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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO Instituto Serzedello Corrêa e Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo - SEPROG O controle externo e a nova administração pública: uma visão comparativa (Seminário realizado em Brasília em 15 de julho de 2002) Brasília - 2002

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃOInstituto Serzedello Corrêa

e

Secretaria de Fiscalização e Avaliação de

Programas de Governo - SEPROG

O controle externo e a nova administração pública: uma visão comparativa

(Seminário realizado em Brasília em 15 de julho de 2002)

Brasília - 2002

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RESPONSABILIDADE EDITORIAL

Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo - SEPROG SAFS Quadra 4 - lote 1 - Anexo I - sala 436700420-900 - Brasília - DFFone: (61) 316-7902Correio eletrônico: [email protected]ília Zinn SalvucciSecretária

Instituto Serzedello Corrêa SEPN Av.W/3 Norte - Quadra 514 Bloco B -Lote 770760-527 - Brasília - DFFone: (61) 340-3221Correio eletrônico: [email protected] PalumboDiretor-Geral

EDITORAÇÃOISC

RevisãoTereza Cristina da Costa Braga Fernandes

Layout Ad People

O Controle Externo e a Nova Administração Pública: uma visão comparativa (2002 : Brasília, DF). O controle externo e a nova administração pública: uma visão comparativa. -- Brasília : TCU, 2002. 102 p.

1. Controle externo - administração pública. I. Brasil. Tribunal de Contas da União. II. Título.

Ficha catalográfi ca elaborada pela Biblioteca Ministro Ruben Rosa

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Ministros

Humberto Guimarães Souto, PresidenteValmir Campelo, Vice-PresidenteMarcos Vinicios Rodrigues Vilaça

Iram SaraivaAdylson Motta

Walton Alencar RodriguesGuilherme Palmeira

Ubiratan AguiarBenjamin Zymler

Ministros-Substitutos

Lincoln Magalhães da RochaAugusto ShermanMarcos Bemquerer

Ministério Público

Lucas Rocha Furtado, Procurador-GeralJatir Batista da Cunha, Subprocurador-GeralPaulo Soares Bugarin, Subprocurador-GeralUbaldo Alves Caldas, Subprocurador-Geral

Maria Alzira Ferreira, ProcuradoraMarinus Eduardo de Vries Marsico, ProcuradorCristina Machado da Costa e Silva, Procuradora

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SUMÁRIO

A Experiência do Tribunal de Contas da União em Auditoria Operacional e Avaliação de Programas Governamentais - Gloria Maria Merola da Costa Bastos .................................................................7Introdução .........................................................................................................................7Histórico das Iniciativas de Capacitação em Auditoria Operacional ...................................................................................................8As iniciativas na Área de Avaliação de Programas Governamentais ........................................................................................................... 10O Acordo de Cooperação Técnica TCU - Reino Unido..................................... 13Perspectivas e Desafi os .............................................................................................. 19Conclusão........................................................................................................................ 23Instituições Centrais de Auditoria e Auditoria de Desempenho: Uma análise comparativa das estratégias organizacionais na OCDE - Michael Barzelay ............................................... 25O Conceito da Auditoria de Desempenho.......................................................... 29Fonte e Qualidade dos Dados.................................................................................. 40Auditorias de Efi ciência e de Efetividade de Programa.................................. 43Auditoria de Capacidade de Gerenciamento de Desempenho .................. 44Outros Tipos de Auditoria de Desempenho....................................................... 47Explicando as Freqüências........................................................................................ 49Explicando as Variações ............................................................................................. 54 Questões Estratégicas de Implementação.......................................................... 61Accountability & Melhoria do Desempenho ....................................................... 66Conclusões...................................................................................................................... 69Notas................................................................................................................................. 72Políticas de Gestão Pública para o Próximo Governo - Francisco Gaetani ...................................................................................................... 79Uma Agenda Compreensiva. ................................................................................... 81Escolhas Complexas .................................................................................................... 83O Difícil Começo das Agências Reguladoras. ..................................................... 86Assuntos Inacabados .................................................................................................. 91Avanços em Duas Agendas Históricas: Serviço Público e Planejamento................................................................................................................. 94Conclusão......................................................................................................................101

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A Experiência do Tribunal de Contas da União em Auditoria Operacional e Avaliação de Programas Governamentais

Glória Maria Merola da Costa Bastos*

Introdução

O Tribunal de Contas da União tem empreendido esforço per-manente no sentido de manter-se atualizado com as mais inovado-ras tendências no campo do controle externo, função que exerce no papel de órgão auxiliar do Congresso Nacional.

A retrospectiva das iniciativas que, desde a década de 80, vêm sendo implementadas na área de auditoria operacional ou audi-toria de desempenho denotam o pioneirismo do TCU ao trazer para o Brasil a modalidade de controle que mais se desenvolveu nas últimas décadas e que vem assumindo relevante papel na modernização das instituições públicas em países como a Grã-Bretanha, Estados Unidos e Canadá, entre outros.

Essa modalidade de auditoria baseia-se no princípio de que ao gestor público cabe o dever de prestar contas de suas ativida-des à sociedade (accountability), não somente agindo com inte-gridade, mas atendendo a critérios de economicidade, efi ciência e efi cácia dos atos praticados.

* Analista de Controle Externo, gerente do Projeto de Cooperação TCU/Reino Unido.

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A auditoria operacional ocupa-se, portanto, da avaliação de fatores relacionados à qualidade da gestão, e busca aferir até que ponto os administradores públicos gerenciam os recursos sob sua responsabilidade com economia e efi ciência, e se as atividades e os programas implementados atingem os objetivos pretendidos e as metas esperadas.

Histórico das Iniciativas de Capacitação em Audi-toria Operacional

Antes mesmo de ter suas competências ampliadas pela Constituição de 1988, que, entre outras iniciativas, prescreveu a realização de auditorias operacionais, o TCU já se preparava para a ambiciosa missão de conferir maior transparência aos atos pra-ticados pelos gestores públicos e de avaliar o resultado produzido por suas ações. Em 1985, promoveu treinamento ministrado por dois renomados especialistas do US General Accounting Offi ce - GAO, entidade de fi scalização superior (EFS) dos Estados Unidos, com reconhecida liderança nessa modalidade de auditoria.

Outra estratégia de capacitação que vem sendo adotada pelo TCU consiste em enviar seus analistas para cursos de treinamento patrocinados por outras EFS. Ainda na década de 80, dois servido-res participaram de treinamento em auditoria operacional promo-vido pela Auditoria Geral do Canadá e, ao longo da década seguinte, foram intensifi cadas as iniciativas de intercâmbio, com a regular participação de servidores em cursos de treinamento no GAO e no National Auditing Offi ce - NAO, entidade de fi scalização superior da Grã-Bretanha. A partir de 2000, o TCU voltou a participar do

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treinamento oferecido pela EFS canadense. Enviou dois de seus ser-vidores, previamente selecionados por aquela instituição, para curso de 9 meses, em que foram apresentadas todas as modalidades de controle adotadas pela Auditoria Geral do Canadá.

Essas iniciativas de intercâmbio têm contribuído não só para aprimorar o conhecimento dos servidores do TCU nas modernas técnicas de auditoria, mas também para propiciar cultura institu-cional favorável à implementação de novos procedimentos de tra-balho que buscam aumentar a efetividade da ação de controle.

A partir da Constituição de 1988, a preocupação de dotar o TCU dos meios adequados para cumprir a nova missão constitu-cional levou à formulação de desafi adora proposta de capacitação, que deveria integrar iniciativas de treinamento, desenvolvimento de procedimentos técnicos e intercâmbio de conhecimentos em auditoria operacional. Essa iniciativa, implementada durante os anos de 1990 e 1991, foi desenvolvida em três fases:

A primeira fase consistiu na realização de 30 cursos de audi-toria operacional, na sede e nas regionais, que atingiram cerca de 600 servidores, entre técnicos, assessores e dirigentes, além de representantes dos Tribunais de Contas Estaduais e Municipais.

Na segunda fase, a de desenvolvimento de procedimentos, foram elaborados os primeiros normativos para a realização de auditorias operacionais e executados 44 trabalhos de auditoria que envolveram todas as unidades técnicas do TCU, na sede e nos estados. Entre os entidades/órgãos auditados encontravam-se empresas públicas (Embrapa, Petrobrás, Codevasf, CSN, entre outras), empresas de telecomunicações, instituições fi nanceiras (Caixa Econômica Federal), universidades, o sistema de controle interno federal, entre outros.

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A terceira fase da proposta de capacitação visava o intercâmbio de conhecimentos em auditoria operacional e teve como destaque a realização de um seminário, em setembro de 1991, que contou com a participação de um representante da Fundação Canadense de Auditoria Integrada. O seminário teve como objetivo discutir a experiência acumulada pelas equipes durante a realização dos traba-lhos de auditoria, de modo a subsidiar as iniciativas futuras de trei-namento e de aperfeiçoamento da auditoria operacional no TCU.

Nos anos que se seguiram, o TCU passou a incorporar um módulo específi co sobre auditoria operacional nos cursos de formação de seu corpo técnico, ao mesmo tempo em que os traba-lhos dessa natureza passaram a integrar os planos semestrais de auditoria.

As iniciativas na área de avaliação de programas governamentais

Em consonância com as novas tendências no campo da administração pública, que marcaram a passagem da administração estruturada em moldes burocráticos para a administração orien-tada por resultados, o governo federal lançou, em meados de 1995, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado.

Entre outras iniciativas que visavam induzir os administrado-res públicos a desenvolverem uma gestão voltada para resultados, o governo federal criou, em 1995, o SIG - Sistema de Informações Gerenciais - para acompanhamento dos 42 programas prioritários integrantes do plano de metas “Brasil em Ação”. Além disso, a Lei de Diretrizes Orçamentárias estabeleceu dispositivos que obriga-

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vam o governo federal a prestar contas das metas físicas atingidas ao longo de cada exercício.

Esse novo modelo de gestão, por sua vez, passou a cobrar postura diferente das instituições de controle, mais orientada para o exame dos resultados da ação pública e de sua efetividade no atendimento das necessidades da sociedade. É nesse contexto que as metodologias e as técnicas empregadas em avaliação de pro-gramas são gradualmente incorporadas aos trabalhos de auditoria operacional.

Para adequar sua atuação a esse cenário, o TCU lança, em 1996, o Projeto de Capacitação em Avaliação de Programas Públicos, desenvolvido com o apoio da Fundação Getúlio Vargas, em parceria com a Virginia Polytechnic Institute and State Univer-sity e a National Academy of Public Administration.

O Projeto teve início com programa de treinamento de três semanas para 25 analistas do TCU, em Washington, dividido em seminário, workshop sobre avaliação de programa e visitas de estudo às principais organizações americanas que realizam avaliação de programa nas áreas de saúde, educação, meio ambiente, infra-estrutura, defesa nacional. O seminário contou com a participação de representantes de diversas agências federais, entre elas o General Accounting Offi ce - GAO, o Offi ce of Mana-gement and Budget - OMB e Inspetorias Gerais; representantes de organizações sem fi ns lucrativos que recebem subvenções federais e realizam avaliações (Rand Corporation, National Academy of Public Administration e Urban Institute); representantes de seto-res de auditoria interna de outros organismos (Defense Depart-ment, Health and Human Services Department, Environmental Protection Agency).

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Além dessas atividades, os participantes tiveram oportuni-dade de visitar o GAO e de assistir a apresentação sobre a forma de atuação daquela instituição de controle.

Nas etapas subseqüentes do Projeto foram realizados sete projetos-piloto de avaliação nas áreas de saúde, educação, defesa e infra-estrutura. As equipes encarregadas dessas auditorias recebe-ram treinamento adicional em técnicas de coleta de dados, meto-dologia de avaliação de programas, estatística aplicada e noções de amostragem, além de contarem com amplo material de apoio. Para orientar os trabalhos das equipes e discutir a estratégia de implementação do Projeto, o TCU convidou um especialista do GAO, ex-Diretor do escritório regional de Nova York, que também proferiu palestra com o tema “A Avaliação de Programas no GAO”.

Um dos principais produtos desse Projeto de Capacitação foi a elaboração do Manual de Auditoria de Desempenho, poste-riormente denominado Manual de Auditoria de Natureza Opera-cional, que trata dos procedimentos básicos adotados pelo corpo técnico do TCU nos trabalhos de auditoria operacional e de avaliação de programa. Além de apresentar as principais metodo-logias empregadas em trabalhos dessa natureza, o Manual intro-duziu o uso de novo instrumento de planejamento dos trabalhos de auditoria, a Matriz de Planejamento, originalmente desenvolvida pelo GAO, e que vem sendo utilizada inclusive nas auditorias de conformidade.

A estratégia de implementação adotada nesse Projeto, que buscou associar o treinamento teórico com a execução supervi-sionada de auditorias-piloto e a produção de documentos técni-cos, foi considerada o principal fator responsável pelo sucesso

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da empreitada e serviu de base para a formulação dos projetos subseqüentes.

O Acordo de Cooperação Técnica TCU - Reino Unido

A auditoria operacional tem exigido das entidades de fi scalização superior investimento constante em capacitação. Ao contrário da auditoria tradicional, cuja prática encontra-se perfeita-mente consolidada, essa modalidade de auditoria tem-se caracteri-zado por ser uma área de grande potencial inovador, assimilar rapi-damente os avanços observados no âmbito da nova gestão pública (new public management) e demonstrar crescente preocupação com os resultados e a transparência dos atos de gestão. Além disso, em função da complexidade das atividades e dos programas a ser ava-liados, as auditorias operacionais passaram a empregar amplo arse-nal metodológico que inclui desde métodos quantitativos, com uso intensivo de estatística aplicada, às mais sofi sticadas técnicas de coleta e análise de dados no campo da pesquisa social.

Consciente dos avanços registrados nessa área e fi el à visão institucional de ser reconhecido como instituição de excelência no controle da administração pública, o TCU iniciou, em 1995, gestões junto a órgãos e instituições britânicas de reconhecida competência no campo da auditoria operacional, a fi m de buscar oportunidades de cooperação que contribuíssem para o aperfeiço-amento técnico dos seus servidores.

Os contatos e estudos realizados permitiram que, em abril de 1998, fosse assinado documento ao amparo do Acordo sobre

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Cooperação Técnica entre o Governo do Brasil e o Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte para a implantação do Projeto de Desenvolvimento de Técnicas de Audi-toria de Natureza Operacional, nas áreas de saúde, educação e meio ambiente, com vigência de três anos (de junho de 1998 a junho de 2001). Inicialmente foram indicados 30 Analistas de Controle Externo - ACE do TCU para participar do Projeto e, no terceiro ano, mais 20 ACE foram selecionados.

A execução do Projeto fi cou a cargo do TCU e a coordenação e a manutenção fi nanceira sob a responsabilidade de agências que, de diferentes maneiras, ligaram-se ao Projeto: a Agência Brasi-leira de Cooperação - ABC, do Ministério das Relações Exte-riores, foi designada pelo governo brasileiro como responsável por sua implementação; o Conselho Britânico foi indicado pelo governo britânico para acompanhar o Projeto; o DFID - Depart-ment for International Development (Ministério do Desenvolvi-mento Internacional), ministério britânico responsável pelo fi nan-ciamento; e a KPMG, empresa de consultoria contratada pelo DFID, mediante concorrência internacional, para prestar consul-toria ao TCU no âmbito das atividades da cooperação técnica.

O Projeto de Desenvolvimento de Técnicas de Auditoria de Natureza Operacional teve como fi nalidade contribuir para o aper-feiçoamento do desempenho do setor público e para a melhor utilização de recursos, mediante implementação de recomendações do TCU decorrentes de auditorias de natureza operacional. O objetivo imediato do Projeto foi o de aperfeiçoar a capacidade téc-nica do TCU na condução de auditoria operacional e de avaliação de programa e no monitoramento da implementação de suas recomendações.

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As atividades do Projeto incluíram, a cada ano: desenvolvimento de normas e procedimentos de auditoria; desenvolvimento de material didático para o curso de Audi-toria de Natureza Operacional - ANOp, de modo a disse-minar o conhecimento específi co para o TCU e órgãos da administração pública;

treinamento do corpo técnico do TCU e de outros órgãos públicos federais e estaduais em conceitos gerais e em téc-nicas específi cas de auditoria de natureza operacional;

realização de auditorias-piloto em atividades e programas das áreas de saúde, educação e meio ambiente;

viagens de estudo ao Reino Unido; organização de seminários para discussão e divulgação dos trabalhos do TCU.

De 1998 a 2000, foram realizadas 18 auditorias, nas áreas de saúde, educação e meio ambiente e 3 viagens de estudo ao Reino Unido com a participação de 9 Analistas de Controle Externo - ACE (3 ACE de cada área por ano). Foram desenvolvidos 7 novos documentos sobre técnicas aplicadas às auditorias de natu-reza operacional (SWOT e Matriz de Verifi cação de Risco, Bench-marking, Mapa de Produto e Indicadores de Desempenho, Mapa de Processo, Stakeholder, Análise RECI, Marco Lógico) e, ainda, realizado trabalho de revisão do Manual de Auditoria de Natureza Operacional. No período, foram realizados 2 seminários e vários workshops, além de cerca de 10 cursos sobre auditoria de natu-reza operacional com a participação de servidores do Tribunal e de outros órgãos da administração pública federal e estadual.

Os trabalhos de auditoria realizados em 1998 trataram de aspectos relacionados à operacionalização de atividades e progra-

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mas selecionados. Nos anos seguintes, além dos aspectos ligados à implementação, buscou-se avaliar o resultado de programas e de ações governamentais, ao incorporar-se à análise, sempre que possível, a questão da promoção da eqüidade como objetivo das políticas sociais. As atividades e os programas avaliados foram:

Na área de saúde: Planejamento da Aquisição de Medicamentos para o Pro-grama Nacional de Controle da Tuberculose

Alocação de Recursos no Programa de Prevenção e Con-trole da Dengue

Programa Nacional de Imunizações Programa REFORSUS - Reorganização do SUS Programa de Monitoramento e Prevenção da Mortalidade Materna

Incentivo ao Combate às Carências Nutricionais - ICCN

Na área de educação: Procedimento de Análise de Prestação de Contas adotado pelo FNDE

Transferência de Recursos Financeiros do FNDE Programa Nacional de Alimentação Escolar Programa do Livro Didático Programa Nacional de Informática na Educação - Proinfo Programa TV Escola

Na área de meio ambiente: Sistema de Cobrança de Débitos do IBAMA Sistema de Fiscalização do IBAMA

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Programa de Prevenção e Controle às Queimadas e aos Incêndios Florestais na Amazônia Legal - Prevfogo

Controle de Rejeitos Radioativos - CNEN Proágua/Semi-Árido Programa de Implantação de Dessalinizadores no Semi-Árido Nordestino

Uma das principais características das auditorias realizadas pelo TCU no âmbito desse Projeto é a colaboração efetiva das entidades e órgãos auditados em todas as etapas do trabalho, isto é, durante o estudo de viabilidade, para seleção do programa ou ação a ser auditada; na elaboração do projeto de auditoria; na fase de execução dos trabalhos de campo e durante a elaboração do relatório de auditoria, quando o gestor tem a oportunidade de agregar seus comentários aos achados e recomendações elabora-das pela equipe. Essa estratégia de trabalho, recomendada pelas EFS que executam auditoria operacional, tem por fi nalidade com-prometer o gestor e sua equipe com o objetivo e os resultados da auditoria, o que aumenta o potencial de sucesso na implementação das recomendações.

Outro aspecto que merece destaque é a preocupação com a identifi cação de boas práticas de gestão, as quais são incorporadas ao relatório de auditoria visando a sua disseminação.

Em decorrência dos excelentes resultados alcançados pelo Projeto, segundo avaliações do Tribunal e do DFID, o TCU ini-ciou gestões junto ao órgão britânico, a fi m de dar continuidade ao acordo de cooperação com a aprovação de uma nova fase. A negociação teve início em 2001, mas para evitar interrupções nas ações até o início da fase II, em 29 de maio de 2001, o DFID apro-

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vou uma extensão da fase I, até dezembro de 2001. O TCU sele-cionou outros 30 ACE para participar do período de extensão do Projeto.

No período de extensão da fase I, acrescentaram-se novas áreas de atuação do Projeto - assistência social e agricultura. Assim, em 2001, foram realizadas as seguintes avaliações de pro-gramas de governo:

Na área de saúde: Programa Saúde da Família

Na área de educação:

Programa Nacional Biblioteca da Escola Programa Nacional de Saúde do Escolar

Na área de assistência social:

Valorização e Saúde do Idoso Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

Na área de agricultura:

Irrigação e Drenagem

A criação da Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Pro-gramas de Governo - Seprog, no fi nal de 2000, que passou a coordenar das atividades do Projeto, representa a efetiva institucionalização dos trabalhos de avaliação de programa no TCU e o reconhecimento de sua importância para o desempenho das funções de controle.

Com essa iniciativa, o TCU incorpora à rotina de fi scalização

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as mudanças signifi cativas ocorridas no processo de planejamento brasileiro evidenciadas no PPA-2000/2003. Segundo esse instru-mento, a partir de 2000, toda ação fi nalística foi estruturada em programas orientados para a consecução dos objetivos estratégi-cos estabelecidos, com defi nição de metas, de indicadores e de outros conceitos essenciais para a efetiva avaliação da política pública.

A fase II do acordo, intitulado “Projeto de Aperfeiçoamento do Controle Externo com Foco na Redução da Desigualdade Social - CERDS”, buscará intensifi car o uso de metodologias de avaliação de programa, focando especialmente na questão da redução da pobreza e da desigualdade social. Ao adotar-se abor-dagem inovadora e participativa, pretende-se contribuir de forma efetiva para o fortalecimento do controle social, aproximando o TCU dos atores diretamente interessados no resultado das políti-cas públicas no Brasil. Além disso, o Projeto terá também por objetivo desenvolver metodologias de avaliação das agências regu-ladoras dos serviços públicos, já que essa área terá signifi cativo papel na universalização desses serviços e no resgate da cidadania no Brasil, o que permitirá acesso a serviços públicos essenciais a parcela signifi cativa da população brasileira.

Perspectivas e Desafi os

Ao ter atingido razoável grau de especialização na execução de auditorias de natureza operacional, o que pode ser comprovado pela qualidade dos relatórios produzidos, o TCU volta-se para a implantação de novos procedimentos relacionados à seleção dos temas a serem auditados, à sistemática de controle de qua-

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lidade, ao monitoramento da implementação das recomendações decorrentes desses trabalhos e para a estratégia de divulgação e disseminação dos resultados alcançados.

Quanto aos procedimentos relacionados ao planejamento das ações de auditoria, o TCU desenvolveu metodologia própria, com base em estudo preliminar realizado em 2000 e complementado com informações obtidas em viagens de estudo ao Reino Unido e ao Canadá. Existem atualmente duas sistemáticas de trabalho: a primeira, a cargo da Seprog, para identifi cação de programas de governo a serem auditados; a segunda, desenvolvida pelas Secre-tarias Adjuntas de Contas e de Fiscalização, para a seleção de uni-dades jurisdicionadas sujeitas à fi scalização do TCU (órgãos, enti-dades e municípios que recebem recursos federais).

Ambas as sistemáticas utilizam, basicamente, critérios de relevância, risco e materialidade. No caso da Seprog, tais critérios compõem uma matriz que, aplicada aos programas existentes, per-mite classifi cá-los segundo uma pontuação. Os programas mais pontuados são objeto de estudos de viabilidade, para que se possa decidir sobre a conveniência e a oportunidade de se realizar a avaliação, destacando-se a relevância do trabalho em termos de interesse da sociedade civil e do Congresso Nacional, de impacto na mídia, e de possíveis riscos para o programa e para a imagem do TCU decorrentes da não realização da auditoria.

Com relação ao controle de qualidade dos trabalhos de audito-ria de natureza operacional, o TCU tem-se pautado na experiência das instituições de controle do Reino Unido - o National Audit Offi ce (NAO) e a Audit Comission (AD) - disseminadas pelos analistas que participaram das viagens de estudo promovidas no âmbito do acordo de cooperação técnica mantido com aquele

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país. Os procedimentos que vêm sendo adotados pela Seprog, em caráter experimental, têm permitido assegurar elevado padrão de qualidade nos trabalhos coordenados por aquela Secretaria.

Além da supervisão das equipes de auditoria pelos diretores técnicos, são realizadas reuniões denominadas audit challenge panel ou, como pretendemos chamar, “painel de referência”. Trata-se de procedimento muito empregado pelo NAO, assim como pela AD em trabalhos de value-for-money (auditorias de desempenho) e consiste em reunir-se um grupo de especialistas e/ou auditores seniors para discutir com a equipe de auditoria os principais aspectos do trabalho. Essas reuniões geralmente acon-tecem em dois ou três momentos do trabalho de auditoria. Na fase de planejamento, quando se debate o projeto de auditoria, ou seja, o escopo do trabalho, as principais questões que conduzirão toda a investigação e a metodologia a ser empregada; logo após a coleta de dados, quando a equipe realiza as primeiras análises e começa a delinear os achados e as recomendações que devem constar do relatório fi nal; e quando se inicia a elaboração do relatório fi nal.

O apoio de especialistas, seja no caso da participação em painéis de referência seja por meio de consultorias específi cas, tem sido importante fator de aprimoramento desses trabalhos, não só em relação ao uso de ferramentas metodológicas como também no que se refere à densidade e consistência no tratamento do tema abordado, para que os juízos emitidos se fundamentem em sólidos elementos de convicção. Nesse campo, o TCU já conta com o apoio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA e pre-tende ampliar ainda mais suas parcerias institucionais.

A partir de procedimento desenvolvido pela Seprog, em feve-reiro de 2002, o TCU implantou o monitoramento sistemático

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da implementação das recomendações exaradas pela Corte em relação às auditorias de natureza operacional. Trata-se do acom-panhamento das providências tomadas pelo órgão ou programa auditado em resposta àquelas recomendações, interagindo com os gestores responsáveis, de forma a maximizar a probabilidade de que estas venham a ser adequada e tempestivamente adotadas. Somente a efetiva implementação das propostas pode gerar os benefícios do trabalho de auditoria, em termos de maiores efi ciência, efi cácia, efetividade e eqüidade.

Outro aspecto a ser destacado nessa nova sistemática é o relatório de impacto, elaborado ao fi nal do processo de monitora-mento com vistas a demonstrar, analiticamente, o benefício efe-tivo decorrente da implementação das recomendações. Espera-se, dessa forma, reunir informações para avaliar o custo-benefício dessas auditorias e para subsidiar a elaboração de relatório conso-lidado do impacto das auditorias de natureza operacional realiza-das pelo TCU, a ser enviado oportunamente aos interessados, em especial ao Congresso Nacional. Além disso, as informações que constam nesses relatórios permitirão elaborar um indicador ampla-mente utilizado por outras EFS - a taxa média de implementação de suas recomendações - como medida de aferição da efetividade de seus trabalhos.

Uma área que tem merecido maior atenção por parte do TCU é a divulgação dos trabalhos realizados. O NAO e a Audit Commission, assim como outras EFS, dão grande importância à divulgação de seus relatórios, cujos lançamentos são tratados como eventos de mídia. Ambas as instituições possuem setores especializados em editoração gráfi ca e a estratégia de divulgação fi ca a cargo de suas assessorias de imprensa, responsáveis pelo

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envio de notas, sessões de press release, além de preparação de entrevistas e imagens.

Visando dar maior visibilidade aos seus trabalhos, o TCU tem procurado aumentar a divulgação dos seus relatórios de auditoria. Além da publicação da revista Auditorias do Tribunal de Contas da União, o TCU passou a produzir sumários executivos de traba-lhos selecionados sobre avaliação de programas governamentais, em padrão gráfi co mais moderno, visando torná-los mais atraentes ao leitor.

A organização de seminários e de workshops, além da participação em eventos promovidos por outros órgãos da administração pública, faz parte da política institucional de inves-tir na formação de seu corpo técnico e de disseminar boas práticas de gestão.

Conclusão

As diversas iniciativas implementadas pelo TCU, desde meados dos anos 80, com vistas à implantação da modalidade de auditoria operacional ou auditoria de desempenho, evidenciam o compromisso institucional com o permanente aperfeiçoamento das funções de controle. Por meio de ações articuladas e siste-máticas, que buscam o apoio de organizações e entidades de con-trole de reconhecida competência e liderança internacional nesse campo, o Tribunal tem procurado dotar seu corpo técnico dos conhecimentos e das habilidades necessárias ao pleno exercício de sua missão constitucional - assegurar a efetiva e regular gestão dos recursos públicos, em benefício da sociedade.

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Instituições Centrais de Auditoria e Audi-toria de Desempenho: Uma análise com-parativa das estratégias organizacionais na OCDEi

Michael Barzelay *

A Nova Gestão Pública oferece um arcabouço teórico para ampliar a competência legal das instituições de audito-ria governamental de forma a incluir a auditoria de desem-penho. Este artigo examina questões conceituais, empíricas e administrativas suscitadas pela auditoria de desempenho. Conceitualmente, a auditoria de desempenho é termo dúbio para uma classe de atividades de revisão predominantemente avaliativas. Empiricamente, observa-se que os principais órgãos de auditoria dos países membros da OCDE apre-sentam variações quanto aos tipos específi cos de auditorias de desempenho realizadas. A explicação dessas variações permite algumas incursões na política contemporânea de gerenciamento público. Do ponto de vista administrativo, os órgãos de auditoria cujos mandatos legais incluem a audito-ria de desempenho confrontam-se com duas questões estraté-

i N.T.: Tradução autorizada pelo autor, realizada por Adriana Monteiro Vieira e Marcelo Barros Gomes - Analistas de Finanças e Controle Externo do Tribu-nal de Contas da União* Professor da London School of Economics and Political Science

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gicas principais: realizar essas revisões avaliativas na moda-lidade tradicional de auditoria ou direcionar seu trabalho para promover a melhoria do desempenho nos órgãos audi-tados.

A auditoria de desempenhoii vem sendo rapidamente aceita como tipo de atividade profi ssional de revisão governamental ex-post. Essa categoria envolve tanto alguns tipos familiares de tra-balhos de revisão, como as auditorias de efi ciência e as de efeti-vidade, quanto formas menos conhecidas como as auditorias de informação gerada pelos sistemas de gerenciamento de desem-penho. O surgimento dessa nova categoria no vocabulário da administração pública indica que processo de demarcação de novo domínio da atividade burocrática está em andamento. A teoria sociológica neo-institucionalista (Meyer and Rowan 1991) sugere que, na medida em que a auditoria de desempenho se tornar mais institucionalizada, o nível dessa atividade deve aumentar, prova-velmente seguido pela criação de subdivisões distintas ou pela expansão das “linhas de produto”.

São várias as organizações que desenvolvem e realizam tra-balhos de auditoria de desempenho. No Reino Unido, pode-se citar a Comissão de Auditoria para a Inglaterra e País de Gales (Audit Comission for England and Wales), cuja jurisdição inclui o governo municipal, o Serviço Nacional de Saúde e a polícia; o National Audit Offi ce (NAO), cuja jurisdição compreende o res-tante do governo central; e uma gama de inspetorias de setores

ii N. T.: Neste trabalho o termo performance auditing será traduzido como “auditoria de desempenho”

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ou órgãos específi cos em rápida expansão, como o Escritório de Normas para a Educação (Offi ce of Standards in Education) (Hood and Scott 1996). Nos Estados Unidos da América (EUA), dentre as entidades que conduzem trabalhos de auditoria de desempe-nho pode-se destacar os Escritórios dos Inspetores Gerais (Offi ce of Inspectors General) e o Escritório do Auditor Geral (General Accounting Offi ce - GAO) (Trodden 1995, Walsh 1995). Assim, a racionalização, a produção e a expansão nessa área de estudo pode ser observada, até o momento, no âmbito da área organiza-cional na qual essas instituições estão inseridas (DiMaggio and Powel 1991). As organizações governamentais fundamentais na área de auditoria de desempenho incluem aquelas responsáveis pela elaboração orçamentária, auditoria, avaliação e reforma admi-nistrativa, inclusive o Serviço de Administração Pública (PUMA - Public Management Service)1 da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Este trabalho concentra sua análise no nível organizacional dos órgãos centrais de auditoria, algumas vezes denominados Entidades Fiscalizadoras Superiores (EFS), conforme estabelece sua associação internacional. Tais organizações incluem a Agência Nacional de Auditoria da Suécia, a Corte de Contas da Alema-nha, o Escritório Nacional de Auditoria do Reino Unido (NAO), o Escritório do Auditor Geral do Canadá, a Corte de Contas da França e o Escritório do Auditor Geral dos Estados Unidos

1. Em junho de 1995, o Puma organizou simpósio sobre auditoria de desempe-nho no qual participaram representantes dos estados membros e especialistas. O papel das organizações internacionais na construção do domínio de estudo e de sua institucionalização é discutido por Hüfner, Meyer e Naumann (1987).

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(GAO). A forma pela qual os órgãos de auditoria lidam com a institucionalização da auditoria de desempenho muito prova-velmente terá efeito signifi cativo sobre a escala e a distribuição das atividades de revisão na esfera governamental. Tais reações tenderão a delinear o modo de operação e o impacto dos sistemas governamentais de responsabilização e prestação de contas (accountability)iii.

Este artigo propõe-se a realizar uma análise comparativa ini-cial sobre os trabalhos de auditoria de desempenho conduzidos por órgãos centrais de auditoria da OCDE. A principal questão para a pesquisa descritiva diz respeito ao grau de uniformidade ou de variação existente entre as políticas organizacionais desses órgãos no que concerne à auditoria de desempenho. Para esse propósito, foram analisados dados obtidos pelo PUMA. O tra-balho desenvolve uma explicação institucional para as variações observadas nas políticas organizacionais dos diferentes órgãos centrais de auditoria. Além disso, o artigo discute as escolhas estratégicas, quanto à implementação da auditoria de desempe-nho, que se impõem aos órgãos centrais de auditoria 2 .

iii N.T.: Optamos por manter o termo accountability em inglês, pois assim ele tem sido encontrado na literatura da área produzida no Brasil. Conforme defi nição do Escritório do Auditor Geral do Canadá , accountability consiste na obrigação de responder por uma responsabilidade outorgada. Pressupõe existência de pelo menos duas partes: uma que delega a responsabilidade e outra que a aceita, com o compromisso de prestar contas da forma como usou essa responsabilidade.

2. Questões administrativas são discutidas em maior extensão em Barzelay (1987).

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O Conceito da Auditoria de Desempenho

O termo “auditoria de desempenho” é normalmente utilizado para demarcar a distinção entre esse tipo de atividade de revisão governamental e a auditoria tradicional de um lado e a avaliação de programas de outro. A forma como essa distinção é feita tem implicações sobre qual categoria profi ssional possui os argumen-tos mais persuasivos com vistas a obter o controle jurisdicional da matéria. Funcionários de alguns órgãos centrais de auditoria tendem a destacar as semelhanças entre a auditoria tradicional e a de desempenho (Sedgiwick 1993), provavelmente com o intuito de manter ou expandir sua fatia de mercado na indústria da revisão governamental. Os especialistas em avaliação, por seu turno, tendem a caracterizar a auditoria de desempenho como uma forma de avaliação (Chelimsky 1985; Rist 1989), talvez pela mesma razão. Assim, como a questão da disputa pelo controle da ativi-dade ainda persiste, também não existe consenso quanto ao signi-fi cado preciso do conceito de auditoria de desempenho.

A maioria dos estudiosos sobre a matéria defi ne a auditoria de desempenho de forma a refl etir as realidades institucionais de seus próprios países. Aqueles que escrevem no contexto institucional do governo britânico (Westminster/Whitehall) tendem a estabelecer uma distinção entre política e administração dentro da defi nição de auditoria de desempenho. Ao passo que, aqueles que escrevem no contexto de um regime de poder partilhado entre o executivo e o legislativo, como ocorre nos Estados Unidos, agem de forma dife-rente. Assim, em certa medida, as divergências de visão sobre o con-ceito de auditoria de desempenho devem-se à tendência natural de se tomar realidades locais por padrões universais.

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Um esforço para demarcar a distinção entre esses conceitos, de cunho isento e de aplicabilidade universal, exige uma análise conceitual cuidadosa. A análise aqui apresentada irá indicar, dentre outros aspectos conceituais, que as auditorias de desempenho não são um tipo de auditoria, elas são, de fato, avaliações. Entretanto, diferentemente das avaliações de programas convencionais, as auditorias de desempenho são freqüentemente realizadas de forma similar a uma auditoria. É uma questão de escolha estratégica da organização, não praticada universalmente, adotar processos de trabalho similares à auditoria para realizar suas avaliações. Assim, o estilo de trabalho da atividade de auditoria não deve ser conside-rado parte do sentido central do conceito de auditoria de desempe-nho.

Para chegar-se a essas distinções, ao mesmo tempo sutis e contundentes, este trabalho adota a teoria de conceitos e categorias formulada por George Lakoff (1987), especialista em lingüistica cognitiva da Universidade de Berckley, Califórnia3. Conforme essa teoria, palavras são nomes para conceitos. O signifi cado de conceitos abstratos e complexos, como as categorias da atividade de revisão governamental, não pode ser descrito em uma linha ou duas, como em uma defi nição de dicionário, ou mesmo pela enumeração de algumas de suas propriedades essenciais. Para se analisar o signifi cado desses conceitos, é crucial que se identifi -que os vários modelos cognitivos idealizados que juntos carac-

3. A teoria dos conceitos e categorias de Lakoff é bastante conhecida na Ciência Política. Collier e Mahon (1993), por exemplo, utilizaram aspectos dessa teoria para refi nar as críticas metodológicas de Sartori sobre a formação dos conceitos em política comparativa.

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terizam o conceito (1987,68). A seguir será apresentada uma proposta de caracterização do conceito denominado “auditoria de desempenho”. Cabe ressaltar, a princípio, três aspectos dessa caracterização. Primeiro, os modelos cognitivos idealizados aqui selecionados permitem a diferenciação dos conceitos de auditoria de desempenho dos conceitos de auditoria tradicional e de avaliação de programas. Segundo, a caracterização da auditoria de desempenho também serve de parâmetro para o signifi cado de suas categorias subordinadas (i.e., os tipos existentes de auditoria de desempenho, tais como as auditorias de efi ciência). Terceiro, a caracterização de “auditoria de desempenho” aqui proposta per-mite especifi cações mais detalhadas que comportem diferentes realidades locais e orientações doutrinárias.

O signifi cado do conceito de auditoria de desempenho carac-teriza-se por uma série de modelos cognitivos idealizados (MCIs) interrelacionados referentes ao funcionamento de governo, ao tipo de funcionamento desejado, ao principal objetivo da revisão, à modalidade dominante de revisão e ao papel do revisor (auditor). A mesma lógica aplica-se ao signifi cado dos conceitos de audito-ria tradicional e de avaliação de programas. Em outras palavras, os sentidos centrais dos conceitos associados à auditoria tradicional, auditoria de desempenho e avaliação de programas podem ser for-mulados com base em modelos que variam de acordo com cinco dimensões (veja Tabela 1).

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Uma dimensão da variação consiste na imagem do funciona-mento do governo. Em uma época na qual doutrinas de gestão pública encontram-se em evolução contínua e as auditorias de desempenho não foram ainda completamente institucionalizadas, seria surpreendente encontrar uma imagem única e defi nida para o funcionamento de governo que caracterize o conceito de auditoria de desempenho. Os seguidores da doutrina denominada “organizações que aprendem” (learning organizations) tentariam incorporar os MCIs referentes aos processos pelos quais o conjunto de crenças da organização é revisto à luz do feedback do sistema (Senge 1990, Stacey 1993), ao passo que os seguidores da doutrina do “gerencia-mento do desempenho” (performance management) iriam buscar incorporar os MCIs que pudessem refl etir a reação dos agentes governamentais ao defrontar-se com metas operacionais e incenti-vos estabelecidos de cima para baixo (Boyle 1989). Partidários de diferentes linhas doutrinárias normalmente argumentam de forma a procurar agregar as idéias que postulam ao sentido central do conceito. As discussões sobre a auditoria de desempenho e sua prática tendem a ser encaminhadas de maneira distinta nos diferen-tes países. Com vistas a facilitar o presente debate, é importante abstrair-se de questões de interesse meramente local.

Nas discussões no âmbito de grupos de profi ssionais que rea-lizam auditoria de desempenho, um padrão de modelo mental é um esquema centrado no processo, semelhante àquele da cadeia de produção (Porter, 1985,36). Nesse esquema, os insumos são transformados em produtos que, por sua vez, geram os impactos. Mais especifi camente, o funcionamento do governo é caracteri-zado como um processo produtivo de transformação de insumos e relações causais pelos quais os produtos infl uenciam o estado das

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coisas cuja melhoria é normalmente considerada o principal obje-tivo das políticas públicas. Os processos de produção transformam insumos em produtos e os produtos exercem infl uência sobre os resultados. As ligações entre os insumos e os produtos, em par-ticular, são vistas como passíveis de manipulação pelos gerentes dos processos de produção, ao menos no médio e longo prazos.

Os modelos mentais de funcionamento de governo subjacen-tes aos outros dois principais conceitos de revisão governamental ex-post são bastante conhecidos. Para a auditoria tradicional, o principal modelo é o de máquina burocrática (Mintzberg 1983, 163). Os sistemas nesse modelo operam na forma de processos de trabalho padronizados - mais especifi camente estabelecendo, aplicando ou implementando critérios diferenciados por funções. Uma imagem característica do funcionamento do governo por trás do conceito de auditoria tradicional é aquela na qual os especialis-tas situados na estrutura técnica, como os contadores, estabelecem políticas e procedimentos sancionados pelas categorias profi ssio-nais para uma organização específi ca. Os colaboradores individu-ais das linhas de produto são orientados, assim, a seguir esses cri-térios sob a supervisão de seus superiores hierárquicos. O modelo cognitivo de funcionamento de governo embutido no conceito de avaliação de programas, por sua vez, minimiza a importância do funcionamento interno das organizações governamentais e foca-liza a infl uência do desenho e implementação do programa como um todo sobre condições sociais problemáticas. Portanto, utili-zando uma metáfora da esfera da medicina, poder-se-ia dizer que os governos devem funcionar usando os produtos dos programas como “remédios” para o tratamento de condições sociais pouco saudáveis e inaceitáveis.

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A imagem escolhida para o funcionamento do governo tem implicações óbvias sobre o que se considera o modelo ideal de operação. Conforme o modelo de máquina burocrática, uma organização que funciona bem é aquela cujos critérios de operação são apropriados, do ponto de vista profi ssional e organizacional, e cujos sistemas regulatórios mantém as tarefas e as transações (e as pessoas que as executam) sob controle. Já na perspectiva da avaliação de programas, um programa efetivo é um tratamento que cura (ou pelo menos controla) o mal social, sem prejudicar a sociedade como um todo. Os programas dignos de mérito são aqueles que atingem os objetivos de determinada política pública ou, conforme alguns relatos, geram benefícios que excedem a soma dos custos dos recursos empregados e das conseqüências adversas dos subprodutos (Moore 1995). Por sua vez, as principais medidas de mérito embutidas no conceito de auditoria de desem-penho são a economia, a efi ciência e a efetividade. Economia geralmente signifi ca a eliminação dos desperdícios de insumos; efi ciência refere-se à otimização dos processos de transformação de insumos em produtos; e efetividade signifi ca infl uenciar posi-tivamente o impacto por meio da geração de produtos (Gray, Jenkins, and Segsworth 1993). A imagem de uma organização governamental efi ciente está associada, nesse caso, àquela na qual a atenção da administração está voltada para a otimização de processos produtivos fl exíveis bem como para a adaptação dos desenhos dos programas em função do feedback recebido e das mudanças nas prioridades e nos objetivos das políticas públicas.

Os principais objetivos de um trabalho de revisão normal-mente consistem em assegurar um nível satisfatório de funcio-namento das organizações governamentais. O principal objetivo

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da auditoria tradicional é fazer com que unidades e indivíduos sigam determinados critérios ou normas aplicáveis para realizar transações e desempenhar tarefas - resumidamente, accountability de regularidade (Light 1993). A meta é impedir ou retifi car proce-dimentos que representem desvios das normas legais, e.g., no con-trole fi nanceiro ou na administração de ativos. Por outro lado, o principal objetivo das auditorias de desempenho pode ser expresso como “accountability de desempenho”. A idéia simples por trás desse argumento é que as organizações devem ser responsabiliza-das pelos resultados de sua atuação mais do que pela sua forma de funcionamento. A idéia mais complexa é que, para alguns propósitos, é melhor focalizar a atenção da administração para a otimização de processos produtivos e do desenho dos pro-gramas. Uma estratégia apropriada para esse enfoque seria a de responsabilizar indivíduos e organizações pelo atendimento de padrões razoáveis de economia, efi ciência e efetividade (a operacionalização dessa estratégia pode incluir a formalização de acordos entre um órgão e seu respectivo ministério envol-vendo a defi nição de várias metas). O objetivo da auditoria de desempenho, nesse sentido, é contribuir para a operacionalização de processos político-administrativos pelos quais a accountabi-lity de desempenho é estruturada, incentivada e controlada4. Nas

4. Algumas doutrinas de administração, incluindo a Qualidade Total, identifi -cam a “melhoria” do desempenho como o principal objetivo da auditoria de desempenho. Como as doutrinas adeptas dessa visão não são universalmente aceitas, parece mais conveniente considerar apenas o objetivo mais pacífi co de aceitação, o de “accountability de desempenho”. Assim, a melhoria do desempenho como um objetivo é aqui considerada uma questão empírica e não conceitual.

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avaliações de programas, o principal objetivo é distinguir os impactos provocados pelos programas de forma a avaliar sua efe-tividade em atingir objetivos pré-defi nidos ou inferidos.

A modalidade de revisão governamental predominante difere entre os três tipos aqui analisados. A auditoria envolve a coleta de informações sobre as transações ou processos para determinar se eles estão em conformidade com as normas aplicáveis. A avaliação de programas convencionalmente envolve a execução e o desenho de estratégias de pesquisa para a realização de inferências des-critivas válidas, confi áveis e isentas sobre condições agregadas, bem como de inferências causais sobre os impactos dos progra-mas. A auditoria de desempenho algumas vezes envolve auditoria ou pesquisa, mas normalmente pode ser caracterizada como um processo de inspeção. A inspeção consiste no questionamento de qualquer tipo de procedimento, não apenas aqueles relativos à administração fi nanceira. Uma inspeção pode tanto envolver a verifi cação da observância dos critérios aplicáveis como também o exercício direto de julgamento instrumental.

O papel do revisor/auditor pode ser deduzido pelos aspectos acima abordados. O papel do auditor público é examinar a informação apresentada pelos órgãos públicos e relatar eventuais desvios entre os critérios/normas aplicáveis e as transações efeti-vamente realizadas ou os sistemas existentes. O papel do avalia-dor de programa é de conceber e desenvolver pesquisa que pro-duza pareceres técnicos, com base em dados empíricos, sobre os impactos dos programas. Já o papel do auditor de desempenho é, em grande medida, o de avaliar aspectos selecionados dos pro-gramas e das organizações. Esses auditores normalmente avaliam esses aspectos com um enfoque mais pontual do que os revisores

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ao realizar uma típica avaliação de programas. Diferentemente dos auditores tradicionais, os auditores de desempenho podem julgar se os meios empregados nos processos produtivos estão ali-nhados com as metas estabelecidas ou se foram otimizados de forma a reduzir as limitações do programa.

Uma provável objeção a essa análise conceitual seria que ela deixa de especifi car a independência da auditoria como atri-buto essencial da auditoria de desempenho. A principal razão para se adotar um conceito que não faz referência à questão da independência é que a relação entre órgãos centrais de auditoria e seu ambiente institucional varia bastante nos diferentes países. Alguns órgãos centrais de auditoria estão vinculados principal-mente ao poder executivo (até mesmo fazendo parte dele), outros estão vinculados ao legislativo e outros, ainda, são centros de poder independentes que se respaldam em leis e em coligações políticas entre o executivo e o legislativo. Ao introduzirmos o con-ceito de independência da auditoria no âmbito da defi nição de auditoria de desempenho, corremos o risco de menosprezar essas diferentes conformações, que são importantes para a análise aqui desenvolvida, conforme veremos a seguir.

Uma segunda objeção que se vislumbra é a de que a defi nição proposta para a avaliação de programas esteja ultrapassada. Apesar de inicialmente a avaliação de programas ter-se preocupado em pesquisar se os programas atingiam os objetivos ou se os trata-mentos de políticas públicas eram efi cientes na cura de males coletivos, essa área de atividade tem evoluído bastante (Hellstern 1991). Pode até ser que hoje apenas uma minoria de profi ssionais da avaliação esteja de fato fazendo avaliação de programas. A posição adotada aqui é a de que o sentido central do conceito

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de avaliação de programas permanece sendo o “clássico”, e que, como demonstra a prática, os profi ssionais da avaliação estão cada vez mais engajados em trabalhos de auditoria de desempenho.

Uma terceira objeção seria quanto ao fato de que esse esquema conceitual tece uma caricatura da auditoria tradicional, considerando que a melhoria de efi ciência seria, de fato, uma das metas permanentes da auditoria. Caso algumas entidades de audi-toria tenham promovido a efi ciência como principal meta opera-cional da auditoria tradicional, trata-se de uma questão empírica. Nessa hipótese, a atividade de revisão desenvolvida por essa instituição deveria ser classifi cada como auditoria de desempenho ou como uma forma híbrida.

Essa linha de raciocínio leva à conclusão de que a auditoria de desempenho, na realidade, não se trata de auditoria. A auditoria de desempenho é, de fato, avaliação: ela envolve a produção ou a revisão de instrumental de julgamento, como, por exemplo, sobre o nível de otimização dos processos produtivos e do desenho dos programas. A auditoria, por outro lado, é uma forma de verifi cação (Chemlinksy 1985): ela envolve a comparação de critérios usual-mente aceitos com as transações realmente efetivadas e os sistemas implementados. A aplicação do instrumental de julgamento pode ser feita de forma a parecer uma verifi cação se a entidade que esti-ver realizando a auditoria de desempenho se estrutura como uma organização do tipo máquina burocrática e padroniza o trabalho da auditoria de desempenho. Nesse caso, os critérios aplicados pelos auditores de desempenho seriam conceitualmente regras de ouro (rules of thumb) e não normas compulsórias chanceladas por profi s-sionais da área, tais como as regras para efetuar transações ou para elaborar relatórios fi nanceiros.

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A expressão “auditoria de desempenho” é, portanto, um rótulo impreciso para o conceito nela embutido. Uma vez rotulada com esse nome, deve-se insistir que nada mudará o fato de que a denominação utilizada para o conceito inclui a palavra “audito-ria”. A refl exão sobre a auditoria de desempenho, contudo, não deve ser guiada por conotações da palavra “auditoria”, mas sim pelo sentido central do conceito como caracterizado por modelos cognitivos mentais interrelacionados como aqueles identifi cados na Tabela 1. Isso implica, mais especifi camente, que a auditoria de desempenho - como um tipo - não se encontra mais próxima da auditoria tradicional do que da avaliação de programa. Colocado de uma outra forma, a auditoria de desempenho não consiste em categoria subordinada, juntamente com a auditoria tradicional, à categoria mais ampla denominada “auditoria”.

Fonte e Qualidade dos Dados

Como preparação para recente simpósio sobre auditoria de desempenho, o Serviço de Administração Pública da OCDE con-sultou os órgãos centrais de auditoria dos países membros sobre os tipos de revisão governamental que eles realizavam, com ênfase naqueles que poderiam ser classifi cados como auditorias de desem-penho. As respostas dos órgãos de auditoria de treze países mem-bros foram resumidas no documento ofi cial do simpósio elaborado pelo secretário (Shand and Anand 1996: Apêndice). Este tópico irá utilizar essa fonte de informação para fi ns de análise empírica5.

5. O autor consultou ainda artigos escritos para o Simpósio pelos funcionários dos órgãos centrais de auditoria, muitos dos quais oferecem informações adi-cionais sobre as atividades de revisão de suas organizações.

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Dentre os treze países membros da OCDE que encami-nharam respostas, doze realizam tipos de revisão governamen-tal que poderiam ser classifi cadas como auditoria de desem-penho. Alguma forma de auditoria de desempenho é praticada nos países de língua inglesa da Europa, Oceania e América do Norte; em três países escandinavos; na França, Alemanha e Holanda. Com base no relatório encaminhado à OCDE, o Tribunal de Contas de Portugal aparentemente não realiza auditorias de desempenho (apesar de ter a competência legal para fazê-lo). Considerando o enfoque dado ao pedido de informações da OCDE, a ausência de manifestação por parte de alguns países-membros pode indicar que a auditoria de desem-penho não é realizada pelos órgãos centrais de auditoria na Dinamarca, Grécia, Itália, Japão, República da Coréia, México, Espanha e Turquia. Sem maiores informações sobre esses países, a tentativa de abordar a questão da presença ou ausência da auditoria de desempenho nos portfólios das atividades de revisão dos órgãos centrais de auditoria seria um esforço espe-culativo estéril.

Caberia observar, contudo, que se a falta de respostas for atribuída a não realização de auditoria de desempenho, essa informação seria amplamente consistente com outros padrões na administração pública. Doutrinas de administração pública voltadas para o desempenho têm conquistado espaços signifi -cativos nos países onde os órgãos centrais de auditoria procu-ram realizar trabalhos de auditoria de desempenho. A França e a Alemanha são os únicos países onde as burocracias nacio-nais são cépticas quanto às doutrinas administrativas voltadas ao desempenho, cujos órgãos centrais de auditoria ainda assim

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parecem realizar de desempenho6. Por outro lado, nenhum dos países que se absteve de responder à pesquisa da OCDE é conhecido como solo fértil para as idéias da nova gestão pública (com exceção da Dinamarca)7.

Variações encontradas na classifi cação das auditorias de desempenho

Considerando que apenas um país consultado respondeu que não realiza auditoria de desempenho, seria indicada uma abor-dagem de pesquisa comparada que verifi que as variações entre os casos estudados. Os relatórios dos países sugerem que alguns órgãos de auditoria central possuem “linhas de produtos” de audi-toria de desempenho limitadas enquanto que, em outros, elas são bastante diversifi cadas. Um passo preliminar para se identifi car as variações observadas entre os casos relatados seria o desen-volvimento de um esquema de classifi cação das auditorias de desempenho. Elas parecem variar conforme quatro dimensões-chave: unidade de análise, modalidade de revisão, abrangência da avaliação e foco do trabalho. Com base nas informações colhi-das no Simpósio da OCDE e em outras fontes, sete tipos de audi-toria de desempenho podem ser identifi cados e caracterizados nos seguintes termos: (veja Tabela 2)

6. Przeworksi (1987) poderia sugerir que esses casos garantem uma fi scalização rigorosa, vez que não guardam consistência com expectativas do tipo Bayesiana.

7. A coleta de informações de países que não responderam ao questionário per-mitira tecer fornecer observações capazes de confi rmar se a teoria de política pública e governança denominada “família de nações”, recentemente pro-posta, aplica-se ao domínio da gestão do setor público (Castles -1993).

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Auditorias de Efi ciência e de Efetividade de Pro-grama

A auditoria de efi ciência examina as funções organizacionais, os processos e os elementos de programa para avaliar se os insu-mos estão sendo transformados em produtos de forma otimizada, especialmente no que concerne aos custos. Essas auditorias usual-mente envolvem múltiplos auditados já que os processos normal-mente perpassam toda a organização, devido à centralização fun-cional na esfera do governo (e.g., em áreas administrativas como fi nanças, pessoal, compras, estoques, e tecnologia da informação), a descentralização administrativa e à contração direta do setor pri-vado.

A auditoria de efetividade de programa examina o impacto provocado pelos programas sobre os resultados fi nais. As conclusões às quais se chega são portanto semelhantes àquelas da avaliação de programas, mas a utilização de métodos de pes-quisa de ciências sociais para se alcançar conclusões é mais limi-tada. Além disso, as auditorias de efetividade de programa preocu-pam-se mais com a avaliação de elementos pontuais do programa do que a avaliação de programa, na qual o objeto da avaliação consiste no programa como um todo. Um caso especial de audito-ria de efetividade de programa é a avaliação da qualidade de ser-viço8.

8. Com efeito, considera-se os objetivos dos programas, nesse caso, como sendo defi nidos no estágio de produto e não no de impacto.

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Auditoria de Capacidade de Gerenciamento de Desempenho

A auditoria de capacidade de gerenciamento de desempe-nho busca avaliar se o auditado tem capacidade para gerenciar processos e programas de forma efi ciente e efetiva9. O objeto da avaliação - capacidade de gerenciamento do desempenho - não é claramente observável10. As inferências sobre a capacidade são sempre obtidas ao observar-se a estrutura e os procedimentos de determinado órgão. Essa modalidade de auditoria pode avaliar se um auditado implementou um processo orçamentário orientado para resultados conforme determinação dos órgãos centrais; ou pode ainda examinar se um auditado realizou avaliações roti-neiras da efetividade de seus próprios programas ou se desen-volveu um sistema de gerenciamento de desempenho adequado, contemplando os objetivos organizacionais, os objetivos em nível de unidade, indicadores de desempenho específi cos, rotinas

9. Esse subtipo partilha algumas propriedades com o conceito de auditoria sistêmica que aparece em Shand e Anand (1996), Glynn (1996), Leeuw (1996) e Hepworth (1996). Os autores acima citados consideram que as auditorias de capacidade de desempenho seriam subtipo de auditoria sistêmica, cuja pro-priedade principal seria que o julgamento substantivo não é passado à efe-tividade dos programas ou à efi ciência de processos específi cos. Esses auto-res entendem que as auditorias sistêmicas, por sua vez, tem propriedades em comum com as auditorias em geral. Essa posição é contrária àquela aqui assumida, que não considera as auditorias de desempenho como um tipo de auditoria, como discutido no tópico anterior.

10. Os problemas de pesquisa encontrados na tentativa de inferir uma capaci-dade são discutidos em Weaver e Rockman (1993, 6).

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de mensuração de indicadores de desempenho, sistemas de informação gerencial bem como procedimentos para a avaliação de desempenho setorial e individual. A formação de juízo de valor sobre a capacidade de desempenho gerencial é extremamente afe-tada pela fi losofi a de gestão pública que prevalece no órgão audi-tor, em particular, ou no governo nacional. Como discutido ante-riormente, cada corrente doutrinária - como gestão responsável, gestão da qualidade total e doutrina das “organizações que apren-dem” - tem sua visão particular sobre quais confi gurações ou práticas permitem às organizações públicas serem gerenciadas de forma orientada para o desempenho.

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Outros tipos de Auditoria de Desempenho

As auditorias de informações de desempenho verifi cam a precisão de informações não-fi nanceiras geradas pelas próprias enti-dades examinadas. O órgão revisor não avalia a economia, efi ciência ou efetividade de uma organização ou programa, mas sim formula um parecer sobre a veracidade das informações de desempenho for-necidas às instâncias superiores. Esse tipo de auditoria de desem-penho facilita um processo de padronização da avaliação organiza-cional realizada pelos “usuários” das informações de desempenho auditadas, como altos funcionários da área orçamentária e formu-ladores de políticas públicas. Como a verifi cação da informação relatada é a principal função desse tipo de auditoria, a modalidade de revisão predominante é a auditoria e não a inspeção. As audito-rias de informações de desempenho não representam, portanto, um “caso típico” do conceito de auditoria de desempenho.

As revisões da melhor prática de gestão identifi cam onde um dado tipo de função está sendo desempenhada de forma excepcio-nal e procuram discernir as razões daquele sucesso relativo. O objeto típico dessa avaliação é uma função desenvolvida em um grande número de organizações como, por exemplo, radiologia no setor hospitalar, ou um processo genérico como a aquisição de tec-nologia da informação. O processo de coleta e análise de dados, por meio de critérios de avaliação pré-estabelecidos, orienta-se por métodos de pesquisa em ciência social. Esses métodos são utiliza-dos presumivelmente para identifi car os fatores, como métodos e procedimentos, responsáveis pelos resultados positivos. Diferen-temente do “caso típico” de auditoria de desempenho, a principal modalidade de revisão envolvida nos estudos da melhor prática de

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gestão é a pesquisa. A utilização dada aos resultados dos estudos de melhor prática depende da estratégia organizacional do órgão central de auditoria. A Comissão de Auditoria do Reino Unido para a Inglaterra e País de Gales (UK Audit Comission for England and Wales) - bastante conhecida por essa modalidade de estudo - publica e distribui seus relatórios. Além disso, a função de plane-jamento de auditoria, seguindo o modelo burocrático, traduz seus achados em critérios a serem utilizados por auditores na realização de auditorias de programa e de efetividade (conhecidas, no Reino Unido, como auditorias de value-for-money)11.

As avaliações de risco indicam aos formuladores de políti-cas públicas e gerentes do alto escalão os graves problemas que podem advir caso um programa seja mantido na mesma linha da operação. As avaliações de risco são mais orientadas para o futuro do que a maioria das auditorias de desempenho, são entretanto, no aspecto conceitual, revisões ex-post, baseadas em informações sobre programas já em operação. Esse tipo de auditoria de desem-penho diferencia-se das auditorias de efetividade de programa na medida em que não necessita posicionar-se quanto à efetivi-dade do programa. O papel desse tipo de auditoria é o de iden-tifi car formas pelas quais os programas existentes podem sofrer interrupção no futuro e alertar os políticos e os gerentes quanto a essa possibilidade12.

11. Palestra proferida por Stephen Nicklen, Diretor de Auditoria da Comissão de Auditoria da Inglaterra e País de Gales, proferida na London School of Eco-nomics, em maio de 1996.

12. Entrevista com Gerald Pedersen, Assistente do Inspetor Geral, Ministério do Trabalho dos Estados Unidos, Washington, DC, maio de 1993. Trodden (1996) menciona o mesmo conceito.

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As revisões gerais de gestão avaliam organizações em vez de programas. Quando essas revisões vão além das auditorias de desempenho da capacidade gerencial, elas geralmente buscam as causas signifi cativas para problemas ou sucessos persistentes na esfera do desempenho dentro de uma gama de atividades de um programa. As revisões gerais de gestão conduzidas pelo GAO no Ministério da Habitação e Desenvolvimento Urbano são um exemplo13.

Explicando as freqüências

Esses conceitos foram utilizados para tabular informações sobre a realização de auditorias de desempenho14. Três tipos de auditoria de desempenho são amplamente disseminados. As audi-torias de efi ciência são as mais freqüentes, seguidas pelas audito-rias de capacidade de gerenciamento de desempenho e pelas audi-torias de efetividade de programa. As auditorias de informação de desempenho são realizadas por um número mais reduzido

13. A revisão geral de gestão tem sido um tipo de auditoria de desempenho rea-lizado pelo GAO. Para uma breve discussão sobre o tema, veja NAPA (1994).

14. As informações que indicam que o órgão central de auditoria estaria auto-rizado a realizar um tipo de auditoria de desempenho, mas não a realizou, foi codifi cada como se a linha de produtos dessa EFS não incluísse esse tipo de auditoria de desempenho. Quando um país membro possui mais de um órgão responsável pela auditoria governamental, como ocorre nos países escandina-vos, aquele com a maior capacidade operacional foi considerado o órgão cen-tral de auditoria para fi ns da análise aqui conduzida.

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de órgãos de auditoria, mas estão tornando-se cada vez mais freqüentes. Assim, as auditorias de efi ciência são desenvolvidas por quase todos os órgãos centrais de auditoria, as auditorias de capacidade de gerenciamento do desempenho por dois terços, as auditorias de efetividade de programa por cerca de metade e as auditorias de informações de desempenho por cerca de um quarto dessas instituições. (Tabela 3)

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Tabela 3Principais tipos de auditoria de desempenho por país

Auditoria Auditoria de Auditoria de Auditoria de de efetividade capacidade de informações efi ciência de programa gerenciamento de do desempenho desempenho

Austrália V V V

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França V V

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Reino Unido V V

Estados Unidos V V V

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Esse padrão de freqüências observado guarda alguma consistência com as teorias mais comuns de comportamento buro-crático que enfatizam a resistência às mudanças institucionais e a preferência por autonomia organizacional. As auditorias de efi ciência não implicam uma reformulação radical da missão, do papel e da estratégia organizacional dos órgãos de auditoria. A efi ciência tem sido considerada um valor fundamental em todos os órgãos de auditoria com exceção daqueles mais legalistas15. Existe o entendimento de que avaliações de efi ciência não constituem ou implicam avaliação de política governamental - uma crença que tende a garantir a autonomia institucional. Os órgãos de auditoria que realizam auditoria de efi ciência podem continuar recrutando seus técnicos dentro do mesmo grupo limitado de profi ssionais; estruturar as tarefas dos auditores de forma semelhante e manter normas similares de relacionamento profi ssional com os órgãos auditados. Mesmo se as rotinas se distanciarem um pouco do modelo tradicional de trabalho, o corpo técnico pode, ainda assim, sentir-se seguro pois a missão e o papel do órgão de auditoria per-manecem estáveis.

A ampliação da missão do órgão fi scalizador está implícita, em certa medida, nas auditorias de capacidade de gerenciamento do desempenho. Com efeito, nesse caso, a missão dos órgãos de auditoria passa a incorporar, de forma incisiva, o conceito da boa gestão defi nida de forma mais abrangente, não se limitando sim-plesmente à boa prática administrativa defi nida de forma espe-

15. Até mesmo na Alemanha, um dos países mais legalistas, a efi ciência tem sido considerada meta prioritária por décadas.

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cífi ca. Mas a auditoria da capacidade de gerenciamento do desem-penho não necessariamente afeta o papel tradicional do órgão de auditoria16. Dentro da dicotomia política/administração, a capaci-dade de gestão do desempenho é conceitualmente uma questão administrativa, já que diz respeito à implementação de políticas e não ao mérito ou efetividade dessas políticas. Além disso, na prática, as conclusões da auditoria de capacidade de gerencia-mento do desempenho não são tão politicamente sensíveis, já que não se relacionam à efetividade dos programas de política econômica, social, ambiental, de defesa ou cultural. Assim, os riscos para a autonomia organizacional são moderados, a única ameaça consiste na possibilidade de a organização não ser vista como tendo a competência técnica apropriada para desenvolver esse tipo de auditoria.

A expansão das linhas de produto para incluir as auditorias de efetividade de programa, por outro lado, amplia a missão, o papel e a estratégia organizacional dos órgãos de auditoria de orientação tradicional17. Nesse caso, a missão é concebida em termos mais amplos e abstratos. Surge a demanda pela contratação de empregados dentre um grupo mais diversifi cado de profi ssio-nais, incluindo aqueles da área de ciência de gestão e de avaliação governamental, bem como pelo desenvolvimento de novas rotinas para vários processos de trabalho. Ademais, o que é mais impor-tante, a ênfase no aspecto administrativo da dicotomia política/

16. O mesmo aplica-se às auditorias sistêmicas, categoria já discutida na nota n°9.

17. Isso foi discutido sobre o GAO no período de 1960 e 1970 (Walker 1986).

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administração afeta o papel tradicional da entidade. Como os resultados das auditorias de efetividade de programa tendem a ser mais suscetíveis a questionamentos de natureza política, o órgão de auditoria corre assim o risco de ser envolvido em questões políticas que podem ameaçar sua autonomia organizacional.

As teorias da resistência burocrática à mudança e da preferência pela autonomia são portanto consistentes com a freqüência relativa das auditorias de efi ciência, de capacidade de gerenciamento de desempenho e de efetividade de programa. Esses fatores, contudo, não explicam porque as auditorias de informações de desempenho são realizadas por relativamente poucos órgãos de auditoria. Esse tipo de auditoria de desempe-nho envolve uma discreta ampliação da missão, mudanças mar-ginais na estratégia organizacional e nenhuma mudança no papel institucional. A explicação parece estar no fato de que as audi-torias de informações de desempenho são realizadas nos países onde os governos assumiram compromissos doutrinários com uma administração pública orientada a resultados e encontram-se no processo de construção de sistemas e procedimentos de revisão e elaboração orçamentária fundamentados nessa idéia (Suécia). Assim, o ambiente organizacional parece oferecer um fator geral de explicação para a freqüência dos diferentes tipos de auditoria de desempenho.

Explicando as Variações

A tabela 3 oferece informações sobre o resultado das decisões concernentes à composição das linhas de produto em treze países. Observa-se que uma linha de produto mais extensa de auditoria

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de desempenho - incluindo as mais politicamente sensíveis audi-torias de efetividade de programa - ocorre em cinco países: Aus-trália, Alemanha, Holanda, Suécia e Estados Unidos. Partilham esses países de propriedades comuns às quais pode-se atribuir a ocorrência dos resultados mais freqüentes?

Nesse ponto, faz-se necessário recorrer à teoria para identi-fi car essas propriedades. A teoria do gerenciamento estratégico presta-se a essa tarefa, já que lida com a forma pela qual a organização se posiciona dentro de seu ramo de atividade indus-trial e do mercado de seu produto. As variantes dessa teoria para o setor público lidam, analogamente, com a forma pela qual as competências de uma entidade, sejam elas estatutárias ou informais, são criadas e modifi cadas (e.g., Selznick 1957, Derthick 1979, Wilson 1989, Mashaw and Harfst 1990). Abor-dagens sistêmicas da teoria de gerenciamento estratégico enten-dem que as decisões tomadas pelos executivos não só levam em consideração as variáveis estruturais como são fortemente delimitadas por elas18. No caso de entidades públicas, essas variáveis estruturais incluem padrões de relacionamento entre

18. Outros tipos de teoria de gestão estratégica, de acordo com o prático esquema de classifi cação de Whittington´s (1993, 2), são a clássica, a pro-cessual e a evolutiva. Desses tipos, a mais centrada no ator e voluntarista é a abordagem clássica, associada com Chandler (1982) e Andrews (1971). Bons exemplos no setor público seriam Moore (1995) e Heymann (1987). Se a concepção da presente pesquisa tivesse considerado um número menor de casos em maior profundidade, a escolha das propriedades relevantes poderia ter sido guiada pela teoria clássica de gerenciamento estratégico, enfatizando as variáveis internas como compromissos doutrinários dos executivos, metas de política e aspectos ambientais. Para uma discussão geral da complexidade dos diferentes tipos de modelos de políticas públicas, veja Lane (1990).

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executivo e legislativo, o regime político, o status constitucional da organização em análise, as relações com clientes e eleitores, as preferências políticas e doutrinárias de grupos de interesse externos e internos; o posicionamento mercado/indústria, bem como a atuação de outras entidades na mesma área organizacional (Weaver and Rockman 1993, Moore 1995).

Dentre os cinco casos que apresentam o mesmo resultado, vários possuem um padrão de relacionamento legislativo/executivo parlamentarista e apenas um enquadra-se no modelo de separação de poderes. Ao menos nesse nível de classifi cação geral, reina a diversidade. Não existe também uma uniformidade aparente no status constitucional dos órgãos de auditoria. Na Suécia, o órgão central de auditoria (RRV) vincula-se constitucionalmente ao exe-cutivo. Nos Estados Unidos, o GAO integra o poder legislativo. Na Austrália, na Alemanha e na Holanda, o órgão central de audi-toria posiciona-se, em nível constitucional, fora da esfera do legislativo e do executivo. Assim, se o padrão de relacionamento executivo/legislativo infl uencia os resultados, isso não ocorre de maneira tão simples ou direta19.

O padrão de relacionamento com os principais clientes também não apresenta uniformidade. Em razão de seu posiciona-mento dentro do sistema governamental, a EFS sueca tem como principal cliente o Ministério das Finanças, ao qual essa entidade está administrativamente vinculada, ao passo que os clientes prin-cipais do GAO são as comissões e as subcomissões parlamentares

19. Os achados das pesquisas comparativas baseadas em análise de casos têm sempre essa característica. Ragin (1987,49) atribui esse padrão à prevalência de causas conjunturais múltiplas.

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do congresso americano. O Tribunal de Contas da Alemanha apa-rentemente tem clientes tanto no poder legislativo quanto no exe-cutivo, sendo que o maior fl uxo de troca de informações e apoio ocorre com a comissão de orçamento da câmara baixa do Parla-mento e sua subcomissão de contas públicas, de natureza não-partidária. (Zavelberg, 1995). Esses países têm em comum o fato de que seus órgãos centrais de auditoria possuem clientes podero-sos, seja na esfera política ou administrativa.

Nos casos da Alemanha e Estados Unidos, o relacionamento executivo/legislativo favorece uma extensa linha de produtos de auditoria de desempenho. Em nenhum desses casos, os processos legislativos, incluindo a alocação de recursos orçamentários, são dominados pelo executivo (Dahl 1981, 127; Paterson and Sou-thern 1991, 122). O fato de o órgão central de auditoria ser consi-derado parte do poder legislativo ou independente de instituições políticas parece não ter maiores conseqüências; tanto o GAO como a EFS alemã estabeleceram relacionamentos, em nível de cliente, não apenas com órgãos do legislativo relacionados à pro-bidade e efi ciência, mas também com unidades que lidam com temas politicamente relevantes, como a Comissão de Orçamento do Bundestag (parlamento alemão)20. Os clientes desses órgãos

20. As formas de relacionamento do GAO com seus clientes consistiram em uma evolução natural decorrente do posicionamento da EFS no poder legisla-tivo, determinado pelo Budget and Accounting Act, de 1921. A diversifi cação, que representou o afastamento das auditorias tradicional e de efi ciência, foi parte de uma decisão estratégica tomada nos anos 60 (Walker 1986) que neces-sariamente contou com apoio parlamentar. O desenvolvimento da “parceria” entre o Tribunal de Contas da Alemanha e a comissão de orçamento do Bundes-tag seria interessante ser explorado.

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de auditoria não têm maiores problemas em desafi ar a dicotomia política/administração. Se essas EFS quiserem efetivamente aten-der a esses clientes poderosos, terão naturalmente que fazer dessa dicotomia uma construção mental menos importante para a sua identidade profi ssional e organizacional. Assim, essa forma parti-cular de relacionamento com o cliente, condicionada pelo padrão geral de relacionamento executivo/legislativo, parece ser sufi ciente para superar as pressões sobre a extensão do papel institucional das EFS, advindas da realização de auditorias de efetividade de programa.

Em certa medida, o caso da EFS da Suécia assemelha-se à situação dos EUA e da Alemanha, a despeito do maior poder exer-cido pelo executivo sobre o legislativo daquele país. O domínio do executivo sueco sobre o legislativo explica porque o impor-tante órgão central de auditoria está situado no âmbito do execu-tivo. Esse posicionamento, portanto, enseja um relacionamento de cliente com o Ministério das Finanças. Os funcionários da área de orçamento e o governo que eles servem, como as comissões legis-lativas da Alemanha e dos EUA, aparentemente não se preocupam com a dicotomia política/administração. A EFS da Suécia parece seguir no mesmo caminho.

Será que o padrão de relacionamento entre fatores explica os resultados nos casos em que a linha de produtos é mais limitada? Esse parece ser o caso da Nova Zelândia, onde as auditorias de efetividade de programa não são realizadas pelo órgão de audito-ria (NZ-OAG - Offi ce of the Auditor General). O sistema gover-namental da Nova Zelândia é dominado pelo executivo e a EFS está constitucionalmente vinculada ao Parlamento. Os governos aparentemente não vêm com bons olhos o escrutínio parlamentar

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do tipo proporcionado pelas auditorias de efetividade de programa - e eles têm o poder de fazer valer seus interesses. A situação do Canadá é semelhante. O independente Gabinete do Auditor Geral não possui mandato legal para realizar auditorias de efetividade, isso se deve ao domínio do executivo sobre o Parlamento. Na condição de órgão independente, a EFS do Canadá mostra-se bas-tante cuidadosa para não ultrapassar esse limite legal.

No que tange ao relacionamento executivo/legislativo, a situação do Reino Unido não guarda consistência com esse padrão. O NAO é formalmente um órgão independente cuja autoridade máxima é um funcionário do Parlamento. O seu cliente mais importante é a PAC (Public Accounts Committee - Comissão de Contas Públicas do Parlamento) em um regime no qual normal-mente há forte relação de domínio do executivo sobre o legisla-tivo. Mesmo assim, o NAO realiza auditorias de efetividade de programa. Na realidade, esse caso, aparentemente discrepante, é mais consistente com o padrão mencionado do que parece à pri-meira vista. A principal razão consiste no fato de que as audito-rias de efetividade de programa, de certa forma, iludem o olhar do observador. Essas auditorias não devem questionar o mérito de políticas públicas, exigência que se coaduna com a competência legal do cliente do NAO na esfera legislativa, a Comissão de Contas Públicas. O mandato legal para a realização de auditorias de efetividade de programa é limitado pela imposição de condições que são mais diretamente relacionadas a aspectos operacionais do que a temas que afetem a dicotomia política/administração. Dentre essas condições, encontra-se um conjunto de normas de procedimento para o planejamento de auditoria e elaboração de relatórios. Esse conjunto de normas prevê que o NAO obtenha

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a concordância prévia dos ministérios com termos de referência que estabelecem a abrangência do estudo e, na outra ponta do processo, com o conteúdo do relatório fi nal. Apesar de os órgãos auditados poderem impedir a publicação dos relatórios das audi-torias de efetividade de programa (assim como as de efi ciência), o NAO reserva-se no direito de relatar seus achados à Comissão de Contas Públicas em caráter reservado. Essa ação pode resultar em audiências abertas nas quais os membros da Comissão tomam depoimentos do ministro ou de outros funcionários do governo21. Desprezando e equilíbrio de forças entre os poderes, as normas de procedimentos e as condições para a realização das auditorias conferem ao executivo uma infl uência atípica sobre os termos de referência e sobre a divulgação das observações das auditorias de efetividade de programa. As características desse tipo de audi-toria no Reino Unido, cujos relatórios são adaptados e possivel-mente amenizados, fazem com que os resultados das auditorias de efetividade de programa naquele país pareçam ser menos diferen-tes daqueles observados na Nova Zelândia e no Canadá. Conside-rando que os sistemas de governo nesses países são semelhantes, essa análise mais detalhada da situação no Reino Unido tende a

21. Entrevistas com funcionários anônimos do NAO, Londres, março de 1993. Para um estudo de caso do processo de trabalho do NAO, veja Roberts e Pollitt (1994). Eles relatam que: “Todos os relatórios de auditoria do tipo value-for-money do NAO têm que ser aprovados pela autoridade máxima do NAO quanto pelo Secretário - Geral do órgão auditado. Entretanto, esse relatório espe-cífi co levou um longo tempo para ser aprovado... Houve nove minutas antes que o documento fosse fi nalmente aprovado e liberado para publicação em outubro de 1991” (p. 534)

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confi rmar (com nuances) o quadro explicativo aqui desenvolvido que emerge da análise comparativa de variações observadas22.

Questões Estratégicas de Implementação

A questão que se impõe aos órgãos de auditoria que rea-lizam auditorias de desempenho é defi nir como devem avaliar as organizações e os programas, e não se devem fazê-lo. As avaliações conduzidas na modalidade auditoria consistem em resultados de processos consecutivos da organização, intencional-mente destacados, que podem ser classifi cados como: processos de defi nição e processos de aplicação de critérios. A defi nição de critérios é o processo de estabelecer regras de ouro que se aplicam a amplas categorias de organizações, funções ou progra-mas. A aplicação de critérios consiste no processo de comparação de aspectos de organizações, funções ou programas específi cos com as normas geralmente aceitas. A tarefa dos responsáveis pela defi nição de critérios consiste em formular diretrizes instrumen-tais para uma ampla categoria de casos. A tarefa dos encarregados da aplicação desses critérios é, por sua vez, de determinar se um caso particular guarda conformidade com as normas gerais pré-defi nidas. A partir da observação da conformidade ou discrepância

22. O país que mais provavelmente questionaria esse padrão seria a Austrália. O sistema de governo no nível federal sofre grande infl uência do modelo de Westminster (inglês), e a EFS australiana não está inserida no poder execu-tivo. Entretanto, a ANAO realiza auditorias de efetividade de desempenho. Um estudo de caso sobre a Austrália seria recomendável, tomando como base as críticas metodológicas de Przeworksi.

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de determinado procedimento com as normas gerais, o órgão de auditoria faz uma inferência para chegar a um juízo de valor. Con-tudo nenhum agente individual está autorizado a determinar quais seriam os procedimentos avaliados ou a defi nir as normas gerais.

Outras modalidades de avaliação envolvem a fl exibilização de várias características determinantes da modalidade auditoria. Primeiramente, a abrangência dos critérios pode ser mais limitada. Os critérios, por exemplo, podem ser mais específi cos, derivados dos objetivos dos programas ou das organizações. Os critérios intencionalmente defi nidos para ultrapassar o nível de desempe-nho observado de uma organização têm uma abrangência igual-mente limitada. Em segundo lugar, os critérios podem não ser de fato regras de ouro, mas sim consistir em uma função ou cri-tério objetivo (como custo de minimização) ou um procedimento para calcular os valores de variáveis relevantes (como os custos fi xos e outras formas de desenvolver a mesma função). As revisões com enfoque na efi ciência (Metcalfe and Richards 1990) sempre empregam essas normas de procedimento genéricas em vez de “regras de ouro” (rules of thumb). Finalmente, os responsáveis pela aplicação dos critérios podem ter o poder discricionário não apenas de relevar algumas normas gerais mas também de defi nir quais delas se aplicam ao caso concreto. Essas três formas de desvio da modalidade auditoria permitem a adaptação dos julga-mentos avaliativos às particularidades de cada caso.

As diferenças entre a auditoria e outras modalidades de avaliação podem ser analisadas como diferenças entre processos decisórios fundamentados em “regras de ouro” (rules of thumb) e aqueles específi cos para cada caso - uma diferenciação usual na teoria administrativa (Mashaw 1983, Hood 1986, Schauer 1991).

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Um processo decisório governado por “regras de ouro” normal-mente consegue restringir o exercício do poder discricionário com sucesso, mas ao custo de comprometer a otimização dos resulta-dos (Schauer 1991, 100-2). Isso se deve à tensão entre o particu-lar e o geral: as normas podem ser apropriadas a toda uma catego-ria de organizações, mas a aplicação de regras pode redundar em decisões piores do que aquelas obtidas caso o conhecimento por trás da norma (ou, de forma equivalente, a justifi cativa por trás da regra) fosse empregado ao se lidar com um caso particular. Uma única vantagem do processo decisório orientado por regras con-siste na internalização de controles: como ninguém tem o poder de defi nir os critérios e de aplicá-los ao mesmo tempo, o poder, em nível individual, é minimizado (Schauer 1991, 158-62). A organização pode alegar que suas decisões, nesse caso, seus pare-ceres de auditoria, têm como atributos a consistência e a objeti-vidade. Em suma, a redução do nível de otimização das decisões deve ser compensada por uma reputação de objetividade. Assim, não existe uma modalidade ideal de operação para se realizar as auditorias de desempenho.

Doutrinas de gestão pública podem infl uenciar a compensação desses valores. Algumas doutrinas de gestão pública ressaltam as conseqüências adversas de se adotar critérios do tipo funda-mentado em regras que se prestam a abarcar amplas classes de situações; ao mesmo tempo, essas teorias advogam que grandes benefícios podem ser obtidos ao permitir que funcionários envol-vidos diretamente nas atividades empreguem seu conhecimento técnico, sabedoria gerencial e valores orientados a resultados de forma sensata no caso concreto. A aceitação da doutrina “pós-burocrática” (Barzelay 1992) ou a da “nova gestão pública” (Hood

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and Jackson 1991) fragiliza a opção pela avaliação do tipo padrão e fortalece a causa da auditoria de desempenho feita sob-medida.

Tais doutrinas, quando aplicadas à auditoria de desempenho, podem ser criticadas por não considerarem as conseqüências nega-tivas de se expor a EFS à acusação de que suas avaliações são questionáveis e arbitrárias23. Para se fazer uma análise adequada da escolha da modalidade de operação, deve-se levar em consideração os riscos que esses desafi os podem acarretar aos órgãos centrais de auditoria. Nesse ponto, a análise da implementação das decisões aproxima-se da análise política da auditoria de desempenho desen-volvida na sessão anterior.

Um órgão de auditoria está menos sujeito a esse tipo de crítica quando serve a um cliente poderoso do legislativo ou executivo ou se conseguiu construir alianças de apoio efi cazes. Enquanto os clientes ou os aliados não oferecerem resistência ao exercício da atividade de julgamento em uma modalidade relativamente espe-cífi ca, o órgão de auditoria pode estar protegido de ameaças mais sérias. A opção pela auditoria como uma modalidade de avaliação é, assim, menos problemática nessas circunstâncias do que quando uma EFS está preocupada, com toda propriedade, em salvaguar-dar a legitimidade das conclusões da auditoria de desempenho

23. Essa posição é defendida em outro contexto por Marshaw (1983), que reconhece os potenciais défi cits de legitimidade de três processos de decisão genéricos, incluindo os modelos particularistas de tratamento profi ssional e julgamento moral (ou equidade). Sloan (1995) afi rma que alguns interessa-dos nos trabalhos de auditoria de desempenho irão exigir garantias quanto à observação do devido processo legal, à imparcialidade ou integridade da auditoria, e ele acredita que alguns tentarão ainda usar a justiça para obter informações reservadas dos processos de auditoria de desempenho.

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bem como acredita que a realização de auditorias seja essencial para demonstrar que suas conclusões são consistentes e objeti-vas24

Se um órgão de auditoria assume o compromisso estratégico de adotar modalidades de avaliação de natureza específi ca, o dilema estratégico está resolvido, mas a tensão subjacente às duas modalidades não desaparece. Os valores de legitimação sobre os quais esses órgãos compostos por agentes públicos detentores de cargos não-eletivos se fundamentam são a imparcialidade, a capacidade técnica e o desempenho. Para garantir sua legitimi-dade, a alta administração desses órgãos precisa incorporar, em suas organizações, elementos estruturais que demonstrem que tais valores permanecem válidos independentemente de o processo de auditoria ser do tipo padronizado ou fundamentado em regras (Meyer and Rowan 1977). A Corte de Contas da França demonstra sua capacidade técnica ao recrutar funcionários entre os melhores alunos da Ecole Nationale d´Administration (Escola Nacional de Administração). O GAO, por sua vez, demonstra sua capacidade técnica por meio de um processo aparentemente rigoroso de con-trole de qualidade, no qual diferentes funcionários, como, por exemplo, o economista chefe, revisam as minutas de relatório de auditoria de desempenho antes de sua liberação para divulgação (NAPA 1994). O NAO mostra sua imparcialidade ao enfatizar o seu relacionamento, em nível de cliente, com a Comissão de Contas Públicas, de caráter não-partidário.

24. Algumas estratégias para administrar o problema retórico de demonstrar neutralidade e capacidade técnica são discutidos em Robert (1995).

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Em suma, existe um sistema de compensações (trade-off), de natureza técnica, entre a modalidade auditoria de desempenho padronizada e aquela feita sob medida. As doutrinas de gestão pública podem infl uenciar visões sobre as vantagens técnicas rela-tivas das diferentes modalidades, sendo que as idéias da Nova Gestão Pública favorecem aquelas de natureza mais específi ca, do tipo feita sob medida. Entretanto, a legitimidade da instituição é outro aspecto a ser considerado. Imparcialidade, capacidade técnica e profi ssionalismo são valores de legitimação universais para todos os órgãos de auditoria. As pressões institucionais para se demonstrar que tais valores são observados internamente não levam necessariamente à adoção da modalidade auditoria na audi-toria de desempenho. A escolha depende das preferências dos clientes dos órgãos de auditoria, da tolerância dos que conduzem os trabalhos de auditoria para com o envolvimento institucional em controvérsias políticas e da habilidade para se adotar estraté-gias compensatórias para ocupar vácuos de legitimidade.

Accountability & Melhoria do Desempenho

A julgar pelas respostas encaminhadas por alguns res-ponsáveis pela execução da atividade de auditoria, um segundo tema estratégico seria a conveniência de se gerenciar o processo de auditoria de desempenho de forma a contribuir diretamente para a melhoria do desempenho do órgão auditado. A alternativa usual seria limitar-se a fortalecer os laços de accountability entre os dirigentes governamentais e seus agentes burocráticos (Stewart 1984), dando ênfase aos resultados e não aos insumos e proce-dimentos. A política organizacional nessa matéria tende a afetar o

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procedimento e estilo dos trabalhos em cada estágio do processo de auditoria de desempenho, incluindo o planejamento, a execução e a elaboração do relatório. Suponha-se que um órgão de auditoria estabeleça como meta a melhoria do desempenho e acredita que as organizações devem possuir soluções de implementação próprias. Essa posição deveria ao menos valorizar a realização de consul-tas junto aos auditados, talvez até mesmo junto àqueles inseri-dos em estruturas burocratizadas. Essas consultas podem contem-plar termos de referência para a auditoria, validação de dados e inferências sobre o desempenho, identifi cação de causas de pro-blemas de desempenho e a busca de suas soluções. Assim, para se atingir o objetivo de promover a melhoria do desempenho, parece necessário o estabelecimento de uma relação mais próxima entre auditores e auditados do que aquela tradicionalmente obser-vada (Trodden 1995)25.

O compromisso com a melhoria do desempenho parece ser pouco freqüente, apesar de os dados sobre esse tema não terem sido colhidos de forma sistemática neste estudo. Com essa pre-missa, passamos a desenvolver argumentos explicativos referen-tes a modelos de processos institucionais típicos (Scott 1995). Um tipo de explicação possível é de natureza normativa: a cate-goria profi ssional de auditores públicos exerce pressão normativa para limitar o papel da EFS àquele de fortalecimento dos laços de accountability, já os profi ssionais da área de avaliação pública adotam tal postura para restringir-se a dizer a verdade ao poder.

25. O mesmo pode ser dito para o padrão tradicional de avaliação.

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O outro lado da moeda consiste na aceitação de que a gestão da mudança é função e responsabilidade dos níveis gerenciais. Outro tipo de explicação é de natureza cognitiva: a maioria dos res-ponsáveis pela condução de trabalhos de auditoria atua com base em modelos mentais de mudança organizacional onde a opinião pública é poderoso fator de pressão. Uma terceira explicação seria de natureza regulamentar: o processo de alocação orçamentária favorece órgãos de auditoria que produzem grande número de relatórios, de forma que, do ponto de vista do órgão controlador, os ganhos de desempenho nas organizações auditadas e nos pro-gramas públicos consistem em temas de menor relevância.

O mesmo tipo de argumentação pode ser utilizado para expli-car o que parece ser o resultado atípico: o compromisso com a melhoria do desempenho. De um ponto de vista normativo, um órgão de auditoria pode seguir uma linha doutrinária particular, como aquela advogada pela escola denominada empowerment (delegação de competência) (Johnson 1992). De um ponto de vista cognitivo, um órgão de auditoria pode ver a realização de consul-tas aos auditados como uma forma natural de administrar confl itos surgidos no processo da auditoria de desempenho - ou seus fun-cionários podem incorporar princípios da gestão pela qualidade total. Sob a ótica legal, o órgão de auditoria pode ser premiado por redirecionar recursos da auditoria tradicional de regularidade para a auditoria de desempenho e por tornar-se um instrumento de políticas governamentais voltado à melhoria do desempenho do setor público.

De acordo com os trabalhos apresentados pelos órgãos de auditoria da OCDE, o compromisso com a meta de melhoria do desempenho é observado em dois casos: a EFS da Suécia e o Ins-

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petor Geral para o Departamento de Assuntos de Veteranos (US Offi ce of Inspector General), (Holmquist and Barklund-Larson 1996, Sandberg and Larsson 1996, Trodden 1996). Esses órgãos de auditoria estão situados no âmbito do poder executivo. Esse status institucional enfraquece o comprometimento com normas profi ssionais que demarcam claramente os papéis da auditoria e do gerenciamento. Presume-se que essa situação encoraje o órgão de auditoria a adotar os mesmos modelos cognitivos da gestão governamental professados por aqueles que exercem infl uência sobre a política de gestão público - nesses casos, o Ministério das Finanças e a Revisão Nacional de Desempenho, respectiva-mente. As idéias defendidas por esses agentes infl uentes são de natureza pós-burocrática e, ao menos nos Estados Unidos, guar-dam consonância com os princípios da melhoria contínua e da delegação de poderes aos funcionários. Mecanismos regulamenta-res, como o processo orçamentário, estimulam a ênfase na melho-ria do desempenho. Esses estudos de caso (Eckstein 1975) suge-rem que o compromisso com a melhoria do desempenho está asso-ciado à localização do órgão de auditoria no âmbito do executivo e à adesão aos princípios de gestão pela qualidade total.

Conclusões

A difusão de doutrinas de gerenciamento público orientadas a resultados vem-se refl etindo na institucionalização de novo tipo de atividade burocrática denominada “auditoria de desempe-nho”. Nem todos os tipos de revisão governamental que se enqua-dram dentro dessa ampla categoria são novidade, apesar de alguns deles, a exemplo das auditorias de informações de desempenho,

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serem de safra recente. A formulação dos conceitos nessa área do conhecimento ainda encontra-se indefi nida, em parte devido à competição jurisdicional existente entre profi ssionais importantes da área de revisão governamental: auditoria e avaliação. Análises conceituais isentas revelam que a auditoria de desempenho nor-malmente exige a formulação de instrumental de julgamento, e seria, portanto, uma forma de avaliação. Como a auditoria envolve verifi cação em vez de avaliação, a auditoria de desempenho con-siste em auditoria somente na denominação, mas não no con-ceito.

A institucionalização da auditoria de desempenho, como uma dimensão da atividade burocrática, afeta a atuação dos órgãos cen-trais de auditoria usualmente denominados Entidades Fiscaliza-doras Superiores (EFS). Essas organizações têm suas raízes na realização de auditorias tradicionais de regularidade com a fi nali-dade de promover a accountability de legalidade. Muitas delas já vêm realizando auditorias de efi ciência há algum tempo (um tipo de auditoria de desempenho). Várias EFSs têm diversifi cado suas ações de controle e avançado na área de avaliação de programa nas últimas décadas. Essas organizações enfrentam a questão da conveniência de expandir as atividades de auditoria de desempe-nho e assim realizar uma gama mais diversifi cada de estilos dessa espécie de auditoria. Dependendo da situação inicial em que se encontra a EFS, o compromisso com a auditoria de desempenho pode acarretar mudanças signifi cativas, em diferentes níveis da organização, incluindo a missão institucional, as identidades pro-fi ssionais, os procedimentos e o estilo de trabalho.

Este estudo utilizou dados sobre os órgãos centrais de audi-toria de treze países da OCDE para realizar uma investigação

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empírica sobre o tema. Da análise dos dados, observou-se que alguns tipos de auditoria de desempenho são mais freqüentes que outros, sendo que as auditorias de efi ciência são realizadas em mais países do que as de efetividade de programa. Esses resul-tados são consistentes com as teorias burocráticas de resistência a mudanças e de preferência por autonomia. As infl uências do ambiente externo, como o desenvolvimento de sistemas de gestão de desempenho envolvendo toda a esfera governamental, ajudam a explicar a freqüência das auditorias de informações de desem-penho. O presente trabalho procurou adotar uma abordagem de pesquisa orientada ao estudo de casos, recorrendo a teorias sistêmicas de gerenciamento estratégico para explicar as seme-lhanças entre os resultados da Austrália, Alemanha, Holanda, Suécia e dos EUA. Os órgãos centrais de auditoria nesses países realizam auditoria de efi ciência, auditorias de efetividade de pro-grama e auditorias de capacidade de gerenciamento de desem-penho. As análises desenvolvidas sugerem que os resultados nos quais a linha de produtos de auditoria de desempenho inclui audi-torias de efetividade de programa, mais susceptíveis de questiona-mentos de natureza política, ocorrem quando o órgão de audito-ria possui um relacionamento intenso com um cliente poderoso para o qual a dicotomia política/administração não é relevante. Exemplos desse tipo de clientes são o Congresso dos EUA, a Comissão de Orçamento do Bundestag na Alemanha e o Minis-tério das Finanças na Suécia. Independentemente do tipo de sis-tema de governo, o padrão de relacionamento executivo/legislativo é relevante principalmente por oferecer condições estruturais nas quais pode-se desenvolver, ou não, um relacionamento mais intenso entre o órgão de auditoria e seus clientes.

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Este trabalho abre novas perspectivas de análise da implementação de auditorias de desempenho. Uma questão que se impõe seria quanto a realizar a auditoria de desempenho do tipo padronizado/fundamentado em regras por um lado ou do estilo mais específi co observado nos modelos típicos de burocracias pro-fi ssionais (Mintzberg 1983, 189). Alguns órgãos de auditoria ado-taram a opção mais específi ca, enquanto compensam os défi cits de legitimidade previsíveis buscando incorporar valores de impar-cialidade, capacidade técnica e profi ssionalismo em suas estrutu-ras organizacionais. Um segundo ponto seria quanto à condução de auditorias de desempenho de forma a maximizar a probabili-dade de mudança nas organizações auditadas e, dessa forma, con-tribuir para a melhoria do desempenho no Setor Público. Com base nos dados disponíveis, parece mais provável que o órgão de auditoria assuma a responsabilidade pelos resultados esperados da auditoria de desempenho quando ele se posiciona dentro do poder executivo em um momento de forte compromisso gover-namental, ainda que apenas retórico, com a melhoria da gestão pública.

Notas

O autor agradece George Jones, June Pallot, Helen Perry, David Shand e dois revisores anônimos pelos comentários às versões preliminares. Este artigo refl ete trabalhos anteriores desenvolvidos pelo autor para o PUMA - Public Management Service da OCDE e publicado no documento Perfor-mance Auditing and the Modernization of Government (Auditoria de Desempe-nho e a Modernização do Governo - OCDE, 1996).

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Políticas de Gestão Pública para o Próximo Governo

Francisco Gaetani*

O futuro presidente a ser eleito no fi nal de 2002 a esta altura já sabe que vai encontrar uma situação econômica bastante delicada. Se desejar implementar suas promessas de campanha precisará dedicar boa parte de seu primeiro ano de mandato a promover ajustes quanti-tativa e qualitativamente diferentes dos que já vêm sendo feitos nos últimos anos da era FHC. Terá uma pequena janela de oportunidade para rever a estrutura do gasto público quando assumir e, eventual-mente, promover rupturas com o padrão incrementalista (no caso, decrementalista) dominante. A margem de manobra é mínima, mas o início de um novo mandato é sempre uma ocasião única para a redefi nição de prioridades, práticas e políticas.O fl uxo de políticas de gestão pública iniciado em 1995 perdeu seu impulso inicial desde a extinção do Ministério da Administração e Reforma do Estado, após a aprovação da mitigada emenda constitucional que promoveu uma reforma de aspectos organizacionais e trabalhistas da administração pública. Um novo impulso foi dado a partir de outra frente no início do segundo mandato, através da revitalização das práticas de plane-jamento que registraram um avanço histórico com a sistemática do Plano Plurianual (PPA) 2000-2003. A aprovação da Lei de Respon-

* Professor da PUC/MG.

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sabilidade Fiscal e o descoordenado boom das agências reguladoras complementam o legado das principais reformas em termos de políti-cas de gestão do setor público ocorridas nos oito anos de FHC.

O momento atual é de consolidação, balanço e preparação para o que virá a partir de 2003. A refl exão que se segue visa levantar alguns pontos que serão enfrentados no futuro próximo, de uma forma ou de outra, pelos futuros governantes, à luz de um balanço do que vem sendo feito nesta esfera. O texto está estru-turado em cinco partes: uma agenda compreensiva, escolhas com-plexas, o difícil começo das agências reguladoras, assuntos inaca-bados e a agenda histórica. Uma agenda compreensiva focaliza a necessidade de se buscar desenvolver uma compreensão articu-lada dos encadeamentos das reformas. Escolhas complexas refe-rem-se ao quase sempre árduo diálogo entre a área econômica e outros segmentos do governo, notadamente os envolvidos nas políticas sistêmicas de planejamento e gestão pública. O difícil começo das agências reguladoras refere-se aos mais ou menos improvisados arranjos regulatórios emergentes, no contexto do advento de um novo Estado Regulador. Assuntos inacabados dizem respeito às pendências relativas às inovações organizacio-nais promovidas nos últimos anos e suas conexões com proces-sos de gestão orientados para resultados e normas de accounta-bility. Finalmente, a agenda histórica trata dos avanços ocorridos em assuntos recorrentes como carreiras estratégicas, capacitação de recursos humanos, bases estatísticas e outros, pertencentes à problemática clássica da área. A conclusão indaga sobre como o futuro governo conduzirá a transição no sentido de não permitir que se perca o patrimônio de experiências ocorridas no período recente, uma vez que o conjunto de acertos e erros dos últimos

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anos constitui-se na melhor matéria- prima disponível para a formulação das novas políticas de gestão pública.

Uma Agenda Compreensiva

Quando Bresser Pereira e sua equipe apresentaram ao país o Plano Diretor da Reforma do Estado para consulta pública, no primeiro semestre de 1995, as duas principais reações observadas foram : perplexidade com o conteúdo abrangente das propostas e surpresa com o seu caráter compreensivo. Em 1999, quando defl a-grou-se o processo de elaboração do Plano Plurianual, a reação da burocracia foi de ceticismo com o fato do planejamento, que era considerado morto e enterrado, ressurgir rearticulado, mais bem estruturado e fortalecido por novas abordagens conceituais e metodológicas. Benefi ciados pela estabilização macroeconômica, empreendedores reformistas lançaram-se a um ousado esforço de se repensar e reformular as estruturas e processos do exe-cutivo federal. O caráter abrangente e compreensivo de ambas, no entanto, merece especial registro, no mínimo porque desde o início da década de setenta não se viabilizaram iniciativas desta natureza.

É razoável esperar a repetição de algo semelhante no próximo governo? A resposta, com base no passado recente, é não. Mesmo nos dois governos de FHC, tentativas articuladas de se atuar pró-ativamente na esfera das políticas de gestão pública não partiram de programas partidários, da pessoa do titular do executivo nem dos partidos da coalizão governante. Em ambos os casos o ímpeto e as idéias vieram de lugares surpreendentes: de um outsider (Bresser Pereira) e de quadros técnicos do executivo (PPA). Nem

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o programa de governo nem as prioridades do Presidente sugeriam nada nesta direção, exatamente a mesma situação que se descor-tina para o futuro próximo.

É realista aspirar a uma agenda de reformas compreensiva para o próximo governo? A melhor resposta talvez seja um “não” com nuances, um “não, mas ...” A resposta é negativa pela razão básica de que o grau de fragmentação e complexidade do execu-tivo federal é por si só motivo sufi ciente para se adotar uma atitude pragmática em relação a abordagens totalizantes, que impliquem grau de coordenação do governo que está longe de suas reais pos-sibilidades. Em reforço a este entendimento, destaca-se o fato de partidos e candidatos aspirantes à presidência também não sinali-zarem nenhum tipo de preocupação neste sentido.

O “mas” da resposta à pergunta anterior refere-se a um fator novo na história das reformas do setor público no Brasil. O exe-cutivo dispõe hoje de memória administrativa representada pelos quadros das carreiras do ciclo de gestão, que, por sua vez, têm estado intensamente envolvidos com os ciclos reformistas men-cionados. Esta é uma novidade que pode fazer diferença na transição que se inicia, dado o potencial protagonismo destas burocracias nos processos de formulação e implementação de políticas públicas de gestão pública.

É surpreendente que tanto um ciclo quanto o outro tenham ido tão longe, não obstante a necessariamente pragmática reserva da presidência quanto a um compromisso maior com agendas de reforma em função das difi culdades de se obter o apoio do Con-gresso e o posicionamento defensivo da Fazenda em relação às mesmas em decorrência dos imperativos do ajuste fi scal.

Considerando-se a proximidade temporal de ambas, prova-

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velmente será necessário maior distanciamento na história para se compreender como lograram proporcionar ao executivo áreas de de racionalidade sinalizadoras de uma coerência que a máquina administrativa usualmente não possui.

O próximo governo, para além da origem política de seus dirigentes, terá uma plataforma que, se bem aproveitada, permitirá substantivo ganho de tempo na objetivação e na alavancagem de suas prioridades. Complementada com o eventual apoio da comu-nidade acadêmica e dos organismos supranacionais, a herança destes oito anos tem tudo para se transformar em massa crítica fertilizadora de uma arrojada agenda de modernização da Estado. O nível da abrangência e o caráter mais ou menos compreensivo do próximo ciclo de reformas vai depender do talento e da capaci-dade de articulação daqueles a quem forem entregues os desafi os de aprofundar as mudanças iniciadas e, eventualmente, redefi nir os rumos da próxima gestão.

Escolhas Complexas

Sem a liderança da área econômica não se promovem refor-mas “do” e “no” Estado. Esta é a lição que se extrai da experiência internacional dos países mais desenvolvidos. Em que pese o fato de ambos os movimentos iniciados em 1995 com o Plano Diretor e com o PPA em 1999 terem buscado alinhamento com as priori-dades decorrentes da necessidade de se consolidar o ajuste fi scal, o primeiro não logrou efetiva aliança com a equipe econômica de modo a permitir aprofundamento das reformas que propugnava.

O encadeamento da política macroeconômica de corte pre-dominantemente fi scal com a gestão microeconômica do gasto

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público não ocorreu. As expectativas excessivamente elevadas de que a aprovação (e o enforcement) da Lei de Responsabilidade Fiscal produziriam melhorias na qualidade da gestão do gasto público sinalizam difi culdades por parte dos quadros da área econômica de se engajarem mais profundamente e de forma mais interativa nos processos de implementação e de gestão de políti-cas de administração pública. É fato que a sobrecarga sobre este segmento da burocracia é notório, mas sem um aprofundamento de seu relacionamento com os ministérios fi nalísticos a gestão microeconômica dos processos de governo torna-se mais difícil.

Esta pode parecer uma posição paradoxal: cobrar mais e não menos envolvimento da área econômica nos debates sobre refor-mas do Estado, em especial considerando-se o quanto a mesma já tem feito em termos de gestão dos fundamentos macroeconômicos, da modernização de estruturas de arrecadação e de execução orça-mentária e fi nanceira. Três fatores precisam ser considerados aqui: o jogo defensivo da área econômica, a assimetria dos meios para melhorar a produtividade do gasto e a ausência de instâncias coordenadoras.

Primeiro, a prioridade conferida à produção de superavits primários tem remetido a área econômica à atitude de distancia-mento forçado em relação ao que deve ser priorizado como forma de resistir às pressões sobre o Tesouro. Esta atitude se traduz em procurar cortar gastos sem se envolver com a discussão do que está sendo afetado e remeter a realização de concessões ao embate político dos ministros afetados com o chefe do executivo e aos titulares da área econômica. Esta dinâmica decisória em nada aprimora o processo orçamentário nem tampouco aumenta a produtividade do gasto público. Todos os instrumentos de

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contratualização de resultados gerados no contexto dos dois ciclos de reformas dependem fundamentalmente da credibili-dade do governo em honrar seus compromissos, seja em termos do fl uxo orçamentário seja em termos de contratos de gestão ou instrumentos assemelhados.

Segundo, em tempos de crise aumenta a assimetria de meios disponíveis no âmbito da área econômica em relação a seus con-trapartes fi nalísticos ou mesmo sistêmicos, como a Casa Civil e outras áreas do MPOG. O reforço à qualidade do controle fi nan-ceiro no centro, e não nas pontas, aprofunda distorções ao invés de minimizá-las. Justifi cada pelo mandato de priorizar cortes de gastos, a área econômica procura à distância cumpri-los mas sem interagir com seus interlocutores setoriais a ponto de assumir as responsabilidades e os compromissos que um diálogo institucio-nal acarreta.

Terceiro, na ausência de instâncias que cumpram funções coordenadoras com respaldo político, a área econômica não possui nenhum contraponto a seu poder a não ser o posicionamento ad hoc do próprio chefe do executivo, que passa a atuar caso a caso para redefi nir prioridades, em processo de baixa produtividade e baixo grau de institucionalização. Na medida em que as esferas de coordenação, de planejamento e de atividades fi nalísticas passam a funcionar subordinadas exclusivamente ao imperativo fi scal, não há mais como produzir racionalidade na gestão e contenção do gasto público.

Estes argumentos não sugerem inibição da atuação da área econômica, mas reposicionamento de seu papel. O ajuste fi scal do setor público brasileiro ainda vai demorar anos para ser concluído. Para ingressar na fase de sintonia fi na, os esforços a serem desen-

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volvidos precisarão ser ainda maiores, melhores e mais bem foca-lizados. Políticas de ajuste contínuo exigem o fortalecimento das áreas em condições de promover cortes mais seletivos e quali-tativos. Paradoxalmente, algumas áreas precisam de mais recur-sos, para poder economizar mais e gastar melhor. Na medida em que se assumir posicionamento mais pró-ativo e engajado, a condução de cortes adquirirá as condições de sucesso de que hoje não dispõe. Este movimento implica, por sua vez, maior capa-cidade de articulação da STN e fortalecimento de áreas estraté-gicas do MPOG como a SOF, SPI, SEGES e SLTI. Somente a partir do efetivo fortalecimento destas áreas o aprofundamento e a qualifi cação do ajuste fi scal será possível.

O Difícil Começo das Agências Reguladoras

A criação das agências reguladoras, iniciada no primeiro mandato do Presidente Cardoso, vem sendo objeto de intensa controvérsia desde seu nascedouro até o presente momento em função de diversos fatores. Primeiro, em muitos casos a defi nição dos arranjos regulatórios ocorreu após - e não antes - de se inicia-rem as privatizações no setor. Segundo, grande parte da primeira geração dos quadros dirigentes destas agências eram oriundos de época e de tradição com as quais se pretende romper, de interven-cionismo estatal e de práticas monopolistas. Terceiro, os termos de relacionamento de várias destas agências com seus órgãos super-visores e mesmo com a área econômica não estão ainda claros, supondo que a administração direta possua as condições mínimas de supervisioná-las, mesmo que à distância. Quarto, os arranjos trabalhistas iniciais não se revelaram sustentáveis e as agências

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estão funcionando com base em quadros provisórios, sob questio-namento judicial. Quinto, algumas agências criadas como regula-doras na verdade optaram por este arranjo institucional em busca de autonomia gerencial e fi nanceira, mas não necessariamente possuem este tipo de competência. Por último, mas não menos importante, as agências reguladoras foram criadas a partir de dinâmicas setoriais endógenas e não a partir de movimento coor-denado por parte da cúpula do governo no sentido de se caminhar na direção de um Estado Regulador. Muitas destas características não são específi cas da realidade brasileira. As coisas ocorreram assim em outros lugares do mundo. Em alguns setores o país foi capaz de absorver melhor as lições da experiência internacional. Em outros, menos.

Primeiro, as privatizações caminharam com velocidade maior do que as defi nições das novas regras do jogo, o que se explica em boa parte pela necessidade de enviar à comunidade fi nanceira internacional forte sinalização da orientação pró mer-cado do governo e, em decorrência, atrair investimentos diretos estrangeiros. O descompasso dos arranjos regulatórios expressa a difi culdade do país em se adequar a novas formas de fomentar o desenvolvimento, notadamente por meio da criação de mercados contestáveis, do incentivo à concorrência e da defi nição de novos padrões de interação entre o Estado e o setor produtivo. Com o benefício da visão do que já se passou, é tentador dizer que pri-meiro o país deveria ter defi nido mais cuidadosamente as novas regras do funcionamento destes setores antes de se lançar a um intenso programa de privatização, porém difi cilmente o governo teria condições de coordenar simultaneamente os dois processos e começar pelo mais difícil.

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Segundo, o fato da primeira geração de quadros de fun-cionários e dirigentes das agências reguladoras ser oriundo das empresas estatais, ministérios e outros órgãos afetos aos setores em questão é comumente apontado como indício de que a rup-tura com a visão anterior não é tão simples assim. Contra o argu-mento de que estas novas organizações já nascem com vícios a pergunta é: teria como ser diferente? Difi cilmente. O know-how específi co do setor, a experiência histórica, o conhecimento dos trade-offs estava nas empresas estatais. Mesmo com a realização de concursos para selecionar novos quadros, o que foi possível recrutar no mercado foram em geral jovens profi ssionais com pouca ou nenhuma visão do setor. Uma transição intergeneracio-nal e intercultural é a alternativa a ser perseguida, da forma mais coordenada possível.

Terceiro, o problema dos termos do relacionamento da administração direta com as agências reguladoras recria as dificuldades observadas no período 1967-1988. A racionali-dade da delegação de funções executivas e reguladoras para órgãos da administração indireta envolve a concessão de maior autonomia no que se refere a aspectos administrativos e financeiros em troca do cumprimento de políticas e metas de performance contratualizadas entre ambas as partes. Três distorções ocorrem potencialmente neste processo. Primeiro, os termos de entendimento não são elaborados e as duas partes seguem operando independentemente. Segundo, a própria agência define os termos pelos quais entende que deva ser supervisionada. Terceiro, o ministério não consegue impor sua autoridade por razões políticas ou técnicas e passa a operar contra a agência. O enfrentamento coordenado - e não

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setorializado - destas problemáticas é tarefa urgente que já foi iniciada mas que precisará ser substancialmente reforçada no próximo governo.

Quarto, os arranjos trabalhistas em vigor nas novas agências têm sido objeto de constante tensão entre o executivo e o judiciário, gerando instabilidade e insegurança com relação ao modus ope-randi destas novas organizações. As agências enfrentam um desa-fi o paradoxal no que se refere à competitividade de seus quadros: precisam ser minimamente capazes de enfrentar a concorrência do mercado no recrutamento e fi xação de seus quadros, mas precisam também manter certa equivalência com relação aos ministérios da administração direta com quem se relacionam. Ao optar-se por maior competitividade em termos de cargos e salários nas agências, o resultado tem sido evasão de quadros da administração direta rumo às agências e aumento do ressentimento dos quadros dos que permanecem em relação aos que vão em busca de oportunidades melhores. A maior equalização destas condições envolve duas alternativas igualmente complexas: a extensão do regime estatutário às agências (de questionável adeqüabilidade segundo diversas opiniões no âmbito do governo) ou melhoria das condições de remuneração dos cargos e dos salários das carreiras nos ministérios parentais (alternativa igualmente difícil, especial-mente em função do contexto de restrição fi nanceira).

Quinto, a criação de agências que, na verdade, não exercem funções fundamentalmente reguladoras constitui outro problema que deverá aumentar no futuro próximo. As motivações para vários órgãos e setores buscarem redefi nir seu papel e sua missão a partir de uma perspectiva regulatória são conhecidas: busca de fl e-xibilidade gerencial, melhores salários, autonomia nas condições

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de trabalho, pretexto para reformas organizacionais visando enxu-gamento de custos e outras, em geral estranhas às funções regula-doras. Do ponto de vista da lógica endógena das organizações que tem buscado este tipo de solução, a difi culdade maior é apre-sentar-lhes arranjos alternativos atraentes, acoplados a estruturas de incentivos funcionais. O desafi o para o próximo governo con-siste em aprimorar os novos arranjos representados pelas OSCIP, OS e AEs de modo a viabilizar a redefi nição da identidade de organizações ou estruturas da administração direta que precisam se atualizar.

Finalmente, cabe atenção maior à emergência do Estado regulador em termos mais abrangentes. De forma desorganizada começa a delinear-se no Brasil o mesmo fenômeno observado na experiência internacional: a gradual generalização do processo de intervenção do Estado a partir de funções reguladoras e não mais executivas. Não se trata mais de processo restrito às áreas de serviços de utilidade pública como energia, petróleo e tele-fonia. Setores como saúde, meio ambiente, educação, fi nanças e outros começam a perceber na forma regulatória a possibilidade de um novo papel, mais adequado à realidade social e econômica do país. Mas na ausência de um locus coordenador deste pro-cesso - excluído inclusive do debate da Reforma do Estado no pri-meiro mandato - a tendência é que cada refl exão setorial não extra-pole os contornos onde se verifi ca. Ocorre que, do ponto de vista do conjunto da administração pública, estes movimentos isolados começam a fazer diferença e a demandar um esforço articulador, especialmente em termos de acúmulo de expertise, investimentos em capacitação e resistência a distorções.

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Assuntos Inacabados

O conjunto de inovações propostas no contexto do Plano Diretor da Reforma do Estado e nas sucessivas legislações que se seguiram encontra-se longe de sua forma fi nal, e é natural que assim seja. A ruptura com as antigas formas de estruturação do setor público iniciada com a Constituição de 1988 demorou dez anos para produzir sua seqüência e o país mudou, e muito, no decorrer desta década. As culturas política, jurídica e administra-tiva mudam lentamente, acompanhando com defasagem inevi-tável transformações mais aceleradas que ocorrem em áreas como a tecnologia, a economia e os costumes. Inovações se tornam bem sucedidas ao longo do tempo, após sucessivos ajustes até que o produto em questão encontre sua forma fi nal junto a seus merca-dos e atores. No que diz respeito ao desenho organizacional de novas formas para que o setor público desenvolva suas atividades, a substituição de autarquias e fundações por OSs, OSCIPs e AEs encontra-se ainda em fase de revisão e de consolidação.

Não se pretende aqui fazer uma análise de cada uma destas novas formas de estruturação de atividades governamentais. O balanço até o momento sugere que os maiores problemas situam-se no aprimoramento da fi gura das AEs, que ainda se encontra sujeita a vários questionamentos, e na viabilização de adesão substan-tiva ao modelo das Organizações Sociais nas esferas de saúde e de educação (em contraste com seu boom na esfera de ciência e de tecnologia). A questão que se pretende abordar é até que ponto as difi culdades observadas foram incorporadas nas próprias formulações dos modelos, na problemática de sua implementação ou na modelagem de processos de transição adequados.

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As difi culdades de desenho se superam através de refi namen-tos sucessivos, principalmente a partir de avaliações das difi cul-dades que as organizações-piloto vêm enfrentando. Os diversos tipos de custos do pioneirismo não são negligenciáveis e apenas com o suporte diferenciado do MPOG e MF tais custos podem ser absorvidos. O engajamento destes dois ministérios, no entanto, é difi cultado pelo volume de pressões e de demandas que converge continuamente sobre ambos. Mas sem que estejam convencidos da importância de se apostar na estrutura de incentivos embutida no desenho adotado, é muito difícil assegurar seu comprometi-mento permanente com estas mudanças. Na ausência de propostas que superem o desenho proposto, cabe ao futuro governo apoiar mais efetivamente as mudanças iniciadas.

No segundo caso, em se tratando dos processos de implementação dos novos formatos organizacionais, a discussão por recursos fi nanceiros e humanos tende a eclipsar a demanda por funções de coordenação mais complexas e sensíveis, que requerem postura e posicionamento distintos daquele da gestão macroeconômica. Em certas questões o envolvimento da Casa Civil é necessário, dada a magnitude da função de coordenação demandada. Isto signifi ca que na verdade o envolvimento do chefe do executivo surge como necessário. Ocorre que sua atenção tende a ser absorvida por assuntos mais urgentes e prio-ritários, o que torna difícil proporcionar atenção continuada ao que se confi gura freqüentemente como questão operacional. Este é um tema a ser enfrentado particularmente na passagem do bastão deste para o próximo governo, porque é este o momento mais propício para se focalizar o problema da coordenação da ação governamental.

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No terceiro caso, a transição de um arranjo organizacional para outro é tarefa complexa em qualquer circunstância. Muitas inseguranças, questionamentos e indefi nições precisaram (e pre-cisam) ser enfrentados quando o novo não está claramente discer-nível, quando não se sabe bem o que será feito com os arranjos institucionais vigentes, quando não há sinalização forte por parte de áreas-chave do executivo quanto ao que o governo pretende fazer em termos de novas regras nas áreas fi nanceira e de pes-soal. Quanto menos claras as regras de transição, maiores as desconfi anças e resistências. Quanto menos visível os objetivos do executivo, maiores as incertezas e indeterminações. O início de novo mandato é uma oportunidade de clarifi cação de muitas destas questões, processo este que se benefi ciará do acúmulo de interações, avanços e difi culdades ocorridas nos últimos anos. Uma sinalização clara de como o novo governo pretende proceder no que se refere a este tema sem dúvida contribuirá enormemente para a consolidação dos novos arranjos institucionais gerados no bojo do processo de reforma.

Finalmente, cabe ainda ressaltar que quaisquer que sejam as escolhas a serem feitas, elas terão implicações duradouras. Não se pode alimentar a ilusão de que é possível acumular as vanta-gens de formas organizacionais distintas. Do ponto de vista orga-nizacional, o apelo dominante é o da fl exibilização em nome da efi ciência e da agilidade. Do ponto de vista da gestão o empare-lhamento com a dinâmica do mercado é naturalmente mais atra-tivo. Em contrapartida, do ponto de vista dos recursos humanos, os quadros técnicos aspiram a estabilidade e previdência integral. Do ponto de vista do controle governamental, normas que asse-gurem accountability são fundamentais. A difi culdade de se optar

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entre pacotes de ganhos e perdas indissociáveis encontra-se no cerne do dilema do enquadramento de signifi cativo número de instituições na esfera pública estatal ou pública não estatal. Esta não tem sido tarefa fácil para o governo atual e assim continuará para o próximo.

Avanços em duas Agendas Históricas: Serviço Público e Planejamento

As reformas nas políticas de gestão pública ocorridas nos últimos oito anos representaram avanços históricos no que diz respeito a pelo menos dois temas clássicos da administração pública brasileira: a construção de um serviço público meri-tocrático e a implementação de um processo de planejamento baseado em programas orientados para resultados. A continui-dade, o aprofundamento e a ampliação de ambas as iniciativas constituem o maior desafi o do próximo governo no próximo governo.

Primeiro, a realização sistemática de concursos públicos para um conjunto de carreiras, dentre as quais se destacam aquelas nucleadas no chamado ciclo de gestão, representa esforço inédito por parte do executivo no sentido de dar nitidez e sustentação ao corpo de funcionários permanentes considerados de natureza estratégica para a administração pública federal. A simples pre-sença na administração federal de contingente de profi ssionais concursados distribuídos pelo executivo mudou a dinâmica de funcionamento dos ministérios por eles povoados. Ondas de profi ssionalização se sucedem com cada entrada no governo de

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um quadro de profi ssionais em geral bem selecionados, treinados para ingressar na administração federal dentro da nova visão de Estado e sem as seqüelas, por exemplo, das gerações que se for-maram ao longo do período autoritário em meio a uma cultura política predominantemente clientelista. Há ainda que se insti-tucionalizar a periodicidade dos concursos, bem como realizar ajustes na delimitação de quais devem ser as chamadas carreiras de estado, mas o governo vem perseguindo estes dois objetivos dentro das possibilidades políticas, fi nanceiras e organizacionais do quadro atual. Caso sejam priorizadas, estas práticas provavel-mente promoverão novos saltos de qualidade no desempenho da máquina administrativa federal.

Entretanto, a realização de concursos para o núcleo estraté-gico, apesar de ser uma conquista importante, é medida necessária mas não sufi ciente nesta direção. O grande desafi o é formular uma política integrada e abrangente de Recursos Humanos, de forma a conferir maior organicidade e coesão à Administração Pública Federal. Espera-se que a profi ssionalização do setor público e sua organização em bases meritocráticas também con-tribua para o aumento da racionalidade e da transparência do processo decisório, coibindo o avanço de práticas clientelistas e rent seeking e mesmo a captura das estruturas públicas por interes-ses privados, embora a própria burocracia permanente não esteja isenta destes riscos também.

Este esforço vem sendo acompanhado por duas iniciativas igualmente inéditas: a geração e publicização dos dados estatísti-cos relativos à gestão da força de trabalho no executivo federal e a realização de um expressivo programa de educação continu-ada levado a cabo pela ENAP, em combinação com cursos para

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formação inicial das carreiras do MPOG. O impacto de ambas sobre o executivo federal é de difícil mensuração, mas não há dúvida de que funcionaram como importantes vetores impulsiona-dores e realimentadores das reformas em curso. Há sempre espaço para aprimoramento e melhorias, como o refi namento da quali-dade dos dados apresentados e a organização de cursos articulados a processos de progressão nestas carreiras, mas não há dúvida de que os avanços têm sido notáveis. O desafi o do próximo governo é institucionalizá-los, complementá-los e aprofundá-los porque neste caso, como em várias outras áreas no setor público, o que se constrói em anos se perde em meses.

Uma série de temas permanece pendente de equacionamento na esfera de recursos humanos: a problemática de avaliação de desempenho, a competitividade dos salários das carreiras estraté-gicas, a institucionalização de programas destinados a aperfeiço-amento e progressão nas carreiras, a regularização da fi gura do emprego público e a incorporação da variável recursos humanos nos processos de planejamento e orçamentação. Todos vêm sendo objeto de esforços de equacionamento por parte do executivo, com maior ou menor sucesso conforme o caso. Em que pese o contexto de restrição fi scal, onde a escassez de recursos se multi-plica pela falta de outros tipos de recursos, em especial humanos e tecnológicos, o governo vem buscando enfrentar estes múltiplos desafi os simultaneamente. A difi culdade maior reside na conquista de apoios e na confecção de alianças que transcendam o MPOG, que por sua vez não pode ser responsabilizado isoladamente pela produção de avanços em todas estas frentes. Seja pelo fortaleci-mento deste ministério, seja pelo maior engajamento do conjunto do governo nestes processos, o próximo governo precisará rever

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o volume de recursos, atenção e prioridade a ser dada a estas áreas, investimentos estes que se traduzirão em desempenho dife-renciado da máquina administrativa.

Segundo, o início da implementação de um processo de pla-nejamento com base em programas, balizado por indicadores de desempenho e individualizando responsáveis por sua gestão, representa a retomada de uma tradição de planejamento ensaiada com a reforma de 1967 e, mais importante, a incorporação de uma série de princípios contemporâneos pertencentes à chamada nova gestão pública. O PPA, com todas as difi culdades e custos do pio-neirismo que vem enfrentando, conjuga progressos históricos na esfera orçamentária, atualizada visão de planejamento centrada em programas territorialmente referenciados, foco nos resultados e modernas técnicas de gestão de projetos.

O balanço provisório destes anos iniciais de sua implementação indica densa agenda de problemas a serem supe-rados no futuro imediato. Dentre estes, destacam-se: a difi culdade de conquistar a adesão do conjunto do governo para uma ação coordenada orientada para o desenvolvimento do país, a compli-cada gestão de um conjunto de programas heterogêneos e com-plexos, a difi culdade de se estabelecer sintonia fi na entre os processos orçamentários anuais e um planejamento plurianual, a ausência de arranjos institucionais que favoreçam a melhoria do desempenho dos programas e as resistências ao processo de implementação de uma cultura orientada para desempenho com base em indicadores de resultados.

Todos estes obstáculos são sintomas de um processo de desenvolvimento institucional das estruturas de governo. Consti-tuem a principal matéria--prima a ser processada com vistas ao

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próximo ciclo de planejamento plurianual. O governo que assu-mir em 2003 terá como ponto de partida uma massa crítica de experiências nesta área qualitativa e imensamente superior aos que se iniciaram em1990, 1994 e mesmo 1998, lembrando que o PPA já foi fruto em parte do aprendizado ocorrido no contexto do “Brasil em Ação”.

O PPA dotou as ações do segundo mandato de uma estruturação como há muito não se via no país, possivelmente desde o governo Geisel, porém de forma mais institucionalizada, efi ciente e estruturada. A revitalização do planejamento ocorrida entre 1999 e 2002 precisa, no entanto, ser aprofundada em duas direções: no âmbito do MPOG e na Esplanada em geral. Primeiro, no contexto do próprio MPOG, as áreas onde a interação deve se intensifi car são naturalmente a SOF e a SEGES, embora a SRH e a SLTI também devam ser incorporadas mais de perto ao pro-cesso do PPA. A dinâmica SPI/SOF melhorou muito nos últimos anos, mas ainda pode melhorar muito mais, especialmente nos momentos de elaboração orçamentária, reprogramação e, parado-xalmente, cortes de recursos. O fortalecimento destas conexões é que faz a liga dos processos de planejamento e de orçamento. O PPA trouxe também uma série de inovações gerenciais consis-tentes com o mandato da SEGES, de modo que há um campo de intercâmbio a ser explorado, especialmente no que se refere à interação do MPOG com os ministérios fi nalísticos. A busca da transversalidade e da intersetorialidade nas ações do governo demanda estreitamento maior da atuação das duas secretarias. A SEGES já vem atuando com alguns programas pontuais orien-tados para a melhoria do desempenho da máquina governamen-tal: os programas de desburocratização e de qualidade. O PPA

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trouxe toda uma cultura de gestão de programas e de projetos para o governo federal, mas há uma agenda de gestão no âmbito da operacionalização dos programas a ser mapeada e destrinchada no âmbito do MPOG.

Segundo, há um imenso espaço a ser explorado na Espla-nada no que se refere ao fortalecimento das capacidades de planejamento, orçamento e gestão nos órgãos fi nalísticos. Esta revitalização das dimensões sistêmicas e coordenadoras das ativi-dades de planejamento depende do fortalecimento dos setores que fazem a conexão entre os ministérios e o MPOG: as SPOAs. A ENAP vem desenvolvendo programas de treinamento de alto nível para os dirigentes dos programas e para seus nexos sistêmicos, os SPOAs dos ministérios, mas nada substitui a liderança integrada das SPI, SOF e SEGES no cotidiano da execução orçamentária e fi nanceira. O conjunto dos ministérios tem um engajamento muito diferenciado no que se refere à liderança do MPOG no processo de planejamento e de coordenação do gasto público. É natural que assim seja, mas para o cumprimento das prioridades de qualquer governo de forma consistente com as necessidades de ajuste fi scal e com as melhorias da racionalidade e produtividade das ações de governo não há outro caminho que não passe pelo fortalecimento do MPOG.

É cada vez mais importante maior entrosamento com a SRH e SLTI. Recursos humanos permanece um assunto à parte e, enquanto assim for, continuará sendo uma variável de ajuste ad hoc no processo de gestão do gasto público, apesar do peso que possui. A previsão de gastos com recursos humanos precisa de ser melhor refi nada nos processos de elaboração orçamentária porque é neste momento que se discutem e projetam cortes, gastos com

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progressão e outros. A intratabilidade dos temas sob sua jurisdição só contribui para o aumento de seu distanciamento, quando se deveria trazê-los mais para perto de outros olhares e perspectivas como as de planejamento, orçamento e gestão. Os avanços decor-rentes dos processos de implementação de sistemas informati-zados e da atenção crescente que a cúpula do MPOG tem dedi-cado ao tema. Mas ainda há um árduo trabalho a ser feito, de consolidação, institucionalização e disseminação de uma cultura de profi ssionalização da gestão de recursos humanos, em especial nos ministérios fi nalísticos.

A área de tecnologia de informações sofre do mesmo mal. Responsável pela liderança tecnológica do governo na área do governo eletrônico, enfrenta o risco de fi car circunscrita a si mesma ao invés de fertilizar as demais. As secretarias do próprio MPOG constituem em prioridades para a SLTI. Os ganhos de produtividade, credibilidade, custos e qualidade proporcionados pela introdução de sistemas informatizados de gestão tem sido uma das grandes alavancas do programa de governo eletrônico. Dados os múltiplos dividendos de envolvidos na implementação dos grandes sistemas da administração pública (pessoal, orçamen-tário-fi nanceiro, compras, serviços gerais e outros), o executivo só tem a ganhar proporcionando centralidade ao investimento em tecnologia de informações. O desafi o do próximo governo é tirar proveito dos avanços ocorridos nestas duas esferas para impul-sioná-las através de sua incorporação de forma mais ativa nas ações do ministério.

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Conclusão

Ao longo dos oito anos do governo FHC as políticas de gestão pública tiveram avanço só comparável ao verifi cado no período Vargas. Cabe registrar, no entanto, algumas diferenças. Primeiro, estas mudanças têm se processado no contexto democrático, sem rupturas constitucionais. Segundo, elas envolvem não instaurar uma nova ordem, mas reformar e reestruturar uma situação que é resultante de décadas de arranjos institucionais sobrepostos e inconsistentes. Terceiro, as atuais políticas de gestão pública enfrentam desafi os de complexidade, heterogeneidade e plurali-dade muito distintos daqueles que vigiam nos anos trinta. Quarto, as reformas atuais precisam lidar com o acelerado processo de mudança tecnológica e com o fortalecimento da sociedade civil, algo que não se via no passado. Finalmente, as atuais políticas de gestão pública têm se disseminado gradativamente na máquina administrativa de forma inédita na história do país. Não se trata mais de debate de um grupo de iniciados ou de campanha enca-beçada por uma liderança iluminada, mas de um conjunto de conteúdos que começa a espraiar-se por diversas instâncias dos três poderes (por exemplo, no Tribunal de Contas da União) e níveis de governo (como o surgimento de inovações no âmbito sub-nacional demonstra). Seu lugar na agenda nacional ganha contornos de irreversibilidade, porque os problemas de que trata não serão superados salvo pelo seu enfrentamento contínuo e institucionalizado.

O futuro governo tem responsabilidade inescapável pela frente: levar em conta todo o patrimônio de experiências, erros e acertos acumulados ao longo dos últimos anos. Quaisquer

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que sejam as visões e proposições do grupo que assumir o exe-cutivo em 2003, o desafi o é aprofundar as reformas, aprimorar as proposições existentes e institucionalizar e fortalecer as políti-cas de gestão pública relativas ao conjunto do Estado brasileiro. No passado a instabilidade política foi pretexto para o desconheci-mento das experiências geradas em cada ciclo de reformas. O país e o executivo federal não dispõem mais deste álibi para se recu-sarem ao aprendizado cumulativo decorrente da refl exão sobre a experiência histórica. Cabe aos quadros permanentes do Estado, independentemente de sua orientação ideológica, contribuir para a continuidade deste aprendizado que, na esfera da gestão pública, nunca tem fi m.

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