o corpo é discurso – edição especial

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Página 1 04.08.2013 ISSN: 2236-8221 Edição Especial, de Julho Vitória da Conquista, Bahia [email protected] http://www.marcadefantasia.com/o-corpo-e-discurso.htm O corpo é discurso Nesta edição especial, O Corpo é discurso apresenta os resultados do Curso “Cinema, vídeo, Godard: sujeitos do cinema, procedimentos do discurso”, organizado pelo profes- sor Nilton Milanez e por Ceres Luz, integrante do Labedisco e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade, pela Universidade Estadual do Su- doeste da Bahia, que teve como objetivo o estudo das articulações do dispositivo audiovi- sual a partir dos diálogos entre o cineasta Godard e os estudos foucaultianos. ISSN: 2236-8221 EXPEDIENTE DE O CORPO Editores George Lima Nilton Milanez Organizador George Lima Nilton Milanez Editoração eletrônica (MARCA DE FANTASIA) Henrique Magalhães CONSELHO EDITORIAL Dr. Elmo José dos Santos (UFBA) Dra. Flávia Zanutto (UEM) Dra. Ivânia Neves (UFPA) Dra. Ivone Tavares Lucena (UFPB) Dra. Mônica da Silva Cruz (UFMA) Dr. Nilton Milanez (UESB) Dra. Simone Hashiguti (UFU)) Jornal de popularização científica Acesse o site do Labedisco: www2.uesb.br/labedisco

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O Corpo

Página 1

04.08.2013

ISSN: 2236-8221

Edição Especial, de Julho Vitória da Conquista, Bahia

[email protected] http://www.marcadefantasia.com/o-corpo-e-discurso.htm

O corpo é discurso

Nesta edição especial, O Corpo é discurso apresenta os resultados do Curso “Cinema,

vídeo, Godard: sujeitos do cinema, procedimentos do discurso”, organizado pelo profes-

sor Nilton Milanez e por Ceres Luz, integrante do Labedisco e mestranda do Programa de

Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade, pela Universidade Estadual do Su-

doeste da Bahia, que teve como objetivo o estudo das articulações do dispositivo audiovi-

sual a partir dos diálogos entre o cineasta Godard e os estudos foucaultianos.

ISSN: 2236-8221

EXPEDIENTE DE O CORPO

Editores

George Lima

Nilton Milanez

Organizador

George Lima

Nilton Milanez

Editoração eletrônica

(MARCA DE FANTASIA)

Henrique Magalhães

CONSELHO EDITORIAL

Dr. Elmo José dos Santos

(UFBA)

Dra. Flávia Zanutto (UEM)

Dra. Ivânia Neves

(UFPA)

Dra. Ivone Tavares Lucena

(UFPB)

Dra. Mônica da Silva Cruz (UFMA)

Dr. Nilton Milanez

(UESB)

Dra. Simone Hashiguti

(UFU))

Jornal de popularização científica

Acesse o site do Labedisco: www2.uesb.br/labedisco

O segundo capítulo do “Cinema,

Vídeo, Godard”, de Philippe Dubois, é dedi-

cado à tentativa de compreender os dile-

mas que apareceram, dentro da gramática

estética do filme, em relação ao esclareci-

mento das formas de vídeo, sua estética,

definição, espaço, dispositivo e delimita-

ção. Nesse sentido, P. Dubois (2004) lança

algumas interrogações acerca da natureza

e da (falta) de identidade que imagens

tecnológicas, reunidas sob a definição de

vídeo, sempre apresentaram e contribuí-

ram para a problematização de um gênero.

Ao passear pela lexicologia e pela

etimologia, Dubois nos traz um dado impor-

tante: vídeo, do latim videre, significa “eu

vejo”, logo a significação para vídeo, en-

quanto sistemas de imagens, assume um

sentido vasto em que a sua definição e cons-

tituição se torna um tanto quanto engloban-

te, genérica, lata e, portanto, passível de

incorporar qualquer manifestação visual,

qualquer corpo de imagens, que pode ser

perceptível aos olhos humanos. É nesse

sentido que ele afirma que a noção de vídeo

flutua e carece de uma identidade: ela pode

ser tudo, inclusive uma sucessão de ima-

gens no interior das nossas mentes etc.

Como se não bastasse, a noção de

vídeo ainda encontra outro revés: o de sua

situação coadjuvante dentro do cinema. A

partir do momento em que a palavra vídeo

apareceu como sufixo, prefixo, palavra

determinante ou qualificadora de uma

técnica de filmagem ou da reunião de

imagens produzidas a partir de determi-

nado dispositivo, sua condição se alargou

tanto a ponto de parecer não mais existir

um “vídeo em estado bruto”, por assim

dizer. É o que acontece com os termos

“videoconferência”, “videogame”,

“videocassete”, “imagem de vídeo”,

“câmera de vídeo” etc. Portanto, para

Dubois, quando falamos em vídeo esta-

mos nos remetendo a um conceito ambi-

Página 2 O Corpo

“a noção de ví-deo ainda en-contra outro

revés: o de sua situação coad-juvante den-

tro do cinema”

“...a noção de ví-deo flutua e ca-

rece de uma identidade: ela pode ser tudo,

inclusive uma su-cessão de ima-

gens no interior das nossas men-

tes etc”

valente que não se trata nem de lingua-

gem, nem de técnica, nem de processo,

nem de arte, nem de meio de comunica-

ção, nem de imagem ou dispositivo, mas

de tudo isso ao mesmo tempo.

Adiante, Philippe Dubois se

(nos) interroga sobre a existência de

uma imagem de vídeo partindo, por

exemplo, de alguns embates que surgem

ao transportar um léxico cinematográfi-

co para caracterizar a forma do vídeo.

Tendo em vista que, mediante a proble-

matização que ele apresenta acerca da

qualidade de vídeo, o vídeo configura-se

como um suporte diferente de um filme,

por exemplo. Nesse sentido, como avali-

ar, classificar, – estabelecer – uma esté-

tica para a organização de imagens tec-

nológicas partindo de uma certa tradição

conceitual que apenas funciona, adequa-

damente, em materialidades fílmicas

convencionais? Esse é outro ponto im-

portante apresentado pelo estudioso e

que merece atenção.

Ao transpor noções clássicas de

montagem, movimento de câmera, plano,

espaço, campo/contracampo etc. que fa-

zem parte de um vocabulário comum às

organizações fílmicas, para a organização

de imagens eletrônicas, isto é, o vídeo,

uma incompatibilidade se esboça na medi-

da em que o vídeo é a aparição de uma

linguagem (no sentido mais vasto possível)

que acomoda várias amostras, retalhos de

tecnologias audiovisuais que não se con-

forma com o universo mais estabilizado do

filme que, geralmente, segue uma narra-

ção e uma certa disposição uniforme. Nes-

se contexto, cabe aqui trazer A. C. Grayling

(1996) quando este diz que, segundo

Wittgenstein, o maior problema da filosofia

deve ser o de solucionar a linguagem, ou

seja, aplica-la de acordo com a lógica que

os objetos e os temas no mundo oferecem.

No caso que é apresentado por Dubois, há

um problema conceitual na medida em que

há uma diferença de objetos (filme vs.

vídeo) que adquirem os mesmos critérios

de classificação/ordenação sem levar em

consideração suas especificidades e a

morfologia de ambos que se distinguem,

em muitos casos, até radicalmente. A críti-

ca de Dubois, portanto, gira em torno do

estabelec imento de uma certa

“universalização” conceitual dos mecanis-

mos que compõem a sintaxe (em sentido

amplo) do audiovisual, de modo geral.

Essa diferença entre aquilo que é

apresentado, em termos de técnicas de

filmagem e disposição das imagens, no

vídeo e na narrativa clássica é exemplifi-

cada pelo estudioso francês de forma bas-

tante pertinente e didática. O plano, por

exemplo, que abarca o significado de “(...)

a unidade de base da linguagem cinemato-

gráfica, sua célula íntima, (...) a encarna-

ção mesma daquilo que funda um filme

como um todo” (DUBOIS, 2004, p. 75) entra

Página 3 O Corpo

em choque com um recurso conhecido

no vídeo que é a mixagem de imagens,

que visa compô-las não seguindo uma

linearidade segundo a qual a narrativa

clássica se fundamenta, mas de modo

quase aleatório, aparecendo como so-

breimpressões (imagens que produzem

certos efeitos visuais a partir da forma

como umas aparecem sob e sobre ou-

tras), janelas (que justapões fragmentos

de planos distintos no interior do quadro)

e incrustações que, semelhante às jane-

las, visa combinar fragmentos de ima-

gens originalmente diferentes.

Para citar outro exemplo de

divergências estrutural que inviabiliza a

equiparação, em termos de cotejamento

e esclarecimento dos recursos técnicos,

das imagens eletrônicas e da narrativa

clássica, basta trazermos aquilo que o

pesquisador francês apresenta sobre a

profundidade de campo. No vídeo, segundo

ele, o que existe na verdade é uma espes-

sura de imagem, pois conforme ditos an-

tes, as imagens se intercambiam, sobpõem

-se e sobrepõem-se e, dessa forma, não

existe profundidade, uma vez que tudo está

ali, manifesto na superfície da imagem, e

os “buracos”, “abismos”, as fendas que

poderiam dar uma noção de profundidade

são preenchidas por outras imagens que

apagam a percepção de camadas.

Assim, a crítica que Philippe Du-

bois realiza acerca da estética de vídeo

como uma extensão da estética do filme é

plausível na medida em que existem dife-

renças morfológicas, tecnológicas, concei-

tuais e históricas entre os dois objetos. Em

uma mesma imagem no vídeo, portanto,

coexistem várias técnicas fílmicas que

tornam fugidio sua apreensão e sua classi-

ficação segundo as terminologias clássi-

cas, o que inviabiliza a transposição nocio-

nal de um campo para o outro.

REFERÊNCIAS:

DUBOIS, Philippe. Por uma estética da ima-

gem de vídeo. In:______. Cinema, vídeo,

Godard. Trad. de Mateus Araújo Silva. São

Paulo: Cosac Naify, 2004, p. 69-96.

GRAYLING, A. C. Wittgenstein. Trad. de

Milton Camargo Mota. São Paulo: Edições

Loyola, 1996.

Página 4 O Corpo

Tyrone Chaves Filho é graduado em Letras Vernáculas pela

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB. Integrante do

LABEDISCO - Laboratório de Estudos do Discurso. Atualmente é

mestrando em Linguística pela Universidade Estadual do Sudoeste

da Bahia, na qual desenvolve pesquisas em Análise do Discurso.

Currículo Lattes: Clique aqui!

“A crítica que Phi-lippe Dubois reali-za acerca da estéti-ca de vídeo como uma extensão da estética do filme é plausível na medi-da em que existem diferenças morfo-lógicas, tecnológi-cas, conceituais e

históricas entre os dois objetos”

Une Femme Mariée (1964), de Jean-Luc Godard.

Week-end (1967), de Jean-Luc Godard

A discussão exposta por Philippe

Dubois no capítulo O “estado-vídeo”: uma

forma que pensa do seu livro Cinema, ví-

deo, Godard (2011), debate a busca por uma

definição, uma identidade ou uma especifi-

cidade para o vídeo.

Dubois (2011) explica que, há mui-

to tempo, o vídeo era considerado como

um igual potencial das outras formas de

imagem, como a pintura, o desenho, a foto,

o cinema e a televisão. A partir dessa

ideologia que vigorou nos anos 70 e em

parte dos anos 80, falava-se do vídeo co-

mo um instrumento revolucionário e exis-

tia o intuito de fundá-lo tanto no pensa-

mento quanto nas instituições, já que essa

era a época dos movimentos teóricos her-

deiros da semiologia e do estruturalismo.

Ao longo dos anos 80-90, pro-

gressivamente, as pessoas foram deixando

de crer na especificidade do vídeo. Dubois

(2011) aponta que foi-se descobrindo que

não havia um corpo crível para o vídeo, de

modo que seu princípio identitário não

podia mais ser projetado no futuro e a

busca pela especificidade esbarrava em

uma indefinibilidade, dissolvendo a paisa-

gem institucional. Aquilo que foi chamado

de vídeo parecia não ter sido nada mais

que uma transição ou um modo de passa-

gem.

O vídeo, segundo Dubois (2011),

pareceu funcionar como uma espécie de

parêntese entre dois estados. De um lado,

a grande imagem do cinema aparecendo

como emblema do século XX e, de outro, a

imagem do computador que apareceu

como (oni)presente e mais invasiva do

que a do cinema. Assim, dividido entre o

cinema e o computador, o vídeo era visto

Página 5 O Corpo

“De um lado, a grande imagem

do cinema apare-cendo como em-blema do século XX e, de outro, a imagem do com-putador que apa-

receu como (oni)presente e

mais invasiva do que a do cinema” Je

an

-Lu

c Go

da

rd

como uma imagem intermediária, um

vazio que era imaginado como plenitude.

Dessa maneira, Dubois (2011)

considera que todas as diversas manei-

ras de pensar o vídeo desenham uma

trajetória geracional. Essas maneiras um

tanto extremadas de pensar o vídeo ti-

nham em comum o fato de que o vídeo

era pensado como imagem, sendo essas

maneiras, talvez, um erro de postura, já

que o vídeo excede o mero terreno do

visível. Hoje em dia, para pensarmos o

vídeo, talvez seja necessário que deixe-

mos de vê-lo como uma imagem, mas o

consideremos como um pensamento, um

modo de pensar. O vídeo como uma for-

ma que pensa. O vídeo como estado-

imagem.

Para exemplificar esse “pensar

o vídeo” como estado e não como objeto,

Dubois (2011) traz quatro exemplos. Duas

fitas de vídeo: Global Groove, vídeo funda-

dor de Nam June Paik e os primeiros ví-

deos de Vito Acconci do início dos anos 70,

Pryings e Centers. Como exemplos de ins-

talações, aparecem a Suspension of Disbe-

lief do Garry Hill e a Mem do Peter Campus.

A partir desses exemplos é possível evi-

denciar que a distinção entre imagem e

dispositivo (entre vídeo e instalação) per-

deu sua pertinência. Fica mais interessan-

te e produtivo, então, observar o vídeo

como uma travessia, um campo metacríti-

co, uma maneira de ser e de “pensar em

imagens”.

Assim, Dubois (2011) finaliza o

capítulo apresentando alguns artistas que

trabalham em estreita relação com o

cinema e que refletem sobre o cinema e a

imagem, sobre a arte e suas formas de

presença visual. Dentre tais artistas, está

Jean-Luc Godard, que tem o vídeo não

apenas como seu instrumento, mas tam-

bém como sua forma de pensamento. O

vídeo é, então, uma maneira de pensar a

imagem e o dispositivo, tudo em um. Sen-

do assim, o vídeo não é um objeto, mas

um estado que pensa o que as imagens

são, fazem ou criam.

Referências:

DUBOIS, Philippe. O “estado-vídeo”: uma

forma que pensa. In: _____. Cinema, ví-

deo, Godard. Trad. Mateus Araújo Silva.

São Paulo: Cosac Naify, 2004, p. 97-116.

Página 6 O Corpo

Renata Celina Brasil Maciel é mestranda do Programa de

Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade da UESB -

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e graduada em Psi-

cologia pela Faculdade de Tecnologia e Ciências. Currículo Lattes:

Clique aqui!

“O vídeo é, então, uma maneira de

pensar a imagem e o dispositivo, tudo em um. Sendo as-sim, o vídeo não é

um objeto, mas um estado que pensa o que as imagens são, fazem ou cri-

am”

Suspension of Disbelief , de Garry Hill

Global Groove, de Nam J. Paik.

Dubois (2011), no seu capítulo Os

ensaios em vídeo de Jean-Luc Godard: o

vídeo pensa o que o cinema cria, inserido

no livro Cinema, Vídeo, Godard, demonstra

como Godard tomou a frente na problema-

tização do da mutação das imagens, num

momento em que segundo o autor "o cine-

ma perdeu a certeza de gozar do monopó-

lio das imagens em movimento" Dubois

(2011), para além dar a ver como o vídeo se

inseriu na obra do cineasta tornando-se

mesmo um instrumento vital para este, um

pensar com imagens.

No intervalo de 1974 à atualidade

do texto de Dubois, segundo ele Godard

produziu mais vídeos que filmes este então

para o historiador não representaria um

simples momento de sua obra, mas uma

forma de olhar, de ser, e de pensar, o ví-

deo seria como que um estado permanen-

te, aqui ele é então uma forma de fazer

questões e respondê-las. Na obra de Go-

dard, segundo Dubois (2011), o vídeo exerce

essa mesma função sob suas diferentes

formas, seja no filme, na televisão, antes

dos filmes nos "roteiros", depois do filme,

no lugar do filme e a propósito do cinema,

da imagem geral e do filme.

Então o autor pergunta como se

dá a relação do vídeo, que teve entrada

com suas co-realizações com Anne-Marie

Miéville, no cinema Godardiano, e de que

forma, progressivamente ou não se torna-

ria o vídeo cada vez mais autônomo em

sua videografia. Esta relação Dubois

(2011), resume em quatro momentos: Um

primeiro momento de 1974-1976, um mo-

mento em que interrogações são feitas e

cujo meio de responder-las encontra no

vídeo, o qual encontra e se apropria, mo-

Página 7 O Corpo

“[...]o vídeo exerce essa

mesma função sob suas

diferentes formas, seja

no filme, na televisão,

antes dos filmes nos

"roteiros", depois do fil-

me, no lugar do filme e a

propósito do cinema, da

imagem geral e do fil-

me”

An

ne

-Ma

rie M

iéville

mento em que três figuras essenciais

atravessam sua obra: a mise-en-scene de

uma palavra endereçada, o tratamento

eletrônico da imagem e um trabalho sobre

a velocidade desta, aqui o vídeo se torna

um momento de análise do cinema. Um

segundo momento é o das séries de televi-

são de 1976-1978, onde ele ensaia a pala-

vra do pensamento diretamente, ele des-

cobre o efeito, experimenta-o ao vivo. O

terceiro momento é dos chamados vide-

oroteiros que acompanham grandes filmes

seus nos anos 80, esses são como ensaios

ou pensamentos em vídeo sobre seus fil-

mes, vindo antes ou depois desses, os ví-

deos desse momento não estão simples-

mente no interior dos filmes, mas os enca-

ram quase em autonomia, seus vídeo rotei-

ro na verdade pensam o filme seja antes

ou depois, sempre. O quarto e último mo-

mento definido por Dubois (2011), é o das

obras que se fizeram inteiramente em

vídeo e que independem de filmes em par-

ticular mas são por si mesmas (1986-

1990), é o momento da autonomia do vídeo

em relação ao cinema e mesmo o engloba

por completo.

O percurso que Dubois (2011) faz

aqui traz a emergência do vídeo como uma

forma e não somente um suporte, mas

uma forma de pensar com as imagens,

onde as imagens se tornam na obra de

Godard como que a própria matéria do

pensamento e não se separam deste, e se

num momento o vídeo pensou o que o cine-

ma criava, posteriormente independente

ele se tornou na sua obra uma forma que

pensou e criou no mesmo momento.

REFERÊNCIAS:

DUBOIS, Philippe. Os ensaios em vídeo de

Jean-Luc Godard: o vídeo pensa o que o

cinema cria. In:______. Cinema, vídeo,

Godard. Trad. Mateus Araújo Silva. São

Paulo: Cosac Naify, 2004, p. 289-312.

Página 8 O Corpo

Ueslei Pereira é graduando em Licenciatura Plena em História

pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB. Tem ex-

periência na área de História, com ênfase em Teoria e Filosofia da

História. Currículo Lattes: Clique aqui!

“O percurso que Dubois (2011) faz aqui traz a emergência do

vídeo como uma forma e não so-

mente um supor-te, mas uma for-

ma de pensar com as ima-

gens[...]”

Vito Acconci, Centers (1971)

Este texto comenta brevemente

três artigos de Philippe Dubois sobre o

cineasta, videasta e ensaísta Jean-Luc

Godard. Ambos os textos fazem parte do

mesmo livro, da mesma coletânea de arti-

gos, cujo título é: Cinema, Vídeo, Godard

(ANO). Os textos aqui comentados são Je-

an-Luc Godard: cinema, pintura, ida e volta

(p. x – p. y); Jean-Luc Godard e a parte

maldita da escrita (p. x – p. y); Os ensaios

em vídeo de Jean-Luc Godard: o vídeo pen-

sa o que o cinema cria (p. x – p. y).

Segundo Dubois, existe na obra

de Godard uma relação de

atravessamento mútuo

entre pintura e cinema. No

modo como o autor conce-

bia e construía seus qua-

dros, as relações dos qua-

dros e, portanto, seus

vídeos e filmes. Assim, no

trabalho de Godard, cine-

ma e pintura travam uma

relação de mão dupla que

se desenha com relativa

clareza no percurso de

seus filmes (p. 251).

Durante a década de 1960 o diretor

utilizava de referências pictóricas explicitas

em seus filmes, fossem materializadas em

quadros, cenários ou personagens. Entre

outros exemplos citados no artigo Patrícia,

personagem de Acossado, que tem coladas

na parede as reproduções que ama ou às

quais se compara (Picasso, Renoir, Klee...)

(p. 251). Estas referências são para Dubois

como que comentários, efeitos de assinatu-

ra e metalinguagem dentro da obra de Go-

dard (ano).

Nos anos 1980, por sua vez, não

se trata da questão de citação e de refe-

rências, de assinatura e de comentário

(p. 253). Trata-se de se mostrar o que há

de pictoórico no cinema e não o inverso,

as especificidade dos quadros do cinema

e o modo como o que antes era citação

ou comentário passa a ser um efeito de

filme, um caso (de figura) orgânico, o

resultado de um tratamento visual do

dispositivo cinemmatográfico (p. 254).

Não seria o que há de específico na pin-

tura como categoria, mas um Estado-

Página 9 O Corpo

Alp

ha

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ag

ue

. “Durante a déca-da de 1960 o di-retor utilizava de referências

pictóricas expli-citas em seus fil-mes, fossem ma-terializadas em quadros, cená-

rios ou persona-gens”

imagem, um generalizado de imagens,

que é tão cinematográfico quanto pictó-

rico, tão fotográfico quanto videográfico,

e mesmo tão músical quanto literário (p.

256).

Godard é um cineasta em que a

escrita se dá de forma orgânica e siste-

maticamente presente em relação com a

imagem. Antes de dirigir seus primeiros

filmes, escrevia críticas constituídas

como se já fizesse cinema e como se

fosse um escritor. Tinha uma posição

rádical em relação a palavras e imagens,

acreditando que as escrita deveria ser

sobrepujada pelas imagens e, segundo

Dubois, se utilizava e abusava das figuras

de presentificação do texto nas e pelas

imagens (p. 260).

Durante o periodo da Nouvelle

Vague as palavras inscritas na imagem

se dão, em maior intensidade, no espaço

diegético. Os personagens lêem livros,

jornais, revistas e outros enunciados os

quais o funcionamento se dá de modo

interior e exterior a diegése. A escrita

pertence ao mesmo nível narrativo que os

personagens, que são o mais das vezes

seus autores ou destinatários (p. 261).

Para Godard a principal possibili-

dade do vídeo é o tempo do “ao vivo”, onde

se matem uma relação em tempo real com

a representação “se fazendo”, isto é, com

as imagens e as palavras se desfazendo e

se refezendo, sob seus (e nossos) olhos.

(p. 274). Assim, o vídeo seria será inteira-

mente pensado como modo de escrita em

e pelas imagens e sons (p. 274). O vídeo

para Godard passaria a tomar o lugar das

palavras e haveria um deslocamento da

escrita ou, como fala Dubois, ver é pensar

e pensar é ver (p. 282).

Para Godard o vídeo é o lugar é o

meio mesmo de sua relação existencial

com o cinema (p. 289). Rearticula imagens

em constituição no cinema e pode lidar,

como já vimos, com o processo de ação

em acontecimento. O vídeo como dispositi-

vo que se faz possível pensar sobre as

formas diversas de representação da ima-

gem como, por exemplo, a televisão, o

cinema, os acontecimentos cotidianos ou

eventos raros etc.

REFERÊNCIAS:

DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Go-

dard. Trad. Mateus Araújo Silva. São Paulo:

Cosac Naify, 2004,.

Página 10 O Corpo

Aliúd José de Almeida é estudante de Cinema e Audiovisual na

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, campus de Vitória da

Conquista e membro do Laboratório de Estudos do Discurso e do

Corpo – Labedisco/UESB. Currículo Lattes: Clique aqui!

“Godard é um cineasta em

que a escrita se dá de forma or-gânica e siste-maticamente presente em

relação com a imagem”

O primeiro encontro do curso

Cinema, vídeo, Godard - Sujeitos do cine-

ma, procedimentos do discurso aconteceu

na tarde de 17 de março com a conferência

da professora Ceres Luz (UESB e Labedis-

co/CNPq) a partir do texto Máquinas de

imagens: uma questão de linha geral, de

autoria de Philippe Dubois, e do longa me-

tragem Acossado, de Jean-Luc Godard,

produzido em 1960. O encontro contou com

a participação dos pesquisadores do Labe-

disco e de ouvintes de outras áreas acadê-

micas do conhecimento.

A produção de Godard exibida na

abertura do curso, o filme Acossado, mar-

ca uma trajetória que se inicia em 1959

com Godard e Truffaut e sintetiza o que foi

a estética cinematográfica conhecida por

Nouvelle Vague. O movimento que surgiu a

partir de jovens cineastas franceses que

tinham uma formação cinéfila e crítica ad-

quiridas na Cinemateca Francesa e nas pági-

nas do Cahiers du Cinéma primava uma nova

forma de produzir filmes e de conceber a

linguagem cinematográfica. A estética da

Nouvelle Vague surge no momento em que

ela ganha profundidade social a partir de um

conjunto de normas e conceitos sobre a

relação da arte cinematográfica com a soci-

edade em um contexto histórico definido.

Situar, no debate que sucedeu a exibição de

Acossado, esse momento histórico, cultural

e político de emergência da Nouvelle

Vague possibilitou articulações teórico-

reflexivas entre o trabalho de pesquisa

de Dubois em torno da obra de Godard e

o pensamento foucaultiano expresso em

A ordem do discurso, propostas nos ob-

jetivos gerais do curso em questão. A

compreensão do próprio dispositivo audi-

ovisual como "um sistema de práticas

determinado (sistema de ações, estraté-

gias e mecanismos voltados para o sujei-

to da ação e para as ações possíveis de

um sujeito)" nos abre também para o

entendimento de que esse dispositivo

traz o sujeito histórico do seu foco à

visibilidade e ao (re)conhecimento atra-

vés dos seus regimes de saber e poder,

"efetuando produções de sentido que

demarcam, fixam e mantêm a sua com-

posição por meio da repetição e multipli-

cação de discursos, verbais e não ver-

bais" (MILANEZ, BARROS-CAIRO, BRAZ,

2014, p. 182).

Desse modo, com Acossado e a

Nouvelle Vague, em que nos pomos diante

de uma ruptura com a estética clássica

Página 11 O Corpo

“A estética da Nou-velle Vague surge no momento em que ela ganha profundidade social a partir de um

conjunto de normas e conceitos[...]”

do cinema, observamos na França um

momento histórico e político de militân-

cia artística cuja discursividade fez ope-

rar novas formas de vontade de verdade

enquanto procedimentos de controle do

discurso (FOUCAULT, 2009) que emergi-

ram, dentre outros modos, nas materiali-

dades fílmicas que reivindicavam produ-

ções autorais e experimentais que pu-

dessem trazer o cotidiano para as telas

de cinema. Naquele contexto francês dos

anos 1960, a inconformidade com a mo-

ral e a estética burguesas, a oposição ao

universo bem comportado do cinema

comercial – quebras de continuidade

narrativa e soluções de montagem pouco

convencionais, a criatividade para com-

pensar os baixos orçamentos e a valori-

zação do diretor como o autor da obra

cinematográfica (MANEVY, 2006, p. 222)

eram elementos que compunham a "Nova

Onda". O movimento cinematográfico levou

às telas expectativas e frustrações de uma

geração de jovens amadurecidos na Guer-

ra Fria, em uma Europa pós-guerra sem

inocência, massificada e hiperpovoada de

imagens do cinema, da publicidade e da

recém-consolidada televisão.

Vale também considerar que as

estratégias, táticas e procedimentos de

controle do discurso da Nouvelle Vague de

Godard se materializam tanto nos modos

como é estruturada a narrativa, na qual

não há uma progressão dramática, mas

um processo fragmentário e, aparente-

mente, desconexo, quanto nos modos como

essa materialidade acontece a partir das

formas filmadas, dos movimentos de câ-

mera, da composição dos quadros no dis-

positivo audiovisual. Godard realiza um

filme no qual os elementos significantes

estão, justamente, na forma, aparecem no

modo de organização das materialidades

verbal e não verbal, e na utilização dos

elementos da linguagem cinematográfica.

Há uma mudança, portanto, no eixo de

produção de sentido - da história para o do

discurso cinematográfico, sem que uma se

oponha ao outro. A Nouvelle Vague de Go-

dard produz como vontade de verdade um

discurso cinematográfico que quebra con-

venções clássicas tais como filmar contra

a luz, utilizar uma montagem a partir de

jump-cuts (corte abruto), de modo que há

um rompimento da linearidade da ação

devido à montagem não naturalista; filmar

os diálogos dos atores estando de costas

para a câmera, optar por uma constante

movimentação de câmera, garantindo mais

dinamismo às ações e mais efeito às ima-

gens.

Em um aspecto geral, podemos

dizer que Acossado é, também, uma reto-

Página 12 O Corpo

“A Nouvelle Vague de Godard produz como vontade de

verdade um discurso cinematográfico que quebra convenções clássicas tais como filmar contra a luz, utilizar uma monta-

gem a partir de jump-cuts (corte

abruto)[...]”

“O movimento cinema-

tográfico levou às telas expectativas e frustra-ções de uma geração de jovens amadureci-

dos na Guerra Fria, em uma Europa pós-guerra sem inocência, massifi-cada e hiperpovoada

de imagens do cinema, da publicidade e da re-cém-consolidada televi-

são”

mada de filmes policiais da década de 40,

com seus elementos de filmes B ou de

filmes noir e que o cineasta não se limita

à desconstrução do discurso cinemato-

gráfico e ao diálogo com toda uma tradi-

ção, mas insere elementos intertextuais

ao longo do filme, principalmente deslo-

cados da literatura e da pintura. A narra-

tiva é repleta de citações de obras lite-

rárias. Em uma cena em que Patrícia

pergunta o que Michel prefere: “a dor ou

o nada?”, Godard faz referência ao escri-

tor estudunidense Willian Faukner. Um

outro elemento marcante é a intertextu-

alidade com a pintura do artista Pierre-

Auguste Renoir, pai do diretor Jean Re-

noir, tão amado pelos cineastas da Nou-

velle Vague. Uma cena curiosa pontuada

durante o debate é a passagem em que

Patrícia pára ao lado de um quadro de

Renoir e pergunta à Michel quem ele

acha ser a mais bonita, ela ou a moça do

quadro. Godard coloca lado-a-lado as

duas imagens amplamente estudadas por

André Bazin (1955): a imagem feita pela

pintura e a imagem projetada pelo cine-

ma.

É também importante conside-

rarmos, ao final desse breve relato dos

pontos discutidos a partir da exibição de

Acossado e das leituras entrecruzadas

de Dubois e Foucault, que assistir Godard

supõe uma experimentação constante da

linguagem cinematográfica e do dispositivo

fílmico, justamente porque eles nos (a)

parecem consoantes. Em Godard, a ima-

gem vista quando é projetada nos traz o

elemento humano que somos nós mesmos

enquanto espectadores diante do dispositi-

vo cinematográfico que não é somente

produtor do imaginário, mas também gera-

dor de afetos (DUBOIS, 2011), de modo que

percebemos e experimentamos que mais

importante do que durar é viver (GODARD,

1985-1986).

REFERÊNCIAS:

BAZIN, André. (1955). O que é o Cinema?

Tradução Ana Moura. Lisboa, Livros Hori-

zonte, Coleção Horizonte de Cinema, 1992,

pp. 13-21.

DUBOIS, Philippe. Máquinas de Imagens:

uma questão de l inha gera l .

In:______. Cinema, vídeo, Godard. Trad.

Mateus Araújo Silva. São Paulo: Cosac

Naify, 2004, p. 31-68.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso.

Aula inaugural no Collège de France, pro-

nunciada em 2 de dezembro de 1970. Trad.

Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Pau-

lo: Edições Loyola, 2009.

GODARD, Jean-Luc. Jean-Luc Godard. Luiz

Rosemberg Filho (Org.). Rio de Janeiro:

Taurus, 1985/1986.

MANEVY, Alfredo. Nouvelle Vague. In: MAS-

CARELLO, Fernando (Org). História do

cinema mundial. Coleção Campo Imagéti-

co. Campinas: Papirus, 2006. p. 221-252.

MILANEZ, BARROS-CAIRO, BRAZ. Dispositivo

audiovisual - percursos de uma constru-

ção teórico-analítica. In: FERNANDES JÚ-

NIOR, Antônio e SOUSA, Kátia Menezes de.

(Orgs.). Dispositivos de poder em Fou-

cault: práticas e discursos da atualidade.

Goiânia: Cânone, 2014. p. 178-185.

Página 13 O Corpo

Cecília Barros-Cairo é doutoranda do Programa de Pós-

Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade da UESB e mes-

tre pelo mesmo programa. Pesquisadora do Labedisco/CNPq -

Laboratório de Estudos do Discurso e do Corpo. Graduada em

Psicologia pela Faculdade de Tecnologia e Ciências - FTC e espe-

cialista em Psicologia da Saúde pela Faculdade Juvêncio Terra - FJT. Currículo

Lattes: Clique aqui!

“Um outro elemen-to marcante é a in-

tertextualidade com a pintura do

artista Pierre-Auguste Renoir,

pai do diretor Jean Renoir, tão amado pelos cineastas da Nouvelle Vague”

No capítulo Máquinas de imagens:

uma questão de linha geral, presente no

livro Cinema, Vídeo, Godard, Dubois (2011)

nos traz que toda imagem necessita de

uma tecnologia, ou seja, necessita de ins-

trumentos, regras, condições de eficácia e

de um saber. Isso ocorre porque toda tec-

nologia, de acordo com o historiador, é um

saber-fazer. O historiador irá falar em

específico de quatro tecnologias da ima-

gem : a fotografia, o cinematógrafo, o ví-

deo/televisão e a imagem informática.

Essas tecnologias, explica Dubois

(2011), aparecem a partir de um discurso

da novidade. Esse discurso se caracteriza,

continua o historiador, por várias falas dos

meios de comunicação que trazem as má-

quinas de imagem sempre como sendo

grandes inovações que possuem uma in-

tenção revolucionária. Esse discurso, nos

explica Dubois (2011), acaba apagando

grandes questões, que é a do real, a da

semelhança e a da materialidade. Para

resistir, então, a esse discurso da novida-

de Dubois (2011) aborda questões como a

do maquinismo-humanismo, semelhança-

d e s s e m e l h a n ç a , m a t e r i a l i d a d e -

imaterialidade.

Sobre o maquinismo-humanismo, o

filósofo nos traz que, as máquinas de ima-

gem, em um primeiro momento elas apenas

organizavam o olhar, facilitavam a apreen-

são do real, mas não desenhavam a imagem.

Essas máquinas funcionam apenas como o

intermediário entre o “real” a ser retratado

e o homem. Com o advento da fotografia,

essa relação do homem com o real se modi-

fica, prossegue Dubois (2011), a máquina não

vai mais apenas captar, organizar, mas pro-

duzirá a imagem. O homem passa a ser ape-

nas o condutor da máquina não agindo mais

de maneira direta na imagem, como ocorria

nas primeira máquinas de imagem. Já com o

surgimento do cinematógrafo no final do

século XIX, temos uma terceira fase maquí-

nica, que é a da visualização. A imagem só

pode ser vista quando é projetada. Essa

projeção nos traz o elemento humano: o

espectador. Com a figura do espectador

o cinema é uma produtora do imaginário,

pois ela não é apenas produtora de ima-

gens, como também gera afetos e, Dessa

maneira, de acordo com Dubois (2011), o

cinema reintroduz o Sujeito na imagem

através da figura do espectador. Portan-

to, essa linha maquinismo-humanismo,

não é progressista. Temos a máquina

prevalecendo na fotografia, e o sujeito no

cinema. Na verdade, se trata de uma

dialética entre a máquina e o sujeito, já

que sempre temos o elemento humano

operando uma tecnologia, mesmo que

esse humano esteja dissolvido, como é no

caso da televisão/vídeo.

Em relação a questão da seme-

lhança e da dessemelhança com o real

nessas máquinas das imagens, Dubois

(2011) nos traz que, em um primeiro mo-

mento, parece que temos uma história

progressista: quanto mais se avança na

tecnologia, mais realistas elas podem

ser, porém essa questão da semelhança

Página 14 O Corpo

e dessemelhança sempre aparece, por-

que, nos explica o historiador, é mais

uma questão estética do que de avanço

tecnológico. O advento da fotografia, por

exemplo, é uma proclamação do realis-

mo, ela traz uma precisão dos detalhes,

das nuances, das cores e das formas. Em

relação ao cinema nos traz outra parte

do real, que seria o tempo, através do

movimento. O mesmo ocorre com a tele-

visão, não apenas vemos a imagem em

movimento, mas a vemos em tempo real.

Temos a época do realismo da simulta-

neidade, elucida Dubois (2011), temos

desde os circuitos de vigilância aos rea-

lity shows, o pensamento é que a imagem

se tornaria tão fiel e exata que ela dupli-

caria o real. A imagem informática não

reproduz, mas produz o próprio real. O

historiador nos diz que existe um esforço

da imagem informática de querer criar

imagens que se assemelham ao real.

Podemos compreender que essas repre-

sentações, estão sempre em um jogo

entre semelhança e dessemelhança com

o real. O que vemos é que quanto mais

podemos imitar o real, mais existem movi-

mentos que querem minar essa constru-

ção, para desconstruir o real.

A respeito da materialidade e da

imaterialidade da imagem, Dubois (2011)

nos traz que a imagem fotográfica é menos

real, tem menos relevo e corpo do que a

pintura, no sentido em que na pintura po-

demos tocar, sentir a textura da tinta, as

pinceladas etc., mas a fotografia ainda é o

objeto que pode ser guardado, carregado,

etc. Em relação a imagem cinematográfica,

o historiador nos explica que ela pode ser

considerada duplamente imaterial, já que

temos de um lado uma imagem refletida e

do outro uma imagem projetada, pode-se

tocar a tela, mas não a imagem. A imagem

de cinema não existe enquanto matéria,

enquanto objeto. Com a televisão, continua

Dubois (2011), esse processo da imagem

desmaterializa ainda mais do que o cinema,

já que ela é formada apenas por impulsos

elétricos, essa imagem não existe no espa-

ço, mas apenas no tempo. Já com a ima-

gem informática temos a desmaterializa-

ção em seu ponto extremo. Enquanto ima-

gem na tela, ela é apenas impulsos elétri-

cos assim como a Tv, mas diferente da Tv,

a imagem informática é puramente virtual,

sendo apenas, em última instância, uma

sequência de algarismos, de algoritmos.

Entretanto, temos ao mesmo tempo, uma

tentativa de aumentar essa realidade, seja

com o 3D dos cinemas, das tvs, ou com a

realidade virtual dos computadores, o que

corresponderia a uma falsa materialidade.

É o triunfo da simulação, onde experimen-

tamos uma simulação do real.

Essas máquinas de imagem, con-

clui Dubois (2011), estão sempre em uma

relação entre maquinismo-humanismo,

semelhança-dessemelhança, materialidade

-imaterialidade. Ao contrário do que o dis-

curso da novidade nos coloca, as máquinas

das imagens não seguem uma progressão

tecnológica que cada vez mais nos leva

para uma representação do real, mas sim

como nos coloca Dubois é mais uma ques-

tão de estética.

REFERÊNCIAS:

DUBOIS, Philippe. Máquinas de Imagens:

uma questão de l inha gera l .

In:______. Cinema, vídeo, Godard. Trad.

Mateus Araújo Silva. São Paulo: Cosac

Naify, 2004, p. 31-68.

Página 15 O Corpo

Ceres Luz é graduada em História pela Universidade Estadual

Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP. Atualmente, é mestranda

pelo Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Soci-

edade da UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Cur-

rículo Lattes: Clique aqui!

“Essas máquinas de ima-gem, conclui Dubois

(2011), estão sempre em uma relação entre maqui-nismo-humanismo, seme-lhança-dessemelhança,

materialidade-imaterialidade”

Trata-se de analisar as interpe-

netrações entre cinema e vídeo, a partir

dos diálogos entre o cineasta Godard e os

estudos foucaultianos e, marcadamente, a

partir do capítulo Vídeo e cinema: interfe-

rências, transformações, incorporações

inserido no livro Cinema, Vídeo, Godard,

escrito por Philippe Dubois.

No capítulo supramencionado,

Dubois (2011) faz um estudo aprofundado

acerca das mudanças e transformações

ocorridas no cinema tanto no âmbito tec-

nológico quanto no aspecto estético.

O autor adverte que, nos idos de

1980, foram superadas categorizações e

“especificidades”. Partiu-se da linearidade

um momento caracterizado pelo contraban-

do da visão transversal e do pensamento

oblíquo, faceta que passa a caracterizar os

vídeos produzidos a partir de então.

Pela descrição desse momento da

década de 80, portanto, após a leitura dos

dois primeiros parágrafos do capítulo Vídeo

e cinema: interferências, transforma-

ções, incorporações torna-se inevitável

fazer uma correlação e travar um diálo-

go entre a teoria de Dubois e a obra de

Godard e, em específico, a partir do filme

Weekend à Francesa (Weekend, França,

1967).

O cinema de Godard, nessa fase,

caracteriza-se pela mobilidade da câme-

ra, por longos planos-sequência ou tra-

vellings. Assim, Weekend à Francesa

tornou-se conhecido por cinéfilos de

todo o mundo por conta de um plano-

sequência espetacular ao longo de uma ro-

dovia.

Este longo travelling lateral, no

qual a câmera acompanhava um conges-

tionamento de aproximadamente 300

metros, percorreu toda uma auto-

estrada francesa sem cortes.

Esse movimento cinematográfi-

co, através do flutuar da câmera, precei-

tua Dubois (2011), tem o condão de ex-

pressar movimentos da vida, da forma de

ver do homem em relação aos movimen-

tos. O autor é firme em afirmar que o

Página 16 O Corpo

“O cinema de Godard, nessa

fase, caracteriza-se pela mobilida-

de da câmera, por longos pla-nos-sequência ou travellings”

vídeo oportuniza a representação dos

pensamentos e visões do mundo. Ressal-

ta, ainda, a importância de observarmos

que todos os movimentos de cinema,

maquínicos ou não, constituem sempre a

marca de um olhar.

Nesse ponto, a teoria do cinema

de Aumont (2004) vem para acrescentar

que o cinema é uma máquina simbólica

de produzir pontos de vista (2004, p. 69)

sendo o olho da câmera um explorador

engajado (2004, p. 77).

Tudo em total consonância com

o cinema político de Godard a partir do

marco histórico do movimento estudantil

de maio de 1968. As produções e ferra-

mentas (audio)visuais representam, as-

sim, instrumentos de reflexão constituí-

dos por um sistema de imagens repleto

de novas linguagens e estéticas.

O vídeo, assim como a vida, não

se aprisiona em especificidades categori-

zantes. É móvel, volátil. Suas imagens se

movimentam através de diversos forma-

tos, técnicas e dispositivos que permitem

ao autor concluir que o vídeo não é um

objeto mas um estado, uma maneira de

ver, possuindo as imagens em movimento

caráter estético e ontológico.

REFERÊNCIAS:

AUMONT, Jacques. A Imagem. 16ª Edição.

Campinas, SP: Papirus, 2012.

________________ O Olho Interminável –

Cinema e Pintura. 2ª Edição. São Paulo,

Cosac Naify, 2004.

DUBOIS, Philippe. Vídeo e cinema: interfe-

rências, transformações, incorpora-

ções. In:______.Cinema, vídeo, Go-

dard. Trad. Mateus Araújo Silva São Paulo:

Cosac Naify, 2004, p. 177-250.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso.

Aula inaugural no Collège de France, pro-

nunciada em 2 de dezembro de

1970. Trad. Laura Fraga de Almeida Sam-

paio. São Paulo: Edições Loyola, 2009.

Página 17 O Corpo

Analyz Pessoa-Braz é mestranda pelo Programa de Pós-

Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade da UESB, pesqui-

sadora do Labedisco/UESB - Laboratório de Estudos do Discurso

e do Corpo, advogada e especialista em Direito Público pela UNAR

Universidade de Araras. Currículo Lattes: Clique aqui!

“O vídeo, assim como a vida,

não se aprisio-na em especifi-cidades cate-gorizantes. É

móvel, volátil”

O Corpo é Discurso

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