o desenvolvimento da cidade de torres/rs … · foi esse crescimento que feltes acompanhou durante...
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Sessão temática Cidade - 117
O DESENVOLVIMENTO DA CIDADE DE TORRES/RS
ACOMPANHADO PELAS LENTES DO FOTÓGRAFO
ÍDIO K. FELTES – 1930/1970
Camila Eberhardt1
RESUMO
A presente comunicação pretende analisar imagens fotográficas provenientes do estúdio
fotográfico de Ídio K. Feltes, na qual, a cidade de Torres/RS iniciou seu processo de
desenvolvimento urbano com maior intensidade. Torres/RS está localizada no litoral
Norte do Rio Grande do Sul, e a partir dos anos de 1930, a cidade passou a ser visitada
por turista que vislumbravam as belezas naturais, as praias e as falésias. É nesse intuito
que Torres/RS se tornou um dos principais balneários turísticos no Estado, a cidade foi
se tornando cada vez mais reconhecida como destino turístico, e, portanto, foi
crescendo. Foi esse crescimento que Feltes acompanhou durante muitos anos por meio
de seu trabalho na cidade como fotógrafo, e que a presente comunicação objetiva
compreender.
Palavras-chave: Fotografias Aéreas. Cidade. Cultura Visual. História. Memória.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho propõe a análise de fotografias aéreas produzidas pelo
estúdio fotográfico de Ídio K. Feltes, realizadas na cidade de Torres, durante o século
XX. Essas fotografias acompanham o desenvolvimento urbano de Torres.
O Município de Torres está localizado no Litoral Norte do Rio Grande do Sul.
Durante muito tempo, serviu como posto militar de observação, mas que, com a
colonização alemã2 e, posteriormente, a italiana, obteve um desenvolvimento
significativo no seu interior, embora tenha se mantido tímido até as primeiras décadas
do século XX no que diz respeito à área urbana.
O que mudou essa realidade e permitiu com que o município iniciasse seu
processo de desenvolvimento urbano foram os atrativos do mar e de suas falésias. Na
beira do mar da cidade, podem ser vistas três torres (falésias) que, praticamente,
1 Doutorando em História pela Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos). Mestra em História pela
PUCRS. Bolsista de pesquisa CNPQ. Email: [email protected]. 2 Sobre a imigração alemã, ver: SELAU, José Krás. Imigração alemã em Torres: por quê? A Gazeta,
Torres, 1999.
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adentram o mar, o que originou o nome do município. Essas falésias, juntamente com as
águas, proporcionaram, e vale dizer, ainda proporcionam, uma bela paisagem aos
turistas que começaram a frequentar a região a partir dos anos 30 (séc. passado), com a
instalação do Hotel Picoral. Uma iniciativa de José Antonio Picoral que criou um dos
roteiros turísticos mais importantes do turismo no Estado do Rio Grande do Sul.
Ruschel irá descrevê-lo como a
maior iniciativa turística do Rio Grande do Sul de então. Tratava-se de
estabelecimento integrado com o hotel, chalés, fornecimento de luz e água,
restaurante, lavanderia, carpintaria, serraria, bar, diversões, transportes,
propaganda, “marketing”, etc. Torres passou a ser famosa como RAINHA
DAS PRAIAS GAÚCHAS, lotando-se de veranistas a cada temporada.
(RUSCHEL, 1996) (Grifo do autor).
A cidade de Torres, durante algumas décadas do século XX, conviveu com um
dualismo: nos meses de verão, recebia a elite gaúcha, sendo considerada a “Praia da
Alegria”, a praia aristocrática do estado, e comparada, como revelou a Revista do
Globo,3 como a “Copacabana” do Rio Grande do Sul. Entretanto, durante boa parte do
ano, sofria as intempéries do inverno e de sua monocultura, conforme atesta a
reportagem “Torres, cenário maravilhoso!”, realizada pela Revista do Globo, no qual, o
então prefeito Moisés Camilo de Farias lamentava a situação do município:
Tenho o máximo prazer em conversar com o representante da “Revista do
Globo”. Mas tenho pouca coisa para lhe dizer. O meu município é pobre.
Talvez seja mesmo o mais pobre do Estado. A nossa única cultura é a cana de
assúcar, e com a proibição da adição do assúcar aquí fabricado, de inferior
qualidade, no café e no vinho, estagnou completamente o comércio dêsse
produto, sendo que a aguardente, além de seu baixo preço, tem uma
exportação insignificante. O nosso colono encontrasse em difícil situação
financeira, notando-se entre os mesmos um grande abatimento. (Revista do
Globo, ano XII, n. 285, p. 32-33, 30 nov. 1940.)
Foi somente nos anos 80 do mesmo século, que reais mudanças ocorrem no
aspecto urbano de Torres, que deixava de ter espaços somente para receber os turistas
nos meses de verão e passava a desenvolver atividades comerciais e culturais em seu
território urbano durante o ano todo. Todavia, essa situação foi impulsionada justamente
3 A Revista do Globo era um periódico ilustrado, editado pela Livraria do Globo, em Porto Alegre, com
tiragem quinzenal, que esteve nas bancas gaúchas entre 1929 e 1967.
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pelas possibilidades advindas do turismo, que foi promovido em grande parte pelos
turistas da Argentina e do Uruguai, o que se refletiu no desenvolvimento acentuado da
construção civil. Nessa época, houve um aumento da população urbana, como aponta
Graciano:
Em 1980, Torres possuía 18.430 habitantes no perímetro urbano, contra
23.209 habitantes na zona rural. Comparados com os anos 70 aonde só
residiam no perímetro urbano cerca de 9 mil habitantes, pode-se afirmar que
a cidade em si cresceu cerca de 100%. O êxodo rural observado nos anos 80
está relacionado às transformações no setor primário, onde foi aberto cada
vez mais espaço para o território, intimamente ligado à indústria do turismo e
da construção civil. (GRACIANO, 2004. p. 32-33)
Foi em meio a essa realidade que Ídio. K Feltes iniciou suas atividades como
fotógrafo na cidade, adquirindo um grande espaço na sociedade torrense e registrando
as mais diversas temáticas no município. A família de Feltes era de origem alemã e
residia na colônia de São Leopoldo/RS. Na década de 20, ele deixou seus familiares
para viver na cidade de Torres, e, inicialmente, trabalhou como apontador4 no aeroporto
do município. Foi nessa cidade que se casou e constituiu sua família. Seu contato com a
técnica fotográfica iniciou devido à troca de conhecimentos com o fotógrafo Breno
Kleser, que atuava como fotógrafo amador. Além da fotografia, Ídio exercia outras
atividades, como a de cinematógrafo. Foi a partir dele que a cidade de Torres teve sua
primeira projeção de filme em uma sala de cinema, o cinema Marajó.
Possuía um estabelecimento comercial e um estúdio fotográfico, o que era
recorrente no século XX. Possamai (2005), em seus estudos sobre fotografias de Porto
Alegre, descreve que esses estabelecimentos não se resumiam somente à venda de
materiais fotográficos, nestes, uma diversidade de materiais era disponibilizada à venda,
era um meio para a sobrevivência dos proprietários.
Assim, o estabelecimento comercial Feltes, que esteve localizado na Rua Júlio
de Castilho 539, em todo o período de atuação,5 vendia-se diversos produtos de
ferragem, caça e pesca, inclusive, à prefeitura de Torres, que, durante mais de 30 anos,
4 De acordo com Fernando Feltes seu pai exercia a função de chefe dos funcionários que trabalhavam na
construção do aeroporto em Torres/RS. 5 O prédio não pertence mais a família, no entanto, permanece intacto no local.
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comprou produtos do comércio Feltes, que fornecia, por exemplo, também dinamite.6
Durante sua atuação na cidade, encontram-se algumas propagandas em jornais locais,
como o jornal O Torrense de 1949.
Feltes trabalhava em família. Teve quatro filhos que trabalhavam com o
fotógrafo juntamente com sua esposa Idegarte, ora na loja de ferragens, ora
fotografando ou trabalhando no estúdio fotográfico. Mas Feltes também empregou
muitos cidadãos torrenses ao longo de sua atuação, entre eles: Samuel Farias,
Nascimento J. Oliveira,7 e a figura de Luiz Álvaro de Lima, filho de Elcio Lima
8, um
importante personagem torrense. Luiz Álvaro de Lima realizava trabalhos externos, mas
também trabalhava na revelação das imagens, sendo responsável pela produção da
primeira imagem colorida do estúdio.
Em sua maioria, as fotografias produzidas pelo estúdio, cuja identificação
prontamente era e é visualizada pelo olhar do expectador, possuíam uma característica
peculiar: uma legenda de cor branca era inscrita, em cima da fotografia, na direção
horizontal, na parte inferior, onde eram registradas informações quanto ao local, o mês e
o ano de sua produção. Essa era uma identificação singular do estúdio de Ídio K. Feltes.
Somando-se a isto, muitas fotografias possuíam um carimbo, com o nome do estúdio,
no verso da imagem.
As fotografias aéreas realizadas pelo estúdio Feltes foram feitas pelo próprio
fotógrafo Ídio K. Feltes, de acordo com seu filho Fernando Feltes, seu pai gostava de
realizar pessoalmente essas imagens.
Entretanto, para poder compreender como essas imagens se produziram e
significam, é necessário que, primeiramente, se compreendam os mecanismos que
engendram suas fontes. Para tanto, segue-se com alguns apontamentos no que diz
respeito à fotografia.
6 O documento de compra e venda de dinamite entre o comércio de Ídio k. Feltes e a prefeitura de
Torres/RS encontra-se no acervo da Casa de Cultura. 7 Nascimento J. Oliveira adquiriu conhecimentos da técnica fotográfica e depois abriu seu próprio estúdio
...fotográfico, o estúdio Tokyo, tornando-se concorrente de Feltes. 8 Élcio Lima foi responsável pela instalação de energia elétrica na cidade de Torres/RS, atuava na área de
rádio e era fotógrafo amador.
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2. CONSIDERAÇÕES SOBRE FOTOGRAFIA
Desde os tempos mais remotos, inúmeros foram os usos atribuídos às imagens.
As sociedades consideradas orais faziam uso das imagens para diversas funções. Debray
(1994. p. 23) destaca que “para um antigo grego, viver não é respirar, como para nós,
mas ver; e morrer é perder a vista. Nós dizemos ‘seu último suspiro’, quanto a eles, ‘seu
último olhar’”. Ainda, o mesmo autor identifica três momentos da imagem: o primeiro
decorre de sua função sagrada, por meio do olhar mágico (a imagem associada aos
ritos); o segundo, o olhar estético (a arte, as pinturas); e o último, o olhar econômico,
em que, por fim, encontra-se a fotografia (DEBRAY, 1994. p. 23). No entanto, é
importante ressaltar que esses momentos não têm um término datado, pois, em
diferentes sociedades, eles se entrecruzam e se complementam, ressignificando cada
etapa do visível. Assim, as imagens representam, registram e contribuem na formação e
constituição de visibilidades e invisibilidades.
Segundo Menezes,
o visível (como, naturalmente, o invisível) representa o domínio do poder e
do controle, o ver/ser visto, dar-se/não se dar a ver, os objetos de observação
obrigatória assim como os tabus e segredos, as prescrições culturais e sociais
e os critérios normativos de ostentação ou discrição – em suma, de
visibilidade e invisibilidade. (MENEZES, 2005, p. 36)
A imagem é uma das formas pelas quais o homem atribui representações e se
relaciona em sociedade (KNAUSS, 2006); os suportes e mecanismos alteraram-se ao
longo da história, e, em 1839, surgiu uma técnica, que transformou profundamente a
relação do homem com a imagem. Trata-se da descoberta do daguerreótipo,
desenvolvido por Niépce e Daguerre. A técnica permitia a produção de uma imagem, ou
seja, um registro em positivo. Esse processo demandava um tempo de exposição
imensamente maior do que as máquinas fotográficas de hoje necessitam, e, ainda, uma
única imagem era realizada. Dadas essas características, as fotografias geradas pelos
daguerreótipos possuíam alto valor, sendo consideradas como artigos de luxo, pois
poucos tinham acesso a elas.
Nesse contexto, Francastel (2004) aponta que nenhuma tecnologia ou inovação
surge sem que haja, em contrapartida, uma demanda ou uma necessidade da sociedade
para sua criação. O século XIX substituiu a pintura, que até então tinha status de
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representação, pela fotografia, que, por meio de lentes, o fotógrafo se permitia
representar o mundo (SONTAG, 2004) e “introduziu um novo tipo de ver e dar-a-ver a
diversidade do mudo moderno” (BORGES, 2003. p. 12).
Segundo Amar (2001), o termo fotografia se consolidou, de fato, a partir de
William Henry Fox Talbot, que seria o inventor da fotografia moderna e teria
desenvolvido a técnica fotográfica, em 1841, possibilitado a reprodução de imagens,
que, anteriormente, eram únicas, por meio de uma imagem “negativo-positiva”, que
permitiu uma produção em larga escala, oportunizando a outras classes sociais o acesso
ao registro, que antes estava direcionado somente a uma classe social que podia pagar
seu alto custo.
Alguns anos mais tarde, em 1850, a carte de visite, invenção de André Adolphe
Eugène Disderi, inaugurou a fase industrial da fotografia. Os valores tornaram-se ainda
mais acessíveis, pois era possível uma tomada simultânea de oito clichês.
Fabris comenta sobre essa nova técnica, destacando que
o “efeito Disderi” não pode ser dissociado de uma análise da função social do
retrato na sociedade oitocentista. Se, no século XIX, o retrato pictórico
começa a ser questionado como gênero em função das transformações
profundas pelas quais passa a arte moderna, não se pode, porém, esquecer
que esse mesmo século conhece um desenvolvimento extraordinário da
representação e da auto-representação do indivíduo em consequência da
crescente necessidade de personalização da burguesia.(FABRIS, 2004, p. 29)
Assim, a fotografia ampliou o número de seus admiradores, mas, sobretudo de
seus consumidores, fazendo com que os registros fotográficos deixassem de ser feitos
somente em momentos extremamente necessários e considerados importantes, como
apontam Boni e Acorsi (2006), para adentrar com maior expressão no cotidiano e nas
relações públicas e privadas da sociedade.
No Brasil, da mesma forma que em diversos países do mundo, a fotografia
obteve grande recepção, pois o daguerreótipo chegou em 1840, antes mesmo que em
Portugal, como assinala Vasquez (2003), estimulado por Dom Pedro II, um dos grandes
apoiadores da inserção da fotografia no Brasil, que era um colecionador apaixonado
dessas imagens.
Nosso país teve fotógrafos importantes, que registraram o Brasil e seu respectivo
desenvolvimento, capturando principalmente aspectos urbanos, uma característica dos
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meios fotográficos, de acordo com Rouillé (2009). Esses “artistas” também
contribuíram na constituição de acervos familiares, visto que poucas famílias tinham
condições de ter uma câmera fotográfica. Muitos fotógrafos atuaram como itinerantes
nas regiões interioranas de nosso país e, com o passar do tempo, passaram a fixar
estúdios nas localidades, como foi o caso de Torres – RS.
Dessa forma, ao trabalhar com fotografias, Menezes (2011) lembra que é
“crucial que o pesquisador se familiarize com as inúmeras variáveis que definem a
natureza da imagem e a multiplicidade de significados e papéis que ela pode assumir
historicamente”.
Portanto, uma dessas variáveis está presente nas relações entre imagem e
representação, pois representar não significa uma mímese do real, mas parte dele, apesar
de que, durante muito tempo (e até hoje), no senso comum, a relação entre fotografia e
cópia do real esteja presente.9
De acordo com Brizuela (2014), a credibilidade imprimida à fotografia está
“ancorada em seu caráter de índice, ou seja, um traço do real”. Entretanto, como
menciona Rouillé (2009, p. 18), a fotografia “não representa automaticamente o real”,
mas é possível que represente, ou como propõe Menezes (2011), “reapresentar”
praticamente toda vivência humana por meio de fotografias.
Por meio das associações destacadas acima, a sociedade conferiu diversos
significados e funções às fotografias. Sontag (2004) elucida o que afirma ser um
“mundo imagem”, proveniente do mundo moderno e da foto da seguinte forma:
Uma sociedade se torna “moderna” quando uma de suas atividades principais
consiste em produzir imagens, quando imagens têm poderes excepcionais
para determinar nossas necessidades em relação à realidade e são, elas
mesmas, cobiçados substitutos da experiência em primeira mão e se tornam
indispensáveis para a saúde da economia, para a estabilidade do corpo social
e para a busca da felicidade privada. (SONTAG, 2004, p. 170)
Ademais, Moscovici (2003, p. 46) resume como ocorre o esquema de
representações: “representação = imagem/significação; em outras palavras, a
representação iguala toda imagem a uma ideia, e toda ideia, a uma imagem”. Portanto, é
9 Sobre essa questão, Philippe Dubois em O ato fotográfico, descreve o que seriam os três momentos da
fotografia: o 1º em que a fotografia fora ícone (espelho do real); o 2º em que fora símbolo
(transformação do real); e o 3º em que fora índice (traço do real).
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necessário que se compreendam e identifiquem os códigos e mecanismos geradores
dessas imagens; em outras palavras, é preciso ir além de sua “dimensão plástica”, visto
que “uma dada imagem é uma representação do mundo que varia de acordo com os
códigos culturais de quem a produz” (BORGES, 2003).
Assim, a produção fotográfica não está isenta de relações de poder, ou seja, não
há ingenuidade na produção das imagens como nos lembra Flusser (2002). Kossoy
(2005, p. 31) ressalta que a imagem é “resultante do processo de criação/construção do
fotógrafo”. As fotografias simbolizam e são portadoras de sentido (BELTING, 2010) e,
em sua trajetória, a produção iconográfica, segundo Canabarro (2014), possibilita a
constituição de um patrimônio cultural em nossa sociedade.
Isso se dá em virtude das relações com a memória. Segundo Kossoy (2005, p,
40), “fotografia é memória e com ela se confunde”, haja vista que, por meio da
fotografia, a humanidade criou um arquivo visual de referência. Sinson (2005, p. 20)
atesta que o suporte imagético orienta e reconstrói, individual ou coletivamente, a nossa
memória de indivíduos.
Para tanto, Catroga (2001, p.66) enfatiza que a memória é “uma das expressões
da condição histórica do homem,” e Ricoeur (1993, p. 38) complementa ao afirmar que,
quando recordamos o passado, ele “aparenta ser mesmo a de uma imagem”. Assim
sendo, a memória coletiva, seja em suas condições sociais, seja em suas condições
culturais, consiste, de acordo com Schimitt (2007, p. 46), “antes de tudo em imagens”.
3. TORRES VISTA DE CIMA
Inicialmente, destaca-se que as fotografias aqui analisadas, pertencem a dois
acervos fotográficos digitalizados: o Acervo da Casa de Cultura e o Acervo do Banco de
Imagens e Sons da Ulbra/Torres. O primeiro é acessível à comunidade na própria Casa
de Cultura,10
o segundo, encontra-se disponível na internet11
para o público e
pesquisadores. Os acervos são distribuídos por temáticas visuais, dessa forma, o acervo
da Casa de Cultura possui 100 fotografias aéreas em uma temática específicas, já o
10
O acervo da Casa de Cultura de Torres – RS conta com 1.081 fotografias digitalizadas, que estão
disponíveis para pesquisadores, por meio de contato com a secretária de Turismo. 11
O acervo de Sons e Imagens da Ulbra/Torres conta com 2.680 fotografias digitalizadas e está
disponível no endereço eletrônico: <http://imagensesons.ulbratorres.com.br/>.
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Banco de Imagens e Sons possui a temática cidade que contempla 362 fotografias.
Nestes acervos, as fotografias aéreas que correspondem ao estúdio de Ídio K. Feltes
apresentam-se da seguinte maneira: acervo da Casa de Cultura apresentou 54
fotografias; acervo do Banco de Imagens e Sons contempla 34 fotografias. É importante
destacar que o Banco de Imagens e Sons congrega fotografias do Litoral Norte do Rio
Grande do Sul, portanto, apesar de um número maior de imagens, apresentou número
mais reduzido de fotografias de Ídio K. Feltes.
Destas fotografias serão destacadas cinco. Foram selecionadas, pois permitem ao
observador compreender que Torres/RS ao longo no século XX passou por
transformações em suas características urbanas.
Na primeira imagem (Figura 1), que está disponibilizada no acervo da Casa de
Cultura de Torres, é possível observar que o fotógrafo buscou registrar o Hotel Picoral,
ou como popularmente foi conhecido o Quadrado Picoral, que estava localizado
próximo ao mar, em terreno mais alto, assim como, as demais construções que se
encontravam nessa região. Na imagem, uma Torres tímida, com poucas moradias e ruas
sem pavimentação, uma realidade que perdurou na cidade durante muitos anos.
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Figura 1 – Quadrado Picoral em Torres/RS. / Data: Década de 1930
Autor: Ídio K. Feltes.
Dimensões: Não informado.
Fonte: Acervo da Casa de Cultura de Torres – RS.
A segunda imagem (Figura 2) avança no tempo por duas décadas, e revela um
planejamento e uma ampliação da cidade ao longo da costa em direção ao Rio
Mampituba, na direção norte. Algumas casas já contemplam esses novos locais,
entretanto, ainda pode-se perceber que o centro concentra-se na parta alta da cidade.
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Figura 2 – Imagem parcial de Torres – RS / Data: Década de 1950.
Autor: Ídio K. Feltes.
Dimensões: Não informado.
Fonte: Casa de Cultura de Torres/RS.
Na sequência (Figura 3) é possível observar o centro da cidade mais de perto. A
cidade possui poucos prédios, concentra-se na parte alta. As dunas na direção sul, são
presença marcante, e delimitavam o crescimento da cidade para esta direção,
atualmente, toda essa área é ocupada pela construção civil. Ainda, a lagoa do violão está
com seu formato original, na direção oeste é contornada por uma plantação de
eucaliptos que foram plantadas por moradores. Nota-se que a parte baixa da cidade, não
havia sido ocopuda até o momento, tendo em vista que, era uma terreno que alagava
constantemente com as chuvas e as águas da lagoa.
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Figura 3 – Fotografia aérea de Torres – RS / Data: Década de 1950.
Autor: Ídio K. Feltes.
Dimensões: Não informado
Fonte: Acervo da Casa de Cultura de Torres – RS.
Ao longo dos anos de 1960, o fotógrafo registra as mudanças pela qual Torres
passou. Na imagem (Figura 4) a Avenida Barão do Rio Branco principal acesso da
cidade a BR 101, possui pavimentação somente na sua parte inicial junto ao centro. Mas
nessa fotografia, e possível perceber um crescimento acentuado da cidade na direção
oeste, o território que até então era pouco utilizado, passou, em resposta ao crescimento
da cidade, a expandir-se para a parte baixa da cidade de Torres.
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Figura 4 – Vista parcial de Torres / Data: Década de 1960.
Autor: Ídio K. Feltes.
Dimensões: Não informado.
Fonte: Banco de imagens e Sons da Ulbra Torres.
A última fotografia (Figura 5) selecionada revela o processo de desenvolvimento
da construção civil em frente a praia grande, os prédios possuem no máximo três
andares, realidade que, hoje em dia, mudou drasticamente. No entanto, no período ainda
são poucas as construções, apesar de notar-se que a região já estava com o traçado das
quadras e das ruas.
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Figura 5 – Vista parcial de Torres – RS / Data: década de 1960.
Autor: Ídio K. Feltes.
Dimensões: Não informado.
Fonte: Banco de Imagens e Sons da Ulbra Torres.
Por meio dessas breves considerações, é notável a atuação de Ídio K. Feltes por
meio de seus registros. Hoje a cidade de Torres encontra-se em amplo desenvolvimento
da construção civil, realidade, que nem sempre fora assim. Portanto, ao observar essas
fotografias, pode-se perceber como a cidade transformou-se ao longo dos anos de 1930
até meados da década de 1960, período que o fotógrafo atuou com mais ênfase na
cidade.
Ademais, a maioria das fotografias, além da área urbana, contempla como objeto
o mar e as praias da cidade, praias que atraem desde tempos passados muitos turistas, e
que, fez com que a cidade obtivera condições de desenvolver-se.
Portanto, a observação e análise dessas imagens contribuem de modo
significativo na memória e na história de Torres, que hoje é buscada pelos seus
moradores e pesquisadores.
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