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Ilícitos previdenciários: crimes sem pena? Nelson Bernardes de Souza juiz federal em Campinas (SP) "Ganharás o pão com o suor de seu rosto" Esta sentença bíblica ecoa no ouvido da humanidade há milênios e o homem não conseguiu, ainda, libertar-se desta condenação. Está destinado a empregar sua capacidade laborativa para poder obter os bens necessários à sua subsistência. Para isso conta com a força bruta de seu corpo e com as energias de sua mente. Ferramentas que se estragam à medida que o organismo biológico envelhece, ou até mesmo antes, diante de acontecimentos imprevisíveis. Está o homem exposto a toda sorte de risco, que a qualquer momento podem minimizar sua força de trabalho, impedindo-o de prover ao seu sustento e de sua família. Necessita então de amparo, de socorro que possibilite a continuação de sua existência sem que se prive do mínimo razoável para sua subsistência. Se não pode obtê-lo pelos seus meios próprios, alguém há de fazer por ele. Surge assim a idéia de socorro mútuo, assistência, finalmente, de previdência, em que o encargo de assistir aos que atingiram o limiar de suas forças ou capacidade é repartido entre todos os membros da coletividade. É a Previdência Social, também chamada por alguns de Seguro Social. O sistema da previdência social apresenta um complexo de relações jurídicas em que a lei estabelece direitos e obrigações para os sujeitos abrangidos pela atividade da Seguridade Social. Ao dissertar sobre a natureza jurídica do Seguro Social, quando então o órgão dele encarregado denominava-se Instituto Nacional de Previdência Social, o renomado Professor A. F. Cesarino Júnior bem demonstra a teia de relações jurídicas existentes envolvendo a matéria, ao dizer que: no seguro social tal como está estabelecido entre nós, intervêm quatro pessoas: o Instituto Nacional de Previdência Social, o Estado, o empregador e o empregado. Destas, abstraindo do poder de controle do Estado sobre as autarquias, duas somente têm obrigações, são sujeitos

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Ilícitos previdenciários: crimes sem pena?

       

Nelson Bernardes de Souzajuiz federal em Campinas (SP)

"Ganharás o pão com o suor de seu rosto"

Esta sentença bíblica ecoa no ouvido da humanidade há milênios e o homem não conseguiu, ainda, libertar-se desta condenação. Está destinado a empregar sua capacidade laborativa para poder obter os bens necessários à sua subsistência. Para isso conta com a força bruta de seu corpo e com as energias de sua mente. Ferramentas que se estragam à medida que o organismo biológico envelhece, ou até mesmo antes, diante de acontecimentos imprevisíveis. Está o homem exposto a toda sorte de risco, que a qualquer momento podem minimizar sua força de trabalho, impedindo-o de prover ao seu sustento e de sua família. Necessita então de amparo, de socorro que possibilite a continuação de sua existência sem que se prive do mínimo razoável para sua subsistência. Se não pode obtê-lo pelos seus meios próprios, alguém há de fazer por ele. Surge assim a idéia de socorro mútuo, assistência, finalmente, de previdência, em que o encargo de assistir aos que atingiram o limiar de suas forças ou capacidade é repartido entre todos os membros da coletividade. É a Previdência Social, também chamada por alguns de Seguro Social.

O sistema da previdência social apresenta um complexo de relações jurídicas em que a lei estabelece direitos e obrigações para os sujeitos abrangidos pela atividade da Seguridade Social. Ao dissertar sobre a natureza jurídica do Seguro Social, quando então o órgão dele encarregado denominava-se Instituto Nacional de Previdência Social, o renomado Professor A. F. Cesarino Júnior bem demonstra a teia de relações jurídicas existentes envolvendo a matéria, ao dizer que: no seguro social tal como está estabelecido entre nós, intervêm quatro pessoas: o Instituto Nacional de Previdência Social, o Estado, o empregador e o empregado. Destas, abstraindo do poder de controle do Estado sobre as autarquias, duas somente têm obrigações, são sujeitos passivos: o Estado e o empregador, meros contribuintes; duas têm ao mesmo tempo direitos e obrigações: o Instituto que tem o direito de receber as contribuições (do Estado, do empregador e do empregado) e a obrigação de conceder os benefícios (aposentadorias, auxílios, etc.); e o empregado (substituído em caso de morte e, as vezes, no seguro-maternidade por um ou mais dependentes) que tem o direito de exigir a concessão dos benefícios, e a obrigação de pagar a sua contribuição, aliás, de consentir no desconto de sua contribuição do seu salário. Todas estas obrigações resultam exclusivamente da lei e não da autonomia da vontade. Têm, portanto, caráter estatutário e não contratual. (DIREITO SOCIAL BRASILEIRO - Saraiva - 6ª ed. 1970 - 1º vol., pág. 270).

Esta pequena digressão sobre o sistema previdenciário ou do seguro social teve por objetivo demonstrar, aquilatar e reavivar a importância de um sistema previdenciário sadio, capaz de atender às diversas hipóteses de sinistros ocorrentes em meio a enorme massa de trabalhadores brasileiros. Um sistema dito de cobertura universal, como o nosso, precisa contar com uma enorme capacidade financeira para atender a demanda por seus benefícios e prestações, sempre crescente, tendo em vista o aumento demográfico. E, ainda mais, para compatibilizá-lo com os preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho, da criação de uma sociedade justa (arts. 1º, III, IV, 3º, I, da

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Constituição Federal de 1988).

No tocante ao sistema previdenciário brasileiro, dispõe a Carta Magna, em seu artigo 194 que, a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.

No Brasil adota-se o sistema tripartite de custeio da previdência social: o Estado, o empregador e o empregado, nos termos do que dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 195.

A Constituição Federal atribui competência privativa à União para legislar sobre a seguridade social (art. 22, XXIII); o legislador ordinário editou a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio e dá outras providências, e a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. Juntas, traçam as diretrizes normativas para que o Estado brasileiro possa atender aos ditames constitucionais relativos à previdência social, com o escopo de a todos garantir, nas hipóteses de sinistros e infortúnios o amparo necessário. A lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 cuida das tradicionais contribuições dos trabalhadores e empregadores sobre a folha de salários.

Além desta lei, conta a previdência social também com a contribuição das empresas sobre os seus lucros, a chamada Contribuição Social sobre o Lucro, instituída pela Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988 e a contribuição para financiamento da seguridade social (COFINS), da Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, com as alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 85, de 15 de fevereiro de 1996 e Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Conta também com recursos oriundos do Fundo Social de Emergência, aprovado pela Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1 de março de 1994, com as alterações da Emenda Constitucional nº 10, de 4 de março de 1996.

Para garantir o real recebimento dos recursos que são destinados à Previdência Social, o legislador pediu socorro às armas características do Direito Penal. Na mesma lei em que instituiu o Plano de Custeio da Previdência Social definiu também as condutas consideradas ilícitos penais. Entretanto, ao assim agir, trouxe à baila a velha discussão sobre as imperfeições da obra legislativa.

Como conteúdo da expressão "dá outras providências" do enunciado da referida lei está o artigo 95 e alíneas, que define e institui os chamados "crimes previdenciários".

No contexto da lei sobre o custeio do sistema de previdência social no Brasil, resolveu o legislador elencar condutas que atentam diretamente contra os interesses de seus integrantes e, por via indireta, o de todos os componentes da sociedade que necessitam da proteção previdenciária.

A tipificação das condutas atentatórias aos bens ou interesses da Previdência Social não é nenhuma novidade e não foi introduzida agora com a citada lei. Surgiram os delitos contra a previdência com a edição da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960. Referido diploma legal, em seu artigo 155, com as alterações do Decreto-lei nº 66, de 21 de novembro de 1966, elencava as condutas tidas como caracterizadoras de ilícitos penais. Para a definição dos ilícitos penais previdenciários, o legislador de então tomou de empréstimo definições de condutas ilícitas já existentes no ordenamento jurídico, ao invés de criar uma tipificação própria. Era a chamada tipificação por equiparação. Assim, o citado artigo 155 (com as alterações introduzidas pelo Dec.-lei nº 66), em seu inciso I enumerava determinadas

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condutas e as equiparava ao delito de sonegação fiscal, previsto na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965; o inciso II mencionava conduta equiparada à de apropriação indébita, definida no art. 168 do Código Penal; o inciso III arrolava uma série de condutas que foram equiparadas ao delito de falsidade ideológica, previsto no art. 299 do Código Penal e, finalmente, o inciso IV contemplava condutas equiparadas ao estelionato, previsto no art. 171 do Código Penal.

Assim, ao legislador de 1960 pareceu mais fácil a enumeração de delitos previdenciários por assemelhação, renunciando a sua prerrogativa de criar os tipos penais autônomos, próprios e específicos, destinados à proteção da previdência social.

Tal situação, que criou inúmeras dificuldades de interpretação para os aplicadores do Direito, persistiu até a edição da Lei nº 8.137/90, que define os crimes contra a ordem econômica e tributária e abrangia também as ações criminosas contra a previdência social. (cf., a propósito, a sadia discussão entre Manoel Pedro Pimentel e Jorge Medeiros da Silva sobre se o não recolhimento de contribuições descontadas dos empregados caracterizaria ou não o delito de apropriação indébita, in RT 451/321 e Direito Penal Especial, respectivamente).

Finalmente, em 1991 é editada a Lei nº 8.212 que cuida do custeio da previdência social, dispondo seu artigo 95 sobre condutas que o legislador entendeu definir como ilícitos penais previdenciários. Abandonou em parte a velha tradição e resolveu definir os ataques à Previdência Social estabelecendo as condutas ilícitas em uma lei própria, tida então como especial, no tocante à definição de ilícitos penais, em relação às mesmas condutas da Lei nº 8.137/90.

Algumas das figuras típicas criadas pelo artigo 95 e suas várias alíneas são novas; outras, porém, já eram conhecidas.

Dispõe o art. 95 que constitui crime:

a) deixar de incluir na folha de pagamentos da empresa os segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou autônomo, que lhe prestem serviços;

b) deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa o montante das quantias descontadas dos segurados e o das contribuições da empresa;

c) omitir total ou parcialmente receita ou lucro auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições, descumprindo as normas legais pertinentes;

d) deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público;

e) deixar de recolher contribuições devidas à Seguridade Social que tenham integrado custos ou despesas contábeis relativos a produtos ou serviços vendidos;

f) deixar de pagar salário-família, salário-maternidade, auxílio-natalidade ou outro benefício devido a segurado, quando as respectivas quotas e valores já tiverem sido reembolsados à empresa;

g) inserir ou fazer inserir em folha de pagamentos, pessoa que não possui a qualidade de segurado obrigatório;

h) inserir ou fazer inserir em Carteira de Trabalho e Previdência Social

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do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a Seguridade Social, declaração falsa ou diversa da que deveria ser feita;

i) inserir ou fazer inserir em documentos contábeis ou outros relacionados com as obrigações da empresa, declaração falsa ou diversa da que deveria constar, bem como omitir elementos exigidos pelas normas legais ou regulamentares específicas;

j) obter ou tentar obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo direto ou indireto da Seguridade Social ou de suas entidades, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, contrafação, imitação, alteração ardilosa, falsificação ou qualquer outro meio fraudulento.

§ 1º No caso dos crimes caracterizados nas alíneas d, e e f deste artigo, a pena será aquela estabelecida no artigo 5º, da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, aplicando-se à espécie as disposições constantes dos artigos 26, 27, 30, 31 e 33 do citado diploma legal.

Embora passados 35 anos do início da proteção penal à Previdência Social, o legislador ainda não conseguiu criar uma legislação escoimada de equívocos, pois, ao estatuir sobre as condutas definidoras dos tipos legais, o legislador produziu obra defeituosa.

Com efeito, para as condutas descritas nas alíneas "d", "e" e "f" após enumerar o preceito, tomou de empréstimo, uma vez mais, como costuma fazer o legislador em matéria previdenciária, numa demonstração de pouco caso com tão relevante assunto para a nacionalidade, a sanção estabelecida para os chamados crimes do colarinho branco, previstos na Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986. Parece que a intenção foi a de aumentar sensivelmente a gravidade da sanção cominada a essas condutas delituosas.

Entretanto, para as condutas definidas nas demais alíneas, o legislador esqueceu-se da sanção! Assim, quem praticar qualquer das condutas enumeradas nas alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i" e "j", não terá sanção nenhuma. Nas normas elencadas nessas alíneas, o legislador instituiu o preceito, porém, olvidou-se de estabelecer a sanção correspondente à sua violação.

O tema tem profunda imbricação com o princípio da legalidade, pois, não há crime nem pena sem lei anterior.

Pretendeu o legislador de 1991 criar normas incriminadoras para a proteção de bens jurídicos ligados diretamente à previdência social. Entretanto, não instituiu uma norma penal porque a característica desta é a enumeração do preceito, definindo uma conduta, de comando ou de proibição, com a necessária descrição da sanção correspondente.

O binômio preceito e sanção é parte integrante de toda norma jurídica. Não se trata de característica particular do Direito Penal.

Veja-se a clássica definição de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO - Curso de Direito Civil - Parte Geral - 14ª ed. - Saraiva - 1976 - lei é um preceito comum e obrigatório, emanado do poder competente e provido de sanção (p. 13). O renomado civilista, ao tecer considerações sobre a diferença entre Direito e Moral ensina que: a principal oposição entre a regra moral e a regra jurídica repousa efetivamente na sanção. ... a segunda, ao inverso, conta com a sanção para coagir os homens. Se não existisse esse elemento coercitivo, não haveria segurança nem justiça para a humanidade. O conceito de sanção, ou possibilidade de constranger o indivíduo à

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observância da norma, torna-se inseparável do direito. Neste, como diz JEAN HÉMARD, essencial é o problema das sanções, pois, justamente através de sua aplicação é que a regra jurídica adquire sua mais completa eficácia, seu valor absoluto (ob. cit, p. 3)

Prossegue o eminente jurista: Por fim, a última característica da lei é a sanção (no sentido de coação), do verbo sancire, que significa reforçar o preceito, torná-lo inviolável. Trata-se, como já vimos, de elemento inseparável do direito. Regra jurídica sem coação, disse IHERING, é uma contradição em si, um fogo que não queima, uma luz que não alumia. ( ob. cit., p. 14).

A mesma integração entre preceito e sanção, como elementos componentes da norma jurídica também se faz presente no Direito Penal.

Isto porque, a norma penal, como espécie de um conceito mais amplo (a norma jurídica), contém, portanto, uma ordem, ou norma de conduta, e a respectiva sanção, como garantia para seu cumprimento e eficácia... e ... toda norma incriminadora contém, portanto, dois elementos constitutivos: o preceito e a sanção ...no Direito Penal, não há normas incompletas, pois se ao imperativo de que decorre o preceito não suceder uma "sanctio juris", a norma é inexistente ... (TRATADO DE DIREITO PENAL - José Frederico Marques - Saraiva - 2ª ed. - 1964 - Vol 1º, p. 118).

Nas precisas palavras de ANIBAL BRUNO, como toda norma jurídica, a norma penal compreende o preceito e a sanção; o preceito, que contém o imperativo de proibição ou comando, e a sanção, que ameaça de punição a violação do preceito. No preceito se exprime a vontade estatal de estender a determinados bens jurídicos a proteção penal, proibindo ou ordenando atos, em conformidade com essa proteção; na sanção manifesta-se a coercibilidade do preceito, que é uma das características da norma jurídica. São dois termos que se prendem indissoluvelmente um ao outro, para integrar a unidade de conteúdo da norma de Direito. (Direito Penal - Forense - Livro I, Tomo I, 1959 - p. 180).

Ou como leciona HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, a norma penal é constituída do conjunto formado pelo preceito e a sanção, que constituem unidade lógica indissolúvel. A norma sem preceito ou sem sanção é inexistente. (LIÇÕES DE DIREITO PENAL - Forense - 4ª ed., 1980 - p. 75).

De fato, é inconcebível pensar-se em uma norma que contenha o preceito sem a sanção. Seria um vazio, um nada, pois o elemento característico da norma jurídica é a sua coercibilidade, que se caracteriza pela imposição de uma sanção quando violada.

Ora, sem a previsão da correspondente sanção, a norma incriminadora é inexistente, de modo que lícitas seriam as condutas elencadas nas alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i", "j", do art. 95, da Lei nº 8.212/91.

Continuando a dar pouco caso à sistematização penal, à definição clara e precisa dos tipos penais instituidores dos ilícitos previdenciários, o legislador de 1995 perdeu outra oportunidade de reparar o mal cometido. Editou a Lei nº 9.032, de 28 de abril de 1995, que alterou várias das disposições das Leis nº 8.212/91 e 8.213/91, sem alterar o malfadado art. 95 da primeira delas, deixando-o intocado. Agora, bem recentemente, em obediência ao art. 6º da Lei nº 9.032, de 28 de abril de 1995, o Poder Executivo promoveu a publicação consolidada das Leis nº 8.212/91 e 8.213/91 no Diário Oficial da União, de 11 de abril de

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1996. Nessa consolidação das leis permaneceu a redação defeituosa do art. 95, na parte em que instituiu os crimes previdenciários sem prever as respectivas sanções.

Estará, então, a previdência social destituída da poderosa proteção que é conferida pelo Direito Penal, como a ultima ratio para a garantia de seus interesses e proteção jurídica de seus bens?

Poderão então os indivíduos e as empresas, por seus dirigentes, tranqüilamente agir sem que sejam molestados pelo soldado de reserva da ordem jurídica que é o Direito Penal?

Nosso entendimento inclina-se pela resposta negativa.

Uma interpretação mais ligeira da norma estaria a indicar que ela ofende o princípio da legalidade, tão bem insculpido na fórmula latina de FEUERBACH: nullum crimen, nulla poena sine lege, inserido na Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXIX e reproduzido no art. 1º do Código Penal.

Apesar dessa lacuna, as hipóteses elencadas nas citadas alíneas continuarão a ser punidas. É que a lei 8.212/91 é especial em relação à lei anterior, de nº 8.137/90 e aos dispositivos do Código Penal em que se amoldavam condutas que violavam bens e interesses da previdência social. Os chamados delitos previdenciários, embora previstos em lei especial não escapam às teorias e princípios gerais do Direito Penal.

De fato, muitas das condutas enumeradas naquelas alíneas do art. 95 já se encontravam anteriormente descritas na lei 8.137/90 e, ainda que não houvesse a previsão típica desta lei, de caráter geral em relação a de nº 8.212/91, mesmo assim, muitas delas estariam perfeitamente elencadas no Código Penal, de modo que, subsidiariamente haveria a previsão legal de punição, obedecendo assim ao princípio da legalidade. Compare-se, por exemplo, a título exemplificativo, as condutas descritas nas alíneas "g", "h" e "i" do art. 95, que nada mais são do que a mesma conduta descrita no art. 299 do Código Penal, que define o delito de falsidade ideológica. Tome-se, ainda, como exemplo, a conduta definida na alínea "j" e a descrita no art. 171, § 3º do Código Penal. Em verdade, estas alíneas reproduzem as anteriores definições dos delitos de falsum, do estelionato.

Não se trata de aplicação de analogia, proibida em Direito Penal em matéria de normas incriminadoras. Trata-se, apenas, da aplicação dos princípios próprios que regulam o instituto da tipicidade, segundo os quais, o tipo está na lei, que contém a descrição abstrata da conduta, e a tipicidade, encontra-se na ação, que revela o comportamento do agente amoldável àquela descrição. Desse modo, pode haver subsunção típica das condutas do art. 95 em tipos da Lei 8.137/90 ou em tipos previstos no Código Penal, aplicados subsidiariamente. Deixa de haver a tipicidade pela lei especial, porém, está ela presente na norma incriminadora de caráter geral.

A solução do problema dar-se-ia pela simples aplicação do princípio da subsidiariedade: lex primaria derogat legi subsidiariae.

Na impossibilidade de aplicação do art. 95, alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i" e "j", da Lei nº 8.212/91, aplica-se a Lei nº 8.137/90, ou disposições incriminadoras do Código Penal, se for o caso, àquelas condutas que se amoldam nos tipos penais descritos nestas leis, porque, sempre que um tipo especial não puder, por um motivo qualquer, abrigar tipicamente o episódio que se analisa e examina, o tipo geral, subsidiária e supletivamente, como reserva do tipo especial (já que este contém todos os seus elementos), outorgará guarida

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típica ao fato (FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO - Conflito Aparente de Normas Penais - RT 673/294).

A não previsão da sanção, que deixou a norma incompleta, não significa que as hipóteses elencadas nas alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i", "j", do art. 95 da Lei nº 8.212/91 não serão punidas. Aparentemente, tal punição viria de encontro com o princípio da legalidade.

Entretanto, tal princípio em sua formulação completa impõe o reconhecimento de que não basta a existência de lei. É necessário que a lei seja anterior — falando-se, então, no princípio da anterioridade da lei penal, tal como definido no art. 1º do Código Penal, em combinação com o disposto no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal.

Assim, as condutas descritas no art. 95, alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i" e "j" se amoldam, ou na adequação típica dos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, ou então, nas descrições típicas dos arts. 171, 299, etc. do Código Penal. A concretude dos fatos e sua subsunção em uma norma penal incriminadora é tarefa que se apresentará ao julgador no momento da decisão, em que dirá da certeza do direito a ser aplicado.

O que não se pode admitir é que os sonegadores e fraudadores da Previdência Social permaneçam ilesos e impunes diante da omissão do legislador. A punição é possível como demonstrado acima.

Entendemos, pois, que esta solução é mais consentânea com os princípios e postulados do Direito Penal, e atende aos fins sociais preconizados no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil que, na hipótese retratada, significa dar a devida proteção penal à Previdência Social, punindo aqueles que por meios ilícitos pretendam se furtar à obrigatoriedade de seus deveres e obrigações de contribuir com a Seguridade Social, mesmo porque, se assim não fosse, a ordem jurídica agasalharia uma gritante desigualdade. É que, o agente que praticasse um delito de falsum, com o fim de eximir-se do recolhimento de tributos, por exemplo, o ICMS ou o IRPF, seria punido com as sanções dos art. 1º ou do art. 2º da Lei nº 8.137/90, conforme as hipóteses comprovadas, enquanto que, aquele que praticasse a mesma conduta com o fim de sonegar o pagamento de contribuições devidas à Previdência Social não teria punição alguma, face a omissão do legislador em prever e estabelecer a respectiva sanção. Seria dar tratamento desigual aos iguais, o que contraria frontalmente o art. 5º, I, da Constituição Federal.

Assim, todos que ofendam ou venham a ofender os bens jurídicos de interesse da previdência social, cuja proteção se pretendeu no art. 95, alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i" e "j", da Lei nº 8.212/91, não escaparão da respectiva punição, apesar da inexistência da norma incriminadora, posto que, os comportamentos lesivos ali descritos se subsumem em outras disposições definidoras de delitos e o enquadramento deles nestas normas incriminadoras atende ao princípio da anterioridade da lei penal, pois, antes da edição da Lei nº 8.212/91, que almejou instituir aqueles ilícitos previdenciários, muitas condutas nela descritas já eram consideradas ilícitos penais.

Ad extremum, consideremos inexistentes as normas incriminadoras previstas no art. 95, alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i", "j", que não chegaram a adquirir sua inteira configuração e por isso não ingressaram validamente no mundo jurídico; as condutas descritas nessas alíneas continuarão a ser consideradas ilícitas, pois, se apresentam como subsumíveis ora nos tipos definidos nos artigos 1º ou 2º da Lei nº 8.137/90, ora, algumas delas, em disposições do Código Penal. São condutas que se revelam típicas e antijurídicas em função de outras normas penais incriminadoras existentes previamente no ordenamento jurídico repressivo.

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Em verdade, tudo se resume a uma questão de técnica jurídico-penal, de qualificação dessas condutas à luz da teoria da tipicidade, basilar no Direito Penal. O fundamento para a imposição da pena está em o agente realizar no mundo fático, condutas que encontram sua correspondência no mundo abstrato do tipo penal, que encerra o preceito. Basta que se faça a indagação sobre a existência de normas penais que encerram as mesmas condutas descritas nas citadas alíneas do art. 95. Em caso positivo, serão elas típicas, o que legitimará, então, a imposição da sanções nelas previstas, sem que com isso se malfira o princípio da legalidade inscrito no art. 1º do Código Penal.

Por isso, é injurídico pensar-se em absolvição do agente com fundamento no disposto no art. 386, inciso III do Código de Processo Penal, que prevê a não responsabilização penal quando o fato imputado não constituir crime, porquanto, as condutas enumeradas nas alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i" e "j" do art. 95, da Lei 8.212/91, podem e devem ser consideradas criminosas porque, revestidas da necessária tipicidade, tendo em vista a anterior existência de outras normas penais incriminadoras nas quais elas se amoldam. Além do mais, cabe ao julgador dar aos fatos a correta definição jurídica, nos termos do disposto nos arts. 383 e 384 do mesmo diploma legal. A inexistência da sanção naquelas alíneas não significa não possa o julgador encontrá-la em outras normas, desde que, evidentemente, faça-se presente o requisito da tipicidade.

Dessa forma, a ordem jurídica, com o emprego do Direito Penal, estará garantindo que o suor do rosto para o ganha pão será enxugado pela Previdência Social.

Lei 9983/00: crime de apropriação indébita previdenciária

       

Wellington Cláudio Pinho de Castrojuiz federal substituto da Subseção Judiciária de Imperatriz (MA), ex-procurador do INSS em Pernambuco e no Maranhão

          No dia 17/07/2000 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 9.983 que, entre outras alterações empreendidas no Código Penal Brasileiro, fez inserir no corpo desse estatuto o crime de apropriação indébita previdenciária.

          A antiga redação do art. 95 da Lei 8.212/91, no qual eram previstos os crimes praticados em detrimento da previdência social, não era de boa técnica, pois se limitava a enunciar o preceito mas não cominava sanção, obstando a sua aplicabilidade em função do princípio da legalidade que impede a aplicação de pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX e CP, art. 1º). Apenas em relação às alíneas d, e e f é que o § 1º fez remissão à pena cominada no art. 5º da Lei 7.492/86 (crimes contra o sistema financeiro nacional) que era de 2 a 6 anos, possibilitando a persecução penal nesses casos.

          Dentre esses crimes, avulta o previsto na alínea d, art. 95 da Lei 8.212/91, cuja redação é a seguinte:

          Art. 95 – constitui crime:

          ...

          d) deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do

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público;

          Em um primeiro momento, a jurisprudência dos tribunais federais inclinou-se no sentido de que a referida conduta era modalidade de apropriação indébita, exigindo para a configuração do delito a presença do elemento volitivo consistente no animus de ter para si os valores não recolhidos (animus rem sibe habendi). Consequentemente, se não restasse comprovado esse elemento anímico, por sinal, de difícil comprovação, a conduta era atípica e o acusado absolvido.

          Posteriormente, esse entendimento evoluiu para reconhecer que o tipo seria autônomo, e não modalidade de apropriação, cuidando-se na verdade de crime omissivo puro (ou próprio) que prescinde da intenção de apropriar-se dos valores não recolhidos. Com base nessa jurisprudência, a simples conduta de o agente arrecadar a contribuição do empregado e não recolhê-la aos cofres da previdência, independente da destinação dada a esses recursos, configura o crime. O argumento de insuficiência de recursos em razão de grave crise financeira, freqüentemente invocado pelos empresários como ausência de dolo (rectius: excludente de culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversa), em regra, não é aceita pelo Judiciário.

          Com a edição da nova lei volta à tona a discussão. Se o legislador optou por tipificar a conduta como modalidade de apropriação indébita e atribuiu ao tipo o título de apropriação indébita previdenciária, decerto, não faltarão novos argumentos para tentar ressuscitar o antigo entendimento jurisprudencial que exigia a presença do animus rem sibe habendi para a configuração desse delito.

          Façamos, então, uma breve análise das novas disposições para depois, manifestarmos nossa opinião a respeito:

          Apropriação indébita previdenciária

          Art. 168 - A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:

          Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

          O núcleo do tipo é deixar de repassar, que constitui, inequivocamente, conduta omissiva; o sujeito ativo é aquele que tem o dever legal de repassar à previdência a contribuição recolhida dos contribuintes; o sujeito passivo é a previdência social; objeto jurídico é a subsistência financeira da previdência; o tipo subjetivo é o dolo consistente na vontade livre e consciente de deixar de repassar as contribuições recolhidas pelos contribuintes. Não existe modalidade culposa.

          Normalmente, as contribuições destinadas ao custeio da previdência são recolhidas nas instituições bancárias (Lei 8.212/91, art. 60) que, por força de convênios celebrados com o INSS, dispõem de prazo para repassarem os valores aos cofres da previdência. Daí a alusão do dispositivo ao prazo convencional.

          Eventualmente, podem incorrer também nesse delito os agentes públicos. Como é

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sabido, as contribuições das empresas incidentes sobre o faturamento e o lucro, bem como as incidentes sobre a receita de concursos de prognósticos (Lei 8.212/91, art. 11, parágrafo único, d e e), são arrecadadas e fiscalizadas pela Secretaria da Receita Federal (Lei 8.212/91, art. 33), cujos valores respectivos devem ser repassados mensalmente pelo Tesouro Nacional (Lei 8.212/91, art. 19). Portanto, a inobservância desse dever legal, que antes constituía simples infração administrativa, passou a ser contemplada como ilícito penal.

          § 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

          I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiro ou arrecadada do público;

          II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou a prestação de serviços;

          III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.

          O inciso I apenas incorporou ao CP o crime anteriormente previsto no art. 95, d, da Lei 8.212/91, com pequenas alterações. Na essência, não houve alteração significativa. O crime continua a ser omissivo puro, autônomo em relação à apropriação indébita, inexigindo o animus de se apropriar dos valores não recolhidos.

          Cabe aqui uma observação: a despeito da denominação "apropriação indébita previdenciária" não se exige para a configuração do delito a intenção de apropriar-se dos valores arrecadados e não recolhidos ( animus rem sibe habendi ) . Tal requisito somente é exigido na apropriação indébita comum em função do núcleo do tipo que é apropriar-se, que significa fazer sua a coisa, tomar para si. Ora, o tipo deve ser analisado em função dos seus elementos descritivos, normativos e subjetivos, e não do rótulo que lhe apõe o legislador. Assim, em nossa opinião, subsiste a corrente jurisprudencial que sufragou o entendimento de tratar-se de crime omissivo puro, autônomo, distinto da apropriação indébita.

          Em suma: a nova redação do dispositivo não teve o condão de reavivar a tese jurídica já debelada pelo Judiciário, de modo que incabível a alegação de ausência do animus rem sibe habendi com a finalidade de afastar a tipicidade da conduta.

          No entanto, algumas alterações em relação ao texto do art. 95, d, da Lei 8.212/91 podem ser apontadas:

em primeiro lugar, por óbvio, a denominação do tipo de apropriação indébita previdenciária e a sua inserção no Código Penal como modalidade desse crime;

o novo dispositivo, de forma mais técnica, refere-se à previdência social, que efetivamente pressupõe contribuição (CF, art. 201), ao passo que a redação anterior falava em seguridade social que, como é sabido, abrange previdência, assistência social e saúde (CF/88 art. 194), sendo certo que as ações e serviços referentes à assistência social e saúde, independem de contribuição (CF, art. 196 e art. 203);

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A alusão a contribuição que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurado ou a terceiro nada mais é do que o ato de arrecadação. Na verdade, a contribuição é arrecadada do contribuinte e recolhida aos cofres da previdência social. É o que se pode inferir do art. 30, I, II, III, V e §3º, da Lei 8.212/91. Bastaria, portanto, que o legislador fizesse referência à contribuição arrecadada dos contribuintes;

o dispositivo revogado falava apenas em deixar de recolher na época própria contribuição ou outra importância, enquanto que o atual dispositivo refere-se à forma ao prazo legal. Referidos prazos estão estabelecidos na Lei de custeio da previdência social (Lei 8.212/91, art. 30, I, b, V; art. 31);

finalmente, houve redução da pena máxima de seis para cinco anos de reclusão. Como dito anteriormente, a pena prevista era a mesma cominada aos crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei 8.212/91, art. 95, § 1º).

          No inciso II, o dispositivo pune a conduta de quem deixa de recolher as contribuições que integraram a escrituração contábil como despesa ou foram repassadas para o custo do produto ou serviço, pois neste caso o contribuinte de fato é o consumidor final, não se justificando que a pessoa que não saiu onerada da relação econômica deixe de recolher a contribuição à previdência social.

          Por sua vez, o inciso III prevê a conduta do agente que deixa de pagar ao segurado benefício do qual já foi reembolsado pela previdência. Explica-se: em regra os benefícios previdenciários são pagos diretamente ao segurado pelo INSS através da rede bancária (Lei 8.212/91, art. 60). No entanto, em alguns casos, para facilitar o pagamento e para evitar que os segurados se amontoem em frente aos postos do INSS, o benefício é pago ao segurado pelo empresa que é ressarcida desse pagamento nas futuras contribuições a seu cargo. Os exemplos típicos são o salário-família (art. 68 da Lei 8.213/91) e o salário maternidade, sendo que, atualmente, por força da Lei 9.876/99 que alterou o art. 72 da Lei 8.213/91, o salário maternidade vem sendo pago diretamente pela previdência (Decreto 3.048/99, art. 93, na redação que lhe foi dada pelo Decreto 3.265/99). Agora, não só os velhinhos terão que enfrentar as filas quilométricas do INSS, mas também as gestantes e as mães em estado puerperal! Mas o pagamento poderá ser efetuado, mediante convênio, pela empresa, sindicato ou entidade de aposentados (Decreto 3.265, art. 311), que serão reembolsados desses valores.

          O § 2º prevê uma hipótese de extinção da punibilidade quando o agente, antes de iniciado qualquer procedimento de fiscalização, confessa a dívida e efetua o pagamento integral dos valores. A medida, sem dúvida, tem por objetivo aumentar a arrecadação.

          A lei 8.212/91 não continha disposição expressa neste sentido. No entanto, era entendimento pacífico na jurisprudência a aplicação do art. 34 da Lei 9.249/95 através da chamada analogia in bonam partem. Referido dispositivo, bastante flexível, prevê a extinção da punibilidade quando o agente promove o pagamento do tributo ou contribuição social até o recebimento da denúncia.

          Agora, o novo texto, muito mais rigoroso, somente admite a extinção da punibilidade quando o agente efetua o pagamento antes de iniciado qualquer procedimento de fiscalização.

          O § 3º prevê uma hipótese de perdão judicial, facultando ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a pena de multa se o agente for primário e de bons antecedentes desde que tenha promovido o pagamento após o início da fiscalização e antes de oferecida a

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denúncia ou se o valor, acrescidos os acessórios, não suplantar o limite mínimo estipulado pela Previdência para ajuizamento da execução fiscal, em razão da inviabilidade econômica frente aos custos do procedimento.

          O dispositivo exige o concurso dos requisitos da primariedade e bons antecedentes com um dos dois outros requisitos previstos nos incisos.

          Note-se que o texto fala em oferecimento e não em recebimento da denúncia. Em relação ao limite mínimo para ajuizamento das execuções fiscais, pode ser tomado como parâmetro o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) estabelecido pelo art. 1º da Lei 9.441/97 ou, de forma mais benéfica, valendo-se da integração analógica, já que o dispositivo penal em valor estabelecido administrativamente, pode o julgador considerar para essa finalidade o art. 1º, II da Portaria 289/97 do Ministério da Fazenda, que autoriza o não-ajuizamento de execuções de valor inferior R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

          Nada impede, entretanto, a aplicação do princípio da insignificância que, segundo a concepção material do tipo, afasta a própria tipicidade da conduta, autorizando, inclusive, a rejeição da denúncia (CPP, art. 43, I).

          A despeito da expressão "é facultado ao juiz", é intuitivo que se trata de direito público subjetivo do réu. Logo, estando presentes os requisitos legais, a recusa do julgador em aplicar o benefício configura constrangimento ilegal sanável por habeas corpus. Em verdade, subsiste certa margem de discricionariedade ao magistrado apenas em deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a pena de multa, devendo fazê-lo de forma fundamentada, evidentemente.

          Convém lembrar, no entanto, que nos termos de seu art. 4º, a Lei 9.983/2000 somente entrará em vigor noventa dias após a data de sua publicação, encontrando-se, ainda, no período de vacatio legis. Assim, excluindo-se o dia do começo, o referido texto legal entrará efetivamente em vigor no dia 15 de outubro de 2000. 

A abolitio criminis do art. 95 da Lei 8212/91, pela Lei 9983/00

       

Luiz Henrique Pinheiro Bittencourtadvogado em São José dos Campos (SP)

          No dia 14 de julho de 2000 foi publicada a lei 9.983, com vacatio legis de 90 (noventa) dias, prescrevendo em seu artigo 3º a revogação dos crimes previstos no artigo 95 da lei 8.212, de 24 de Julho de 1991, ocorrendo a abolitio criminis(1) das referidas infrações penais. Além disso, acrescentou novos artigos ao texto do Código Penal, Decreto-Lei n.º 2.848, de 07 de dezembro de 1940.

          O Brasil adotou o princípio da obrigatoriedade simultânea da lei, de modo que, salvo

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disposição em contrário, a lei após a publicação passa a vigorar em todo território nacional(2). Doravante, a publicação de uma lei nova pode fazer cessar a obrigatoriedade de outra lei, quando:

a revogue expressamente(3), nos termos do artigo 3º, da lei 9.983, em relação ao artigo 95, da lei 8.212/91;

a revogue tacitamente, sendo com a lei anterior incompatível ou regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (art. 2º, § 1º, última parte).

          A questão em tela rege-se pelo artigo 5º, XL, da Constituição Federal de 1988 (retroatividade da lei benéfica) e pelo princípio da abolitio criminis, expresso no artigo 2º, caput, Código Penal, in verbis:

          "Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória".

          Ocorre abolitio criminis quando uma lei posterior deixe de considerar como infração um fato que era anteriormente punido. É a abolitio criminis, hipótese do artigo 2º, caput, do CP: a lei nova retira do campo da ilicitude penal a conduta precedentemente incriminadora(4).

          A lex mitior, porque mais benéfica (in mellius), sempre projeta seus efeitos para o passado, retroagindo para alcançar fatos criminosos que por ela deixaram de ser (abolitio criminis) ou para reduzir pena por ela abrandada ou conceder benefício por ela introduzido.(5)

          No tocante ao período de vacatio legis, há certa controvérsia na doutrina e na jurisprudência quanto à possibilidade da aplicação de norma benéfica antes de sua entrada em vigor. Uns exigem sua vigência(6), para outros a lei nova em período de vacatio deve ser aplicada desde logo se mais favorável (TARS, mv – RT 667/330) (7). Preferimos esta corrente por razões de política criminal, aplicando-se os institutos da economia processual(8) e do favor rei(9), dentre outros, não havendo razões para aguardar-se o momento da entrada em vigor da lei revogadora, para só então aplicá-la.

          Ademais, a visão instrumental do processo, com repúdio ao seu exame exclusivamente pelo âmbito interno, constitui abertura do sistema para a infiltração dos valores tutelados na ordem político-constitucional e jurídico-material(10), de modo a ser desnecessária a manutenção do processo em face da lex mitior posterior.

          A lei 9.983/00, revogou, como mencionado, os crimes do artigo 95, da lei 8.212/91, no entanto, criou tipos assemelhados, só a título de exemplo, em seu artigo 168-A, § 1º, I, refere-se a um tipo penal quiçá parecido ao revogado artigo 95, ‘d’, da lei 8.212/91, a apropriação indébita previdenciária, ipsis litteris:

          § 1º - Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

          I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público.

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          Já o artigo 95, ‘d’, da lei 8.212, de 24 de Julho de 1991, tipificava como crime a seguinte conduta, in verbis:

          Deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público.

          Caso não houvesse a revogação expressa do tipo penal pela lei 9.983/00, haveria a tácita, pois na comparação dos referidos dispositivos chegaremos a conclusão da obolitio criminis, por serem, objetivamente, incompatíveis entre si os artigos 168-A, §1º, I e o artigo 95, "d’, da lei 8.212/91, pois veja:

          1. O dispositivo revogado falava em Seguridade Social, que compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social(11). A lei revogadora menciona Previdência Social, que é a técnica de proteção social que visa a propiciar os meios indispensáveis à subsistência da pessoa humana, quando esta não pode obtê-los ou não é socialmente desejável que os aufira pessoalmente através do trabalho, por motivo de maternidade, nascimento, incapacidade, invalidez, desemprego, prisão, idade avançada, tempo de serviço ou morte, mediante contribuição compulsória distinta, proveniente da sociedade e de cada um dos participantes(12);

          2. Ao redirecionar o tipo penal para um enquadramento mais restrito a nova ordem legal acabou por modificar o âmbito de atuação do ius puniendi, que agora tem outro escopo, qual seja, somente as contribuições ou outras importâncias deixadas de recolher e destinadas à Previdência Social e não mais à Saúde ou à Assistência Social, integrantes da Seguridade Social;

          3. A nova lei tipifica ‘deixar de recolher no prazo legal’, enquanto que a revogada mencionada ‘deixar de recolher na época própria. Este elemento normativo deixava margem à dúvidas quanto à norma que deveria estipular qual seria época do recolhimento, poderia ser uma lei, um regulamento, uma portaria, etc. A lei 9.983, de 14 de Julho de 2000, ao falar ‘no prazo legal’ aplicou técnica mais apurada, deixando claro que somente a lei pode estipular o prazo para o recolhimento das contribuições;

          4. A lei revogadora refere-se a contribuição descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público. A lei revogada mencionava contribuição devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público. Vê-se que a lei nova acrescentou as contribuições descontadas de pagamentos efetuados a terceiros o que não existia no texto anterior;

          5. Por fim, a lei revogada trata de contribuição devida a revogadora diz destinada, não mais importando se é devida ou não, basta ser destinada à Previdência Social. A nova lei trouxe mais abrangência ao texto anterior.

          Concluindo, a lei 9.983 de 14 de Julho de 2000, revogou expressamente o artigo 95, da lei 8.212, de 24 de Julho de 1991. Outrossim, necessário se faz a aplicação da abolitio criminis, contido no artigo 2º do Código Penal, declarando-se a extinção da punibilidade, nos termos do artigo 107, III, do mesmo Códex.

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          Ressalte-se que a extinção da punibilidade por abolitio criminis pode ser declarada de ofício pelo magistrado(13), não gerando reincidência.

NOTAS

HC-46159/SP; ACR-11489; HC-68904/SP; HC-33357; RESP/232050SP, etc. Monteiro. Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Editora Saraiva, 1º Vol,

pág. 24, 1997. Artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-Lei n.º 4.657, de 04 de

Setembro de 1942. Jesus, Damásio E. de. Direito Penal Parte Geral. Editora Saraiva, 23ª ed., pág. 76,

1999. Pedroso, Fernando de Almeida. Direito Penal. Editora Leud, Pag.15, 1993. Jesus, Damásio E. de. Direito Penal Parte Geral. Editora Saraiva, 23ª ed., pág. 75,

1999. Delmanto, Celso. Código Penal Comentado. Editora Renovar. 4ª ed., pág. 08, 1998. Mirabete, Julio Fabbrini. Processo Penal. Editora Atlas, pág. 49, 1998. Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal, Editora Saraiva, pág. 70, 1994. Dinamarco, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. Editora Malheiros,

6ª ed. Pág. 311, 1998. Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Editora Malheiros.

10ª ed., pág. 761, 1994. Martinez, Wladimir Novaes – citado por Sergio Pinto Martins em seu Direito da

Seguridade Social. Editora Atlas. 9ª edição. Pág. 269. 1998.

13. Vide artigo 61 do Código de Processo Penal.  

A eficácia do novo art. 168-a do Código Penal

No dia 17-7-2000, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei Federal n° 9983/00, a qual promoveu algumas alterações no Código Penal. Entre tais alterações, uma que chama especial atenção é aquela que estabelece como crime a chamada apropriação indébita previdenciária.

            Reza o que segue o texto de Lei (Lei n° 9983/00):

            "Art° 1° - São acrescidos à Parte Especial do Decreto-Lei n° 2848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, os seguintes dispositivos:

            ‘Apropriação indébita previdenciária’ (AC)

            Art° 168-A – Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional. (AC)

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            Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (AC)

            § 1° - Nas mesmas penas incorre quem deixar de: (AC)

            I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público; (AC)

            II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços; (AC)

            III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social. (AC)

            § 2° - É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. (AC)

            § 3° - é facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: (AC)

            I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou (AC)

            II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. (AC)"

            Da redação do texto legal de logo nosso conhecimento empírico revela que dificilmente estarão atrás das grades os profissionais da sonegação e da apropriação indébita previdenciária aqui tratada.

            São aqueles que, utilizando sempre de terceiros, os chamados "laranjas", abstraem-se do campo de alcance da norma. Um de seus principais traços é, de um lado, a vivência em um verdadeiro paraíso na Terra (com carros magníficos, mansões e toda sorte de conforto) e, de outro, a "triste" realidade de não ter propriedade de um único bem.

            E a dificuldade em agarrar tais sonegadores reside no próprio fato de que quem apropriar-se-á indevidamente das contribuições previdenciárias serão os sócios, procuradores e prepostos das empresas pertencentes, de fato, aos verdadeiros e inalcançáveis culpados.

            E quanto a tais prepostos e sócios, configurado o tipo penal, será bastante difícil (socialmente) simplesmente condená-los à pena de reclusão e lotar ainda mais os presídios.

            Ora, a lei, publicada da forma que foi, afasta qualquer hipótese de modalidade

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culposa do crime, pois o verbo núcleo do tipo é deixar de repassar a verba devida à previdência social (conduta omissiva), o que mostra o radicalismo do texto e a voracidade do Poder Público em cobrar o que lhe é devido, a duras penas. Anote-se que o texto legal ora discutido é sucessor de uma Medida Provisória.

            Cabe aqui tecer uma consideração no que concerne a dificuldade financeira que não poucos setores empresariais sabidamente enfrentam. A lei, como visto, ignora isso, pois constitui crime a simples conduta de deixar de repassar, independentemente de qualquer condição financeira observada. Assim, muitas empresas, que religiosamente cumprem as suas obrigações tributárias e sociais, estarão à mercê de caírem na hipótese legal, até mesmo porque em não raras vezes a empresa que anda mal é justamente porque honra com as suas obrigações.

            A seu turno, façamos a análise daquela empresa saudável financeiramente. Qual a razão de tanta saúde? Será que as obrigações, todas, serão devidamente cumpridas? A do artigo 168-A do Código Penal certamente que sim, pois senão dará cadeia...

            Outra conseqüência social que certamente ocorrerá, haja vista que a tendência do sistema é a adequação à lei, será o lançamento de ainda mais trabalhadores à economia informal.

            Ora, que empregador irá querer se arriscar, diante de uma eventual dificuldade financeira, ao cometimento de um crime? Devemos nos lembrar que o simples atraso no recolhimento da verba previdenciária já configura crime com pena de reclusão de dois a cinco anos, e multa.

            Assim, até mesmo a dona-de-casa poderá estar sujeita às penalidades legais se houver atraso no recolhimento da verba previdenciária.

            Claro que sabemos que o Poder Judiciário culminará por relativizar a norma, diante dos casos concretos que surgirão.

            No entanto, merece ficar registrada a presente análise crítica a mais uma faceta do modelo neoliberal, criador de exércitos cada vez maiores de desempregados e monstro voraz quando o assunto é arrecadação.

            Elogios ao povo brasileiro certamente surgirão de qualquer estrangeiro que, ao pisar no solo verde e amarelo, ler o texto da Lei 9983/00. Ora, se há pena tão grave para o não repasse, em dia, da cota previdenciária, quão saudável financeiramente será o sistema previdenciário dessa nação? Ora, ninguém vai querer ser preso, ou vai? 

Uma breve análise sobre a incongruência legislativa nas novas causas extintivas da punibilidade no crime de sonegação de contribuição previdenciária

       

Américo Bedê Freire Júniorprocurador da Fazenda Nacional no Maranhão, professor da Escola Superior do

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Ministério Público do Maranhão

1. INTRODUÇÃO

            O Código Penal Brasileiro (1), recentemente, foi alterado mais uma vez. Essa constância de modificações fez com que Miguel Reale Júnior denominasse o atual estágio do direito penal de Direito Penal "fernandino" (2).

            Desta feita o legislador introduziu o crime de sonegação de contribuição previdenciária (art 337 A) (3), prevendo, ainda, duas causas extintivas da punibilidade uma obrigatória e outra facultativa in verbis :

            " Art. 337-A. (omissis)

            §1º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara e confessa as contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à Previdência Social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.

            §2º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que :

            I - vetado

            II - o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela Previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais"

            O presente trabalho visa tecer alguns comentários sobre essas causas extintivas da punibilidade.

2. DA ATUAL TRANSIÇÃO DO DIREITO PENAL.

            Imprescindível gizar que a concepção de direito penal atual não pode ser idêntica à concepção de outrora.

            Sabe-se que o direito penal não foi, não é e nem será a solução para os graves problemas sociais (4), cada vez mais multiplicados pela sociedade de massa caracterizada pelo incrível paradoxo da evolução e involução simultânea da humanidade.

            Efetivamente, começam os doutrinadores a apontar a necessidade de uma profunda reformulação do Direito Penal, fazendo-se mister adequar o Direito Penal à Força normativa e dirigente da Constituição.

            A partir desse novo paradigma (garantista) a função primordial do Direito Penal é a tutela eficaz de bens jurídicos de relevância para a Constituição.

            Neste diapasão, cabe lembrar a precisa lição de Lenio Streck (5) ao afirmar: " Dito de

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outro modo, não há dúvida, pois que as baterias do Direito Penal, no plano do Estado Democrático de Direito, devem ser direcionadas preferentemente para o combate dos crimes que impedem a realização dos objetivos constitucionais do Estado. Ou seja, no Estado Democrático de Direito- instituído no artigo 1º da CF/88- devem ser combatidos os crimes que fomentam a injustiça social, o que significa afirmar que o direito penal deve ser reforçado naquilo que diz respeito aos crimes que promovam e/ou sustentam as desigualdades sociais."

            A moderna criminologia aponta, desde a teoria do etiquetamento (labelling approach), o quanto a sociedade é manipulada para crer na existência de indivíduos voltados biologicamente para a prática do crime e que a simples, dura e efetiva (law and order) punição, quiçá com a pena capital, resolveriam os problemas.

            A criminalidade do colarinho branco (Sutherland) é esquecida numa cifra oculta incalculável, mas que conta com o respaldo social, pois como lembrado por Francisco Betti (6) " Uma constante nos crimes em estudo é a constatação da ausência de valoração social negativa, que procede de vários fatores: apego excessivo aos bens materiais, como o lucro; egoísmo exagerado dos detentores do capital, que devotam total desprezo às classes menos favorecidas e a certeza da impunidade".

            Nesse contexto, criminalizou-se determinadas condutas lesivas a um dos bens jurídicos mais importantes na modernidade: a seguridade social, bem de importância ímpar, destacado por Lílian Castro (7) " como evoluções das liberdades públicas democraticamente conquistadas, confundem-se com os próprios fins do Estado, de realizar justiça social e erradicar a miséria, provendo a igualdade material".

            Tendo em vista essa peculiar situação do bem jurídico seguridade social, torna-se possível efetuar uma análise das causas extintivas da punibilidade previstas na lei 9983/00.

3. CAUSAS EXTINTIVAS DA PUNIBILIDADE

            Na evolução do Direito Penal, a punibilidade deixou de integrar o conceito de crime para se configurar na principal conseqüência do delito.

            Cabe lembrar o posicionamento da doutrina quase uníssono quando afirma que a causa extintiva da punibilidade não faz desaparecer o delito, mas apenas as suas conseqüências.

            A fonte legal geral das causas de extinção da punibilidade é o artigo 107 do Código Penal, todavia, tal dispositivo não encerra todas as espécies de causa extintiva, sendo portanto numerus apertus.

            3.1 DA CAUSA EXTINTIVA OBRIGATÓRIA PREVISTA NO §1 DO ARTIGO 337 DO CP.

            Aprioristicamente, deve-se frisar que a liberdade do legislador de prever as causas extintivas da punibilidade não pode ir ao extremo de enfraquecer a proteção ao bem jurídico,

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materializada na norma penal.

            Some-se a esse fato a necessidade de uma justificativa plausível para elidir a imposição da norma penal secundária. Tal justificativa deve coadunar-se aos princípios constitucionais.

            Depreende-se da leitura do novo parágrafo em comento que a punibilidade será extinta quando o agente espontaneamente declara e confessa as contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à Previdência Social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.

            Antes do advento de tal parágrafo, o artigo 34 da lei 9249/95 (8) previa a extinção da punibilidade se o agente promovesse o pagamento antes do recebimento da denúncia.

            Duas importantes diferenças podem ser apontadas entre os dispositivos:

            1º-a novel lei não exige o pagamento (norma mais benéfica ao réu),

            2º-a ação do agente deve ser realizada antes de qualquer ação fiscal, enquanto a norma aplicável anteriormente previa, como momento final para a prática do ato extintivo da punibilidade, o recebimento da denúncia.

            Como existe independência entre as ações penais e fiscais, em tese não se pode precisar qual das duas será deflagrada primeiro. Entretanto, intuitivamente, a maior probabilidade é de que a ação fiscal ocorra anteriormente à ação penal.

            Se for considerada a plena validade da lei 9983/00, no que tange ao conflito de leis no tempo, quadra ponderar ser o direito penal bastante claro ao afirmar que a lei nova mais benéfica deverá ser aplicada retroativamente até mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória devendo, nessa hipótese, o juiz da execução penal (art 66 da LEP e súmula 611 do STF) aplicar a abolitio criminis ou a novatio legis in mellius. Portanto como a lei 9983/00 é mais benéfica, deve ser aplicada aos fatos ocorridos anteriormente a sua vigência.

            No presente momento, após a breve exposição da aplicação da lei nova, cabe realizar uma reflexão mais aprofundada sobre o conteúdo da nova causa extintiva da punibilidade em face do sistema jurídico brasileiro vigente.

            Interessante destacar que, na mesma lei 9983/2000, quando o legislador tratou da extinção da punibilidade do crime de apropriação indébita previdenciária trouxe para a configuração da causa extintiva a necessidade de pagamento do tributo (art 168-A §2 do CP).

            Não se compreende o porquê do tratamento diferenciado quando do trato da causa extintiva da sonegação previdenciária, já que ambos os delitos produzem os mesmos nefastos prejuízos para os cofres da Seguridade Social.

            Tal conduta é paradoxal, porque a ação de sonegação (com o seus inúmeros meios fraudulentos) é muito mais grave do que a apropriação indébita.

            Corroborando tal assertiva, mas escrevendo, ainda, sobre o artigo 34 da lei 9249/95

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Paulo Baltazar Júnior (9) dilucida: " Essa conclusão mais se fortalece quando se observa que o artigo 34 da lei 9249/95 se aplica mesmo aos casos nos quais o agente se vale de meio fraudulento para suprimir ou reduzir tributo. Ora, não se pode aceitar que seja favorecido pela extinção da punibilidade o autor desse tipo de conduta, francamente mais ofensiva à consciência jurídica; enquanto não é alcançado o agente responsável pela mera omissão no recolhimento de contribuições descontadas do empregado"

            Por outro lado, é esdrúxulo constatar que, em relação a bens jurídicos de menor valor (por exemplo um patrimônio individual num furto), a conduta da confissão se configure como uma mera atenuante genérica e quando se está em face do patrimônio de Todos (seguridade social) a simples confissão possa extinguir a punibilidade (10).

            Tais situações estarão em harmonia com os melhores princípios do Direito e de nossa Constituição? Causa espécie tal incongruência legislativa, devendo necessariamente ser corrigida pelos aplicadores do Direito.

            Realmente, é extremamente difícil tentar salvar a grave incongruência praticada pelo legislador. Frise-se ser inviável a interpretação constitucional conforme, pois, não é possível via interpretativa acrescentar (no caso a exigência de pagamento) elementos ao texto da lei.

            Como a sistematização e a coerência das regras (que não possuem a dimensão de peso ínsita aos princípios) são elementos indispensáveis para que o Direito se configure num sistema, impossível será a coexistência dessa causa extintiva da punibilidade penal no sistema com a adequada proteção constitucional à Seguridade Social, devendo, portanto, ser extirpada de nossa ordem jurídica.

            Deveras o princípio da proporcionalidade em seu subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito (11) pode ser aplicado a fim de caracterizar de uma vez por todas a inconstitucionalidade de tal causa extintiva da punibilidade.

            Na análise das vantagens da norma e de suas desvantagens, constata-se facilmente a preponderância dos aspectos negativos sobre o aspecto positivo (para o criminoso), consubstanciando a inconstitucionalidade.

            O legislador pátrio precisa acabar com o que ficou conhecido por legislação-álibi. Se a seguridade social é um bem jurídico que deve ser tutelado pelas normas penais, deve o legislador fazê-lo com presteza e coerência, sem tipificar e simultaneamente acabar com qualquer eficácia de punição ao prever que a simples confissão exclui a punibilidade.

            3.2 DA CAUSA EXTINTIVA FACULTATIVA PREVISTA NO §2 DO ARTIGO 337 DO CP

            Interessante observar de plano que a causa extintiva da punibilidade facultativa tem mais lógica jurídica do que a causa obrigatória antes mencionada.

            Ora, se a lesão ao bem jurídico foi de ínfimo valor a ponto de não se justificar a ação de execução fiscal, com muito mais razão tal conduta será insignificante para consubstanciar uma lesão que mereça a intervenção do Direito penal.

            Efetivamente, o legislador materializou em tal previsão o consagrado princípio da

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insignificância, definido por Cezar Bitencourt (12) do seguinte modo "segundo esse princípio, é necessário uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal"

            Interessante destacar que o princípio da insignificância leva à atipicidade do fato. Portanto, mesmo que não estivesse expressa tal causa extintiva da punibilidade, em tese seria possível ser excluído o crime pela utilização do princípio.

            Por fim, cabe transcrever preciso acórdão do STJ quando o Tribunal pontificou : " O princípio da insignificância se refere a hipótese de ofensa mínima ao bem jurídico que não deve ser confundido com a proporção de dano em relação ao patrimônio do sujeito passivo." (STJ- RHC 6319/PR 5 turma, Rel Min Felix Fischer, DJU 23.6.97, p 291666)

4. CONCLUSÕES

            A Constituição de 1988 é (deveria ser), em nossa ordem jurídica, a fonte maior do ordenamento jurídico, devendo as normas penais se adequar aos princípios e às regras constitucionais.

            O legislador infra-constitucional não detém liberdade absoluta e incontrastável para criar crimes ou causas extintivas da punibilidade, posto que é indispensável a adequação das normas penais a noção de bem jurídico tutelado constitucionalmente.

            Nessa ótica, é inviável criminalizar condutas que não ofendam nenhum bem jurídico (Direito Penal mínimo), assim como é insustentável ampliar as causas extintivas da punibilidade quando existe a violação a bens jurídicos de importância ímpar.

            A causa extintiva da punibilidade prevista no §1º do artigo 337 do CP é inconstitucional por violar ao princípio da proporcionalidade no seu sub-princípio da proporcionalidade em sentido estrito.

            A causa extintiva prevista no §2º do artigo 337 do CP se configura na materialização do princípio da insignificância, devendo ser aplicada normalmente pelos operadores jurídicos.

NOTAS

            1. Lei 9983 de 14 de julho de 2000, que entrará em vigor 90 dias após a sua publicação.

            2. " O Direito Penal " fernandino" faz da década de 90 um dos momentos mais dramáticos para o Direito brasileiro, pois era imprevisível que se produzissem em matéria repressiva tantas soluções normativas ao sabor dos fatos, sob o encanto de premissas falsas e longe de qualquer técnica legislativa." REALE JÙNIOR. Miguel. Mens Legis insana, corpo estranho.Penas restritivas de Direitos. Críticas e comentários às penas alternativas, lei

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9714/98. RT, São Paulo, p 23.

            3. Sistematizando com ampliações as antigas alíneas a, b e c do artigo 95 da lei 8212/91.

            4. Precipuamente por atingir conseqüências (os delitos) da crise social e não as causas ( falta de educação, saúde efetividade dos direitos fundamentais).

            5. STRECK.Lenio Luiz. Crise (s) Paradigmática (s) no Direito e na Dogmática jurídica: Dos conflitos interindividuais aos Conflitos transindividuais. Revista Brasileira de ciências criminais. São Paulo: RT, n28, out-dez 1999, p 111

            6. BETTI, Francisco de Assis. Aspectos dos Crimes contra o Sistema Financeiro no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p 20

            7. DE SOUZA, Lílian Castro. As normas da seguridade social na Constituição de 1988 como evolução dos Direitos fundamentais da pessoa humana. www.anpprev.org.br/art226.htm em 30/08/2000

            8. Tal lei não atende aos requisitos previstos na lei complementar 95. Todavia, recorde-se ser impossível decretar a sua inconstitucionalidade: a uma – porque a inconstitucionalidade formal é auferida no momento da elaboração da lei e quando da elaboração da lei 9249/95 inexistia a lei complementar n 95 ; a duas- porque o Supremo Tribunal aponta que tais vícios configuram-se em ilegalidade, sendo a inconstitucionalidade apenas reflexa.

            9. BALTAZAR JUNIOR.José Paulo. Direito Previdenciário. Aspectos Penais, coordenador Vladimir Passos de Freitas. 2 ed, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p 348

            10. Destaca-se que em relação a causa extintiva da punibilidade prevista no artigo 34 da lei 9249/95, uma doutrina vanguardista, infelizmente com pequenos reflexos jurisprudenciais, alargou a causa extintiva para abranger situações excepcionais de outros crimes, exempli gratia o de furto, sob o singelo argumento, dentre outros, da necessidade de obediência ao princípio constitucional da proporcionalidade das penas.

            11. Daniel Sarmento leciona sobre esse sub-princípio: " Na verdade, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito convida o intérprete à realização de autêntica ponderação. De um lado da balança, devem ser postos os interesses protegidos com a medida, e, do outro, os bens jurídicos que serão restringidos ou sacrificados por ela. Se a balança pender ´para o lado dos interesses tutelados, a norma será válida, mas, se ocorrer o contrário, patente será a sua inconstitucionalidade". SARMENTO, Daniel.A ponderação de interesses na Constituição Federal.Rio de Janeiro: Lúmen Iures, 2000, p 89.

            12. BITENCOURT, Cezar Roberto; CONDE, Francisco Munoz. Teoria Geral do Delito. São Paulo: Sartaiva, 2000, p 163

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TRF3-0001477)PENAL. ARTIGO 95, "D", § 10, DA LEI 8.212/91. DIVISÃO ENTRE MATRIZ FILIAL. DIFICULDADES FINANCEIRAS. AUSÊNCIA DE PROVA DOCUMENTAL. ESTADO DE NECESSIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. DELITO OMISSIVO. CONTINUIDADE DELITIVA. CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 34 DA LEI 9.249/95. APLICAÇÃO DA LEI N.º 9.714/98. 1 - SE NÃO HÁ DOCUMENTO FORMAL SEPARANDO MATRIZ E FILIAL, IMPÕE-SE A RESPONSABILIZAÇÃO DE TODOS OS ADMINISTRADORES DA EMPRESA. 2. A SIMPLES VERSÃO JUDICIAL DOS APELANTES DE QUE OS RECOLHIMENTOS NÃO FORAM EFETUADOS DEVIDO ÀS DIFICULDADES FINANCEIRAS ENFRENTADAS PELA EMPRESA, SEM O CONFRONTO COM UM MÍNIMO DE PROVA DOCUMENTAL, JAMAIS PODERÁ SERVIR DE BASE PARA UMA TESE ABSOLUTÓRIA, QUANDO EXISTA AMPLA CONFISSÃO. 3. PARA QUE AS DIFICULDADES FINANCEIRAS POSSAM ACARRETAR O ESTADO DE NECESSIDADE (EXCLUDENTE DE ANTIJURIDICIDADE) OU A INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA (EXCLUDENTE DA CULPABILIDADE) DEVEM EFETIVAMENTE COLOCAR EM RISCO A SOBREVIVÊNCIA DA EMPRESA. 4. A CONSUMAÇÃO DO TIPO IRROGADO OCORREUMA VEZ COMPROVADO QUE OS APELANTES DEIXARAM DE RECOLHER O DEBITO PR EVIDENCIÁRIO, FAZENDO CONSTAR O DESCONTO NO SALÁRIO DOS EMPREGADOS:CARACTERIZAÇÃO DO DELITO COMO OMISSIVO PRÓPRIO. 5. O FATO DE NÃO TER SIDO CAPITULADO NA DENÚNCIA O CRIME CONTINUADO, NADA IMPEDE QUE O JUÍZO MONOCRÁTICO APLIQUE A REFERIDA MAJORANTE, POIS OS RÉUS SE DEFENDEM DOS FATOS QUE LHES SÃO IMPUTADOS NA INICIAL E NÃO DE SUA CAPITULAÇÃO LEGAL. 6. HAVERÁ A CONTINUIDADE DELITIVA QUANDO, POR MAIS DE UMA VEZ, AS CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS À SEGURIDADE SOCIAL ARRECADADAS DOSEMPREGADOS. NÃO FOREM RECOLHIDAS. 7. A NORMA PENAL QUE PERMITE A EXT INÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PAGAMENTO, BASEANDO NOS VALORES QUE LASTREARAM A DEFINIÇÃO DO TIPO CRIMINAL IMPUTADO, PREVALECE E ESTÁ EM CONSONÂNCIA COM A LEI MAIOR. 8. TENDO EM VISTA A NOVA REDAÇÃO DO ARTIGO 44 DO CÓDIGO PENAL, DADA PELA LEI N.° 9.714/98, DETERMINA-SE, DE OFÍCIO, A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE COMINADA POR DUAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO. 9. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Indexação CONDENAÇÃO, SÓCIO-GERENTE, EMPRESA, MOTIVO, INEXISTÊNCIA, RECOLHIMENTO, PRAZO LEGAL, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA, EMPREGADO, OCORRÊNCIA, DESCONTO, SALÁRIO. INEXISTÊNCIA, PROVA DOCUMENTAL, COMPROVAÇÃO, DIVERSIDADE, ADMINISTRAÇÃO, MATRIZ, FILIAL, IGUALDADE, ALEGAÇÃO, DIFICULDADE, CRISE ECONÔMICA, INOCORRÊNCIA, HIPÓTESE, ESTADO DE NECESSIDADE, INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. CARACTERIZAÇÃO, CRIME CONTINUADO, CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA, MANUTENÇÃO, SENTENÇA, SUBSTITUIÇÃO, EX OFFICIO, PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. Referência Legislativa:CP-40 CODIGO PENAL LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-71 ART-24 PAR-1 PAR-2 ART-13 PAR-2 ART-44 PAR-2 ART-46 PAR-4 ART-55

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LEG-FED LEI-9249 ANO-1995 ART-34 LEG-FED LEI-8212 ANO-1991 ART-95 LET-D PAR-1 LEG-FED LEI-7492 ANO-1986 ART-5 LEG-FED LEI-9714 ANO-1998 ART-1 Doutrina AUTOR: FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO TÍTULO: PRINCÍPIOS BÁSICOS DE DIREITO PENAL,EDITORA: SARAIVA,ED: 4ª,PAG: 328, 174 Veja Também ACR 96.04.17777-0/PR, TRF4, REL GILSON DIPP, DJ 07.05.97, P. 31.023 RSE 96.03.057734-0, TRF3, REL SUZANA CAMARGO, DJ 26.11.96, P. 91.051 ACR 96.04.012306-8, TRF3, REL TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 04.06.97, P. 40.711 ACR 97.04.72901-4, TRF4, REL FÁBIO BITTENCOURT DA ROSA, DJ 10.09.98, P. 468 (ACR - APELAÇÃO CRIMINAL nº 97.03.045860-2/SP, 5ª Turma do TRF da 3ª região, Rel. JUIZ FAUSTO DE SANCTIS, Revisor JUIZ ANDRE NABARRETE, DJU 22.08.2000)Decisão A Turma, à unanimidade, negou provimento à apelação e, de ofício, substituiu a pena privativa de liberdade, nos termos do voto do relator.

Superior Tribunal de Justiça

ACÓRDÃO: HC 10543/SP (199900770994)344436 HABEAS CORPUS

DECISÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas-corpus para, desconstituindo o acórdão em destaque, restabelecer a decisão de Primeiro Grau que rejeitou a denúncia oferecida contra o impetrante, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir. Participaram do julgamento os Srs.Ministros Fernando Gonçalves, Hamilton Carvalhido, William Patterson e Fontes de Alencar.

DATA DA DECISÃO: 15/02/2000

ORGÃO JULGADOR: - SEXTA TURMA

E M E N T APROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. OMISSÃO DE RECOLHIMENTO. LEI Nº 8.212/91, ART. 95, D. AÇÃO PENAL. ANTERIOR PARCELAMENTO DO DÉBITO. DOLO. AUSÊNCIA.- Para a caracterização do crime previsto no art. 95, "d", da Lei 8.212/91, é indispensável a verificação do dolo, elemento subjetivo consistente na vontade de fraudar a previdência, apropriando-se dos valores recolhidos.- Comprovado o parcelamento do débito antes do oferecimento da denúncia, resta ausente o elemento subjetivo essencial à caracterização do delito, resultando sem objeto a ação penal.- Habeas-corpus concedido.

RELATOR: MINISTRO VICENTE LEAL

INDEXAÇÃO: VIDE EMENTA.

FONTE: DJ DATA: 20/03/2000 PG: 00124

VEJA: (ELEMENTO SUBJETIVO - DOLO) RESP 79183-PE, RHC 8516-DF, RESP 79232-CE (STJ)

REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS: LEG: FED LEI: 008212 ANO: 1991 ***** LOSS-91 LEI ORGANICA DA SEGURIDADE SOCIAL ART: 00095 LET: D LEG: FED LEI: 009249 ANO: 1995