o conceito de comportamento operante como problema

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19 Revista Brasileira de Análise do Comportamento / Brazilian Journal of Behavior Analysis, 2013, vol. 9, Nº 1, 19-46 O CONCEITO DE COMPORTAMENTO OPERANTE COMO PROBLEMA THE CONCEPT OF OPERANT BEHAVIOR AS A PROBLEM Sílvio Paulo Botomé Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil RESUMO Desde antes do artigo de Watson “A Psicologia como um behaviorista a vê” (1913), está em questionamento o que é o objeto de estudo e de intervenção em Psicologia. O questionamento, no âmbito da Filosofia, por Bertrand Russell, em 1927, indicava problemas também com o que foi proposto por Watson naquele manifesto. Skinner e vários cientistas e profissionais que se seguiram a ele deram início ao desenvolvimento do conceito de “comportamento”, particularmente o “operante”, o qual, junto com o conceito de “contingência de reforçamento”, possibilitaram uma grande mudança na concepção do objeto de estudo e trabalho da Psicologia. Tal modificação ainda continua com questões e controvérsias importantes, embora seja a contribuição científica mais consistente, duradoura e coerente com as concepções de Ciência que se configuraram até o final do século XX, para a humanidade. A precisão dos conceitos envolvidos com esses dois termos também é objeto de exames, análises, avaliações e mostram imprecisões e controvérsias várias a resolver como parte dos problemas de desenvolvimento da Análise Experimental do Comportamento e do trabalho dos analistas de comportamento para o desenvolvimento de novos comportamentos relevantes na sociedade. Tais conceitos são examinados como parte da constituição dos conceitos de “comportamento operante”, distinto de “resposta”, de atividade ou de “contingência de reforçamento”. O comportamento como um sistema de interações entre classes de aspectos de um ambiente, classes de atividades de um organismo e classes de aspectos de um ambiente subsequente às atividades desse organismo constitui o objeto de exame desse texto. Talvez o conceito de comportamento ainda seja mais parte do problema do que de uma solução no âmbito do trabalho com tal tipo de fenômeno. Palavras-chave: comportamento operante, classes de respostas, contingências, contingências de reforçamento, tríplice contingência. ABSTRACT Since before the Watson’s article “Psychology as a behaviorist views it” is questioning what is the object of study and intervention in Psychology. The inquiry, under Philosophy by Bertrand Russell in 1927, also indicated problems with what was proposed by Watson in that article. Skinner and several scientists and professionals that followed he began to develop the concept of “behavior”, particularly the concept of “operant”, that also with the concept of “contingency of reinforcement”, produced a major change in the concept of object of study and work in psychology. Such change still continues with major issues and controversies, although such change be the most consistent, durable and coherent with the conceptions of science that was configured at the end of the twentieth century, as scientific contribution to humanity. The accuracy of the concepts involved with these two terms is also subject to examination, analysis, reviews, and show several inaccuracies and controversies as part of the development problems of the Experimental Analysis of Behavior and the work of behavior analysts to develop new and relevant behaviors in society. These concepts are examined as part of the constitution of the concepts of “operant behavior,” distinct from “response”, “activity” or “contingency of reinforcement”. The behavior as a system of interactions among classes of aspects of an environment, classes of activities of an organism and classes of subsequent environmental aspects of such activities is the object of examination of this text. Perhaps the concept of behavior is still more part of the problem than a solution in the context of working with this type of phenomenon. Keywords: operant behavior, classes of responses, contingencies, contingencies of reinforcement, contingencies of three terms Professor Titular (aposentado) dos Departamentos de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina e da Universidade Federal de São Carlos. Bolsista-Pesquisador do CNPq. Endereço para correspondência: Sílvio Paulo Botomé, [email protected]

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    Revista Brasileira de Anlise do Comportamento / Brazilian Journal of Behavior Analysis, 2013, vol. 9, N 1, 19-46

    O CONCEITO DE COMPORTAMENTO OPERANTE COMO PROBLEMA

    THE CONCEPT OF OPERANT BEHAVIOR AS A PROBLEM

    Slvio Paulo Botom

    Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

    RESUMO

    Desde antes do artigo de Watson A Psicologia como um behaviorista a v (1913), est em questionamento o que o objeto de estudo e de interveno em Psicologia. O questionamento, no mbito da Filosofia, por Bertrand Russell, em 1927, indicava problemas tambm com o que foi proposto por Watson naquele manifesto. Skinner e vrios cientistas e profissionais que se seguiram a ele deram incio ao desenvolvimento do conceito de comportamento, particularmente o operante, o qual, junto com o conceito de contingncia de reforamento, possibilitaram uma grande mudana na concepo do objeto de estudo e trabalho da Psicologia. Tal modificao ainda continua com questes e controvrsias importantes, embora seja a contribuio cientfica mais consistente, duradoura e coerente com as concepes de Cincia que se configuraram at o final do sculo XX, para a humanidade. A preciso dos conceitos envolvidos com esses dois termos tambm objeto de exames, anlises, avaliaes e mostram imprecises e controvrsias vrias a resolver como parte dos problemas de desenvolvimento da Anlise Experimental do Comportamento e do trabalho dos analistas de comportamento para o desenvolvimento de novos comportamentos relevantes na sociedade. Tais conceitos so examinados como parte da constituio dos conceitos de comportamento operante, distinto de resposta, de atividade ou de contingncia de reforamento. O comportamento como um sistema de interaes entre classes de aspectos de um ambiente, classes de atividades de um organismo e classes de aspectos de um ambiente subsequente s atividades desse organismo constitui o objeto de exame desse texto. Talvez o conceito de comportamento ainda seja mais parte do problema do que de uma soluo no mbito do trabalho com tal tipo de fenmeno.

    Palavras-chave: comportamento operante, classes de respostas, contingncias, contingncias de reforamento, trplice contingncia.

    ABSTRACT

    Since before the Watsons article Psychology as a behaviorist views it is questioning what is the object of study and intervention in Psychology. The inquiry, under Philosophy by Bertrand Russell in 1927, also indicated problems with what was proposed by Watson in that article. Skinner and several scientists and professionals that followed he began to develop the concept of behavior, particularly the concept of operant, that also with the concept of contingency of reinforcement, produced a major change in the concept of object of study and work in psychology. Such change still continues with major issues and controversies, although such change be the most consistent, durable and coherent with the conceptions of science that was configured at the end of the twentieth century, as scientific contribution to humanity. The accuracy of the concepts involved with these two terms is also subject to examination, analysis, reviews, and show several inaccuracies and controversies as part of the development problems of the Experimental Analysis of Behavior and the work of behavior analysts to develop new and relevant behaviors in society. These concepts are examined as part of the constitution of the concepts of operant behavior, distinct from response, activity or contingency of reinforcement. The behavior as a system of interactions among classes of aspects of an environment, classes of activities of an organism and classes of subsequent environmental aspects of such activities is the object of examination of this text. Perhaps the concept of behavior is still more part of the problem than a solution in the context of working with this type of phenomenon.

    Keywords: operant behavior, classes of responses, contingencies, contingencies of reinforcement, contingencies of three terms

    Professor Titular (aposentado) dos Departamentos de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina e da Universidade Federal de So Carlos. Bolsista-Pesquisador do CNPq.Endereo para correspondncia: Slvio Paulo Botom, [email protected]

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    In the beginning there was the response...Donald Baer (1973)

    An operant is a class, of which a response is an instance or member...

    Skinner (1969)

    Em 1927, Bertrand Russell publicou An outline of Philosophy (traduzido no Brasil, em 1969, com o nome de Delineamentos da Filosofia). Nesse livro, particularmente nos captulos 1 e 2, o autor apresenta consideraes a respeito do behaviorismo (watsoniano, no caso), destacando que, embora o mundo influencie a ao humana, h outra parcela, ignorada pelo behaviorismo a que o autor se referia: a influncia (ou as alteraes) que a ao humana produz no mundo. E o autor acrescentava, h tambm uma desconsiderao de que esse mundo alterado (ou produzido) pela ao humana, por sua vez, influenciar a ao humana. Com esses textos, que Skinner, mais tarde, comentaria ter sido uma das fontes de informao que o auxiliaram no trabalho com a Psicologia, Russell estava indicando que estudar apenas uma parte da interao da ao humana com o mundo, como se o ambiente em que o ator exerce sua atuao fosse apenas um cenrio inerte, era algo parcial. Apenas parte de uma unidade maior que, sem as outras partes, carecia de sentido ou seria falsamente cientfico, uma vez que isolaria, como objeto de estudo, uma parte de algo que seria mais complexo para ser entendido. O exame e a crtica! era uma reao ao manifesto behaviorista (Watson, 1913). As consideraes de Russell pareciam indicar que ele considerava o behaviorismo watsoniano incompleto. Ou, pelo menos, havia uma crtica ao que era considerado o objeto de estudo e de interveno do qual se ocuparia e definiria a Psicologia tal como apresentado por Watson no que ficou conhecido como Manifesto Behaviorista. Para Russell (1927/1969), o comportamento era mais do que uma reao a algum aspecto do ambiente.

    Mas, muito antes de Watson (1913) e de Russell (1927/1969) oferecerem suas contribuies para o entendimento e delimitao do que poderia ser o objeto de estudo e de interveno abrigado sob o nome de Psicologia, o fazer humano ou a atividade dos seres humanos tinha sido objeto de preocupao. O mistrio do fazer humano, durante muito tempo,

    envolveu no s seus determinantes como tambm suas caractersticas e a percepo desse processo. Desde o misticismo dos deuses determinando as caractersticas, at as entidades internas, ainda persistentes no entendimento do que faz haver certas caractersticas no comportamento dos organismos, passando pelos espritos malvolos, substncias txicas at doenas diversas dos organismos como fonte desse fenmeno. Para a maioria das pessoas, e parte dos profissionais do comportamento, esse fenmeno permanece, em boa parte, algo misterioso. Tudo isso, porm, ocorreu ao longo de um extenso perodo da histria do conhecimento em que no foram poucos os trabalhos e esforos para desenvolver um conhecimento a respeito do misterioso fazer humano com tantas variaes e, ao mesmo tempo, com aspectos que se assemelham em muitos tipos de culturas, situaes, pessoas e aes especficas.

    Houve, no entanto, no comeo do sculo XX, algumas contribuies que possibilitaram uma mudana pronunciada na direo de estudo e de entendimento do comportamento humano e dos organismos vivos em geral. Watson e Russell, de certa forma, junto com outros pesquisadores, em vrias reas, que investigavam o mesmo fenmeno que estava no ncleo da proposio de Watson e na avaliao crtica de Russell, provocaram as bases para esforos especficos que criaram o que ficou posteriormente conhecido e difundido como Anlise Experimental do Comportamento. Um nome que indicava trs processos: um como objeto de exame, outro como uma maneira de examin-lo e um terceiro um procedimento para verificar e demonstrar sua ocorrncia e caractersticas. O termo comportamento, porm, j existia antes e as contribuies da Cincia, posteriormente trouxeram contribuies que alteraram os referenciais a que esse termo pode fazer referncia. As citaes de Baer (1973) e Skinner (1969), como epgrafe deste texto, ilustram dois momentos em que o uso desses termos est sendo utilizado com referenciais diversos daqueles que havia antes das novas contribuies. Em que estgio o conceito de comportamento pode estar considerando o conhecimento que foi produzido at o incio do sculo XXI? Como exemplo, no conhecimento contemporneo, resposta, classe de respostas, comportamento, comportamento operante, classe de comportamentos so termos

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    Conceito de comportamento operante

    equivalentes ou seus referenciais so diferentes? E qual o entendimento atual mais adequado para cada um desses termos coerentemente com o conhecimento disponvel em relao ao anteriormente misterioso fazer humano? No que o conhecimento do comportamento dos organismos trouxe contribuies para entender melhor o que esse tipo de evento?

    A contribuio da anlise experimental do comportamento para entender e lidar com

    a atividade humana no mundo

    difcil entender e examinar o conhecimento e a tecnologia referentes ao comportamento humano sem considerar alguns aspectos que histrica, social, cientfica e metodologicamente tm caracterizado a rea de conhecimento que est na sua origem: a Anlise Experimental do Comportamento. Assim como difcil examinar os processos que so alvos de trabalho nos campos de atuao profissional em que esse conhecimento , de alguma forma, utilizado, sem alguns cuidados ou procedimentos que, com o desenvolvimento dessa rea, foi possvel elaborar. Conceitos fundamentais, descobertas bsicas, campos de atuao nos quais tm sido utilizadas essas descobertas e esses conceitos, metodologia de pesquisa bsica e de avaliao das intervenes, problemas j equacionados ou pelo menos percebidos (conceituais ou tecnolgicos), a tecnologia j existente e em utilizao e o exame dos efeitos sociais dos trabalhos com o conhecimento dessa rea tm sofrido transformaes. E, alm disso, tm exigido uma sistematizao cada vez maior do volume e da articulao de informaes de diferentes pocas, autores, tipos de problemas ou de trabalho e de discursos nem sempre afinados com uma terminologia que seria coerente com as descobertas da rea de conhecimento e dos mltiplos campos de atuao em relao ao comportamento dos organismos. Parece haver um trabalho imenso j feito e outro, talvez maior ainda, por fazer em relao contribuio da Anlise Experimental do Comportamento quanto s relaes do fazer humano com o mundo no qual tal fazer realizado.

    No mbito da rea que recebeu o nome de Anlise Experimental do Comportamento foi produzida uma razovel quantidade de contribuies em relao ao conhecimento a

    respeito do comportamento dos organismos. Como conhecimento, como maneira de trabalhar e como conjunto de dados, os que trabalharam com a Anlise Experimental do Comportamento construram contribuies desde o conceito de comportamento at os processos e sua dinmica envolvidos nas interaes especficas que constituem esse fenmeno e dele com outras variveis que, de alguma forma, o influenciam ou dele decorrem em diferentes perodos de tempo e distncias no espao. A pesquisa, de qualquer tipo, a sistematizao do conhecimento e sua utilizao em trabalhos em diferentes campos de atuao so ainda uma enormidade de informaes a serem continuamente examinadas, avaliadas, aperfeioadas e, com isso, poder manter a continuidade do desenvolvimento da rea que recebe esse nome. O comportamento (como categoria ampla de fenmeno) tem sido cada vez mais examinado em tipos, em extenso e em profundidade. Tais exames tm propiciado cada vez mais dados e possibilitado elaborao de novos conceitos ou aperfeioamento e reformulao dos j existentes. A experimentao e a avaliao cuidadosas tm cada vez mais consolidado as verificaes e demonstraes das relaes entre as variveis envolvidas nesse tipo de fenmeno.

    As prprias revistas e publicaes, de certa forma, so uma evidncia da participao da Anlise Experimental do Comportamento no desenvolvimento dessa rea de conhecimento. Do incio da pesquisa bsica (marcada historicamente pela criao do Journal of the Experimental Analysis of Behavior) at o uso do conhecimento produzido por esse tipo de pesquisa (tambm marcado inicialmente pela publicao do Journal of Applied Behavior Analysis) e a crtica e discusso do prprio trabalho, procedimentos, conceitos, sistematizao e pressupostos (iniciado mais formalmente como parte integrante da rea, pelo peridico Behaviorism) houve um incremento de trabalhos e publicaes muito grande envolvendo dezenas de peridicos e milhares de pesquisas distribudos em vrios pases do mundo. Entre os quais, e talvez marcadamente, o Brasil. Essa histria de trabalho significa a existncia de um tipo de contribuio talvez grandemente desconhecido ainda para a Psicologia, tanto como rea de conhecimento, particularmente as contribuies cientficas e filosficas, quanto como campo de atuao profissional para psiclogos, em muitas

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    modalidades de trabalho. Dificuldades, controvrsias e problemas ainda no resolvidos e possibilidades da Anlise Experimental do Comportamento tambm so uma evidncia de sua contribuio: colocar problemas e exigir o constante alerta para uma investigao mais cuidadosa, mais exigente, mais demonstrativa e, mesmo, mais difcil em relao ao seu objeto de estudo e ao conhecimento produzido. Com as mesmas exigncias para o trabalho nos campos de atuao em que esse tipo de conhecimento utilizado.

    Seria possvel examinar e avaliar as mltiplas contribuies em diferentes sub-reas de estudo do comportamento (conforme os objetos ou processos de estudo) ou nos variados campos de atuao em que esse conhecimento utilizado e tambm produzido, inclusive em vrios tipos de testes ou verificaes profissionais (terapia, educao, organizaes sociais, processos de trabalho, planejamento de ambientes etc.), ou tambm, nos vrios tipos de conhecimento que so produzidos (teoria, tecnologia, sistematizao, avaliao, crtica, informaes bsicas etc.) como contribuio dessa rea. Para os propsitos deste trabalho, porm, interessam apenas alguns aspectos. Esses, de certa forma, esto reunidos por um denominador comum: no so patrimnio exclusivo da Anlise do Comportamento, nem apenas fruto do trabalho dos analistas do comportamento. A Anlise Experimental do Comportamento emprestou-lhes a fora dos dados obtidos por meio de cuidadosa e extensa verificao experimental. Uma ampla gama de afirmaes e controvrsias a respeito do comportamento, particularmente o humano, saram da esfera da especulao, de qualquer tipo, ou da reflexo filosfica (mesmo a mais cuidadosa e bem elaborada) e passaram pelo crivo da verificao por meio da experimentao, tornando-se objeto de investigaes e demonstraes sistemticas. Possibilitando, tambm, a extenso dessa experimentao para a interveno com diferentes procedimentos que constituram, ao longo do tempo, uma tecnologia bsica para trabalhar com o comportamento.

    H, tambm, outra perspectiva de avaliao diferente daquela que valoriza e integra o conhecimento cientfico continuamente: o conhecimento que desmistifica as crenas a respeito do comportamento tem sido temido e evitado. Para muitos profissionais, a includos estudiosos de

    diferentes reas e variadas formas de conhecer, h uma tendncia em negar, recusar, evitar ou impedir conhecimento que questione ou ponha em dvida crenas e conhecimentos pessoais j existentes. Ou que ponha em risco as preferncias de cada um ou daquilo que utiliza para viver e trabalhar com segurana e ganhos pessoais no ambiente em que realiza suas prprias atividades. O que tambm precisa ser considerado no exame do entendimento dos conceitos existentes.

    Uma rea em que o conceito de comportamento dos organismos vivos e grande parte das variveis que interferem com sua ocorrncia ficaram cientificamente conhecidos, mesmo que ainda desconhecidos ou inacessveis para grande parte da sociedade, o que ficou denominado por Anlise Experimental do Comportamento, identificada por alguns como parte da filosofia correspondente a essa rea, com o nome de behaviorismo (ou comportamentalismo). A rea tem sido construda por esforos de muitos estudiosos para lidar melhor com o conhecimento e com o trabalho profissional em relao ao comportamento dos organismos. Muito embora, nesse tipo de trabalho, haja quase sempre uma confusa mistura com ingredientes difusos de muitos tipos de concepes, teorias, definies e sistemas de referncia, dificultando um desenvolvimento contnuo e articulado. Por exemplo, quantos que trabalham com o conceito de comportamento dos organismos vivos fazem distino precisa entre behaviorismo metodolgico e behaviorismo radical, identificando as decorrncias dessas duas perspectivas, alm de algumas diferenciaes superficiais? Menos profissionais ainda tem claro que o desenvolvimento do conceito de comportamento operante aps as contribuies que Skinner e seus colaboradores, ao longo de dcadas, criaram, junto com o conceito de contingncias de reforamento, um ponto de mutao (utilizando a controvertida analogia de Capra, 1992) quanto ao conceito de fenmeno psicolgico na histria do conhecimento.

    Mesmo com as dificuldades e as limitaes de insero desse conhecimento e da tecnologia decorrente dele na sociedade, houve, no decorrer do sculo XX, um grande desenvolvimento na delimitao, ou no esclarecimento, de suas caractersticas e determinantes. As transformaes do conceito de comportamento, desde as contribuies

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    Conceito de comportamento operante

    no estudo do comportamento reflexo at as mais recentes descobertas e construes conceituais a respeito do comportamento operante so uma das, talvez, mais importantes elaboraes, apesar das controvrsias existentes, quanto quilo de que se ocupa a Psicologia como rea de conhecimento e como campo de atuao profissional.

    O desenvolvimento do conceito de comportamento humano no mbito da

    anlise do comportamento

    Nos anos mais recentes, Todorov (1989, 2002), por exemplo, examinou a Psicologia como estudo de interaes, explicitando algumas contribuies para o entendimento do conceito de comportamento em suas possveis transformaes em trabalhos de diferentes pesquisadores na rea da Anlise do Comportamento. Srio (1983, 1990) destacou o exame do conceito de classe de respostas em sua formulao inicial e as relaes entre comportamento reflexo e operante, acentuando a importncia desses conceitos no entendimento do que significou o conceito de comportamento com as contribuies de Skinner. Srio mostrou quanto Skinner (1935) foi alm de uma concepo genrica de estmulo e resposta para outra concepo, mais adequada funcionalmente ao que constitua o montante de descobertas a respeito das interaes entre ambiente e atividade de um organismo vivo.

    Tais autores mostram haver distncia de concepes mais atuais em relao ao que, at a elaborao do conceito de operante, era entendido pelo conceito comportamento. Em 1980, Botom apresentou em prefcio de um trabalho (tese de doutorado), no qual tambm reviu a contribuio, mais antiga, de autores similares aos indicados por Todorov e Srio e sistematizou, aps essa apresentao, algumas implicaes do conceito de comportamento como interao entre caractersticas das respostas de uma classe, caractersticas de classes de aspectos do ambiente antecedente e caractersticas de classes de aspectos do ambiente subsequente ou decorrente dessas respostas (Botom, 1980). Embora em tempos diferentes, os trabalhos tiveram por objetivo contribuir para a formulao e distines entre o conceito de comportamento desenvolvido no mbito das contribuies da Anlise Experimental

    do Comportamento e outras concepes que estavam disseminadas at a poca em que tais trabalhos foram realizados. Algumas dessas concepes ainda restritas ao entendimento watsoniano ou pavloviano de comportamento, por exemplo, o que considerado na obra de Merleau-Ponty (1972/1975) e na crtica de Russell (1927/1969). Comparando as contribuies a respeito da avaliao do conceito de comportamento operante desde a proposio de Skinner com o que utilizado como conceito de comportamento, mesmo nas publicaes da rea, o conceito parece permanecer com problemas em sua delimitao para muitos dos que o utilizam, ainda no comeo do sculo XXI.

    Observando apenas a diferena entre o que Skinner considerava comportamento em 1938 e no que ele apresenta em 1969 h uma distino que ilustra um enorme trabalho realizado. Neste, encontram-se muitos dados sendo progressivamente acumulados e esclarecendo cada vez mais o conceito de comportamento. Em 1938, Skinner afirmava que o comportamento era uma parte da atividade total de um organismo e que (...) behavior is what an organism is doing... (Skinner, 1938, p. 6). Em 1969, o mesmo autor salienta o papel das complexas interaes entre as classes de estmulos antecedentes, classes de respostas e classes de estmulos consequentes s respostas dessas classes para ser possvel entender o comportamento que ele adjetivou como operante para destacar a interao com o que se seguia s classes de respostas, em distino com o que era conhecido, antes, como comportamento reflexo, uma interao entre as classes de respostas com o que as antecedia. O termo operante, mesmo quando no explcito, vai ser o tipo de comportamento (no mais em um sentido genrico) a que vai ser feita referncia no mbito das contribuies e entendimento da Anlise do Comportamento. Por isso, inclusive, a diferena entre anlise do comportamento (operante, no caso) e anlise de comportamentos que pode referir-se, inclusive a comportamento no sentido genrico do termo em qualquer rea de conhecimento ou em muitos sentidos no mbito da Psicologia e a qualquer tipo de atividade, mesmo a de seres inanimados que se transformam por ao do ambiente (desgaste de materiais, interaes entre substncias quando em contato, mudanas climticas em funo de interaes entre condies ambientais etc.).

    O termo operante, acrescido por Skinner

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    para referir-se ao comportamento dos organismos vivos, foi mais que um adjetivo. Ele representou a sntese de uma descoberta que alterou o que era entendido pelo termo comportamento. E atendeu a crticas como a formulada por Russell (1927/1969) em relao s proposies do behaviorismo watsoniano: o comportamento no se reduzia a respostas a estmulos, mas era tambm uma operao de transformao que o organismo produzia em seu ambiente (mundo, nos termos de Russell, em 1927). Na direo de esclarecer os dois conceitos, De Rose (1997) apresentou, em um texto didtico, as diferenas entre reaes reflexas e comportamento operante, embora ambos possam combinar-se ou ser misturados e as propriedades aparente de dois tipos de comportamento possam ocorrer conjuntamente ou como parte de uma mesma unidade. O conceito de unidade de comportamento tambm indicado como problema pelo autor. O termo operante representou a sntese de descobertas que alteraram o que, at ento, era entendido como comportamento. Com o termo operante, Skinner inclui a noo de que o que um organismo fazia era uma operao de mudana em relao a seu ambiente (e este ltimo termo era um conceito mais esclarecedor a respeito do que, para muitos, era a realidade ou o mundo at ento). O prprio conceito de fazer (behavior is what an organism is doing), na concepo de comportamento operante, trazia consigo a decorrncia (ou exigncia conceitual) de haver alguma alterao no ambiente em que o organismo estivesse doing. Essa decorrncia, por sua vez, acarretava outra: o conceito de ambiente j no era apenas o que existia (antes do organismo atuar), mas tambm o que passava a existir pela ao do organismo ou aps sua ocorrncia. Tais descobertas e conceituaes decorrentes no eram apenas promissoras, eram provocadoras de transformaes muito grandes e inesperadas no mbito do que era entendido como objeto de estudo e de trabalho em Psicologia. No de estranhar que at o comeo de um novo sculo elas ainda estejam sem ser plenamente conhecidas e entendidas. A percepo de seu potencial inovador exige juntar muitas peas de um quebra-cabeas sem um modelo a priori como orientao do que fazer com as peas. O que obriga a construir algo novo a partir de partes que foram sendo descobertas em relao a um processo precedido de grande

    quantidade de conhecimento, nem sempre adequado, mas apoiado em muitos anos de uso e at mesmo de condescendncia com sua utilizao indiscriminada e de forma confusa.

    De 1938 a 1969, vrios cientistas examinaram mltiplos problemas relacionados s proposies de Skinner. O que continuou a ser feito em relao ao comportamento com contribuies variadas em relao a como entender ou formular seu conceito. As nfases nas definies mudaram nesse perodo e continuaram a ter variaes de entendimento e formulao nas dcadas seguintes, avanando pelas duas primeiras dcadas do sculo XXI. Skinner, porm, em 1931, j apresentava uma contribuio que, at o final da dcada de 1970, ainda no havia sido suficientemente esclarecida pelo menos para obter algum consenso, ou considerao extensiva, na literatura que foi produzida nos anos seguintes (Botom, 1980, 2001). Em 1931, porm, ao examinar o conceito de comportamento reflexo, Skinner j havia proposto uma definio em termos de correlao entre estmulo e resposta. O reflexo deixava de ser considerado a resposta (R) ou a atividade do organismo, mesmo diante de um estmulo, para ser considerado uma relao especfica entre um estmulo e uma resposta.

    Em 1934, Pavlov considerou legtimo chamar de reflexo absoluto a relao permanente entre o agente externo (S) e a atividade (R) do organismo por ele determinada, e de reflexo condicionado a relao temporria (Pavlov, 1934/1979, p. 42). A unidade de anlise, portanto no era a atividade (ao ou resposta) do organismo, mas o reflexo, entendido como relao entre um agente externo (antecedente) e a ao do organismo. O estmulo e a resposta eram apenas dois componentes usados para identificar a interao existente, por meio da anlise: identificao dos componentes, e decorrente caracterizao (e nomeao) dessa relao.

    Em 1935, Skinner acrescentou mais um aspecto ao conhecimento desse conceito, considerando que os estmulos e respostas variam de um instante para outro e isso faz com que o reflexo no possa ser definido em termos da interao de um estmulo particular e uma resposta particular. Reflexos eram, ento, considerados como interaes entre classes de respostas e classes de estmulos (Skinner, 1935). Como classe, o autor entendia todos os eventos ou

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    Conceito de comportamento operante

    todos os graus das variveis que pudessem definir ou fazer existir a interao (o que constitua a exigncia de uma definio funcional e no pelas caractersticas formais dos eventos). Com isso, foram colocados em evidncia os critrios para escolher unidades desse tipo de comportamento e unidades dos componentes dele. Tais componentes da unidade denominada comportamento reflexo seriam classes de respostas e classes de estmulos. O conceito de classe, embora parecesse simples, iria ser crucial para entender o processo relacionado ao nome comportamento nos anos seguintes, quando o prprio Skinner acrescentaria a isso alguns componentes que tornariam mais complexa (e mais clara e completa) a interao que estava em exame. Srio (1983, 1990) examina o conceito de classe, para referir-se a estmulos e respostas, de forma extensa e detalhada, com avaliaes de suas decorrncias para o desenvolvimento quanto ao conhecimento do comportamento.

    A partir de 1938, Skinner descobriu e construiu, para a Psicologia, o conceito de comportamento operante, enfatizando outra interao que no mais aquela que caracterizava o comportamento reflexo. No comportamento operante, a relao relevante est entre a atividade do organismo e o que se segue no ambiente logo aps essa atividade ou, integrando o conceito j examinado por Skinner em 1935, classe de respostas e estmulos de uma classe que se seguem s respostas de uma classe. O exame de Skinner ao comportamento reflexo em 1931 e 1935 era extensivo ao novo aspecto das atividades dos organismos vivos que ele evidenciou com seu trabalho de anlise e de demonstrao por meio de verificao experimental. Isso acarretou decorrncias para o conceito de comportamento e para o entendimento da determinao desse fenmeno.

    Seria o comportamento operante caracterizado por Skinner outra modalidade de comportamento ou outra parte do conceito de comportamento como uma unidade maior do que aquela que Pavlov havia evidenciado com suas investigaes? E, se for o caso, ser sempre assim? Ou, sendo, como ocorre a interao entre as duas partes? A partir dos trabalhos de Skinner em 1931, 1935 e 1938 surgiram vrios outros, investigando o conceito de comportamento e seus usos e esclarecendo vrios aspectos relativos a tal conceito.

    Mesmo assim, esses trabalhos, muitas vezes no consideraram suficientemente as contribuies que, acumuladas e articuladas, levaram ao entendimento de comportamento, no mbito da Psicologia, como uma especfica e complexa interao do organismo com um ambiente que existe quando o organismo apresenta sua atividade e com um ambiente que ocorre depois dessa atividade ser realizada. Desde 1938, com o Behavior of Organisms, Skinner examina, com vrios colaboradores, essas interaes, embora no parea ter esclarecido o suficiente para que fosse mais evidente, para muitos psiclogos, a profunda transformao conceitual que tais contribuies acarretaram para a Psicologia. Elas, porm, constituram os referenciais para o desenvolvimento da Anlise Experimental do Comportamento (agora, integrando o conceito de operante), como conhecimento cientfico desse fenmeno, e marcaram da mesma forma o aperfeioamento de seu uso nas intervenes profissionais (Baer, 1973; Barlow & Hersen, 1984; Barlow & col, 1986; Castro, 1975; Daniels, 1989). Skinner viabilizava, no mbito do trabalho cientfico, respostas s indagaes, crticas e contribuies de Russell (1969), feitas em 1927 no mbito da Filosofia. Vrios outros cientistas e profissionais aumentaram essa viabilidade com mltiplas contribuies, acarretando uma grande quantidade de usos e novas verificaes e demonstraes das descobertas feitas e dos conceitos formulados para denominar tais descobertas.

    Staddon (1969) retomou e examinou o conceito de comportamento operante, salientando vrios problemas envolvidos com o conceito: o que define uma classe de respostas? E uma unidade comportamental? E as interaes entre essas respostas e os aspectos dos ambientes antecedente e subsequente s classes que as rene? Fundamentalmente, Staddon provocava o prosseguimento do exame do conceito de comportamento operante, colocando em destaque explcito seis expresses a esclarecer e articular no conceito: comportamento (talvez tambm algum tipo de articulao entre reflexo e operante?), estmulo, resposta (e suas unidades), classes de estmulos (antecedentes e subsequentes s respostas dos organismos), classes de respostas e comportamento operante. Os aspectos considerados por Staddon pareciam esclarecimentos importantes para estabelecer bem o que representava a

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    contribuio do conceito de comportamento operante para o desenvolvimento da Psicologia.

    Schick (1971) indicou ainda outros problemas em relao ao conceito de comportamento: quais critrios para denominar ou definir uma classe de respostas? O autor estudou um conjunto de trabalhos de Skinner, publicados entre 1932 e 1969, examinando o conceito de operante e os critrios usados ou propostos para definir esse conceito. Schick criticou a dependncia do conceito de comportamento operante ao de contingncia de reforamento, salientando a diferena entre eventos que se seguem a uma classe de respostas e eventos que so produzidos por uma classe de respostas. O autor ainda examinou a afirmao que o reforo (ou o evento que se segue resposta?) no contguo a uma classe de respostas, mas contguo a propriedades das respostas de uma classe. Schick questionou qual seria a propriedade crtica, pondo em dvida que seja a forma (ou topografia) da resposta. Ele ainda ressaltou que o efeito (de uma atividade) parece ser crtico para definir um comportamento e no para definir uma resposta (ou uma classe), questionando o que seja considerado efeito em relao ao comportamento: o que produzido ou o que se segue a uma determinada propriedade de uma classe de atividades? As diferenas entre evento que se segue, subsequncia, contiguidade, consequncia ou decorrncia (no sentido de maior variao do tempo de ocorrncia do evento subsequente em relao realizao da atividade de uma classe) eram novas exigncias de esclarecimento para a terminologia e para a identificao do comportamento (sempre operante) que ocorresse e do que era importante para defini-lo, delimit-lo ou intervir em sua ocorrncia.

    Schick considerou que tais esclarecimentos so, particularmente, importantes em relao compreenso do comportamento supersticioso. Se o efeito de uma resposta for considerado o que produzido (e no o que apenas se segue) pelas respostas de uma classe, como ficariam os limites entre comportamento supersticioso e comportamento operante? Como seria a articulao desses dois conceitos? Se tivessem a mesma funo, o conceito de comportamento supersticioso perderia o sentido? Os dados de pesquisa disponveis mostravam o contrrio. No caso do comportamento supersticioso, o que apenas segue s atividades de uma classe

    tem um efeito importante: funciona como se fosse produzido pelas atividades do organismo. Isso o torna um operante igual ao que tem as subsequncias efetivamente produzidas pela ao do organismo? As implicaes desse questionamento so importantes para identificar e nomear um comportamento e cada um dos trs de seus componentes e, se no adequadamente examinadas e resolvidas no mbito da grande quantidade de outros conceitos envolvidos no conceito de comportamento, podero comprometer o desenvolvimento do conhecimento a respeito do operante.

    Schick (1971) ainda afirmou que h implicaes dessas mesmas questes para os conceitos de extino e generalizao, se for considerado no conceito de comportamento operante somente as propriedades das respostas de uma classe que produzem um efeito (em oposio s atividades que apenas se seguem a determinados eventos). Os dois conceitos, fundamentais para o desenvolvimento de novos comportamentos, so estreitamente dependentes da diferena entre ser produzido pelas respostas de um organismo e apenas seguir-se s respostas de um organismo. Principalmente no mbito da construo (profissional?) de comportamentos relevantes para a vida e para a sociedade, como o caso do ensino, da terapia, do treinamento, da definio de atribuies e competncias de cargos e funes em organizaes etc. Para esse mesmo autor, a definio de comportamento operante deve, fundamentalmente, referir-se relao entre certas propriedades das respostas do organismo no ambiente e o que efetivamente produzido por elas nesse ambiente (ou ser efeito das mesmas) e no a quaisquer outras propriedades dessas mesmas classes de respostas. A controvrsia examinada por Schick deixou um problema que constituiu mais uma contribuio no desenvolvimento do conceito de comportamento operante: o que exatamente constitui a interao do ponto de vista do que se segue resposta para identificar o que est sendo feito pelo organismo? Isso pode no aparecer como problema em alguns casos (como segurar um lpis), mas pode no ser nada simples como, por exemplo, vacinar uma pessoa contra uma doena. Que resultados, neste caso, constituiro o que definir que algum foi vacinado por meio da ao de outra pessoa? Ou o resultado do que acontece na resistncia desse organismo contra a doena de interesse no

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    Conceito de comportamento operante

    importa? Se importar, e o resultado for resistncia desse organismo doena para a qual foi vacinado, os eventos imediatos apenas ajudam a denominar classes de comportamentos mais moleculares (na linguagem de Baum, 2004 e 2012 e Simonassi e col., 2012) e no componentes do comportamento relevante (mais molar) ou mais abrangente e com possibilidade de serem decompostos e identificados com clareza em todos os comportamentos que a classe abranger ou analisados em componentes que no tem uma interao imediata no tempo ou prxima no espao. Sem esses esclarecimentos haver o risco de, no exemplo citado no campo da sade, ocorrerem muitos comportamentos que sero reduzidos a rituais de injetar substncias no corpo das pessoas, no importando outros resultados que no algo injetado e talvez alguns outros efeitos secundrios definidores de outras interaes das atividades com o meio subsequente a elas: alguma dor para quem for vacinado, a aprovao de algum chefe, o registro de uma atividade realizada, o pagamento obtido por fazer isso, a correspondncia entre atividades realizadas e regras para faz-las uma espcie de comportamento ecico, ou de imitao, ou de despachante burocrtico e outros exemplos que poderiam ser identificados. As controvrsias destacadas pelo exame de Schick podem ser maiores e mais importantes do que pareceram primeira vista ou na poca.

    No exame feito por Schick (1971) tambm foram identificados problemas em relao s diferenas entre classes de respostas e cadeias de respostas. Ambas igualmente podem ser consideradas como uma unidade de comportamento operante? Independentemente de sua amplitude? Fazer uma pesquisa cientfica apenas uma ampla classe de respostas? Ou uma classe abrangente de comportamentos? Ou uma longa sequncia de respostas? Ou uma complexa cadeia de comportamentos? Ou um sistema de mltiplas cadeias de comportamentos que podem combinar-se de diferentes formas? O termo (e conceito) correto cadeia de respostas ou cadeia de comportamentos? O que exatamente encadeado (ou apenas sequenciado)? Em qualquer caso, por exemplo, quais so as classes de comportamentos bsicos que constituem a classe geral que costuma ser denominada por pesquisar cientificamente?

    Ou tal atividade no comportamento? Se o que define um comportamento o seu efetivo resultado no ambiente, quando adequado utilizar essas denominaes? As perguntas, provocadas pelo exame de Schick, parecem pertinentes: elas exigem a explicitao de critrios muito especficos e envolvem vrios conceitos para definir o que , enfim, o comportamento operante em qualquer dos casos que os exemplos e questionamentos ilustram como potenciais aspectos a esclarecer.

    O mesmo autor ainda considerou que, ao fazer experimentos em Psicologia, os pesquisadores definem uma propriedade qualquer de uma classe de respostas em relao qual se seguir um evento (que aparecer como consequncia das respostas com as propriedades definidas). A consequncia, por sua vez, escolhida e planejada por quem faz a pesquisa. Isso no problema para demonstrar os efeitos dos eventos que se seguem s atividades de uma classe apresentadas por um organismo. Mas, ao trabalhar com o comportamento humano, em ambientes naturais, certos resultados (ou alteraes do ambiente) s podem ser obtidos por respostas dos organismos, de certas classes e com propriedades especficas (variveis e graus dessas variveis) e no por outras, principalmente quando arbitrariamente definidas por algum. Por essas razes, as propriedades relevantes das respostas e dos ambientes que iro compor a relao denominada comportamento operante precisam ser descobertas (o que inclui sua verificao e demonstrao) e no apenas indicadas ou delimitadas por algum. Tais questes, de uma perspectiva mais ampla, so objeto dos exames de Baum (2004, 2012) e de Simonassi e col. (2012), referindo-se a concepes (ou percepes e referncias) moleculares ou molares do comportamento ou das interaes em exame quando se investiga ou desenvolve comportamentos em qualquer modalidade de trabalho desses tipos. Ribes outro autor que problematiza diretamente o objeto de estudo da Psicologia (Ribes, 1989, 2000, por exemplo) ou de sua aplicao (2009), acarretando mltiplas exigncias de exame no prprio conceito de comportamento e sua utilizao em aplicaes profissionais, problematizando o conceito de aplicao do conhecimento produzido no mbito da Anlise Experimental do Comportamento.

    O exame de Schick (1971) no foi uma crtica ou desconsiderao aos experimentos de pesquisa

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    bsica no laboratrio. Nem sequer colocou em dvida a importncia do que se segue s atividades de um organismo para identificar e nomear a interao que tais atividades do organismo esto estabelecendo com o ambiente. Ele estava apenas identificando problemas que precisam ser resolvidos para que o conceito de comportamento operante, investigado, descoberto e caracterizado pela pesquisa em Anlise Experimental do Comportamento, possa ser suficientemente completo, claro e preciso para abranger toda a gama do fenmeno denominado comportamento dos organismos vivos, no mbito da Psicologia. Qual a unidade de cada ocorrncia de comportamento? Ou, integrando o conceito de classe: de cada ocorrncia de comportamentos de uma classe? Como fica a outra parte da relao com o ambiente (aquele que existe antes ou quando a resposta do organismo apresentada) na sua relao com o conceito de operante? Ela no precisa ser considerada? De que forma o seria para entender todo o conjunto como uma unidade comportamental? Ou, o que exatamente representa cada um dos componentes (os aspectos do ambiente, as propriedades da atividade e as propriedades do ambiente resultante de sua apresentao) no conjunto denominado de comportamento operante? Ou o conjunto deles, em interao, no constitui uma unidade passvel de anlise (de identificao das partes componentes) e com a necessidade de verificao e demonstrao de que efetivamente so componentes de uma unidade? Isso tudo parece estar no ncleo do trabalho de Anlise Experimental do Comportamento desde sua gnese.

    Alguns dos problemas destacados por esses autores j aparecem no livro Verbal Behavior, no qual Skinner (1957) usou o critrio de efeito a obter para nomear categorias de comportamento verbal (tato, mando, ecico etc.). Essas denominaes (categorizaes) poderiam ficar comprometidas se o critrio adotado fosse efeitos que se seguem resposta. Por exemplo, algum pedir gua a outra pessoa e haver um resultado diferente de esta pessoa oferecer a gua solicitada. Uma explicao do interlocutor de que a gua no boa para beber, uma recusa em atender o pedido, a pessoa jogar a gua em quem a solicitou etc. Qualquer dessas respostas tornaria a verbalizao inicial algo diferente de um mando? Em qualquer dos exemplos, a interao

    entre atividade verbal e consequncia dessa atividade diferente de pedir gua e, por causa disso, receber gua para beber. Somente em determinadas circunstncias ou contingncias, tais consequncias poderiam acontecer e no seriam produzidas (literalmente) ou causadas pela verbalizao do pedinte e ocorressem mais provavelmente em funo, pelo menos tambm, de outras circunstncias existentes e relativas ao comportamento de quem se comporta dessas formas diante do que solicitado pelo falante. O que definiria ento, qual o comportamento do falante ao pedir gua em tais circunstncias? A caracterizao de um operante parece exigir um exame mais complexo do que trs conjuntos de aspectos identificados por relaes temporais ou espaciais. Talvez existam mais variveis envolvidas nessa interao.

    Em outro caso, ainda como exemplo: como denominar um comportamento pela expresso limpar uma mesa (onde no h sinais de sujeira) simplesmente por ver a pessoa esfregar a mesa com um pano mido? Ou, havendo sinais de sujeira na mesa, a pessoa passar repetidamente o pano mido e no remover a sujeira existente? Quando tal comportamento poderia ser denominado de limpar? Que aspectos precisam ser observados e identificados para poder nomear tal comportamento com a segurana de que est sendo verificada a ocorrncia de uma unidade de comportamento operante, mesmo que a abrangncia da classe a que pertence possa variar? As mltiplas interaes entre atividades do organismo (atividades da mesma classe) podem constituir comportamentos diversos se os aspectos do ambiente variarem? Que conceitos ainda seriam necessrios existir ou ser mais precisamente delimitados para o entendimento do que o comportamento, depois do surgimento do conceito operante, descoberto e proposto como denominao para tal tipo de interao entre as caractersticas da atividade do organismo e determinados aspectos do ambiente? E se o organismo, ao esfregar a mesa, estiver produzindo sensaes em seu corpo como resultado dessa atividade (como quando alisa o cabelo ou acaricia o prprio corpo, por exemplo), como seria denominado esse comportamento?

    Os exames de Schick, Baum e Ribes ainda so fortalecidos e enriquecidos com a considerao de outros aspectos nos artigos de Bolles (1970) e

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    Conceito de comportamento operante

    de Seligman (1970). Bolles examinou as diferenas entre as reaes especficas das espcies e as relaes arbitrrias estabelecidas, nas pesquisas de laboratrio, entre classes de estmulos antecedentes, respostas selecionadas e consequncias apresentadas pelos pesquisadores. Seligman acrescentou a esses problemas os conceitos de preparao, no preparao e contra-preparao do organismo para responder a certos tipos de estmulos ou perceber as relaes entre aspectos das situaes antecedentes, as propriedades das aes e os aspectos das situaes consequentes ou subsequentes em relao a essas propriedades das aes apresentadas pelo organismo. Talvez o que se aproxima do que, mais tarde, vai ser enfatizado como condies e operaes estabelecedoras para a ocorrncia de uma interao especfica (?). Tais autores tambm no estavam pondo em dvida as relaes entre os trs componentes do comportamento, de acordo com as contribuies da Anlise Experimental do Comportamento e sua importncia para entender os processos psicolgicos. Eles estavam problematizando no que est apoiado o conceito de comportamento dos organismos vivos, identificando aspectos especficos importantes para haver generalizao do conceito para outras situaes. E para haver discriminaes adequadas entre os componentes de um comportamento, entre as interaes estabelecidas em cada caso e problemas relativos aos conceitos de classes (de estmulos, de atividades respostas? ou de comportamentos), entre as variaes de amplitude das classes de comportamentos e as relaes entre classes e cadeias de comportamentos e entre as variedades de eventos que podem acontecer tanto como antecedentes como consequentes de respostas de uma classe de um organismo.

    Esses autores destacaram que a escolha de variveis e a manipulao controlada em laboratrio tm, em si, o problema das diferenas entre consequncias naturais e consequncias arbitrrias, no deixando clara a diferena entre eventos que se seguem e eventos efetivamente produzidos pelas aes ou atividades dos organismos. Destaque-se que os estudos de laboratrio com comportamento supersticioso respondem ao problema dos eventos que se seguem sem relao funcional com as respostas, mas no auxiliam a esclarecer o conceito de comportamento operante como uma interao

    especial ou especfica entre os trs componentes dessa interao. Permanece a pergunta: quais eventos componentes de uma interao entre atividades de um organismo e seu ambiente so importantes para delimitar qual especificamente est sendo o comportamento desse organismo?

    Ainda quanto ao exame de problemas relacionados ao conceito de comportamento operante, Catania (1973) explicitou o que considerava fundamental para definir o conceito. O autor fez consideraes a partir da afirmao de Skinner (1969) quanto a ser sempre sobre propriedades das respostas de uma classe que um dado evento se segue ( contguo no tempo e no espao) e que essa relao que define o operante. Apareceu, neste caso, o termo contingente com o sentido de contguo (junto a) e no no sentido de ser circunstancial e no necessrio como significa o conceito de contingncia, coerentemente com o termo evento (de eventual e no obrigatrio ou constante). Isso exige um exame do conceito de contingncia e de contingncia de reforamento como dois outros conceitos marcantes para a mudana no entendimento dos processos psicolgicos a partir dos conceitos de comportamento operante e contingncia de reforamento (ver, por exemplo, em Todorov 1989 e Souza 2000, um exame dos conceitos de trplice contingncia e de contingncia de reforamento) que continuaram ou ampliaram seu trabalho, o que inclui o minucioso exame de Lewin (1935/1975) em relao s concepes aristotlicas e galilicas na Psicologia contempornea (em 1935). Talvez, ainda no tenha havido um suficiente entendimento das exigncias de elaborao dos conceitos da Anlise do Comportamento em relao a essas duas concepes.

    Para Skinner (conforme Catania, 1973), o que define um operante um conjunto de circunstncias (contingncias) especficas (em interao?), o que salienta os problemas existentes no uso indiscriminado dos termos resposta (ou ao, ou atividade?) ou classe de respostas como sinnimos de comportamento operante. Para Catania, o conceito de comportamento operante deve basear-se em uma nfase nas propriedades das interaes entre respostas de uma classe e estmulos de uma classe (antecedentes e subsequentes ou consequentes) e no apenas nas propriedades das respostas de uma classe. Como no conceito de comportamento

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    reflexo, examinado por Skinner (1931) e Pavlov, em 1934, o aspecto crtico no conceito de comportamento operante uma interao (ou um sistema delas?) entre propriedades de eventos ambientais de uma classe e propriedades das atividades de uma classe de atividades apresentadas por um organismo, integrando o conceito de classe, proposto por Skinner (1935). Catania no deixou claro que o aspecto crtico, como ele destacou, envolva a noo de classes de eventos, uma vez que, conforme o exame de Skinner (1935), no se trata de eventos particulares, mas de tipos (conjuntos, classes) de eventos que se repetem com a mesma funcionalidade embora variem em alguma caracterstica ou grau de qualquer caracterstica que apresentem. A noo de circunstncia ou contingncia (Skinner, 1969) ser tambm uma parte importante do conceito. Noo, alis, j presente no conceito de classe (que se define por uma interao funcional e no por caractersticas formais e necessrias ou propriedades essenciais), sem ainda considerar a especificidade do conceito de contingncia de reforamento que traz novos aspectos, tambm marcantes, para o entendimento dos processos psicolgicos, indo alm daqueles que delimitam os conceitos de comportamento operante e de contingncia.

    Com maior especificidade ainda, de acordo com o conceito de varivel, de graus de varivel e das possibilidades de usar diferentes nveis de mensurao para especificar os graus em que uma varivel pode apresentar (Rebelatto e col., 1987, pp. 175-198), o aspecto definidor de um comportamento operante a relao entre graus (especficos ou faixas de variao dos mesmos) de cada uma das propriedades (ou aspectos) de atividades de uma classe e graus de cada uma das propriedades de eventos ambientais de uma ou mais classes (conforme sejam antecedentes ou subsequentes atividade do organismo). Skinner (1969, p. 131), com um significado similar, denominou a resposta como componente ou instncia de um operante que ele considerou como classe de eventos. Ainda til lembrar que eventos ambientais incluem tanto os que antecedem s aes de um organismo, quanto os que sucedem essas aes em diferentes perodos de tempo e at distncias no espao.

    A complexidade do conceito como um conjunto de interaes especficas envolve um

    ambiente em mudana. E qualquer um dos trs tipos de componentes dessa relao circunstancial: um evento um estmulo somente se estiver em uma dada relao com alguma ao do organismo, uma ao s uma resposta se estiver em uma dada relao com algo que acontece no ambiente que a antecede (talvez no quando essa relao seja apenas de oportunidade para ocorrncia da ao) e, por fim, um evento subsequente s algo que possa ser chamado de estmulo subsequente ou consequente se houver alguma relao especfica com a atividade apresentada pelo organismo. Sem essas relaes, que no so necessrias ou obrigatrias, so circunstanciais ou contingncias, eles so eventos que no constituem uma interao. Por isso, surge o nome trplice contingncia: a ocorrncia dos trs tipos de eventos em uma interao especfica, ou fora dela, no algo necessrio, fixo ou obrigatrio, mas quando acontecem em interao, configuram ou comeam a configurar um outro evento mais complexo que qualquer um dos trs eventos isolados. As interaes entre eles, porm, um sistema complexo e no absolutamente estvel e foram elas o objeto de estudo dos analistas experimentais do comportamento, durante dcadas. Os eventos e as interaes que constituem um operante so contingncias, mas o sistema com as caractersticas delimitadas pelo tipo de evento subsequente que as constitui uma contingncia de reforamento (ver Skinner, 1969). E essa diferena pode ser crucial para entender e lidar com o que ficou denominado como comportamento operante.

    Catania (1973) indicou, ainda, que a especificao das classes de estmulos e das classes de respostas exige que sejam delimitados, tambm, os tipos de relaes comportamentais das quais essas classes podem fazer parte. Podem fazer parte (circunstncia ou contingncia) diferente de necessariamente fazerem parte, ou sempre serem parte de. O autor considerou que o conceito de comportamento operante mantinha, at ento, uma nfase maior nas classes de respostas do que nas propriedades da interao entre respostas e estmulos. Catania salientou que foi estabelecida uma dicotomizao entre respondentes (classes de respostas definidas em termos dos estmulos que as eliciavam) e operantes (classes de respostas definidas em termos dos estmulos que elas produziam). Catania

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    Conceito de comportamento operante

    ainda esclareceu que, nessa dicotomia, est implcita outra e, talvez mais importante (ou equivocada?), distino entre duas classes complementares de interaes comportamentais: interaes reflexas e interaes operantes. Classes complementares porque ambas esto envolvidas na constituio e, como classes, so importantes para a identificao e descrio de uma unidade comportamental.

    Sem estarem em interaes especficas entre si no parece caber denominar quaisquer eventos de estmulos ou respostas. O problema maior, porm, parece estar no fenmeno que constitudo pelas interaes entre esses tipos de eventos. Diferentes autores (Skinner, Staddon, Schick, Catania, Ribes, Bolles, Seligman...) salientaram, de formas diversas, a importncia de distinguir, com clareza, critrios utilizados para delimitar uma interao comportamental (uma unidade de comportamento): possvel referir-se ao que o organismo faz de uma maneira descritiva das caractersticas fsicas dessas aes ou de uma maneira funcional pelas caractersticas das relaes entre aquilo que o organismo faz e o ambiente em que o faz. Considerando a complexidade que tais interaes podem ter, depois de quase um sculo de produo de conhecimento, h uma ainda grande quantidade de esclarecimentos a produzir e uma complexidade tambm grande do fenmeno comportamento a levar em conta na sua anlise do que parece ser feito corriqueiramente no trabalho com o comportamento. Isso tudo, como percepo e como possibilidade, mais do que, com o conhecimento disponvel, era possvel fazer nas trs dcadas depois das primeiras descobertas de Skinner a respeito da interao denominada por operao do organismo no ambiente e suas decorrncias para as mltiplas relaes das atividades desse organismo com seu ambiente.

    A anlise (literalmente, a especificao das partes componentes de um todo) de um fenmeno com tal complexidade exige que seus constituintes sejam muito bem especificados, assim como as interaes estabelecidas entre eles em cada situao em que ocorrem. A mera especulao ou o mais elaborado raciocnio no sero suficientes para dar conta dessa anlise e de sua verificao e demonstrao inequvoca. Impe-se um mtodo de verificao e demonstrao que possa auxiliar a explicitar o que constitui cada relao e, com isso,

    viabilizar a construo do fenmeno complexo a partir de suas partes constituintes. A possibilidade de sntese comportamental (desenvolvimento, instalao, ensino, correo...), um termo j utilizado por Ferster e col. (1975), tambm a ser verificada experimentalmente e demonstrada de maneira inequvoca, surge como algo no horizonte do trabalho de analistas do comportamento. Isso vai ao encontro da frase-ttulo do artigo de Baer (1973): in the beginning there was the response. Inaugurado o sculo XXI, o desenvolvimento de comportamentos operantes de valor na sociedade com uma compreenso das interaes que constituem uma unidade de comportamento como uma relao forte (em graus variados) entre seus componentes algo j vivel, conforme demonstra o conhecimento disponvel. Assim como vivel o manejo de variveis que interferem no estabelecimento dessa relao, como determinantes ou intervenientes no estabelecimento de cada unidade de um sistema de interaes que constituam comportamentos.

    As contribuies indicadas mostram a necessidade de utilizar com muita preciso e especificidade termos s aparentemente sinnimos ou equivalentes como: resposta, classe de respostas, comportamento, classe de comportamentos e comportamento operante. Ou estmulo, classe de estmulos, estmulos antecedentes, condies antecedentes. Ou, tambm, estmulos consequentes, estmulos subsequentes, consequncias. Ou, ainda, sequncia de respostas e cadeias comportamentais. Preciso e especificidade necessrias tanto quanto a: produto, resultado, reforo e reforamento. Algumas vezes essas palavras referem-se a eventos simples e isolados; outras a interaes especficas entre eventos de determinado tipo, o que, em si, constitui outro objeto de referncia ou de estudo. Parece fundamental deixar claro a que aspecto especfico do sistema de interaes que compem um comportamento cada termo se refere e ao que est efetivamente sendo abrigado como eventos componentes ou como determinantes da classe de eventos a que cada termo faz referncia. Ainda mais quando ele a denominao de uma interao ou de um sistema especfico de interaes entre classes de eventos.

    Esses exames, anlises e questes estabelecem uma espcie de demarcao de uma mudana no que era concebido como comportamento at Skinner

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    propor o conceito e demonstrar a existncia do comportamento operante e os autores citados, ele includo, apresentarem os problemas indicados. Essa mudana fruto de contribuies especficas de mltiplos cientistas e profissionais da anlise do comportamento em vrias modalidades de trabalho com o comportamento dos organismos vivos. Para a Anlise do Comportamento, porm, muitas perguntas ainda permanecem sem resposta e, se for considerado que o comportamento operante uma interao especfica entre as caractersticas do que o organismo faz com as do ambiente em que o faz, novas perguntas precisam ser formuladas: a) que tipos de relaes existem (ou podem existir) entre os trs componentes de uma unidade comportamental? b) como identific-las e nome-las? c) como analis-las? d) quais critrios utilizar para delimitar uma unidade de comportamento, tanto quando ampla como quando especfica ou restrita ? e) como relacionar os conceitos de classe e cadeia de comportamentos com a delimitao de uma unidade comportamental? f) como relacionar e trabalhar com classes de comportamentos que englobam muitas outras classes de comportamentos mais especficos? g) como integrar o conceito de cadeias comportamentais com alternativas de encadeamento quando a cadeia considerada uma unidade comportamental? Imagine-se escovar os dentes como uma unidade comportamental e j haver uma complexidade grande para responder a todas essas perguntas. Em sntese: o que nuclear e delimitador de cada um desses conceitos no trabalho com o comportamento?

    Se for acrescentado a essas indagaes e aos problemas que elas podem representar, o exame dos conceitos de contingncia e de contingncia de reforamento ainda haver mais exigncias para a delimitao de uma unidade de comportamento operante. Ou no que constitui um sistema composto por vrias unidades de comportamentos, mesmo em diferentes formas de entender um processo comportamental. necessrio ir alm do que foi examinado at este ponto a partir da indicao de que ocorrem mltiplas interaes entre diferentes valores das diversas variveis que compem cada um dos diferentes componentes (ou instncias) de qualquer unidade comportamental, seja ela ampla, especfica, uma cadeia comportamental (ou vrias ou com ramificaes) ou uma classe de comportamentos

    em qualquer amplitude de abrangncia.Os dois conceitos (ou problemas?) indicados

    at aqui (conceito de comportamento e de contingncia de reforamento) parecem ainda exigir uma sistematizao conceitual que v alm do que era considerado a respeito do comportamento, particularmente o humano, at a dcada de 1970, em Psicologia. Keller (1965/1970), em relao a isso, usa uma analogia coerente com as afirmaes de Skinner (1953/1974, p. 21), quando reala o dinamismo que os problemas e controvrsias da Psicologia representam no mbito da anlise do comportamento. Keller esclarece, em seu conhecido estilo coloquial: (...) uma tentativa sincera e cabal de manter a casa da Psicologia em ordem: de repor essa pea do mobilirio, de reparar aquela; de indicar a aparncia fora de moda de uma sala ou a nudez de outra; acrescentar uma ala aqui ou um andar ali; e, se necessrio, de pr a casa abaixo e construir uma nova sempre de acordo com a quantidade, a necessidade e as posses de seus ocupantes (Keller, 1965/1970, p.141). Talvez fosse necessrio acrescentar e conforme o repertrio comportamental de seus ocupantes.

    Trocando mveis, sala, ala, casa por fatos, descobertas ou conceitos a respeito de comportamento possvel ter uma noo do que seja o trabalho de cada um no empreendimento que fazer Cincia e construir o conhecimento em Psicologia. Particularmente, em Anlise do Comportamento, ao destacar a importncia de esclarecer o que foi feito e examinado a respeito do ainda controvertido conceito de comportamento. Sempre considerando as contribuies a respeito do complemento operante que Skinner descobriu e formulou e que marcou uma grande diferena de uma noo genrica de comportamento como sinnimo apenas de atividade de qualquer organismo vivo.

    O conceito de comportamento depois da configurao do comportamento operante

    como um tipo particular de interao entre atividade de um organismo e ambiente

    subsequente a essa atividade

    No que resultaram esses esforos, pesquisas e conceituaes no trabalho dos analistas de comportamento, alm das controvrsias, questionamentos e reformulaes conceituais?

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    Conceito de comportamento operante

    Destacando que, como qualquer evento, o comportamento pode ser definido de diferentes maneiras, cada estgio ou tipo de contribuio dos cientistas e profissionais que testam os conceitos existentes trazem possibilidades de inovao, nem sempre completas, boas ou adequadas. Mas, sempre tornando mais visveis os problemas existentes por meio dos conceitos disponveis e propiciando aperfeioamentos em tipos e graus diversos. Conforme as condies de conhecimento existente para cada um, de trabalho realizado, de instrumental disponvel, de mtodo ou tcnicas utilizados, de referencial adotado, alm do prprio repertrio geral de cada pessoa, as definies podem ser construdas de diferentes maneiras. Em relao ao comportamento (ao fazer) das pessoas (e de outros organismos vivos) acontece o mesmo. Ele pode ser definido ou conceituado de diferentes maneiras e, conforme o que for considerado nessa definio, ele vai ser entendido, estudado e utilizado de formas variadas.

    No se trata de uma interao genrica ou qualquer relao entre o organismo e o ambiente. Trata-se de um tipo de interao especfica e isso fundamental. Troca de calor, por exemplo, uma relao entre organismo e ambiente, mas no do mbito da Psicologia. A diferena no pouca e isso precisa ser bem entendido at antes de identificar quais os resultados especficos de cada tipo de interao entre cada tipo de aspecto envolvido na interao especfica que est sendo objeto de exame como central ou nuclear para o conceito de comportamento operante.

    Todorov (2012), afirma que no v razo para definir comportamento como interao entre organismo e ambiente como tem acontecido em algumas publicaes e pode ser visto em alguns sites da internet. O autor tem razo. Se comportamento for entendido dessa forma, ele objeto de estudo de vrias outras reas e objeto de interveno em muitos campos de atuao. A queda de uma pedra na cabea de uma pessoa ou a decomposio de um organismo morto seriam comportamentos de acordo com essa definio. Em ambos os casos h uma interao entre organismo e ambiente. Mas no a que possa receber a denominao de comportamento operante. A interao em foco na Psicologia exige a atividade do organismo como parte do processo de passagem de um ambiente que antecede essa atividade para

    outro que a sucede. Descobrir esses trs elementos e de que maneira interagem o ncleo do problema para trabalhar com o comportamento operante.

    De forma similar, os exemplos de verbos isolados (salivar, correr, pular...) no so denominaes de comportamentos, mas de classes muito amplas de atividades. Fugir de um cachorro uma denominao (apenas uma denominao e ainda no uma caracterizao) mais apropriada (ou aproximada?) para um comportamento especfico que indica mais do que a atividade do organismo. Indica uma interao que est sendo estabelecida entre a presena, proximidade ou a atividade de um cachorro e a atividade de correr feita por uma criana, por exemplo, com a consequncia de afastar-se do co e evitar o risco (diminuir a probabilidade) de uma mordida ou ataque ou, pelo menos, diminuir as reaes desconfortveis tpicas de ansiedade perante aspectos aversivos de uma situao. O que est sendo nomeado como comportamento de algum mais do que a atividade de correr. E no se trata de supor que o co a causa do correr ou que este ocorre porque tem a distncia do co como causa... O (ambiente) co, o rosnar do co, ou as caractersticas do co podem ter mltiplos papis ou funes em relao ao correr. E no parece adequado nomear apenas a atividade de correr como um comportamento, pelo menos depois do conceito de operante. Pelo menos pode no ser adequado sem saber mais a respeito da interao entre as caractersticas de tal atividade, as caractersticas do ambiente em que ocorrem e as caractersticas do ambiente que se seguem s atividades com tais caractersticas. E tal interao muito diferente de relao entre organismo e ambiente. No exemplo em exame, inclusive, a contingncia de reforamento poderia ser denominada de reforamento negativo e a classe de comportamento operante (ampla) denominada de fuga (ou fugir de um evento aversivo, um cachorro ameaador). Se houver mais detalhes especficos do que ocorre nas circunstncias que o exemplo ilustra, ser possvel denominar melhor os componentes, a interao e a contingncia de reforamento que configura as circunstncias que possibilitam uma denominao ser adequada.

    Oitenta e cinco anos depois dos questionamentos de Russell (1927/1969), o exame do que constitui o comportamento operante no pode deixar de lado os estudos que especificaram, muito alm do manifesto

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    behaviorista, o que foi paulatinamente desenvolvido para entender melhor um tipo de interao especfica dos organismos vivos com o ambiente, denominado de comportamento operante. fundamental realizar uma extensa avaliao e integrao das contribuies do trabalho de Skinner e colaboradores, ao longo de muitos anos, verificando, avaliando e demonstrando essas interaes. Cientistas que, como parte das contribuies, criaram um sistema conceitual que possibilitou o entendimento dessas interaes, complexas, fluidas e circunstanciais (constitudas por contingncias), entre ( necessrio destacar e insistir) caractersticas (ou graus de variveis) das atividades de um organismo, com graus das variveis que constituem o ambiente antecedente (ou concomitante com tais atividades) e os graus das variveis que constituem o ambiente que se segue s mesmas atividades. Assim como tambm contriburam para viabilizar o trabalho de interveno com esse tipo de interaes.

    Dizer que operante uma forma de comportamento (Todorov, 2013) e dizer que sua definio como a interao da qual faz parte parece vir de uma confuso entre efeito e consequncia, e completar com um exemplo que um mero aceno de mo tem como efeito o deslocamento do ar, algum acenando de volta a consequncia parece ser insuficiente em relao ao que se evidencia a respeito da diferena entre atividade do organismo e suas interaes com os aspectos do meio no qual, de alguma forma, essa atividade configura uma interao especfica. Os prprios conceitos de estmulo, resposta e subsequncia (para no confundir o que se segue a uma resposta com consequncia da mesma) so contingncias ou eventos circunstanciais: dependem um do outro para ser o que esto recebendo como denominao, nesses casos. Vale relembrar: um evento s estmulo se estiver em uma especfica interao com uma resposta; uma atividade de um organismo s resposta se estiver em uma tambm especfica interao com um evento que a antecede. E, ainda, um evento s subsequente se estiver em outra especfica interao temporal com a atividade de um organismo. O mesmo pode ser dito a respeito de consequncia, outra interao especfica com alguma atividade do organismo. Assim como pode ser dito da palavra efeito, que no mais parece ser muito til, em funo das noes

    de causa e efeito na Cincia contempornea, conforme exame de Lewin (1935/1975). Por isso, tais conceitos so considerados contingncias (eventos circunstanciais) no sentido que podem ser o que denominam, mas tambm podem no ser, dependendo do conjunto de circunstncias em que ocorrem. O prprio uso do termo contingente como sinnimo de contguo um equvoco. Contingncia sinnimo de circunstancial e no de contguo ou imediato conforme aparece com frequncia em publicaes de Psicologia. Contingente o que pode ser (ou acontecer) e pode no ser (ou no acontecer), algo contrrio a necessrio (ou fixo). sinnimo de circunstancial ou algo que para ser (ou ocorrer) depende de circunstncias outras. Se elas variarem, um evento poder ser outra coisa do que o inicialmente denominado (ver definio de contingncia em Branquinho, Murcho e Gomes, 2006, pp. 208-209, ou outros dicionrios de Filosofia e mesmo de traduo do ingls contingent para o portugus, pelo menos do Brasil).

    Parece ser incuo ou improdutivo um debate ou exame dessas possibilidades de definio sem um exame cuidadoso dos termos que constituem ou esto envolvidos com o conceito comportamento (dos organismos vivos), pelo menos desde o surgimento de seu complemento operante. E, mais ainda, quando ele comea a ser entendido como outra parte, complementar ao que era conhecido, at ento, como comportamento reflexo. E no mais, apenas, como outro tipo de comportamento. Skinner em sua obra, em vrias oportunidades, parece complementar e ir alm das concepes que reduziam o comportamento a uma parte das interaes das atividades dos organismos vivos e os ambientes existentes e aqueles criados por essas atividades. Sem as descobertas de Skinner e outros autores que se seguiram e sem as questes suscitadas por eles, comportamento ainda poderia ser um nome genrico, usado por muitas reas de conhecimento e muitos campos de atuao profissional. No h porque, na Psicologia, no identificar e caracterizar o que especfico do comportamento como seu objeto de estudo. E isso no parece tambm reduzir-se a atividades ou respostas dos organismos vivos. A separao entre comportamento reflexo e comportamento operante como se fossem categorias estanques e absolutamente distintas e no integradas ou

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    Conceito de comportamento operante

    integrveis, parece no corresponder ao grau de desenvolvimento j alcanado no conhecimento a respeito dos comportamentos que podem ser denominados pelo termo operante.

    Um exemplo de terminologia, confusa, equivocada e imprecisa, aparentemente tcnica e precisa, pode ser visto em um pargrafo de um relato de pesquisa publicado em 2003: ...para a Anlise Experimental do Comportamento, o objeto de estudo o comportamento, ou seja, as interaes do organismo com o ambiente no qual ele vive. O homem modifica o ambiente, por meio da emisso de respostas e modificado por ele atravs de consequncias que suas respostas produzem no ambiente. Essas consequncias alteram a probabilidade futura das respostas ocorrerem novamente. (...). Essa relao, que enfatiza o controle exercido pelas consequncias sobre o comportamento, denominada comportamento operante e o processo no qual uma resposta produz determinada consequncia e esta altera a probabilidade futura dessa resposta ocorrer novamente denominado reforamento (por razes bvias, no ser identificada a obra). O que est destacado entre aspas no corresponde aos conceitos como esto sendo formulados neste texto e so, nessas frases, usados em sentidos diversos em locais diferentes das prprias frases. Em primeiro lugar, o comportamento no as interaes do organismo com o ambiente no qual ele vive, a no ser que se esteja falando de qualquer atividade de qualquer substncia existente. Como a referncia ao comportamento operante, no mbito da Psicologia, as interaes so mais especficas e no todas as interaes. So apenas aquelas entre as atividades ou aes do organismo e o ambiente em que ele est durante e depois de sua atuao. Modificado por ele (o ambiente), tambm fica no mesmo universo genrico. A ingesto de alimento modifica o corpo humano... mas mais do que um fenmeno psicolgico... e as modificaes so mltiplas (a curso, a mdio, a longo prazo, percebidas pelo organismo de imediato, ou no associadas por ele a propriedades especficas dos alimentos ingeridos ou forma de ingeri-los etc.). A palavra consequncia tambm precisa ser usada com mais cuidado. O que afeta no o organismo (no sentido fsico, embora possa tambm envolver isso), mas as caractersticas de suas atividades e de suas interaes com o ambiente so os eventos que se seguem s suas

    aes ou atividades imediatamente ou proximamente. E que podem apenas ser concomitantes, seguir-se ou ser contguos a essas aes ou atividades. No seriam consequncias propriamente ditas (nem efeitos ou decorrncias) nem necessrias e poderiam alterar a probabilidade de ocorrncia de novas aes similares (da mesma classe) em situaes com propriedades tambm similares quelas em que ocorreram as aes anteriores. Nesta ltima condio, com maior probabilidade, podem ser respostas a determinadas propriedades do ambiente em que as aes anteriores foram apresentadas, desde que haja alguma interao entre essas propriedades e novas aes similares s anteriores. Um evento pode ser apenas a ocasio em que uma ao realizada. Ele s se transforma em estmulo antecedente quando j mais do que ser apenas ocasio quando ocorre alguma atividade de um organismo vivo: indicador, provocador, sinalizador etc. em relao ao do organismo, mesmo que em condies fracas ou precrias. Nessas circunstncias ele comea a poder ser denominado de estmulo e a ao ou atividade do organismo de resposta. Algo similar ocorre, quando o organismo estabelece alguma interao com alguma das propriedades do ambiente que ocorrem em seguida, junto ou contiguamente por meio de uma atividade que apresenta: para o organismo elas parecero ser consequncia, embora possa ser apenas algo que contguo no tempo e ou no espao. E passar a exercer controle sobre a probabilidade de novas aes da mesma classe e reforar (fortalecer) a interao que o organismo est estabelecendo entre suas aes, algum (ou alguns) aspecto do ambiente no qual realizou (diferentemente de emitiu) alguma ao ou atividade e o que aconteceu em seguida sua ao. O que faz com que mude a probabilidade de ocorrncia de novas atividades do mesmo tipo (ou classe) no futuro e altere a fora das relaes entre os aspectos do ambiente (antecedente s aes e subsequentes a elas) o que constituir no mais o comportamento operante, mas as contingncias de reforamento desse tipo (ou classe) de comportamento (das interaes especficas que esto sendo destacadas como componentes de um comportamento). , pode ser dito, a interao do que consequncia do que se segue atividade do organismo nas interaes desse organismo com aspectos de seu ambiente e na probabilidade de novas ocorrncias das atividades

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    da mesma classe em situaes similares. Reduzir tudo isso a uma genrica relao entre organismo e ambiente no qual ele vive equivale a quase anular o conhecimento desenvolvido pela Anlise do Comportamento ou, pelo menos grande e importante parte dele. O texto apresentado um conjunto de equvocos.

    Tais imprecises podem parecer incuas, mas a literatura j registra que a consequncia definidora de um comportamento operante muitas vezes est distante temporalmente da apresentao ou realizao da ao de um organismo e o que funciona, pelo menos inicialmente, como reforador o evento que acontece contiguamente (e circunstancialmente) a essa ao. Para o organismo pode parecer ou funcionar como consequncia, mas o conceito, para um analista de comportamento denominar uma unidade de operante necessita ser preciso e usado de forma adequada ao que est acontecendo e no ao que parece ou aparece ao organismo que se comporta. O exemplo citado no pargrafo anterior apenas ilustrativo. Mas rico em sutilezas da impreciso ou ambiguidade com que, inadvertidamente, possvel perceber, ler, falar ou escrever a respeito desse fenmeno.

    Os componentes de uma definio de comportamento operante o que uma maneira de entender tal tipo de fenmeno precisam ser delimitados com muita clareza, preciso e estabilidade. Assim como o uso dessas definies e dos nomes dados a qualquer comportamento em situaes de estudo ou de interveno. Por exemplo, a cada circunstncia: o que est sendo ambiente? Quais aspectos do ambiente esto participando do que est relacionado com a ocorrncia de uma atividade de um organismo? De que maneira esto participando? Falar ou escrever emitir uma resposta j pode envolver o que o organismo est fazendo com uma entidade interna e no com o ambiente? No seria mais correto falar ou escrever apresentar uma ao ou atividade at poder dizer que o organismo est apresentando uma resposta a algo (quando essa relao estiver estabelecida e verificada)? Isso apenas o comeo dos problemas com os conceitos. A prpria percepo e maneira de falar dos aspectos dos ambientes existentes e subsequentes ou consequentes atividade do organismo j trazem consigo vrias complicaes a serem resolvidas e que ainda no

    parecem ser algo que esteja suficientemente bem estabelecido coletivamente no mbito da Anlise do Comportamento. Desempenho e resposta, tambm como exemplo, so termos que tem referenciais diferentes de atividade ou ao. E, no entanto, isso aparece indiscriminadamente em vrios artigos da rea. Outros conceitos (j citados) correm o risco de no estarem sendo usados de forma coerente com uma concepo delimitada (e coletiva?) de comportamento.

    O questionamento e o exame feito por Micheletto (1997), por exemplo, mais uma contribuio que leva necessidade de maior clareza no uso desses termos. No irrelevante a pergunta o sujeito faz parte de seu prprio ambiente?. De forma similar perguntar: o ambiente parte ou no do comportamento? Qualquer complemento colocado em um verbo j configura uma interao como parte da delimitao de um comportamento, por ser esse um processo que no acontece em um vcuo. No adequado ou suficiente nomear comportamentos apenas com verbos. Eles sempre exigem um complemento que se refira ao contexto em que ocorre a ao que o verbo denomina. Fazer isso de maneira clara e completa a ponto de entender de que maneira especfica um determinado organismo est se relacionando com determinados aspectos de seus ambientes por meio de quais caractersticas de suas aes algo que est na base, no ncleo e na origem da Anlise Experimental do Comportamento, uma maneira de estudar que viabilizou, progressivamente, uma grande visibilidade a respeito dos componentes de uma complexa interao entre o fazer de um organismo e as circunstncias em que esse fazer ocorre, incluindo o que tais circunstncias alteram nesse fazer. O exame de Baum (2002) a respeito das dificuldades existentes com a mistura entre percepes (e denominaes?) molares e moleculares no exame do comportamento so tambm contribuies na direo de um exame mais completo e minucioso das circunstncias que constituem uma interao entre estmulos existentes, atividades do organismo e estmulos efetivamente consequentes de suas aes (ou apenas sequenciais a elas). Onde exatamente esto os limites desses conceitos? Quais e quantas interaes eles constituem em cada circunstncia de sua ocorrncia? Simonassi e col. (2010) e Simonassi e col. (2012) reiteram a importncia desse exame

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    Conceito de comportamento operante

    em si e para a compreenso da abrangncia do papel do reforo no repertrio comportamental de um organismo (Simonassi e col. 2011). O exame de Micheletto acarreta vrias questes ao considerar a possibilidade de o que acontea no corpo de um organismo possa ser parte de seu comportamento como ambiente em relao ao qual ele realiza uma atividade. Tal exame pode ser ainda mais explorado como contribuio para identificar e entender as interaes que constituem um operante.

    Funo de eventos que se seguem atividade do organismo em relao s

    interaes entre os trs componentes de um operante: conceitos de contingncia

    e de contingncia de reforamento

    At este ponto foram examinadas interaes entre os componentes de um comportamento operante, mas elas ainda so mais complexas do que uma possvel sequncia de interaes indo do antecedente para o subsequente ao do que pode parecer primeira vista para quem considera o significado estrito do termo operar. O ambiente resultante, produzido, consequente ou subsequente atividade do organismo tambm opera na atividade do organismo e nas suas interaes com o ambiente. H interao entre os componentes e isso significa a existncia de relaes recprocas entre eles. De certa forma, evidenciou-se tal parte do processo comportamental com mais um conceito criado com a descoberta do que acontecia com as atividades de um organismo quando os eventos que se seguiam a elas tinham certas caractersticas. O conceito de contingncia de reforamento foi o que consolidou muito fortemente as integraes entre as mltiplas descobertas iniciadas com o trabalho precursor de Skinner. Mas, novamente, os conceitos precisam ser entendidos como conceitos que se referem a interaes especficas entre eventos e no a eventos particulares ou fixos em suas propriedades ou caractersticas. Skinner (1969) apresentou um aprofundamento (ou uma sistematizao) desse conceito em Contingencies of reinforcement a theoretical analysis, embora o texto contenha vrios problemas em sua organizao e destaques que podem confundir conceitos de operante (como fuga e esquiva, denominaes de duas classes gerais de

    comportamentos: fugir e esquivar, com todas as variaes possveis) com o conceito de contingncia de reforamento. No caso dos exemplos de fugir ou esquivar de algo, tais classes de operantes so fortalecidas por contingncias de reforamento negativo: o organismo evita ou foge (evita, reduz, elimina) de algo aversivo por meio de algum tipo de atividade dessas duas classes de operantes.

    Importa distinguir que contingncia e contingncia de reforamento no so sinnimos (ver Souza, 2000, para exame mais detalhado dessa diferena). E, no caso do comportamento operante, elas denominam propriedades muito diferentes dos eventos envolvidos em uma unidade comportamental. O termo contingncia sinnimo de circunstancial e no de contguo ou imediato ou de consequncia e isso aparece indistintamente na literatura existente no pas (incluindo as tradues), com uma frequncia comprometedora dos conceitos da Anlise Experimental do Comportamento (e do comportamento por referir-se ao comportamento operante uma categoria especfica e no de comportamentos por no referir-se a qualquer conceito de comportamento ou a atividades em geral de organismos variados, inclusive as substncias, os tomos, os astros, os materiais etc.).

    Um evento (pode ser um objeto ou uma propriedade dele), por exemplo, s estmulo circunstancialmente. Isso significa que, conforme as circunstncias o evento no est em uma relao (qualquer que seja: facilitadora, indutora, provocadora, sinalizadora etc.) com alguma atividade de um organismo vivo. O mesmo pode ser dito de uma atividade de um organismo. Para ser denominada de resposta ela precisa estar em uma determinada relao com algum aspecto do ambiente em que ocorre. Certas atividades fisiolgicas, por exemplo de um organismo podem (o que significa circunstancialmente) ser mais constantemente respostas a estmulos por constiturem o que Bolles (1970) e Seligman (1970) denominavam de atividades tpicas da espcie ou de preparao e contra-preparao para a interao com o ambiente. Mas no so a regra e, embora constituam parte da interao comportamental, sero partes da interao operante depois de ocorrerem determinadas outras circunstncias que vo alm da simples relao estmulo-resposta (ver Catania, 1973). Por exemplo,

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    o desconforto (ou conforto) percebido pelo organismo com uma atividade fisiolgica, pode ser considerada consequncia dessa reao do organismo? Se puder, h uma complexidade maior do que apenas uma reao fisiolgica a um estmulo, mesmo que a frequncia dessa resposta ainda permanea como um problema a ser esclarecido para considerar os efeitos dessa consequncia no organismo em relao reao fisiolgica. Mas, se a reao fisiolgica for parte de uma cadeia comportamental, parte disso j estar em outro sistema de interaes: a consequncia (no organismo) poder ser uma condio que facilitar ou at induzir o organismo a apresentar outras atividades que, por sua vez, constituiro outras interaes, talvez mais claramente operantes. O exame de sentimentos e emoes como processos comportamentais tem esse problema inerente a sua apresentao por um organismo. Eles geralmente so comportamentos complexos nos quais esto envolvidas tanto reaes fisiolgicas (incluindo o estado corporal decorrente, sua percepo pelo organismo e, at sua nomeao) quanto complexas cadeias de comportamentos que podem comear com o estmulo e a reao fisiolgica, mas continuam produzindo condies que vo constituir outros comportamentos em seguida, estabelecendo cadeias comportamentais e no apenas sequenciamento de respostas.

    O mesmo pode ser dito dos eventos que se seguem atividade de um organismo. Eles so circunstanciais. Sendo ou no imediatos, sendo ou no aversivos ou gratificantes, sendo eliminados ou produzidos, ocorrendo depois de uma cadeia de comportamentos (aps o ltimo elo de uma cadeia comportamental) etc. constituem uma parte da variedade de possibilidades de ocorrncia desses eventos em relao s atividades de qualquer organismo e para cada organismo. Sua variao, porm, no necessariamente tira qualquer evento com qualquer dessas propriedades da interao das atividades de um organismo com seu ambiente. O tipo de interao entre os componentes de um comportamento e a fora dessa interao (o quanto esto interligados e resistentes ruptura dessa interligao) sero diferentes e isso o que constituir cada tipo de circunstncia com seus efeitos na fora ou resistncia das interaes entre os trs tipos de componentes de um comportamento. Reforado

    constituir uma caracterstica do conjunto de interaes entre os trs componentes, conforme as caractersticas dos eventos subsequentes atividade de um organismo, e no da atividade do organismo a qual aumentou a probabilidade de ocorrncia. A alterao na frequncia de ocorrncia das atividades de uma classe uma evidncia indicadora de que, provavelmente, h uma relao estabelecida entre trs componentes com certo grau de fora ou resistncia, configurando uma unidade de comportamento operante com algum grau de estabilidade (ou fora?) no conjunto ou sistema de interaes da atividade de um dado organismo com um dado ambiente (ou um similar).

    Para elucidar um pouco mais o conceito de operante e suas relaes com o conceito de contingncia de reforamento, uma ilustrao grfica (uma frmula bsica?) pode auxiliar. Na Figura 1, esto indicadas vrias relaes (representadas pelas setas) que elucidam as vrias possibilidades (circunstanciais, uma vez que dependem de outros eventos) para a funo bsica de cada um dos tipos de eventos que constituem as interaes que esto sendo denominadas de comportamento operante e de contingncias de reforamento. Cada seta representa um tipo ou classe de relao (podem ser vrios conforme a especificidade) entre cada um dos tipos de eventos denominados no cabealho de cada uma das colunas na Figura 1.

    O tipo de relao indicado pela seta na linha 1 do corpo da Figura 1, representa que algum evento (ou mais de um) est presente quando o organismo apresenta uma atividade e facilita, impede ou dificulta a ocorrncia dessa atividade de alguma maneira. Qualquer uma dessas possibilidades pode existir antes que as demais relaes ocorram.

    O