agrícola como a melhor

alternativa para viabilizar o crescimento da produção deste setor. Nesse sentido, Paraná e

Mato Grosso do Sul tiveram uma ampla participação nesta ocupação de novos territórios

férteis. Portanto, apesar dos primeiros impactos positivos advindos do processo de

modernização da agricultura, a produção agrícola permaneceu montada no binômio trabalho e

terra, sendo estes os principais fatores determinantes na promoção do crescimento da oferta.

Destarte, no início da década de 60 a expansão da fronteira agrícola perde a sua

capacidade imediata de abastecimento frente às necessidades de consumo impostas pelos

grandes centros urbanos. Assim, para suprir a demanda gerada no mercado interno a

alternativa seria concentrar os esforços no crescimento e intensificação da produtividade, ou,

através da importação de alimentos. Esta última hipótese foi descartada na época, pois existia

a necessidade de expandir as fronteiras nacionais, diminuir os riscos da prática agrícola pela

ocupação de novas áreas de cultivo, reduzindo, portanto, as pressões internas nas áreas das

regiões já cultivadas, tendo em vista as possibilidades de lucros futuros pela diferenciação de

produtos a partir da ocupação da região amazônica.

A perda da capacidade de exportar e as crises de abastecimento evidenciadas a

partir dos anos 50 tiveram como solução a inauguração de uma política de investimentos

públicos voltada para a geração de conhecimento e difusão de tecnologia. Tais crises – perda

de competitividade no mercado internacional e aumento dos custos endógenos em função da

relação trabalho versus terra – poderiam ser evitadas caso os governos estaduais e federal

tivessem, a priori, conhecimento dos entraves e gargalos do modelo adotado (expansão da

fronteira agrícola) como condicionantes básicos das limitações nos ganhos de competitividade

dos produtos agrícolas e no aumento da produtividade da terra.

Ipso facto, diante da iminente incapacidade do poder de coerção do atual modelo

de expansão das fronteiras agrícolas, diversas iniciativas dos governos estaduais e federal

foram engendradas e institucionalizadas com o propósito de criar as condições mínimas para

estabelecer a infra-estrutura básica que permitiria a ampla geração e difusão do conhecimento

em todo país. Aumentar a produtividade da agricultura sob a égide da universalização do

conhecimento e investimentos em tecnologia foi a dinâmica que prevaleceu após a década de

60. Neste contexto, a criação de universidades, cursos de pós-graduação, programas de

extensão rural e do Sistema Nacional de Pesquisa (EMBRAPA) aliada ao desenvolvimento da

Page 29: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

39

indústria de insumos modernos e da agroindústria favoreceram em grande escala o

crescimento da produtividade da terra e do trabalho. Em 1950 a tratorização da agricultura

brasileira medida em função da razão entre a quantidade de hectares cultivados e o número de

tratores era de 2.281 ha/trator; em 1960 esta relação passou para 468 ha/trator. No tocante da

estrutura de produção na indústria de transformação brasileira de 1949 a 1959 os setores de

bens de produção e de bens de consumo duráveis tiveram, respectivamente, um aumento de

419,29% e 713,91%, enquanto que a produção total referente a todos os setores industriais

cresceu neste período apenas 111,34%.

Para Kageyama (1987), Kageyama et al. (1988) e Silva (1991 e 1998), as

transformações da agricultura brasileira e a constituição dos diversos CAI tiveram a sua

origem nos Complexos Rurais. Os Complexos Agroindustriais da atualidade são decorrências

do processo de modernização da agricultura brasileira, o que contribuiu decisivamente com a

perda da capacidade de decisão das comunidades rurais. Ou seja, a agricultura propriamente

dita perde o seu antigo caráter autônomo, setorizado e independente.

Para estes autores as transformações ocorridas na dinâmica da agricultura

brasileira podem ser observadas dentro de uma perspectiva histórica na qual constata-se a

passagem do "complexo rural" para os "complexos agroindustriais" (CAI). Segundo estes, o

complexo rural pode ser identificado no período compreendido entre o Brasil Colonial e o

final da primeira metade do século XIX, ou seja, até 1850.

Este complexo rural caracterizava-se pelas simples relações de troca e estava

condicionado às flutuações da demanda externa. A produção estava baseada na monocultura

voltada para atender o mercado externo, enquanto no interior das fazendas eram

confeccionados os equipamentos necessários para a produção. Ou seja, neste período a

economia tem característica agro-exportadora, mas também produzia os alimentos destinados

à subsistência.

A decadência deste modelo ocorre nos anos entre 1850 e 1955. Com o trabalho

livre e assalariado e a formação de um mercado interno, impulsionado pelo processo de

substituição de importações e pelo surgimento da economia cafeeira paulista, o complexo

rural perde fôlego. Para Kageyama et al.. (1988) a internalização das indústrias produtoras de

bens de capital consolidou o processo de transição entre o complexo rural e o complexo

agroindustrial.

[...] a decomposição do complexo rural inicia-se em 1850, com a lei de

Page 30: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

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terras e a proibição do tráfico, terminando em 1955, com a implantação do

D1 em bases industriais modernas (KAGEYAMA, 1987, p.5).

A consolidação da indústria nacional, em especial a internacionalização da

indústria produtora de bens de produção (D1), bem como o surgimento de mercados nacionais

para produtos industriais voltados para a agricultura e produtos agroindustriais já processados,

foram os principais elementos que forjaram o processo de industrialização da agricultura

brasileira.

Torna-se importante descortinar a falsa compreensão correlata existente entre o

processo de modernização da agricultura, a industrialização desta e a conseqüente formação

dos Complexos Agroindustriais no país. No processo de modernização são constatadas apenas

alterações e mudanças na base técnica da produção agrícola. Ao passo que, diferentemente da

modernização, no processo de industrialização a agricultura transformou-se em um ramo de

produção dominado pela indústria e conectado a outros ramos de produção. Ou seja, a

modernização da agricultura deve ser encarada como a simples importação de máquinas e

insumos modernos e etapa que antecede a industrialização. Já o processo de industrialização,

quando observa-se a internalização definitiva do setor industrial produtor de máquinas e

insumos modernos, tem-se nestas transformações, conciliadas às mudanças da organização e

divisão internacional do trabalho, a constituição do Complexo Agroindustrial no Brasil a

partir da década de 70.

Para Silva (1998) nos anos 70 esta nova dinâmica de acumulação capitalista

industrial conduz o processo de industrialização da agricultura no sentido de uma integração

vertical a partir da expansão da indústria de insumos modernos. Este novo padrão agrícola

baseado na acumulação industrial fica concebido como Complexo Agroindustrial (CAI).

Portanto, a implementação do D1 no país até a metade dos anos 60 e, consecutivamente, a

internalização definitiva voltada para a agricultura como desdobramento do processo de

industrialização, estabelecem o marco referencial entre: a dependência da capacidade de

importar máquinas, equipamentos e insumos modernos como limites impostos à

modernização da agricultura e a internalização definitiva da produção destas máquinas,

equipamentos e insumos modernos. Desta forma, a constituição do Complexo Agroindustrial

(CAI) deve ser entendida, ex-post, a integração entre as indústrias que produzem para a

agricultura, possibilitada, ex-ante, pela internalização da produção de máquinas e insumos

para atender a agricultura. Neste novo estágio de acumulação capitalista a modernização da

agricultura passa ser determinada pela dinâmica da indústria, apesar da própria

Page 31: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

41

industrialização da agricultura e a constituição do CAI expressarem a dinâmica agrícola.

Neste ponto, observa-se uma clara mudança de paradigma, impondo limites na análise

setorizada da agricultura como meio de explicar a sua dinâmica, pois a consolidação do CAI

pressupõe a integração vertical (agricultura-indústria), não apenas do processo produtivo

baseado em novas tecnologias à la Schumpeter2, mas a integração de capitais industrial e

financeiro e suas relações com o Estado.

No final da década de 60 constata-se no Brasil a existência de um setor industrial

produtor de bens de produção voltado para a agricultura. Em decorrência desta implantação

tem-se a primeira noção de modernização e de desenvolvimento, em escala nacional,

configurando-se um mercado para produtos industriais integrados à agroindústria. A

implantação (internalização) de um setor industrial produtor de bens de produção voltado para

a agricultura ficou conhecida como "modernização da agricultura", deslocando o atual

paradigma em termos de produção industrial.

Por outro lado, Castanho Filho (1988) relata que, tomando-se como base os censos

agropecuários de 1970 e 1975, observaram-se disparidades regionais, pois 60% da frota de

tratores agrícolas estavam concentrados nas regiões Sudeste e Sul. Outras desigualdades

regionais foram observadas quanto ao emprego de fertilizantes nas propriedades agrícolas,

acesso ao crédito e investimentos na produção industrial.

Para realizar uma análise da dinâmica do desenvolvimento local em Mato Grosso

do Sul, deve-se considerar a evolução do processo de modernização e industrialização da

agricultura, a posição periférica da região Centro-Oeste em função da sua fraca integração

com o mercado externo no período agro-exportador, o atraso comparativo do padrão de

acumulação capitalista já estabelecido no Centro-Sul e o relativo distanciamento dos efeitos

positivos do progresso técnico proporcionado pelo avanço do complexo cafeeiro paulista

como pólo propagador da industrialização brasileira.

No entanto, durante todo o processo de industrialização o Estado de Mato Grosso

do Sul manteve-se atrasado, pois não possuía as condições históricas que permitiram São

Paulo e Sul do país a incorporarem os avanços tecnológicos da época, apesar dos

investimentos em pesquisa e utilização de máquinas, equipamentos e insumos modernos

atualmente encontrados nas lavouras de Mato Grosso do Sul.

2 Ver SCHUMPETER, J. A. Capitalism, socialism and democracy. Allen & Unwin, 1943. Schumpeter afirma que os estágios de

desenvolvimento estão atrelados e associados ao processo de inovação tecnológica adotado pelos empresários empreendedores.

Page 32: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

42

A partir do conceito de Complexo Agroindustrial (CAI) será possível focalizar os

aspectos que facilitam o entendimento da dinâmica agroindustrial integrada internamente,

bem como conectada em escala vertical, tendo em vista a articulação entre diversos territórios

localizados tanto a jusante, mas principalmente, a montante do processo produtivo. Ou seja, a

análise do CAI constitui-se no marco teórico-metodológico necessário para a compreensão

desses aspectos e demais visões inerentes à agroindústria e suas interações com o mundo

contemporâneo e globalizado.

No final da década de 50 a discussão sobre agribusiness ganha ímpeto e a noção

de CAI é consolidada em 1957 quando os pesquisadores Goldberg e Davis, ambos da

Universidade de Harvard, EUA, divulgaram os resultados de suas pesquisas. Os autores

constataram a mudança do eixo e o novo lugar de supremacia que a indústria passara a

assumir em relação à agricultura. Ou seja, observaram o encadeamento a montante da

produção agrícola oriunda das fazendas a partir das indústrias que forneciam insumos,

máquinas e equipamentos. Observaram ainda que as fazendas produziam matérias-primas

destinadas à transformação industrial, o que convencionou-se localizá-las a jusante. Vale

lembrar que montante e jusante são alusões derivadas dos rios. Quando o processo está a

montante, o termo refere-se ao lado da nascente do rio. Por outro lado, o termo jusante é

utilizado para identificar o desaguadouro, ou seja, do outro lado do rio. Nessa nova

perspectiva está implícito que a agroindústria passa a integrar o processo de transformação.

Os produtos da fazenda ganham um destino intermediário antes de chegar ao consumidor

final.

Para Silva (1991) a visão estática e inicial acerca da conceituação do CAI foi

possível de visualização a partir da agregação de atividades que possuíssem um elevado grau

de afinidade entre si. Tal visão é derivada dos conceitos de agribusiness estudados por

Goldberg e Davis (1957) e de filière desenvolvido na década de 60 pela escola industrial

francesa.

Para Goldberg e Davis (1957, p. 2), a definição de agribusiness pode ser

entendida como [...] a soma de todas as operações envolvidas no processamento e

distribuição de insumos agropecuários, as operações de produção na fazenda, e o

armazenamento, processamento e a distribuição dos produtos agrícolas derivados. Como já

foi dito anteriormente, esta definição explica a crescente interdependência e a completa

integração setorial entre a agricultura e a indústria, atualmente indissociável e com um alto

grau de complexidade, onde seria impossível apontar em qualquer etapa do processo de

Page 33: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

43

transformação agroindustrial a distinção entre uma atividade eminentemente agrícola e outra

estritamente industrial.

Na tradução francesa o termo agribusiness passa a ser entendido como filière, ou

seja, cadeias. Em Malassis (1973) filière representa a interpretação de uma cadeia

agroindustrial como sendo um setor agrícola composto por um conjunto de empresas

integradas por processos agrícolas e industriais. Nesta concepção o encadeamento se dá a

partir de sub-setores industriais a montante e que fornecem os bens de produção e, na outra

ponta, a jusante, sub-setores agrícolas e sub-setores responsáveis pela transformação da

matéria-prima e pela distribuição dos produtos finais.

Utilizando-se das definições de Batalha (1997) uma Cadeia de Produção

Agroindustrial (CPA) está sub-dividida em três macrossegmentos: comercialização,

industrialização e produção de matérias-primas. A partir do conceito de Cadeia de Produção

Agroindustrial (CPA) pode-se estabelecer que o foco principal da análise de todos os

macrossegmentos tem ênfase no mercado consumidor final.

Para Michels (2004) uma cadeia de produção pode ser entendida como um

conjunto de operações técnicas. Esse conceito, amplamente difundido, reside na descrição das

operações produtivas que concorrem para a transformação da matéria-prima em um produto

final. Diante disso, a cadeia de produção deve ser compreendida por uma [...] sucessão linear

de operações técnicas de produção e distribuição (MICHELS, 2004, p. 31).

O enfoque de cadeia supera as análises ditas tradicionais, baseadas em setores da

economia (primário, secundário e terciário), e são utilizadas no Brasil e no mundo na tentativa

de retratar a realidade diante das relações de complexidade que emergem no processo

produtivo, principalmente, na produção agroindustrial.

Para uma visão mais detalhada de cadeia de produção deve-se inserir ao fluxo

produtivo, os fluxos financeiros e de informações, bem como as relações comerciais que

acontecem de jusante a montante.

A cadeia de produção é uma sucessão de operações de transformação

dissociáveis, capazes de ser separadas e ligadas entre si por um

encadeamento técnico [...] é também um conjunto de relações comerciais e

financeiras que estabelecem, entre os estados de transformação, um fluxo de

troca, situado de montante a jusante, entre fornecedores e clientes [...] é um

conjunto de ações econômicas que presidem a valoração dos meios de

produção e asseguram a articulação das operações (MORVAN, 1988 apud

BATALHA, 1997, p. 26).

Page 34: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

44

Malassis (1973) reconhece que o desenvolvimento tecnológico é o fator mais

dinâmico e presente nas cadeias agroindustriais. Ou seja, as mudanças na agricultura estão

condicionadas a uma base tecnológica em constante evolução. Malassis (1973), apesar de

incorporar na sua concepção de cadeia agroindustrial a indústria a montante, voltada para a

agricultura e produtora de máquinas, equipamentos e insumos industriais modernos, o autor

focaliza com maior ênfase os sub-setores a jusante, ou seja, a indústria de transformação e as

empresas responsáveis pela distribuição do produto final.

Ainda em Malassis (1973), uma cadeia agroindustrial (filière) está agrupada em

três dimensões, ou seja, a indústria que fica a montante da matéria-prima; a produção da

própria matéria-prima; e a indústria transformadora a jusante. Já o conceito de agribusiness

concentra o foco principal na indústria a jusante, ou seja, a indústria de transformação da

matéria-prima. Porém, ambos os enfoques (agribusiness e filière) têm a eminente

preocupação em explicar a inter-relação e a interdependência entre a agricultura e a indústria.

Para Kliemann Neto (2003), uma filière pode ser definida como um encadeamento

seqüencial de setores e atividades empresariais associados a um contínuo fluxo de

transformação da matéria-prima (estado bruto do bem) até o produto final (estado acabado do

bem).

Para Malheiros (1991) a cadeia produtiva pode ser identificada a partir de matéria-

prima principal que é sucedida por diversas transformações, originando um produto final. Por

outro lado, Batalha (1997) e Pires et al. (2001) concebem uma cadeia produtiva focalizando

um determinado produto final, e a partir deste produto acabado faz-se o encadeamento de

montante a jusante para as diversas operações técnicas, comerciais e logísticas existentes no

processo produtivo.

Por definição, uma cadeia produtiva pode ser constituída sob a ótica da matéria-

prima, bem como a partir de um produto final.

Ressalta-se que qualquer cadeia produtiva deve ser intermediada de jusante a

montante por mercados localizados entre os elos. A quantidade de mercados pode variar

dependendo da abrangência prática de cada cadeia. Além disso, segundo Michels (2004), os

limites dessa divisão podem variar conforme o produto e o objetivo da análise e, ainda, não

ser facilmente identificáveis.

A existência destes mercados permite a „articulação‟ dos vários

macrossegmentos, bem como das etapas intermediárias de produção que os

compõem. Dentro de uma cadeia de produção agroindustrial típica podem

Page 35: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

45

ser visualizados no mínimo quatro mercados com diferentes características:

mercado entre os produtores de insumos e os produtores rurais, mercado

entre produtores rurais e agroindústria, mercado entre agroindústria e

distribuidores e, finalmente, mercado entre distribuidores e consumidores

finais. O estudo das características destes mercados representa uma

ferramenta poderosa para compreender a dinâmica de funcionamento da

CPA (BATALHA, 1997, p. 27).

A concepção de Cadeia de Produção Agroindustrial (CPA) privilegia o

comportamento do mercado, ou seja, o macrossegmento denominado de comercialização

(ponta da cadeia produtiva). Nesse sentido, o enfoque de Cadeia de Produção Agroindustrial

(CPA) visa a enfatizar o produto final, no caso específico, a comercialização da margarina,

creme vegetal ou qualquer outro produto situado na ponta do processo tecno-produtivo que se

inicia com a produção da matéria-prima, no caso, a soja.

Torna-se importante ressaltar a diferenciação conceitual existente entre Complexo

Agroindustrial (CAI) e Cadeia de Produção Agroindustrial (CPA). Uma Cadeia de Produção

Agroindustrial (CPA) deve ser entendida como um conjunto de operações de transformação

(industriais, logísticas, comerciais e financeiras) sucessivas, encadeadas entre si e situadas a

montante e a jusante, tendo como foco central, geralmente, o produto final. Quando o produto

final a ser visualizado é identificado deve-se encadear, da montante a jusante, as várias

operações técnicas, comerciais e logísticas, necessárias a sua produção para que seja

estabelecida a Cadeia de Produção Agroindustrial (CPA). Assim, é válido analisar a Cadeia

Produtiva da Margarina, quando este produto final é derivado da soja (matéria-prima),

principal foco de uma análise baseada em qualquer conceito de CAI citado neste trabalho.

Guimarães (1979), Araújo et al. (1992) e Lauschner (1993) utilizaram as

primeiras noções de agribusiness e filière para propor uma articulação da agricultura com as

indústrias a montante e a jusante. Para estes autores, a discussão acerca do conceito de

Complexo Agroindustrial permanece vinculada ao enfoque dado aos pontos extremos do

encadeamento dominados pela atividade industrial (a montante e a jusante da matéria-prima

agrícola).

Seguindo os preceitos de agribusiness, Müller (1981) passa a conceber o

Complexo Agroindustrial como referencial analítico para explicar o processo de evolução e

de industrialização da agricultura. E ainda, com base no trabalho de Vigoritto (1978) e na sua

definição de CAI pautada no conceito de filière (cadeia agroalimentar), este autor considera a

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46

participação das empresas multinacionais e alimentícias na formação de um complexo

industrial e ponto de partida para a definição do conceito de complexo agroindustrial.

Todo espaço econômico pode ser dividido em um conjunto de complexos

interrelacionados e em um conjunto de atividades produtivas relativamente

autônomas do espaço econômico em seu conjunto, e, assim, complexo seria

um conjunto composto por uma ou várias sucessões de atividades integradas

verticalmente [...] é um conjunto econômico composto pela sucessão de

etapas produtivas vinculadas à transformação de uma ou mais matérias-

primas, cuja produção tem por base o controle do potencial biológico e do

espaço físico (VIGORITTO, 1978, p. 3).

Para Müller (1982a, p. 47) a industrialização da agricultura é um novo marco e

condicionante da acumulação capitalista, principalmente no tocante da parcela da indústria

produtora de bens de capital. A interdependência entre a agricultura-indústria, baseada no

processo de industrialização da agricultura, consolidou-se no país de forma concentrada e

oligopolizada, tanto a montante como a jusante.

Para este autor, existe uma clara distinção entre todos os elos que compõem o

Complexo Agroindustrial, ou seja, a indústria a montante – a agricultura – a indústria a

jusante, e as demais atividades satélites como: financiamento, comercialização e serviços.

Portanto, a indústria para a agricultura deve ser entendida como o elemento cinético do

Complexo Agroindustrial. A indústria é a chave para entender as transformações na

agricultura. A partir deste entendimento tem-se a agricultura subordinada ao capital industrial

e financeiro e as próprias transformações advindas da indústria e que permeiam o campo são

utilizadas como objeto de análise em detrimento da agricultura que passa a não ser mais

utilizada isoladamente como referencial teórico para explicar os processos econômicos,

sociais e políticos.

Já em Haguenauer et al. (1984), o conceito de Complexo Agroindustrial não

pressupõe o encadeamento das indústrias de máquinas e implementos. Ou seja, na visão de

Haguenauer, o conceito de Complexo Agroindustrial desconsidera a indústria para a

agricultura.

Por outro lado, Müller (1989) considera o Complexo Agroindustrial como um

espaço de representação das relações entre as atividades principais (comércio, indústria e

agricultura) e atividades secundárias (serviços). Porém, do ponto de vista do Complexo

Agroindustrial como unidade de análise, Müller passa a vincular as atividades do campo às

atividades industriais de acordo com dois pontos extremos: a montante, com as máquinas e

Page 37: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

47

insumos para a agricultura e a jusante, com as empresas de beneficiamento/processamento e

as empresas que comercializam os produtos finais. Nesta seqüência, as atividades

eminentemente agrícolas são partes integrante da dinâmica, mas quem define o padrão

inovativo-tecnológico no interior do Complexo Agroindustrial são as atividades industriais

voltadas para a agricultura.

Do ponto de vista de uma cadeia de produção o consumidor final tem papel

fundamental, pois este é capaz de ditar os avanços para trás da cadeia a partir de suas decisões

quanto ao preço e à qualidade do produto ofertado.

[...] a lógica de encadeamento das operações, como forma de definir a

estrutura de uma CPA, deve situar-se sempre de jusante a montante. Esta

lógica assume implicitamente que as condicionantes impostas pelo

consumidor final são os principais indutores de mudanças no status quo do

sistema. Evidentemente, esta é uma visão simplificadora e de caráter geral,

visto que as unidades produtivas do sistema também são responsáveis, por

exemplo, pela introdução de inovações tecnológicas que eventualmente

aportam mudanças consideráveis na dinâmica de funcionamento das cadeias

agroindustriais. No entanto, estas mudanças somente são sustentáveis

quando reconhecidas pelo consumidor como portadoras de alguma

diferenciação em relação à situação de equilíbrio anterior (BATALHA,

1997, p. 27).

Para Pinazza et al. (1999), os desejos e as preferências dos consumidores

funcionam como fios condutores para ações e inovações desencadeadas nos elos da cadeia, ou

seja, as manifestações na ponta da cadeia são repassadas entre clientes e fornecedores que

estão interligados por relações interdependentes.

Em Pires (2004) é apresentada uma abordagem que diferencia da definição de

cadeia produtiva entendida por Batalha (1997), Kliemann Neto (2003), Malheiros (1991) e

Morvan (1985, 1988). Para este autor a cadeia de produção é um conjunto representativo de

atividades que integram um determinado setor industrial. Assim, pode-se falar da cadeia

produtiva da indústria de calçados, da indústria de automóveis, da indústria de softwares, etc.

Em Müller (1989), o cerne da sua idéia acerca da constituição do Complexo

Agroindustrial gravita em torno das articulações setoriais entre a indústria e a agricultura,

onde esta última perdera o seu caráter autônomo. A proposta de Complexo Agroindustrial em

Müller deriva de uma configuração construída a partir das noções de agribusiness, filière e de

complexo industrial.

O ponto de partida deste trabalho emerge da existência de relações entre

agricultura-indústria, analisada sob a perspectiva do advento inovador tecnológico que passa a

Page 38: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

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permear a agricultura. Ou seja, o setor agrícola estaria sendo absorvido por setores industriais

localizados nas extremidades do encadeamento técnico-produtivo: numa ponta temos a

indústria para a agricultura - fornecedora de bens de capital e insumos modernos (denominado

de setor a montante da agricultura); e na outra ponta a indústria da agricultura - processadora

da matéria-prima agrícola - agroindústria (denominado de setor a jusante da agricultura).

Segundo Silva (1991, p. 6), as denominações a montante e a jusante estão associadas à idéia

de "que os investimentos realizados em determinadas atividades tinham o poder de induzir o

surgimento de outras atividades naqueles ramos que estivessem imediatamente em contato".

Diante de tais articulações entre a indústria a montante, a agricultura e a agroindústria a

jusante pode-se identificar o fio condutor que permite visualizar a complexidade deste

sistema.

Para Kageyama et al. (1988) apud Silva (1989), com a consolidação dos CAI a

dinâmica da agricultura brasileira passa a ser determinada pela interdependência entre os

setores industriais fornecedores de máquinas e insumos modernos e suas interligações com as

agroindústrias.

O deslocamento do eixo determinante da dinâmica setorial agricultura-indústria

implica na superação do enfoque analítico que buscava explicar a agricultura como um setor

primário da economia, retroalimentada pelos seus próprios recursos e insumos internos

disponíveis que eram utilizados na produção de bens de consumo finais. A partir dos CAI, as

agroindústrias tornaram-se processadoras de alimentos dependentes e encadeadas a jusante

das indústrias produtoras de máquinas, equipamentos e insumos modernos.

Por outro lado, em Silva (1989) a consolidação dos CAI implica na integração de

capitais (financeiro, industrial e agrícola) que são utilizados para financiar a indústria, o

comércio, os bancos, as propriedades rurais, as companhias de transporte e demais ramos

industriais que se apresentarem como atividades eminentemente lucrativas e necessárias à

acumulação e reprodução capitalista.

Portanto, o conceito de CAI representa a emancipação da estrutura intersetorial

(agricultura-indústria) utilizada como referencial analítico para explicar a própria dinâmica da

agricultura. O CAI pressupõe a completa integração da agricultura com a indústria,

constituindo-se como um novo padrão produtivo emergente, heterogêneo e multideterminado.

Para Castanho Filho (1988) à medida que a agricultura passa gradativamente da

condição de auto-suficiência para uma condição de integração e interdependência com os

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diversos setores da indústria fica caracterizada a concepção de CAI em detrimento do

referencial analítico que utilizava o termo “agricultura” para explicar a sua própria dinâmica.

Segundo Kautsky (1980), no final do século XIX já existia claros sinais de

transformação no campo e uma estreita ligação entre agricultura e indústria. Este autor sugere

que “[...] a razão dessa mudança deve ser procurada, como a de qualquer outra grande

modificação na agricultura moderna, no desenvolvimento da indústria, que põe o campo sob

a sua dependência”. Para Kautsky (1980), buscando subsídios em Marx (1986), ambos

concordam que a transformação da agricultura converge para a constituição de um novo ramo

da indústria, completamente dominado pelo capital, pois esta transformação é ditada pelo

ramo mais avançado da economia. Neste ponto de partida, a compreensão da agricultura

torna-se relativa, pois sugere o deslocamento do eixo desta para a indústria, desdobrando-se

num conceito mais amplo e dinâmico, ou seja, a instituição do Complexo Agroindustrial

(CAI). Nesse processo pode-se ainda afirmar que a agricultura perde a sua autonomia, bem

como a sua capacidade de traçar os próprios rumos, deixando os grupos sociais rurais a mercê

do interesse do capital industrial e financeiro.

Partindo desta premissa, Kautsky (1980) analisa o surgimento da relação entre

agricultura e indústria deixando clara esta subordinação e dependência, o que resultará na

industrialização da agricultura.

O camponês deixa de ser, pois, o senhor na sua exploração agrícola. Esta se

torna um apêndice da exploração industrial por cujas conveniências deve

orientar-se [...] Freqüentemente, também cai sob a dependência técnica da

exploração industrial [...] Como nos demais setores da sociedade capitalista,

a indústria acaba por vencer a agricultura [...]. A indústria constitui a mola

não apenas de sua evolução, mas ainda da evolução agrícola. Vimos que foi

a manufatura urbana que dissociou, no campo, a indústria e a agricultura,

que fez do rural um lavrador puro, um produtor dependente dos caprichos do

mercado, que criou a possibilidade de sua proletarização [...] Foram criadas

assim as condições técnicas e científicas da agricultura racional e moderna, a

qual surgiu com o emprego de máquinas e deu-lhe, pois, superioridade da

grande exploração capitalista sobre a pequena exploração camponesa

(KAUTSKY 1980, p. 281-318).

Ainda em Kautsky (1980), a especialização da produção capitalista vis-à-vis com

o aperfeiçoamento da mão-de-obra, das máquinas, equipamentos, sementes e raças de animais

ampliou consideravelmente a dependência entre a produção e o mercado, tornando

proprietários e trabalhadores rurais reféns do comércio para garantir a própria sobrevivência.

Page 40: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

50

Também em Kautsky (1980), o primeiro pressuposto básico para o sucesso da implementação

de máquinas e equipamentos no campo foi decorrente da elevação do nível de produção, já

alcançado com a nova divisão do trabalho e com a especialização, pois a mecanização no

campo envolve um alto grau de ociosidade e para compensar o período de não utilização das

máquinas seria necessário que estas tivessem um ótimo aproveitamento nos poucos meses que

realizassem trabalho.

Ou seja, com a especialização do trabalho, em função do modo de produção

capitalista, o agricultor passa a concentrar-se na monocultura, deixando de produzir a maioria

dos alimentos necessários à subsistência, como também passa a depender das ferramentas,

equipamentos e fertilizantes agora produzidos pelas indústrias e ofertados no mercado.

O produtor rural produz apenas uma parte do que consome ou, às vezes, nem

isso, por ter se tornado um “especialista” em produzir determinada cultura

ou criação. As demais funções são executadas por inúmeros outros agentes

econômicos. O armazenamento, a transformação, o processamento e

embalagem, a distribuição dos produtos se encontra hoje nas mãos de

entidades que se situam fora da unidade produtiva. Da mesma forma, outros

tipos de atividades antes desempenhadas no contexto do mundo rural vão

para “fora” dos limites das “fazendas”: a fabricação de equipamentos e

implementos agrícolas; de maquinários; dos chamados insumos modernos,

como agrotóxicos, fertilizantes químicos, rações, medicamentos, etc.

(CASTANHO FILHO, 1988, p. 2).

Castanho Filho (1988) enfatiza que o CAI está articulado com outros agentes

econômicos, tais como: Estado, instituições financeiras e empresários que instalam suas

atividades industriais na órbita de todo o processo visando ao fornecimento de energia,

transporte, metalurgia, química, entre outras atividades.

Assim, a concepção de CAI está intrinsecamente relacionada com o processo de

modernização da agricultura a partir das inovações e adaptações tecnológicas que

desenvolvem-se no âmbito das indústrias. Ou seja, o avanço da industrialização implica na

subordinação da agricultura ao capital e sua completa integração com a produção industrial.

De fato, a agricultura torna-se um novo viés de acumulação, valorização e reprodução do

capital em geral, pois as diversas atividades eminentemente agrícolas e agropecuárias passam

a depender, a montante, da compra de equipamentos, máquinas e insumos modernos e da

venda de seus produtos intermediários (matérias-primas) que serão utilizados a jusante do

processo produtivo.

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51

Portanto, a dinâmica do CAI pressupõe a industrialização da agricultura, que por

sua vez, representa a subordinação da própria agricultura aos interesses do capital, sobretudo

do capital industrial.

Ou seja, a “auto-suficiência” produtiva no campo é substituída pela

“industrialização”. Os agricultores e pecuaristas consomem a montante, as máquinas,

equipamentos e insumos industrializados e produzem a jusante, as matérias-primas

necessárias às outras indústrias de transformação. Todo esse processo é facilitado pelo fluxo

de capitais que se articulam entre as fases do processo produtivo.

O termo Complexo Agroindustrial (CAI) tem sido usualmente utilizado para

identificar as articulações existentes entre setores da economia, sobretudo o setor agrícola

com o setor industrial. Ou seja, a dinâmica do processo de industrialização da agricultura e,

conseqüentemente, a consolidação do Complexo Agroindustrial no Brasil. Porém, a

interdependência e a inter-relação entre os setores sugerem a definição de CAI como uma

estrutura peculiar e desprovida de qualquer tipo de fragmentação setorizada da economia. Por

outro lado, pode-se dividir em duas vertentes a teoria que cerca o termo CAI, concebido a

partir das estreitas relações entre agricultura e indústria: a) que define o CAI como parte dos

complexos industriais já existentes na economia e composto por vários sistemas e cadeias

agroindustriais, conforme postula Machado Filho et al. (1996) ou complexos particulares,

visão predominante em Müller (1982a); b) que define o CAI de forma limitada e de fácil

identificação de seus encadeamentos, abordagem defendida por Kageyama (1987), ou seja, os

denominados Complexos Agroindustriais propriamente ditos, também defendida por Silva

(1991) e adotada neste trabalho.

Por outro lado, para Litschitz e Prochnik (1991) torna-se possível compreender a

dinâmica agroindustrial a partir da intensidade dos fluxos de compra e venda que ocorrem

entre os setores agregados ao próprio CAI ou entre os setores de outros CAI.

Assim, um complexo é constituído por um conjunto de setores escolhidos de

tal forma que (i) para cada setor do complexo, os fluxos de compra e venda

mais intensos são com outros setores do mesmo complexo e (ii) os fluxos de

compra e venda, de cada setor do complexo, com setores de outros

complexos são, consequentemente, menos significativos (LITSCHITZ E

PROCHNIK, 1991, p. 1).

Para Litschitz e Prochnik (1991) no CAI ocorre a interligação entre os setores que

juntos formam um conjunto de cadeias produtivas que se ramificam, a jusante, a partir da

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matéria-prima principal. Assim, o CAI caracteriza-se pela forte integração entre os setores

envolvidos, pois a relação de dependência entre os próprios setores delimita cada complexo

existente na economia. Todavia, mesmo existindo relações intersetoriais entre dois complexos

distintos as cadeias produtivas podem ser facilmente identificadas, pois a fraca integração

entre os conjuntos permite a delimitação e a distinção entre ambos.

Para estabelecer uma análise mais ampla do processo produtivo deve-se adotar o

ponto de vista teórico a partir do enfoque que possibilitará o conhecimento de todos os

agentes dinamizadores da produção agroindustrial, principalmente a montante. Ou seja, uma

análise do processo de integração, interdependência, articulação, interligação e inter-relação

entre e intersetorial da economia a partir do viés de Cadeia de Produção Agroindustrial (CPA)

deve ser apenas utilizado para delimitar o espaço de abrangência de cada CAI, pois é a fraca

interação entre os elos das diversas CPA que permitem a identificação e distinção de cada

CPA. Já a forte integração entre os diversos elos das cadeias produtivas é a essência da

constituição de cada CAI.

Para tanto, a utilização da concepção de Complexo Agroindustrial (CAI) em

detrimento do viés de Cadeia de Produção Agroindustrial (CPA) para explicar as

transformações ocorridas a partir do processo de industrialização da agricultura justifica-se,

pois o conceito de CAI possibilita a utilização de ferramentas fundamentais para interpretar a

realidade. A partir do CAI pode-se identificar a distribuição do poder ao longo do

encadeamento que se dá da jusante a montante, pois além de enfatizar a matéria-prima

possibilita agregar à análise a inter-relação entre D1 – Agricultura – Indústrias de

Transformação.

Portanto, no âmbito do conceito de CAI fica evidenciada a inter-relação e a

interdependência entre os setores industriais que produzem, a montante, máquinas e

equipamentos e insumos modernos para atender a agricultura (indústria para a agricultura) e

outros setores também industriais que consomem, a jusante, as matérias-primas necessárias

para a transformação destas em produtos finais.

Na abordagem de Litschitz e Prochnik (1991) o foco principal da análise do CAI

situa-se a jusante das matérias-primas principais. Por outro lado, a montante dessas matérias-

primas principais tem-se os setores produtores de insumos, principalmente adubos e, a jusante

destes todas as demais etapas intermediárias, até a fase de distribuição do produto final. No

entanto, o conceito de CAI defendido por Litschitz e Prochnik (1991) não agrega, a montante

das indústrias produtoras de adubos, o setor de produção de bens de capital voltados para

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atender as necessidades da agricultura moderna, ou seja, as chamadas “indústrias para

agricultura”, produtoras de máquinas, equipamentos e insumos modernos.

Assim, para Litschitz e Prochnik (1991) as matérias-primas principais originam

cadeias produtivas distintas e que juntas delimitam e compõem o CAI. Para este autor, essas

matérias-primas “especializadas” são: café; cana-de-açúcar; trigo, soja e pecuária.

Em Müller (1982) apud Litschitz e Prochnik (1991) na delimitação do CAI deve-

se incluir, a montante das matérias-primas, as chamadas indústrias que produzem para a

agricultura, ou seja, os setores industriais responsáveis pela implementação de máquinas,

equipamentos e insumos modernos no seio da agricultura.

De fato, Müller (1982) observa que a partir da década de 70 intensificaram-se no

campo os avanços tecnológicos. Com o crescente fluxo de máquinas, equipamentos e insumos

modernos entre os setores a montante dos produtores das principais matérias-primas a

agricultura tornou-se refém dos avanços e estancamentos das indústrias de bens de capital.

Neste período da história brasileira é que se formam os Complexos Agroindustriais, definidos

num primeiro momento como o conjunto de processos econômicos e técnico-produtivos, que

passam a interferir nas relações sociais e políticas que norteiam não só a produção,

beneficiamento e transformação da matéria-prima, mas também a produção de bens de

produção voltados para a agricultura e os aportes financeiros dela decorrente (MÜLLER,

1982a, p. 48).

Dessa forma, fica evidenciada a perda do caráter autônomo da agricultura. A

interdependência da agricultura, não apenas com os setores que se apresentam a jusante do

processo produtivo, mas, sobretudo, com o setor de bens de capital situado a montante,

caracterizam o CAI. Este se reproduz condicionado a uma base técnica industrial, homogênea

e determinante da dinâmica da agricultura moderna. Cabe ressaltar que Müller, Litschitz e

Prochnik concordam no ponto quando expressam a subordinação da agricultura ao capital

industrial e financeiro.

A dinâmica da agricultura não estaria mais sujeita à lógica do capital

fundiário e sim a do capital industrial e financeiro, que teria erguido um

espaço unificado de valorização (LITSCHITZ E PROCHNIK, 1991, p. 6).

Para Müller (1982) o Complexo Agroindustrial caracteriza-se como um conjunto

de ramificações oriundas de uma determinada matéria-prima. Dessa forma, pode-se

denominar de Complexo Agroindustrial todos os processos industriais e comerciais ocorridos

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a partir da matéria-prima até a consolidação de produtos finais. Dessa forma, tem-se uma

limitação do encadeamento na definição de CAI quando não são consideradas as indústrias

que produzem para a agricultura.

Na definição de Complexo Agroindustrial (CAI) concebida por Silva (1998) e

Müller (1989) é defendida a internalização da produção de máquinas, equipamentos e

insumos modernos voltados para atender as atividades agroindustriais como pressuposto

conceitual da existência do CAI.

A concepção do Complexo Agroindustrial pressupõe a delimitação de sua área de

abrangência. A delimitação não só espacial, mas do processo técnico-produtivo, permite

visualizar um conjunto de atividades inter-relacionadas e interdependentes e que facilitariam a

identificação de cadeias produtivas relativamente isoladas. A partir deste isolamento teríamos

diversos complexos independentes. Ou seja, dentro desta perspectiva o CAI pode ser definido

a partir da forte interação como “[...] conjuntos de atividades fortemente relacionadas entre

si (por compras e vendas) e fracamente relacionadas com o resto das atividades”

(KAGEYAMA, 1987, p.2).

Para Silva (1998), no processo de industrialização da agricultura a indústria passa

a ditar as mudanças no campo, e possibilitada a partir da internalização da indústria voltada

para a agricultura dentro do próprio país. Assim, a produção agrícola constitui-se num elo da

cadeia, dando origem aos Complexos Agroindustriais. Esta nova dinâmica entre agricultura e

indústria, ou seja, a ação conjunta e integrada entre a indústria para a

agricultura/agricultura/agroindústria, “remete ao domínio do capital industrial e financeiro e

ao sistema global de acumulação” (KAGEYAMA,1987, p.11).

Para Kageyama (1987), o estreitamento das relações intersetoriais, a fraca

visibilidade na distinção dos setores agrícola e industrial, a predominância de técnicas

produtivas convergentes e a consistência dos fluxos econômicos entre a agricultura e a

indústria, resultaram na subordinação da agricultura à dinâmica industrial. Desta forma, para

Kageyama et al. (1988) estas eminentes relações permitem a definição de um tipo de

complexo agroindustrial completo e integrado, ou seja, onde pode-se constatar uma forte

integração com a indústria de insumos industriais necessários à produção situada a montante e

também com a indústria processadora a jusante de todo o encadeamento. Em Kageyama et al.

(1988) são citados como exemplos de Complexo Agroindustrial Completo e Integrado os

complexos avícola, açúcar e álcool, carne e soja (objeto deste estudo). Já os Complexos

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Agroindustriais Incompletos são caracterizados por uma fraca integração com a indústria a

montante. Estes complexos encontram-se na produção de laranja, milho e laticínios.

Por outro lado, vários produtos agrícolas podem não estar inseridos nos

Complexos Agroindustriais, mas tiveram suas atividades modernizadas com o passar do

tempo. Essas atividades modernizadas e sem vinculações específicas, mas que dependem de

máquinas e insumos, e ainda não apresentam a forma de complexos, são o feijão, o arroz e o

café. Além disso, a produção artesanal não modernizada e que não apresenta estreitas ligações

intersetoriais como a banana, mandioca e outros alimentos básicos, são também excluídos da

concepção de CAI.

Torna-se importante enfatizar que a articulação estabelecida entre a agricultura e a

indústria, bem como o caráter histórico utilizado para delimitar os Complexos

Agroindustriais, ainda são elementos de um processo em curso. Por outro lado, uma análise

do CAI balizada no conceito de complexo industrial e na utilização da matriz insumo-produto

deve ser complementada pelo processo histórico. Ou seja, a delimitação de um espaço

econômico caracterizado pela homogeneidade da base técnica, onde configuram-se sistemas

ou cadeias agroindustriais integradas tanto a montante (setor mais dinâmico) como a jusante

do setor agrícola, devem ter como premissas as transformações ocorridas no setor

agropecuário, considerando-se a existência dos Complexos Rurais e a sua decomposição, os

processos de modernização (entendida como etapa da industrialização da agricultura e da

formação dos CAI) e industrialização da agricultura até a consolidação dos Complexos

Agroindustriais.

Independentemente das diversas definições conceituais de Complexo

Agroindustrial (CAI) abordadas por inúmeros autores como Müller, Batalha, Araújo,

Guimarães, Lifschitz, Prochhnik, Lauschner, Graziano da Silva, Kageyama, etc. o ponto de

decolagem da análise destes mesmos autores está fixado numa matéria-prima, encadeada

tanto a montante, como a jusante.

Por outro lado, nesta dissertação adotou-se a definição conceitual de CAI

defendida por Graziano da Silva e Ângela Kageyama por entender que os processos de

modernização e internalização das indústrias de bens de capital voltadas para a agricultura (D1

da Agricultura) possibilitaram compreender a sua completa subordinação aos interesses do

capital industrial, bem como a participação marcante do Estado na consolidação dos

encadeamentos situados nos flancos da produção agrícola. Para analisar o desenvolvimento

local em Mato Grosso do Sul tem-se como foco a ótica do CAI, mas sem perder de vista as

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interações com o ambiente externo, bem como as inter-relações que acontecem no interior do

próprio CAI. Neste ponto, torna-se de fundamental importância delimitar logo de início o

encadeamento técnico e produtivo entre as partes que constituem o CAI em análise.

A determinação do espaço analítico delimitado tem como foco central a produção

da soja em grãos como matéria-prima e ponto de partida da análise. Dessa forma, o limite do

encadeamento de jusante a montante, como visto anteriormente, está restrito, para trás, com a

produção de máquinas equipamentos e insumos modernos e, para frente, com a

agroindustrialização a partir do esmagamento dos grãos de soja. Ou seja, o espaço analítico

está delimitado entre três sistemas (indústrias, propriedades agrícolas e agroindústrias)

intimamente associados entre si, inter-relacionados por três segmentos (industrialização,

produção de matéria-prima e agroindustrialização) e dois mercados: mercado entre os

produtores de máquinas, equipamentos e insumos modernos e os produtores rurais; mercado

entre produtores rurais e agroindústrias esmagadoras de soja.

Vale ressaltar que diante de uma concepção tridimensional, um terceiro mercado

surge entre os produtores de máquinas e equipamentos e agroindústrias. Nesta divisão não

será considerado o segmento denominado de comercialização, ou seja, empresas que estão no

final do encadeamento e que viabilizam a distribuição, o comércio e o consumo de produtos

finais. Os diversos fatores que têm influência sobre a estrutura também devem ser

considerados, pois os limites do sistema permitem relações com o meio ambiente (Figura 2).

Fonte: Adaptado de BATALHA, Mario Otávio, et al., 1999.

FIGURA 1: DELIMITAÇÃO DO ESPAÇO ANALÍTICO E DO ENCADEAMENTO ADOTADO.

MERCADO

MERCADO

PRODUÇÃO DE MÁQUINAS,

EQUIPAMENTOS E INSUMOS

MODERNOS

PRODUÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA

AGROINDÚSTRIA

FATORES

LEGAIS

FATORES

ECONÔMICOS

MECANISMOS

DE

COORDENAÇÃO

FATORES DE

INFRA-ESTRUTURA

FATORES

INSTITUCIONAIS

FATORES

TECNOLÓGICOS

FATORES

AMBIENTAIS

FL

UX

O F

ÍSIC

O

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UX

O D

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OR

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57

Este estudo não tem a pretensão de aprofundar as questões conceituais entre a

definição de Agribusiness introduzida em 1957 por John Davis e Gay Goldberg como forma

de integrar as diversas operações (produção nas unidades agrícolas, armazenamento,

processamento e distribuição de mercadorias) que estavam associadas a outros setores da

economia e não somente à agricultura a partir da matriz e insumo-produto de Leontieff.

Também não foi alvo deste estudo a noção de Commodity System Approach (CSA)

ou Enfoque Sistêmico de Produto utilizado por Goldberg em 1968 para estudar os sistemas de

produção de laranja, trigo ou soja nos Estados Unidos, tendo como ponto de partida o

paradigma de estrutura-conduta-desempenho da organização industrial, onde cada sistema é

estudado em termos da sua lucratividade, estabilidade de preços, estratégia das corporações e

adaptabilidade (ZYLBERSZTAJN, 1995, p. 121).

Da mesma forma, a Analyse de Filières ou Análise de Cadeia, utilizada como

ferramenta pela escola francesa de economia industrial, estando esta sistematizada por

Morvan (1988, p. 247) apud Batalha (1997, p. 26) como “uma sucessão de operações de

transformação dissociáveis, capazes de ser separadas e ligadas entre si por um

encadeamento técnico [...] conjunto de relações comerciais e financeiras que estabelecem,

entre todos os estados de transformação, um fluxo de troca, situado de montante a jusante,

entre fornecedores e clientes [...] conjunto de ações econômicas que presidem a valoração

dos meios de produção e asseguram a articulação das operações”, bem como os conceitos de

Cadeia de Produto e de Cadeia de Produção Agroindustrial (CPA), utilizados por Batalha

(1997) como sinônimos e delimitados a partir de um produto final e a definição de Cadeia de

Produção definida a partir da identificação de uma determinada matéria-prima, estando

também associada à concepção de Complexo Agroindustrial (CAI), só foram consideradas

para exemplificar o fluxo produtivo da soja.

Nesse sentido, não é abordada neste presente estudo a idéia de Supply Chain

Management (SCM) ou Gestão da Cadeia de Suprimentos (abordagem que se aproxima dos

conceitos de CSA e Filière) e que de acordo com os argumentos de Bowersox et al. (1996), o

compartilhamento de informações é visto como forma de melhorar a eficiência nos canais de

distribuição estabelecidos entre os agentes econômicos e são maneiras utilizadas para traçar o

caminho seguido pela soja em grão até chegar à mesa do consumidor final na forma de um

produto acabado, como por exemplo, a margarina.

Apesar destas distinções e tendo como ênfase o processo estabelecido a partir da

interdependência entre os elementos que constituem o CAI, este não pode ser visto como a

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58

simples soma individual das partes que integram os fluxos tecnológico, produtivo, financeiro

e de informações. Deve-se considerar também os diversos agentes, arranjos institucionais e a

articulação entre vários mercados localizados entre as partes e que cumprem um papel

significativo de intermediação. As inter-relações entre as partes do CAI são facilitadas pelo

mercado, gerando mecanismos de propagação e retroalimentação num ciclo constante de

causa-efeito que impossibilitaria uma análise baseada na fragmentação e segmentação dos

encadeamentos de jusante a montante.

Com efeito, segundo Batalha (1997), a lógica de todo encadeamento de uma

cadeia deve iniciar-se de jusante a montante, pois neste sentido, e só neste, o consumidor final

apresenta-se como o indutor das mudanças que acontecem no sistema. Todavia, Batalha

(1997) admite que esta convenção simplifica a análise do sistema, mas reconhece que

unidades industriais também podem ser consideradas, por si só, como agentes inovadores pela

introdução de novas tecnologias e promotores de mudanças. Tais mudanças só serão

sustentáveis ao longo prazo quando forem reconhecidas pelo consumidor a partir de alguma

diferenciação relevante.

No próximo capítulo será enfatizado a participação do Estado na consolidação do

Complexo Agroindustrial (CAI) no Brasil, no Centro-Oeste e em Mato Grosso do Sul. Neste

capítulo procura-se evidenciar que a industrialização voltada para a agricultura, a

modernização no campo e a integração dos capitais industrial e financeiro foram comandadas

pelo Estado.

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CAPÍTULO III

A CONSTITUIÇÃO DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL E O PAPEL DO

ESTADO

3.1. AGRICULTURA MODERNA: A PARTICIPAÇÃO DO ESTADO NO BRASIL E NO

CENTRO-OESTE

Para Serra (1981), a partir da segunda metade da década de 50 até o início da

década de 60 o Brasil passou por um período decisivo de industrialização da sua estrutura

produtiva. Neste relativo curto espaço de tempo instalou-se no país indústrias automotivas, de

construção naval, material elétrico pesado e, sobretudo, indústrias de máquinas e

equipamentos. Ou seja, impulsionada pelo Plano de Metas (1956-1960) do Governo Federal a

industrialização ampliou significativamente os setores de produção de bens de capital. Em

consonância com o processo de industrialização em curso, o Estado envidou esforços para

complementar a estrutura industrial produtiva realizando investimentos em infra-estrutura e

na produção direta de insumos modernos.

Este processo de industrialização e de infra-estrutura de base, ainda que articulado

pelo Estado, esteve sustentado sob o seguinte tripé: capital estrangeiro; empresas públicas;

capital privado nacional. Este último recebeu a proteção direta do Estado sob a forma de

incentivos que beneficiariam as indústrias dos setores de bens de capital e demais

fornecedores das empresas multinacionais aqui instaladas. A participação direta do Estado

pode ser observada na ampliação da produção de aço, petróleo e de energia elétrica.

Entre 1949 e 1959, a formação bruta de capital fixo das empresas com

participação do governo federal quadruplicou como proporção do PIB,

passando, por outro lado, de 3,1 para 8,2 por cento do total da Formação

Bruta de Capital Fixo. Por sua vez, o investimento governamental total [...]

aumentou entre 1956 e 1960 a uma taxa aproximada de 15 por cento ao ano

em termos reais; os gastos governamentais como proporção do PIB

elevaram-se de 15,3 para 17,8 por cento entre 1955 e 1960/61 (SERRA,

1981, p. 76).

Ainda em Serra (1981), o ciclo de expansão capitalista vivenciado no período de

1955-1962, denominado de Ciclo I de Expansão, estivera liderado pelas indústrias

pertencentes aos setores de bens de capital e de bens de consumo duráveis. Esta liderança

pode ser expressa nas altas taxas de crescimento industrial observadas no período de 1955-

1962. Ou seja, neste período os setores de bens de capital e de bens de consumo duráveis

tiveram, respectivamente, taxas médias de crescimento de 26,4% e 23,9%.

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60

Apesar das elevadas taxas de crescimento do setor de bens de capital, sobretudo

nos ramos de máquinas e equipamentos, Serra (1981) afirma que tal setor da indústria não se

completa. Ou seja, o processo de internalização do chamado Departamento I (D1) da

economia não chega a completar-se totalmente. Todavia, o significativo crescimento do setor

de bens de capital, mesmo incompleto, cria mecanismos endógenos capazes de imprimir um

caráter cíclico no processo de acumulação de capital e determinar os períodos de aceleração e

estancamento da economia. Diante deste ponto de vista a internalização já estaria concluída.

Ressalta-se ainda que a agricultura manteve a sua taxa de crescimento constante,

não acompanhando a expansão industrial. Durante o Plano de Metas a agricultura foi

precedida pela indústria, ficando alijada dos investimentos estatais ocorridos no período.

Desde o pós-guerra até o início dos anos 60 a taxa de crescimento da agricultura manteve-se

por volta de 4,5% ao ano. Por outro lado, não foi observada qualquer modificação do padrão

de produção vigente na época; a agricultura continua a produzir de forma extensiva.

Tampouco ocorreu a incorporação de progresso técnico ou alteração na base técnica de

produção agrícola.

Para Serra (1981), entre os anos de 1962-1967 a economia do país passou por um

período de desaceleração, pois a taxa média de crescimento do PIB reduziu-se mais que a

metade. Tal fato deve-se a conclusão do “pacote” de investimentos públicos e de capital

estrangeiro realizados nos anos de 1956/57. Concomitantemente, o fim da demanda reprimida

por bens de consumo duráveis e o excesso de capacidade instalada, o que reduziu o ritmo de

crescimento da formação de capital, repercutiram negativamente em todos os setores da

indústria de transformação.

O grande volume de investimento concentrado no tempo, em projetos específicos e

de relevância relativa proporcionaram uma dissipação das forças que impulsionavam a

expansão. Sob a ótica da tendência cíclica da economia, a desaceleração subseqüente à

expansão ocorrida nos anos de 1955-62 seria inevitável. No entanto, deve-se considerar o

contexto histórico da época: implementação em 1963 do Plano Trienal, concebido a partir de

uma política de estabilização monetária com forte viés contracionista; instabilidade política;

arrochos salariais; inflação. Esta última, impulsionada pela diminuição do prazo para reajustes

dos salários, resistência sindical contra o achatamento do salário real e queda da produção

agrícola decorrente de fatores climáticos ocorridos, principalmente, no centro-sul do país.

Por outro lado, a participação do Estado no processo de modernização e

industrialização da agricultura em Mato Grosso do Sul inicia-se, sobretudo, a partir da metade

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61

da década de 60, quando foram instituídos fundos de financiamento e políticas públicas que

ensejaram a constituição do Complexo Agroindustrial da Soja (CAIS), demais culturas, bem

como produtos de origem animal.

Apesar da desaceleração industrial, a modernização da agroindústria e da

agropecuária foi defendida como prioridade a partir dos governos militares. Deve-se atentar

que esta definição de prioridades estava intimamente relacionada com a necessidade de

estabelecer um fluxo de divisas para o interior da nação a partir da exportação de produtos

primários e outros produtos manufaturados como forma de compensar as transferências de

lucros das empresas de capital estrangeiro recentemente instaladas, bem como as expressivas

importações de bens de produção realizada que, juntas, depredavam o equilíbrio da Balança

de Pagamentos brasileira.

Ressalta-se que até 1965 a atividade agrícola na região de Mato Grosso do Sul

(ainda Estado de Mato Grosso) tinha uma posição secundária, quando comparada à pecuária.

O fraco mercado consumidor interno, o relativo atraso tecnológico e a precariedade da infra-

estrutura voltada para ampliação, armazenagem e escoamento da produção apresentavam-se

como os principais fatores inibidores de investimentos nesta atividade no Estado (uno na

época). As lavouras de arroz, mandioca, feijão e milho, produtos característicos da pequena

produção em Mato Grosso do Sul, estavam presentes e associados ao cultivo tradicional que

era praticado nas áreas de colônia e em solos de matas, recentemente abertos, que por serem

mais férteis, permitiam uma produção extensiva, transitória e ainda muito restrita. A prática

da lavoura não tinha como característica a utilização de grandes propriedades. Estas eram

destinadas à pecuária. Geralmente, as lavouras eram utilizadas em áreas novas, como forma

de baratear os custos das pastagens.

Diante de tal contexto, diversos fundos de fomento foram instituídos em 1964 e 65

tendo como objetivo captar recursos no exterior para incentivar programas e projetos de

modernização agropecuária coordenados pelo Estado.

Dentre os principais fundos de fomento criados em 1964 pode-se citar: Fundo

Nacional de Refinanciamento Rural (FNRR); Fundo de Democratização do Capital de

Empresas (FUNDECE); Fundo de Financiamento para Aquisição de Máquinas e

Equipamentos Industriais (FFAMEI); Fundo de Financiamento à Importação de Bens de

Capital (FIBEP). Em Serra (1981), torna-se importante enfatizar que a internalização da

produção de bens de capital (1955-1962), mesmo que incompleta, não só atenuou

parcialmente os efeitos da desaceleração econômica, transferindo para o exterior parte dos

Page 52: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

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reflexos da crise, mas também remeteu às indústrias que produziriam para a agricultura a

necessidade de estabelecer um novo momento de expansão produtiva direcionada para o

campo. Segundo Tavares et al. (1981), no período de 1965-1973 a participação dos setores

agropecuário e da indústria era, respectivamente, 2,5% e 97,5%. Já no período de 1973-1977,

a agropecuária passa a representar 6,4%, ou seja, um aumento relativo de 156%. Para

Mantega et al. (1979), os principais produtos primários e também manufaturados

contribuíram, no período de 1968-73, com o crescimento das exportações na ordem de 27%

ao ano, o que permitiu um equilíbrio na balança comercial em virtude da crescente importação

de bens de produção. O PIB neste mesmo período cresceu em média 12% ao ano.

Em 1965 foi regulamentado o Fundo Geral para Agricultura e Indústria

(FUNAGRI) que apesar de estar destinado tanto à indústria como à agricultura, financiou esta

última em quase a totalidade dos recursos disponíveis. O FUNAGRI englobava divisas de três

fundos: FUNDECE, FIBEP e FNRR. No final deste mesmo ano foi criado o Sistema Nacional

de Crédito Rural (SNCR). Em 1967 o FUNAGRI passou a integrar o SNCR, consolidando o

sistema de crédito rural no Brasil.

Para Tavares et al. (1981), a industrialização pesada no país ocorreu nos anos de

1959 e 1960 e foi liderada pelos setores de bens de consumo duráveis e de bens de capital.

Dessa forma, observa-se que os fundos criados em 1964-65 estavam atrelados à formação de

capital fixo (bens de capital, máquinas, equipamentos e insumos modernos voltados para a

agricultura) como pressuposto e condição fundamental para modernização agrícola e

agroindustrial. Tal tendência já havia se configurado com a presença das indústrias

pertencentes ao setor de bens de consumo duráveis. Todavia, os resultados aparentes e que

constataram a modernização e industrialização da agricultura só foram visíveis a partir da

segunda metade da década de 70.

Nos anos do “milagre econômico” ou Ciclo II da Expansão, processo de

aceleração ocorrido no período de 1968-73, verificou-se aumento da taxa de investimento nos

setores de bens de capital e de bens de consumo duráveis, bem como investimentos em infra-

estrutura voltados para a agricultura do Centro-Oeste do país. Em 1971, no Governo do

General Médice, por intermédio do Decreto-Lei de nº. 1.192, foi criado o Programa de

Desenvolvimento do Centro-Oeste, denominado de PRODOESTE. Este programa priorizou

investimentos em infra-estrutura de transporte, armazenagem e beneficiamento de grãos,

frigoríficos, obras de saneamento, irrigação e recuperação de terras degradadas.

Page 53: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

63

Embora a liderança dos setores de bens de capital e bens de consumo duráveis

determinasse a lógica da acumulação industrial (estruturação e ampliação da capacidade

industrial produtiva) e repercutisse diretamente sobre o futuro da agroindústria e da economia

como um todo, percebeu-se que o efeito esperado apresentou-se de forma reduzida, quando

comparado à produção industrial da época. Em Tavares et al. (1981) os setores de bens de

capital e de insumos pesados têm como alicerces de sua expansão e acumulação o ritmo

estabelecido pela economia e a capacidade de consumo do parque industrial instalado e

internacionalizado. Ou seja, a aceleração e o crescimento dos setores de bens de capital e de

insumos pesados dependiam das relações capitalistas dentro do mercado comum globalizado,

bem como da capacidade do setor público em investir diretamente em suas empresas estatais

ou em infra-estrutura (energia elétrica e transportes). Tal cenário configurou-se durante o

Plano de Metas. Dessa forma, verificou-se que os setores de bens de capital e de insumos

pesados estiveram a reboque da demanda global (nacional e internacional) e da participação

do Estado a partir de encomendas às empresas estatais. Ou seja, o desenvolvimento destes

setores a partir da década de 60 até a metade da década de 70 estivera muito mais atrelado ao

sub-setor de bens de capital/capital que ao sub-setor de bens de capital/consumo.

Por outro lado, o setor de bens de consumo não-duráveis (têxtil e no caso

específico as agroindústrias processadoras de matérias-primas e produtoras de alimentos

destinados ao consumo final), apesar de participar e aproveitar do período de auge da

expansão, principalmente no segundo ciclo, para aumentar a taxa de acumulação do capital,

sua aceleração não surte reflexos sustentáveis a montante, ou seja, sobre a expansão e

modernização do setor de bens de capital e, sobretudo, no sub-setor de bens de

capital/consumo. O aumento da taxa de acumulação agroindustrial não garante a sustentação

das altas taxas de valorização do capital, pois não tem capacidade de retroalimentar o

processo de expansão e de modernização das indústrias situadas a montante da matéria-prima.

De fato, percebe-se que nos períodos de 1951-52, 1960-62 e 1971-73 o processo

de modernização do parque industrial e a capacidade produtiva estavam direcionados para a

importação de máquinas, equipamentos e insumos modernos, integrados às indústrias têxtil e

alimentar, confirmando o padrão de concorrência internacional vigente.

No período de 1968-73 o setor de bens de consumo não-duráveis representou 41%

da produção em toda indústria de transformação do país. Tal relevância deve ser precedida

pela considerável presença das máquinas, equipamentos e insumos modernos no processo de

produção, como principal componente na função de produção e variável primordial para

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64

explicar as elevadas taxas de crescimento deste setor. Por outro lado, tornava-se

imprescindível equilibrar as contas nacionais frente aos vastos volumes de capital financeiro

que deixavam o país.

Para viabilizar acumulação de capital em escala ampliada, sob a égide do

capital estrangeiro (operando principalmente no setor de bens de consumo

duráveis), e com parte substancial do setor de bens de produção localizado

fora das fronteiras nacionais, foi preciso estabelecer um fluxo de divisas para

dentro do país, de modo a contrabalançar as remessas das empresas

estrangeiras mais as vultuosas importações de bens de produção

(MANTEGA et al., 1979, p. 55)

Para Mantega et al. (1979) a saída encontrada para os problemas da Balança de

Pagamentos foi a implementação de um eficaz programa de exportações baseado em produtos

primários como açúcar, soja, café e minério de ferro. O sucesso deste programa estendeu-se

até o ano de 1973 sustentado por uma política de taxa de juros negativa, isenções de impostos

e demais subvenções concedidas aos exportadores. Segundo Serra (1981), no período de

1968-1980 as exportações de produtos primários em relação à exportação de produtos

industrializados e demais transações especiais teve uma participação média de 61,65% na

composição das exportações totais brasileiras. Nos anos de 1968, 1969 e 1970 a participação

dos produtos primários no total das exportações foi, respectivamente, 79,3%, 77,7% e 74,8%.

Diante de tal composição pode-se dizer que o Governo Militar buscava na expansão da

atividade agrícola voltada para a exportação como componente de uma equação deficitária na

balança comercial em função das crescentes importações de máquinas e equipamentos e

demais bens de produção (Gráfico 1).

GRÁFICO 1: COMPOSIÇÃO DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS – 1968-1980, SEGUNDO IBGE.

ÁREA (Ha) PRODUÇÃO (Ton.) ÁREA (Ha) PRODUÇÃO (Ton.) ÁREA (Ha) PRODUÇÃO (Ton.) ÁREA (Ha) PRODUÇÃO (Ton.) ÁREA (Ha) PRODUÇÃO (Ton.)

ALGODÃO1

45,0 49,0 76,0 82,0 45,0 69,0 67,0 106,0 44,0 73,0

ARROZ2

179,0 181,0 561,0 567,0 501,0 504,0 242,0 324,0 117,0 182,0

FEIJÃO 24,0 11,0 28,0 25,0 50,0 23,0 46,0 30,0 52,0 34,0

MILHO 119,0 138,0 155,0 233,0 108,0 188,0 143,0 327,0 256,0 596,0

CANA3

1,7 30,0 3,6 141,0 11,6 606,0 50,0 3.170,0 67,0 4.193,0

SOJA 15,0 14,0 194,0 272,0 806,0 1.322,0 1.307,0 2.558,0 1.013,1 2.299,7

TRIGO 2,5 1,7 41,0 9,0 122,0 110,0 201,0 318,0 184,0 204,0TOTAL

4359,7 412,0 989,6 1.295,0 1.471,6 2.689,0 1.809,0 6.485,0 1.497,1 7.343,7

Fonte: IBGE, SECAP e CONAB.

(1) Algodão Herbáceo.

(2) Arroz (Sequeiro, Várzeas e Irrigado)

(3) Cana-de-açúcar

19901970CULTURA

(4) No total não estão computados os valores para o trigo e feijão, por serem consideradas culturas de inverno em sucessão às culturas de verão, ocupando a

mesma área.

1975 1980 1985

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65

O auge do ciclo de expansão e do processo de acumulação capitalista ocorre no

período de 1968-73. Neste período é evidenciado pesados e vultuosos investimentos e gastos

do governo em infra-estrutura. Os investimentos estatais concentraram-se nas áreas de

siderurgia, petroquímica, hidroelétrica e mineração, indispensáveis para a garantia e

manutenção do processo de acumulação privada, pois apesar da supremacia monopolista, as

empresas produtivas estatais chegavam a praticar preços menores que o necessário. Estas

empresas estatais canalizavam boa parte de seus investimentos em aquisições de máquinas e

equipamentos produzidos no exterior, tornando o Estado o maior importador de bens de

produção. A partir de 1970-71 o parque industrial começa a apresentar sinais de ociosidade,

por um lado, em função da internalização, montagem ou instalação dos setores de bens de

capital e de bens de consumo não-duráveis ocorrida no período de 1959-60 e, por outro, em

função da sua utilização no período de recuperação (1967-70).

Segundo Oliveira (2003) no período de 1968 a 1974 o setor D1 da indústria (bens

de capital) registrou elevados níveis de investimentos, sobretudo e principalmente, com a

importação de máquinas e equipamentos. Em 1968, 1974 e 1980, o volume de recursos

investidos na aquisição de máquinas e equipamentos foram, respectivamente, US$ 604

milhões, US$ 3,1 bilhões e US$ 3,6 bilhões. Ou seja, a partir de 1974 as importações de

máquinas e equipamentos ficaram estagnadas na casa dos 3,5 bilhões de dólares. Nestes

mesmos anos, a importação de produtos químicos, fertilizantes, metais, materiais plásticos,

borracha e papel, corresponderam respectivamente a US$ 484 milhões, US$ 4,3 bilhões e a

US$ 3,1 bilhões. Este volume de importações ocorrido no período de 1968 a 1974 e destinado

à consolidar o parque industrial nacional retrata o que convencionou-se chamar por “milagre

brasileiro”.

A partir de 1974 é interrompida a capacidade de sustentação do setor de bens de

capital em retroalimentar a demanda interna oriunda dos demais setores industriais. O Estado

perde fôlego, o endividamento do país inviabiliza a manutenção dos investimentos e as altas

transferências de lucros ao exterior, propiciadas pela promíscua relação estabelecida com os

grandes conglomerados monopolistas internacionais que tinham como objetivo expropriar da

parcela crescente do excedente do país, acabam por decretar o período de crise.

Percebe-se que a participação ativa do Estado no processo de modernização e

industrialização da agricultura do Centro-Oeste ocorre com maior ênfase durante as Fases de

Crescimento da economia do país (entre 1955 e 1974), forjada pela internalização dos setores

Page 56: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

66

de bens de produção (indústrias de transformação) em bases nacionais e a partir de

investimentos públicos e privados (estrangeiros e nacionais).

O PRODOESTE, criado em 1971, tinha como objetivos acelerar o

desenvolvimento da região Centro-Oeste, bem como comportar os fluxos migratórios

advindos de áreas densamente povoadas, reduzir o êxodo rural em direção aos grandes centros

e com isso, equilibrar a distribuição demográfica. Para tanto, tornou-se indispensável

interligar o Centro-Oeste ao norte e sul do país a partir da construção de rodovias, garantindo

a integração político-administrativa, aumentando a segurança nas áreas de fronteira com os

países vizinhos e dinamizando o potencial da economia local.

Para atingir seus objetivos, o PRODOESTE conseguiu alocar recursos da ordem

de Cr$ 650 milhões (moeda da época) que atualizados para o ano de 2005, em valores

constantes, estariam por volta de R$ 500 milhões. Para a construção de rodovias e estradas

vicinais foram consumidos cerca de 80% do total dos recursos disponíveis. Os demais 20%

foram alocados na construção de armazéns, silos, usinas, frigoríficos e saneamento.

O PRODOESTE abrangeu os Estados de Mato Grosso (uno à época), Goiás

(também uno à época) e o Distrito Federal. No sul do Mato Grosso, atual Estado de Mato

Grosso do Sul, foram contemplados os municípios de Campo Grande (atual Capital do

Estado), Dourados, Rio Brilhante, Porto Murtinho, Aquidauana, Corumbá, Miranda e Coxim.

Ainda visando o desenvolvimento de áreas específicas e estratégicas do Centro-

Oeste do país, o Governo do General Geisel institucionalizou em 1974 o Programa de

Desenvolvimento do Pantanal (PRODEPAN). O PRODEPAN, segundo a EMBRAPA (1977),

apresentou dificuldades após a sua institucionalização e foi realmente implementado em 1975,

vigorando até 1978. Este programa foi coordenado pela Superintendência de

Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO) e teve a participação executiva de vários

ministérios. O PRODEPAN tinha como objetivo gerar um pólo de desenvolvimento na região

do Pantanal e seu entorno.

Para que a região pudesse conceber as características de um pólo de

desenvolvimento regional foram realizados diversos estudos, pesquisas, assistência técnica e

projetos de infra-estrutura, tendo em vista a construção de rodovias, saneamento, instalação de

energia elétrica, industrialização e crescimento das atividades relacionadas com a pecuária

O PRODEPAN disponibilizou mais de Cr$ 600 milhões (moeda da época), ou

seja, aproximadamente R$ 200 milhões, atualizados para 2005 em valores constantes. Os

financiamentos apresentavam juros de 7% a 15% ao ano, com prazo de amortização máxima

Page 57: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

67

de 12 anos. Com os recursos foram implantados e modernizados vários frigoríficos de

bovinos, ampliaram-se as estradas de acesso, os municípios da região foram beneficiados com

saneamento básico e expansão da rede elétrica. A pesquisa também foi impulsionada, gerando

como resultado a criação da EMBRAPA-UEPAE Corumbá, bem como a ampliação do

programa de assistência técnica do Sistema ABCAR.

Ainda na década de 70, com o objetivo de desenvolver a região Centro-Oeste do

país, bem como promover a modernização das atividades agropecuárias, sobretudo, na

estruturação e fortalecimento das médias e grandes propriedades e empresas agroindustriais,

foi institucionalizado por força do Decreto-Lei nº. 73.320, de 29 de janeiro de 1975, o

Programa de Desenvolvimento dos Cerrados, denominado de POLOCENTRO.

Em 1975, com o apoio do Programa de Desenvolvimento de Cerrado -

POLOCENTRO, a região Centro-Oeste foi objeto de uma acelerada

ocupação. Os incentivos contidos naquele programa proporcionaram a

viabilização, em condições favoráveis, da exploração de uma agricultura

moderna e competitiva. Esses benefícios foram importantes para alavancar a

produção, principalmente da soja cuja área plantada apresentou um

crescimento de cerca de 84% e a produção da soja de 106%, segundo dados

do Censo Agropecuário 1970/80-IBGE (ASSIS et al., 2003, p. 25).

O POLOCENTRO tinha como finalidade incorporar ao cerrado, num período de 4

anos, 3 milhões de hectares voltados para a produção agropecuária. Ou seja, a meta seria

distribuir 3 milhões de hectares produtivos destinando 60% às lavouras e os demais 40% a

serem utilizados com pastagens. As áreas incorporadas abrangeriam o Oeste de Minas Gerais,

Goiás e Mato Grosso (uno á época). Tal programa representou a primeira intervenção direta

do Governo Federal na exploração agrícola, em bases capitalistas, do cerrado brasileiro.

[...] o Polocentro atendeu, principalmente, a médios e grandes agricultores,

81% dos beneficiados operavam fazendas de mais de 200 ha, absorvendo

cerca de 88% do crédito concedido. O Polocentro propiciou a incorporação

de 2,1 milhões de hectares à agropecuária do Centro-Oeste entre 1975 e

1980, só em Mato Grosso do Sul corresponderam a 30,5% desse montante

(MÜLLER, 1989, p. 122).

Os recursos do POLOCENTRO abrangeram os Estados de Minas Gerais, Goiás,

Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Em Mato Grosso do Sul, uma faixa de terra de 500 mil

hectares ao longo da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e situada no eixo Campo Grande –

Três Lagoas, foi inicialmente contemplada e, logo em seguida, a região da Bodoquena, com

Page 58: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

68

150 mil hectares, ao longo da rodovia de ligação entre Aquidauana e Bonito, foi também

beneficiada pelo POLOCENTRO.

O POLOCENTRO contemplou ainda áreas secundárias do cerrado como os

chapadões de São Gabriel do Oeste, das Emas e, finalmente, o chapadão do rio Corrente.

Nestas áreas pode-se afirmar que os impactos do POLOCENTRO deram origem a pólos de

lavoura altamente mecanizados, apesar de não terem sido contemplados com investimentos

em infra-estrutura, mas basicamente em serviços. Os recursos alocados no programa no

período de 1975-1977 foram da ordem de Cr$ 2 bilhões, a preços de 1975. Torna-se profícuo

salientar que em consonância com os objetivos propostos, os recursos do POLOCENTRO

estiveram concentrados em áreas com solos de baixo potencial produtivo (elevada acidez e

baixa fertilidade natural). Esperava-se com isso atingir as metas apregoadas ao programa.

Dessa forma, o POLOCENTRO esteve sustentado pelo seguinte tripé: infra-

estrutura, serviços e crédito rural. Os serviços englobavam assistência técnica e pesquisas.

Esta última esteve voltada para experimentação agropecuária. Do ponto de vista da

modernização, pode-se dizer que o POLOCENTRO possibilitou a mecanização agrícola,

eletrificação rural, projetos de reflorestamento, construção de estradas vicinais e de acesso a

propriedades, beneficiamento e industrialização da produção agrícola, estímulo à prospecção

de calcário e outros insumos agrícolas, aquisição de veículos, embarcações e aeronaves,

organização de sistemas de comercialização e de produção, bem como regularização

fundiária.

Por outro lado, pode-se aventar que o sucesso do POLOCENTRO poderia ser

ampliado caso os recursos aplicados estivessem destinados às áreas com maior potencialidade

produtiva. O programa perde seus efeitos aceleradores a partir do início dos anos 80, pois a

relação custo versus benefício ficou prejudicada em função da ineficiência produtiva

apresentada em algumas áreas que receberam expressivos investimentos.

Apesar dos bons resultados apresentados pelo POLOCENTRO, o desempenho

relativo do programa frustrou as expectativas dos técnicos. Esta deficiência deve ser atribuída

ao baixo potencial de fertilidade natural das terras contempladas, fiscalização deficiente e

correção monetária dos recursos inferior ao processo inflacionário verificado na época.

Verifica-se ainda que o Governo Militar apostou num modelo produtivista, baseado no

fortalecimento das médias e grandes propriedades rurais, tendo em vista a geração de um

excedente destinado para a exportação como forma de compensar as transferências de lucros e

as importações de bens de produção. Tal modelo concentrou o capital (industrial e rural) em

Page 59: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

69

detrimento do trabalho e ainda ajudou a consolidar nos cerrados uma estrutura fundiária

baseada nas médias e grandes porções de terra.

3.2. A CONSTITUIÇÃO DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL NO BRASIL

Para Kageyama et al. (1988), a mudança da base técnica da produção agrícola no

Brasil inicia-se a partir dos anos 70. Em Silva (1989), o período de 1930-65 antecede esta

mudança, pois durante esses anos dar-se-á a integração dos mercados domésticos de

alimentos, trabalho e matérias-primas, concomitantemente com a constituição da indústria

pesada brasileira acelerada em 1955. Neste período, 1930-65, a supremacia do capital

cafeeiro, possibilitada pelo processo de substituição de importações e sobrevalorização da

moeda, visualiza a oportunidade de diversificar a sua reprodução utilizando o excedente

gerado nas operações de câmbio para investir na industrialização nascente no país.

Para Delgado (1985) apud Silva (1989), o regime de taxas múltiplas de câmbio

instaurado no país em 1953, o mecanismo de transferências das cambiais de exportação

agrícola (na maioria decorrente da exportação do café) para a importação de bens de

produção, máquinas, equipamentos e insumos modernos e a proteção tarifária (favorecida pela

política de licenças cambiais) para incentivar a recente industrialização são características da

política macroeconômica vigente no período de 1946 a 1957, utilizada para garantir a

rentabilidade perdida pela elite do café em função da crise de 1930. Ou seja, com o processo

de substituição de importações e o surgimento de atividades urbanas e industriais no seio da

economia, o capital agrário cafeeiro e exportador vislumbra uma nova chance de continuar a

sua ávida reprodução, sobretudo, facilitada pela intervenção do Estado no âmbito

macroeconômico.

Do ponto de vista da produção, com a constituição dos CAI em substituição aos

Complexos Rurais (produção agrícola sem o uso de máquinas e equipamentos, a produção de

sementes e insumos, bem como a integração agricultura-pecuária acontecia no interior da

própria propriedade rural) a dinâmica da agricultura sofre uma mudança significativa. As

análises compartimentada e setorizada da agricultura não conseguem mais explicar os

diversos determinantes que constituem a sua nova dinâmica. A complexidade do sistema

produtor agrícola, articulado para trás e para frente com os variados setores industriais, impõe

ao Estado novas implicações decorrentes deste novo estágio da acumulação capitalista.

Page 60: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

70

Numa perspectiva histórica, a milenar prática da agricultura, antes do

término da 2ª Guerra Mundial, sempre foi conduzida sem o recurso a

insumos químicos e a maquinarias pesadas com tração mecânica, pois os

equipamentos funcionavam à tração animal. O sistema agrícola era

diversificado e havia integração entre agricultura e pecuária. O agricultor

produzia sua própria semente e insumos necessários (ROEL, 2002, p. 57).

Para Silva (1989), os Complexos Rurais tinham características endógenas por

estarem delimitados de forma setorizada e voltados para si próprios, ou seja, os produtores de

matérias-primas utilizavam os insumos naturais disponíveis, como a terra e a água, produziam

suas próprias sementes, fertilizantes e adubos orgânicos, não possuíam máquinas e

equipamentos modernos, bem como distribuíam seus produtos finais para o consumo direto.

Este corte setorial analítico primava pela disjunção agricultura-indústria,

entendidas como compartimentos isolados, mas pertencentes à economia como um todo, ou

seja, os setores primário (agricultura), secundário (indústria) e terciário (serviços)

apresentavam-se como agregados macroeconômicos separados uns dos outros, mas

homogêneos internamente.

Os clássicos modelos a dois setores – agrícola e não-agrícola – ou a três

setores – primário, secundário e terciário – acabam não dando conta da

dinâmica geral da economia, ou seja, do movimento concreto de acumulação

de capital e da inserção e subordinação da agricultura a esse movimento,

dentro de uma perspectiva histórica [...]é reducionista a análise que coloca a

agricultura em um setor estanque da economia, imputando-lhe funções ditas

clássicas: „produção de alimentos e matérias primas‟; liberação de mão-de-

obra e capitais para outros setores‟; „geração de excedente exportável, para o

equilíbrio do balanço de pagamentos‟ [...] a análise funcionalista da

agricultura mascara o entendimento dessa dinâmica mais geral [...] não

apreende as especificidades históricas verificadas no processo de

desenvolvimento capitalista e, dessa forma, não capta as mudanças nele

ocorridas, não apenas na base técnica de produção, como também nas novas

relações sociais que engendram (CASTANHO FILHO, 1988, p. 3-4).

Segundo Silva (1989), com o surgimento dos CAI os interesses distintos entre os

capitalistas industriais de um lado e os grandes produtores agrícolas de outro tornam-se

convergentes em virtude da integração de capitais. No passado, a oligarquia cafeeira, a partir

dos excedentes gerados pela monocultura predominante, financiava os bancos, investimentos

em infra-estrutura, logística, vias de acesso e indústrias. Com a constituição dos CAI os

grandes fazendeiros e produtores de soja, laranja, cana, café, passam a financiar qualquer

ramo da atividade produtiva (bancos, companhias de transporte, indústrias) que apresentasse

lucratividade. A agricultura é transformada num ramo de aplicação a comando do capital

Page 61: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

71

integral e, na essência do CAI, do capital industrial, que de um lado vende-lhe insumos

(montante) e de outro (jusante) compra a matéria-prima a ser industrializada.

Observa-se que com o advento da integração de capitais, a agricultura, a indústria

e o mercado financeiro tornam-se facetas do grande capital. Neste momento, o mercado de

terras representa mais uma alternativa de valorização deste capital ora integrado.

Com a desarticulação dos Complexos Rurais e constituição dos CAI a agricultura

perde seu caráter regulatório que se dava entre a produção para os mercados interno e externo.

A nova dinâmica dos CAI, sobrepondo-se e solapando a moribunda estrutura agrícola

setorizada e autônoma, força o Estado a intervir nos diversos CAI já constituídos, na tentativa

de regular o mercado e formular políticas específicas para limitar a rentabilidade dos capitais

envolvidos nos diversos ramos interligados, bem como fixar preços e margens de lucro para

os produtos intermediários, definir cotas para exportação e ainda fiscalizar um novo mercado

com marcantes características monopolistas.

Diante desta necessidade de intervenção Estatal, o discurso das lideranças

econômicas do país (principalmente a parcela rural) indicava que as forças do mercado já

seriam suficientes para garantir a eficiência econômica na alocação das decisões privadas. As

políticas públicas lançadas no interior dos CAI começam a sofrer pressões de todos os lados.

Os diversos capitais (agrário, agrícola, industrial, financeiro) acabam por capturar importantes

segmentos do Estado. Esta feudalização3 do Estado tem como resultado o direcionamento das

políticas públicas em benefício do capital. O que deveria ser uma intervenção do Estado

keynesiano com o propósito de regular e corrigir as imperfeições do mercado, refletindo no

aumento do emprego e da renda, consolida-se como um novo território capturado pelas

burguesias agrária, agrícola e agroindustrial, tornando-o num espaço fragmentado, setorizado

e indutor da reprodução do capital e dos múltiplos interesses privados.

Segundo Silva (1998), a unidade do sistema, reunida por diversas atividades

presentes no CAI, reside na seguinte condição: todos os elos do complexo são instrumentos

de valorização do capital e possuem algum tipo de regulamentação macroeconômica. Esta

complexa realidade desemboca numa intrincada rede de relações de interesses, que segundo

Delgado (1985) e Lamounier (1994), prevalece a participação do capital industrial, do Estado

e dos grandes agricultores. Os diversos setores que integram os CAI submetem o Estado à

consecução dos seus objetivos.

3 O termo feudalização ou balcanização sugere o controle, a captura de parte do aparato e demais instrumentos do Estado por grupos de

interesses privados em função da reprodução do capital, direcionando as políticas públicas em prol de determinações particulares.

Page 62: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

72

Na verdade, esta baucanização do Estado realizada por setores industriais tinha

como estratégia incentivar a industrialização de mercadorias interligadas a jusante da

produção de matérias-primas oriundas do campo. Por outro lado, os setores agrícolas/agrários

e os próprios setores industriais gritavam pela modernização da agricultura sob os auspícios

da expansão da indústria de máquinas, equipamentos e insumos modernos (D1 da agricultura)

situada a montante da produção de matéria-prima agrícola/agrária. As pressões exercidas

sobre o Estado decorriam da preocupação dos setores industrial e agrícola em aumentar a

oferta de matérias-primas. A indústria de bens de produção voltada para a agricultura deveria

receber os mesmos investimentos concentrados na internalização do D1 industrial. O caráter

complementar da internalização do D1 industrial favoreceu a própria internalização do D1 da

agricultura, ocorrida nos anos 60. O capital internacional, industrial e oligopolista ligado à

indústria de tratores, máquinas e insumos modernos aproveitou as condições conjunturais da

época e dos crescentes incentivos fiscais e transferiu suas plantas industriais para o país.

Para Kageyama et al. (1983), a modernização da agricultura no Brasil, ocorrida na

década de 70, esteve sustentada sobre dois pilares fundamentais: utilização de fertilizantes e

defensivos químicos (quimificação) e adoção de tratores (mecanização). Vale enfatizar que

segundo Müller (1981) apud Castanho Filho (1988), o CAI não existia no país até 1970, pois

os setores industriais que produziam para a agricultura não estavam consolidados enquanto

indústrias internalizadas em bases nacionais. No que se refere ao número de tratores utilizados

nas propriedades agrícolas na década de 70, este multiplicou-se por três, passando de 166 mil

para 531 mil unidades. Enquanto que o uso de defensivos agrícolas registrou uma taxa de

crescimento de 7,2% ao ano. O consumo de fertilizantes cresceu quatro vezes mais, mantendo

uma taxa geométrica real média de 15,5% ao ano.

Para o MCT (1993) o processo de modernização da agricultura impulsionou a

indústria de defensivos agrícolas, principalmente, no período de 1970 a 1984. A

internalização desta indústria foi resultado da implantação do Plano Nacional de Defensivos

(PNDA) durante os anos de 1975-79. Com o advento do PNDA, investimentos diretos,

realizados por empresas de capital estrangeiro e líderes no mercado mundial de defensivos,

possibilitaram a internalização completa da indústria química no país a partir da produção

local de ingredientes ativos indispensáveis à elaboração de inseticidas, fungicidas e

herbicidas.

Segundo o MCT (1993) o sucesso da internalização da indústria de defensivos é

decorrente do tamanho das propriedades produtivas e incentivos à produção (tarifas

Page 63: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

73

alfandegárias e câmbio favoráveis às importações). Até 1980, a internalização contou com

investimentos da ordem de US$ 200 milhões, sobretudo com experimentos e demais

pesquisas.

A forma de internalização, voltada para a produção dos chamados “princípios

ativos”, estimulou a vinda de empresas líderes no mercado internacional. Estas empresas, ao

se instalarem no país, tiveram a oportunidade de definir o segmento de maior lucratividade.

Por outro lado, a segmentação do mercado, apesar de fomentar uma base produtiva

relativamente estável, acirrou a competição. Muitas empresas aumentaram as importações de

novos produtos, geralmente protegidos por patentes. Atualmente, a estrutura do mercado

revela que as empresas da capital multinacional detêm 80% de todo o faturamento do setor,

enquanto que as empresas nacionais disputam os 20% restantes, pois ofertam produtos

genéricos e banalizados, passíveis de fácil produção e de livre concorrência.

Segundo Kageyama et al. (1983), tomando-se o ano de 1970 como ano base

(base: 1970=100), no período de 1971 a 1980 os índices de consumo de inseticidas,

fungicidas, herbicidas e fertilizantes no Brasil foram, respectivamente, 96 e 114; 149 e 472;

147 e 829; 117 e 421. Conforme estudo do MIC (1993), entre 1970 e 1984, período áureo da

industria química no país, a taxa média de crescimento anual, em dólares constantes, ficou em

torno de 10%. Destaca-se o segmento de herbicidas que cresceu 13,5% ao ano. Entre 1983 e

1987 o mercado cresceu, em média, 9,4% ao ano, com aumento da dispersão entre as taxas de

aceleração verificadas dentre os diversos segmentos. Apesar da crescente evolução do

consumo, a sua utilização estava concentrada nas maiores propriedades.

De acordo com Paschoal (1983) apud Roel (2002), de 1964 a 1979 o consumo de

fertilizantes minerais solúveis aumentou em 1.243% e de pesticidas 421%. Seguindo esta

mesma tendência, a utilização de máquinas agrícolas aumentou no mesmo período 389%.

Ressalta-se que apesar do exorbitante aumento no consumo de fertilizantes, inseticidas e

máquinas agrícolas, a produtividade agrícola, aferida pela média de 15 culturas, ficou em

4,9%.

A tratorização também seguiu esta tendência, pois na metade da década de 70

menos de 5% das propriedades possuíam tratores. Além disso, a concentração regional

também apresentava-se como uma característica da modernização. Para Castanho Filho

(1988), o uso de tratores na agricultura multiplicou-se por três entre 1970 e 1980, ou seja,

passou de 165.870 unidades utilizadas em 1970 para 528.000 em 1980, reduzindo a área

cultivada por trator. Por outro lado, tomando-se como base os dados dos Censos

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Agropercuários de 1970 e 1975, Castanho Filho (1988) afirma que a concentração no uso de

tratores também aumentou, pois em 1975 os estados de São Paulo, Paraná, Rio Grande do

Sul, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio de Janeiro possuíam 60% da frota nacional.

Pode-se ainda afirmar, segundo os dados da Associação Nacional dos Fabricantes

de Veículos Automotores (ANFAVEA, 2005) para as décadas de 60 e 70, que a produção de

máquinas automotivas no país voltadas para a agricultura teve uma taxa de crescimento médio

de 28,23%. Nas duas décadas foram produzidas 698.795 unidades, sendo 560.416 de Tratores

de Rodas (80%), 68.359 de Cultivadores Motorizados (10%), 29.818 de Tratores de Esteiras

(4%), 24.673 de Colheitadeiras (4%) e 15.529 de Retroescavadeiras (2%). Em 1976 foi

atingido o pico produtivo com 82.632 unidades. Neste ano a produção de Tratores de Rodas

representou 78% do total de unidades. O período de aceleração ficou compreendido entre os

anos de 1969 e 1976 (pico). Quando comparada a produção entre estes dois anos pode-se

verificar que a taxa de crescimento ficou em 593,28%, ou seja, passando de 11.919 unidades

produzidas em 1969 para 82.632 em 1976. Ressalta-se que em 1960 o país produzia apenas

Tratores de Rodas (37 unidades), passando a produzir em 1961 Cultivadores Motorizados. Em

1966 foi adicionada à produção Tratores Esteiras, em 1969 Retroescavadeiras e seis anos mais

tarde, unidades de Colheitadeiras, refletindo não só o pico da produção, mas também a

internalização completa do D1 para a agricultura (Tabela 1).

TABELA 1: PRODUÇÃO DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS AUTOMOTRIZES - 1960-

1980.

Ano Algodão Arroz Feijão Milho Soja Trigo Total Soja/Total

1990 41 117 29 157 967 524 1.835 52,73%

1991 40 136 30 144 897 377 1.622 55,28%

1992 30 160 24 133 820 329 1.496 54,80%

1993 27 132 17 144 937 272 1.529 61,26%

1994 24 181 29 138 1.128 267 1.768 63,83%

1995 25 164 25 129 867 232 1.442 60,12%

1996 13 96 14 169 743 219 1.255 59,19%

1997 8 123 23 166 911 246 1.476 61,71%

1998 8 97 20 148 805 187 1.264 63,67%

1999 13 129 24 170 962 211 1.509 63,74%

2000 15 163 14 177 795 212 1.376 57,78%

2001 10 110 11 172 824 196 1.323 62,28%

2002 10 84 15 233 829 270 1.439 57,58%

TOTAL 263 1.691 274 2.078 11.484 3.543 19.334 59,40%

Fonte: ABRASEM – Associação Brasileira dos Produtores de Sementes (www.abrasem.com.br).

Page 65: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

75

O uso de defensivos, fertilizantes químicos e tratores em grandes propriedades

pode ser explicado pelo aumento da concentração da estrutura fundiária. Para Hoffmann

(1986) apud Buainain et al. (1987) o Índice de Gini de distribuição fundiária cresceu de 0,84

em 1970 para 0,857 em 1980 e o número de pequenos estabelecimentos caiu de 2,9% para

2,4% neste mesmo período em relação à participação na área total recenseada.

Para Buainain et al. (1987), ao longo da década de 70 a modernização da

agricultura aumentou em taxas crescentes, pois a quantidade de tratores por 1.000 pessoas

ocupadas subiu de 8,9 em 1970 para 23,8 em 1980, a área cultivada por trator diminuiu de

1.483 para 572 ha e o consumo de fertilizantes passou de 999 mil toneladas/ano para 4.066

mil toneladas/ano. Por outro lado, esta visível modernização esteve associada à concentração

fundiária e à produção monopolista voltada para a exportação, deslocando e inibindo a

produção de alimentos tradicionais que abasteceriam o mercado interno, acelerando o cultivo

de lavouras tecnologicamente mais modernas, destinadas ao mercado externo e atreladas a

jusante, ou seja, vinculadas às agroindústrias beneficiadoras. No período de 1970-79 verifica-

se um acelerado crescimento da produção de culturas destinadas à exportação em detrimento

dos produtos consumidos no mercado interno. As produções de soja e laranja cresceram

ditadas por um ritmo elevadíssimo; a primeira apresentou uma taxa de crescimento de 22,47%

ao ano e a segunda 12,57%. As lavouras de feijão e mandioca tiveram taxas negativas de

crescimento ao longo de todo o período, respectivamente, -1,9% e -2,9%. O arroz (1,46%),

milho (1,75%), batata (3,73%), cebola (9,27%) e trigo (6,89%) tiveram um crescimento

relativo muito inferior às taxas alcançadas pelos produtos exportáveis.

A produção agropecuária na década de 70 teve seu desempenho marcado por

três características principais: um crescimento muito pequeno ou mesmo

negativo dos produtos tecnologicamente tradicionais ou para o mercado

interno, notadamente os alimentos básicos, como arroz, feijão, mandioca e

milho; um crescimento acelerado das culturas modernas, geralmente

exportadoras e vinculadas às agroindústrias (soja, laranja, cana-de-açúcar, e

da produção de suínos, aves e leites, ou seja, dos setores da pecuária que

também se modernizaram rapidamente [...]; um crescimento da proporção da

produção exportada em relação à produção total (KAGEYAMA et al., 1983,

p. 541-542).

Ainda em Kageyama et al. (1983), a dinâmica modernização da produção agrícola

ocorrida na década de 70 esteve condicionada aos interesses do capital. Este, por sua vez,

atuou em três vertentes básicas: disponibilizando o acesso à tecnologia na produção da

Page 66: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

76

matéria-prima, no processamento e beneficiamento agroindustrial e na exportação de ambos

os produtos.

O descompasso entre produção de alimentos voltados para o mercado interno e os

exportáveis, os benefícios dos avanços tecnológicos (novos insumos e mecanização do

processo produtivo) privilegiando somente os grandes produtores, concentração de

investimentos em grandes empresas e propriedades agrícolas, a estrutura fundiária também

concentrada em grandes porções de terra e intensificação do complexo agroindustrial visando

às culturas de exportação são características da “modernização conservadora” ocorrida nos

anos 70.

A agricultura moderniza-se, mas a estrutura produtiva rural continua conservada.

Os capitais, nacional e internacional, industriais, agrícolas e agrários, público e privado,

concentrados, articulados e interligados numa mesma base de reprodução, multideterminada,

heterogênea e complexa, característica interna do CAI, criariam o seu próprio ciclo de

acumulação capitalista, sustentada por uma política de crédito rural fortemente subsidiada.

Do lado da indústria, criava-se um mercado cativo para as máquinas,

equipamentos e insumos produzidos. Do lado dos produtores rurais,

financiavam-se, a prazos relativamente longos e juros reais negativos, os

elementos necessários à transformação na base técnica da produção

agropecuária (capital fixo e circulante), bem como as próprias necessidades

monetárias criadas pela modernização das relações necessárias para que a

incipiente política de modernização agropecuária, impulsionada no pós-

guerra com a importação de máquinas, equipamentos e insumos químicos,

desembocasse na própria industrialização da agricultura (SILVA, 1989, p.

316-317).

Com a internalização definitiva do D1 da agricultura os interesses privados foram

deslocados para um novo momento de valorização do capital. A articulação dos novos

interesses dava-se em torno do estancamento das importações de máquinas, equipamentos e

insumos modernos pelos agricultores, viabilizadas por uma política cambial seletiva, e do

rápido fortalecimento de um mercado interno cativo para os iminentes produtos ofertados no

país pelos recentes oligopólios internacionais instalados em base nacional.

Para conciliar a necessidade dos agricultores na aquisição de máquinas,

equipamentos e insumos modernos, a consolidação do mercado interno para estes bens de

consumo duráveis e o retorno do poder regulador macroeconômico do Estado,

institucionalizou-se no país, com a aprovação da Lei nº. 4.829, de 5 de novembro de 1965,

regulamentada pelo Decreto nº. 58.380, de 10 de maio daquele mesmo ano, o Sistema

Page 67: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

77

Nacional de Crédito Rural (SNCR), dando início a uma política monetário-financeira

expansionista. Com o SNCR a modernização da agricultura foi financiada a taxas de juros

subsidiadas e a prazos longos. Esta expansão financeira foi possibilitada pela transferência

compulsória de uma percentagem sobre os depósitos à vista dos bancos. Segundo as

Resoluções de nºs. 69/67 e 260/73, do Banco Central do Brasil (BC), os bancos comerciais

estariam obrigados a aplicar, respectivamente, 10% e 15% dos depósitos à vista no crédito

rural, sob pena de recolhimento compulsório caso o percentual mínimo exigido durante a

vigência das resoluções não fosse atingido.

Na institucionalização do sistema nacional de crédito rural, em 1965, foram

definidos os seguintes objetivos:

a) estimular o incremento ordenado da produção e a comercialização de

produtos agropecuários;

b) possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais,

notadamente pequenos e médios; e

c) incentivar a introdução de métodos racionais de produção (GOMES,

1986, p 36).

A parte dos recursos não utilizados pela agricultura foi canalizada para o Banco

Central do Brasil na conta do FUNAGRI e destinado às agroindústrias. Com estes recursos o

BC repassava aos bancos recursos obtidos em variadas fontes. Com o FUNAGRI os agentes

financeiros favorecidos obtiveram ganhos mínimos de 5% ao ano.

Em Pinto (1981), em 1969 foram aplicados pelo SNCR na agricultura e na

agropecuária 6,5 bilhões de cruzeiros. Em 1979 foram investidos nestas atividades, em

valores constantes de 1969, 33 bilhões de cruzeiros. Ou seja, em 10 anos observa-se um

aumento de mais de 500% nos investimentos.

O volume de recursos justifica-se em razão das crescentes transformações

ocorridas na economia do país, sobretudo, a internacionalização da produção; concentração de

renda e da terra; concentração e centralização do capital; reforma do sistema financeiro;

processo de urbanização. Por outro lado, estas transformações irão exigir da agricultura uma

reorganização produtiva e um novo momento histórico para assegurar a reprodução do capital.

Para tanto, a agricultura deveria atender aos seguintes interesses: deslocar a produção para o

mercado externo em detrimento do mercado interno; produzir insumos para as agroindústrias

a jusante do encadeamento e consolidar o mercado cativo; agregar valor aos produtos tendo

em vista atender uma fatia do mercado concentrador de renda.

Page 68: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

78

Ainda em Pinto (1981), além de ter apresentado no período de 1969-1979 uma

significativa variação positiva na alocação dos recursos, o crédito rural no país foi concedido

a taxas de juros inferiores à inflação (Tabela 2). Enquanto o comportamento médio do IGP-DI

no período 1970-1980 foi de 40,06% a taxa média de juros do crédito rural neste mesmo

período esteve em 13%. Ou seja, os financiamentos realizados no período apresentaram taxas

médias de juros reais negativas de 27,5%, caracterizando uma transferência dos recursos da

sociedade em benefício de um grupo relativamente pequeno quando comparado ao Censo

Agropecuário de 1975, que registrava neste mesmo ano um total de 5 milhões de

estabelecimentos rurais no país e, em contrapartida, o número de contratos firmados no SNCR

ficava em torno de 2 milhões.

TABELA 2: IGP-DI ANUAL MÉDIO E TAXAS MÉDIAS DE JUROS DO CRÉDITO

RURAL NO BRASIL – 1970-1980

Percebe-se que em 1980 a taxa média de inflação, medida pelo IGP-DI, chegou a

110,20% ao ano e a taxa média de juros 20%. Esta diferença de 90,20 pontos seria equivalente

ao subsídio apropriado pelo grande produtor rural e financiado pela sociedade como um todo.

Por outro lado, a justificativa do governo baseava-se na crença que os pesados tributos

oneravam sobremaneira o setor rural, o que comprometeria o retorno esperado do

investimento. O crédito rural deveria ser subsidiado para compensar o baixo retorno dos

investimentos impostos às atividades agrícolas. Em busca de maiores facilidades, os

agricultores aderiram aos chamados “pacotes tecnológicos” que vinculavam a adoção de

novos equipamentos, máquinas e insumos modernos aos empréstimos subsidiados. Os preços

dos tratores, equipamentos e insumos modernos foram artificialmente reduzidos quando

atrelados aos créditos altamente subsidiados.

ANO IGP-DI (%) TAXA MÉDIA DE JUROS (%) VARIAÇÃO ABSOLUTA RELAÇÃO PERCENTUAL

1970 19,3% 11,3% -8,00 58,55

1971 19,5% 11,3% -8,20 57,95

1972 15,7% 12,1% -3,60 77,07

1973 15,5% 12,1% -3,40 78,06

1974 34,5% 10,8% -23,70 31,30

1975 29,5% 10,8% -18,70 36,61

1976 45,3% 10,7% -34,60 23,62

1977 38,8% 11,2% -27,60 28,87

1978 40,8% 15,0% -25,80 36,76

1979 77,2% 18,0% -59,20 23,32

1980 110,2% 20,0% -90,20 18,15

Fonte: FGV/BACEN

Page 69: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

79

Os financiamentos tinham naturezas diversas e contemplavam recursos para

despesas de custeio, instalações, máquinas, equipamentos e comercialização. Porém,

verificou-se que um único estabelecimento tinha vários contratos, principalmente as grandes

propriedades, que firmaram mais de vinte contratos com o SNCR. Para Pinto (1981), cerca de

20% dos agricultores brasileiros foram beneficiados com o crédito rural e destes a

participação em relação à quantidade de contratos e ao valor concedido também esteve

concentrada na grande propriedade.

Os pequenos produtores, no caso dos financiamentos para a agricultura,

diminuíram sua participação de 90,05% no número e 34,13% no valor, em

1966, para 73,73% e 11,38%, respectivamente, em 1976. Ao mesmo tempo,

os granes produtores passaram de 0,44% no número e 20,27% no valor dos

contratos, em 19666, para 3,34% e 53,53%, em 1976 (PINTO, 1981, p. 69).

A política de crédito no período de 1973-1977 também apresentou como

característica marcante a concentração do crédito por produtos. Esta análise da concentração

do crédito rural por produtos pode ser verificada em função da relação entre o valor bruto da

produção (VBP) e o valor total de créditos (VTC) concedidos para custeio agrícola. No caso

da soja, cana e trigo, o volume de crédito concedido é superior a sua participação no valor da

produção. Já a mandioca, o milho e o feijão, receberam um montante de crédito rural muito

inferior ao valor da produção total. Em termos absolutos, verifica-se ainda que o segundo

grupo de culturas recebeu 30% a menos do valor destinado ao primeiro grupo.

Sobejam informações no Banco do Brasil e outras reveladas pelo Censo

Agropecuário de 1975 indicando que os grandes proprietários e terras, entre estes, os maiores

mutuários do SNCR, não utilizavam os recursos nas atividades produtivas e aplicavam o

capital no mercado financeiro, bem como na aquisição de novas porções de terra. Tal

ilegalidade contribuiu para que o valor total da produção estivesse sempre menor que o

volume de crédito investido. O crédito destinado à agricultura foi desviado para outros setores

não-produtivos e voltados para a especulação imobiliária e, sobretudo, aplicados em ativos

disponíveis no mercado financeiro, como letras de câmbio, caderneta de poupança, etc. Ou

seja, ativos financeiros e aplicações de baixo risco, mas de retorno, embora pequeno, mas

relativamente seguras e de maiores liquidez quando comparadas à aplicação na agricultura,

que pode gerar altos retornos impregnados por elevados riscos de prejuízo e cercada por

incertezas.

Page 70: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

80

À medida que as taxas de juros praticadas pelo SNCR tornam-se ainda mais

inferiores às do mercado, a demanda por crédito aumenta em proporções nunca imaginadas,

superando a oferta e obrigando o Estado a intervir no mercado financeiro para evitar a

restrição do crédito. Os bancos foram judicialmente obrigados a destinar parte dos seus

próprios depósitos à vista para atender as necessidades financeiras do setor agrícola. Por outro

lado, os bancos comerciais passaram a exigir dos seus clientes algumas garantias, ou seja, a

posse da terra, o tipo de produção (agrícola ou pecuária), o grau de tecnificação e a

produtividade a ser alcançada. Mais uma vez os grandes proprietários foram privilegiados,

pois possuíam as melhores garantias. Por outro lado, os custos administrativos do banco

seriam reduzidos concedendo grandes volumes de empréstimo por contrato celebrado.

Para Pinto (1981) e segundo os dados disponíveis no Ministério da Agricultura e

no Banco Central do Brasil para os anos de 1973-1977, a soja e o feijão, quando comparados,

apresentam profundas desigualdades na relação entre valor bruto da produção e o valor total

de créditos. No caso do feijão o valor bruto da produção é em média 1,4 vezes maior que o

valor total de créditos absorvidos. Para a soja a relação é inversa, pois esta tem, em média, um

valor total de créditos recebido 3,2 vezes maior que o valor bruto da produção (Tabela 3).

TABELA 3: PARTICIPAÇÃO PERCENTAL NO VALOR BRUTO DA PRODUÇÃO

(VBP) E NO VALOR TOTAL DO CRÉDITO (VTC) DE SOJA E FEIJÃO NO BRASIL

– 1973-1977

Nos anos de 1974, 1975 e 1976 a participação da região Centro-Oeste na geração

do produto agrícola e no total de créditos rurais recebidos manteve-se numa proporção média

equilibrada, pois para cada valor recebido na forma de crédito era gerado um valor um pouco

menor em termos de produção. Nos anos de 1973 e 1977 o inverso tornou-se também

verdadeiro (Gráfico 2). Nas regiões Sul e Sudeste o desequilíbrio configurou-se como uma

constante. Ao longo dos 5 anos o montante de recursos de crédito rural investido foi superior

a valor bruto da produção. Já as regiões Norte e Nordeste tiveram ao longo de todo o período

uma situação contrária, ou seja, o valor da produção foi maior que o volume de crédito

recebido. Ressalta-se ainda que 80% do crédito e 90% da produção estiveram concentrados

nas regiões Sul e Sudeste do país.

VBP VTC VBP VTC VBP VTC VBP VTC VBP VTC

SOJA 7,93 14,56 10,96 16,88 13,52 17,39 15,41 19,18 16,05 19,12

FEIJÃO 7,64 2,59 6,7 1,89 6,61 1,4 5,38 1,85 6,26 3,2

Fonte: Ministério da Agricultura e Banco Central do Brasil. Adaptado de Pinto (1981, p. 73).

PRODUTO1973 1974 1975 1976 1977

Page 71: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

81

GRÁFICO 2: PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL DA REGIÃO CENTRO-OESTE NA

PRODUÇÃO AGRÍCOLA (VBP) E NO CRÉDITO (VTC) – 1973-1977, SEGUNDO O

MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E O BANCO CENTRAL DO BRASIL.

Pinto (1981) revela que em relação ao montante de recursos oriundos do crédito

rural destinado às regiões do Brasil no ano de 1979, a região Centro-Oeste foi a maior

beneficiada percebendo em média Cr$ 367.085,00 (moeda da época) por contrato firmado,

quando a média no país foi de Cr$ 195.690,00. Na década de 70 a região Centro-Oeste

confirmou a sua hegemonia creditícia em função da instalação de grandes empresas

agroindustriais e às facilidades de financiamento em virtude da institucionalização dos

programas de desenvolvimento, principalmente o POLOCENTRO. Em 1980 o volume total

de crédito no país chegou a 880 bilhões de cruzeiros.

No final da década de 70 o SNCR consolida-se como a principal fonte de recursos

utilizada para aquisição de insumos modernos, máquinas e tratores. No tocante das empresas

de capital internacional e detentoras do mercado de fertilizantes e defensivos químicos a

dependência ao crédito rural era quase que total. No final desta mesma década as vendas de

máquinas e tratores também despontaram. De acordo com Pinto (1981), no ano de 1979 foram

investidos no Brasil cerca de 195 bilhões de cruzeiros na forma de crédito rural para custeio

agrícola. Em contrapartida, 26% deste montante foi utilizado para aquisição de fertilizantes

(50 bilhões) e 7% para defensivos (13 bilhões), ou seja, a indústria química recebeu dos

grandes produtores rurais 1/3 de todo o recurso destinado para o custeio da atividade agrícola.

Do outro lado, neste mesmo ano, a indústria de máquinas e tratores para agricultura recebeu

do total de recursos do SNCR destinado para investimentos (58 bilhões), cerca de 60%, ou

seja, 34 bilhões de cruzeiros.

8,6

8,476,78

6,52

7,59

8,19

10,19

8,336,73

6,22

0

2

4

6

8

10

12

1973 1974 1975 1976 1977

VBP VTC

Page 72: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

82

Em 1979 o mercado cativo para as indústrias a montante da produção agrícola

estava consolidado, pois o país despontava no âmbito mundial como o terceiro maior mercado

de defensivos agrícolas, tendo movimentado neste ano cerca de 670 milhões de dólares (7%

do total movimentado no mundo), configurando-se ainda como um dos mercados mais

promissores dos próximos cinco anos.

Em relação ao mercado de máquinas e tratores agrícolas o Brasil já era o terceiro

maior parque industrial em capacidade instalada do mundo voltado para a mecanização da

agricultura. Essas empresas, localizadas a montante da matéria-prima (soja), apresentavam

como característica fundamental a competição oligopolista/oligopsônica. Dessa forma, a

dinamização da agricultura dependia muito mais da disponibilidade de crédito aos grandes

produtores ao invés da redução dos preços das máquinas, tratores e insumos modernos.

Qualquer redução do nível de recursos destinados a custeio e/ou investimentos na agricultura

refletiriam negativamente nas vendas dos setores a montante do CAI. Deve-se considerar

ainda, segundo Roel (2002), que na “agricultura convencional”, caracterizada pela

industrialização voltada para o campo, a menor parcela do lucro gerado (11%) fica nas mãos

dos produtores rurais. A maior parte, ou seja, 89% do lucro, é dividida pelas indústrias a

montante da matéria-prima cultivada e comerciantes de produtos finais. Aproximadamente

66% dos lucros são para a indústria de máquinas e insumos modernos e os demais 19% ficam

no comércio.

O crédito rural, visto como uma variável exógena e longe da atuação dos

produtores rurais, induzia as vendas a montante enquanto que a oscilação do preço real dos

bens e insumos não representava qualquer incentivo à sua aquisição. O Estado exercia sua

função reguladora sem interferir no mercado produtivo, mas praticando uma política de

financiamento concentradora de capital e de terra à guisa das pressões e dos interesses

privados. De um lado, um pequeno grupo, representado pelos maiores produtores rurais,

bradava pelo aumento dos recursos destinados ao SNCR e, do outro, tornava-se refém das

empresas de capital internacional e seus poderosos lobbys. Vale ressaltar que nesta fase de

constituição do CAI os interesses não são conflitantes, mas sim convergentes entre os

agricultores, industriais e banqueiros. Ou seja, uma integração completa do capital.

Sem dúvida, há uma associação entre estes interesses, sendo que, muitas

vezes, uma mesma pessoa ou empresa representa os três setores, tornando-se

impossível separá-los. Como conseqüência, o que se verifica, na realidade, é

a existência de um conjunto bastante complexo de interesses, o que se vai

Page 73: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

83

refletir, necessariamente, na política de crédito rural (PINTO, 1981, p. 83).

Grifo do autor.

Para Silva (1989), as políticas governamentais de “modernização conservadora”

assimiladas na década de 70 culminaram com a constituição dos CAI, estruturado, integrado e

articulado sob o seguinte tripé: D1 para a agricultura; grandes produtores de matéria-prima

(monoculturas fortemente modernizadas); oligopólios agroindustriais (Figura 2).

FIGURA 2: ARTICULAÇÃO NO INTERIOR DO CAI.

Por falta de sustentação política e por situações conjunturais e financeiras

adversas, no final dos anos 70 o SNCR perde a sua capacidade de financiar a agricultura. De

um lado, o espiral inflacionário aumentou os subsídios das taxas nominais pré-fixados e, de

outro, reduziu o montante de depósitos à vista dos bancos. A necessidade de combater o

déficit público via política recessiva imposta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI)

forçou o Estado a reduzir os subsídios, substituindo as taxas nominais pré-fixadas por taxas

pós-fixadas. Ou seja, a restrição ao crédito e a perda do diferencial em suas transações com o

mercado financeiro resultaram na crise do padrão de financiamento da agricultura ocorrida no

final da década de 70.

Para Müller (1982b) apud Silva (1989), o novo padrão produtivo emergente não

apresentava apenas características agrícolas, agroindustriais ou industriais, mas sim uma

completa articulação intersetorial, sobretudo, interindustrial. Neste ponto, pode-se visualizar

na Figura 1 que o capital industrial encontra-se localizado nos dois pontos de articulação

como a produção agrícola, ou seja, tanto a montante, como a jusante. Porém, quando

Articulação Inter-Industrial

D1 para a agricultura Agroindústrias

Produtores

Articulação a Jusante Articulação a Montante

CAI

Page 74: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

84

deixamos de visualizar o complexo de forma linear e passamos a observá-lo no formato de

tríade (Figura 3), percebe-se claramente a articulação interindustrial num dos lados da

pirâmide. Dessa forma, pode-se concluir que os relacionamentos do capital industrial

condicionam a produção agrícola ao sabor dos seus interesses, avanços e limitações, tanto a

montante como a jusante da agricultura.

Hoje, não se pode mais compreender a estrutura e a dinâmica da agricultura

sem levar em conta a estrutura e a dinâmica dos setores industriais com ela

interrelacionadas, bem como as formas e as características próprias das

ligações que se estabelecem entre si (SILVA, 1989, p. 319).

Ainda em Silva (1989) não devemos deixar de considerar a função do Estado

como agente aglutinador e que exerce a sua influência a partir das políticas públicas

modernizantes e conservadoras, ou seja, funde-se D1 para a agricultura – grandes produtores

rurais – agroindústrias por intermédio do crédito rural subsidiado e dos fundos destinados à

agroindústria em geral, ou seja, “[...] valendo-se para isso de todo um arcabouço

institucional e financeiro que intermedia essas relações” (CASTANHO FILHO, 1988, p. 5).

[...] a agricultura utilizadora desse processo se torna cada vez mais

dependente da indústria, dominada em vários de seus ramos por empresas

transnacionais, que se instalam com plantas e tecnologias oriundas dos

países desenvolvidos. Como resultado, o produtor rural vê-se „espremido‟

entre uma estrutura produtora de insumos e maquinários e uma outra de

compra; transformação; comercialização e exportação de produtos agrícolas,

fortemente oligopolizadas e no mais das vezes com seus centros de decisão

fora do país (CASTANHO FILHO, 1988, p. 13).

A fusão existente no CAI entre D1 para a agricultura – grandes produtores rurais

– agroindústrias, apesar de determinar a própria concepção deste emergente padrão de

produção, também surge como a principal contradição do sistema quando agrega-se a jusante

das agroindústrias o mercado de produtos finais. As matérias-primas, geralmente

monoculturas (plantations), produzidas nas grandes propriedades tornam-se insumos

produtivos para atender a agroindústria processadora e intermediária dos produtos finais: D1

para a agricultura – grandes produtores rurais – agroindústrias – mercado de produto final.

Ou seja, os produtos agrícolas são transformados em insumos e seus preços são repassados a

jusante de todo o encadeamento até o produto transformado chegar nas mãos do consumidor

final.

Page 75: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

85

Para Kageyama et al. (1990), a agricultura, ao fazer parte deste encadeamento,

passou a depender dos insumos que recebe das indústrias a montante e não produz mais

apenas bens de consumo final, mas, basicamente, bens intermediários ou matérias-primas para

outras indústrias. As agroindústrias intermediárias e processadoras de matéria-prima sofrem

pressões de redução dos seus custos quando os preços finais de seus produtos extrapolam a

linha de restrição orçamentária da demanda do consumidor e tendem a repassar para trás, via

redução dos preços dos insumos e matérias-primas, estas pressões de custos que acabariam

por reduzir suas vendas e consequentemente seus lucros. Estas pressões de custos afetam por

completo as propriedades agrícolas, pois o mercado a jusante encontra-se dominado por

empresas oligopolizadas, monopsônicas ou oligopsônicas (Figura 3). Por outro lado, os

grandes produtores rurais não são capazes de repassar para o elo traseiro seguinte estas

mesmas pressões, pois o mercado é dominado por grandes oligopólios/oligipsônicos. Assim,

os produtores rurais absorvem as pressões do Complexo que resultam na compressão de suas

rendas.

Fonte: adaptado de ALENCAR, E. Complexos Agroindustriais. 2.ed. Lavras: UFLA/FAEPE, 2000, p. 79.

FIGURA 3: RELAÇÃO ENTRE OS PLAYERS QUE INTEGRAM O CAI.

A base da Figura 3 representa o esquema geral de um CAI, formado pelos setores

a montante, agricultura e a jusante. Ou seja, a integração da agricultura com outros ramos

industriais, configura-se de um lado, as indústrias que fornecem à agricultura insumos,

máquinas e equipamentos (setor a montante) e, do outro, as indústrias de classificação,

beneficiamento e/ou industrialização da matéria-prima agrícola. A parte da figura pintada em

AGRICULTURA

(players diferenciados)

Setor a jusante

Setor

financeiro

Estado

Fornecedor

Consumidor

Fornecedor

Consumidor

Oligopólio

Oligopsônio

Setor a montante

Page 76: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

86

amarelo e delimitada por uma linha, envolve setores com fortes tendências à formação de

conglomerados empresariais e que controlam outras empresas situadas em diferentes setores,

inclusive no próprio seio da agricultura. O processo de “integração de capitais”, entendido

como centralização de capitais industriais, financeiros, agrícolas, agrários, etc., dá origem aos

conglomerados empresariais. A agricultura não faz-se presente na área da Figura 5 pintada de

amarelo, a qual caracteriza o conglomerado, aparecendo dentro de um retângulo circundado

por uma linha pontilhada, pois as agroindústrias que necessitam garantir o suprimento e a

qualidade da matéria-prima que usam, preferem assegurá-los por meio de contratos com os

produtores de insumos e matérias-primas ao invés de realizarem investimentos diretamente na

produção.

As empresas que atuam tanto a montante como a jusante da agricultura são

poucas, organizadas em grupos de interesses e que interagem com um grupo amplo,

heterogêneo e disperso de agricultores. Esta assimetria de informações no interior do CAI

limita a capacidade de ações coletivas dos players diferenciados4 pertencentes ao setor

agrícola. Este fator estrutural confirma a característica de oligopólio a jusante e de

oligopsônico a montante da agricultura. Na concepção dos CAI os produtores rurais são os

players que possuem o menor poder de barganha para negociar seus interesses, mesmo

considerando-se a integração de capitais alocados de forma estratégica.

Diante deste cenário, já no final da década de 70, o Estado impulsiona no interior

dos CAI uma política de preços mínimos. Ou seja, com a consolidação do mercado cativo, a

ausência de uma completa integração de capitais em alguns setores da produção agrícola

ameaçava a harmonia da reprodução capitalista e suscita a intervenção do Estado no sentido

de garantir uma mínima margem de lucro, principalmente, dos produtos oriundos das

pequenas e médias propriedades agrícolas e para todos os demais, inclusive os grandes

proprietários que tinham perdido parte de suas rendas em virtude das pressões sobre seus

preços exercidas pelas agroindústrias.

Assim como no SNCR, a Política de Preços Mínimos (PPM) ou Política de

Garantia de Preços Mínimos (PGPM) também vigorou de forma específica e concentrada por

produto. O poder regulador do Estado passou a limitar os insumos abrangidos por uma

política de preços mínimos específica. Ou seja, o Estado não detinha mecanismos

macroeconômicos de abrangência nacional, tais como as mudanças nas políticas monetária

4 O setor agrícola representado na Figura 6 sugere a participação de “players diferenciados”, ou seja, diversos tipos de produtores e de

trabalhadores rurais. Essa heterogeneidade está relacionada com o grau de controle que estes atores possuem sobre a terra e com a forma de

exploração nela existente.

Page 77: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

87

e/ou cambial. Uma política de preços mínimos por produto acabaria por fracionar o poder

regulador do Estado dissipando-o em diversos produtos e interesses internalizados no cerne

dos próprios CAI. O Estado perde o seu poder regulador, servindo de forma setorizada e

fragmentada aos interesses particulares diversos e em alguns momentos conflitantes.

No período de 1967-1976 a PGPM esteve voltada para os principais produtos,

ficando marcada pela concentração do crédito em função das culturas de soja, arroz e milho,

principais culturas destes anos, bem como intensificada na região Centro-Sul do país. Neste

período a região Centro-Sul representava 76,59% do total de crédito disponibilizado. A

cultura da soja participava com 39,81% deste montante, seguida pelo arroz com 23,26% e o

milho com 23,41% do total do crédito subordinado à PGPM (Tabela 4).

TABELA 4: PARTICIPAÇÃO DAS PRINCIPAIS CULTURAS NO CRÉDITO TOTAL

SUBORDINADO À POLÍTICA DE GARANTIA DE PREÇOS MÍNIMOS – 1967-68 -

1975-76

Pode-se ainda afirmar que em relação à participação relativa da produção de soja

financiada pela PGPM na produção total do país, os resultados foram significativos. No

período de 1967 a 1976, com exceção do ano de 1972-73, 20% da produção de soja do

Centro-Sul foram financiados pela PGPM e 23% apenas no Estado do Paraná, totalizando

43%. O arroz obteve uma participação de 24% e o milho de apenas 4% da produção

financiados pela PGPM.

Para Castanho Filho (1988), a simplificação do processo produtivo imbricada

para a concentração de terra e geração da monocultura exportadora apresentou-se como um

dos principais traços mais marcantes da modernização da agricultura. O uso intensivo de

insumos químicos e máquinas modernas, produzidos a custos elevados e que requerem

grandes plantas para a sua fabricação, justificam-se enquanto utilizados em larga escala e por

grandes propriedades de terra, a serviço da valorização do capital empregado e suas vertentes.

ANO-SAFRA/PRODUTO ARROZ MILHO SOJA OUTROS TOTAL

1967-68 67 22 12 52 153

1968-69 105 13 22 65 205

1969-70 171 46 47 79 343

1970-71 160 28 135 148 471

1971-72 287 54 266 269 876

1972-73 434 114 2 215 765

1973-74 486 174 892 874 2.426

1974-75 1142 556 3264 1.498 6.460

1975-76 2874 1.296 4050 1.909 10.129

TOTAIS 5.726 2.303 8.690 5.109 21.828

Fonte: Anuário da Comissão de Financiamento da Produção, 1976.

(em milhões de cruzeiros correntes)

Page 78: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

88

Esse modelo, como visto, baseado na alta concentração do capital, tem como

referência de análise os mercados internacionais e utiliza uma tecnologia que

contribui para aumentar essa concentração [...] Na produção agrícola, esse

modelo se manifesta na alta concentração da propriedade fundiária, na

monocultura de caráter exportador e no uso de tecnologias ditas modernas,

estimuladas por créditos tanto indiretos aos produtores de equipamentos e

insumos químicos, como disfarçados para aquisição de terras. Dessa forma, a

participação do Estado com seu instrumento mais poderoso, o crédito rural

tem contribuído decisivamente para que tal estrutura permaneça e se

desenvolva (CASTANHO FILHO, 1988, p. 17).

A agricultura foi convertida na condição suprema da acumulação e valorização do

setor industrial a montante e produtor de máquinas, equipamentos e insumos modernos.

Ficando interdependente a montante e complementarmente a jusante em decorrência do

crescimento das agroindústrias, das exportações e, ainda, subordinada aos interesses de um

Estado que tem os “pés de barro” frente às pressões dos capitais industrial e financeiro. A

agricultura moderna analisada sob a ótica dos CAI “não estaria mais sujeita à lógica do

capital fundiário e sim a do capital industrial e financeiro, que teria erguido um espaço

unificado de valorização” (MÜLLER, 1981 apud LIFSCHITZ et al., 1991, p. 6).

Neste ponto cabe tecer a seguinte conclusão: o Estado, por intermédio dos

Programas de Desenvolvimento, do SNCR e da PGPM, principalmente ao longo dos anos 50,

60 e 70, teve participação decisiva na consolidação do CAI a partir da modernização da

agricultura, da industrialização desta, da completa e definitiva internalização do D1 da

Agricultura, da conservação da estrutura fundiária, da concentração produtiva, da integração

dos capitais (industriais e financeiros) e da forte interdependência agricultura-indústria.

3.3. A CONSTITUIÇÃO DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL EM MATO GROSSO DO

SUL

Apesar do Estado do Mato Grosso do Sul ter sido criado em 11 de outubro de

1977 pela Lei Complementar n° 31, no Governo do Presidente Ernesto Geisel e, instalado em

01/01/79, tendo ainda a cidade de Campo Grande como capital, a integração da economia da

região sul do Mato Grosso com os centros dinâmicos do capitalismo (regiões Sul e Sudeste)

teve início na década de 70.

Atualmente, a base produtiva do Estado tem como carro-chefe a atividade

agropecuária, seguida pela prestação de serviços. Na pecuária destaca-se a bovinocultura e na

agricultura as principais culturas são: soja, milho, arroz, algodão herbáceo, cana-de-açúcar e

mandioca. A partir da metade da década de 80 o Estado fomentou a instalação de

Page 79: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

89

agroindústrias esmagadoras de soja, de farelo e de ração. Deve-se ainda mencionar a criação

do pólo extrativista mineral na produção de calcário, ferro e manganês.

A constituição do CAI em Mato Grosso do Sul teve fundamental participação do

Estado por intermédio da implementação de suas políticas e incentivos fiscais. A partir da

divisão do Estado, as diversas esferas de governo, ora federal, ora estadual, ou

concomitantemente, implementaram importantes ações que transformaram a agricultura no

Cerrado do Brasil. Tais transformações podem ser verificadas em virtude do sucesso do

modelo de produção voltado para a exportação e pela consolidação do complexo

agroindustrial.

Esse processo de mudança no Cerrado, não difere da estratégia adotada nas outras

regiões do país. Ou seja, a “modernização conservadora” continuou concentrando terras,

beneficiando os grandes proprietários e ainda garantindo a manutenção e ampliação dos

capitais industriais e financeiros. A paisagem natural do Cerrado, sob a égide do capital

integrador, transformou-se numa grande máquina produtora de grãos e excluiu da região a

tradicional agricultura familiar. A agricultura deixa de ser uma incerteza a mercê das livres

forças da natureza para se tornar uma certeza nas mãos do capital.

A grande preocupação dos governantes da época encontrava respaldo na adoção

de políticas governamentais capazes de amenizar o desequilíbrio entre as regiões brasileiras

quando comparava-se o Centro-Oeste com os centros do capitalismo. A alternativa a ser

adotada para reduzir estes desequilíbrios passava pela modernização e industrialização da

agricultura.

Segundo IBGE (1979, p. 159) apud Oliveira (2003, p. 38) na criação do Estado de

Mato Grosso do Sul considerou-se na Exposição de Motivos de 24 de agosto de 1977 a

localização como a principal condição para o desenvolvimento em razão da proximidade e

integração do novo Estado com o escoamento das exportações em direção à São Paulo e,

ainda, as potencialidades do setor agropecuário como destacada vantagem competitiva.

De fato, Oliveira (2003) ressalta que em 1977 a região sul do Estado do Mato

Grosso já refletia uma reprodução do capital nos mesmos moldes das relações capitalistas

existentes em São Paulo, bem como já caminhava na mesma direção dos interesses da política

externa nacional. Ou seja, no sul do Estado a reprodução do capital via utilização da terra

obedecia a tendência da modernização, enquanto o norte, ainda reproduzia um modo de

produção praticamente “feudal”. Este diapasão meridional constituía a principal causa do

aprisionamento do desenvolvimento entre os dois lados. Tanto o sul como o norte do antigo

Page 80: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

90

Estado do Mato Grosso vislumbravam a possibilidade da ruptura territorial e a divisão política

do Estado para poderem ultrapassar as barreiras que impediam o progresso. Na divisão do

Estado, 2/3 da arrecadação do antigo Mato Grosso financiaria o crescimento do Mato Grosso

do Sul. Já os programas governamentais de expansão da fronteira e colonização estariam

voltados para o Mato Grosso. Essa foi a tônica da divisão.

Para tanto, diversos programas governamentais foram implantados e justificados

pela retórica do Estado que buscava superar o latifúndio improdutivo e tecnologicamente

ultrapassado - suposto gargalo para o desenvolvimento do país - para realizar a modernização

e a industrialização da agricultura.

Segundo Linhares e Silva (1999), esta visão conservadora tinha sua gênese na

concentração da estrutura fundiária do país sob a primazia da lavoura tecnificada. A mudança

ocorreria no aumento da produtividade em função da adoção dos aparatos tecnológicos. Esse

incremento tecnológico ficou restrito à produção das culturas de exportação (export drive) em

detrimento dos produtos que abasteceriam o mercado interno, cultivados em escala reduzida e

em pequenas propriedades.

Para Oliveira (2003), ao nascer, o papel atribuído ao Mato Grosso do Sul na

chamada “divisão nacional do trabalho”, quando comparado aos demais Estados detentores do

capital industrial, foi o de abastecer as regiões capitalistas centrais do país com seus produtos

primários e/ou destinar sua produção ao mercado externo. Esta proximidade com os centros

capitalistas exigiu dos produtores rurais locais uma ampliação da sua capacidade produtiva,

possibilitada pela adoção de máquinas, equipamentos e insumos modernos produzidos pelas

indústrias (D1 da agricultura) recém instaladas no país.

No ano de 1980, a até então Superintendência de Desenvolvimento do Centro-

Oeste (SUDECO), órgão subordinado à época ao Ministério do Interior, elaborou documentos

para constatar a viabilidade econômica a região, bem como apresentar as justificativas para

ampliação do financiamento das agroindústrias. Dentre os principais documentos pode-se

citar o Diagnóstico Sócio-Econômico da Região Centro-Oeste do Brasil e as Justificativas

para um Programa de Crédito à Agroindústria no Centro-Oeste. Ambos relatórios técnicos

tinham em comum a seguinte interpretação da realidade da época: a existência de problemas

decorrentes do rápido crescimento do setor primário, sem agregação de valores decorrentes do

processo de transformação industrial.

Tanto o diagnóstico como as justificativas da SUDECO para incentivo e fomento

de agroindústrias no Centro-Oeste estariam desprovidas de uma análise comparativa entre

Page 81: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

91

regiões desenvolvidas e periferia. Os relatórios também não previam a subordinação da

agricultura ao capital integrado, analisando a agricultura de forma setorizada e não como uma

parte de um sistema complexo. Vale lembrar que ocorreu uma visível predominância de

interesses das regiões Sul e Sudeste à concentração dos recursos do SNCR e da produção

agrícola financiada. Ressalta-se ainda que, mesmo assim, quando é comparado o montante de

recursos do SNCR destinado às regiões do Brasil com o total recebido pelo Centro-Oeste, no

ano de 1979 esta região foi a maior beneficiada por contrato firmado em relação à média

nacional.

Ao longo da década de 70 a região Centro-Oeste esteve numa condição de

supremacia creditícia e pouco avançou na instalação de empresas agroindustriais quando

comparado à produção agrícola. A agricultura no Centro-Oeste crescera em bases

concentradoras, ou seja, por um lado as grandes propriedades firmavam mais de 20 contratos

com SNCR, utilizavam parte dos recursos altamente subsidiados na aquisição de máquinas,

equipamentos e insumos modernos, aplicavam a outra parte no mercado financeiro ou

expandiam as suas fronteiras. Por outro lado, tanto as indústrias de bens de capital voltados

para agricultura como as agroindústrias também concentraram suas plantas industriais,

sobretudo nas regiões Sul e Sudeste e fomentaram um mercado com fortes características

monopolista, oligopolista, monopsônica e/ou oligopsônica. Neste momento histórico, a

agricultura tecnificada de Mato Grosso do Sul estabelece a sua interdependência a montante e

a jusante do CAI, em obediência ao capital sedimentado em territórios distantes, mas

altamente integrado e reticulado.

A tentativa de uma política de industrialização no território sul-mato-grossense

com ênfase na captação de investimentos industriais produtivos a jusante das culturas

tecnificadas (matéria-prima a ser processada) foi o melhor caminho a ser seguido pelos

governantes estaduais da época. Esta linha de atuação teve fortes influências do Governo

Federal e foi reflexo do novo padrão estatizante da dívida externa do país, em virtude do

fracasso do modelo de crescimento econômico associado ao endividamento e com o objetivo

de financiar o déficit no Balanço de Pagamentos esperando-se que num futuro não muito

distante a aceleração da economia tendesse a diminuir este hiato.

Segundo Oliveira (2003), a recessão instaurada no país a partir de 1980 teve

reflexos negativos no ritmo de industrialização no centro de expansão capitalista, sobretudo,

no Sudeste. Nesta fase de retração da economia nacional, industriais de pequeno porte, na

impossibilidade de concentrarem seus investimentos em plantas industriais no Sudeste e Sul

Page 82: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

92

do país, somados aos comerciantes locais do Estado de Mato Grosso do Sul, ávidos por

maiores lucratividades, suscitaram a iminente possibilidade de investirem numa pequena

unidade industrial substitutiva de produtos manufaturados e processados no centro do

capitalismo nacional. Para Oliveira (2003), as perspectivas dos comerciantes locais e dos

pequenos investidores em relação à industrialização tardia, podendo até ser concebida pelo

epíteto de “substituição periférica de importações”, estava baseada nos seguintes fatores:

criação de uma máquina administrativa estadual capaz de gerar novos empregos e ampliar a

renda regional; aumento da população; urbanização; estancamento dos investimentos

públicos. Este último fator merece ser analisado mais de perto, pois parece acertado atribuir

ao recém criado Estado de Mato Grosso do Sul um papel de fornecedor de produtos

agropecuários ao centro dinâmico do capitalismo nacional e também voltados para a

exportação, e ainda afirmar que esta proximidade com os setores industrias, impulsionados

pelos os padrões de competitividade internacional, exigiu uma contrapartida que garantisse o

aumento da produção no campo em bases tecnológicas mais avançadas. Todavia, a

incapacidade política e financeira do Estado em investir diretamente numa industrialização

“substitutiva de importações” de produtos oriundos do centro do capitalismo regional estava

aparente. Do lado político, tal perspectiva não deveria coadunar com os interesses da nova

elite burguesa, recém industrializada no Sudeste e Sul do país. Do ponto de vista econômico,

o esgotamento do poder de investimento direto do Estado era premente no início dos anos 80.

Além disso, uma industrialização nas proximidades de São Paulo e considerando-se ainda as

facilidades de escoamento dos produtos primários em direção às indústrias paulistas e ao

mercado externo inibia as pretensões de grande parcela de investidores locais. A iniciativa

estaria reservada ao capital industrial concebido no centro capitalista, incitado pelos

crescentes fluxos circulares de matérias-primas na ida e de mercadorias industrializadas na

volta. O deslocamento fragmentado de uma unidade industrial, ou seja, a “disjunção espacial

produtiva”, como estratégia dos grandes monopólios industriais, seria a próxima etapa de

valorização e reprodução do capital sob os auspícios de uma nova “divisão nacional do

trabalho”.

A política de incentivos fiscais no âmbito estadual e voltada para atração de novos

investimentos em agroindústrias esteve associada à conjuntura econômica da época e ao novo

padrão de endividamento externo. Esta necessidade por investimentos agroindustriais estava

também atrelada aos fortes subsídios federais concedidos a este setor produtivo privado, por

sua vez, propiciada pela avidez do governo militar à industrialização. A industrialização

Page 83: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

93

forçada no período de desaceleração econômica pós-milagre e a aversão privada ao

endividamento foram os principais fatores que incentivaram a crescente estatização do

endividamento externo, como forma de manter o mesmo nível de atividade industrial diante

da crise.

De um lado, o Governo Federal aumentava a sua participação no endividamento

do país para completar o D1 industrial e ainda beneficiar as indústrias de transformação a

jusante a partir de uma política de subsídio de preços e de tarifas públicas. Do outro lado,

somados aos benefícios do Governo Federal, o Estado de Mato Grosso do Sul tentava

demonstrar aos investidores as vantagens competitivas do negócio e os incentivos fiscais que

seriam concedidos. Para tanto, divulga seus estudos para atrair as agroindústrias

processadoras das matérias-primas agrícolas em abundância na região e até mesmo indústrias

de bens de capital, como a siderurgia e, ainda, tenta ampliar a matriz energética com a

produção de álcool. Esta foi a tônica dos programas de industrialização de Mato Grosso do

Sul a partir de 1980. Ou seja, uma política “rent seeking”, que pega carona nos benefícios

federais concedidos, oferece incentivos fiscais regulamentados por leis e decretos, o que

aumenta ainda mais a participação do setor público na reprodução e valorização do capital

industrial privado.

Os documentos federais divulgados na década de 80 enfatizavam a necessidade de

fomento às agroindústrias no Centro-Oeste, estando estas orientadas a absorver e processar a

produção agrícola local como forma de promoção do desenvolvimento. O esgotamento do

poder da União em investir diretamente na iniciação industrial do Centro-Oeste remeteu o

Governo Federal à condição de coadjuvante, apesar dos fortes subsídios de preços sobre os

insumos necessários às indústrias de transformação instaladas no país. Ao Governo Federal

restou apenas o papel de referendar à iniciativa privada, por intermédio de seus estudos e

diagnósticos, a instalação de plantas agroindustriais, sustentadas pelos subsídios federais e

incentivos fiscais estaduais.

Para Oliveira (2003) o ano safra de 1983/84 elevou o Estado de Mato Grosso do

Sul à condição de um dos principais produtores de grãos do país. Neste ano safra o estado

produziu mais de dois milhões de toneladas de soja, mais de 260 mil toneladas de milho e

quase 400 mil toneladas de arroz. Diante desta crescente evolução da produção agrícola seria

inevitável o processo de industrialização no Estado. Todavia, estar novamente a mercê dos

interesses do capital industrial concebido no centro e, neste momento histórico, a jusante da

matéria-prima e em processo de articulação em escala espacial nacional, restava aos

Page 84: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

94

comerciantes locais e outros industriais desalojados do Sudeste e Sul do país o papel de

iniciar o processo de industrialização de Mato Grosso do Sul e, ainda, sob a égide dos

benefícios que seriam concedidos pelo Estado na forma de incentivos fiscais. Vale ressaltar

que nos três primeiros anos da década de 80 ocorreram reduções expressivas dos

investimentos industriais, retração do fluxo circular de matéria-prima/mercadorias e aumento

da capacidade ociosa no setor industrial. No ano de 1984 inicia-se, ainda que lentamente, um

crescimento da atividade industrial no país e a retomada dos investimentos. No entanto, tal

euforia não foi capaz de proporcionar o deslocamento de plantas industriais do centro para o

interior, uma vez que a capacidade ociosa ainda recrudescia.

Os produtos do campo evidenciados pelos estudos acima citados e indicados à

agroindustrialização foram o arroz, o milho e o gado. A produção de soja em Mato Grosso do

Sul não aparece nos referidos documentos. Há de se estranhar esta omissão, pois a partir da

segunda metade da década de 70 a soja começa a superar, tanto em área colhida por ha, como

em toneladas de produção, as lavouras de arroz e milho. Em 1980 a produção de soja em

Mato Grosso do Sul atinge 1.322 toneladas ocupando uma área plantada de 806 ha. Neste

mesmo ano, as culturas de arroz e milho produziram respectivamente 504 e 188 toneladas.

Estas culturas ocuparam, respectivamente, uma área de 501 e 108 ha. (Tabela 5).

TABELA 5: PRINCIPAIS CULTURAS EM ÁREA E PRODUÇÃO EM MATO

GROSSO DO SUL NOS ANOS DE 1970-1975-1980-1985-1990.

ÁREA (Ha) PRODUÇÃO (Ton.) ÁREA (Ha) PRODUÇÃO (Ton.) ÁREA (Ha) PRODUÇÃO (Ton.) ÁREA (Ha) PRODUÇÃO (Ton.) ÁREA (Ha) PRODUÇÃO (Ton.)

ALGODÃO1

45,0 49,0 76,0 82,0 45,0 69,0 67,0 106,0 44,0 73,0

ARROZ2

179,0 181,0 561,0 567,0 501,0 504,0 242,0 324,0 117,0 182,0

FEIJÃO 24,0 11,0 28,0 25,0 50,0 23,0 46,0 30,0 52,0 34,0

MILHO 119,0 138,0 155,0 233,0 108,0 188,0 143,0 327,0 256,0 596,0

CANA3

1,7 30,0 3,6 141,0 11,6 606,0 50,0 3.170,0 67,0 4.193,0

SOJA 15,0 14,0 194,0 272,0 806,0 1.322,0 1.307,0 2.558,0 1.013,1 2.299,7

TRIGO 2,5 1,7 41,0 9,0 122,0 110,0 201,0 318,0 184,0 204,0TOTAL

4359,7 412,0 989,6 1.295,0 1.471,6 2.689,0 1.809,0 6.485,0 1.497,1 7.343,7

Fonte: IBGE, SECAP e CONAB.

(1) Algodão Herbáceo.

(2) Arroz (Sequeiro, Várzeas e Irrigado)

(3) Cana-de-açúcar

19901970CULTURA

(4) No total não estão computados os valores para o trigo e feijão, por serem consideradas culturas de inverno em sucessão às culturas de verão, ocupando a

mesma área.

1975 1980 1985

No período de 1975 a 1980 as culturas de arroz e milho começam a declinar. As

áreas colhidas e a produção destas culturas apresentam uma tendência decrescente, enquanto a

sojicultura desponta como a principal cultura de Mato Grosso do Sul, ultrapassando a marca

de 1.000 toneladas (Gráfico 3).

Page 85: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

95

GRÁFICO 3: PRODUÇÃO DE SOJA, ARROZ E MILHO EM MATO GROSSO DO SUL NO

PERÍODO DE 1970-1990, SEGUNDO A IBGE, SECAP E CONAB.

Para Oliveira (2003) a década de 60 foi marcada pela expansão da fronteira

agrícola, ampliação dos eixos rodoviários e difusão de máquinas, equipamentos e insumos

modernos para as regiões Sul e Nordeste, até então adotados apenas pela agricultura do

Sudeste. Este movimento expansionista e modernizante facilitou o transporte de matérias-

primas produzidas em todas as regiões do país em direção às indústrias processadoras

localizadas, principalmente, em São Paulo e também destinadas à exportação. O processo de

modernização da agricultura contribuiu para o crescimento do número de tratores utilizados

na região Sul. Do ano de 1960 ao ano de 1970 a quantidade de tratores triplicou, passando de

21.456 registrados no censo de 60 para 60.533 em 1970. As exportações também

aumentaram. Até 1964 o maior volume registrado estava em torno de US$ 400 milhões,

chegando em 1970 com mais de US$ 1,1 bilhão.

Do ponto de vista nacional, a modernização da agricultura exigia do capital

maiores inversões e em curtos espaços de tempo. Uma cultura que tivesse a propriedade de

diminuir o tempo de manejo, a capacidade de gerar uma boa colheita e em tempo breve e,

ainda, permitir uma rotação de diversas culturas, estaria apta a substituir o plantio do café, que

por sua natureza leva de três a quatro anos para a primeira colheita sem oferecer garantia de

retorno dos investimentos realizados. A soja, consorciada com o milho e o trigo, desalojou o

café e outras culturas. Em Mato Grosso do Sul desalojou pecuaristas e ervateiros, mas a

principal cultura substituída pela soja foi o arroz de sequeiro, como veremos adiante.

Diante de tal exigência imposta pelo capital surge a cultura da soja como a

alternativa mais viável. Primeiramente no Sul do país e no segundo momento é transferida

para o Centro-Oeste. Com a industrialização no Sudeste aumentando a sua participação em

0,0

100,0

200,0

300,0

400,0

500,0

600,0

700,0

800,0

900,0

1.000,0

1970 1975 1980 1985 1990

ANO

PR

OD

ÃO

(To

nel

adas

)

ARROZ MILHO SOJA

Page 86: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

96

relação à agricultura ao passo que nas demais regiões a agricultura despontava como principal

atividade econômica, o centro de expansão do capitalismo e berço do processo de

industrialização, comandado por São Paulo, transfere às regiões Sul e Nordeste do país a

incumbência de produzir produtos primários em troca de produtos industrializados. Para

Oliveira (2003), este “repasse” representou uma nova Divisão Nacional do Trabalho. O

capital industrial buscaria também o deslocamento do eixo da sua reprodução e acumulação

para a diversificação da produção e a modernização da agricultura, tendo a soja como o seu

carro-chefe.

Em 1981a ação integrada entre as esferas federal e estadual tem como resultado

um diagnóstico que representaria com maior exatidão as potencialidades de Mato Grosso do

Sul e as áreas passíveis de investimentos com boas perspectivas de retorno. No Diagnóstico

Preliminar de Oportunidades de Investimento em Mato Grosso do Sul, elaborado pelo

Ministério do Interior, por intermédio da SUDECO, com a participação da Secretaria de

Desenvolvimento Econômico do Estado, a atenção estava voltada para o fomento da cultura

da soja, produção de álcool e siderurgia. Tais produtos despontavam como os principais

veículos para diminuir as disparidades regionais. Em relação à soja (objeto desta dissertação)

o supracitado diagnóstico aborda a evolução da sua produção nas décadas de 70 e 80, sua

exportação e o armazenamento do grão no Estado. Depois de constatado a tendência

promissora da sojicultura ao longo das duas décadas, bem como a expansão da área cultivada,

o documento enfatiza a industrialização do grão como uma ótima oportunidade de

investimento.

Segundo Oliveira (2003), na segunda metade dos anos 80 os números e fatos

começam a dar configuração a um quadro desanimador, sinalizando ao capital que a sua

reprodução seria inviabilizada pela falta de um mercado interno local capaz de gerar renda e

fixar consumidores, pois o mercado externo apresentava forte retração na compra de grãos e,

por conseqüência, um aumento substancial da oferta de produtos agropecuários (primários)

acarretaria uma acentuada queda das taxas de lucratividade. A alternativa viável para esta

situação seria a internalização de uma indústria de médio e grande portes para processar a

matéria-prima produzida no campo, ou seja, a agroindústria. Os investimentos no processo de

agroindustrialização aconteceram devido à iniciativa dos comerciantes locais e pelo volume

de capital disponível em suas mãos.

A industrialização de Mato Grosso do Sul, voltada para agricultura, inicia-se de

forma incipiente no primeiro Governo Wilson Barbosa Martins (1983-86). A efetiva

Page 87: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

97

participação do Estado como agente econômico, vem a reboque e de forma mimética à etapa

de consolidação do CAI nas regiões Sul e Sudeste ocorrida na década de 70. A principal

diferença estava no papel do Estado neste processo de industrialização. O “pacote de

investimentos” no D1 da agricultura estava praticamente concluído e internalizado nas regiões

Sul e Sudeste, restando às demais regiões periféricas atrair investimentos na

agroindustrialização, situada à jusante das suas matérias-primas já abundantes ou em vias de

expansão. Os documentos produzidos pelo Governo Estadual no início dos anos 80 têm

caráter informativo e pecam numa análise mais consistente e fundamentada das

potencialidades e vantagens competitivas que subsidiariam uma tomada de decisão quanto aos

investimentos a serem alocados em Mato Grosso do Sul em detrimento de outras regiões.

O documento denominado de Mato Grosso do Sul – Uma Opção de Investimentos

de Baixo Risco, elaborado em 1983 pela Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral,

relacionava as principais oportunidades de investimento no Estado nas áreas do extrativismo,

minerais metálicos e não metálicos, turismo e da pecuária. A idéia principal deste documento

seria demonstrar aos empresários do Brasil e do mundo as potencialidades de setores atrativos

de investimentos em Mato Grosso do Sul. Este relatório não aprofunda a análise dos baixos

riscos e retornos esperados para os investimentos propostos.

Outro estudo elaborado em 1985 por uma comissão interestadual formada pela

SECAP, SEPLAN e SIC, batizado com o nome de Projetos Agroindustriais Integrados de

Suínos e Aves, estava fundamentado com dados de uma pesquisa de campo e apontava os

municípios localizados nas regiões Central, da Grande Dourados, Leste e Sul Fronteira, como

os que apresentavam as propícias condições para investimentos em pequenas atividades

industriais correlatas à agroindustrialização, tais como: avícolas, suinicolas e de insumos

básicos para a produção de rações. Este estudo sinalizava investimentos privados em

pequenas unidades produtivas fornecedoras de matérias-primas e insumos básicos para

abastecer as agroindústrias a jusante do encadeamento.

O estudo mais expressivo e de caráter efetivo, iniciado em 1983 pela Secretaria de

Indústria e Comércio de Mato Grosso do Sul e utilizado para dar suporte às ações de

industrialização em Mato Grosso do Sul, foi o Programa de Apoio à Industrialização de Mato

Grosso do Sul (PRÓ-INDÚSTRIA). Este estudo consolidou-se em 1984 e contou com a

participação dos seguintes segmentos líderes: Federação das Indústrias (FIEMS); Federação

do Comércio; Associações Comerciais.

Page 88: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

98

A partir da publicação da Lei nº. 440, de 21 de março de 1984, que criou o

Conselho de Desenvolvimento Industrial do Estado de Mato Grosso do Sul e concedeu

incentivos fiscais às indústrias, e da Lei nº. 444, de 13 de abril de 1984, que instaurou o

Fundo de Apoio à Industrialização do Estado (FAIMS), o Pró-Indústria nasce com o

compromisso de desenvolver os demais setores de uma economia alicerçada e dependente do

binômio agricultura-pecuária, e, sobretudo, incentivar a expansão dos setores industriais. Os

Decretos de nº. 2.538 e de nº. 2539, ambos de 29 de maio de 1984, regulamentaram a Lei nº.

440, de 21 de março de 1984, estando o primeiro a aprovar o Regimento do Conselho de

Desenvolvimento Industrial de Mato Grosso do Sul e o segundo a regulamentar os incentivos

fiscais que seriam concedidos.

Para incentivar a industrialização de Mato Grosso do Sul o Pró-Indústria

fundamentava-se na concessão de incentivos fiscais como o principal instrumento capaz de

viabilizar e garantir o sucesso do Programa. Com a vigência da Lei nº. 440/84, as indústrias

estariam isentas do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis e Direitos a eles relativos e

sobre as Transmissões Imobiliárias acerca da aquisição de terrenos localizados nos núcleos

industriais administrados pelo Estado. Para efeito legal destes benefícios previstos, o Estado

obrigava os Municípios sedes das indústrias recém instaladas a isenção, por um prazo de

cinco anos, do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), do Imposto Sobre Serviços de

Qualquer Natureza (ISSQN) e de Taxas de Contribuição de Melhorias. Além disso, um dos

principais incentivos concedidos previa a postergação, por trinta e seis meses, para

recolhimento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias (ICMS) às

empresas que se instalassem, ampliassem ou transferissem suas unidades para os núcleos

industriais pertencentes e administrados pelo Estado ou para zonas industriais

disponibilizadas pelas Prefeituras.

Para Oliveira (2003), na época de vigência das Leis nº. 440, de 21 de março de

1984, e de nº. 444, de 13 de abril de 1984, a conjuntura econômica do país sinalizava uma

recessão no “centro dinâmico do capitalismo” e uma capacidade industrial ociosa que poderia

inviabilizar a transferência de plantas e capital para outras regiões periféricas. No entanto, as

supracitadas leis estaduais enveredaram pelo caminho da atração de investimentos exógenos

em detrimento da ampla quantia de recursos disponíveis nas mãos da burguesia local (ricos

comerciantes).

As Leis nº. 440, de 21 de março de 1984, e de nº. 444, de 13 de abril de 1984,

foram substituídas pela Lei nº. 701, de 06 de março de 1987. As alterações previam a

Page 89: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

99

transformação do incentivo de prorrogação para o recebimento e restituição dos impostos,

sobretudo a ampliação do prazo de trinta e seis meses, para sessenta meses, da postergação

para recolhimento ICMS; a criação do Fundo de Planejamento e Desenvolvimento Industrial

(F-PDI) constituído com 8% do ICMS recolhidos pelas empresas. O F-DPI substituiu o Fundo

de Apoio à Industrialização do Estado (FAIMS). A Lei nº. 701/87 vigorou durante todo o

Governo de Marcelo Miranda Soares, contemplando em quase 100% dos recursos disponíveis

e nos prazos de, no mínimo, 52 meses e no máximo 60, as indústrias esmagadores de grãos de

soja do Estado. Uma pequena fração dos recursos foi destinada aos projetos industriais,

informatização de dados e a implantação de infra-estrutura mínima nos distritos industriais

administrados pelo Estado.

Em termos efetivos, a Lei 701 é responsável pelo processo de

industrialização do Mato Grosso do Sul. Sob sua tutela, cinco das sete

agroindústrias da soja foram instaladas no Estado, assim como a maioria

absoluta das unidades industriais beneficiadas pela isenção de parte dos

impostos [...] A partir da Lei 701, de 1987, o Estado passou a garantir o seu

sucesso de industrialização, passou também a garantir formas outras de

ampliação e melhoramento das redes de transmissão de energia elétrica e

comunicação telefônica, principalmente para o setor rural, ampliação e

melhoramento da produção rural, etc. (OLIVEIRA, 2003, p. 219 e 227).

Já na década de 90, no início do Governo Pedro Pedrossian (1991-94) a Lei nº.

1.239, de 18 de dezembro de 1991, sucede a Lei nº. 701/87 e destina os incentivos fiscais

exclusivamente às agroindústrias, às indústrias de transformação de minério e às indústrias

produtoras de insumos e implementos.

Vale dizer que Mato Grosso do Sul perdera dois momentos históricos, o primeiro

relativo ao nascimento das indústrias dinâmicas do capitalismo, ou seja, a internalização das

indústrias de Bens de Consumo Duráveis, Bens de Capital e de Insumos Básicos, ocorrida no

período de 1955-1961 e, o segundo, chamado de “milagre econômico” (1968-73), comandado

pelo setor industrial de Bens de Consumo Duráveis, e de retomada dos investimentos públicos

voltados para a criação de empresas estatais, ora permitidos pela existência de uma

capacidade ociosa, pela disponibilidade de divisas (exportações e financiamento externo) e

pela expansão da liquidez interna.

No período do “milagre” o aumento vertiginoso das taxas de lucro das indústrias

foi proporcionado pelas seguintes condições: capacidade ociosa herdada do período anterior;

concentração de renda; concentração financeira; financiamento externo; estímulo às

Page 90: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

100

exportações; arrocho salarial. A queda da taxa de lucro e o fim do “milagre” têm a sua origem

na atenuação do arrocho salarial, no aumento do preço das matérias-primas (manteve-se a

participação do petróleo na pauta de importações) e no fim da capacidade ociosa. Além disso,

as transferências do excedente gerado internamente em direção ao exterior continuam

existindo sob a forma de importações, remessas de lucros e juros.

No período de 1974-78 instaura-se a crise e com ela a restrição externa e o

recrudescimento da inflação. Esgota-se a dinâmica do crescimento industrial a partir da

desaceleração e manutenção do investimento público conciliada à uma „modernização

conservadora”. Na segunda metade da década de 70 o endividamento externo é utilizado

como estratégia para reativar o ajuste da economia brasileira às mudanças na economia

mundial, ou seja, crescer industrializando viabilizando-se a partir do endividamento externo.

É a partir da década de 80 que Mato Grosso do Sul percebe a necessidade de

investimentos na industrialização como parte de uma etapa que sucederia à “finalização” da

produção agrícola, tendo esta atingida o seu ápice. A industrialização não foi pensada como

parte integrante de um sistema complexo, interligado e interdependente, no tempo, mas sim

no espaço. Isto quer dizer que o capital industrial esteve integrado e articulado com a

produção agrícola do Estado nas décadas de 60, 70 e 80. Ou seja, não esteve representando

fisicamente em Mato Grosso do Sul pelas unidades industriais a montante e, minimamente

representado, a jusante da matéria-prima.

Para Oliveira (2003), de 1960 a 1970, principalmente de 1968 a 1970, apesar da

duplicação da quantidade de soja esmagada, passando de 471 toneladas em 1968 para 932

toneladas em 1970, os resultados ainda apresentavam-se longe da capacidade ideal de

esmagamento que justificasse a concentração do capital. Esses resultados foram obtidos pelas

diversas e pequenas unidades agroindustriais, fixadas em sua grande maioria no Estado de

São Paulo, que operavam com tecnologia obsoleta, esmagavam menos que 500 toneladas/dia

de soja, em conjunto com a mamona, amendoim e milho e, direcionavam seus produtos para

abastecer o mercado interno.

Num segundo momento, a partir da década de 70, a soja passa a desempenhar um

novo papel, contribuindo com a “Divisão Internacional do Trabalho”. O sistema de crédito

totalmente direcionado para a produção de soja, uma política de subsídios, o interesse das

autoridades governamentais pelo setor, a estabilidade no consumo interno de óleo de soja, a

regularidade e a expansão da produção de grãos de soja são determinantes de destaque no

processo de implantação de grandes plantas esmagadoras de soja no país para a produção de

Page 91: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

101

óleo e farelo. Para Oliveira (2003), em 1970 a Sambra (Bünge e Born), Cargil e Unilever,

grupos de capital internacional, com relevante experiência no esmagamento de soja e

comercialização de produtos no país, instalaram-se com suas unidades industriais na região

Sul do território nacional para extração de óleo e farelo de soja visando o comércio externo. A

escolha dos Estados da região Sul obedeceu aos seguintes fatores: proximidade com a

matéria-prima principal (soja) e o nível tecnológico das lavouras. A sua localização no mesmo

espaço de produção da matéria-prima permitia ao capital industrial interferir diretamente no

plantio, na colheita e na comercialização da soja até chegar ao processo de industrialização.

Neste momento histórico, percebe-se a criação de um CAI da soja montado no

mesmo território e em espaços contíguos de inter-relação e interdependência. Ou seja, as

indústrias a montante, matéria-prima e indústrias a jusante articulavam-se a partir de uma

proximidade imediata. No caso de Mato Grosso do Sul, a existência do CAI da soja não pode

ser concebido no espaço contíguo, pois ao analisarmos o processo de industrialização do

Estado, as indústrias de bens de capital voltadas para a agricultura (D1 da agricultura) foram e

ainda estão instaladas nas regiões Sul e Sudeste do país desde a década de 60.

A agroindustrialização tardia de Mato Grosso do Sul só acontece quando o

Estado, representado pelo Governo Federal, perde a sua capacidade e interesse de investir

diretamente na agroindústria, por dois motivos: o ciclo industrial de substituição das

importações estaria concluído e a internalização do D1 voltado para a agricultura completado.

A agroindustrialização de Mato Grosso do Sul iniciada na década de 80 fica

condicionada às seguintes políticas públicas: a) de subsídios federais sobre os preços de

alguns insumos básicos e tarifas públicas de serviços fornecidos pelas empresas estatais; b) de

incentivos fiscais concedidos pelos Governos Estaduais. Por outro lado, uma reserva de

capital nas mãos de comerciantes locais fez a diferença no processo de agroindustrialização

do Estado.

No capítulo seguinte pretende-se demonstrar que a constituição do Complexo

Agroindustrial da Soja (CAIS) em Mato Grosso do Sul, apesar de tardia, representou um novo

ataque do capitalismo na busca pela reprodução e acumulação do capital industrial,

considerando-se apenas a variável econômica como pressuposto de desenvolvimento local.

Page 92: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

102

CAPÍTULO IV

O COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA (CAIS) EM MATO GROSSO DO

SUL

A partir da década de 70 diversos migrantes da região Sul do país instalam-se com

suas famílias em Mato Grosso do Sul com o objetivo de implantar lavouras e ampliar a

produção agrícola neste Estado. Inicialmente, concentraram-se em áreas de campos limpos

situadas nos municípios de Maracaju, Sidrolândia, Rio Brilhante, Dourados e Ponta Porã. O

arroz de sequeiro foi principal cultura produzida, pois estas regiões tinham como tradição o

cultivo deste cereal.

O arroz de sequeiro, por ser uma lavoura que não necessitava do emprego de

tecnologia de ponta, conciliada ainda à topografia natural do terreno, permitiu o uso intensivo

de máquinas sem exigir uma maior aplicação de recursos financeiros. Os migrantes

ampliaram largamente a área de cultivo do cereal, passando a ser cultivado em quase todo o

Estado. Esta dinamização da produção suscitou a instalação de uma ampla infra-estrutura

capaz de armazenar distribuir a crescente produção. Com os recursos do POLOCENTRO

novas estradas foram abertas, estruturas para armazenagem construídas e máquinas e

equipamentos adquiridos. Na segunda metade da década de 70 os investimentos realizados

forjaram excelentes resultados nos setores agroindustrial e comercial que resultaram na

instalação de beneficiadoras de arroz e aceleração do comércio na região.

O amplo cultivo do arroz de sequeiro predominou até o ano de 1976. Neste ano a

sua produção atinge o ponto mais elevado por área colhida. Fatores climáticos sazonais e

adversos, típicos em épocas de verão, como tempestades tropicais, a susceptibilidade desta

lavoura à infestação de pragas e doenças e a necessidade da garantia do retorno dos

investimentos realizados nos últimos 5 anos, ampliaram os riscos desta lavoura, o que

inviabilizou a permanência do cultivo em larga escala do arroz de sequeiro em Mato Grosso

do Sul.

A lavoura de arroz de sequeiro é substituída por outra cultura mais rústica, capaz

de resistir aos fatores climáticos e ainda garantir o retorno dos investimentos. A soja, graças a

sua relativa resistência às vicissitudes climáticas quando comparada ao arroz, mas

principalmente às atraentes expectativas de ganhos no mercado internacional, em decorrência

das promissoras cotações de preços da época, bem como os incentivos governamentais

Page 93: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

103

destinados à exportação, pesquisa e aquisição de máquinas e insumos modernos, foi a cultura

escolhida para substituir o arroz de sequeiro.

Mesmo sendo capaz de amenizar os riscos e ampliar a rentabilidade do

investimento, a cultura da soja configura-se como ineficaz para envolver economicamente um

significativo número de pessoas na sua produção. Conforme dados da Tabela 1, no período de

1975-80, enquanto a quantidade de tratores, colhedeiras e fertilizantes aumenta,

respectivamente, em 88,45%, 66,85% e 106,60%, a força de trabalho ocupada na lavoura em

Mato Grosso do Sul cai 10,12%. Comparando-se os indicadores da Tabela 1 no período de

1970-75, período de predominância do cultivo de arroz de sequeiro, com os dados de 1975-

80, início da substituição da cultura do arroz pela produção da soja, na primeira metade da

década de 70 a quantidade de tratores, colhedeiras e fertilizantes tem expressivo impulso,

respectivamente, em 224,64%, 114,49% e 359,13%, por outro lado, a mão-de-obra ocupada

na lavoura também aumenta em 14,73%.

Vale lembrar que as principais lavouras consumidoras de herbicidas são soja,

cana-de-açúcar e também o arroz e, as 10 maiores lavouras consumidoras de defensivos no

Brasil são, em ordem de importância, soja, citros, cana de açúcar, hortícolas (hortaliças, batata

inglesa e tomate), arroz, algodão, trigo/cevada/aveia/centeio, café, milho e frutas. Por outro

lado, aproximadamente 40% do consumo de herbicidas estão associados à cultura da soja.

Para os inseticidas, destacam-se novamente a soja, o algodão, hortícolas, citros e café.

A modernização da agricultura no Estado pode ser observada segundo os

indicadores da Tabela 6.

TABELA 6: INDICADORES DE MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA EM MATO

GROSSO DO SUL – 1970-1985

INDICADORES/ANO 1970 1975 1980 1985

TRATORES¹ 3.786 12.291 23.162 31.076

COLHEDEIRAS¹ 1.042 2.235 3.729 4.777

CAMINHÕES E UTILITÁRIOS¹ 6.408 11.366 16.296 20.140

CONSUMO DE ÓLEO DIESEL² 10.935 95.096 184.677 255.071

FERTILIZANTES³ 1.194 5.482 11.326 15.227

CALCÁRIO³ 182 827 1.997 3.620

TRATOR/1.000 ha. CULTIVADO 10 11 14 15

PESSOAL OCUPADO (MIL) 224 257 231 254

(1) UNIDADES

(2) MIL LITROS

(3) Nº. DE ESTABELECIMENTOS QUE UTILIZAM INSUMOS

Fonte: IBGE/SECAP.

Page 94: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

104

Observando-se os dados da Tabela 6 pode-se constatar que durante todo o período

o uso de tratores e colhedeiras aumentou, respectivamente, em 720,81% e 358,45%. Por outro

lado, a quantidade de mão-de-obra utilizada aumentou, no mesmo período, apenas em

13,39%. Dessa forma, a modernização da agricultura em Mato Grosso do Sul, analisada sob a

ótica do uso e da intensificação de tratores e colhedeiras, substituiu a utilização de mão-de-

obra desde o plantio até à colheita. Observa-se ainda entre o início e o fim do período que o

consumo de óleo diesel, importante insumo utilizado como combustível nas máquinas,

equipamentos e transporte de pessoal e cargas, aumentou em 23,33 vezes. O número de

estabelecimentos que utilizavam fertilizantes aumentou em 12,75% e o calcário 19,89 vezes.

Além da mudança na base técnica da produção, verifica-se ainda alterações nas

relações de trabalho. Junto com a concentração do capital imobilizado a partir da aquisição de

máquinas e equipamentos, ocorre a especialização do trabalho e a divisão da mão-de-obra no

campo, pois enquanto uns colhem, outros plantam. Muitos postos de trabalho são substituídos

pela mecanização e, dependendo do tipo de cultura, como por exemplo, a soja, a relação

capital versus trabalho torna-se extremamente elevada e assimétrica.

Para Bonato et al. (1987) e Carnielli et al. (1989), a soja foi introduzida em Mato

Grosso do Sul no início dos anos 50 trazida por agricultores sulinos. Segundo informações do

IBGE, a safra de 1951/52 teve uma área cultivada de 15 hectares e rendimento médio de duas

toneladas/ha. Já a difusão da cultura em âmbito estadual é resultante da ação dos órgãos de

pesquisa e assistência técnica, bem como pelas ações das tradicionais cooperativas gaúchas

junto aos seus cooperados. Ou seja, a Cooperativa Regional Triticola Serrana Ltda.

(COOTRIJUÍ) congregou os sojicultores localizados numa linha imaginária ao norte de

Campo Grande e a Cooperativa Triticola Regional Santo Ângelo Ltda. (COTRISA) auxiliou

as atividades ao sul da atual capital do Estado.

As cooperativas tiveram papel fundamental para o sucesso da cultura da soja

no Estado. Atuando mais na região sul, foram grandes sustentáculos do

desenvolvimento das lavouras. Estabeleceram-se trazendo armazéns,

secadores, fornecimento de insumos, produção de sementes e,

principalmente, atuando na comercialização da produção (MICHELS, 2004,

p. 85).

Barros (1999), afirma que os primeiros cultivos de soja em Mato Grosso do Sul

aconteceram no final da década de 60 na região de Dourados e esta produção foi liderada pela

Colônia Agrícola Federal de Dourados e acompanhada pela Empresa Brasileira de Pesquisa

Page 95: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

105

Agropecuária (EMBRAPA) instalada neste mesmo município. Para Michels (2004) o cultivo

da soja em Mato Grosso do Sul é recente e foi introduzido de forma sistematizada a partir dos

anos 70 sob os auspícios da modernização e tecnificação da produção. Atualmente, a soja é

bastante cultivada no cerrado, pois apesar de apresentar um solo de baixa fertilidade, os

avanços tecnológicos viabilizaram a sua produção em larga escala.

A partir da década de 90, no ano safra 1990/91 a área de plantio da soja em Mato

Grosso do Sul já ultrapassava um milhão de hectares. Deste ano safra até a colheita 2004/05 a

área média de plantio esteve em 1.180.700 ha, podendo ser verificada uma tendência de

expansão desta área de plantio a partir do início deste século. Em relação ao total do país, a

área de plantio da soja em Mato Grosso do Sul no período do ano safra 1990/91 ao ano safra

2004/05 representou, em média, 8,63%. O tamanho médio total da área de plantio da soja no

país, no período de 1990 a 2005 é de 13.874.786 ha, chegando no ano safra de 2004/05 a uma

área de plantio de 23,14 milhões de hectares. O Estado do Mato Grosso é o detentor da maior

área de plantio de soja do Brasil, chegando no ano safra de 2004/05 a uma área de 6.024.100

ha, seguido do Rio Grande do Sul com 4.090.100 ha, do Paraná com 4.081.500 ha, Goiás com

2.662.000 ha e, em 5º lugar, pelo Mato Grosso Sul, com uma área de plantio de 2.030.800 ha.

Pode-se ainda verificar que a área de plantio da soja em Mato Grosso do Sul supera a barreira

dos 2.000.000 de hectares no ano safra de 2004/2005 (Gráfico 4).

GRÁFICO 4: ÁREA DE PLANTIO DE SOJA EM MATO GROSSO DO SUL – 1990-2005, SEGUNDO A

CONAB.

Segundo informações da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), na

safra de 2004/2005 a área de plantio em Mato Grosso do Sul foi de 2,03 milhões de hectares.

-

500,0

1.000,0

1.500,0

2.000,0

2.500,0

1990

/91

1991

/92

1992

/93

1993

/94

1994

/95

1995

/96

1996

/97

1997

/98

1998

/99

1999

/2000

2000

/01

2001

/02

2002

/03

2003

/04

2004

/05

Ano

Áre

a e

m m

il h

ect

are

s

Page 96: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

106

Neste mesmo ano safra, Mato Grosso do Sul representou 8,78% do total da área produzida no

restante do país (23,14 milhões de hectares).

Em relação aos demais grãos, quando comparado o ano safra 1990/91 ao ano safra

204/05, a área de plantio da soja no país cresceu 137,48%, enquanto a área destinada aos

demais grãos (algodão, amendoim, arroz, aveia, centeio, cevada, feijão, girassol, mamona,

milho, sorgo, trigo e triticale) cresceu apenas 27,38%. Atualmente a soja (ano safra 2004/05)

representa 48% do total da área destinada ao plantio dos principais grãos. No ano safra de

1990/91 esta participação estava em 26%. Ou seja, no ano safra de 2004/05, para cada dois

hectares cultivados com os principais grãos, plantava-se, praticamente, um outro hectare

apenas com a soja. No ano safra de 2004/05 a área total destinada para produção dos

principais grãos no Brasil foi de 48,27 milhões de hectares (Gráfico 5).

GRÁFICO 5: ÁREA DE PLANTIO DE SOJA E DOS PRINCIPAIS GRÃOS NO BRASIL – 1990-2005,

SEGUNDO A CONAB.

Pode-se confirmar a relação entre a área destinada para plantio da soja e a área

ocupada pelos principais grãos cultivados no país pela quantidade de sementes de arroz,

algodão, feijão, milho e trigo produzidas quando comparadas à produção de sementes de soja.

Segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Sementes (ABRASEM), no período de

1990 a 2002 foram produzidas 19.334.000 toneladas de sementes de arroz, algodão, feijão,

milho, trigo e, inclusive, de soja. O total da produção de soja neste mesmo período de análise

chegou a 11.484.000 toneladas, representando 59,40% do total de sementes produzidas no

país nos últimos treze anos (Tabela 7).

-

10.000,0

20.000,0

30.000,0

40.000,0

50.000,0

60.000,0

1990

/91

1991

/92

1992

/93

1993

/94

1994

/95

1995

/96

1996

/97

1997

/98

1998

/99

1999

/00

2000

/01

2001

/02

2002

/03

2003

/04

2004

/051

Ano Safra

Tam

an

ho d

a Á

rea d

e P

lan

tio e

m m

il ha

Soja Principais Grãos no Brasil

Page 97: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

107

TABELA 7: PRODUÇÃO DE SEMENTES DAS PRINCIPAIS CULTURAS

BRASILEIRAS EM MIL TONELADAS – 1990-2002.

Segundo Michels (2004), em Mato Grosso do Sul existem 32 empresas ocupadas

com a produção de sementes5 de soja, sendo 29 produtores de sementes fiscalizadas, 2

produtores de sementes certificadas e apenas 1 produtor de sementes básicas. Atualmente, a

indústria de sementes no Estado utiliza 80% da sua capacidade produtiva com um total de

2,64 toneladas de semente de soja por hectare. As sementes plantadas no Estado foram

trazidas pelos migrantes da região sul do país, principalmente do Estado do Paraná.

Ainda em Michels (2004), a Associação dos Produtores de Sementes e Mudas de

Mato Grosso do Sul (APROSSUL) alega que a diminuição da produção de sementes no

Estado nos anos safras para o período de 1990/91 a 201/02 pode ser atribuída aos elevados

custos dos royalties pagos pelos produtores e, ainda, à concorrência com os demais Estados

produtores (Gráfico 6). Ressalta-se que a produção de grãos neste mesmo período tem

aumentado, confirmando a participação de sementes vindas de outros Estados.

5 A semente básica é derivada da multiplicação da semente genética (produzida pelo melhorador de plantas que tem a responsabilidade de

controlar e manter as suas características de pureza); a semente certificada, produzida em campo específico, é resultado da multiplicação da

Ano Algodão Arroz Feijão Milho Soja Trigo Total Soja/Total

1990 41 117 29 157 967 524 1.835 52,73%

1991 40 136 30 144 897 377 1.622 55,28%

1992 30 160 24 133 820 329 1.496 54,80%

1993 27 132 17 144 937 272 1.529 61,26%

1994 24 181 29 138 1.128 267 1.768 63,83%

1995 25 164 25 129 867 232 1.442 60,12%

1996 13 96 14 169 743 219 1.255 59,19%

1997 8 123 23 166 911 246 1.476 61,71%

1998 8 97 20 148 805 187 1.264 63,67%

1999 13 129 24 170 962 211 1.509 63,74%

2000 15 163 14 177 795 212 1.376 57,78%

2001 10 110 11 172 824 196 1.323 62,28%

2002 10 84 15 233 829 270 1.439 57,58%

TOTAL 263 1.691 274 2.078 11.484 3.543 19.334 59,40%

Fonte: ABRASEM – Associação Brasileira dos Produtores de Sementes (www.abrasem.com.br).

Elaboração: Secretaria de Política Agrícola / MAPA.

Page 98: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

108

GRÁFICO 6: PRODUÇÃO DE SEMENTES DE SOJA EM MATO GROSSO DO SUL – 1990/91-2004/05,

SEGUNDO A APROSSUL.

A soja é introduzida no campo como uma cultura de fácil manejo, fortemente

mecanizada e consumidora de insumos modernos. Com a soja a integração dos capitais no

interior do CAI, tanto a montante, como a jusante desta matéria-prima, estaria completa. De

um lado, têm-se as indústrias produtoras de máquinas, equipamentos e insumos modernos e,

de outro, a necessidade de implantação de agroindústrias esmagadoras de grãos. Ou seja, a

jusante desta matéria-prima surgia a oportunidade de nascimento de uma nova fase

substitutiva de importações a partir da instalação de indústrias esmagadoras de grãos de soja.

Neste momento histórico, a perspectiva de completar o projeto iniciado com a indústria de

bens de capital ganhava corpo.

Para Oliveira (2003) a soja cumpriu o seu papel nos cenários nacional e

internacional. No âmbito interno, segundo dados colhidos de ABIOVE (1988) apud Oliveira

(2003), nos anos safra de 1959/60, 1969/70, 1979/80 e 1989/90, a área plantada por hectares e

a produção por toneladas, foram, respectivamente: (171.400, 205.000); (1.318.800,

1.506.600); (8.769.000, 15.153.000); (11.551.000; 20.102.000). Comparando a taxa de

crescimento da área plantada e a produção do ano safra de 1959/60 com o ano safra de

1989/90 verificamos que a área de plantio de soja aumentou 97,7 vezes e a produção 67,4

vezes. A correlação entre as duas séries (área plantada e produção) para os anos safras de

semente básica; a semente fiscalizada é decorrente da multiplicação das sementes básica ou certificada, de acordo com as especificações de

cada espécie.

0

200.000

400.000

600.000

800.000

1.000.000

1.200.000

1.400.000

1.600.000

1.800.000

1990

/91

1991

/92

1992

/93

1993

/94

1994

/95

1995

/96

1996

/97

1997

/98

1998

/99

1999

/00

2000

/01

2001

/02

Ano Safra

Qu

an

tida

de

Produção de Sementes

Page 99: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

109

1959/60, 1969/70, 1979/80 e 1989/90 foi de 99,95%. Ou seja, a expansão da área plantada

ocorreu concomitantemente e nas mesmas proporções que o crescimento da produção. Essa

rápida evolução teve como esteio a modernização da agricultura e a partir desta a

consolidação das relações entre agricultura-indústria. Neste primeiro momento da reprodução

do capital a soja impulsionou o consumo de máquinas, equipamentos e insumos modernos

produzidos a montante das grandes propriedades.

É no sul de Mato Grosso do Sul que a soja tem a sua origem confirmada no

Estado. O cultivo do grão iniciou-se nos municípios de Dourados, Ponta Porã, Maracaju,

Fátima do Sul e Amambai. Nos anos de 1977-78 os municípios de Dourados e Ponta Porã

apresentaram os melhores resultados, ambos com área colhida maior que 100.000 hectares. É

também a partir do ano safra agrícola de 1977-78 que as lavouras começam a receber

financiamentos de bancos comerciais e novas linhas de crédito. No caso da soja (grãos e

sementes), esta lavoura é também beneficiada com a sua inclusão no Programa de Garantia da

Atividade Agropecuária (PROAGRO).

Na década de 80, a soja consolidou-se como a cultura predominante nestes

municípios, tendo uma área média colhida estabilizada em 100.000 hectares em cada um

deles. Nesta década a soja esteve presente em 90% dos municípios de Mato Grosso do Sul.

Segundo informações do IBGE, os maiores municípios produtores de soja no

Estado são: Chapadão do Sul, Dourados, Maracaju (maior produtor no ano-safra de 2003-04),

Sidrolândia, Ponta Porã e São Gabriel do Oeste, maior produtor do ano-safra de 1989-90.

Nestas localidades a produção de soja em grãos informada pelo IBGE e correspondente às

safras de 1989-90 e 2003-04 foi, respectivamente, 173-240; 210-407; 147-414; 59-205; 221-

335; e 243-342 mil toneladas. Entre os anos-safras de 1989-90 e 2003-04 o município de

Sidrolândia apresentou a maior variação na produção, ou seja, um crescimento de 247,46%.

O cultivo da soja está associado a médias e grandes propriedades, característica de

qualquer monocultura . Em Mato Grosso do Sul o cultivo pode ser observado em áreas

contínuas ao longo das rodovias do sul do Estado, ligando Rio Brilhante até Ponta Porã e, ao

norte, em quase toda a extensão de terra dos chapadões de São Gabriel do Oeste, rio Corrente

e das Emas.

Na década de 80 o aumento da produção de soja esteve condicionado aos

seguintes fatores: a) incorporação de novas áreas de plantio; b) incremento da produtividade

em decorrência dos avanços em pesquisa, mecanização e assistência técnica. Os investimentos

estaduais em pesquisa foram realizados pela Empresa de Pesquisa e Assistência Técnica e

Page 100: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

110

Extensão Rural de Mato Grosso do Sul (EMPAER-MS). A EMBRAPA/Centro Nacional de

Pesquisa da Soja (CNPSo), por intermédio da EMBRAPA-UEPAE Dourados, também

concentrou investimentos federais em Mato Grosso do Sul, seja com recursos próprios ou a

partir de convênios firmados com empresas privadas como a SOCEPPAR-Agro-Industrial e,

na década de 90, a Exportadora Bataguassu S/A.

Com a criação do estado de Mato Grosso do Sul, foi instalada a empresa de

Pesquisa, Assistência Técnica e extensão Rural – EMPAER, em substituição

à EMATER, porém, com a responsabilidade de desenvolver pesquisa

agropecuária paralelamente ao trabalho em curso junto aos produtores rurais.

A EMPAER deu prioridade, de início, ao trabalho de pesquisa com a cultura

da soja nas regiões norte e leste do Estado [...] A EMBRAPA, no âmbito

nacional, estava representada pelos centros nacionais de produtos. Esses

centros, com equipes multidisciplinares de pesquisadores, desenvolviam

pesquisas básicas e aplicadas. Inicialmente, devido a dificuldade nos

trabalhos dos pesquisadores e a longa distância, foi feito um acordo com

alguns centros nacionais, em que a EMPAER desenvolvia pesquisas locais

com o apoio científico e material genético fornecido por esses centros

(MICHELS, 1994, p. 84-85).

A produtividade média da soja em Mato Grosso do Sul no período do ano safra de

1990/91 ao ano safra de 2004/05 foi de 2,32 toneladas/ha. No Brasil esta produtividade

média, neste mesmo período, foi de 2,29 toneladas/ha. Ou seja, a produtividade média da soja

em Mato Grosso do Sul, nos últimos 15 anos, foi maior que a produtividade média do país,

apesar de estar atualmente abaixo nas últimas duas safras (Gráfico 7).

GRÁFICO 7: PRODUTIVIDADE DA SOJA NO BRASIL E EM MATO GROSSO DO SUL – 1990-2005,

SEGUNDO A CONAB.

-

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

1990

/91

1991

/92

1992

/93

1993

/94

1994

/95

1995

/96

1996

/97

1997

/98

1998

/99

1999

/200

0

2000

/01

2001

/02

2002

/03

2003

/04

2004

/05

Ano

Pro

du

tivid

ad

e e

m k

g/h

a

MS BRASIL

Page 101: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

111

Em suma, nos anos 80 a produtividade média passou de 1,87 toneladas/ha para

2,30 toneladas/ha e no ano safra de 1990/91 a soja em Mato Grosso do Sul atingiu uma área

colhida de 1,013 milhão de hectares, uma produção de 2,3 milhões de toneladas e uma

produtividade de 2,27 toneladas/ha.

Segundo os dados disponíveis na CONAB referentes à produção da soja em Mato

Grosso do Sul no período de 1990-91 a 2004-05 pode-se afirmar que a média produtiva anual

é de 2,696 milhões de toneladas, enquanto que no Brasil, neste mesmo período, a média

produtiva anual é de 32,338 milhões de toneladas. A maior produção verificada em Mato

Grosso do Sul ocorreu no ano safra de 2002/03, atingindo 4,104 milhões de toneladas

(Gráfico 8).

GRÁFICO 8: PRODUÇÃO DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL - 1990-2005, SEGUNDO A

CONAB.

Para Michels (1994), na década de 90 os municípios de Mato Grosso do Sul que

mais se destacaram na produção de soja foram: Sidrolândia, Maracaju e Dourados. Por outro

lado, observando-se os dados do IBGE/CONAB pode-se constatar que na década de 90 o

município de São Gabriel do Oeste produziu no período 2.616 toneladas, seguido dos

municípios de Dourados (2.209 toneladas), Ponta Porã (2.042 toneladas) e Chapadão do Sul

(2.032 toneladas). Os municípios de Maracaju e Sidrolândia não atingiram nesta década o

patamar de 2.000 toneladas. A maior safra do Estado neste período também foi conquistada

pelo município de São Gabriel do Oeste, pois no ano safra de 1998-99 atingiu a marca de 297

-

500,0

1.000,0

1.500,0

2.000,0

2.500,0

3.000,0

3.500,0

4.000,0

4.500,0

1990

/91

1991

/92

1992

/93

1993

/94

1994

/95

1995

/96

1996

/97

1997

/98

1998

/99

1999

/2000

2000

/01

2001

/02

2002

/03

2003

/04

2004

/05

Ano

Pro

du

ção

em

Mil

To

nela

da

s

Page 102: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

112

mil toneladas. Vale lembrar que ao longo da década de 90 os seis municípios acima citados

representaram, em média, 50% do total da produção estadual (Tabela 8).

TABELA 8: PRODUÇÃO DE SOJA NOS MAIORES MUNICÍPIOS PRODUTORES

DE MATO GROSSO DO SUL – 1990-2000 (mil toneladas)

Corrobora-se com Michels (2004) quando este afirma que a soja está migrando

para as regiões centro-norte e leste de Mato Grosso do Sul e que as principais regiões

produtoras no ano de 2000 foram as áreas localizadas no sudeste, centro-norte e leste.

Vale ressaltar que um volume expressivo da produção é escoado diretamente da

propriedade rural para os portos e para as indústrias esmagadoras. Porém, segundo Michels

(2004), o Estado de Mato Grosso do Sul possui uma capacidade instalada de armazenamento

estimada em 4,5 milhões de toneladas. Os armazéns públicos participam com 6,65% da

capacidade instalada, a iniciativa privada com 80,03% e as cooperativas com 13,31% da do

total máximo de estocagem. A região sul do Estado (microrregiões de Dourados e Iguatemi)

com 42,6% da capacidade de armazenagem do Estado e a região norte/nordeste

(microrregiões de Alto Taquari e Cassilândia) com 33,7% concentram em 76,3% toda a

capacidade ofertada de estoque.

Em termos absolutos, Mato Grosso do Sul possui 632 armazéns cadastrados pela

CONAB representando uma capacidade total de armazenamento de 4.857.449 toneladas de

grãos, sendo 365 unidades para armazenamento a granel com uma capacidade para estocar

4.050.643 toneladas e 267 unidades para armazenamento convencional (em sacas) com

capacidade de 806.806 toneladas. Os armazéns credenciados somam 46 unidades com

capacidade total de armazenamento de 723.523 toneladas de grãos, sendo 29 armazéns

graneleiros com uma capacidade para estocar 610.207 toneladas e 17 unidades para

armazenamento convencional com capacidade de 113.316 toneladas de grãos. A capacidade

SAFRA/MUNICÍPIO Chapadão do Sul Dourados Maracaju Sidrolândia São Gabriel Ponta Porã

1990-91 204 186 146 63 221 199

1991-92 204 170 124 60 277 138

1992-93 216 215 152 109 257 185

1993-94 217 231 171 90 244 271

1994-95 179 270 200 63 187 231

1995-96 168 230 108 63 283 168

1996-97 182 240 126 70 290 187

1997-98 216 179 178 88 283 178

1998-99 216 275 216 103 297 257

1999-2000 230 213 171 163 277 228

TOTAIS 2032 2209 1592 872 2616 2042

Fonte: IBGE/CONAB.

Page 103: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

113

total de armazenamento6 (armazéns cadastrados e credenciados) é de 5.580.972 toneladas,

representada por 678 unidades.

Já as agroindústrias esmagadoras, localizadas a jusante de produção de soja,

começaram a ser instaladas em Mato Grosso do Sul a partir da segunda metade da década de

80. Todavia, boa parte do fluxo de produtos primários produzidos no Estado era destinada às

pequenas agroindústrias localizadas no Sudeste. Deve-se partir do pressuposto que a

internalização das indústrias de bens de capital voltadas para a agricultura (D1 da agricultura)

é a condição sine qua non para a definição do CAI e ponto de decolagem deste estudo. Neste

sentido, e só neste, pode-se afirmar que o Complexo Agroindustrial da Soja (CAIS) em Mato

Grosso do Sul já poderia ser concebido a partir das relações de interdependência entre

territórios distantes, mas reticulados e articulados para frente e para trás da matéria-prima

principal, a soja, muito antes da primeira agroindústria a ser instalada no Estado em 1973.

Segundo Thompson (1979) apud Oliveira (2003), no ano de 1977 o país já

possuía uma capacidade industrial instalada pronta para esmagar 12,2 milhões de toneladas

por ano e unidades individuais capazes de esmagar 1.000 toneladas/dia, cada uma. Esta

pungência agroindustrial foi precedida por medidas governamentais, adotadas para garantir a

produção interna e a exportação de farelo e óleo de soja: a) no final da década de 60 o

governo federal criou um imposto adicional, fixando uma alíquota de 12,5% sobre as

exportações de soja, enquanto a alíquota sobre as vendas externas de farelo foi de 5% e para

as vendas no mercado interno a alíquota era zero; b) taxas de juros subsidiadas para aquisição

de máquinas esmagadoras de grãos; c) a divulgação da Resolução nº. 674/68 permitindo

exclusivamente aos exportadores de farelo e óleo de soja receberem um financiamento, com

taxas de juros também subsidiadas, equivalente a um certo percentual das exportações

registradas no ano imediatamente anterior; d) concessão de subsídio adicional aos

exportadores de farelo e óleo de soja com isenção de 30% na alíquota do imposto de renda

sobre as exportações; e) em 1974 o governo federal proibiu a exportação de soja em grãos,

permitindo a venda externa apenas para os excedentes resultantes da incapacidade de

esmagamento instalada no país. Para Müller (1989) apud Oliveira (2003) a agroindústria

converte-se no principal eixo da reprodução e acumulação capitalista em virtude da

obrigatoriedade da industrialização dos excedentes agrícolas, da expansão no consumo de

6 Os armazéns credenciados são todos aqueles que possuem documentação necessária para estarem aptos a receberem produtos do Governo

Federal. Já os armazéns cadastrados pela CONAB são todos aqueles aqueles que possuem algum tipo de irregularidade na documentação e

aguardam autorização do Governo Federal para o credenciamento.

Page 104: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

114

óleos de soja e margarinas (gorduras vegetais) e da produção de rações para alimentar aves e

gados.

O modo de regulação dos fluxo agrícola empregados pelas políticas estatais,

a ampliação da capacidade esmagadora e a velocidade com que crescia o

consumo urbano e rural de derivados da soja no Brasil, terminaram por

designar outro papel à estratégia de acumulação das empresas atuantes no

setor de oleaginosas. O eixo da acumulação do setor oleaginoso (soja em

primeiríssimo plano), fixado na comercialização até o início dos anos

setenta, foi se deslocando voluntariamente para a agroindústria (OLIVEIRA,

2003. p. 88-89).

Diante de uma produção nacional de soja espacialmente dispersa e de volumes

nunca vistos antes, os grandes grupos agroindustriais de capital internacional pulverizaram

seus escritórios e representações comerciais ao longo das regiões produtoras de matéria-

prima. Por outro lado, a compra à vista e antecipada da produção, a venda de sementes

selecionadas e de alta qualidade e assistência técnica aos produtores de soja foram as

estratégias utilizadas pelas agroindústrias de capital internacional para esmagar uma

quantidade de soja capaz de assegurar a inversão de seus investimentos no setor, bem como

ter poder social, político e econômico para gerar uma interdependência direta a montante do

CAI.

[...] em termos sociais, significa instituir uma “segurança” ao mercado

interno, atraindo o sojeicultor para esse mercado. Em termos econômicos,

assegura-se o abastecimento de matérias-primas, possibilita-se jogar com as

oscilações de preços, tanto de soja em grãos quanto do óleo e farelo, nos

mercados interno e externo. E, em termos políticos, aumenta

imensuravelmente seu poder de barganha, e cria suas “crises”. (OLIVEIRA,

2003, p, 90).

A segunda metade da década de 80 foi marcada pela instalação de novas

unidades agroindustriais (esmagadoras de soja) em regiões periféricas do centro dinâmico do

capitalismo, ou seja, fora do eixo São Paulo-Sul do país. Segundo dados do IBGE, no ano de

1990 o Nordeste possuía oito unidades agroindustriais e o Centro-Oeste dezessete. Sendo sete

em Mato Grosso do Sul, sete em Goiás, duas em Mato Grosso e uma no Distrito Federal.

Segundo Oliveira (2003), dessas vinte cinco agroindústrias esmagadoras de soja, quatorze

foram instaladas nos meados da década de 80. Tal fato pode ser explicado pelo deslocamento

de quase 40% do cultivo de soja para o Centro-Oeste. A proximidade com a matéria-prima

reduziria os custos com transportes e impostos e, além disso, as regiões mais ao norte

Page 105: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

115

apresentavam outras vantagens que complementavam os aspectos localizacionais, tais como:

custo de produção barateado pelo fator mão-de-obra; subsídios e incentivos governamentais

de toda natureza; fertilidade da terra que assegurava uma taxa crescente de esmagamento. O

conjunto desses fatores aliados ao poder de mercado na comercialização de soja influenciou

decisivamente os investimentos dos grupos nacionais emergentes no setor, como a Sadia,

Ceval, Perdigão, dentre outros.

A paisagem agroindustrial da soja, composta, até o início da década de

oitenta, de pequenas unidades esmagadoras sob a tutela de pequenos grupos

empresariais locais, em sua maioria, operando com baixo nível técnico, foi

cedendo lugar a uma paisagem povoada por esmagadoras e porte muito

superior [...] de conteúdo técnico e operacional mais moderno e avançado,

com predomínio de capital nacional (OLIVEIRA, 2003, p. 103).

Em Michels (2004), a agroindústria de transformação é o carro-chefe da

industrialização em Mato Grosso do Sul. Para Oliveira (2003), no caso da soja, tanto a

produção como a sua agroindustrialização (esmagamento do grão, extração e refino do óleo)

são os principais elementos integrantes da paisagem do Estado, onde várias esmagadoras

reproduzem o espaço conforme seus interesses.

A OLVESUL (Indústria Sul-Matogrossense de Óleos Vegetais Ltda.) constituiu-

se numa empresa esmagadora de grãos a partir da aquisição, em outubro de 1991, da unidade

industrial da JÚNIOR (Indústria e Comércio de Óleos Vegetais Ltda.) localizada no

município de Ponta Porã. A venda da JÚNIOR à OLVESUL foi motivada pelo seu

distanciamento dos principais portos e, por conseqüência, pela inviabilização das suas

exportações, bem como a debilidade gerencial e financeira demonstrada pela sua incapacidade

de aproveitamento do potencial doméstico (mercado interno) na venda direta de farelo para os

produtores e consumidores da região. Com a aquisição da JÚNIOR, a OLVESUL pretendia

ampliar a sua capacidade de esmagamento nos próximos dois anos, passando de 180 mil

toneladas/ano para 600 mil toneladas/ano. Atualmente a OLVESUL tem capacidade para

esmagar 250 toneladas/dia.

A COPAZA foi instalada em Dourados quando já havia representações comerciais

de grupos tradicionais e atuantes no mercado mundial de soja, como a Cargill, Granol,

SOCEPAR, CEVAL, Sambra, etc. Vale ressaltar que a COPAZA de Dourados foi criada em

1985, período de recuperação da economia do país, auferindo lucros extraordinários até a

implantação de outras unidades agroindustriais (CEVAL, SOCEPAR e MATOSUL), que

Page 106: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

116

passaram a concorrer pela compra da matéria-prima e pela venda de óleo refinado. A

proximidade da COPAZA com o local de produção da matéria-prima aumentava as chances

desta esmagadora frente à forte competitividade oligopolística do setor. A instalação de

unidade agroindustrial aliada à construção de silos na região de Dourados parecia, a priori,

uma alternativa viável para fazer frente aos concorrentes. No entanto, o

superdimensionamento no armazenamento de grãos incompatível com o potencial produtivo

da região acarretou elevação nos preços dos grãos de soja, inviabilizou a inversão dos seus

investimentos e comprometeu o pagamento de seus empréstimos e financiamentos junto aos

bancos. A COPAZA entrou em concordata e foi obrigada a vender suas instalações (unidade

agroindustrial e silos).

Em 1988 a CEVAL implanta em Campo Grande uma unidade esmagadora e

refinadora capaz de esmagar 240 mil toneladas de soja/ano e refinar 150 toneladas/dia de óleo

bruto. Para tanto, foram investidos aproximadamente US$ 57 milhões na transferência das

máquinas da unidade esmagadora de São Miguel D‟Oeste-SC e da unidade refinadora de óleo

de Rio Grande-RS. Em 1991, em decorrência dos resultados positivos desta unidade

esmagadora e refinadora em Campo Grande, a CEVAL ampliou a capacidade refinadora para

280 toneladas/dia de óleo bruto.

Seguindo a estratégia da CEVAL pela ocupação do espaço em função da

proximidade com a produção da matéria-prima principal, a SADIA, por intermédio da

FRIGOBRRÁS (Cia. Brasileira de Frigoríficos), empresa do grupo, arrendou em 1991 e

depois comprou a COPAZA de Campo Grande em 1993. Com o arrendamento e a compra da

COPAZA de Campo Grande, o Grupo Sadia aumentou a sua capacidade de esmagamento e

refino de óleo bruto, alcançando, respectivamente, 1,68 milhão de toneladas/ano e 230 mil

toneladas/ano.

Em 1988 a SOCEPPAR (Sociedade Cerealista Exportadora de Produtos

Paranaenses), com respaldo na Lei Estadual nº. 701, de 06 de março de 1987, solicitou ao

Governo do Estado subsídios (isenção de ICMS) para instalar no município Bataguassu uma

unidade agroindustrial para esmagamento de grãos de soja e ao mesmo tempo implementar,

no Sudeste do Estado, região de forte tradição pecuária, um sistema de fomento à cultura de

soja. O projeto de fomento não consolidou-se, respondendo apenas por uma produção de soja

em torno de 10% da capacidade de esmagamento da unidade agroindustrial, obrigando a

empresa investir US$ 1,5 milhão na construção de armazéns nos municípios de Nova

Andradina e Angélica. Por outro lado, a esmagadora de soja da SOCEPPAR implantada no

Page 107: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

117

município de Bataguassu em 1990, denominada de Agroindustrial Exportadora Bataguassu

Ltda., com capital inicial investido próximo a US$ 6,7 milhões, continua operando e

atualmente tem capacidade para esmagar 1.600 toneladas/dia ou 480.000 toneladas/ano,

constituindo-se numa agroindústria esmagadora de soja de grande porte. Dentre os principais

motivos que justificariam a presença da SOCEPPAR em Mato Grosso Sul pode-se destacar:

a) capacidade de esmagamento menor que a produção local; b) proximidade com São Paulo,

mercado de óleo bruto; c) subsídios a partir da isenção do ICMS (principal fator motivador).

Outras unidades agroindústrias esmagadoras de soja foram implantadas no Estado

também motivadas pela proximidade com a matéria-prima e pelos subsídios ofertados pelo

governo. Ou seja, no caso da instalação das empresas MATOSUL, FATISUL, PACAEMBU e

SOEVER em Mato Grosso do Sul deve-se considerar o binômio Soja-ICMS como

determinante na fixação destas esmagadoras em Três Lagoas, Dourados e Fátima do Sul. É

mister afirmar que as agroindústrias MATOSUL, FATISUL e SOEVER foram

implementadas com financiamentos e incentivos governamentais por serem constituídas por

capital local.

A indústria de óleos PACAEMBU, implantada em 1973 no município de Fátima

do Sul, foi pioneira no esmagamento de soja em Mato Grosso do Sul. Em 1986, com o

advento da Lei Estadual nº. 440, de março de 1984, solicitou incentivos de 100% da sua

capacidade de esmagamento. Com a aquisição de um novo maquinário em 1987, associado

aos equipamentos tecnologicamente superados, em 1988, ou seja, no auge das exportações de

soja em grãos, a capacidade produtiva foi redimensionada para 180 mil toneladas/ano. Apesar

desta reorganização do processo produtivo a PACAEMBU ainda operava com taxas de

ociosidade de 50%, reflexo da falta de capital de giro (ainda que pese os pródigos incentivos

concedidos pelo Governo do Estado na forma de isenção do ICMS, chegando a 67%),

incapacidade de armazenamento e uma fraca distribuição para compra de grãos capaz de

concorrer com os grupos mais sólidos, como SOCEPPAR, CARGILL, CEVAL, SADIA, etc.

No ano de 1990 a agroindústria esmagadora entra em concordata e passa a operar em 1991

sob o comando arrendatário da SOEVER, que na época pagou a quantia de US$ 700 mil para

esmagar 500 toneladas de soja por dia durante dois anos. O projeto não alcançou o resultado

esperado em decorrência dos mesmos motivos que impediram a permanência da

PACAEMBU no mercado de farelo e óleo bruto, ou seja, insuficiência de capital de giro e

fraca distribuição espacial e suporte para aquisição de matéria-prima. Restando mais de um

ano para encerrar o arrendamento, as empresas resolvem optar pelo distrato. Atualmente, a

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118

PACAEMBU está arrendada pela OLVESUL, mas segundo analistas o seu funcionamento

não deverá perdurar.

Em 1988, o consócio formado pela MATOSUL e a OURO & PRATA, empresa

gaúcha do ramo de transportes, fertilizantes e que também detinha 51 mil hectares em Mato

Grosso destinados ao cultivo de soja, com investimentos na faixa de US$ 9,5 milhões deu

origem à agroindústria esmagadora chamada de MATOSUL Indústria de Óleos Vegetais

Ltda., instalada no município de Três Lagoas, com capacidade para esmagar 360 mil

toneladas/ano.

Em 1991 nasce a FATISUL (Indústria e Comércio de Óleos Vegetais Ltda.) a

partir do arrendamento da unidade agroindustrial da COPAZA de Dourados por um ano pela

quantia mensal de Cr$ 11,6 milhões corrigidos pelo IGPM. A fábrica foi adquirida

definitivamente em 1993 e possui uma capacidade para esmagar 480.000 toneladas de

soja/ano.

Considerando-se todas as unidades esmagadoras de soja localizadas em Mato

Grosso do Sul pode-se afirmar que o parque agroindustrial instalado tem capacidade para

esmagar 2.150.000 toneladas de soja por ano, ou seja, um pouco mais da metade (57,63%) de

toda a produção de soja em grãos colhida no Estado no ano safra de 2004/05 (3.730.600

toneladas). Ver Tabela 9.

TABELA 9: CAPACIDADE DE PRODUÇÃO DAS UNIDADES AGROINDUSTRIAIS

ESMAGADORAS DE SOJA LOCALIZADAS EM MATO GROSSO DO SUL

A decisão pela localização em Mato Grosso do Sul e a concentração dos

investimentos no Estado estão intimamente associados com as relações dos empresários com

o poder público estatal, principalmente em relação às agroindústrias OLVESUL, FATISUL e

MATOSUL. Basicamente, a agroindustrialização voltada para o esmagamento de grãos em

Mato Grosso do Sul, em especial a soja, foi possibilitada pelo capital nacional. O capital

internacional se ocupou com a comercialização e armazenagem de grãos, enquanto as

esmagadoras, forjadas com o “capital local”, produziam o farelo e o óleo de soja (bruto e

ESMAGADORAS LOCALIZAÇÃO ANO DE INSTALAÇÃO ANO DE OPERAÇÃO CAPACIDADE (T)

CEVAL Campo Grande 1988 1988 240.000

FRIGOBRÁS Campo Grande 1984 1985 230.000

MATOSUL Três Lagoas 1989 1990 360.000

SOCEPPAR Bataguassu 1989 1990 480.000

FATISUL Dourados 1989 1989 480.000

OLVESUL Ponta Porã 1984 1985 180.000

OLVESUL Fátima do Sul 1973/1988 1973/1988 180.000

Fonte: Elaboração própria.

Page 109: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

119

refinado). Vale enfatizar que as máquinas utilizadas no esmagamento, extração e refino são

modernas, competitivas no âmbito internacional (redução expressiva dos custos de energia e

de manutenção) e de procedência nacional, confirmando a consolidação do D1 da agricultura,

a jusante da matéria-prima.

Para Oliveira (2003), em relação à localização das agroindústrias em Mato Grosso

do Sul pode-se observar uma dispersão, pois mais da metade delas não está fixada nas

principais regiões produtoras de soja do Estado.

Para a FRIGOBRÁS e CEVAL a estratégia localizacional partiu da ocupação do

espaço geográfico tendo em vista dominar o mercado consumidor de óleo refinado. Em

Campo Grande, apesar da pequena produção de soja, tem-se a possibilidade de atingir com

facilidade, via BR 163, as principais regiões produtoras de soja do Estado, ou seja, São

Gabriel do Oeste e Dourados, que juntas correspondem a 70% da produção de grãos de soja

em Mato Grosso do Sul. Por outro lado, possibilitou ainda uma proximidade com os seus

pontos de compra e armazenagem.

As estratégias da OLVESUL (Ponta Porã e Fátima do Sul), FATISUL (Dourados)

e MATOSUL (Três Lagoas) estiveram condicionadas à abundância da matéria-prima no

próprio município e/ou no seu entorno.

No caso da SOCEPPAR, a sua localização no município de Bataguassu foi

influenciada pela estrutura de armazenagem pertencente à empresa e situada na região sul do

Estado, bem como a facilidade de escoamento de grãos para atender uma outra esmagadora do

grupo localizada no município de Marechal Cândido Rondon-PR. Pode-se ainda salientar que

a concessão de subsídios atraiu a instalação da SOCEPPAR para Mato Grosso do Sul.

Tirar proveito: das regiões produtoras de soja, do mercado consumidor, das

taxas de subsídios, dos transportes, das fontes de energia, etc., para

localização das unidades, sempre ligou-se à estratégia “global” das

empresas, onde o tamanho, o desempenho no território e o volume de

capital, foram decisivos no planejamento industrial de cada uma delas. [...]

podemos identificar a CEVAL e a FRIGOBRÁS (SADIA) como,

estrategicamente, posicionando-se na preocupação de ocupar espaço

geográfico; a OLVESUL (Ponta Porã e Fátima do Sul), a FATISUL e a

MATOSUL, definidas em razão da produção locacional de matéria-prima e,

a SOCEPPAR ata sua flexibilidade comercial, fixando sua produção

agroindustrial subsidiada (OLIVEIRA, 2003, p. 177).

O Estado possui sete unidades para esmagamento do grão de soja, tendo como

produtos o farelo e o óleo (bruto e refinado). Destas sete unidades agroindustriais, duas estão

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120

localizadas no município de Campo Grande (FRIGOBRÁS, ex-COPAZA e CEVAL), uma

em Dourados (FATISUL, ex-COPAZA), uma em Três Lagoas (MATOSUL), uma em Ponta

Porã (OLVESUL), uma no município de Bataguassu (SOCEPPAR) e uma funcionando no

município de Fátima do Sul (OLVESUL, antiga PACAEMBU). Ver Mapa 1.

Significativa Produção de Soja

Localização de Agroindústria(s) Esmagadora(s) de Soja

Fonte: OLIVEIRA, T. M. ( 2003).

MAPA 1: PRINCIPAIS REGIÕES PRODUTORAS DE SOJA EM MATO GROSSO DO SUL E

LOCALIZAÇÃO DAS AGROINDÚSTRIAS ESMAGADORAS.

Para Michels (1994) os insumos modernos como adubos, herbicidas e fungicidas

não são produzidos em Mato Grosso do Sul, muito embora estes custos na produção da soja

representarem quase 2/3 do total gasto nesta cultura. Os custos mais elevados no plantio da

soja são: adubo, representando 30% do total dos custos; herbicidas e fungicidas (27%); mão-

de-obra (8%).

Os principais fatores que determinam a compra dos adubos, herbicidas e

fungicidas são: preço [...], qualidade [...] e o hábito, costume e tradição [...].

Tais produtos não são produzidos no Estado e seus princípios ativos são

Page 111: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

121

importados de outros países, com preços em dólar, o que explica o fato de

que a maior parcela dos custos de produção esteja voltada a eles (MICHELS,

1994, p. 112).

Pode-se dizer que a indústria produtora de máquinas, equipamentos e insumos

modernos não está internalizada no Estado de Mato Grosso do Sul.

Para Oliveira (2003), o processo de agroindustrialização em Mato Grosso do Sul

foi forjado por uma relação de dependência entre Estado e Indústria e resultante de um acordo

tácito entre as duas partes. Do lado empresarial, buscou-se a valorização do capital e redução

de riscos a partir dos incentivos fiscais e, do lado do Estado, a necessidade de industrializar-se

para atingir o desenvolvimento almejado e ainda elevar a arrecadação de impostos no longo

prazo, exigiu dos Governos Estaduais, além dos subsídios, o investimento em obras de infra-

estrutura (pavimentação de estradas, implantação de redes de energia elétrica, construção de

um porto fluvial em Porto Murtinho). Além disso, com o término do período de concessão de

subsídios às esmagadoras de soja (final do Governo Pedrossian), o Estado introduziu diversos

programas com o objetivo de garantir a competitividade das agroindústrias. Dentre as ações

mais relevantes pode-se citar: incentivos fiscais voltados para a agricultura, avicultura,

suinocultura, bovinocultura, ou seja, fortaleceu a produção da matéria-prima e garantiu um

mercado interno subsidiado capaz de absorver a produção de farelo e óleo de soja, tornando as

agroindústrias competitivas. Vale ressaltar que até os dias de hoje as agroindústrias recebem

incentivos fiscais.

A dependência entre Estado e agroindústrias, torna-se mais visível com

relação à arrecadação e à devolução de impostos. Todas as esmagadoras de

soja, atuantes no Mato Grosso do Sul, operam com incentivos fiscais

provenientes das leis 440, 701 e 1.290. Os dados que possuímos permitem-

nos avaliar um incentivo na ordem dos US$ 40 milhões – somados neste

montante, os incentivos provenientes das leis 440, 701, 1.290, e, Leis e

Decretos municipais que isentaram as empresas de recolhimento do ISS,

IPTU, etc. – às unidades esmagadoras de soja, desde a implantação da

primeira planta em 1984 (OLIVEIRA, 2003, p. 232-233).

A constituição do CAI em Mato Grosso do Sul e seu encadeamento, tanto a

jusante, como principalmente a montante, pressupõe uma investigação entre territórios em

escalas de integração vertical pertencentes a espaços distintos e distantes, mas alinhados e

articulados entre si, pois as indústrias produtoras e fornecedoras de máquinas, equipamentos e

insumos modernos estão localizadas em territórios pertencentes ao centro do capitalismo, mas

Page 112: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

122

exercem poder de influência e condicionam a produção de soja (matéria-prima) em territórios

periféricos aos seus gargalos e avanços tecnológicos.

Por outro lado, a jusante, as agroindústrias beneficiadoras de grãos de soja

integram o CAI, em sua grande maioria, também em escala vertical, apesar de existirem

relações de mercado no território contíguo.

Torna-se evidente que sob a ótica do CAIS os desdobramentos territorial,

econômico, social e histórico da chamada “modernização conservadora” e suas conseqüências

em Mato Grosso do Sul influenciam no processo de desenvolvimento local. Ou seja, os

eventos ocorridos a montante e a jusante da produção do grão da soja são determinados por

agentes externos.

Além disso, a produção da matéria-prima local está subordinada aos interesses do

capital industrial. O CAIS em MS não está alinhado com conceito de desenvolvimento local.

Com a agregação do território como ferramenta de articulação espacial entre os elos do CAI,

o poder da comunidade em ditar o seu próprio caminho desloca-se para o centro de expansão

do capital.

Por fim, as indústrias produtoras e fornecedoras de máquinas, equipamentos e

insumos modernos estão localizadas em territórios centrais e de expansão capitalista, mas

influenciam a produção de soja (matéria-prima) em territórios periféricos. Esta sobreposição

de escalas territorialmente desiguais influencia o desenvolvimento local de uma comunidade,

tendo em vista que a sua dinâmica está sendo forjada pelos eventos ocorridos em outros

territórios.

Page 113: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

123

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho foram retratados temas relativos ao complexo agroindustrial,

desenvolvimento local e território. Para compreender o processo de desenvolvimento local em

Mato Grosso do Sul tornou-se imprescindível constituir e delimitar o conceito de Complexo

Agroindustrial (CAI), suas inter-dependências e interações com o ambiente, considerando-se

ainda a modernização e a industrialização da agricultura, bem como a influência do Estado.

Para analisar o desenvolvimento local procurou-se estabelecer uma conceituação

teórica sobre este processo, sem perder de vista o encadeamento do Complexo Agroindustrial

(CAI), tanto a jusante, como principalmente a montante da matéria-prima (soja) e, os

desdobramentos territoriais em escalas de integração vertical pertencentes a espaços distintos

e distantes, mas alinhados e articulados entre si.

Nesse sentido, constatou-se que as indústrias produtoras e fornecedoras de

máquinas, equipamentos e insumos modernos, utilizados em Mato Grosso do Sul, estão

localizadas em territórios pertencentes ao centro dinâmico de expansão capitalista, mas que

influenciam e acabam condicionando a produção de soja no local de análise.

Por outro lado, as agroindústrias esmagadoras de soja da região estão instaladas

no hemisfério sul do Estado.

Dessa forma, o desenvolvimento econômico local, concentrado na produção

agrícola de soja, fica a mercê dos interesses do capital industrial, representado por indústrias e

agroindústrias situadas nos flancos do CAIS. Estas empresas atuam num mercado de

característica oligoplística e estão atreladas ao capital financeiro disponível para viabilizar a

valorização e a reprodução de um sistema integrado verticalmente por territórios em escalas

espaciais não pertencentes ao local de produção da matéria-prima, no caso a soja.

O Estado teve participação decisiva nos processos de modernização e

industrialização da agricultura, culminando com a consolidação dos Complexos

Agroindustriais (CAI) no Brasil na década de 70 e no Estado de Mato Grosso do Sul na

década de 80.

A presença marcante do Estado, nas esferas estadual e federal, ficou caracterizada

pela sua subordinação aos interesses do capital, que por sua vez, condicionou a agricultura à

necessidade de acumulação capitalista.

Os incentivos fiscais, as facilidades de acesso ao crédito, as políticas

macroeconômicas estimulando a exportação e os programas de desenvolvimento para a região

Page 114: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

124

Centro-Oeste permitiram o direcionamento a produção agrícola para uma crescente

mecanização e altamente dependente de agroquímicos.

Com o advento da globalização e a nova divisão nacional do trabalho a região

Centro-Oeste do país foi remetida ao papel de produtora agrícola, caracterizando uma

estratégia de reprodução e acumulação do capital industrial.

Com o aprofundamento das inter-relações no âmbito do Complexo Agroindustrial

da Soja (CAIS) encadeado para trás e para frente a partir da produção local de soja constatou-

se em Mato Grosso do Sul a presença de características que retratam o fenômeno a

“modernização conservadora”, ou seja, a estrutura fundiária concentrada em grandes porções

de terra, produção de alimentos voltados para o mercado externo e os benefícios dos avanços

tecnológicos (novos insumos e mecanização do processo produtivo) privilegiando somente os

grandes produtores.

A partir dos desdobramentos territorial, econômico, social e histórico da chamada

“modernização da agricultura” e suas conseqüências em Mato Grosso do Sul foi possível

contextualizar o processo de desenvolvimento.

Neste caso, o desenvolvimento local deve ser encarado pela comunidade local

como um processo de mudança da situação vigente, principalmente na compreensão das

relações que acontecem no âmbito do CAI da Soja, da sua forma de inserção na sociedade e

da criação de mecanismos que propiciem as oportunidades de crescimento coletivo.

Tal entendimento pode tornar-se um instrumento fundamental para assegurar o

desenvolvimento no território sul-mato-grossense. Caso contrário, o desenvolvimento trazido

pelo CAIS dificilmente proverá no território um desenvolvimento local; quando muito este

conjunto produtivo, continuará suscitando um desenvolvimento no local (Ávila, 2000).

Por fim, o entendimento das inter-relações existentes no Complexo Agroindustrial

(CAI), a presença do Estado como agente facilitador da reprodução do capital industrial e a

agregação do território como espaço de articulação entre os atores participantes foram

imprescindíveis para conhecer um pouco mais a realidade agroindustrial de Mato Grosso do

Sul.

Page 115: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA EM MATO GROSSO DO SUL

125

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