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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS- CEJURPS CURSO DE DIREITO O CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA E APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA A LUZ DOS PRINCÍPIOS PENAIS DA LEGALIDADE, PROPORCIONALIDADE, ESPECIALIDADE E IGUALDADE JULIANA DE SOUZA FERMINO Itajaí, maio de 2007

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Page 1: O CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA E APROPRIAÇÃO …siaibib01.univali.br/pdf/Juliana de Souza Fermino.pdf · RESUMO A Constituição Brasileira de 1988 declara no artigo 5º, caput:

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS- CEJURPS CURSO DE DIREITO

O CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA E APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA A LUZ DOS PRINCÍPIOS PENAIS DA

LEGALIDADE, PROPORCIONALIDADE, ESPECIALIDADE E IGUALDADE

JULIANA DE SOUZA FERMINO

Itajaí, maio de 2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

O CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA E APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA A LUZ DOS PRINCÍPIOS PENAIS DA

LEGALIDADE, PROPORCIONALIDADE, ESPECIALIDADE E IGUALDADE

JULIANA DE SOUZA FERMINO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor MSc. Geremias Moretto

Itajaí, maio de 2007

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, por ter me dado saúde e pelo privilégio e oportunidade de realizar um curso superior, possibilitando a concretização

de um sonho.

Aos meus pais, Valmor Dorvalino Fermino, por ter sido um grande pai, que sempre me protegeu

e me apoiou em todos os momentos, servindo sempre de exemplo de caráter e dignidade.

À minha mãe, Marli Terezinha de Souza, minha grande amiga, que sempre acreditou no meu

potencial, que nunca poupou esforços para que eu tivesse a melhor educação possível e sempre

ofereceu todas as condições necessárias para que eu concluísse esse curso.

A minha irmã Jocemara de Souza Fermino, pela amizade e companheirismo durante toda minha

vida.

Ao meu amor Veroni Pereira Maciel, por estar ao meu lado em todos os momentos em que precisei e que sempre me incentivou e acreditou na minha

capacidade.

Ao meu orientador, Professor Geremias Moretto, pela paciência, incentivo e presteza na melhoria

constante deste trabalho.

Ao professor, Osmar Diniz Fachini, mestre e amigo, incentivador na busca da constante

evolução acadêmica, sendo exemplo de profissional e ser humano.

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A todos os professores e demais idealizadores, coordenadores e funcionários da Universidade do

Vale do Itajaí – UNIVALI.

A todos meus amigos, em especial Gabriela Dippe Maciescki e Fernanda da Silva, grandes

amigas e companheiras de graduação, pelas experiências trocadas e apoio em todos os

momentos.

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho às pessoas mais importantes da minha vida: meus pais, meu amor

e minha irmã, por tudo.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí-SC, maio de 2007.

Juliana de Souza Fermino Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Juliana de Souza Fermino, sob o

título O Crime de Apropriação Indébita Comum e Apropriação Indébita

Providenciaria à luz dos Princípios Penais da Legalidade, Proporcionalidade,

Especialidade e Igualdade, submetida em 18/06/2007 à banca examinadora

composta pelos seguintes professores: Osmar Diniz Facchini, examinador,

Geremias Moretto, orientador e Clóvis Demarchi, examinador, e aprovada com a

nota 9,9 (nove vírgula nove).

Itajaí-SC, maio de 2007.

Professor MSc. Geremias Moretto Orientador e Presidente da Banca

Professor MSc. Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que [o] Autor[a] considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Direito Penal1

“O conjunto de normas jurídicas mediante as quais o Estado proíbe determinadas ações ou omissões, sob ameaça de sanção penal”.

Estado2

“É simultaneamente um fato social, como tal passível de estudo pela sociologia e um fenômeno normativo. Nessas condições, conhecível e estudável pelo direito”.

Princípios Constitucionais3

“Os princípios constitucionais são as balizas do ordenamento jurídico, ou seja, servem como diretivas de organização do sistema”.

Princípio da Igualdade4

“A lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo principio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes”.

Princípio da Legalidade5

“Uma garantia constitucional dos direitos do homem. Constitui a garantia fundamental da liberdade civil, que não consiste em fazer tudo o que se quer, mas somente aquilo que a lei permite”.

1 SILVA, Jose Geraldo. Teoria do Crime. Campinas : Bookseller, 1999. V1. p. 31-32. 2 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social : princípios do direito político. São Paulo : CD,

2003. p. 41 3 CADERMATORI, Luiz Henrique. Discricionariedade administrativa no estado constitucional

de direito. Curitiba : Juruá, 2002.0p. 263 4 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3 ed.

São Paulo : Editora Malheiros, 2002. p. 10 5 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal – parte geral. 28 ed. São Paulo : Saraiva,

2005. p. 61

Page 9: O CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA E APROPRIAÇÃO …siaibib01.univali.br/pdf/Juliana de Souza Fermino.pdf · RESUMO A Constituição Brasileira de 1988 declara no artigo 5º, caput:

Princípio da Proporcionalidade6

“Uma verdadeira garantia constitucional que tem uma dupla função: proteger os cidadãos contra os abusos do poder estatal e serve de método interpretativo de apoio para os juiz quando este precisa resolver problemas de compatibilidade e de conformidade na tarefa de densificação ou concretização das normas constitucionais”.

Princípio da Especialidade7

“Em determinados tipos penais incriminadores há elementos que os tornam especiais em relação a outros, fazendo com que, havendo uma comparação entre ele, a regra contida no tipo especial se amolde adequadamente ao caso concreto, afastando, desta forma, a aplicação da norma geral”.

Conflito Aparente de Normas Penais

“O conflito aparente de normas penais ocorre quando temos mais de uma norma penal aparentemente aplicável ao caso concreto”.

Apropriação Indébita8

“Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção”.

Apropriação Indébita Previdenciária9

“Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional”.

6 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Hermenêutica constitucional.Florianópolis : Obra

Jurídica, 1997. p. 75 7 GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. Rio de Janeiro : Impetus, 2003. p. 30-31 8 Art. 168 do CP 9 Art. 168 – A do CP

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SUMÁRIO

SUMÁRIO.......................................................................................... IX�

RESUMO............................................................................................. I�

INTRODUÇÃO ................................................................................... 2�

CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 5�

DO DIREITO DE PUNIR..................................................................... 5�1.1 DA ORIGEM DO DIREITO DE PUNIR ................................................................5�1.2 DA ORIGEM DO ESTADO ..................................................................................7�1.2.1 Teoria Teológica ..............................................................................................9�1.2.1.1 Teoria do divino sobrenatural ................................................................. 10�1.2.1.2 Teoria Providencial ................................................................................... 10�1.2.2 Teoria Racionalista – Jusnaturalismo ....................................................... 11�1.2.3 Teoria Contratual .......................................................................................... 12�1.3 A ORIGEM DO DIREITO PENAL..................................................................... 14�1.3.1 Tempos primitivos – vingança privada ..................................................... 15�1.3.2 O Talião .......................................................................................................... 16�1.3.3 Vingança divina ............................................................................................ 17�1.3.4 Vingança púbica e o Direito Romano ........................................................ 18�1.3.5 Direito penal germânico .............................................................................. 20�1.3.6 Direito canônico............................................................................................ 20�1.3.7 Período Humanitário .................................................................................... 21�1.3.8 A Escola Clássica......................................................................................... 23�1.3.9 A Escola positiva .......................................................................................... 23�1.3.10 Direito penal moderno ............................................................................... 24�

CAPÍTULO 2 .................................................................................... 26�

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS ..................................... 26�2.1 PRINCÍPIO DA IGUALDADE ........................................................................... 28�2.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ......................................................................... 34�2.2.1 Da reserva legal ............................................................................................ 36�2.2.2 Da Taxatividade ............................................................................................ 37�2.2.3 Da Irretroatividade da lei penal................................................................... 38�2.3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE........................................................ 40�2.4 PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE ................................................................... 42�2.4.1 Conflito aparente de normas ...................................................................... 44�

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x

CAPÍTULO 3 .................................................................................... 46�

DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA ....................................................... 46�3.1 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DA APROPRIÇÃO INDÉBITA .................. 46�3.2 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA .................................................................................................. 48�3.3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA APLICAÇÃO DO DIREITO 53�3.4 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA APLICAÇÃO DO DIREITO ................... 56�3.5 O PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE COMO RESPOSTA AO PROBLEMA APRESENTADO ..................................................................................................... 61�

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 65�

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 68�

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RESUMO

A Constituição Brasileira de 1988 declara no artigo 5º, caput:

“ Todos são iguais perante a lei; sem distinção de qualquer natureza, garantindo-

se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no pais a inviolabilidade do direito

à vida, à liberdade, a igualdade, à segurança e à propriedade [...]. “, e no inciso

XXXIX deste mesmo artigo dispõe que: “ Não há crime sem previsão legal que o

defina, nem pena sem previa cominação legal. “. Donde se extrai que a Carta

Constitucional fundamenta-se nos princípios da igualdade e da legalidade.

Partindo-se destes princípios pode-se afirmar que a lei penal não poderá

dispensar tratamentos diferenciados a qualquer classe de pessoa, sob pena de

violar a norma constitucional e colocar em perigo a segurança pública e o próprio

Estado Democrático e de Direito. Diante desta é pertinente se indagar se o

disposto no artigo 168 – A do Código Penal que permite a extinção de

punibilidade ao agente que ao apropriar-se das contribuições previdenciárias

confessa a ação praticada e efetua seu pagamento antes de iniciada a ação fiscal

não estaria ferindo o principio da igualdade, ao dispensar idêntico tratamento a

aqueles que praticarem a apropriação indébita comum, prevista no artigo 168 do

mesmo diploma legal? O artigo 168-A do Código Penal por expressar a

manifestação da vontade do legislador em tratar a apropriação das contribuições

previdenciárias de forma diferenciada daquela dispensada a comum escorou-se

no princípio da Especialidade, portanto, compatível com o direito penal moderno.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto fazer uma pesquisa

sobre os princípios constitucionais penais necessários para a solução de certos

conflitos entre as normas, abordando o crime e apropriação indébita comum e

apropriação indébita especial como um crime que deve ser analisado como

favorável à desigualdade na aplicação do direito.

O seu objetivo é mostrar a desigualdade na aplicação da

norma penal com relação aos crimes já citados, um vez que o legislador ao incluir

o Artigo 168 – A ao Código Penal nada mais fez do que favorecer os que

possuem muito mais condições financeiras, aproveitando-se o princípio da

especialidade para solucionar a desigualdade existente na aplicação de tal

dispositivo legal.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando do direito de

punir. Abordando sua origem, sendo que o homem, desde os primórdios teve a

necessidade de punir aquele que quebrar as regras estabelecidas pelo grupo, e

que conseqüentemente, ao passar a viver em sociedade passaria para as mão do

Estado este direito.

Conseqüentemente trabalha-se a origem do Estado, e as

diversas teorias sobre o seu surgimento, tais como, a Teoria Teológica, que

defende o Estado como criação de Deus; a Teoria do Divino Sobrenatural, que

preceitua que o Estado foi fundado por Deus através de uma pessoa divina (rei,

sumosacerdote) que controla o Estado; a Teoria Provincial, aqui ainda, o Estado é

criação divina, mas por manifestação providencial da vontade de Deus; a Teoria

Racionalista, onde o Estado é de origem racional, fruto da convenção humana; e

a mais importante, a Teoria Contratual, onde o Estado é fundado em um acordo

de vontades, onde o homem abre mão de sua liberdade por maior segurança.

Por fim, trabalha-se no capítulo a Origem do Direito Penal, desde a fase da

vingança privada até o direito penal moderno, abordando algumas influencias

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sofridas, como do direito romano, germânico, grego, canônico, etc., e também das

escolas clássica e positiva, como base para o direito penal atual.

No Capítulo 2, tratando dos Princípios Constitucionais

Penais, dá-se uma previa análise sobre os princípios constitucionais e suas

finalidade, para por seguinte trabalhar, os princípios penais importantes para a

formação conclusão desejada, tais como: o Princípio da Igualdade, o Princípio da

Legalidade, o Princípio da Proporcionalidade e por fim o Princípio da

Especialidade, sendo este indispensável para a solução do conflito gerado entre

algumas normas penais.

No Capítulo 3, tratando de apropriação indébita comum e

apropriação indébita previdenciária, contidas no artigo 168 e 168 – A do código

penal, faz-se uma sucinta abordagem de cada um dos ilícitos penais citados,

tratando de identificar seu objeto, o agente passivo e ativo, e distinguir o bem

jurídico protegido, que na apropriação indébita previdenciária possui natureza

patrimonial, diferente da apropriação indébita comum.

Por fim, faz-se um estudo sobre a aplicação dos princípios

constitucionais penais já abordados na aplicação do direito, tais como o princípio

da proporcionalidade, da igualdade, e o da especialidade, sendo este

imprescindível para solução do conflito apresentado.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre o crime de apropriação indébita especial.

Para a presente monografia foi levantada a seguinte

hipótese:

O artigo 168-A do Código Penal por expressar a

manifestação da vontade do legislador em tratar a apropriação das contribuições

previdenciárias de forma diferenciada daquela dispensada a comum escorou-se

no princípio da Especialidade, portanto, compatível com o direito penal moderno.

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Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados

o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica.

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CAPÍTULO 1

DO DIREITO DE PUNIR

1.1 DA ORIGEM DO DIREITO DE PUNIR

Desde os primórdios, a sociedade, já se sentia a

necessidade de punir aquele que houvesse quebrado as regras estabelecidas

pelo grupo, visando assim à preservação dos interesses individuais de todos.

Essa forma de defesa é própria da pessoa humana.

Locke10 tentou explicar que o Estado estaria justificado a

punir, pois o homem, no estado de natureza, tem o poder de castigar, mas dele

abre mão ao entrar em sociedade (pactum subjectiones) depositando-o junto ao

Poder Legislativo, conforme o exigir o bem da sociedade e “apenas com a

intenção de melhor preservar a si próprio, à sua liberdade e propriedade”, poder

do Legislativo a ser imposto por meio de leis conhecidas e exercidos por juízes

corretos.

Para Becccaria11, os homens, cansados de só viver cercado

de temores e de encontrar inimigos por toda a parte, fatigados de uma liberdade

que a incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma parte dela, para

gozar do resto com mais segurança.

Locke12 entende que os homens, estando no estado de

natureza, buscam o abrigo da lei contra a insegurança com o fim primordial de

preservação de suas propriedades. Assim, sustenta a opinião de que é

10 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Tradução E. Jacy Monteiro. São Paulo :

Victor Civita editor, 1983. p. 89 11 BECCARIA. Cesare Bonesana. Dos delitos de das penas. São Paulo: Edipro. Tradução Flório

de Angelis.2003. p.16-17 12 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. p. 83

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precisamente essa finalidade de preservação da propriedade que os leva a

abandonar de boa vontade o poder violado que têm de castigar, para que passe a

exercê-lo um só indivíduo, escolhido, para isso entre eles; e mediante as regras

que a comunidade ou os que foram por ela autorizados, concordem em

estabelecer.

No pensamento de Rousseau13 a liberdade individual foi

sacrificada em razão da busca da força onde a força maior está no direito moral

fundado na razão e na obediência em dever e que o ser humano a ceder, está

cedendo por necessidade, não vontade; quanto muito por prudência.

Para Hobbes14, a origem da justiça seria a celebração dos

pactos, e para que as palavras justo e injusto tenham sentido é necessário

alguma espécie de poder coercitivo, capaz de obrigar igualmente os homens ao

cumprimento dos pactos, mediante medo de algum castigo que seja superior ao

beneficio que esperam tirar do rompimento do pacto, e capaz de fortalecer aquela

propriedade que os homens adquirem por contrato mutuo, como recompensa do

direito universal a que renunciaram.

Para Bobbio15 os tratados são uma obra caracteristicamente

jusnaturalista, inspirando-se na idéia de que existe uma lei natural, a qual pode

ser conhecida e é obrigatória e que, no mundo civil, de modo geral no mundo das

relações da convivência humana, tudo o que se ajusta a essa lei é um bem.

Para Hobbes16, todos os homens que buscam a paz,

renunciar a certos direitos de natureza, quer dizer, perder a liberdade de fazer

tudo o que lhes é aprazível.

13 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social : princípios do direito politico. São Paulo : CD,

2003. p.31 14 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiastico e civil.

Tradução Alex Marins. São Paulo : Editora Martin Claret. 2002. p. 111 15 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 11ed. Rio de Janeiro : Campus, 1992. p.147 16 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiastico e civil.. p. 118

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7

Rousseau17 afirma que o ato de associação compreende um

compromisso recíproco entre o público e os particulares, e que cada individuo,

contratando, por assim dizer, consigo mesmo, se compromete a uma dupla

relação: como membro do soberano em relação aos particulares, e como

membro do estado em relação ao soberano.

A liberdade individual só existe com a liberdade coletiva, ou

seja, sem a existência de uma convenção, construída pelos indivíduos para

estabelecer os seus direitos, estes não existiriam, e uns poderiam se apoderar

dos outros.

Neste sentido, Rosseau18 ensina que o individuo se despoja

de seu direito pessoal de defesa em favor da sociedade e do Estado, que o

exerce em nome da coletividade.

1.2 DA ORIGEM DO ESTADO

O homem, por sua natureza social, nunca viveu só. Assim

sendo, sempre se organizou em grupo e construiu formas de estrutura de poder,

como maneira de organização, para enfrentar a necessidade de sobrevivência.

Sobre o Estado preceitua Celso Ribeiro Bastos19, que ele é

simultaneamente um fato social, como tal passível de estudo pela sociologia, e

um fenômeno normativo. Nessas condições, conhecível e estudável pelo direito.

A denominação Estado (do latim status = estar firme)

significa situação permanente de convivência e ligada à sociedade política. Nem

sempre foi utilizada a denominação “Estado” para expressar sociedade política,

pois essa designação só foi aceita a partir dos séculos XVI e XVII. Por exemplo,

17 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social. p.40 18 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social. p.41 19 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do estado e ciência política. 4 ed. São Paulo :

Saraiva, 1999. p. 30

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8

na Grécia antiga, usava-se a expressão polis, que significa cidade, enquanto os

romanos utilizavam a palavra “civitas”.

Alguns autores, como Thomas Hobbes (1588-1679) e

posteriormente Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), defendem que o Estado

surge de um acordo de vontades.

Já, para Karl Marx (1818-1883) e seu parceiro Friedrich

Engels (1820-1895), o surgimento do poder político e do Estado nada mais é que

o fruto da dominação econômica do homem pelo homem. Afirmam que o Estado é

uma ordem coativa, instrumento de dominação de uma classe sobre outra.

O próprio vocábulo Estado, antes de admitir o sentido pleno

que tem atualmente, teve por muito tempo significado restrito. Na nossa historia, a

palavra Estado é empregada, pela primeira vez, no sentido coincidente que tem

hoje em o “O Príncipe” de Maquiavel20, escrito em 1513. O trecho da obra, que

faz referência a esse termo é o seguinte: “todos os estados, todos os domínios

que tiveram e têm poder sobre os homens, são estados e são repúblicas ou

principados”

Antes de Maquiavel não era a palavra Estado, designada ,

com sentido de instituição política, e sim outros nomes eram designados para tal

instituição.

Para os helênicos, o Estado era chamado de polis, que quer

dizer cidade e de onde provem o nome política, a arte ou ciência de governar a

cidade.

Entre os romanos, o Estado é a civitas, isto é, a comunidade

dos habitantes ou a res publica, isto é, a coisa comum a todos. Tornou-se

freqüente , em Roma, a expressão status repubicae para designar a situação, a

ordem, o estado da coisa pública, dos negócios do governo.

20 MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Coimbra : Atlântida editora, 1935. p. 7

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9

No entanto, os próprios estudiosos deste tema divergem

sobre a origem do Estado, pois para uns ele passou a existir sob esta

denominação a partir do século XVII. Já, para outros, ele sempre existiu, pois, é

na antiguidade clássica que ele apresenta sinais precursores desta realidade.

Assim, sobre o surgimento do Estado, Dalmo de Abreu

Dallari21 ensina que o Estado, como sociedade política, só aparece no século XVI,

e este é um dos argumentos para alguns autores que não admitem a existência

do Estado antes do século XVII.

A maioria dos autores, no entanto, admitem que a

sociedade, ora denominada Estado, é, na sua essência, igual à que existiu

anteriormente. Embora com nomes diversos, dá essa designação a todas as

sociedades políticas que, com autoridade superior, fixaram as regras de

convivência de seus membros.

Desse modo, sobre a origem e justificação do Estado,

existem diversas teorias, que merecem abordagem, embora de forma sucinta.

1.2.1 Teoria Teológica

Essa teoria acreditava que o Estado teria sido criado por

Deus e ele próprio designaria quem deveria exercer a autoridade de Estado. Nas

palavras de Aderson de Meneses22 as doutrinas teológicas ensinam que o Estado

foi fundado por Deus, aliás, como tudo o mais no mundo, o próprio mundo

inclusive.

A doutrina teológica está dividida em dois ramos distintos,

assim denominados: doutrina do direito divino sobrenatural e doutrina do direito

divino providencial.

21 DALARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado. 21 ed. rev. São Paulo :

Saraiva. 2000. p. 51-52 22 MENEZES, Aderson de. Teoria geral do estado. 5 ed. atual. Rio de Janeiro : Forense, 1992. p.

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1.2.1.1 Teoria do divino sobrenatural

Segundo esta teoria, o Estado foi fundado por Deus, através

de um ato concreto de manifestação da sua vontade. O Rei é, ao mesmo tempo,

sumo sacerdote, representante de Deus na ordem temporal e governador civil.

Neste sentido Aderson Menezes23 preceitua que:

Para a doutrina do direito divino sobrenatural o Estado é obra imediata de Deus, uma manifestação direta de seu poder no universo, designando o próprio Deus a pessoa ou a família que, assim divinizada, vai exercer a autoridade estatal. Para a doutrina do direito divino providencial, o Estado é instituído pela graça da Providência divina, que o conduz indiretamente, isto é, pela direção providencial dos acontecimentos e das vontades, porque os homens, dotados de livre-arbítrio, praticam seus atos e se organizam entre si, respondendo no entanto à onipresença de Deus.

Nas civilizações mais remotas, os soberanos coroados eram

delegados de Deus, porquanto se acreditava que eles haviam recebido o poder

diretamente de Deus, por uma manifestação sobrenatural da sua vontade.

1.2.1.2 Teoria Providencial

Esta teoria é mais racional, pois admite que o Estado é de

origem divina, porém por manifestação providencial da vontade de Deus.

Neste sentido, Maluf24 discorre sobre esta teoria:

Deus dirige providencialmente o mundo, guiando a vida dos povos e determinando os acontecimentos históricos. Dessa direção suprema resulta a formação do Estado; o poder vem de Deus, mas não por manifestação visível e concreta da sua vontade. O poder vem de Deus através do povo – per populum - .

Assim, dotados de livre-arbítrio no seu procedimento, os

homens organizam os governos, estabelecem as leis e confirmam as autoridades

23 MENEZES, Aderson de. Teoria geral do estado. 1992. p. 78-79 24 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 24 ed. revist. e atual. São Paulo : Saraiva, 1998. p. 62

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nos cargos e ofícios, sob a direção invisível da providencia divina sempre

presente.

1.2.2 Teoria Racionalista – Jusnaturalismo

Sob a denominação de teorias racionalistas, agrupam-se

todas aquelas que justificam o Estado como de origem convencional, isto é, como

produto da razão humana, chegando assim, a conclusão de que a sociedade civil

(o Estado organizado) nasce de um acordo utilitário e consciente entre os

indivíduos. São as chamadas teorias contratualistas ou pactistas.

Surgida no final da Idade Média, inicio da Idade Moderna,

teve como um de seus principais intuitos, desvincular os valores humanos da

religião.

Bastos25 em comentários ao jusnaturalismo, descreve com

propriedade sua posição:

O jusnaturalismo defendia a idéia de que o Estado encontra fundamento nas próprias exigências da natureza humana, e que existe um direito natural que precede ao direito positivo, é dizer, um direito que antecede as leis criadas pelo homem, algo inerente à sua vontade.

No direito natural o princípio que prevalecia era que ninguém

deveria prejudicar ninguém e que se deva dar a cada um o que é seu. Mas essas

regras não eram suficientes para manter a paz e a ordem da sociedade, sendo

assim imprescindível a implementação de normas e sanções, protegendo sempre,

é claro, o direito individual de todos.

Neste mesmo sentido Maluf26 assevera que:

As teorias racionalistas de justificação do Estado, partindo, como partem, de um pressuposto a respeito do homem primitivo em

25 BASTOS, Celso Ribeiro de. Curso de teoria geral e ciência política. 1999. p. 38 26 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 1998. p. 65

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estado de natureza, entrosam-se com os princípios de direito natural.

Hugo Grotius foi precursor da doutrina do direito natural e,

de certo modo, do racionalismo na ciência do Estado. Em sua famosa obra De

Jure Belli et Pacis, esboçou a divisão dicotômica do Direito em positivo e natural.

Para Maluf27, Hugo Grotius conceituou o Estado como uma

“sociedade perfeita de homens livres que tem por finalidade a regulamentação do

direito e a consecução do bem estar coletivo”.

Para Emmanuel Kant, grande filosofo, os homens, ao saírem

do estado de natureza para o de associação, submeteram-se a uma limitação

externa, livre e publicamente acordada, surgindo, assim, a autoridade civil, o

Estado.

1.2.3 Teoria Contratual

Ministram, as teorias contratuais, que o Estado tem origem

em um acordo de vontades entre os homens, justificando seu poder pelo mútuo

consentimento de seus integrantes.

Seu maior precursor foi Jean Jacques Rousseau28,

afirmando que Estado é convencional, ou seja, resulta da vontade geral, que é

uma soma da vontade manifestada pela maioria dos indivíduos.

Para Maluf29, Thomas Hobbes foi o primeiro sistematizador

do contratualismo como teoria justificativa do Estado e ele nos informa que30:

Entende-se o mesmo da definição comum da justiça nas escolas, pois nelas se diz que a justiça é a vontade constante de dar a

27 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 1998. p. 66 28 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social : princípios do direito político. 2003. p.14 29 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 1998. p. 66 30 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiastico e civil. 2002. p.

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cada um o que é seu. Onde não há, portanto, o seu, isto é, onde não há Estado, não há propriedade, já que todos os homens têm direito a todas as coisas. Onde não há Estado, entende-se, nada pode ser injusto. A natureza da justiça consiste no cumprimento dos pactos válidos, mas a validade dos pactos só começa com a instituição de um poder civil suficiente para obrigar os homens a cumpri-los, e é também só ai que começa a haver propriedade.

E complementa sua idéia ao dizer31:

Desta lei fundamental da natureza, que ordena a todos os homens que procurem a paz, deriva esta segunda lei: que um homem concorde, conjuntamente com outros, e na medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar a seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo. Pois enquanto cada homem detiver seu direito de fazer tudo quanto queira, a condição de guerra será constante para todos.

Outro contratualista foi John Locke, que segundo Aderson

de Menezes32 levantou o problema da propriedade e do trabalho, ”pois referiu o

direito de cada um à sua própria pessoa e ao seu trabalho individual”. Ainda

sobre Locke, Menezes afirma que33:

Dissertando sobre a vida em comum, o publicista afirma que Deus criou o homem e o pôs na contingência imperiosa, por necessidade, utilidade ou inclinação, de entrar em sociedade, inicialmente na sociedade conjugal e, depois, na sociedade política ou civil, cuja nascença ele explica do seguinte modo: "Os homens, encontrando-se todos por natureza, como dissemos livres, iguais e independentes, não se pode fazer sair nenhum deles desse estado nem submetê-lo ao poder político de outro, sem seu próprio consentimento. a única maneira pela qual qualquer um se despoja de sua liberdade natural e assume as obrigações da sociedade civil, é a de entender-se com os outros para se reunir e formar uma comunidade destinada a proporcionar

31 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiastico e civil. 2002. p.

102 32 MENEZES, Aderson de. Teoria geral do estado. 1992. p. 85 33 MENEZES, Aderson de. Teoria geral do estado. 1992. p. 84

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a todos o bem-estar comum, segurança e paz, no usufruto garantido de seus bens e com melhor proteção contra os atentados daqueles que não aderem a essa comunidade”.

Maluf34 afirma que essa teoria é precursora da teoria do

distrato social com que a revolução russa procura destruir violentamente a ordem

burguesa e liberal, arrastando nas suas ondas os direitos da lei natural e da lei

divina.

Diante dessas teorias se fez um panorama sobre a origem

do Estado de Direito que exigia entre, outras coisas, um complexo de normas que

regra-se a vida em sociedade, prevendo o fato punível, e assim originou-se o

Direito Penal.

1.3 A ORIGEM DO DIREITO PENAL

A vida, em sociedade, sempre exigiu um complexo de

normas que disciplinasse estabelecesse regras indispensáveis ao convívio entre

os indivíduos que a compõe.

É o conjunto dessas regras que deve ser obedecido e

cumprido por todos os integrantes do grupo social, que prevê as conseqüências e

sanções aos que às violarem.

Para Basileu Garcia35, Direito Penal é o conjunto de normas

jurídicas que o Estado estabelece para combater o crime, através das penas e

das medidas de segurança. Aníbal Bruno36 define o Direito penal como o

conjunto das normas jurídicas, pelas quais se exerce a função do Estado de

prevenir e reprimir os crimes, por meio de sanções cominadas aos seus autores.

34 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 1998. p. 75 35 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal, Editor Max Limonad, 1973. Vol 1, Tomos I e II,

p. 8 36 BRUNO, Aníbal. Direito penal. São Paulo : Forense. 1984. Tomos I, II e III. p.27-28

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A expressão Direito Penal, designa também, o sistema de

interpretação da legislação penal, ou seja, a Ciência do Direito Penal, conjunto de

conhecimentos e princípios ordenados metodicamente, de modo que torne

possível a elucidação do conteúdo das normas e dos institutos em que eles se

agrupam, com vistas na sua aplicação aos casos ocorrentes segundo critérios

rigorosos de justiça.

A finalidade do Direito Penal, para José Geraldo da Silva37 é

a defesa da sociedade pela proteção dos bens jurídicos fundamentais, como a

vida humana, a integridade corporal do homem, a honra, o patrimônio, a

segurança da família, a paz pública, etc.

Já, Heleno Cláudio Fragoso38 define o Direito Penal como o

conjunto de normas jurídicas mediante as quais o Estado proíbe determinadas

ações ou omissões, sob ameaça de sanção penal.

A história do Direito Penal deve ser considerada a história da

humanidade por isso pode afirmar que o Direito Penal é o ramo mais antigo do

direito, pois desde o inicio dos tempos, o homem já reagia a qualquer forma de

agressão.

Assim o Direito Penal passa por várias fases de Evolução,

sofrendo influência do Direito Romano, Grego, Canônico, e também de outras

escolas como a Clássica, Positiva, etc., e essas influências servem de base para

o nosso Direito Penal, justificando procedimentos atuais dentro do Direito Penal

Moderno , como a criação dos princípios penais sobre o erro, culpa, dolo, etc., o

que resulta na importância do conhecimento histórico.

1.3.1 Tempos primitivos – vingança privada

Na inicio, a pena nada mais foi do que vingança,

simplesmente um revide à agressão ou dano sofrido.

37 SILVA, José Geraldo. Teoria do crime. Campinas : Bookseller. 1999. Vol 1. p. 30-31 38 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, a nova parte geral. São Paulo : Forense.

1994. p.1

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As tribos e os clãs exerciam a vingança privada, quer

individualmente, quer coletivamente contra seus ofensores, que no entendimento

de Farias Júnior39 , ultrapassava os limites dos contendores para alcançar toda a

coletividade, com extermínio genocida de grandes conseqüências.

A vingança privada constituía uma reação natural e

instintiva, por isso, foi apenas uma realidade sociológica, não uma instituição

jurídica.

Na fase da vingança privada, o Direito era praticado pelo

próprio ofendido ou por quem dele se apiedasse, assim era feita a justiça pelas

próprias mãos, nesta fase não existia a presença do Estado, ou seja, o jus

puniendi (direito de punir) não pertencia a ele. As penas não respeitavam a

proporção com o delito, tratava-se da lei do mais forte, onde o interesse individual

se colocava acima de tudo.

O código de Hamurábi40, apesar de hoje acharmos um

absurdo surge como um avanço na história da humanidade.

1.3.2 O Talião

Termo derivado do latim talius, que significa desforra igual à

ofensa. É um sistema antigo de penas, pelo qual o autor do delito deveria sofrer

castigo igual ao dano causado.

O talião determinava que uma conduta ofensiva só poderia

corresponder a uma ação defensiva igual, contra o ofensor.

O Talião aparece nas leis mais antigas, como o Código de

Hamurabi, no século XXIII a.C; o Pentateuco; o Código de Manú, na Índia, onde

ficou consagrado o olho por olho, dente por dente, vida por vida.

39 FARIAS JUNIOR, João. Manual de criminologia. Curitiba : Educa. 1990. p. 06 40 Imperador Babilônico também chamado de Kamu-Rabi, rei da dinastia amorreta, reunificador da

Mesopotâmia e fundador do primeiro império Babilônico. Código baseado nas leis semitas e sumeritas, de vital importância para o direito asiático e direito hebreu. Composto de 282 artigos gravados em uma estrela de diorito negro com 2,25m de altura, 1,60m de circunferência e 2,00m de base.

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Para José Geraldo da Silva41 o talião foi um avanço

extraordinário na época da vingança privada, pois estabelecia a proporcionalidade

entre o revide e a agressão sofrida.

Como se vê, o Talião não é uma legislação inconseqüente e

era, como se diz hoje, mas uma extraordinária evolução da legislação penal da

época ao impor limites à punições exageradas e desproporcionais.

1.3.3 Vingança divina

A vingança divina confundia o crime com o pecado e as

penas eram extremamente rigorosas, pois o castigo deveria estar relacionado à

grandeza do deus ofendido.

A repressão ao delinqüente, nessa fase, tinha por fim

aplacar a "ira" da divindade ofendida pelo crime, bem como castigar ao infrator.

Alguns povos da antigüidade cultivam a crença de que a

violação da boa convivência ofendia a divindade e que sua cólera fazia recair a

desgraça sobre todos, mas se houvesse uma vingança contra o ofensor,

equivalente à ofensa, a divindade retornaria à proteção de todos.

Para Farias Júnior42, surge então a figura do juiz que,

representando o povo perante a divindade, passou a exercitar a justiça retributiva,

como modo de expiação da culpa e conseqüentemente, aplacamento da ira da

divindade.

Datado de aproximadamente 2.000 a.C., o Código de

Hamurabi, era composto de dezoito capítulos com duzentos e oitenta e dois

artigos, que continham a seguinte orientação: “Mas se houver dano, urge dar vida

por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por

queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.”

41 SILVA, José Geraldo. Teoria do crime. 1999. p. 38 42 FARIAS JUNIOR. João. Manual de criminologia. 1990. p. 06

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Segundo Falconi43, pode-se apontar atualmente o Irã, como

representante dessa modalidade de vingança, onde ainda hoje as punições são

aplicadas em nome de Deus.

Segundo o Código de Manú (1.800 a.C, na Índia), o castigo

servia para purificar o pecador, por exemplo: cortava-se a língua do homem que

insultasse o homem de bem, ou o cortava-se os dedos dos ladrões e dos

reincidentes, cortavam-se as pernas e pés, queimava-se o adúltero, e entregava-

se a adúltera para a cachorrada.

Na realidade, a vingança divina não passava de uma

imposição penal e religiosa. Código de Manú, na Índia é um exemplo de como

essas leis eram tipificadas.

1.3.4 Vingança púbica e o Direito Romano

Em Roma, as fases de vingança evoluíram através da Lei do

Talião e da Composição, e também da vingança divina na época da Realeza,

separando-se direito de religião.

Com o surgimento de uma maior organização social e

desenvolvimento do poder político, surge à figura do chefe ou da assembléia. A

pena portanto perde sua índole sacra para transformar-se em uma sanção

imposta em nome de uma autoridade pública, representando os interesses da

comunidade.

Passa, então, a ser do soberano (rei, príncipe, regente) a

responsabilidade pela punição, que exercia sua autoridade em nome de Deus.

Dessa forma, cometia inúmeras barbaridades.

Falconi44 ensina que a vingança púbica era modalidade de

aplicação do Direito Penal antigo que visava garantir a integridade e autoridade

43 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo : Ícone. 1997.

p.34

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dos príncipes e soberanos, pois se entendia, na época, que quanto maior e mais

cruel fosse a pena, melhor e mais eficiente seria a emenda do criminoso. Como

sanção, era sempre aplicada a pena capital ou o desterro, assim a pena tinha

conotação de prevenção geral.

Ainda sobre o período romano, enfatiza Noronha45 que

Direito e religião, ao se separarem, fizeram surgir os crimina púbica, que ficava a

cargo do Estado, representado pelo magistrado com poder de Imperium com a

função de garantir a segurança pública; e os delicta privata, que consistiam em

infrações menos graves, onde a função de reprimir caberia ao particular ofendido,

havendo a interferência estatal apenas para regular seu exercício.

Nesta fase, predominava a desigualdade de classes perante

a punição, a desumanidade das penas, como a de morte profusamente distribuída

e dada pelos meios mais cruéis, como a fogueira, a roda, o arrastamento, o

esquartejamento, a estrangulação, o sepultamento em vida, entre outros,

configurava explicitamente assim a preocupação com a defesa do soberano e dos

favorecidos.

Não obstante, ainda as leis eram imprecisas, lacunosas e

imperfeitas vindas assim a postergar os direitos humanos.

Assim, ao fim da República Romana a pena torna-se, em

regra, pública. As sanções são mitigadas e a pena de morte é praticamente

abolida, sendo substituída pela deportação e pelo exílio.

Mas a mais, significativa contribuição do direito romano para

o Direito Penal Moderno foi a criação de vários institutos penais como o

reconhecimento do erro, culpa, dolo, imputabilidade, coação irresistível,

agravantes, atenuantes, legítima defesa.

44 Idem, p. 24 45 NORONHA, Magalhães. Direito penal. São Paulo : Saraiva. 1994. v.1, p. 30

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Embora a criatura humana vivesse aterrorizada, nessa

época, devido à falta de segurança jurídica, verifica-se avanço, no fato de a pena

não ser mais aplicada por terceiros e sim pelo Estado.

1.3.5 Direito penal germânico

O Direito Penal Germânico pode-se dividir em dois períodos,

o período que antecede a invasão romana e o período posterior à invasão

romana.

Antes da invasão romana, o direito dos germanos era

consuetudinário, onde os delitos púbicos – praticados contra o interesse coletivo,

eram punidos com a perda da paz pública, e que permitia a qualquer pessoa

matar o delinqüente.

Noronha46 afirma:

Conheceram os germanos o talião e a composição, variando esta conforme a gravidade da ofensa. Compreendia o Wehrgeld, indenização do dano [...]; a Busse, preço pelo qual o agressor comprava o direito de vingança do agredido ou de sua familia; o de Fredus, devida ao soberano. Os dois primeiros distinguiam-se em que aquele se destinava aos crimes mais graves.

Após a invasão romana, o direito germânico vai adquirir

feições publicísticas, limitando, à principio, e depois extinguindo a vingança de

sangue. Nesse período, ainda é mantida, em grande, parte a composição,

existindo ainda penas de morte corporais, como a mutilação e o exílio.

1.3.6 Direito canônico

Também chamado de Direito Penal da Igreja, foi influenciado

decisivamente pelo cristianismo. Assimilou e adaptou o Direito Romano às novas

46 NORONHA, Magalhães. Direito penal. p. 31

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condições sociais, contribuindo, de forma relevante, para a humanização do

Direito.

O Direito Canônico, a principio, destinava-se a regular a vida

interna da Igreja, impondo regras e disciplinas a seus membros, mas com o seu

crescimento e sua influência sobre os governantes, passou aos poucos a ser

aplicado às demais pessoas.

O cristianismo contribuiu de maneira relevante para a

humanização do direito penal. Foi, na época do Direito Canônico, que se

proclamou a igualdade entre os homens, acentuou-se o aspecto subjetivo do

crime e da responsabilidade penal e promoveu-se a mitigação das penas que

passaram a ter como fim, não só a expiação, mas também a regeneração do

criminoso pelo arrependimento e pela purgação da culpa.

Para Teles47 as penas eram espirituales e temporales,

voltadas ao arrependimento do réu, todas com sentido da retribuição do mal

realizado, chamadas também de penas medicinales.

A penitenciária tem sua origem no Direito Canônico, que foi

estabelecida para o cumprimento das penas privativas de liberdade como

substituição das penas mais graves.

A penitenciária, afirma Fragoso48, é de inspiração

nitidamente eclesiástica, vez que, a Igreja via no delito, a expressão do pecado e

para redimir da culpa, o infrator deveria sujeitar-se a penitencia que poderia

aproximá-lo de Deus.

1.3.7 Período Humanitário

Foi no século XVIII que pensadores europeus constituíram,

com suas idéias, um dos mais importantes movimentos da história da

47 TELES, Ney Moura. Direito penal : princípios constitucionais; teoria da lei penal; teoria do

crime. 2 ed. São Paulo : Atlaso, 1998. v.1, p.43 48 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, a nova parte geral. 1994, p.33

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humanidade – o Iluminismo. O período humanitário pregava a reforma das leis e

da administração da justiça penal.

No direito penal, as idéias iluministas vão se refletir a partir

da publicação, em Milão, em 1764, na obra Dei delitti e dellle pene, escrita por

Cesare Beccaria, onde combate o uso da tortura, a pena de morte, a atrocidade

das penas, e aponta para que a pena seja preventiva, útil, para que o delinqüente

não volte mais a delinqüir.

Montesquieu49 focaliza as leis penais em relação ao

ambiente histórico e as várias formas de Estado, e sustenta que nos regimes

livres, à diferença do que sucede naqueles despóticos, educar vale mais do que

punir e as sanções penais devem ser moderadas.

No entendimento de Foucalt50 as penas deveriam ser

moderadas e proporcionais aos delitos e que a morte só fosse imputada contra os

culpados assassinos, devendo ser abolidos os suplícios que revoltem a

humanidade.

Nesta mesma linha, Beccaria51 sustenta que as penas

devem se moderadas, porém devem revestir-se de severidade, mas sem

exorbitância, com a finalidade de impedir que o autor do crime continue a

delinqüir.

Beccaria, ainda, preocupou-se com a proporcionalidade da

pena, onde a justiça tinha que ser distributiva e cumulativa e que a pena deveria

ser imposta para que o castigo pudesse relacionar-se com o crime.

Conforme Teles52, a partir das idéias de Beccaria, inaugura-

se no Direito Penal o que se chama de período humanitário e, que em curto

espaço de tempo, surgem leis, aderindo aos preceitos por ele defendidos, 49 MONTESQUIEU, Charles de Secondat. Do espirito das leis. Rio de Janeiro : Ediouro, 1993. p.94 50 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir : nascimento da prisão. 19 ed. Petrópolis : Vozes, 1999. p. 63 51 BECCARIA. Cesare Bonesana. Dos delitos de das penas. 2003. p.67 52 TELES, Ney Moura. Direito penal: princípios constitucionais; teoria da lei penal; teoria do crime. p.44

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culminando com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que

consagra os fundamentais direitos humanos, ainda hoje atuais.

1.3.8 A Escola Clássica

Fragoso53 ensina que não existiu realmente uma Escola

“Clássica”, mas que este nome foi dado, pejorativamente, pelos positivistas,

quando se referiam a toda atividade doutrinária dos juristas que os antecederam,

cujo pensamento combatiam.

A Escola Clássica se preocupou com o estudo do

delinqüente e a explicação causal do delito, porque o homem é dotado de livre

arbítrio.

Entre seus princípios básicos estão: o crime como ente

jurídico, no que se refere a violação do direito; a responsabilidade penal que se

fundamenta na liberdade do homem, pois só pode ser punido aquele que agiu

livremente; a pena como retribuição jurídica do mal, restabelecendo-se, assim, a

justiça.

1.3.9 A Escola positiva

Diferentemente da Escola Clássica, em que o homem é

dotado de livre arbítrio, na Escola Positiva, o comportamento criminoso é

influenciado por fatores individuais, físicos e morais.

O marco inicial da Escola Positiva é a publicação da obra O

Homem Delinqüente, de Cesare Lombroso, na qual desenvolve a idéia do

criminoso nato.

53 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, a nova parte geral. p.41

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Farias Junior54 lembra-nos que para Lombroso, os fatores

biológicos ou antropológicos eram predominantes na influência do comportamento

criminoso, embora admitisse a influência dos fatores sociais, especialmente para

os delinqüentes de ocasião.

Para Teles55 os princípios básicos da Escola Positiva são: o

crime é um fenômeno natural e social; o fundamento da responsabilidade penal,

que resulta de ser o homem um ser social, havendo periculosidade do

delinqüente; a pena é medida defensiva da sociedade e seu objetivo é recuperar

o delinqüente ou, pelo menos, neutralizá-lo; o delinqüente é um anormal do ponto

de vista psíquico, podendo ser classificado em tipos.

1.3.10 Direito penal moderno

No momento atual deve-se levar em conta que o direito

penal, não tem apenas a função de proteger os bens jurídicos e sim de reintegrar

o condenado ao meio social, mesmo assim observa-se que esta finalidade é a

única finalidade que não se vê cumprida por este direito.

Neste sentido, Teles56 preceitua sobre o assunto:

O que se deve, no momento, ressaltar é a necessidade atualíssima de entender o Direito Penal como simples e limitado instrumento de proteção de bens jurídicos – não como combate do crime, purificador dos homens – e de verificar que a pena privativa de liberdade, apesar de concebida como meio para obter a reinserção do condenado, reeducando ou educando, no meio social está lamentavelmente fracassada, como não poderia , mesmo, deixar de ter acontecido.

Assim, pode-se concluir que mesmo depois de décadas de

existência, o direito penal ainda não conseguiu alcançar com total êxito seu

54 FARIAS JUNIOR, João. Manual de criminologia. 1990. p. 09 55 TELES, Ney Moura. Direito penal: princípios constitucionais; teoria da lei penal; teoria do crime. p.45 56 TELES, Ney Moura. Direito penal: princípios constitucionais; teoria da lei penal; teoria do crime. p.47

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objetivo e para que isto ocorra é indispensável uma reformulação do direito penal

atual.

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CAPÍTULO 2

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS

A constituição é entendida como a lei fundamental do

Estado, e definida como a organização de seus elementos essenciais, ou

constitutivos. Jose Afonso da Silva57 define esses elementos em: um sistema de

normas jurídicas que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo

de aquisição e o exercício de seu poder, o estabelecimento de seus órgãos, os

limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas

garantias.

Ressalta-se ainda, que segundo entendimento do mesmo

autor58, esta lei fundamental deve estar vinculada à realidade social, assim como

deve ser concebida como uma estrutura normativa, uma conexão de sentido

envolvendo um conjunto de valores.

Segundo Canotilho59 , o ordenamento jurídico é composto

por normas jurídicas, que podem ser classificadas em Princípios e Regras em

razão de possuírem um grau de abstração mais elevado; serem vagos e

indeterminados; possuírem importância estrutural no sistema jurídico; e,

possuírem natureza normogenética, ou seja, constituindo assim, motivo das

Regras jurídicas.

57 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9 ed. Rev. e amp. de

acordo com a nova Constituição. São Paulo: Malheiros. p. 39-40

58 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 40

59 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3 ed. Coimbra: Livraria Almedia, 1999. p.1086-1087

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A cerca das finalidades dos Princípios, Luiz Henrique

Cademartori60 discorre:

Os Princípios, dentro do ordenamento jurídico, possuem duas funções: sistêmica e normogenética. A primeira estabelece que os Princípios são as balizas do ordenamento jurídico, ou seja, servem como diretivas de organização do sistema. A segunda, por sua vez, deriva do fato de que os Princípios, por serem o fundamento do ordenamento jurídico, a partir deles, podem ser produzidas novas normas jurídicas.

Os Princípios compõem o ordenamento jurídico e são as

peças chaves para a interpretação da norma constitucional, servindo de base

para a compreensão jurídica, portanto a interpretação constitucional deve partir

sempre dos Princípios constitucionais, identificando aqueles que regem o tema.

Assim, concebe-se o ordenamento jurídico como um sistema

de normas jurídicas composto por princípios e regras que se relacionam.

Por isso a Constituição, como base que sustenta a vida da

sociedade, é que estão elencados todos os princípios fundamentais, aos quais

todas as normas do direito devem partir, sob pena de se tornarem inválidas.

Com o direito penal brasileiro não podia ser diferente, sendo

este construído com base nesses princípios instituídos na Constituição Federal

Brasileira.

Luisi61 afirma isso quando trata do direito penal nas

constituições, dizendo que:

Nas Constituições Brasileiras os princípios penais, tanto os especificamente criminais como os influentes em matéria penal tem nelas se feito presente. Mas a que lhe reservou um maior espaço foi, sem dúvidas, a Constituição vigente de outubro de 1988.

60 CADEMARTORI, Luiz Henrique. Discricionariedade administrativa no estado

constitucional de direito. Curitiba: Juruá, 2002. 195p. 61 LUISI, Luiz, Os Princípios Constitucionais Penais. 2° ed. Rev.e aum. Porto Alegre : Sergio

Antonio Fabris editor, 2003. p.14

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A primeira relação existente entre o direito penal e a

Constituição, surge, da necessidade que todos os ramos do ordenamento jurídico

possuem de se conformarem aos preceitos constitucionais, estando o legislador

infraconstitucional, impossibilitado de criar normas que não encontrem respaldo

no texto constitucional, e devendo empenhar-se para concretizar as regras que

fundamentam o Estado.

Teles62 ensina que as normas penais ordinárias a serem

elaboradas, em dissonância com os princípios constitucionais, simplesmente não

terão, em substância, nenhum valor, ainda que sejam votadas, promulgadas ou

publicadas. Tudo aquilo que colidir com o preceito constitucional será banido do

ordenamento jurídico, ainda que formalmente nele tiver ingressado.

Os princípios penais mais importantes na formação desse

trabalho e que podem ser extraídos da Constituição Federal serão trabalhados a

seguir.

2.1 PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Revela a história, que desde os tempos mais remotos, o

homem sempre foi alvo de desigualdades. Na Grécia, os escravos, as mulheres e

os estrangeiros não se beneficiavam do princípio da isonomia, que foi legado ao

cidadão grego. Tal princípio, desenvolvendo-se com o passar dos tempos,

ganhou maior amplitude na revolução francesa e continua sendo um dos pilares

mestres da democracia.

Aristóteles63 assemelhava o princípio da igualdade à Justiça,

afirmando que todos os homens atingem um grau de Justiça, mas não dizem tudo

62 TELES, Ney Moura. Direito penal: princípios constitucionais; teoria da lei penal; teoria do crime. p.55 63 ARISTOTELES, A política. Tradução de Nestor Silveira Chaves, Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. p.60.

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o que é justo, pois parece que igualdade é Justiça, e o deveria ser, mas só é para

os que são iguais, isto também ocorre com a desigualdade.

A relação existente entre o princípio da igualdade e o ideal

de justiça é bastante clara. Tal posicionamento é defendido por Cármen Lúcia

Antunes Rocha64: “A igualdade no direito é arte do homem. Por isto o princípio

jurídico da igualdade é tanto mais legítimo quanto mais próximo estiver o seu

conteúdo da idéia de justiça em que a sociedade acredita na pauta da história e

do tempo".

Assim sendo, o princípio jurídico da isonomia deve ser

entendido como uma ferramenta para se materializar a justiça, norteando tanto

aos legisladores quanto aos operadores do direito para aplicação justa da norma

de acordo com a idéia de justiça que possua a sociedade em seu trajeto histórico.

Para se entender a noção exata do princípio da igualdade

deve-se, primeiramente, compreender a sua evolução histórica, ressaltando as

principais contribuições dos povos que influenciaram a construção deste princípio.

Pode-se dividir em três fases a caminhada evolutiva da

isonomia: na primeira, tinha-se como regra, a desigualdade; na segunda, a idéia

de que todos eram iguais perante a lei, significando que a lei deve ser aplicada

indistintamente aos membros de uma mesma camada social; e na terceira, de

que a lei deve ser aplicada respeitando-se as desigualdades dos desiguais ou de

forma igual aos iguais.

Rocha65 define da seguinte forma esse primeiro momento:

(...) a sociedade cunhou-se ao influxo de desigualdades artificiais, fundadas, especialmente, nas distinções entre ricos e pobres, sendo patenteada e expressa a diferença e a discriminação. Prevaleceram, então, as timocracias, os regimes despóticos, asseguraram-se os privilégios e sedimentaram-se as diferenças,

64 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Lê, 1990. p.

28.

65 Idem, p. 35

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especificadas em leis. As relações de igualdade eram parcas e as leis não as relevavam, nem resolviam as desigualdades.

Neste momento então, a sociedade nada fazia quanto a

desigualdade, sendo que esta desigualdade estava disposta nas leis, leis tais que

proporcionava ao detentores de riquezas mais privilégios, e aos que não

possuíam tais, restava suportar os desmandos do poderosos.

Na idade média, a desigualdade atinge o seu clímax, haja

vista que a sociedade cada vez mais enrijecia as diferenças e da mesma forma, o

pensamento filosófico as legitimava. Era o tempo dos suseranos e dos vassalos

no qual se utilizava o critério de posses de terras para se distinguir as camadas

sociais que formavam o modelo de sociedade estamental. Cláudio Vincentino66

explica esta sociedade da seguinte forma:

[...], a sociedade feudal era composta por dois estamentos, ou seja dois grupos sociais com status fixo: os senhores feudais e os servos. Os servos eram constituídos pela maior parte da população camponesa, vivendo como os antigos colonos romanos – presos à terra e sofrendo intensa exploração. Eram obrigados a prestar serviços ao senhor e a pagar-lhe diversos tributos em troca de permissão de uso da terra e proteção militar.

A filosofia, nesta época, teve grande influência do

cristianismo, em função do papel preponderante que exerceu a Igreja na idade

média sobre os Estados e sobre a sociedade, ditando as normas, os

comportamentos aceitáveis, os valores e a cultura medieval. Giorgio Del

Vecchio67 esclarece o pensamento filosófico:

A liberdade e a igualdade de todos os homens, a unidade da grande família humana, constitui, sem dúvida o corolário da pregação evangélica. Estas idéias, contudo, não foram diretamente dirigidas contra a ordem política existente. A própria escravatura não combatida, mas respeitada como instituição humana, muito embora se afirmasse a igualdade dos homens

66 VINCENTINO, Cláudio. História geral. 8. ed. São Paulo: Scipione, 1997. p.109 67 VECCHIO, Giorgio del. Lições de filosofia do direito. 5. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1979.

p. 59

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perante a lei divina. Os Padres da Igreja chegaram a considerá-la como condição propícia aos servos e aos senhores: aos primeiros, para se exercitarem na paciência e obediência devida aos segundos; a estes, na doçura e benevolência devida àqueles.

Em um segundo momento histórico, a igualdade ganha

terreno e começa a ser reconhecida como uma necessidade para juridicizar as

transformações sociais que levaram o nascimento do Estado moderno. Com

efeito, o renascimento comercial proporcionou a volta da moeda como fator de

enriquecimento em detrimento da propriedade do sistema feudal, abrandando

dessa forma o poder dos suseranos. O sistema feudal entra em declínio, e, no

mesmo compasso, surgem as cidades, as grandes monarquias nacionais e uma

nova classe social – os burgueses.

Apesar de terem ajudado a construir as monarquias

absolutistas, a burguesia pouco a pouco foi se insurgindo contra esse modelo

estatal que privilegiava os nobres e limitava o seu crescimento social. Rocha68

resume de forma brilhante este momento histórico:

(...) a sociedade estatal ressente-se das desigualdades como espinhosa matéria a ser regulamentada para circunscrever-se a limites que arrimassem as pretensões dos burgueses, novos autores das normas, e forjasse um espaço de segurança contra as investidas dos privilegiados em títulos de nobreza e correlatas regalias no Poder. Não se cogita, entretanto, de uma igualação genericamente assentada, mas da ruptura de uma situação em que prerrogativas pessoais decorrentes de artifícios sociais impõem formas despóticas e acintosamente injustas de desigualação. Estabelece-se, então, um Direito que se afirma fundado no reconhecimento da igualdade dos homens, igualdade em sua dignidade, em sua condição essencial de ser humano. Positiva-se o princípio da igualdade. A lei, diz-se então, será aplicada igualmente a quem sobre ela se encontre submetido. Preceitua-se o princípio da igualdade perante a lei.

As idéias iluministas influenciaram de maneira decisiva às

revoluções ocorridas no final do século XVIII, tanto na França como nas colônias

68 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio constitucional da igualdade. 1990. p. 35

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inglesas, pois defendiam que todos os homens são iguais, diferenciando-se

apenas por questões físicas e psíquicas, sendo que as outras diferenças não

deveriam ser levadas em conta. Em decorrência destes movimentos

revolucionários fora normatizado o princípio da igualdade nas diversas

Constituições que surgiram neste fim de século.

Na França, a Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão, de 26 de agosto de 1789, firmou o princípio da igualdade como base do

Estado moderno, influenciando todas as constituições modernas.

O princípio da isonomia, consequentemente, é criação dos

homens e, portanto, reflexo de valores das sociedades, tornando, assim, mutável

o seu conceito e sua aplicação quer em relação à época, quer em relação à

determinada sociedade. Assim, o que se entende como igualdade jurídica no

Brasil pode não ser da mesma forma entendida em outro país, e, a isonomia de

tempos passados pode não corresponder ao que se entende por igualdade

atualmente.

Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello69:

A lei não deve ser fonte de privilégio ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar eqüitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo principio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes.

Ao se cumprir uma lei, todos aqueles abrangidos por ela,

receberão tratamento igualitário. Desta forma, é proibido deferir disciplinas

diversas para situações equivalentes, gerando a própria regra legal.

Neste sentido afirma Kelsen70:

69 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. p.10 70 KELSEN, Hans . Teoria pura do direito. Trad. Francesa da 2ª ed, por Ch. Einsenmann, Paris,

Dalloz, 1962. p. 190

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Colocar (o problema) da igualdade perante a lei, é colocar simplesmente que os órgãos de aplicação do direito não têm o direito de tomar em consideração senão as distinções feitas nas próprias leis a aplicar, o que se reduz a afirmar simplesmente o princípio da regularidade da aplicação do direito em geral; princípio que é imanente a toda ordem jurídica e o princípio da legalidade da aplicação das leis, que é imanente a todas as leis – em outros termos, o princípio de que as normas devem ser aplicadas conforme as normas.

Reza a Constituição Brasileira em seu artigo 5º, caput que:

‘”todos são iguais perante a lei”. Segundo entendimento de Melo71 o alcance

deste princípio “não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal

posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a

isonomia”.

Neste sentido, já afirmara Francisco Campos72:

Assim, não poderá subsistir qualquer dúvida quanto ao destinatário da cláusula constitucional da igualdade perante a lei. O seu destinatário é, precisamente, o legislador e, em conseqüência, a legislação; por mais discricionários que possam ser os critérios da política legislativa, encontra no princípio da igualdade a primeira e mais fundamental de suas limitações.

O princípio da igualdade exerce papel indiscutível na

política, justiça e democracia atual.

Tal princípio é de criação dos homens, portanto reflexo de

valores das sociedades, tornando, assim, mutável seu conceito e aplicação.

O que se busca encontrar é o critério que autoriza distinguir

pessoas e situações em grupos apartados para fins de tratamentos jurídicos

71 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 2002. p.09 72 CAMPOS, Francisco. Direito constitucional. Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1956. vol. 2. p. 30

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diversos, assim, no entendimento de Barros73, as leis nada mais fazem do que

discriminar situações e submetê-las à regência de tais ou quais regras.

Para Kelsen74:

A igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles, como, por exemplo, entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres.

O que se busca através do Principio da Igualdade nada mais

é do que o equilíbrio entre situações injustas promovendo assim o bem a todos,

sendo isso fundamental para o bem social, observando é claro, que nem todo são

iguais, e as distinções a serem observadas são destacadas na própria

constituição.

2.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

No Brasil, a garantia da legalidade penal tem estado

tradicionalmente presente em nossas constituições. A Constituição Federal de

1988, consagrou-a em seu artigo 5°, inciso XXXIX, onde estabelece que: “Não há

crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem previa cominação legal”.

Diante disto estamos em frente a um dos mais importantes princípios de Direito

Penal.

Damásio de Jesus75 assevera que: “Somente a lei pode

definir crimes e impor sanções penais, sendo vedado esse poder a outras fontes,

como as medidas provisórias, ainda que beneficiem o agente”. 73 BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da proporcionalidade e o controle de

constitucionalidade das leis restritivas de diretos fundamentais. 1996. p. 11 74 KELSEN, Hans . Teoria pura do direito. p. 190

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Este princípio está previsto, ainda no Código Penal vigente

em seu artigo 1°: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem

prévia cominação legal”.

Para o direito penal, especialmente, a maior garantia de

caráter político derivado da adoção do princípio do Estado de Direito é a

legalidade dos delitos e das penas. Neste sentido, Mariângela Gama de

Magalhães Gomes76, já definia a principal finalidade de tal princípio:

Ela tem por finalidade impedir que a condenação penal seja utilizada na contingência de uma luta política, e segundo as circunstâncias, como instrumento de humilhação do adversário; isto se dá não apenas por assegurar a predeterminação do direito, mas por garantir, também, sua produção por parte dos dotados de legitimação substancial para tal.

No entendimento de Teles77 o principio da legalidade é a

base, a viga mestra, o pilar que sustenta toda a ordem jurídica penal.

O indivíduo só pode ser punido por um crime se tiver

realizado um comportamento previamente definido como crime, por uma lei em

vigor.

Teles78 define que “por mais imoral que seja a conduta

humana, ela só corresponderá a uma sanção penal se, antes de sua pratica, tiver

entrado em vigor uma lei, considerando-a crime”.

Neste sentido, também leciona Damásio de Jesus79:

75 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal – Parte Geral. 28° ed. São Paulo: Saraiva,

2005. p.66 76 GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O princípio da proporcionalidade no direito

penal. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2003. p. 30 77 TELES, Ney Moura. Direito penal: princípios constitucionais; teoria da lei penal; teoria do crime. p.58 78 TELES, Ney Moura. Direito penal: princípios constitucionais; teoria da lei penal; teoria do crime. p.58 79 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal – Parte Geral. p.61-52

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O princípio da legalidade (ou reserva legal) tem significado, no sentido de ser uma garantia constitucional dos direitos do homem. Constitui a garantia fundamental da liberdade civil, que não consiste em fazer tudo o que se quer, mas somente aquilo que a lei permite. À ela compete fixar as limitações que destacam a atividade criminosa da atividade legítima. Esta é a condição de segurança e liberdade individual. Não haveria, com efeito, segurança ou liberdade se a lei atingisse, para os punir, condutas lícitas quando praticadas, se os juizes pudessem punir os fatos ainda não incriminados pelo legislador.

O principio da legalidade, segundo Montovani80, se desdobra

em três postulados, que são garantias derivadas do princípio constitucional da

legalidade: a reserva legal, taxatividade e irretroatividade da lei.

2.2.1 Da reserva legal

O princípio da reserva legal está claramente previsto no

artigo 5º, inciso XXXIX, a Constituição Federal vigente, onde prevê que: “não há

crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

É através deste princípio que o poder punitivo do Estado fica

circunscrito aos limites da lei, sendo que os delitos e as penas tornam-se certos

por meio de lei, ao cidadão fica assegurado que somente em virtude do

cometimento daqueles fatos definidos como crimes (ou contravenções penais) é

que poderá ser processado e condenado.

O postulado da reserva legal está claramente prescrito no

artigo 5° da Constituição Federal.

Quanto a origem do princípio, as opiniões são divergentes.

Manzini81 sustenta que o postulado da reserva legal teve origem no direito

80 MANTOVANI, Fernando. Direito Penale, parte generale. 2 ed. Pandova :Cedam, 1988, p.77 81 MANZINI, Vicenzo. Tratado di Diritto Penale Italiano. Torino : ETET, 1950, vol. 1. p. 55

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romano, outros autores como Hungria [1980, p. 117], divisam a origem da

Reserva Legal na Carta Magna Inglesa de 1215, por dispor esta, que nenhum

homem livre pode ser preso ou privado de sua propriedade a não ser pelo

julgamento de seus pares.

2.2.2 Da Taxatividade

Este princípio é que limita a discricionariedade do órgão

judicial quando da aplicação da lei penal, na medida em que as normas penais

devem ser dotadas do máximo de clareza e determinação possível.

Neste sentido discorre Luiz Luisi82:

O postulado em causa expressa a exigência de que as leis penais, especialmente as de natureza incriminadora, sejam claras e mais possível certas e precisas. Trata-se de um postulado dirigido ao legislador vetando ao mesmo a elaboração de tipos penais com a utilização de expressões ambíguas, equivocas e vagas de modo a ensejar diferentes e mesmo contrastantes entendimentos.

Diante disso, percebe-se que o principio da taxatividade

preside na qualificação e competência do legislador para a elaboração da lei

penal, exigindo deste a utilização de uma linguagem rigorosa e uniforme.

Esta exigência justifica-se nos fins do princípio da

taxatividade, uma vez que, uma lei indeterminada ou imprecisa não protege o

cidadão contra a arbitrariedade, porque implica na falta de limitação do ius

puniende estatal.

Neste sentido Luiz Luisi83 assevera:

O principal fundamento do postulado da determinação taxativa é de índole política. A exigência de normas penais de teor preciso e unívoco decorre do propósito de proteger o cidadão do arbítrio

82 LUISI, Luiz, Os Princípios Constitucionais Penais. p.24 83 LUISI, Luiz, Os Princípios Constitucionais Penais. p.25

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judiciário, posto que fixado com a certeza necessária a esfera do ilícito penal, fica restrita a descricionaridade do aplicador da lei.

Francesco Palazzo84 já dissertava acerca do principio da

taxatividade em sua obra, Valores Constitucionais e Direito Penal:

Esta exigência de determinação da norma penal funciona como garantia do poder punitivo-judiciário, incumbindo de assegurar a específica eticidade do direito, constituída na certeza jurídica, e de operar segundo pressuposto objetivo de reconhecimento da norma, uma “valorização” e “responsabilidade” do homem, de sua estrutura espiritualista. Por meio dela, possibilata-se a efetiva compreensão do Estado de Direito, não mais em termos de rigorosa delimitação do poder punitivo no tocante ao indivíduo, porém de reconhecimento, no homem, de uma capacidade que lhe é própria, inerente, e de uma responsabilidade de auto-determinar-se em face da vontade estatal.

Diante disto, deve-se afirmar que a indeterminação da lei

penal agride de forma profunda o espirito da Constituição, uma vez que vai

contra seus preceitos.

2.2.3 Da Irretroatividade da lei penal

Este princípio esta relacionado à validade das disposições

penais no tempo, sendo também, decorrente da legalidade dos delitos e das

penas.

Ensina Damásio de Jesus85 que, além de seu significado,

possui o princípio um aspecto jurídico, uma vez que “fixa o conteúdo das normas

incriminadoras, não permitindo que o ilícito penal seja estabelecido

genericamente sem definição prévia da conduta punível e determinações da

sanctio juris aplicável”.

84 PALAZZO, Francesco. Valores constitucionais e direito penal: um estudo comparado. Porto

Alegre : SA. Fabris, 1989. p.50 85 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal – Parte Geral. p. 64

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Está diretamente ligado a atualidade da lei, impondo que a

mesma só poderá alcançar os fatos cometidos depois do inicio de sua vigência,

não incidindo, assim, sobre fatos anteriores.

Não há crime sem que antes de sua prática haja lei que o

defina como fato punível, sendo assim, lícita a conduta que não encontre lei que a

defina como ilícito penal.

Como ensina Fernando Mantovani86 a irretroatividade da lei

penal, além de assegurar exigências racionais de certeza do direito “dá ao

cidadão a segurança, ante às mudanças de valorações do legislador, de não ser

punido, ou de não ser punido mais severamente, por fatos que no momento de

sua comissão, não eram apenados, ou o eram de forma mais branda”.

Neste mesmo sentido, Mariangela Gama de Magalhães

Gomes87 : “Esta garantia assenta-se na idéia de que somente não é ilícito aquilo

que a lei proibi e somente a lei, anterior ao fato, pode estabelecer o que seja

delito, assim como a pena a este aplicável”.

Ainda acerca do assunto a mesma autora88 :

Com base na proibição da retroatividade da lei penal, o legislador fica impedido de introduzir ou agravar a posteriori as previsões da pena a partir da ocorrência de fatos especialmente escandalosos, para acalmar estados de ânimo e excitações politicamente indesejáveis.

Diante disto, o que se procura através de tal princípio nada

mais é do que uma maior segurança jurídica, sendo que a norma jamais venha à

prejudicá-lo.

86 MANTOVANI, Fernando. Diritto Penale. Parte generale. 2 ed. Pandova : Cedam, 1988, p.77 87 GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O princípio da proporcionalidade no direito

penal. 2003. p. 34 88 GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O princípio da proporcionalidade no direito

penal. 2003. p. 34

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2.3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

O princípio da proporcionalidade teve sua origem na

Inglaterra. Este princípio acompanhou a história da defesa dos Direitos humanos

e a passagem do Estado de Polícia para o Estado de Direito.

A cerca destas afirmações dispõe Augustin Gordilllo89:

Da filosofia ao direito, o princípio da proporcionalidade, até chegar à modelagem atual, acompanha a história da defesa dos direitos humanos e vai surgir como decorrência da passagem do Estado de Polícia para o Estado de Direito, quando é formulado com o intuito de controlar o poder de coação do monarca, chamado de poder de polícia, porque ilimitado quanto aos fins que poderia perseguir e quanto aos meios que poderia empregar.

Com relação à origem do Princípio da Proporcionalidade,

analisa Suzana de Tolledo Barros90 :

O germe do Princípio da Proporcionalidade, pois, foi a idéia de dar garantia à liberdade individual em face dos interesse da administração. E essa consciência de que existiam Direitos oponíveis ao próprio Estado e que este, por sua vez, deveria propiciar fossem tais Direitos respeitados decorreu das teorias jusnaturalistas formuladas na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII.

Apesar de a Inglaterra ser reconhecida, segundo Paulo

Arminio Tavares Buechele91 como “o berço do Princípio da Proporcionalidade”,

cabe ressaltar que no Brasil este princípio sofreu maior influência da Alemanha e

dos Estados Unidos.

O princípio da proporcionalidade tem seu principal campo

de atuação no âmbito dos direitos fundamentais, sendo um critério valorativo

89 GORDILLO, Augustin. Princípios gerais de direito público. Trad. Marco Aurélio Greco, rev.

Reilda Meira. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1977. p.28 90 BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de

Constitucionalidade das Leis Restritivas de Diretos Fundamentais. p. 33 91 BUECHELE, Paulo Arminio Tavares. O princípio da proporcionalidade e a interpretação da

constituição. Rio de Janeiro : Renovar, 1999. p.137

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constitucional que determina as restrições a serem impostas na esfera individual

do cidadão pelo Estado para a obtenção de seus fins.

Neste sentido Marcia Haydee Porto de Carvalho92 , discorre

a cerca deste princípio:

(...)uma verdadeira Garantia constitucional que tem uma dupla função: proteger os cidadãos contra os abusos do poder estatal e serve de método interpretativo de apoio para o juiz quando este precisa resolver problemas de compatibilidade e de conformidade na tarefa de densificação ou concretização das normas constitucionais.

Para Barros93, o que se busca, através do princípio da

proporcionalidade é a restrição possível, pelo Estado, dos direitos e garantias

fundamentais, e, segundo a autora, qualquer manifestação do poder público deve

render-lhe obediência.

Miguel Polaino Navarrete94, discorre a respeito do princípio

da proporcionalidade:

O significado do princípio da proporcionalidade em sentido estrito relaciona-se com a necessidade de que todos os delitos sejam punidos com uma pena justa, proporcional à gravidade da ação punível, particularmente considerada, e ao mesmo tempo congruente com as outras penalidades previstas para o resto dos delitos existentes na legislação penal.

Havendo colisão entre Direitos Fundamentais, bem como

entre estes e outros valores constitucionais, o Princípio da Proporcionalidade,

vem sendo utilizado como preceito de interpretação constitucional na indicação do

valor que deve prevalecer no caso concreto.

92 CARVALHO, Marcia Haydée Porto de. Hermenêutica constitucional. p. 75 93 BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da proporcionalidade e o controle de

constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 1996. p. 28 94 NAVARRETE, Miguel Polaino. Derecho penal. Parte general. Fundamentos científicos Del

derecho penal. 4 ed. Barcelona : Bosch, 2001, Tomo1, Vol. 1. p. 263

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A maioria dos doutrinadores relaciona o Princípio da

Proporcionalidade à limitação do Estado na restrição dos Diretos Fundamentais,

permitida apenas quando o ato for comprovadamente adequado, necessário e

proporcional em sentido estrito, agindo de forma a decidir de maneira menos

gravosa.

Suzana de Toledo Barros95, assevera sobre a importância do

princípio da proporcionalidade:

A “descoberta “ do Princípio da Proporcionalidade, além de viabilizar um efetivo controle das leis, por permitir detectar situações inconstitucionais menos flagrantes, fornece ao juiz um instrumental prático inigualável quando se trata de justificar uma excessiva intervenção do legislador na seara dos direitos individuais.

A proporcionalidade possui uma função moderadora,

pretendendo que a lei tenha uma noção de proporção, adequação, medida, justa,

prudente, buscando assim uma lei mais justa em todos os casos.

Assim, como o princípio da proporcionalidade busca a

proporção da aplicação da norma penal visando um direito mais justo, surgem

também outros princípios, pretendendo uma solução para todos os defeitos da

norma. Passamos então a estudar o princípio da especialidade, que busca a

solução para os conflitos aparentes de normas penais.

2.4 PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE

O princípio da especialidade está expressamente previsto no

artigo 12 do Código Penal, cujo texto legal se encontra assim redigido:

Art. 12. As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.

95 BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da proporcionalidade e o controle de

constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 1996. p. 27

���������� ����BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da Proporcionalidade e controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília : Brasília Juridica, 1996.p.27

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O princípio da especialidade se distingue dos demais

princípios, sendo que se estabelece in abstracto a prevalência da norma especial

sobre a norma geral.

Diz-se que uma norma penal incriminadora é especial em

relação a outra, geral, quando possui em sua definição legal todos os elementos

típicos desta, e mais alguns, de natureza objetiva ou subjetiva, denominados

especializantes, apresentados, por isso, um minus ou um plus de severidade. A

norma especial, ou seja, a que acresce elemento próprio à descrição legal do

crime previsto na geral, prefere a esta: lex specialis derogat generali, semper

specialia generalibus insunt; generi per speciem derogantur.

As duas disposições (especial e geral) podem estar contidas

na mesma lei ou em leis distintas; podem ter sido postas em vigor ao mesmo

tempo ou em ocasiões diversas. É preciso, porém, na relação de generalidade e

especialidade entre normas, que sejam contemporâneas, o que pode deixar de

ocorrer na consunção.

Desta forma, o Princípio da Especialidade afasta o bis in

idem, pois o comportamento do agente só é enquadrado na norma incriminadora

especial, ainda que esteja descrito na norma geral.

A lei de natureza geral, por abranger um todo, é aplicada

somente quando uma norma de caráter geral mais específico sobre determinada

matéria não se verificar no ordenamento jurídico. Ou seja, a lei de caráter

específico prevalece sobre a norma geral, característica que distingue o Princípio

da Especialidade dos demais princípios.

Rogério Greco96 discorre sobre o assunto:

Em determinados tipos penais incriminadores há elementos que os tornam especiais em relação a outros, fazendo com que, havendo uma comparação entre ele, a regra contida no tipo especial se amolde adequadamente ao caso concreto, afastando, desta forma, a aplicação da norma geral.

96 GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. Rio de Janeiro : Impetus, 2003. p. 30-31

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As normas de caráter especial podem ser evidenciadas das

mais diversas formas. A primeira delas ocorre quanto às qualificadoras ou às

causas de privilégio, tendo em vista que são consideradas disposições especiais

em relação aos tipos fundamentais, geralmente descritos nos caputs dos

dispositivos. Exemplo de norma especial da espécie descrita é aquela tipificada

como lesão corporal de natureza grave (art. 129, � 1º, do CP), cujo preceito

informa um plus em relação ao tipo penal básico descrito no caput do mesmo

artigo (lesão corporal de natureza leve).

Tem-se, ainda, como especiais àquelas normas que

apresentam alguma elementar a mais do que o tipo geral. Como exemplo, pode-

se citar o crime de infanticídio (art. 123, CP) em relação ao de homicídio (art. 121,

CP), cujo tipo exige que a conduta de matar o recém-nascido parta da própria

mãe, quando se encontrar sob a influência do estado puerperal.

O legislador criou, ainda, a figura das leis penais especiais,

cujo teor rege determinadas condutas, seja em razão de sua maior gravidade,

seja pela menor intensidade do fato, mas, desde que mereçam tratamento

diferenciado. É o caso, por exemplo, da Lei de Crimes Hediondos (Lei n.

8.072/90), que dispõe acerca de certos delitos que, por sua natureza, devem ser

cuidados de forma mais servera.

O princípio da especialidade afasta a incidência de dois tipos

a uma mesma conduta, ou seja, impede que ocorra o bis in idem e, por

conseqüência, evita que a punição seja duplamente aplicada em face de um

mesmo delito.

Este princípio é um dos mecanismos indicados à solução de

conflitos aparente de normas, verificando quando mais de uma norma penal

disciplina a mesma situação fática.

2.4.1 Conflito aparente de normas

O conflito de leis penais ocorre quando temos mais de uma

norma penal aparentemente aplicável caso concreto.

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É através do Princípio da Especialidade que se busca

solucionar este Conflito Aparente de Normas Penais, sendo este princípio o mais

importante na solução de tais conflitos, seguido pelo princípio da subsidariedade,

da consunção e da alternatividade.

É importante ressaltar que o conflito entre as normas é

tratado erroneamente por alguns juristas, quando mencionam haver um conflito

de norma, o que na verdade existe é um conflito aparente de duas ou mais

normas, e não um confronto real entre elas.

A doutrina entende que existe:

1) a unidade do fato;

2) a pluralidade de normas que (aparentemente identificam

o mesmo fato delituoso).

Tais requisitos são importantes, uma vez que a existência de

uma pluralidade fatos poderia originar um concurso material de crimes. Nesse

caso, haveria uma concorrência efetiva, e não apenas aparente de crimes.

Não cabe no direito penal a incidência de duas normas

incriminadoras, assim, afirma Mirabete97: “é impossível que duas normas

incriminadoras venham a incidir sobre um só fato natural, o que é vedado pelo

princípio do non bis in idem. (...) indispensável que se verifique qual delas deve

ser aplicada no caso concreto”.

Entre os crimes de apropriação indébita comum do artigo

168 e apropriação indébita especial do artigo 168 – A do Código Penal, que

serão abordados a seguir, vislumbra-se este conflito aparente normas, que se

solucionará através do princípio da especialidade.

97 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal. parte geral. 6 ed. São Paulo : Atlas, 1992.

p. 219

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CAPÍTULO 3

DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA

3.1 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DA APROPRIÇÃO INDÉBITA

A apropriação indébita está prevista no artigo 168 do Código

Penal:

Art.168 Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção.

Apropriar-se, em sentido clássico, significa fazer sua uma

coisa alheia, algo que não lhe pertence. Deve preexistir a posse ou a detenção

justas, consistindo em ter sido a coisa entregue ao agente pelo ofendido sem

fraude nem violência, deixando a relação sem vigilância.

A apropriação indébita tem origens remotas no instituto da

quebra de confiança. Também, denominado conforme Andreas Eisele98 “violação

fiduciária ou, na expressão tradicional, abuso de confiança, elaborado pelo Direito

Francês e previsto originalmente no Código de 1971”.

Apropriar-se, significa o ato de tornar-se proprietário ou

“fazer sua a coisa alheia”, na clássica definição de Hungria.99

A expressão torna-se proprietário, Conforme Eisele100,

contém em si não somente o ato de inversão do título de posse para deixar de

deter o objeto em nome alheio e passar a deter em nome próprio. 98 EISELE, Andréas. Apropriação indébita e o ilícito penal tributário. São Paulo : Dialética,

2001. p. 70 99 HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. 4 ed. Rio de

Janeiro : Forense. 1980. v.7 p.135

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É necessário, portanto, que se verifique de que o título de

posse fora invertido, tornando-se o agente “proprietário” do bem.

A respeito da apropriação indébita comum esclarece Salles

Júnior101:

Na apropriação indébita não ocorre uma violação da posse material do dono. A coisa não é subtraída (como no furto ou roubo), nem obtida fraudulentamente (como no estelionato). Ao revés é entregue, voluntária e licitamente, pelo proprietário, passando para a posse ou detenção do agente. O poder de fato do agente sobre a coisa é anterior ao crime. A quebra da fidelidade reside justamente no fato de o agente inverter o título da posse ou detenção. A posse ou detenção legítima, permitida ou tolerada, portanto, sempre a título precário, converte-se em poder de disposição. Não reclama o delito dolo inicial, mas sim, subseqüente.

Importante salientar que, conforme analise do artigo, vimos

que para que haja a apropriação indébita, deve haver a tradição da coisa, ou seja,

ela deve estar na posse do sujeito passivo, que a entrega livremente ao sujeito

ativo, e este por sua vez, em um segundo momento, comete o delito ao apropriar-

se da coisa como se sua fosse, negando-se a restituí-la ao verdadeiro proprietário

ou "titular" da posse. Por tanto, se a coisa nunca saiu da posse do "suposto"

sujeito ativo, este pode, no máximo, ser considerado inadimplente a determinada

obrigação.

O crime de apropriação indébita apenas se configura

mediante conduta dolosa, pois a lei não prevê conduta culposa para tal hipótese.

Existe algumas divergências doutrinárias acerca da

classificação do dolo, fato tal, que deverá ser apreciado.

Noronha102 afirma que o dolo necessário à caracterização da

conduta punível é o específico, consistente na finalidade de obter proveito de

100 EISELE, Andréas. Apropriação indébita e o ilícito penal tributário. p. 72 101 SALLES JÚNIOR, Romeu de Almeida. Apropriação Indébita, v 8, 3 ed. Curitiba : Juruá, 2004.

p.13

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modo que não ocorreria apropriação quando houvesse, por parte do agente, a

intenção de restituir a coisa ao dono.

No mesmo sentido entendem Costa Junior103 e Mirabete.104

Hungria105 sustenta que o dolo, na hipótese, é genérico,

afirmando que a apropriação é elemento de fato do crime e não fim ulterior do

agente. Fragoso106 adota o mesmo entendimento.

Não há pois, divergência a cerca do fato de que a intenção

de tornar a coisa própria, com característica de propriedade é imprescindível para

a caracterização da conduta típica.

A discussão concentra-se acerca do fato de que esse

elemento subjetivo constitui aspecto específico da conduta.

3.2 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA

PREVIDENCIÁRIA

A lei 9.983 de 14 de julho de 2000 acrescentou ao artigo 168

do Código Penal, o artigo 168 – A, que dispõe que:

Art. 168 - A Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de

102 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 25 ed. São Paulo : Saraiva. 1991. p. 335 103 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Curso de direito penal. São Paulo : Saraiva. 1991. v.2. p.

106 104 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal. p. 259 105 HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. p.135 106 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. Parte especial. 10 ed. Rio de Janeiro :

Forense. 1988. v. 1. p.423

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pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;

II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos e à prestação de serviços;

III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.

O núcleo do tipo é deixar de repassar, que constitui,

inequivocamente, conduta omissiva; o sujeito ativo é aquele que tem o dever legal

de repassar à previdência a contribuição recolhida dos contribuintes; o sujeito

passivo é a previdência social; o objeto jurídico é a subsistência financeira da

previdência; o tipo subjetivo é o dolo consistente na vontade livre e consciente de

deixar de repassar as contribuições recolhidas pelos contribuintes. Não existe

modalidade culposa.

O inciso I apenas incorporou ao Código Penal o crime

anteriormente previsto no artigo 95, d, da Lei 8.212/91, com pequenas alterações.

Na essência, não houve alteração significativa. O crime continua a ser omissivo

puro, autônomo em relação à apropriação indébita, invexigindo o animus de se

apropriar dos valores não recolhidos.

No inciso II, o dispositivo pune a conduta de quem deixa de

recolher as contribuições que integraram a escrituração contábil como despesa ou

foram repassadas para o custo do produto ou serviço, pois neste caso o

contribuinte de fato é o consumidor final, não se justificando que a pessoa que

não saiu onerada da relação econômica deixe de recolher a contribuição à

previdência social.

Por sua vez, o inciso III prevê a conduta do agente que deixa

de pagar ao segurado benefício do qual já foi reembolsado pela previdência.

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Gomes107 discorre sobre a diferença entre apropriação

indébita comum e apropriação indébita previdenciária:

O risco muito sério de se encarar o delito de apropriação indébita previdenciária segundo os padrões da perspectiva puramente formalista clássica (do século passado, isto é, do milênio findo) é o de se confundir o ilícito administrativo (não pagar o débito) com o ilícito penal (não pagar o débito ofendendo o bem jurídico-penal protegido); de se confundir o devedor inadimplente com o devedor contumaz, malicioso, relapso que, podendo, de má-fé deixa de cumprir sua obrigação legal.

Diante disto, nota-se que é fundamental para o

discernimento um do outro, em primeiro lugar distinguir qual o bem jurídico

protegido.

O bem jurídico protegido no delito de apropriação indébita

previdenciária possui natureza patrimonial. Tutela-se o patrimônio, ou melhor, os

interesses patrimoniais da previdência social, sendo que o crime de apropriação

indébita previdenciária não é um crime de perigo e sim um crime de lesão, lesão

esta, aos interesses patrimoniais da previdência.

No artigo 168-A, o sujeito passivo é a Previdência Social,

que deixa de receber os valores retidos e não repassados, seja pela empresa,

seja pela instituição arrecadadora (em geral, os bancos) e o Sujeito Ativo é aquele

que reteve "ou deveria ter retido" a Contribuição Previdenciária, e não recolheu o

referido valor ao órgão arrecadador previdenciário, ou a instituição que o recebeu

e não o repassou.

A respeito da incriminação do delito tributário Sanchez108

assevera:

A justificação do crime tributário encontra-se no fato de que a conduta delituosa, além de causar um prejuízo imediato à

107 GOMES, Luis Flávio. Crimes previdenciários: apropriação indébita, sonegação, falsidade

documental, estelionato, a questão do prévio exaurimento da via administrativa. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2001. p.27

108SANCHEZ RIOS, Rodrigo. O crime fiscal. Porto Alegre : Sérgio Antonio Fabris, 1998. p.50

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integridade patrimonial do Erário Público (lesando a função pública da arrecadação), acabar por atingir o valor constitucional da solidariedade de todos os cidadãos na contribuição da manutenção dos gastos públicos. Este bem jurídico, ‘representado’ nas funções que o tributo deva exercer de acordo com os dispositivos constitucionais, justifica amplamente sua incriminação. Em outras palavras estaríamos diante de sua racio legis.

O bem jurídico, assim é supraindividual, ou seja é o

patrimônio coletivo que está tutelado diretamente, não o patrimônio do trabalhador

de quem foi feito o desconto, como se vislumbra no ensinamento de Gomes109:

Os delitos previdenciários, em conseqüência, já não podem ser vistos desde a perspectiva individualista. O delito de apropriação indébita previdenciária sempre deve ocasionar, em conseqüência uma lesão patrimonial, que acaba afetando só secundariamente os interesses dos próprios segurados e a livre concorrência das empresas (a empresa que, podendo, não efetua o recolhimento das contribuições acaba apoderando-se de algo que juridicamente não lhe pertence. Ganha, com isso, maior disponibilidade financeira para seus negócios).

Dá-se a consumação do delito, quando resulta concreta

efetivamente afetada a função arrecadadora da previdência social, ou seja,

quando se dá a apropriação daquilo que é devido à previdência ou daquilo que a

previdência reembolsou e não foi pago a quem deveria de direito.

Nesta mesma linha afirma Hungria110: “A consumação se dá

com o ato de apropriação sendo irrelevante indagar se o agente conseguiu

efetivamente, ou não, o ilícito proveito visado”.

O jurista não fez menção ao fato do sujeito ter enriquecido

ou não com a quantia que deveria ter repassado, o que ele exige é apropriação, e

que esta seja indébita (indevida, antijurídica).

109 GOMES, Luis Flávio. Crimes previdenciários: apropriação indébita, sonegação, falsidade

documental, estelionato, a questão do prévio exaurimento da via administrativa. p. 28 110 HUNGRIA, Nelson e FRAGOSO, Heleno. Comentários ao código penal. p.143

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O exato momento da consumação se dá no momento em

que expirar o prazo legal para o repasse ou recolhimento da contribuição devida.

No parágrafo 2º do artigo 168 – A, configura-se o pagamento

como causa extintiva da punibilidade

Art. 168 – A (...)

§ 2º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.

Determina o dispositivo legal que o pagamento ocorra antes

do início da ação fiscal.

Tendo em vista os pressupostos acima descritos, observa-se

que o simples pagamento do débito tributário na forma exigida pelo INSS é

suficiente para que os efeitos punitivos, senão a própria tipicidade de delito já

consumado, sejam afastados, desde que tal adimplemento ocorra antes de

iniciada a ação fiscal.

Diante do quanto dispõe mencionado parágrafo, percebe-se

que a única intenção do legislador, ao criar a figura típica da apropriação indébita

previdenciária, anteriormente incriminada pelo art. 95, “d”, da Lei 8212/91, foi, na

verdade, de tentar forçar o contribuinte ao recolhimento de ditas contribuições, ou

seja, a de captar recursos.

Partindo do entendimento que, a partir do momento em que

a apropriação indébita previdenciária foi incluída no código penal, não possui mais

um regime jurídico especial, e na apropriação indébita previdenciária o

pagamento extingue a punibilidade, este entendimento deveria ser aplicado

também a apropriação indébita comum.

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Acerca sobre o exposto, discorre Gomes111:

(...) por razões de justiça material, não vemos como não autorizar a extinção da punibilidade do pagamento feito antes da denuncia na apropriação indébita comum. Ademais, se na apropriação previdenciária, que protege um patrimônio coletivo, cabe a extinção, a fortiori impor-se-á a mesma conclusão quando se trata de patrimônio particular. A reparação do prejuízo tão logo quanto possível não pode ser um privilégio da Administração Pública ou suas Autarquias. A vitimologia reivindica há anos tal reparação, assinalando-lhe a natureza da ressocialização alternativa.

Fica clara a desigualdade a aplicação da norma penal nos

ilícitos em questão, podendo-se afirmar que o jurista não utilizou do princípio da

igualdade e nem do princípio da proporcionalidade ao formular a norma,

utilizando-se apenas do princípio da especialidade como justificador para tal

disparidade.

Portanto é necessária uma abordagem a respeito de tais

princípios e sua aplicação no direito.

3.3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA APLICAÇÃO DO DIREITO

Existe um consenso entre os doutrinadores brasileiros, que

apesar do princípio da proporcionalidade apesar de não estar positivado no

ordenamento jurídico brasileiro, está implícito no mesmo.

Sobre a concretização do princípio da proporcionalidade

Pontes112 assevera que:

A concretização prática do princípio da proporcionalidade requer do intérprete-aplicador o esclarecimento teórico acerca do sentido que o mesmo assume no processo de realização do Direito. A

111 GOMES, Luis Flávio. Crimes previdenciários: apropriação indébita, sonegação, falsidade

documental, estelionato, a questão do prévio exaurimento da via administrativa. p.63-64 112 PONTES, Helenilson Cunha. O princípio da proporcionalidade e o direito tributário. São

Paulo : Dialética, 2000. p. 73

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indicação do sentido no qual o princípio é aplicado acaba por influir positivamente sobre a racionalidade da decisão tomada, à medida que decorrem das premissas por ele adotadas na aplicação do princípio, bem como maximiza a possibilidade de discussão crítica da sua decisão, o que constitui exigência do aprimoramento democrático.

Apesar deste princípio não estar de forma expressa

elencado em nosso ordenamento jurídico, é com certeza um princípio

fundamental para que possa ser por em prática o que a Constituição preceitua

que é o respeito e defesa dos interesses individuais, coletivo e públicos.

O princípio da proporcionalidade tem a função de equilibrar o

arbítrio estatal, sendo que a norma jurídica antes de ser aplicada deve ser

proporcional ao objetivo que deseja alcançar.

Neste sentido afirma Pontes113:

Neste sentido é que se pode reconhecer no princípio da proporcionalidade um princípio em sentido estrito por consubstanciar a garantia constitucional maior dos cidadãos contra o arbítrio estatal no exercício do poder, mesmo quando este exercício possa revestir a aparência de legalidade. O exercício da função normativa pelos agentes públicos está inelutavelmente limitado ao princípio da proporcionalidade. A regra jurídica para ser constitucional deve, antes de mais nada, ser proporcional aos fins que objetiva alcançar, os quais necessariamente deve estar em sintonia com os objetivos constitucionalmente almejados (...)

Diante disto, o que se pode observar no crime de

apropriação indébita é que não aplicou-se o princípio da proporcionalidade, uma

vez que, como já destacado antes, se o crime de apropriação indébita

previdenciária ao estar previsto no código penal e tem como extinção de

punibilidade o pagamento do montante apropriado pelo agente, este privilégio

113 PONTES, Helenilson Cunha. O princípio da proporcionalidade e o direito tributário. p. 40-

41

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deveria ser também estendido ao agente do crime de apropriação indébita

comum, coisa que o legislador ao criar a norma não observou.

Onde está a proporcionalidade na aplicação de uma norma

que, para um delito visivelmente mais nocivo a coletividade atribui-se privilégios

(como a extinção de punibilidade) e o delito que fere somente o indivíduo e que

mesmo reparando o dano sofrido sofre sanções muito maiores.

O princípio da proporcionalidade e o princípio da igualdade

estão estreitamente ligados, sendo possível entender a proporcionalidade como

inserida na igualdade, pois o princípio da isonomia traduziria a idéia aristotélica de

“igualdade proporcional”, própria da “justiça distributiva”, “geométrica”, que

acrescente àquela “cumulativa”, “aritmética”, meramente formal – aqui igualdade

de bens, ali igualdade de relações.

Este princípio além de fundamental para a concretização do

princípio da igualdade, mas de todos os princípios constitucionais, uma vez que

possui a função de proteger os direitos individuais e fazer com que os direitos

fundamentais sejam concretizados

Neste sentido assevera Pontes114:

Como princípio conciliador dos diferentes valores constitucionalmente consagrados através dos princípios jurídicos, a proporcionalidade permite a justa concretização não apenas do princípio da igualdade, como acentua Larenz, mas de todos os princípios constitucionais, definindo o peso específico que cada qual assume diante das circunstâncias fáticas e jurídicas do caso concreto. Portanto, o princípio da proporcionalidade consubstancia verdadeira garantia constitucional imanente ao Estado de Direito contemporâneo, e exerce simultaneamente na ordem jurídica a dupla função de proteger a esfera de liberdade individual contra medidas estatais arbitrárias, e de viabilizar a concretização ótima dos direitos fundamentais e de todo o elenco de pretensões constitucionalmente reconhecidas através das diferentes regras e princípios constitucionais.

114 PONTES, Helenilson Cunha. O princípio da proporcionalidade e o direito tributário. p. 56

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56

Estando o princípio da proporcionalidade diretamente

inserido ao princípio da igualdade, passa-se então ao estudo daquele princípio na

aplicação do direito.

3.4 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA APLICAÇÃO DO DIREITO

O Princípio da Igualdade ou da Isonomia, como já

demonstrado anteriormente, é uma das pedras fundamentais do Estado

Democrático de Direito.

Estatui Canotilho115:

O princípio da igualdade considera-se também como princípio da justiça social, o que é inerente à própria idéia de igual dignidade social (dignidade da pessoa humana) e funciona não apenas como fundamento antropológico-axiológico contra a discriminações objectivas ou subjectivas, mas também como princípio jurídico constitucional impositivo de compensação de desigualdade de oportunidades e como princípio sancionador de violação da igualdade por comportamentos omissivos.

No mesmo sentido destacou Feldens116:

O princípio da igualdade é mais que princípio do Estado de Direito, ele exterioriza-se como um princípio do Estado Social. O princípio da igualdade sob o ponto de vista jurídico-constitucional assume relevo enquanto princípio de igualdade de oportunidades e de reais condições de vida, retratando-se, pois, como a mais valiosa das garantias sociais, ou os meios dos princípios garantidores dos direitos individuais.

Portanto, o princípio da igualdade busca nada mais, do que

oferecer garantias e oportunidades individuais.

115 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 420-421 116 FELDENS, Luciano. Tutela penal de interesses difusos e crimes do colarinho branco: por uma

relegitimação da atuação do Ministério Público. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2002. p. 71

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Para Canotilho117 o conteúdo jurídico do princípio da

igualdade “revela-se um dos princípios estruturantes do regime geral dos direitos

fundamentais cujo traços mais importantes são: a igualdade na aplicação e a

igualdade quanto à criação do direito”.

Diante disto, observa-se que o principio da igualdade surge

para que as leis sejam cumpridas sem que se leve em conta às pessoas que por

ela vierem a ser alcançadas, portanto, princípio da igualdade não se exaure na

mera aplicação da lei, uma vez que o próprio legislador deverá criar um direito

igual para todos os cidadãos.

De acordo com Melo118:

A lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, ma instrumento regulador da vida social que necessita tratar eqüitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes. Dúvida não padece que, ao se cumprir uma lei, todos os abrangidos por ela hão de receber tratamento parificado, sendo certo, ainda, que ao próprio ditame legal é interdito deferir disciplinas diversas para situações equivalentes.

Assim, segundo Canotilho119, o princípio a igualdade nada

mais expressa do que a afirmação de que todos são iguais perante a lei

(igualdade formal), porém não resolve o problema, que é o de definir quem são os

iguais e quem são os desiguais (igualdade material), onde a igualdade perante a

lei oferecerá uma garantia insuficiente se não for acompanhada, ou não tiver

também a natureza de uma igualdade na própria lei.

Ainda sobre o assunto, dispõe o mesmo autor120:

117 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 416-417 118 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo jurídico do principio da igualdade. 1998. p.10 119 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 417 120 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 419

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O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe sim o arbítrio: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem qualquer justificação razoável, segundo critério de valor objectivo constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por iguais situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação: ou seja, as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjetivas.

Assim, o princípio da igualdade impossibilita as

desigualdades fortuitas ou injustificadas.

Neste sentido Feldens121:

O que se requer e exige, entretanto, para que nada se objete à norma que estabelece a distinção, é que o fator erigido em critério de desigualação e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diferenciado guarde, entre si, uma justificativa racional, uma correlação lógica, que se diz abstrata; e ainda que racionalmente justificável a desigualação projetada, esta se mostrará intolerável e inválida acaso não se faça afinada aos valores prestigiados na Constituição.

Portanto, o princípio da igualdade deverá ser o condutor de

todas as normas jurídicas, principalmente quando se tratar de crimes econômico-

tributário, como o crime de apropriação indébita previdenciária, onde, sua conduta

é individual.

Diante do conteúdo já analisado, pode-se constatar que o

criminoso que pratica o crime de apropriação indébita previdenciária possui, pois

um escudo, uma imunidade, que o protege da norma penal.

É o próprio sistema penal que se encarregou de instituir

mecanismos para essa desigualdade, quando através do próprio dispositivo legal

proporcionou ao criminoso formas de extinção da punibilidade.

121 FELDENS, Luciano. Tutela penal de interesses difusos e crimes do colarinho branco: p. 80

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No parágrafo 2 do artigo 168 – A do Código Penal, fica clara

esta desigualdade, sendo que este dispositivo prevê o pagamento modalidade de

extinção de punibilidade.

A cerca de tal desigualdade Feldens122 destaca:

A extinção da punibilidade nos crimes fiscais pelo pagamento do tributo anteriormente ao recebimento da denúncia sugere uma hipótese de cuidar-se, o delito de sonegação fiscal, de uma mera ilícitude tributária, resolvida com o tardio pagamento. (...) Esta norma, de duvidoso conteúdo moral e por isso de constitucionalidade questionável, nada mais fez do que trazer de volta ao nosso ordenamento jurídico a regra constante no art. 14 da Lei 8.137-90, revogada em 31.12.1991 pela Lei 8.383-91. A regra questionada, ferindo o princípio da igualdade, cria duas castas de criminosos, a primeira constituída pela grande maioria, em regra oriundos das camadas mais miseráveis da pirâmide social, aos quais a conseqüência do crime é o processo penal e o provável encarceramento, e, a segunda, formada por sonegadores fiscais, logicamente egressos da classe economicamente dominante, aos quais é concebida a oportunidade de, usando mais uma vez de seu poder econômico, pagar em dinheiro pela extinção da sua punibilidade (...) assim, estamos diante da seguinte situação: o ladrão de galinhas será processado e julgado pelo Estado mesmo que devolva a vítima um galinheiro inteiro, enquanto que o sonegador fiscal – que prejudicou com seu ato toda a sociedade, em especial a classe economicamente mais carente, sempre dependente da situação dos cofres públicos para ver implementada ações assistências governamentais – livrar-se-á imaculado caso devolva os valores surrupiados (...)

Fica clara a dissonância como o objetivo real da norma, que

é a de defender o bem jurídico de toda a coletividade.

Assim, a apropriação de contribuições previdenciárias é de

interesse público, maior que a simples apropriação indébita, que envolve apenas

o particular. Tal dispositivo é violador do princípio da igualdade, uma vez que ao

122 Manifestação lançada nos autos da ação penal n. 95.15.13557-0, em trâmite na 3. Vara

Federal da Circunscrição Judiciária de Caxias do Sul-RS (fls 445-447) por Vitor Hugo Gomes da Cunha apud FELDENS, Luciano. Tutela penal de interesses difusos e crimes de colarinho branco:. p.190-191

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que se apropria de patrimônio particular contempla-se apenas mera diminuição de

pena, quanto ao sonegador que apropria-se de contribuições previdenciárias

extingue-se a punibilidade, ainda que não tenha pagado o montante sonegado de

uma só vez, e sim, parceladamente.

Neste sentido, assevera Feldens123:

Extrai-se daí que o elemento essencial, definidor exclusivo de quem sofrerá a ação penal, é a capacidade econômica do contribuinte. Se rico, com recursos suficientes para pagar, inclusive os acessórios, sabidamente pesados, com multas de até 300%, juros e correção, fulminará a pretensão punitiva no seu nascedouro, não sofrendo qualquer assédio criminal. Se pobre, sem recursos para arcar com os vultuosos encargos, oriundos provavelmente de dificuldades para atender às exigências do absolvido por estado de necessidade ou inexigibilidade de conduta diversa, o que terá de provar, com a imensa dificuldade inerente a esse tipo de prova, ainda assim, terá sofrido o amargo ônus de ser réu. Essa situação além de absolutamente injusta, contraria um dos primatos fundamentais do Estado Democrático de Direito urdido pela Constituição Federal vigente, que é o princípio da igualdade, contemplado em diversas passagens do texto constitucional, como por ex. o art. 3° e 5°. Essa valorização da chamada cláusula isonômica está inserida no contexto do moderno constitucionalismo, preocupado em aproximar os valores liberdade e igualdade, a fim de alcançar uma sociedade democrática e justa. Nesse passo, não se pode mais conceber a isonomia entre os cidadãos como mera igualdade formal somente as desigualdades de tratamento decorrentes, por exemplo, das condições sociais e econômicas diversas (...)

Como se pode observar trata-se com privilégios a classe economicamente mais favorecida, pois concede-se regalias aos que lesionam patrimônio público, ferindo assim, o princípio da igualdade.

123 Argüição lançada nos autos da ação penal n. 96.1002072-0, oportunizando o recurso criminal

n. 1998.04.01.028177-3 (TRF4), feita pelo Procurador da República Carlos Augusto da Silva Cazarré, o primeiro a questionar na Justiça Federal a constitucionalidade do art. 34 da Lei 9.249-. In Feldens, Luciano. Tutela penal de direitos difusos e crimes do colarinho branco: p.193-194

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3.5 O PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE COMO RESPOSTA AO PROBLEMA

APRESENTADO

O Princípio da Especialidade como já tratado anteriormente,

vem como uma solução para o conflito entre as normas, ou seja, a lei específica

será aplicada quando esta se adequar completamente com o tipo penal, sendo

que a regra geral deve ser aplicada somente quando a lei mais específica não

existir.

Nos crimes previstos no artigo 168 e 168 – A , do Código

Penal, estão descritos dois tipos de apropriação indébita, que se diferenciam com

relação aos elementos do crime.

Ao incluir no Código Penal o tipo de apropriação indébita

previdenciária, o legislador criou uma certa confusão, uma vez que, apesar dos

crimes serem “aparentemente” os mesmo, são tratados de forma totalmente

desigual e desproporcional, sendo que, os privilégios estendidos ao agente do

crime de apropriação indébita previdenciária não se estende ao da apropriação

indébita comum.

Na apropriação indébita comum, além do agente não se

beneficiar com os privilégios, não possui nenhuma causa de diminuição de pena,

pelo contrário, somente causas de aumento.

O Princípio da Especialidade vem como escopo utilizado

pelo legislador para solucionar tal conflito, pois utiliza o preceito de que a norma

especial deve ser aplicada ao caso concreto, quando esta se adequar a tal caso,

devendo assim, a norma geral deixada de lado.

Conforme se pode extrair da jurisprudência do Tribunal de

Justiça de Santa Catarina, no crime de apropriação indébita comum não se

extingue a punibilidade com a devolução do montante apropriado, mesmo que

esta se dê antes do recebimento da denuncia:

APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA CIRCUNSTANCIADA (ART. 168, §, INCISO III, DO CÓDIGO

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PENAL) – DISPOSIÇÃO DE VALORES DE TERCEIROS COMO SE PROPRIETÁRIOS FOSSEM – INVERSÃO DO TÍTULO DA POSSE – MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS – PROVA DOCUMENTAL E PALAVRAS DA VÍTIMA E DE TESTEMUNHAS QUE CONFIRMAM A VERSÃO ACUSATÓRIA – DEVOLUÇÃO DO NUMERÁRIO ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA NÃO É CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE – DOLO ESPECÍFICO PRESENTE – CRIME CARACTERIZADO – CONDENAÇÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO (Apel. Crim. N. 2005.031413-1, Rel. Dês. Sólon d’Eça Neves, em 31/01/2006). (Grifo nosso)

No mesmo sentido o Superior Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul:

EM SEDE DO CRIME DE apropriação indébita, A DEVOLUÇÃO DO OBJETO MATERIAL DO DELITO ANTES O RECEBIMENTO NÃO É CAUSA DE EXTINÇÃO DA punibilidade, NEM DESCARACTERIZA O FATO TÍPICO (RESP n. 215892/SP, REL. MIN. Vicente Leal, em 16/11/2000, DJU 4/6/01)

Na apropriação indébita previdenciária, o tratamento é

totalmente contrário, onde extingue-se a punibilidade com o simples fato do

agente assumir o delito e devolver o montante apropriado, assevera-se porém

que este montante, não precisa ser devolvido na sua totalidade, podendo ser

parceladamente.

Confirmando tal disparate a jurisprudência do STJ:

PENAL PROCESSUA PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIARIA. REFIS. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. PRAZO PRESCRICIONAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. I – Se a empresa dirigida pelos denunciados já havia sido devidamente incluída, antes do recebimento da denúncia, no Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, resta suspensa, desde a sua inclusão, a pretensão punitiva do Estado, bem como o curo do prazo prescricional. Omissis. (RHC 12057/RS – 2001/0154579-6,K Rel. Min. Felix Ficher, Quinta Turma do STJ, em 07/02/2002) (grifo nosso)

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A inclusão do artigo 168 – A ao Código Penal, trouxe ainda

outra questão relevante, que é a abolitio criminis, onde, além dos privilégios de tal

norma não se estenderem ao agente do crime de apropriação indébita comum,

como o advento da Lei 9.893/00, que em seu artigo 3º revogou expressamente o

capitulado no artigo 95, “d”, da Lei 8.212/91, resta clara, a aplicação da abolitio

criminis, contida no artigo 2º do Código Penal, nos crimes de apropriação indébita

previdenciária.

Ao disciplinar o crime de apropriação indébita previdenciária

o legislador quis punir ação diversa daquela que até então vinha sido punida, e ao

criar tal norma tornou o crime não punível.

O artigo 95, “d”, da Lei 8.212/91, considerava como crime o

simples fato do contribuinte deixar de recolher as contribuições previdenciárias,

sendo irrelevante a apropriação dos valores arrecadados. Já o artigo 168 – A, do

Código Penal, instituído pela Lei 9.983/00, exige , para a configuração do tipo

delitivo, a apropriação indevida dos valores devidos à Previdência .

Neste sentido a jurisprudência do TRF da 5ª região:

1 – Em face de expressa revogação dos dispositivos legais (Lei 8.212/91, art. 95, “d” e “f”) que ensejam o oferecimento da denúncia, evidentemente não há como aplicá-los nem como fazer incidir sobre tais condutas os dispositivos da lei mais nova. 2 – Necessariamente se faz a utilização da abolitio criminis, contida no art. 2º do Código Penal, declarando-se a extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, III, do mesmo codex. 3 – A nova definição jurídica do fato não acarreta conseqüências para a hipótese tratada nos autos, sob pena de ofensa à garantia constitucional da irretroatividade. Não subsiste o crime do art. 171 do Código Penal, tendo em vista que a ilicitude referida na denúncia foi mero instrumento para a consumação do delito ora atingido pela abolitio criminis, em face do princípio da especialidade. 5 – Extinção da punibilidade do réu, prejudicada a apelação, em face da abolitio criminis, com fulcro no art. 107, III do Código Penal. (TRF 5ª região – AC 0023514 – CE (2000.05.005018-2) – Rel. Juiz Castro Meira)

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O Princípio da Especialidade é aplicado na solução desta

questão.

Fica demonstrado claramente isto em vista das decisões

proferidas.

O TRF da 5ª região ainda se manifestou sobre a matéria em

foco, no seguinte sentido:

PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME DE NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS – LEI Nº 8.212/91, ART. 95, LETRA “D” – REVOGADO PELA LEI Nº 9.983, 147/07/2000. Extinção da punibilidade no forma do art. 107, inciso III, do Código Penal. Recurso improvido. ACORDÃO – Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, na forma do relatório, voto e das notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. (Rec. Crim. Nº 256-CE98.05.52855-3, Rel. Juiz Ubaldo Ataíde Cavalcante em 07/05/2001).

Resta claro que a aplicação do Princípio da Especialidade

nos crimes em questão nada mais é do que uma maneira do legislador justificar o

tratamento da apropriação indébita previdenciária de forma diferenciada da

comum, bem como utilizar-se da abolitio criminis.

O Princípio da Especialidade é considerado por muitos

doutrinadores como um dos mais importantes princípios penais, pois proporciona

ao manipulador do direito o privilégio de utilizar-se de leis específicas que, de uma

maneira geral, devem suprir as lacunas deixadas pela lei geral.

No delito em questão, foi justamente isto que o legislador

buscou ao revogar o artigo 95, “d” da Lei 8.212/91 e inserir ao Código Penal o

artigo 168 – A, mas esqueceu no entanto de observar outros princípios que talvez

fossem mais importantes na elaboração da norma.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a realização da presente monografia, por meio da

exposição do assunto pesquisado – Apropriação Indébita Comum e Apropriação

Indébita Previdenciária a luz dos Princípios Penais da Legalidade,

Proporcionalidade, Especialidade e Igualdade -, acredita-se que foi confirmada a

hipótese assumida inicialmente e alcançados os objetivos propostos, chegando-

se as seguintes considerações:

O estudo teve origem no questionamento a respeito da

aplicação dos princípios penais, como o princípio da legalidade, igualdade,

proporcionalidade e especialidade no crime de apropriação indébita comum e

especial.

Na investigação viu-se inicialmente que o direito de punir

sempre existiu, e o homem, ao passar a viver em sociedade passa este direito

para as mãos do Estado. Esta evolução se dá pelo fato de que o homem como

indivíduo abre mão de sua liberdade individual em favor da coletividade em busca

da liberdade moral e segurança. Sendo que para a justificativa da origem do

Estado surgem diversas teorias, e entre elas a mais importante, a teoria

Contratual, onde o Estado surge de um acordo de vontades e justifica seu poder

pelo consentimento mútuo de seus integrantes.

Para que o Estado pudesse de forma eficaz combater,

prevenir e reprimir os crimes cria-se então o Direito Penal que tem como objetivo

a defesa da sociedade, protegendo os bens jurídicos fundamentais como a

integridade física, a vida humana, a honra, o patrimônio, etc.

O Direito Penal como norma eficaz, para que tenha validade,

deve em primeiro lugar respeitar os valores fundamentais da sociedade, os quais

estão elencados em nossa Constituição Federal, instrução normativa dos valores

sociais, culturais e econômicos que constituem a própria sociedade.

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Para que a norma penal tenha validade é necessário que, ao

ser criada respeite os princípios fundamentais inseridos na Constituição, ou seja,

a norma penal se editada em desacordo com o princípio constitucionais não terá

valor algum.

Diante disto, buscou-se através de tal estudo abordar o

crime de apropriação indébita especial, previsto no artigo 168 – A do Código

Penal, fazendo um comparativ9o como o crime na modalidade comum. Tal

comparativo confirmou que o legislador ao criar tal norma utilizou-se do Princípio

da Especialidade como justificador da mesma, uma vez que, esta ao ser

elaborada tornou-se legal, pois tal princípio está expressamente previsto pelo

artigo 12 do Código Penal.

O Princípio da Especialidade é defendido como um dos

princípios mais importantes do Direito Penal, uma vez que, proporciona ao

operador do Direito utilizar-se de regras específicas para preencher as lacunas

deixadas pela norma geral.

No crime da apropriação indébita previdenciária as lacunas

podem até ter sido preenchidas, no entanto, o legislador deixou de observar

outros princípios, talvez muito mais importantes, como o Princípio da

Proporcionalidade e Princípio da Igualdade.

No crime de apropriação indébita previdenciária a lei foi

inegavelmente desproporcional, ferindo assim o princípio da proporcionalidade,

uma vez que não estendeu ao agente do crime de apropriação indébita comum os

mesmos privilégios concedidos ao agente daquela conduta.

Ao ferir o Princípio da Proporcionalidade fere

conseqüentemente o Princípio da Igualdade, pois aquele está estreitamente

ligado a este.

O Princípio da Igualdade como garantia de que a lei seja

cumprida sem que se leve em conta à pessoa que por ela será alcançada, não se

exaure na mera aplicação da lei, uma vez que o legislador ao criar a lei deverá

observar que o direito deve ser igual a todos. Com a elaboração da lei em

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questão não foi isto que aconteceu, sendo que, ao tratar de forma diferenciada o

agente do crime de apropriação indébita comum do agente do crime de

apropriação indébita previdenciária não se respeitou tal princípio.

Qual o objetivo do legislador ao criar uma norma que

possibilita ao agente infrator proteger-se da mesma? Pois na norma em questão

foi justamente isto que aconteceu.

Levando-se em conta que a norma para ser justa deve ser

conseqüentemente proporcional e igual a todos, seria então correto afirmar que a

norma em questão poderia ser questionada quanto a sua constitucionalidade,

uma vez que, observou-se apenas o Princípio da Especialidade na sua

elaboração, como forma de justificativa da mesma.

O preenchimento das lacunas deixadas pela norma através

do Princípio da Especialidade foi alcançado com louvor através da inserção do

artigo 168 – A ao Código Penal. O que não se pode deixar de observar é que ao

criar tal norma outros princípios foram feridos. A Constituição como norma

fundamental, de onde devem partir todas as outras normas, respeitando sempre

os direitos fundamentais nela elencados, foi visivelmente desrespeitada, levando

o operador do direito a questionar-se a respeito de tal disparate.

Uma norma é valida mesmo que seja inconstitucional aos

olhos de alguns e constitucional aos olhos de outros? Quais os critérios utilizados

para a elaboração das normas? Não devem estas, ao serem criadas respeitar em

primeiro lugar a Constituição.

Deverá desse modo o legislador ao criar normas defender os

interesses sociais, coletivos e individuais e concentrar-se no combate de condutas

delituosas que afrontam tais interesses, criando normas que alcancem esses

objetivos.

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REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

ARISTÓTELES, A política. Tradução de Nestor Silveira Chaves, Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.

BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de diretos fundamentais. Brasilia : Brasília Jurídica, 1996.

BASTOS, Celso Ribeiro de. Curso de teoria geral e ciência política. 4 ed. São Paulo : Saraiva, 1999.

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