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303 14 O CONTROLE DAS FICÇÕES JURÍDICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO: UM ESTUDO A PARTIR DA VENDA DE FLORESTA PLANTADA Paulo Honório de Castro Júnior 1 1. INTRODUÇÃO As ficções jurídicas vem sendo estudadas por diversos subsistemas do Direito. No Direito Tributário, o tema permanece controverso. Verifica-se a criação de ficções mediante equiparação e analogia, ou incorporando ficções de outros subsistemas jurídicos, sobretudo o Direito Privado, sem a devida cautela quanto à possibilidade de se implementar tal expediente e às suas regras de controle. Indaga-se, por exemplo, se o Direito Tributário admite a aplicação de ficções oriundas de outros subsistemas jurídicos mediante mera construção interpretativa, isto é, sem lei tributária que expressamente incorpore ou crie a ficção. Imperativo investigar também os limites materiais da ficção, face às regras de competência em matéria tribu- tária e à vedação à tributação por analogia. Observa-se que casos de planejamento tributário vem sendo solucionados a partir da introdução de ficções jurídicas oriundas do Direito Privado. É dizer, o Fisco utiliza-se de ficções como meio indireto e tácito para requalificar o negócio jurídico declarado e cobrar tributos. É o caso da compra e venda de floresta plantada – bem imóvel –, que vem sendo requalificada pelas Autoridades Fiscais, sobretudo em Minas Gerais, para compra e venda de madeira – bem móvel por antecipação –, no intuito de cobrar ICMS. 1 Presidente do Instituto Mineiro de Direito Tributário – IMDT. Pós-Graduado pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Coordenador e Professor de Direito Tributário em cursos de Pós-Graduação e de Extensão. Advogado.

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14

O CONTROLE DAS FICÇÕES JURÍDICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO:

UM ESTUDO A PARTIR DA VENDA DE FLORESTA PLANTADA

Paulo Honório de Castro Júnior1

1. INTRODUÇÃO

As !cções jurídicas vem sendo estudadas por diversos subsistemas do Direito. No Direito Tributário, o tema permanece controverso. Veri!ca-se a criação de !cções mediante equiparação e analogia, ou incorporando !cções de outros subsistemas jurídicos, sobretudo o Direito Privado, sem a devida cautela quanto à possibilidade de se implementar tal expediente e às suas regras de controle.

Indaga-se, por exemplo, se o Direito Tributário admite a aplicação de !cções oriundas de outros subsistemas jurídicos mediante mera construção interpretativa, isto é, sem lei tributária que expressamente incorpore ou crie a !cção. Imperativo investigar também os limites materiais da !cção, face às regras de competência em matéria tribu-tária e à vedação à tributação por analogia.

Observa-se que casos de planejamento tributário vem sendo solucionados a partir da introdução de !cções jurídicas oriundas do Direito Privado. É dizer, o Fisco utiliza-se de !cções como meio indireto e tácito para requali!car o negócio jurídico declarado e cobrar tributos. É o caso da compra e venda de /oresta plantada – bem imóvel –, que vem sendo requali!cada pelas Autoridades Fiscais, sobretudo em Minas Gerais, para compra e venda de madeira – bem móvel por antecipação –, no intuito de cobrar ICMS.

1 Presidente do Instituto Mineiro de Direito Tributário – IMDT. Pós-Graduado pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Coordenador e Professor de Direito Tributário em cursos de Pós-Graduação e

de Extensão. Advogado.

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O objetivo do presente estudo, portanto, é investigar as regras de controle das !cções jurídicas no Direito Tributário, tendo por parâmetro de veri!cação a hipótese de venda de /oresta plantada em Minas Gerais.

2. A VENDA DA FLORESTA PLANTADA: TRATAMENTO CONTÁBIL E NATUREZA JURÍDICA

As normas do Subsistema Tributário fazem referência a conceitos de Direito Privado na determinação de competências e na construção de regras relativas à incidência e à não incidência de tributos.

É o caso, por exemplo, da legislação do ICMS em Minas Gerais, ao fazer referência, em inúmeros dispositivos2, ao crédito do imposto sobre bens destinados ativo imobilizado, e ao determinar a não inci-dência do imposto sobre a “a saída de bem integrado ao ativo permanente,

assim considerado aquele imobilizado pelo prazo mínimo de 12 (doze) meses”, conforme inciso XII, art. 5º, da Parte Geral do RICMS.

O Direito Privado, por sua vez, incorpora conceitos contábeis, tal como determina a Lei de Sociedade por Ações (nº 6.404/1976), dentre outros, no art. 177, caput e §§ 3º e 5º. Referidos dispo-sitivos dispõem que a escrituração das companhias seja mantida conforme critérios contábeis de!nidos pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), em consonância com os padrões interna-cionais de contabilidade3:

2 Parte Geral, do RICMS/MG: “Art. 66. Observadas as demais disposições deste Título, será abatido, sob a forma

de crédito, do imposto incidente nas operações ou nas prestações realizadas no período, desde que a elas vinculado, o valor do ICMS correspondente:

II - à entrada de bem destinado ao ativo imobilizado do estabelecimento, obser-vado o disposto nos §§ 3º, 5º, 6º, 12, 13, 16, 18 e 19 deste artigo.” – (grifamos).

3 “Art. 177. A escrituração da companhia será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de competência.

[...] § 3º. As demonstrações !nanceiras das companhias abertas observarão, ainda, as

normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários e serão obrigatoriamente submetidas a auditoria por auditores independentes nela registrados.

[...]

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Ou seja, as normas contábeis expedidas pelo CPC se incorporam ao arcabouço do Direito Privado, por remissão realizada pela Lei nº 6.404/1976, nos dispositivos arrolados acima.

Para os !ns do presente estudo, importa-nos o conceito de ativo imobilizado e de ativo biológico (a partir de 2009), de forma a saber se os custos incorridos na formação de /orestas são ali classi!cados e assim reconhecidos pelo Direito Privado.

A Lei nº 6.404/1976 de$ne o conceito jurídico de realidades contábeis, ou simplesmente reconhece as realidades contábeis confor-me ditames da CVM, ao introduzi-las nos subsistemas jurídicos de Direito Privado. É o caso de ativo imobilizado, cujo conceito jurídico foi de!nido pelos seus arts. 178 e 179:

Art. 178. No balanço, as contas serão classi!cadas segundo os elementos do patrimônio que registrem, e agrupadas de modo a facilitar o conhecimento e a análise da situação !nanceira da companhia.§ 1º No ativo, as contas serão dispostas em ordem decres-cente de grau de liquidez dos elementos nelas registrados, nos seguintes grupos:I – ativo circulante; e II – ativo não circulante, composto por ativo realizável a longo prazo, investimentos, imobilizado e intangível.” “Art. 179. As contas serão classi!cadas do seguinte modo:[...]IV – no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à manutenção das atividades da companhia ou da empresa ou exercidos com essa !nalida-de, inclusive os decorrentes de operações que trans!ram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens.

O conceito de ativo imobilizado, por sua importância para os tributos federais, também foi objeto do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 3.000/1999), cujo art. 301, ao detalhar requisitos para a depreciação do ativo permanente4, dispõe que, para integrá-lo, o

§ 5º. As normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários a que se refere o § 3º deste artigo deverão ser elaboradas em consonância com os padrões internacionais de contabilidade adotados nos principais mercados de valores mobiliários.”

4 Grupo de contas que englobava os bens ou direitos de permanência duradoura, destinados ao funcionamento normal da sociedade. O ativo permanente era

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bem deve estar incorporado ao patrimônio da empresa por ao menos 12 (doze) meses.

Tal critério temporal tem correspondência na contabilidade (e também no Direito Privado, por consequência da sua aprovação pela CVM): o Pronunciamento Técnico CPC nº 27 (“Ativo Imobilizado”), aprovado pela Deliberação CVM nº 583/2009 e tornado obrigatório pela Resolução CFC nº 1.177/2009, de!ne ativo imobilizado como um ativo tangível que, além de destinado à manutenção das atividades da companhia, se espera utilizar por mais de um ano. Critério este também incorporado pela legislação do ICMS em Minas Gerais, conforme redação do inciso XII, art. 5º, da Parte Geral do RICMS, dentre outros5.

Extrai-se dos dispositivos acima abordados que todo bem cor-póreo, destinado à manutenção da atividade da companhia por mais de 12 (doze) meses, será classi!cado como ativo imobilizado. Assim, tal bem não será mercadoria, que é classi!cada no ativo circulante, na conta estoque, vide § 4º, do art. 183, da Lei nº 6.404/1976:

§ 4° Os estoques de mercadorias fungíveis destinadas à venda poderão ser avaliados pelo valor de mercado, quando esse for o costume mercantil aceito pela técnica contábil. – (grifamos).

Conforme lição de Eliseu Martins et al, no Manual de Conta-bilidade Societária da FIPECAFI6, a conta estoque apresenta como principais subgrupos: (i) “produtos acabados”, que são aqueles “já terminados e oriundos da própria produção da empresa”; (ii) “mercadorias para revenda”, que “engloba todos os produtos adquiridos de terceiro para

composto pelos subgrupos: Investimentos, Imobilizado, Intangível e Diferido. A partir de 04.12.2008, tal terminologia foi extinta pela MP nº 449/2008, passando a corresponder ao ativo não circulante.

5 “Art. 66. [...]. § 6º Será admitido o crédito, na forma do § 3º deste artigo, relativo à aquisição

de partes e peças empregadas nos bens a que se refere o parágrafo anterior, desde que:

I - a substituição das partes e peças resulte aumento da vida útil prevista no ato da aquisição ou do recebimento do respectivo bem por prazo superior a 12 (doze) meses; e II - as partes e peças sejam contabilizadas como ativo imobilizado.” – (grifamos).

6 MARTINS, Eliseu, et al. Manual de Contabilidade Societária. FIPECAFI. Ed. Atlas: São Paulo, p. 82.

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revenda”; e (iii) “produtos em elaboração”, que “representa a totalidade

das matérias-primas já requisitadas que estão em processo de transformação”. Portanto, conforme critério de$nido e reconhecido, a partir da

contabilidade, pelo Direito Privado (Lei nº 6.404/1976), apenas os itens classi!cados como “produtos acabados” e “mercadorias para revenda” são mercadorias, no estoque. Um bem, classi!cado como ativo imobilizado ou no ativo não circulante de um modo geral, ainda que mantido para venda7, não poderá ser simultaneamente classi!cado como mercadoria, pois a escolha de uma categoria exclui obrigatoriamente a outra.

Resta, agora, investigar qual a classi!cação contábil da /oresta plantada, e seu consequente tratamento jurídico, incorporado pelo Direito Privado a partir da referida classi!cação: se ativo imobilizado/ativo biológico ou mercadoria/estoque.

Em estudo desenvolvido anteriormente à edição da Lei nº 11.638/2007, que iniciou o processo de convergência das regras contábeis internacionais – o que não implica nenhuma diferença em termos

de contabilização, no ativo não circulante, portanto fora do estoque, de ativos

tangíveis, produzidos pela entidade, em relação ao veri$cado hoje –, José Car-los Marion8, em seu clássico livro sobre Contabilidade Rural, a!rma que toda cultura permanente deve ser classi!cada no ativo imobilizado:

No caso de cultura permanente, os custos necessários para a for-mação da cultura serão considerados Ativo Permanente – Imobilizado [nota da Disit: conforme Parecer Normativo CST n° 108, de 28 de dezembro de 1978, item 8.1.a]. Os principais custos são: adubação, formicidas, forragem, fungicidas, herbicidas, mão-de-obra, encargos sociais, manutenção, arrendamento de equipamentos e terras, seguro da cultura, preparo do solo, serviços de terceiros, sementes, mudas, irrigação, produtos químicos, depreciação de equipamentos utilizados na cultura etc. ... Há casos em que a cultura permanente não passa do estágio de cultura em formação para cultura formada, pois, no momento de se considerar acabada, ela é ceifada. São, normalmente, a cana-de-açúcar, o palmito, o eucalipto, o pinho e outras culturas extirpadas do solo ou cortadas para brotarem novamente.

7 Este aspecto será mais bem detalhado em tópico subsequente.8 Marion, José Carlos. Contabilidade rural - contabilidade agrícola, con-

tabilidade da agropecuária, IRPJ, 4ª edição. São Paulo: Atlas, 1996, p. 39, 41, 64, 65 e 71.

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Quanto à classi!cação de uma cultura como permanente ou temporária, Benjamim Acuña9, em tese de doutorado defendida na Universidade de São Paulo (“USP”) em 2015, ensina, com base na NBC T-10.14 (Atividades Agropecuárias), que culturas permanentes não estão sujeitas ao replantio após a colheita ou o ciclo de vida, em geral, é superior a um exercício. E arremata a classi!cação de tais culturas, antes da convergência contábil internacional, no ativo imobilizado: “os gastos incorridos ou pagos eram acumulados em conta de

ativo imobilizado em andamento, sendo, após a sua entrada em produção

econômica, exaurida pela sua vida útil restante.” Aliás, esta é a expressa disposição da referida NBC:

10.14.4 – Entidades Agrícolas: Aspectos Gerais[...]10.14.4.2 - As culturas agrícolas dividem-se em:a) temporárias: a que se extinguem pela colheita, sendo seguidas de um novo plantio; eb) permanentes: aquela de duração superior a um ano ou que proporcionam mais de uma colheita, sem a necessidade de novo plantio, recebendo somente tratos culturais no in-tervalo entre as colheitas.[...]10.14.5.10 - Os custos de produção agrícola devem ser classi!cados no Ativo da entidade, segundo a expectativa de realização:a) no Ativo Circulante, os custos com os estoques de produ-tos agrícolas e com tratos culturais ou de safra necessários para a colheita no exercício seguinte; eb) no Ativo Permanente Imobilizado, os custos que bene-!ciarão mais de um exercício.

Como destacado na lição de Marion, as culturas de eucalipto e similares, para formação de /oresta plantada, caracterizam-se como culturas permanentes, haja vista o longo ciclo de vida, com corte normalmente a partir do sétimo ano, o que obriga sua classi!cação no ativo imobilizado.

9 ACUÑA, Benjamim. Utilidade do valor justo de Ativos Biológicos para a análise de crédito de corporações brasileiras baseadas no agronegócio. Tese de Doutorado defendida na USP. Orientador Prof. Edson Luiz Riccio, 2015, p. 49.

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No mesmo sentido, o Parecer Normativo do Coordenador do Sistema de Tributação (“CST”) nº 108, de 31 de dezembro de 1978, determina que a /oresta plantada seja classi!cada no ativo imobilizado:

8.1 Relativamente às aplicações em /orestamento ou re/o-restamento, a Lei nº 6.404/76 e o Decreto-lei nº 1.598/77 estabelecem para as /orestas, recursos /orestais e direitos de sua exploração, tratamento de correção monetária idên-tico ao previsto para o ativo permanente; assim, a partir da introdução do novo sistema de correção monetária, os empreendimentos /orestais, independentemente da sua !nalidade, devem ser considerados como integrantes do ativo permanente. Portanto, o ativo permanente registrará:a) no imobilizado, as /orestas destinadas à exploração dos respectivos frutos e as que se destinem ao corte para co-mercialização, consumo ou industrialização, bem como os direitos contratuais de exploração de /orestas, com prazo de exploração superior a dois anos.

No Acórdão nº 3201-000.934, proferido em 22 de março de 2012, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) referendou o Parecer Normativo CST nº 108/1978:

Destarte, segundo o citado Parecer CST, os empreendimen-tos /orestais, independentemente de sua !nalidade, devem ser considerados integrantes do ativo permanente, em nada desrespeitando o art. 179 da Lei. 6404/1976.

Com a edição da Lei nº 11.638/2007, que iniciou o processo de convergência das regras contábeis internacionais, o CPC se tornou responsável pela elaboração das normas, conforme o padrão International Financial Reporting Standards (“IFRS”). A CVM aprova os Pronunciamentos Técnicos do CPC10, dotando-os de juridi-

10 A esse respeito, a lição de Edison Fernandes: “Em resumo, o órgão responsável por formular as normas contábeis brasileiras,

e que o faz considerando o IFRS, é o Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC. Tendo em vista que esse órgão não tem competência legislativa, seus pronunciamentos, interpretações e orientações, e qualquer outra manifestação, passará a ter força normativa quando aprovados por resolução do Conselho Federal de Contabilidade – CFC e por deliberações da Comissão de Valores Mobiliários – CVM. Em conclusão, as normas de Contabilidade elaboradas com respeito ao procedimento previsto são de observância obrigatória de todas

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cidade, por força do disposto no art. 177, da Lei nº 6.404/1976, aqui já mencionado.

Nesse sentido, o grupo de contas do ativo permanente, onde a /oresta plantada era classi!cada, passou a se chamar ativo não circulante. Em todo caso, tem-se a conclusão inequívoca, já apresentada, de que qualquer bem do ativo permanente, ou do não circulante, jamais poderá ser mercadoria.

Editou-se, então, o Pronunciamento Técnico CPC nº 29, di-vulgado em 16.09.2009, que determinou a classi!cação contábil da /oresta plantada, e demais ativos /orestais, como ativo biológico, em conta especí!ca, de mesmo nome, vinculada ao grupo dos ativos não circulantes, sobretudo para !ns de mensuração dos ativos a valor justo. É o que ensina Benjamim Acuña11:

A partir da convergência pronunciada pela Lei nº 11.638/2007 e pela Resolução CFC 1.186/2009, que re-vogou a NBC TG 10.14 e aprovou a NBC TG 29 – Ativo Biológico e Produto Agrícola, os ativos sujeitos a transfor-mação biológica passaram a ser regidos pelo CPC 29, de mesma denominação, nessa nova con!guração, os ativos passíveis de transformação biológica e objeto de exploração econômica pela entidade passaram a ser obrigatoriamente sujeitos a um só critério de avaliação.[...]Essa reunião em torno de um só critério trouxe uma enor-me diversidade de itens peculiares às mais diversas atividades: /orestas para celulose, /orestas para lenha, /orestas para indústria moveleira, produção sucroalcooleira, cafeeira, frutícola, soja, algodão, milho, arroz, pecuária de corte, de reprodução, entre outras.

Os ativos /orestais foram, então, classi!cados como ativos bioló-gicos, no grupo de ativos não circulantes, que corresponde ao antigo grupo de ativos permanentes. Por isso, conforme Eliseu Martins, et

as empresas que atuam no Brasil, independentemente do seu tipo (sociedade por ações ou sociedade limitada) e do seu porte (grande, média ou pequena).” FERNANDES, Edison Carlos. Direito Contábil: fundamentos, conceito, fontes e relação com outros “ramos” jurídicos. São Paulo: Dialética, 2013, p. 95-96.

11 Op. Cit. p. 50.

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al12, ao expor o plano de contas do ativo imobilizado, há tratamento especí!co conferido ao tema, no Capítulo da sua Obra, intitulado “Ativo Biológico”:

Atividade agrícola propriamente dita. Tem no Imobilizado contas para as Culturas Permanentes, como as de café, la-ranjais, cana-de-açúcar e outras que produzem frutos por diversos anos (valor e depreciação acumulada). Semelhan-temente ao item anterior, tratamento contábil especí!co é fornecido no Capítulo 15. Atentar que esses casos de ativos biológicos (animais e vege-tais) os ativos imobilizados têm tratamento totalmente dife-rente do restante do imobilizado, porque são valorizados a valor justo, e não ao custo sujeito a depreciação ou exaustão.

No Capítulo Ativo Biológico, os Eméritos Professores prosse-guem na lição13, deixando claro que os ativos /orestais para produção de madeira são “consumíveis”, porquanto “passíveis de serem colhidos como produto agrícola”14, e não se pode confundir tais ativos (bio-lógicos) com os respectivos produtos que são gerados a partir deles15. Ou seja, se a /oresta plantada é o ativo biológico, a madeira é o pro-

12 Op. Cit. p. 277.13 Op. Cit. p. 326-327.14 O item 44 do CPC 29 deixa expresso que “árvores para produção de madeira”

são Ativos Biológicos consumíveis, eis que “passíveis de serem colhidos como produto agrícola”.

15 Nesse mesmo sentido, a Resolução Conjunta IEF/SEMAD Nº 1.906/2013 dispõe a diferença entre “/oresta plantada”, “produto /orestal” e “subproduto /orestal”:

“Art. 2º Para !ns desta Resolução, entende-se por: I - Floresta plantada: aquela originada de plantio homogêneo ou não, com

espécie exótica ou nativa, na qual se utilizam técnicas silviculturais apropriadas, visando à obtenção de produtividade economicamente viável.

II - Produto /orestal: aquele que se encontra no seu estado bruto ou in natura, na forma de madeira em toras, toretes, postes não imunizados, escoramentos, palanques roliços, dormentes nas fases de extração/fornecimento, estacas e moirões, achas e lascas, lenha, palmito, as plantas ornamentais e/ou suas partes, medicinais e aromáticas, mudas, raízes, bulbos, cipós e folhas de origem nativa ou plantada das espécies constantes ou não da lista estadual e federal de espécies ameaçadas de extinção, e dos anexos do Comercio Internacional das Espécies da Flora e da Fauna Selvagem em Perigo de Extinção - CITES, rati!cada pelo Brasil por meio do Decreto Lei nº 54/1975 e promulgada pelo Decreto nº 76.623, de novembro de 1975.

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duto agrícola e a celulose é o produto resultante de industrialização da madeira:

Os produtos que são gerados a partir dos ativos biológicos são denominados produtos agrícolas. Nota-se que um mesmo ativo biológico pode gerar mais de um tipo de produto agrícola. [...] é importante ressaltar que o referido Pronunciamento é aplicado à produção agrícola até o momento da colheita, de!nida como ‘a extração do produto de ativo biológico ou a cessação da vida desse ativo biológico.’[...]A tabela abaixo fornece alguns exemplos de ativos bioló-gicos, produtos agrícolas e produtos que são resultantes do processamento após a colheita:

Produtos resultantes do processamento após a colheita

Árvores de uma plantação Madeira, tronco Madeira serrada, celulose

Plantas, plantaçõesAlgodão, cana colhida,

caféFio de algodão, roupa, açúcar, álcool, café limpo em grão,

moído, torrado

(Omissis)

É imprescindível compreender a diferença contábil, fática e jurídica entre ativo biológico, classi!cado no ativo não circulante, e produto agrícola, obtido por meio da colheita. Se o produto agrícola estiver pronto para venda, ou for bene!ciado, torna-se ativo circulante, classi!cado no estoque, passível, portanto, de ser compreendido como mercadoria. É ver o item 3 da NBC TG 29 (R2), que regulamenta Ativos Biológicos:

Esta Norma deve ser aplicada para a produção agrícola, assim considerada aquela obtida no momento e no ponto de colheita dos produtos advindos dos ativos biológicos da entidade. Após esse momento, a NBC TG 16 – Estoques, ou outra norma mais adequada, deve ser aplicada. – (grifamos).

III - Subproduto /orestal: aquele que passou por processo de bene!ciamento na forma de madeira serrada ou sob qualquer forma; lâmina torneada, e lâmina fa-queada, incluindo pisos, tacos e decking; aparas, costaneiras, cavacos e demais restos de bene!ciamento e de industrialização de madeira quando produzidos para este !m; carvão de resíduos da indústria madeireira; carvão vegetal; óleos essenciais.”

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Apenas o produto agrícola e o produto resultante do proces-samento após a colheita (madeira, tronco, celulose, etc.) podem ser considerados mercadorias, classi!cadas no estoque. O ativo biológico, sempre classi!cado no ativo não circulante, jamais será mercadoria, ao passo que constitui-se bem indispensável à consecução das atividades da empresa, à semelhança do conceito de imobilizado.

Recentemente, as alterações ao CPC 29, e à NBC TG 29 (R2), trouxeram à tona a questão das plantas portadoras (ou bearer plants), que seriam excluídas do regramento dos ativos biológicos, para serem classi!cadas novamente no ativo imobilizado, com o intuito de se afastar a exigência de realizar o ajuste a valor justo desses bens.

Dentre outras de!nições, planta portadora é aquela “cultivada para produzir frutos por mais de um período” (vide NBC TG 29), como árvores frutíferas, que, por estarem no ápice de seu desenvolvimento e não passarem por mudanças signi!cativas, não devem se sujeitar a ajuste a valor justo.

Por outro lado, a NBC TG 29 (R2) expressamente determina que “plantas cultivadas para serem colhidas como produto agrícola (por exemplo, árvores cultivadas para o uso como madeira)” (item 5A), não são plantas portadoras e devem ser classi!cadas como ativo biológico.

Constata-se, portanto, que os ativos /orestais representados por /oresta plantada e “árvores frutíferas” são igualmente classi!cados no ativo não circulante, por não serem mercadorias. E, como é recomen-dável mensurar a /oresta plantada a valor justo, por esta razão, deve--se classi!cá-la no grupo ativos biológicos, ao passo que as “árvores frutíferas” retornam ao grupo do ativo imobilizado.

Conclui-se que a mudança contábil, que trocou a /oresta plantada da conta imobilizado para ativo biológico, não produziu o efeito de retirar-lhe a condição, que havia antes da alteração, de um ativo tangível que, além de destinado à manutenção das atividades da companhia, se espera utilizar por mais de um ano (conceito de ativo imobilizado).

A regra contábil que classi!ca a /oresta plantada como ativo biológico tem o escopo de permitir que o ajuste a valor justo seja evidenciado, sem que tal bem perca sua característica intrínseca de não circulante/imobilizado.

Ante o exposto, as partes, em uma compra e venda de ativo /orestal, podem pactuar o objeto16 do negócio jurídico como quaisquer itens abaixo:

16 Os elementos essenciais da compra e venda são (i) objeto; (ii) preço; e (iii) vontade/consentimento.

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a. “Ativo Biológico”, tal como a /oresta plantada, hipótese em que o objeto da compra e venda é (i) um ativo imobilizado, até a edição do CPC 29; ou (ii) um ativo biológico, que reúne as mesmas características do ativo imobilizado, mas que é mensurado a valor justo, sendo, por isso, evidenciado em conta apartada no grupo do ativo não circulante.

b. “Planta Portadora”, como árvores frutíferas, hipótese em que o objeto do contrato, após alterações ao CPC 29, é um bem do ativo imobilizado.

c. “Produto Agrícola”, sendo ele acabado, já que posto para venda, é hipótese de venda de mercadoria, como a madeira, classi!cada na conta estoque, do ativo circulante.

d. “Produto resultante do processamento após a colheita”, sendo o !m da industrialização realizada sobre o produto agrícola, hipótese em que o objeto também é mercadoria, como a celulose, classi!cada na conta estoque, do ativo circulante.

Aliás, conforme expõe o art. 483, do Código Civil17, o contrato de compra e venda pode ter objeto “coisa atual ou futura”. Portanto, é possível que, (i) na existência de /oresta plantada, ativo biológico/não circulante, (ii) seja pactuada a venda de madeira, que é “Produto Agrícola”, classi!cado no estoque, no ativo circulante, enquanto coisa futura objeto do negócio jurídico.

O que não se pode entender, a rigor da liberdade negocial que confere o referido art. 483, do Código Civil, é que, (i) !xado o objeto do contrato de compra e venda expressamente como /oresta plantada, coisa atual e bem do ativo não circulante, (ii) seja este objeto desconsiderado pela Administração Tributária, para re-classi!cá-lo como “Produto Agrícola”/madeira, que é coisa futura. Tal procedimento, abusivo se despido da prova de algum vício do negócio jurídico, violaria de maneira frontal a liberdade negocial e a livre iniciativa.

Ou seja, se o contrato de compra e venda dispuser expressamente, pode-se vender madeira (“Produto Agrícola”), enquanto coisa futura, a ser colhida a partir de uma /oresta plantada (“Ativo Biológico”) existente a tempo da assinatura do contrato.

17 “Art. 483. A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso, !cará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório.”

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Mas, se o contrato de compra e venda dispuser que o seu objeto é a própria /oresta plantada (“Ativo Biológico”), o Fisco jamais poderá dizer que o seu objeto é coisa futura, como madeira (“Produto Agrí-cola”), salvo se provar a existência de algum vício do negócio jurídico.

3. O ENTENDIMENTO DO ESTADO DE MINAS GERAIS PELA INCIDÊNCIA DO ICMS NA VENDA DE FLORESTA PLANTADA

Desde início da década de 1990, o Estado de Minas Gerais ma-nifestou o entendimento de que o ICMS não incidia sobre a venda de /oresta plantada, por se tratar de ativo imobilizado, bem este que não se amolda ao conceito de mercadoria. É o que se evidenciou nas Consultas de Contribuinte nºs 284/1993 e 463/1991.

Em um segundo momento, o Fisco mineiro passou a adotar uma postura mais rígida na !scalização de cada contribuinte, utilizando a técnica de desconsiderar o negócio jurídico de compra e venda de /oresta plantada, sob a premissa de dissimulação, que traduziria um suposto negócio real de venda de madeira. É o que se veri!cou no Acórdão nº 18.177/07/3ª, de 30.06.2007, por meio do qual o Conselho de Contribuintes cancelou a autuação, prevalecendo o entendimento de que se trata de um bem imóvel, insuscetível de incidência do imposto estadual:

Para !ns da desconsideração do ato/negócio jurídico, o Fisco alega que houve, na verdade, operação de ven-da de madeira – mercadoria - às empresas participantes do contrato, disfarçada de venda de mata em pé – bem imóvel - sujeitando-se a Autuada à incidência de ICMS nessas operações. No entanto, não acrescenta documento algum para con!rmar suas suposições relativas às vendas de madeira, tudo fazendo crer na correção jurídica dos contratos celebrados.

O trecho supracitado demonstra que o Fisco mineiro não logrou provar, em suas autuações e no curso dos processos ad-ministrativos !scais, a existência de qualquer vício do negócio jurídico de compra e venda, notadamente quanto ao seu objeto, que permitisse a reclassi!cação da operação de venda de /oresta plantada (“Ativo Biológico”/coisa atual) para venda de madeira (“Produto Florestal”/coisa futura).

316

A!nal, cabe ao Fisco o ônus de provar, de forma robusta, a ocor-rência de quaisquer vícios de atos e negócios jurídicos para promover, em seguida, a reclassi!cação da materialidade da operação e tributá-la18.

A partir das derrotas sofridas no Conselho de Contribuintes, quanto à tese de vício no negócio jurídico de compra e venda, o Fisco mineiro mudou a sua estratégia.

Em um terceiro momento, que corresponde à fase atual, adveio a Consulta de Contribuinte nº 121/2011, segundo a qual a /oresta plantada corresponderia a um bem móvel por antecipação, sujeito ao ICMS. Esse entendimento foi reiterado nas Consultas nºs 173/2012 e 256/2013.

Neste meio tempo, o Superior Tribunal de Justiça julgou o Recurso Especial nº 1.158.403/ES, em 2010, consolidando o en-tendimento pela não incidência do ICMS:

A venda de árvores em pé, como modalidade da atividade de gestão de ativos /orestais, não é fato gerador de ICMS e gravá-la consistiria em tributar etapa preparatória de possível operação mercantil, em prejuízo da legalidade tributária.(REsp 1158403/ES, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/09/2010, DJe 22/09/2010) – (grifamos).

Ocorre que o Fisco mineiro e o Conselho de Contribuintes, em suas manifestações mais recentes, interpretam o julgado supracitado no sentido de ser necessária a diferenciação da situação fática em cada caso concreto, por ter a Ministra Eliana Calmon, relatora do caso, expressado que !caria “tudo a depender da atividade que está em jogo na operação.” Daí que, no Acórdão nº 20.922/16/2ª, de 04.05.2016, o Conselho de Contribuintes tenha decidido que o entendimento do STJ legitimaria a própria autuação !scal:

Observa-se que esse entendimento vem apenas corroborar o trabalho !scal, pois se veri!ca nos presentes autos que a ‘atividade que está em jogo na operação’ é a de venda de árvores cortadas, embora a extração seja por conta do cliente.

18 “Fraude não se presume, prova-se. O Fisco não provou a fraude. Faz apenas alegações despidas de provas.” (REsp 183.990/SP, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/11/1998, DJ 01/03/1999, p. 248)

317

A Autuada, no momento de !rmar o contrato de compra e venda, tem total ciência de que as árvores serão cortadas, uma vez que o contrato é !rmado com !nalidade especí!ca de venda (com todas as condições de operação mercantil) e o objeto !nal do contrato são toras de madeira extraídas/colhidas pelo comprador, o que demonstra que tanto o ven-dedor quanto o comprador são contribuintes do imposto. Analisando os contratos, veri!ca-se que não se trata de transmissão de propriedade, mas sim de venda de merca-doria com a condição de ser extraída e retirada por conta e ônus do comprador. Conforme contratos de compra e venda de árvore em pé, ao contrário do que a!rma a Defesa, o explorador não podia utilizar a área arrendada como bem entendesse.

No supracitado Acórdão, o Conselho de Contribuintes, ao le-gitimar a autuação !scal, sob o fundamento de que atividade que está

em jogo na operação é a de venda de árvores cortadas, acabou por descon-siderar o negócio jurídico de compra e venda de /oresta plantada (coisa atual), tal qual preconiza o contrato celebrado entre as partes, e reclassi!car a operação para compra e venda de madeira (coisa futura), sem demonstrar, ou provar, quaisquer vícios do negócio jurídico au-torizadores de tamanha intromissão na esfera privada do contribuinte.

Exporemos, nos tópicos seguintes, (i) a feição constitucional do ICMS e (ii) a fragilidade da tese de que a /oresta plantada seria um bem móvel por antecipação, justamente mediante a construção de regras de controle para as !cções em matéria tributária.

4. A DELIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL DA COMPETÊNCIA PARA A INSTITUIÇÃO E COBRANÇA DO ICMS

No que interessa ao presente estudo, a Constituição outorgou competência aos Estados e ao Distrito Federal para instituir imposto sobre (i) operações, (ii) relativas à circulação, (iii) de mercadorias. São estes os três aspectos que conformam o núcleo essencial da hipótese de incidência, para que se con!gure o dever de recolher o imposto. Segundo Geraldo Ataliba e Cléber Giardino19, operações são:

19 ATALIBA, Geraldo; e GIARDINO, Cléber. Núcleo da de!nição constitucional do ICMS. Revista de Direito Tributário vol. 25. São Paulo: RT, 1983, p. 105.

318

atos jurídicos; atos regulados pelo Direito como produtores de determinada e!cácia jurídica; são atos juridicamente relevantes; circulação e mercadoria são, nesse sentido, adje-tivos que restringem o conceito substantivo de operações.

E, quanto à circulação, prosseguem na lição ao expressar que “Circular signi$ca, para o Direito, mudar de titular.”20

Mercadoria, por sua vez, ensina Roque Carrazza21, “é o que a lei comercial assim considera (bem móvel corpóreo, que se submete à mercancia)”. No mesmo sentido, Humberto Ávila22, sob o prisma da repartição constitucional de competências:

Como o poder para tributar as operações com imóveis foi atribuído aos Municípios [...], a palavra ‘mercadoria’, na regra de competência para tributar a circulação de merca-dorias, só pode ser conceituada como bem móvel.

Igualmente, o voto do Ministro Marco Aurélio no RE nº 158.834/SP, Tribunal Pleno, em 23.10.2002: “Pasmem os cultores do Direito: o Convênio 66/88, repetido na Lei estadual, dispõe, com todas as letras, que se equipara à saída, não de um simples bem, mas de mercadoria (bem móvel inserido no comércio) [...].”

Vale destacar trecho do voto vencedor do Ministro Maurício Corrêa, em decisão Supremo Tribunal Federal (“STF”), no RE nº 203.075/DF, DJ 29.10.1999:

No ponto, o termo operação exsurge na acepção de ato mercantil; o vocábulo circulação é empregado no sentido de mudança de titularidade e não de simples movimentação física do bem; e à expressão mercadoria é atribuída a designação genérica de coisa móvel que possa ser objeto comércio por quem exerce mercancia com frequência e habitualidade.

Mas a mera pactuação de negócio jurídico relevante, para transferir a titularidade de bem móvel corpóreo, que se submete à

20 Op. Cit., p. 111. 21 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS, 16ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.

50.22 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva,

2004, p. 202.

319

mercancia com frequência e habitualidade, não de/agra o fato gerador do ICMS. Falta ainda um relevante aspecto, de ordem temporal: a tradição da coisa móvel, da mercadoria, por meio da qual se transfere a titularidade. Isso, nos termos do art. 237, do Código Civil, que expressa que “Até a tradição pertence ao devedor a coisa” e do art. 1.267, segundo o qual “A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.”

Isto é, a mera assinatura de contrato de compra e venda de merca-doria não é fato gerador de ICMS. É preciso executar o contrato, com a saída física, que, mediante a tradição, logra transferir a propriedade jurídica da mercadoria. Nesse sentido, Roque Carrazza23:

Assim, não cabe ICMS quando simplesmente as mercadorias saem do estabelecimento comercial e a ele retornam, por não se ter concretizado, na compra e venda, a imprescin-dível tradição.

A tradição vem sendo compreendida, pelo STJ, como condição resolutória necessária à concretização do fato gerador, ainda que a legislação disponha que a incidência ocorra com a mera “saída” da mercadoria (apesar de ser caso de IPI, o raciocínio é aplicável ao ICMS, pois a única diferença é que, neste, o fato tributado é a saída de mercadoria; naquele, de produto industrializado):

4. O fato gerador do IPI não é a saída do produto do esta-belecimento industrial ou a ele equiparado. Esse é apenas o momento temporal da hipótese de incidência, cujo aspecto material consiste na realização de operações que trans!ram a propriedade ou posse de produtos industrializados.5. Não se pode confundir o momento temporal do fato gerador com o próprio fato gerador, que consiste na reali-zação de operações que trans!ram a propriedade ou posse de produtos industrializados.6. A antecipação do elemento temporal criada por !cção legal não torna de!nitiva a ocorrência do fato gerador, que é presumida e pode ser contraposta em caso de furto, roubo, perecimento da coisa ou desistência do comprador.7. A obrigação tributária nascida com a saída do produto do estabelecimento industrial para entrega futura ao compra-dor, portanto, com tradição diferida no tempo, está sujeita

23 Op. Cit. p. 57.

320

a condição resolutória, não sendo de!nitiva nos termos dos arts. 116, II, e 117 do CTN. Não há razão para tratar, de forma diferenciada, a desistência do comprador e o furto ou o roubo da mercadoria, dado que em todos eles a realização do negócio jurídico base foi frustrada.(REsp 1203236/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJA-MIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/06/2012, DJe 30/08/2012)

Ante o exposto, concluímos que apenas será possível a incidência do ICMS quando veri!cados os seguintes requisitos cumulativos:

a. Pactuação de negócio jurídico relevante (operação); b. para transferir a titularidade (circulação);c. de bem móvel corpóreo (mercadoria);d. que se submete à mercancia, com frequência e habitualidade

(mercadoria);e. a ser veri!cada (circulação) quando perfectibilizada a tra-

dição da mercadoria.

Doravante, demonstrar-se-á que, no contrato de compra e venda de /oresta plantada não há mercadoria, sendo, no mínimo, impertinente ao Direito Tributário o conceito de bem móvel por antecipação.

Ainda que fosse possível admitir a tese do Fisco, quanto ao con-ceito de bem móvel por antecipação – que equivaleria dizer que o objeto do contrato é madeira –, o fato gerador apenas ocorreria na medida em que a tradição da madeira ocorresse, gradativamente, na proporção da exaustão do ativo /orestal e da transferência do “Produto Florestal” para a titularidade do comprador. O que é muito diferente da forma como o ICMS vem sendo exigido, de uma vez só, sobre todo o valor do contrato.

5. A INAPLICABILIDADE DO CONCEITO DE BEM MÓVEL POR ANTECIPAÇÃO AO DIREITO TRIBUTÁRIO

O conceito de bem móvel por antecipação é !cção jurídica, pertencente ao âmbito do Direito Civil, que não produz efeitos no Direito Tributário, eis que:

321

(1) Há expressa norma de não incidência na legislação mineira, para os bens classi!cados no ativo permanente, que corresponde ao atual ativo não circulante, desconsiderada pelo Fisco nas Consultas respondidas. (2) As !cções jurídicas, ainda que pudessem ser admitidas como válidas perante a Constituição, apenas podem ser criadas por lei em sentido formal, jamais por construção doutrinária.(3) Ainda que não houvesse o argumento formal do vício de legalidade, as !cções jurídicas de outros subsistemas do Direito não se incorporam, automaticamente, ao Direito Tri-butário, sendo necessária lei !scal expressa que assim o faça. (4) Mesmo que houvesse lei !scal expressa que incorporasse !cção jurídica do Direito Civil ao Direito Tributário, ou que a criasse diretamente, esta !cção precisaria ser compatível com as regras de competência constitucionais, o que não se veri!ca no caso. (5) As normas de Direito Privado, oriundas da Lei de Socie-dades por Ações, bem como da regra geral do Direito Civil, resolvem a questão, no sentido de que a /oresta plantada não con!gura mercadoria. (6) Trata-se, portanto, de meio indireto e tácito para requali!car o negócio jurídico de compra e venda de /oresta plantada em compra e venda de madeira, sem demonstrar qualquer vício autorizador de tão abusivo procedimento.

No mínimo, adotar o conceito de bem móvel por antecipação seria o mesmo que tributar por analogia, o que é vedado pelo art. 108, § 1º, do Código Tributário Nacional (“CTN”).

É o que passaremos a expor.

5.1. HÁ EXPRESSA NORMA DE NÃO INCIDÊNCIA NA LEGISLAÇÃO MINEIRA, PARA OS BENS CLASSIFICADOS NO ATIVO PERMANENTE, QUE CORRESPONDE AO ATUAL ATIVO NÃO CIRCULANTE, DESCONSIDERADA PELO FISCO NAS CONSULTAS RESPONDIDAS

Em primeiro lugar, é desnecessário perquirir a aplicabilidade do conceito de bem móvel por antecipação no Direito Tributário, ante a existência de expressa norma desonerativa na legislação mineira.

322

O art. 5º, inciso XII, da Parte Geral do RICMS/MG, aprovado pelo Decreto nº 43.080, de 13 de dezembro de 2002, assim dispõe:

“Art. 5º O imposto não incide sobre:XII - a saída de bem integrado ao ativo permanente, assim considerado aquele imobilizado pelo prazo mínimo de 12 (doze) meses, após o uso normal a que era destinado, ex-ceto24 nas seguintes hipóteses: [...].” – (grifamos).

Referida norma, editada em 2002, juntamente com o RICMS/MG, jamais foi alterada no caput do seu inciso XII. Isto signi!ca que, quando editada, vigorava no Brasil o regime contábil anterior à Lei nº 11.638/2007, que iniciou o processo de convergência das regras contábeis internacionais.

Pelo regime anterior, o ativo permanente era composto pelos subgrupos: Investimentos, Imobilizado, Intangível e Diferido. E, como exposto no tópico II, a /oresta plantada era classi!cada no ativo imobilizado, por determinação do Direito Privado (Lei de So-ciedades por Ações), RIR, e normas diversas no âmbito da legislação federal tributária. Ressalta-se, a respeito, o Acórdão nº 3201-000.934, proferido em 22 de março de 2012, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), que referendou o Parecer Normativo CST nº 108/1978, mencionado alhures.

Portanto, pela interpretação histórica, já se constata que a re-gra extraída do art. 5º, inciso XII, pela não incidência do ICMS, se amolda perfeitamente à venda de /oresta plantada, pois (i) trata-se da saída de bem integrado ao ativo permanente; (ii) assim considerado aquele imobilizado pelo prazo mínimo de 12 (doze) meses; e (iii) após o uso normal a que era destinado.

Ainda que o processo de convergência das regras contábeis in-ternacionais tenha motivado a reclassi!cação da /oresta plantada para o subgrupo ativo biológico, a interpretação teleológica demonstra, ao lado da histórica, que não se pode admitir a incidência do ICMS.

Em primeiro lugar, a norma do art. 5º, inciso XII, da Parte Geral do RICMS/MG, não precisaria existir para que o ICMS não incidisse sobre a saída de bens do ativo permanente/ativo não circu-lante. Trata-se de uma decorrência lógica da ausência de mercadoria,

24 As exceções referem-se a bem de origem estrangeira e arrendamento mercantil, razão pela qual são inaplicáveis a este estudo.

323

visto que apenas haverá mercadoria quando esta estiver classi!cada no estoque, no grupo do ativo circulante.

Em uma interpretação teleológica – no caso, explicitar, por se-gurança jurídica, uma hipótese de não incidência que decorre da própria Constituição –, conclui-se que a regra do art. 5º, inciso XII, da Parte Geral do RICMS/MG visa a evitar que o ICMS incida sobre bens que não se quali!quem como mercadoria, pois, classi!cados no ativo permanente/não circulante, como a /oresta plantada, destinam-se à consecução das atividades normais da empresa. Nesse sentido, ensina José Eduardo Soares de Melo25:

A venda de bens do ativo !xo da empresa também nunca poderia acarretar a exigência do ICMS, porquanto não se enquadra no conceito de mercadorias [...].Ativo imobilizado ou ativo !xo são expressões sinônimas que, na linguagem contábil, identi!cam o agrupamento de contas onde se registram os recursos investidos em direitos que tenham por objeto bens necessários à exploração do objeto social (capital !xo). As expressões são utilizadas em oposição a ativo circulante. Os bens integrantes do ativo imobilizado destinam-se, pois, a manter a própria fonte produtora dos rendimentos, enquanto os bens do ativo circulante representam dinheiro, créditos, ou bens que serão transforados em dinheiro [...].

O Eminente doutrinador, com propriedade, anota a irrelevância da denominação ativo imobilizado ou ativo $xo, sendo que poder-se-ia acrescentar a estas duas expressões outra idêntica: ativo não circulante, pois se trata do mesmo grupo de contas, onde os ativos (i) “destinam-

-se, pois, a manter a própria fonte produtora dos rendimentos”, nos termos da lição transcrita; e (ii) grupo este que abarca, atualmente, os ativos biológicos, onde se classi!ca a /oresta plantada.

No mesmo sentido, e comprovando que a regra do art. 5º, in-ciso XII, da Parte Geral do RICMS/MG, não precisaria existir para que o ICMS não incidisse sobre a saída de bens do ativo !xo/ativo permanente/ativo não circulante, é ver o Acórdão do STF no RE nº 194.300/SP, Rel. Ministro Ilmar Galvão:

25 DE MELO, José Eduardo Soares. ICMS: teoria e prática. São Paulo: Dialética, 2012, p. 35.

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“CMS. VENDA DE BENS NO ATIVO FIXO DA EM-PRESA. NÃO INCIDÊNCIA DO TRIBUTO.

A venda de bens do ativo !xo da empresa não se enquadra na hipótese de incidência determinada pelo art. 155, I, b, da Carta Federal, tendo em vista que, em tal situação, inexiste cir-culação no sentido jurídico-tributário: os bens não se ajustam ao conceito de mercadorias e as operações não são efetuadas com habitualidade. Recurso extraordinário não conhecido.(RE 194300, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 24/04/1997, DJ 12-09-1997)

Dessa forma, em primeiro lugar, é desnecessário perquirir a aplicabilidade do conceito de bem móvel por antecipação no Direi-to Tributário, ante a existência de expressa norma desonerativa na legislação mineira, extraída do art. 5º, inciso XII, da Parte Geral do RICMS/MG, aplicável à venda de /oresta plantada.

5.2. AS FICÇÕES JURÍDICAS, NO DIREITO TRIBUTÁRIO, APENAS PODEM SER CRIADAS POR LEI EM SENTIDO FORMAL, JAMAIS POR CONSTRUÇÃO DOUTRINÁRIA

Em segundo lugar, o conceito de bem móvel por antecipação, oriundo da doutrina civilista, (i) con!gura !cção jurídica, (ii) que não foi criada por lei em sentido formal, e sim por construção doutrinária.

Angela Pacheco26, em sua obra sobre !cções tributárias, anota a existência de duas correntes sobre a natureza das !cções jurídicas e propõe uma terceira, con!gurando o cenário abaixo:

a. A !cção jurídica enquanto oposição entre a realidade ju-rídica e a realidade da natureza.

b. A !cção jurídica enquanto remissão legal.c. A !cção jurídica autônoma, que camu/a a substância da

!cção.

Veremos que, sob os ângulos propostos, o conceito de bem móvel por antecipação constitui !cção jurídica, criada pela doutrina civilista.

26 PACHECO, Angela Maria da Motta. Ficções Tributárias: identi'cação e controle. São Paulo: Noeses, 2008, p. 298-299.

325

A existência de uma !cção jurídica, desde o Direito na Grécia e em Roma, tem como objetivo a solução de um problema prático, no intuito de realizar o valor equidade27, em face de lacunas normativas. É dizer, se uma situação A enseja um dever-ser B; e sendo a situação C em tudo similar à situação A; por equidade, pode-se pretender, mediante !cção, equiparar a situação C à situação A, para que ambas de/agrem o dever-ser B. Em suma, são normas que impõem como verdade jurídica o que sabem que não é28.

Quanto à sua de!nição, a primeira corrente apontada acima ($cção jurídica enquanto oposição entre a realidade jurídica e a realidade da natureza) tem como expoente José Luiz Pérez de Ayala29, para quem a !cção cria uma verdade jurídica distinta da verdade real. Insere, no sistema do direito, algo que não corresponde à realidade fática; à realidade natural.

Na segunda corrente ($cção jurídica enquanto remissão legal), Karl Larenz30 expõe que a norma de !cção jurídica faz remissão à outra norma jurídica, ordenando que à hipótese daquela (!cção) se apli-quem os efeitos/consequências desta outra norma. Difere da primeira corrente porque não toma por base a realidade natural, e sim a própria realidade jurídica.

Na terceira corrente ($cção jurídica autônoma, que camu5a a subs-tância da $cção), Angela Pacheco31 leciona que a norma de !cção camu/a-se sob termos como “Consideram-se...”; “É também...”; “Incide também...”, de forma a vulnerar algum critério da regra de incidência tributária, fazendo com que o tributo, disfarçadamente, incida sobre situação não prevista na regra geral:

27 “As !cções são uma técnica utilizada desde pelo menos os direitos grego e romano. Sua função sempre foi essencialmente prática, no intuito de atribuir efeitos jurídicos em situações onde a regra geral não se aplicava, ou quando havia lacunas normativas, ou, ainda, com o !m de possibilitar a aplicação de valores como equidade.

[...] no período pós-renascentista, as !cções continuaram a ser aplicadas no direito europeu, sempre com a !nalidade de adaptação do direito com vistas a atender ao valor equidade.” CARVALHO, Cristiano. Ficções jurídicas no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, p. 215-217.

28 Op. Cit., p. 273.29 PÉREZ DE AYALA, José Luiz. Las !cciones em el Derecho Tributario. Edi-

torial de Derecho Financiero. Madrid, 1970. P. 15. 30 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, 2ª Ed. Lisboa: Editora

Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, p. 306-310.31 Op. Cit., p. 299-300.

326

Ora, estas !cções não só não se referem explicitamente a outras normas, como as remissivas, como camu/am a verda-deira substância da lei de !cção, para que o intérprete, não a percebendo como tal, a considere uma norma válida, e produza todos os efeitos que uma norma válida produziria no sistema.

O conceito de bem móvel por antecipação é !cção jurídica, sob ao menos dois dos três ângulos pelos quais se pode veri!car a questão.

O problema surge na vigência do Código Civil de 1916, cujo art. 43, inciso I, conceituou bem imóvel incluindo, expressamente, as árvores que se aderem ao solo, ou seja, a /oresta plantada:

Art. 43. São bens imóveis:I. O solo com os seus acessórios e adjacências naturais compreendendo a superfície, as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo.

O Código Civil de 2002 optou por uma redação diferente, mas sem alterar a substância do Código anterior, no sentido de adotar, como primeira categoria de bens imóveis, aqueles naturalmente imobilizados:

Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe in-corporar natural ou arti!cialmente.

Daí a doutrina não divergir, em nenhum momento, quanto à classi!cação das /orestas plantadas enquanto bens naturalmente imó-veis, isto é, que são imóveis por natureza; por correspondência com a realidade fática. Mesmo os autores adeptos da tese de que há bens móveis por antecipação não discordam do exposto.

É ver a lição de Caio Mário da Silva Pereira32: “A árvore, o arbusto, a planta rasteira, $xos ao solo pelas raízes são imóveis por natureza, ainda quando resultantes do trabalho de cultura do homem.”

Washington de Barros Monteiro33: “As árvores, enquanto ligadas ao solo, são bens imóveis por natureza.”

32 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 415.

33 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 141.

327

Igualmente, Sílvio de Salvo Venosa34: “Imóveis por natureza [...]. As árvores e os arbustos, ainda plantados pelo homem, são imóveis.”

Maria Helena Diniz35 não destoa do exposto: “As árvores, enquanto ligadas ao solo, são bens imóveis por natureza.”

Todos estes autores que citamos, como amostra de dezenas que representam o mesmo, concordam que classi!cam-se bens imóveis, de acordo com o disposto nos Códigos de 1916 e de 2002, nas seguintes categorias:

i. Por natureza, isto é, por correspondência com a realidade fática/natural, é o caso da /oresta plantada – 43, I, do CC/16 e art. 79, do CC/02;

ii. Por acessão física, ou seja, as construções, os edifícios, etc. – art. 43, II, do CC/16 e art. 79, do CC/02;

iii. Por acessão intelectual, os quais, por natureza são móveis, mas, por vontade humana, imobilizam-se, como máquinas e equipamentos – art. 43, III, do CC/16;

iv. Por determinação legal, que são os direitos reais sobre imóveis, por exemplo – art. 44, do CC/16 e art. 80, do CC/02.

E, por bens móveis, também de acordo com os dois Códigos:

i. Por natureza, que são bens suscetíveis de movimento pró-prio, ou de remoção por força alheia – art. 47, do CC/16 e art. 82, do CC/02;

ii. Por determinação legal, tais como energias com valor eco-nômico e direitos reais sobre bens móveis – art. 48, do CC/16 e art. 83, do CC/02.

Não há, no texto dos Códigos de 1916 e de 2002, qualquer menção à !gura de bens móveis por antecipação. Aliás, segundo as nor-mas supracitadas, não há dúvida quanto ao fato de que (i) as /orestas plantadas são bens imóveis por natureza; (ii) sendo impossível a sua quali!cação como bens móveis.

34 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 2013, p. 311.

35 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 141.

328

Con!guram bens móveis, conforme o texto dos Códigos, apenas os “Produtos Agrícolas”, como a madeira, que não se confundem com os “Ativos Biológicos”, correspondentes à /oresta plantada.

Ainda que sem fundamento nos Códigos de 1916 e de 2002, alguns doutrinadores, não isentos de consideráveis críticas, defenderam a tese de que haveria uma terceira categoria de bens móveis, aqueles assim o são por antecipação. É ver o teor da Consulta de Contribuinte nº 121/2011, que inaugurou a discussão em Minas Gerais:

Segundo a!rma o Mestre em Direito Civil pela PUC/SP, Carlos Roberto Gonçalves, na página 248 do vol. I da 6ª edição de sua obra, Direito Civil Brasileiro 2008, ‘as árvores e os frutos pendentes são bens imóveis por acessão natural e podem ainda ser bens imóveis por acessão arti!cial ou industrial, entretanto, se forem destinadas ao corte, serão consideradas bens móveis por antecipação’.Quanto aos ‘bens móveis por antecipação’ referenciados no parágrafo anterior, o autor aponta outros doutrinadores que compartilham igual entendimento, tais como Washington de Barros Monteiro, Caio Mário da Silva Pereira, Francisco Amaral e Silvio Rodrigues.

Caio Mário da Silva Pereira36, apesar de defender a tese, como exposto no trecho transcrito acima, reconhece sua inaplicabilidade, ante o silêncio dos Códigos de 1916 e 2002, e diz que são, efetiva-mente, bens imóveis por natureza:

O Código deixou de considerar os bens móveis por ante-cipação, perdendo assim a oportunidade de encerrar velha controvérsia. Trata-se daqueles bens que são naturalmente incorporados ao imóvel, e, portanto, imóveis, mas que des-tinam a ser proximamente destacados e mobilizados, como a mata destinada ao corte.

Clóvis Bevilaqua37 opõe-se à tese de que haveria uma terceira categoria, de bens móveis por antecipação, importada da doutrina francesa, porque esta tese não encontrava respaldo no Código de 1916:

36 Op. Cit., p. 423.37 BEVILAQUA, Clóvis. Theoria Geral do Direito Civil, 2ª ed. Rio de Janeiro:

Livraria Francisco Alves, 1929, p. 277-278.

329

O nosso direito não conhece a especie de moveis por ante-cipação, de que se ocupam os escriptores francezes. As safras ainda não colhidas, os fructos ainda pendentes dos ramos, as madeiras ainda não cortadas são immoveis por natureza, como partes integrantes do sólo, a que adherem.

Fica claro, por todo o exposto:

a. Segundo os Códigos de 1916 e 2002, as /orestas plantadas são bens imóveis por sua própria natureza, ou seja, pela realidade fática;

b. A construção doutrinária de que haveria uma terceira categoria de bens móveis, por antecipação, foi importada do Direito Francês, e enfrenta, ainda hoje, resistência de consideráveis nomes do Direito Civil pátrio.

Qual será, então, a natureza jurídica desta controversa construção doutrinária, a que se denominou bens móveis por antecipação, já que não encontra suporte de validade na lei civil brasileira?

Entendemos que, a exemplo da categoria dos bens móveis (e imóveis) “por determinação legal”, os bens móveis por antecipação con-!guram !cção jurídica, mas sem suporte em lei formal. Para tanto, testaremos o conceito nas correntes apresentadas por Angela Pacheco.

Em primeiro lugar, caso tal categoria fosse efetivamente de bens móveis, não haveria nenhuma necessidade do complemento “por an-

tecipação”. Seriam apenas bens móveis. Isto prova que a classi!cação em tela não encontra respaldo na realidade fática, com o que, a bem da verdade, concorda a totalidade da doutrina civilista brasileira, que trata as árvores plantadas como bens imóveis por natureza.

Trata-se, então, de típico caso em que, uma situação A (venda

de madeira, que é bem móvel por natureza), gera determinado efeito B (desnecessidade de registro notarial e outorga conjugal); mas, sendo a situação C (venda de 5oresta plantada, que é bem imóvel por natureza), semelhante, para !ns civis, à situação A, pretende-se, por !cção jurídica, equiparar a situação C à situação A, de forma que ambas produzam o mesmo efeito B.

O efeito B, que consiste na desnecessidade de registro notarial e outorga

conjugal para a venda de bens móveis, cuja propriedade se transmite com a simples tradição, traduz o valor “equidade”, que justi!caria a existência da !cção jurídica.

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Esta conclusão encontra amparo na primeira corrente apontada acima ($cção jurídica enquanto oposição entre a realidade jurídica e a reali-dade da natureza), por se tratar de uma verdade jurídica (bem móvel por antecipação) distinta da verdade real (bem imóvel por natureza). Ou seja, a !cção ora investigada não corresponde à realidade fática, à realidade natural, porque a /oresta plantada con!gura bem imóvel por natureza, já que integrada, indissociavelmente, ao solo.

E também encontra amparo na segunda corrente ($cção jurídica enquanto remissão legal), já que a !cção jurídica (bem móvel por anteci-pação) faz remissão à outra norma jurídica (conceito jurídico de bem móvel), ordenando que à hipótese daquela (!cção) se apliquem os efeitos/consequências desta outra norma (bem móvel).

Portanto, a construção doutrinária pela existência da categoria de bem móvel por antecipação con!gura !cção jurídica.

Eis aí o problema, de ordem formal, insuperável, que torna referida ficção inaplicável aos domínios do subsistema tributário: a ausência de lei em sentido formal que a tenha criado, por se tratar de mera construção da doutrina estrangeira, importada por alguns autores brasileiros, sem respaldo nos Códigos de 1916 e de 2002.

Não é nossa intenção avaliar se a !cção jurídica do bem móvel por antecipação pode produzir efeitos no âmbito do subsistema do Direito Civil, mormente face ao valor equidade, traduzido em con-creto como desnecessidade de registro notarial e outorga conjugal para a venda de bens móveis. Essa hipótese, se correta ou não, !ca a cargo do Direito Civil e não interessa ao presente estudo.

O que nos importa aqui é demonstrar que, ao menos no subsis-tema do Direito Tributário, nenhuma !cção jurídica pode ingressar a não ser por lei em sentido formal.

Isso porque o art. 114, do CTN, dispõe que o que con!gura fato gerador de obrigações tributárias é a situação descrita na lei, e não em construções interpretativas da doutrina, em atos infralegais, ou mesmo na jurisprudência. Interessa ao Direito Tributário que a situação fática a qual se atribui valor jurídico esteja previamente descrita em lei formal.

Caso o fato gerador da obrigação tributária tenha como base situação descrita pelo Direito Privado, é imprescindível que, no mínimo – sem adentrar no mérito da necessidade de compatibilidade constitucional –, haja lei formal de algum subsistema (civil, comercial, direito contábil,

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etc.) que tenha enunciado e descrito, adequadamente, a situação fática que ensejará o surgimento da obrigação de recolher tributos.

No caso, a lei formal, oriunda do Direito Civil, descreve a /oresta plantada como um bem imóvel por natureza. E, a norma não legis-lada, porquanto construção doutrinária (se é que se pode chamá-la de norma), descreve a /oresta plantada, quando objeto de compra e venda, como bem móvel por antecipação. Qual “norma” interessa ao Direito Tributário, nos termos do art. 114, do CTN? Obviamente, a norma legislada, positivada no art. 79 do Código Civil, segundo a qual a /oresta plantada é um bem imóvel.

É ver o preciso magistério de Ricardo Mariz de Oliveira38, em trabalho sobre presunções, indícios e !cções:

[...] o art. 114 do CTN diz, com toda propriedade, que: [...]Sendo assim, quem interpreta a lei meramente em tese, ou quem a aplica efetivamente em concreto, não pode fugir da norma legislada e do fato real, como ele é (na simples interpretação em abstrato) e como ele estiver devidamente comprovado (na aplicação em concreto). Vale dizer, o intér-prete ou o aplicador da lei não trabalha com !cção de uma realidade inexistente onde não haja !cção prevista em lei, tanto quanto não pode insurgir-se contra a norma válida, por entendê-la de algum modo inconveniente ou pior que outra não editada pelo Poder Legislativo. Destarte, !cção somente parte do legislador e deve estar em norma por ele colocada no ordenamento jurídico, mas mesmo ele não detém poder absoluto para assim legislar.

Isto é, o Fisco mineiro não pode fugir da norma legislada (art. 79, do Código Civil), segundo a qual a venda de /oresta plantada é venda de bem imóvel, insuscetível de incidência do ICMS, por considerá-la, a seu juízo, inconveniente ou pior do que a outra “norma”, não legislada, que preconiza a !cção jurídica de bem móvel por antecipação.

No mesmo sentido, a lição de Luciano Amaro39:

38 OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Presunções. Indícios. Ficções. In: BARRETO, Aires Fernandino. Direito Tributário Contemporâneo: Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 671.

39 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 274.

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Já a !cção jurídica (ou melhor, a !cção no plano jurídico) é de utilização privativa do legislador. Por meio dessa técnica, a lei atribui a certo fato características que, sabidamente, não são reais.

O STF, no RE nº 503.372/RJ, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, DJe 23.04.2010, já se pronunciou sobre o tema, manifestando en-tendimento que corrobora o exposto:

[...] ISS. CONTRATO DE AFRETAMENTO DE EM-BARCAÇÃO NA MODALIDADE “A CASCO NU”. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE ENTENDEU PRE-SENTE A PRESTAÇÃO POTENCIAL E EFETIVA DE SERVIÇOS CIRCUNDANTES. ERROS MATERIAIS E DE CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA. [...]2.1. Como a constituição do crédito tributário é atividade administrativa plenamente vinculada, presunções e $cções de senso comum, não expressamente autorizadas em lei, não podem ser usadas para motivar ou fundamentar juízo pela incidência de norma tributária. Potencial de realização do fato gerador não pode substituir, pura e simplesmente, a constatação da efetiva ocorrência do fato jurídico tributário. [...].”(RE 503372 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBO-SA, Segunda Turma, julgado em 06/04/2010, p. 196-202) – (grifamos).

Também nesse sentido, de que não cabe ao intérprete se afastar do conteúdo legislado, o RE nº 166.772/RS, Rel. Ministro Marco Aurélio, DJ 16.12.1994:

INTERPRETAÇÃO - CARGA CONSTRUTIVA - EXTENSAO. Se é certo que toda interpretação traz em si carga construti-va, não menos correta exsurge a vinculação à ordem jurídi-co-constitucional. O fenômeno ocorre a partir das normas em vigor, variando de acordo com a formação pro!ssional e humanística do intérprete. No exercício grati!cante da arte de interpretar, descabe “inserir na regra de direito o próprio juízo - por mais sensato que seja - sobre a !nalidade que “conviria” fosse por ela perseguida” - Celso Antonio Bandeira de Mello - em parecer inédito. Sendo o Direito uma ciência, o meio justi!ca o !m, mas não este àquele. (RE

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166772, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 12/05/1994, DJ 16-12-1994) –

Ante o exposto, por mais que se pudesse admitir como válida a !cção jurídica, construída pela doutrina estrangeira, que estatui a categoria de bens móveis por antecipação, estritamente no âm-bito do Direito Civil, esta !cção jamais poderá produzir efeitos no âmbito do Direito Tributário, porque não foi introduzida no ordenamento jurídico por lei em sentido formal. Isso viola o prin-cípio da legalidade (art. 150, I, da CR/88) e o art. 114, do CTN, dele decorrente, segundo o qual o que con!gura fato gerador de obrigações tributárias é a situação descrita na lei, e não em cons-truções interpretativas da doutrina, em atos infralegais, ou mesmo na jurisprudência.

5.3. AINDA QUE NÃO HOUVESSE O ARGUMENTO FORMAL DO VÍCIO DE LEGALIDADE, AS FICÇÕES JURÍDICAS DE OUTROS SUBSISTEMAS DO DIREITO NÃO SE INCORPORAM, AUTOMATICAMENTE, AO DIREITO TRIBUTÁRIO, SENDO NECESSÁRIA NORMA FISCAL EXPRESSA QUE ASSIM O FAÇA

Há uma série de !cções jurídicas, instituídas por lei, nos mais diversos subsistemas do Direito, inclusive no próprio âmbito do Direito Privado. Essas normas ora produzem efeitos no Direito Tri-butário; ora não.

Requisito necessário para identi!car se uma !cção oriunda de outro subsistema será e!caz no campo tributário – ainda sem entrar no mérito da compatibilidade da $cção com as regras constitucio-nais de competência –, é a existência de norma !scal expressa que acolha a !cção.

Portanto, a !cção jurídica oriunda de outro subsistema pode ser incorporada ao Direito Tributário: (i) diretamente pela Consti-tuição, hipótese em que não haverá dúvidas sobre sua aplicabilidade; e (ii) pelas demais normas, oriundas da legislação complementar e ordinária, o que demandará, sempre, a investigação de compatibi-lidade da norma que acolhe a !cção com as regras constitucionais de competência.

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Em todo caso, uma !cção jurídica que não tenha sido criada por norma tributária (entenda-se norma constitucional ou legal), não produzirá efeitos automáticos no Direito Tributário.

Exatamente por essa razão, ainda que não houvesse o argumento formal do vício de legalidade, a !cção jurídica relativa ao conceito de bem móvel por antecipação, para produzir efeitos no Direito Tri-butário, necessitaria de norma expressa que a acolhesse.

Como referida norma não existe, a !cção jurídica é e!caz – ao menos em tese, já que não é objeto deste estudo avaliar a sua e$cácia no Direito Privado – apenas no próprio subsistema onde ela foi criada.

Conforme lição de Cristiano Carvalho40, !cções jurídicas não criam “verdades”. Apenas concretizam, no seu restrito âmbito de atuação, o valor equidade que motivou sua instituição:

Ficções, nesse sentido, jamais podem ser ‘verdades’, pois signi!cam uma desconsideração de correspondência, seja em relação ao direito com a realidade, seja do di-reito com o próprio direito (realidade institucional ou jurídico-institucional).

A única exceção a essa regra, que possibilita que uma !cção jurídica seja considerada “verdade” para o Sistema Jurídico como um todo, é o seu status de norma constitucional originária, cuja aplicação, por seu próprio comando, não se restrinja a um subsistema. Mesmo a norma que reforme a Constituição estará sujeita a controle de constitucionalidade.

Mas, para tanto, a norma constitucional deve ser expressa. A Constituição tem poder para tudo, a!rmara o Ministro Thompson Flores, no RE nº 74.28441, “imposta pelo Direito Revolucionário, poderia

desfazer o direito adquirido. [...]. Carecia, todavia, para fazê-lo, tornar expresso

que assim o dispunha”. Do mesmo modo, o Ministro Aliomar Baleeiro não deixou em meias palavras: “aceito que uma Constituição pode fazer

do quadrado redondo, do branco preto, segunda a velha fórmula dos juristas

antigos, mas é preciso que o faça expressamente.”

Vejamos dois exemplos, que comprovam, inclusive, que essa prerrogativa não é exclusiva do Direito Tributário, razão pela qual

40 Op. Cit., p. 240. 41 RE n 74.284, Relator Min. Thompson Flores, Tribunal Pleno, DJ 29.06.1973.

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as !cções tributárias também não se comunicam, automaticamente, com os outros subsistemas jurídicos, porque não criam “verdades”:

i. O Direito Penal admite que uma pessoa jurídica seja con-siderada réu por crime ambiental42, mas isto não relativiza a personalidade da pessoa jurídica, ou causa qualquer confusão quanto à sua natureza em relação a outros subsistemas do Direito;

ii. O Direito Tributário trata as Sociedades em Conta de Participação como pessoas jurídicas43, mas isto não lhes confere personalidade para !ns de aplicação da regras dos demais subsistemas.

E, no subsistema do Direito Civil, especi!camente quanto à classi!cação de bens móveis e imóveis, há !cções jurídicas que não se comunicam ao Direito Tributário, mesmo tendo sido criadas por lei formal.

Por exemplo, há bens imóveis por determinação legal, tais como os direitos reais sobre imóveis, ante a determinação do art. 44, do CC/16 e art. 80, do CC/02. São !cções jurídicas, porque direitos, dada sua natureza incorpórea, não correspondem propriamente a bens imóveis.

Um exemplo de direito real sobre imóveis são as servidões. Sendo considerados imóveis pelo Direito Civil, houve casos em que Mu-nicípios cobraram IPTU sobre tais direitos. Mas as cobranças foram canceladas pelo STJ, uma vez que a !cção jurídica que considera as servidões bens imóveis é restrita ao âmbito do Direito Civil:

TRIBUTÁRIO – IMPOSTO SOBRE A PROPRIE-DADE TERRITORIAL URBANA – SERVIDÃO DE PASSAGEM

42 Lei nº 9.605/1998: “Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penal-

mente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.”

43 Regulamento do Imposto de Renda: “Art. 148. As sociedades em conta de participação são equiparadas às pessoas

jurídicas (Decreto-Lei n º 2.303, de 21 de novembro de 1986, art. 7º, e Decre-to-Lei n º 2.308, de 19 de dezembro de 1986, art. 3º).”

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1. Os arts. 32 e 34 do CTN de!nem, respectivamente, o fato gerador e o contribuinte do IPTU, contemplando a propriedade, a posse e o domínio útil.2. Não há base legal para cobrança do IPTU de quem apenas se utiliza de servidão de passagem de imóvel alheio.3. Recurso especial não provido.(REsp 601.129/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2004, DJ 24/05/2004, p. 253)

Há, também, bens móveis por determinação legal, tais como energias com valor econômico, vide art. 48, do CC/16 e art. 83, do CC/02.

A energia elétrica, ainda que possua valor econômico, é bem incorpóreo, razão pela qual não con!gura bem móvel por natureza. Fosse apenas a !cção jurídica criada no Direito Civil, que a quali!ca como bem móvel, não seria possível gravar sua comercialização com o ICMS, ante a ausência do conceito de mercadoria, que pressupõe bem móvel corpóreo.

Ocorre que, nesse caso, a própria Constituição se encarregou de criar a mesma !cção jurídica no subsistema tributário, ao conferir aos Estados e ao Distrito Federal competência para instituir ICMS sobre operações com energia elétrica, a teor do seu art. 155, inciso II, § 3º. O Ministro Marco Aurélio, na MC na ADI nº 1.945/MT, expressou o exposto:

Dir-se-á: tem-se a problemática da energia elétrica. Mas, quanto à energia elétrica, o próprio constituinte de 1988 versou a matéria. Tratou de forma especí!ca porque, a rigor, a rigor, não se poderia cogitar de circulação de mercadoria e de operação de circulação de mercadoria. – (grifamos).

Daí que a !cção jurídica que corresponde à energia elétrica ser tratada como mercadoria, atraindo a incidência do ICMS, só foi pos-sível porque a Constituição a acolheu de forma expressa, diretamente no capítulo do subsistema tributário.

Em todos os demais casos, tal qual o da servidão, !cções jurí-dicas oriundas de outros subsistemas do Direito, não expressamente acolhidas por norma tributária, apenas produzem efeitos nos seus respectivos subsistemas, Esta é a posição do Pleno do STF, no RMS 4.288/PE, Rel. Ministro Luiz Galloti, DJ 11.10.1957:

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Impôsto de vendas e consignações sôbre mercadorias expor-tadas para fora do país. Legitimidade, pois não se confunde com o de exportação. O fato gerador, em cada um dêles, é diverso. Na venda, há transferência de propriedade de mer-cadoria; na exportação, transferencia de local. Na primeira, o fato gerador da exigibilidade do tributo é a operação de compra e venda; na segunda, é a saida da mercadoria do país. Improcede dizer-se que, sendo o comprador domiciliado no estrangeiro, seria fora do país o lugar do contrato, que assim não poderia ser tributado. Improcede, porque o direito tributário tem critérios próprios, decorrentes de sua autonomia, e não se compadece com as $cções jurídicas de outros ramos do direito.(RMS 4288, Relator(a): Min. LUIZ GALLOTTI, Tribunal Pleno, julgado em 28/08/1957, DJ 11-10-1957) – (grifamos).

Dessa forma, sendo o conceito de bem móvel por antecipação uma !cção jurídica; e não havendo norma tributária que a acolha no subsistema tributário; ainda que ela seja válida no âmbito do Direito Civil, jamais poderá ser considerada pelo Fisco como norma apta a atrair a incidência do ICMS ou de qualquer outro tributo.

5.4. MESMO QUE HOUVESSE NORMA TRIBUTÁRIA QUE INCORPORASSE FICÇÃO DO DIREITO CIVIL, OU QUE A CRIASSE DIRETAMENTE, ESTA FICÇÃO PRECISARIA SER COMPATÍVEL COM AS REGRAS DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAIS

Qualquer norma que se pretenda aplicar ao Direito Tributá-rio, no que diz respeito à incidência de tributos, precisa guardar respeito às materialidades determinadas nas regras constitucionais de competência.

Com a norma de !cção jurídica não é diferente; seja ela criada pelo próprio Direito Tributário, ou oriunda de outro subsistema jurídico, como o Direito Civil. Ensina Ricardo Mariz de Oliveira44:

especi!camente em direito tributário, a norma criadora da !cção subordina-se a outros limites particulares, derivados da própria competência para tributar que for detida pelo ente público cujo Poder Legislativo pretenda instituí-la.

44 Op. Cit., p. 672-673.

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Não seria preciso dizê-lo, num plano de pura lógica jurídica, mas a Constituição Federal foi cuidadosa ao expressar, mais que simplesmente distribuir, as competências tributárias mediante a referência a situações de fato ou de direito, com o quê qualquer um já poderia saber o que poderia ser tributado, por que, e sobre quem.

[...]Já aí temos barreiras indevassáveis pelo legislador ordinário, é claro, inclusive através do artifício da instituição de !cções, que, deturpando a realidade necessariamente contida na atribuição constitucional de competência tributária, sim-plesmente a trespassaria por meio de uma !cção criadora de uma realidade meramente ilusória e diversa da prescrita no altiplano constitucional. Portanto, em direito tributário !cções são possíveis sob rígido controle constitucional.

Se a própria norma tributária não poderia determinar algo dire-tamente, porque estaria fora do espectro constitucional, também não pode instituir !cção jurídica que o diga (“Considera-se...”; “Equipa-ra-se...”; etc.), ou importar esta !cção de outro subsistema do Direito.

O que é preciso evitar, consoante pertinente alerta no voto do Mi-nistro Luiz Galloti no RE nº 150.764/PE, é que, direta ou indiretamente, inclusive pelo artifício da criação ou incorporação de !cção jurídica, o Fisco passe a ampliar o campo de incidência de tributo, ou antecipar o seu critério temporal, em desconformidade com as regras constitucionais:

Como sustentei muitas vezes, ainda no Rio, se a lei pudesse chamar de compra o que não é compra, de importação o que não é importação, de exportação o que não é exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na Constituição.(RE 150764, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 16/12/1992, DJ 02-04-1993).

E, para evitar que isto aconteça, o CTN garantiu, no art. 110, a preservação dos conceitos de direito privado invocados pelas normas constitucionais que instituem competências tributárias.

Essa norma impede, por exemplo, que, sendo determinado tri-buto incidente sobre a propriedade de veículos automotores, venha

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norma posterior, criando ou incorporando !cção jurídica, dispor que bicicletas ou animais se equiparam ao referido conceito, de modo a am-pliar o âmbito de incidência tributária45. Ensina Cristiano Carvalho46:

Não obstante a exaustiva delimitação das competências de instituição de tributos, não é incomum que os entes da federação violem essa conformação. A forma precípua dessa violação, e a doutrina parece não perceber isso, é justamente a utilização de !cções. Considerando que o direito tributário utiliza basicamente formas e institutos de direito privado, pois são esses que regulam as atividades econômicas dos cidadãos, a forma por excelência de invadir competência alheia é desconsiderar esses institutos.

O STF vem se pronunciando sobre o assunto, afastando, por inconstitucionais, normas que criam !cções jurídicas que atentam contra as regras de competência estabelecidas na Constituição. No RE nº 104.306/SP, Rel. Ministro Octavio Gallotti, DJ 18.04.1986, afastou-se a exigência de Imposto de Importação sobre mercadoria nacional reimportada, ao considerar que tratar mercadoria nacional como estrangeira seria !cção jurídica inadmissível:

Tem-se, na espécie, uma !cção jurídica criada pela le-gislação ordinária, que inseriu, no núcleo da hipótese de incidência do imposto de importação, um novo elemento, sem observar a necessária correspondência com a previsão constitucional pertinente. O art. 21, I, da Constituição, ao de!nir a tributação de mercadorias importadas, restringiu o alcance da exação aos bens estrangeiros, afastando, por conseguinte, a cobrança do imposto em questão sobre produtos de fabricação nacional. [...] ao legislador ordiná-rio, [...], ao ampliar, por um artifício, o conteúdo da regra constitucional, afrontou a própria natureza e o fundamento do gravame tributário, em detrimento dos pressupostos enunciados na Constituição.

45 Consoante a lição de Luciano Amaro, “se a regra que outorga competência tributária (e, portanto, dá os contornos do campo sobre o qual é exercitável a competência) autoriza a tributação de imóvel, não pode o legislador tributário equiparar móveis a imóveis, para efeitos !scais, sob pena de ampliar, ilegitima-mente, sua esfera de competência”. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 101.

46 Op. Cit., p. 265.

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(RE 104306, Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI, Tribunal Pleno, julgado em 06/03/1986, DJ 18-04-1986) –

No RE nº 158.834, Rel. Ministro Marco Aurélio, o Fisco pre-tendeu equiparar a produção de ativo não circulante pelo próprio contribuinte à sua saída, de forma a cobrar ICMS sobre a operação. Acertadamente, a exigência foi afastada:

ICMS - PRODUÇÃO - ATIVO FIXO - SAÍDA - FIC-ÇÃO JURÍDICA. Mostram-se inconstitucionais textos de convênio e de lei local - Convênio nº 66/88 e Lei nº 6.374/89 do Estado de São Paulo - reveladores, no campo da !cção jurídica (saída), da integração, ao ativo !xo, do que produzido pelo próprio estabelecimento, como fato gerador do ICMS.(RE 158834, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/10/2002, DJ 05-09-2003)

É ver trecho do voto do Ministro Marco Aurélio: “bem – e não merca-doria – que surge pela vez primeira no próprio estabelecimento, porque por ele e nele produzido, integrado ao ativo $xo, é objeto de saída, sem, no entanto, haver entrado.”

Este último julgado assemelha-se ao artifício que o Fisco mineiro passou a utilizar a partir da Consulta de Contribuinte nº 121/2011, ao incorporar a !cção jurídica relativa ao conceito de bem móvel por antecipação, para cobrar ICMS sobre a venda de bem do ativo não circulante, que não con!gura mercadoria.

É dizer, o Fisco reconhece que a /oresta plantada, classi!ca-da no ativo não circulante, que é ativo biológico produzido pelo próprio contribuinte, não con!gura mercadoria; mas pretende equiparar a venda deste bem – que não é mercadoria – à saída de madeira.

Basta considerar que, se a lei tributária dispusesse diretamente que incide ICMS sobre a venda de /oresta plantada, tal norma seria notoriamente inconstitucional, ante a caracterização de tal bem como ativo biológico, classi!cado no ativo não circulante.

Mas, arti!ciosamente, o Fisco pretende importar inaplicável !cção oriunda do Direito Civil, que sequer poderia ser criada por norma tributária – sob pena de inconstitucionalidade –, para trans-mutar a natureza da /oresta plantada, de ativo biológico em produto agrícola/madeira.

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É nítida a violação ao disposto no art. 155, II, da Constituição, que estatui o núcleo da hipótese de incidência do ICMS, tendo como elemento central o conceito de mercadoria, ao qual a /oresta plantada não se amolda.

Não fosse assim, o Fisco não precisaria lançar mão de !cção jurídica para modi!car o objeto do contrato de compra e venda, de /oresta plantada para madeira.

No mínimo, a !cção jurídica que lastreia o posicionamento do Fisco implica a antecipação do critério temporal, para momento (celebração do contrato) em que ainda não há saída de nenhuma mercadoria (madeira). Isto foi bem observado pela Ministra Eliana Calmon, no julgamento do REsp nº 1.158.403/ES, em 2010: “A venda de árvores em pé [...] não é fato gerador de ICMS e gravá-la consistiria em tributar etapa preparatória de possível operação mercantil, em prejuízo da legalidade tributária.” O fato gerador do ICMS apenas se perfectibi-liza com a tradição da mercadoria, jamais com a mera assinatura do contrato de venda de bem do ativo não circulante.

O uso de !cções jurídicas para antecipar a ocorrência do fato gerador foi bem observado por Angela Pacheco47:

É preciso ter cuidado com as !cções que podem apresentar graves problemas com relação à capacidade contributiva. É o caso em que o contribuinte é obrigado ao recolhi-mento do imposto antes mesmo de vender o produto ou, se vendido, sem ainda receber o preço.

Por tais razões, mesmo que houvesse norma tributária que in-corporasse a !cção que é a categoria dos bens móveis por antecipação do Direito Civil, ou que a criasse diretamente, esta !cção precisaria ser compatível com as regras de competência constitucionais, o que não se veri!ca no caso: (i) tanto porque não há mercadoria, e sim bem do ativo não circulante; (ii) como pela inconstitucional antecipação do fato gerador, ao exigir o ICMS antes da tradição.

5.5. A SUFICIÊNCIA DAS NORMAS DE DIREITO PRIVADO ORIUNDAS DA LEI DE SOCIEDADE POR AÇÕES E DA REGRA GERAL DO CÓDIGO CIVIL PARA ATESTAR QUE A FLORESTA PLANTADA

NÃO É MERCADORIA, INSUSCETÍVEL DE INCIDÊNCIA DO ICMS

As normas de Direito Privado, oriundas da Lei de Sociedades por Ações, bem como da regra geral do Direito Civil (art. 79, do

47 Op. Cit., p. 277.

342

CC/02), resolvem a questão, no sentido de que a /oresta plantada não con!gura mercadoria, por se tratar de bem do ativo não circulante, legalmente classi!cado como bem imóvel por natureza.

E, nos termos do art. 222, inciso I, da Parte Geral do RICMS/MG, mercadoria é (i) bem móvel; (ii) suscetível de circulação econô-mica, não sendo feita, naturalmente, qualquer menção a bens do ativo não circulante. Quando mencionado o ativo permanente, é apenas na restrita hipótese da sua importação:

Art. 222. Para os efeitos de aplicação da legislação do im-posto: I - mercadoria é qualquer bem móvel, novo ou usado, suscetível de circulação econômica, inclusive semovente, energia elétrica, substâncias minerais ou fósseis, petróleo e seus derivados, lubri!cante, combustível sólido, líquido ou gasoso e bens importados por pessoa física ou jurídica para uso, consumo ou incorporação no ativo permanente.

A /oresta plantada, portanto, não é mercadoria, e sim bem do ativo não circulante, insuscetível de circulação econômica, já que, mesmo vendida, não será movimentada !sicamente.

O posicionamento do Fisco, a partir da Consulta de Contri-buinte nº 121/2011, consiste em meio indireto, arti!cioso e tácito para requali!car o negócio jurídico de compra e venda de /oresta plantada em compra e venda de madeira, sem demonstrar qualquer vício autorizador de tão abusivo procedimento.

6. A VEDAÇÃO À TRIBUTAÇÃO POR ANALOGIA

No mínimo, adotar o conceito de bem móvel por antecipação seria o mesmo que tributar por analogia, o que é vedado pelo art. 108, § 1º, do CTN.

Como exposto, trata-se, então, de típico caso em que, uma situação A (venda de madeira, que é bem móvel por natureza), gera de-terminado efeito B (incidência do ICMS); mas, sendo a situação C (venda de 5oresta plantada, que é bem imóvel por natureza), semelhante, para !ns !scais, à situação A, o Fisco pretende, por analogia, equiparar a situação C à situação A, de forma que ambas produzam o mesmo efeito B: incidência do imposto estadual.

Considerando-se ser !cção jurídica, a tributação é vedada por todo o exposto até aqui; considerando-se ser analogia, há o óbice

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expresso no art. 108, § 1º, do CTN, o que impede, em absoluto, a incidência do ICMS sobre a venda da /oresta plantada.

7. A LICITUDE DA OPERAÇÃO IMPEDE O FISCO DE DESCONSIDERAR O OBJETO DO CONTRATO: A QUESTÃO DO VÍCIO DE DISSIMULAÇÃO

O Fico mineiro, em todas as fases em que tentou tributar a venda de /oresta plantada, utilizou meios, diretos e indiretos, para reclassi!car o objeto do negócio jurídico de compra e venda: de /oresta, para madeira.

Num primeiro momento, não logrou demonstrar nenhum vício dos negócios praticados pelos contribuintes, o que motivou a derrota da tese !scal no CC/MG.

Em seguida, o Fisco lançou mão de meios indiretos para des-considerar o objeto da compra e venda como /oresta plantada, notadamente a tese relacionada ao bem móvel por antecipação, e à própria interpretação, equivocada, do REsp 1.158.403/ES, a partir da a!rmação da Ministra Eliana Calmon de que !caria “tudo a depender

da atividade que está em jogo na operação.” Fato é que, até o momento, não houve casos em que o Fisco te-

nha efetivamente provado qualquer vício, especialmente dissimulação quanto ao objeto da compra e venda, que lhe permitisse desconsiderar o objeto pactuado entre as partes.

Dissimulação, ou simulação relativa, con!gura vício do negócio jurídico, no que tange à sua natureza constitutiva, ao se declarar ter feito algo, quando, em verdade, outra foi a natureza do que se praticou, escondida sob o ato dissimulado. Ensina Humberto Ávila48:

Quando aquilo que as partes declararam ter feito simples-mente não ocorreu, diz-se ter havido simulação. Simular é não fazer o que se declara fazer. Quando aquilo que as partes declararam ter feito não ocorreu como elas declara-ram, diz-se ter havido dissimulação. Dissimular é fazer algo diferente do que se declara fazer.

48 ÁVILA, Humberto. A prestação de serviços personalíssimos por pessoas jurídicas e sua tributação: o uso e abuso do direito de criar pessoas jurídicas e o poder de desconsiderá-las. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. Grandes Questões Atuais de Direito Tributário, v. 17. São Paulo: Dialética, 2013, p. 140.

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Este é o vício que, a rigor, motiva o Fisco mineiro no seu afã de tributar a venda de /oresta plantada: o entendimento de que o contribuinte teria dissimulado uma venda de madeira, ao declarar ter vendido /oresta.

Inexistindo prova de dissimulação, o Fisco deve respeitar a opção contratual realizada pelas partes, como expressão dos princípios da legalidade estrita e da livre iniciativa. Isto é, tendo as partes acordado que o objeto do contrato é venda de /oresta plantada, o Fisco não pode reclassi!cá-lo para venda de madeira. Nesse sentido, a lição de João Francisco Bianco49:

Para o Direito, portanto, as partes são livres para contratar tanto o mútuo como a compra com retrovenda. E, embora os mesmos !ns econômicos pretendidos possam ser atingi-dos com ambos os contratos, cada um deles tem natureza jurídica própria, distinta do outro, e segue regime jurídico próprio, distinto do outro. E logicamente cada um deles será submetido a regime tributário próprio, distinto do outro, pois a incidência tributária segue a natureza jurídica da operação realizada e não a sua essência econômica.

Portanto, a licitude da operação impede o Fisco de desconsiderar o objeto do contrato, direta ou indiretamente, no intuito de cobrar ICMS sobre venda de madeira, quando se está a vender /oresta plantada.

8. CONCLUSÕES

Ante o exposto, concluímos:

a. A /oresta plantada, sendo cultura permanente, haja vista o longo ciclo de vida, com corte normalmente a partir do sétimo ano, era classi!cada no ativo imobilizado, até a edição do Pronunciamento Técnico CPC nº 29 (“Ativos Biológicos”).

b. A mudança contábil, que trocou a /oresta plantada da conta imobilizado para ativo biológico, não produziu o efeito de

49 BIANCO, João Francisco. Aparência econômica e natureza jurídica. In: MOS-QUERA, Roberto Quiroga; e BROEDEL LOPES, Alexsandro (coord.). Con-trovérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 181.

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retirar-lhe a condição, que havia antes da alteração, de um ativo tangível que, além de destinado à manutenção das atividades da companhia, se espera utilizar por mais de um ano (conceito de ativo imobilizado).

c. A regra contábil que classi!ca a /oresta plantada como ativo biológico tem o escopo de permitir que o ajuste a valor justo seja evidenciado de forma mais precisa, sem que tal bem perca sua característica intrínseca de não circulante/imobilizado.

d. Apenas o produto agrícola e o produto resultante do pro-cessamento após a colheita (madeira, tronco, celulose, etc.) podem ser considerados mercadorias, classi!cadas no es-toque. O ativo biológico, sempre classi!cado no ativo não circulante, jamais será mercadoria, ao passo que constitui-se bem indispensável à consecução das atividades da empresa.

e. O contrato de compra e venda pode ter objeto “coisa atual ou futura”.

f. O que não se pode entender é que, (i) !xado o objeto do contrato de compra e venda expressamente como /oresta plantada, coisa atual e bem do ativo não circulante, (ii) seja este objeto desconsiderado pela Administração Tributária, para reclassi!cá-lo como “Produto Agrícola”/madeira, que é coisa futura. Tal procedimento, abusivo se despido da prova de algum vício do negócio jurídico, violaria de maneira frontal a liberdade negocial e a livre iniciativa.

g. O Fisco mineiro, após mais de duas décadas sustentando o entendimento de que a /oresta plantada seria bem imóvel, e após ver suas tentativas de requali!car o contrato de compra e venda deste bem (coisa atual) como se o seu objeto fosse madeira (coisa futura), mudou de estratégia para cobrar o ICMS sobre a operação: adveio a Consulta de Contribuinte nº 121/2011, segundo a qual a /oresta plantada correspon-deria a um bem móvel por antecipação.

h. O conceito de bem móvel por antecipação é !cção jurídica, pertencente ao âmbito do Direito Civil, que não produz efeitos no Direito Tributário, pois: (h.1) há expressa norma de não incidência na legislação mineira, para os bens classi!cados no ativo permanente, que corresponde ao atual ativo não circulante, desconsiderada pelo Fisco nas Consultas respondidas. (h.2) As !cções jurídicas, ainda que pudessem ser admitidas como válidas perante a Constituição, apenas podem ser criadas por lei em sentido formal, jamais por construção doutrinária, como é o caso dos bens móveis por antecipação.

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(h.3) Ainda que não houvesse o argumento formal do vício de legalidade, as !cções jurídicas de outros subsistemas do Direito não se incorporam, automaticamente, ao Direito Tri-butário, sendo necessária lei !scal expressa que assim o faça. (h.4) Mesmo que houvesse lei !scal expressa que incorpo-rasse !cção jurídica do Direito Civil ao Direito Tributá-rio, ou que a criasse diretamente, esta !cção precisaria ser compatível com as regras de competência constitucionais, o que não se veri!ca no caso. (h.5) As normas de Direito Privado, oriundas da Lei de Sociedades por Ações, bem como da regra geral do Direi-to Civil, resolvem a questão, no sentido de que a /oresta plantada não con!gura mercadoria. (h.6) Trata-se, portanto, de meio indireto e tácito para re-quali!car o negócio jurídico de compra e venda de /oresta plantada em compra e venda de madeira, sem demonstrar qualquer vício autorizador de tão abusivo procedimento.

a. E, mesmo se fosse rejeitado o entendimento de que o con-ceito de bem móvel por antecipação con!gura !cção jurí-dica inaplicável ao Direito Tributário, adotá-lo, para cobrar ICMS, seria o mesmo que tributar por analogia, o que é vedado pelo art. 108, § 1º, do Código Tributário Nacional.

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