o caranguejo verde

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Leituras Partilhadas 5.º C Página1 GRUPO A O CARANGUEJO VERDE No grande mar azul, junto às grandes rochas roídas pelas ondas e pelo vento, vivia um pequeno caranguejo verde. Gastava o dia a trepar pelas muralhas de pedra, em correrias desengonçadas. De tão desajeitado, todos troçavam dele. Voavam as brancas gaivotas no ar e no seu voo liso, pareciam preguiçosas bailarinas cansadas de dançar. Às vezes pousavam nas rochas negras; o pequeno caranguejo ficava a olhá-las, enquanto penteavam as longas penas finas, brancas, com a vaidade de quem se sente belo e admirado. As penas velhas caíam sobre as pedras, mas mesmo essas eram ainda tão leves e macias que o caranguejo verde, de casca dura, rugosa sonhava ter um vestido assim lindo, leve, branco como uma espuma, um vestido que o fizesse voar. Então, em segredo, todas as noites, quando os bichos dormiam e as próprias estrelas piscavam os olhos de sono, o pequeno caranguejo saía da sua toca para apanhar as penas caídas. Tantas foi juntando, tantas e tão belas, que o feio esconderijo de pedra mais parecia um ninho de pássaros. Já ninguém agora via o caranguejo trepar pelos rochedos, arrastado e triste, pois o seu prazer era unir as penas, de forma a arranjar

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História escrita por Luísa Ducla Soares

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Leituras Partilhadas

5.º C

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GRUPO A

O CARANGUEJO VERDE

No grande mar azul, junto às grandes rochas roídas pelas ondas e

pelo vento, vivia um pequeno caranguejo verde. Gastava o dia a trepar

pelas muralhas de pedra, em correrias desengonçadas. De tão

desajeitado, todos troçavam dele.

Voavam as brancas gaivotas no ar e no seu voo liso, pareciam

preguiçosas bailarinas cansadas de dançar. Às vezes pousavam nas rochas

negras; o pequeno caranguejo ficava a olhá-las, enquanto penteavam as

longas penas finas, brancas, com a vaidade de quem se sente belo e

admirado. As penas velhas caíam sobre as pedras, mas mesmo essas

eram ainda tão leves e macias que o caranguejo verde, de casca dura,

rugosa sonhava ter um vestido assim lindo, leve, branco como uma

espuma, um vestido que o fizesse voar.

Então, em segredo, todas as noites, quando os bichos dormiam e

as próprias estrelas piscavam os olhos de sono, o pequeno caranguejo

saía da sua toca para apanhar as penas caídas. Tantas foi juntando, tantas

e tão belas, que o feio esconderijo de pedra mais parecia um ninho de

pássaros.

Já ninguém agora via o caranguejo trepar pelos rochedos,

arrastado e triste, pois o seu prazer era unir as penas, de forma a arranjar

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um vestido da mais fina penugem, com longas asas brancas como as das

gaivotas, para parecer uma delas.

— Que será feito do caranguejo verde? — perguntavam as algas.

— Nunca mais se viu... Terá fugido com vergonha de ser tão feio.

— respondiam os peixes, e as ondas brincalhonas ficavam a cantarolar:

Caranguejo

não te vejo

caranguejo

não te vejo.

O caranguejo fingia nada ouvir, continuando a trabalhar no seu

disfarce. Faltava-lhe só uma touca de penas.

Os polvos peganhentos e senhores de tantos braços, que viviam

também nas rochas, andavam intrigados, censurando entre si:

— Ora esta, ir-se embora sem avisar os vizinhos! Este caranguejo,

afinal, não presta para nada e ainda por cima é malcriado!

O caranguejo ria, ria sozinho ao escutar tais conversas, no seu

buraco, mascarado de gaivota.

Até que um dia, quando o sol ia bem alto no céu, com a cara

redonda e quente toda a faiscar labaredas, voltada para o negro castelo

de rochas, o caranguejo saiu, majestosamente, do esconderijo, branco

como um nenúfar, uma noiva, uma espuma, uma gaivota. O próprio sol se

ia deixando cair, de espanto, na praia. Pararam as ondas, com as cristas

erguidas. Os peixes ficaram com as bocas abertas. E o vento, mais

atrevido, soprou de mansinho, que era essa a sua maneira de

cumprimentar.

Com a saudação, o caranguejo, de tão leve, voou pelo ar,

ondejando lentamente, admirado e trémulo com a sua proeza. Quando

tornou a cair nas rochas já os polvos, os ouriços, os mexilhões, as algas

estavam atónitos, a admirá-lo e as próprias gaivotas vinham descendo

dos seus passeios pelas nuvens.

— Que belo! Que gentil! Que pássaro maravilhoso! —

exclamavam uns e outros.

— Que brancura! Que ligeireza! Que graça!

O pequeno caranguejo verde agradecia tanta simpatia, por baixo

do seu disfarce, sorrindo.

Assim começou para ele uma nova vida. Já não precisava de se

esconder pelos buracos, com vergonha do seu corpo atarracado, das suas

patas tortas, peludas, da boca enorme, a espumar, a espumar. As penas

tudo encobriam e, quando o vento soprava, abria devagar as asas,

deixava-se levar sem destino, fingindo que voava. Rodopiava por cima das

ondas, das praias desertas, viajava nos longos comboios de nuvens e um

dia tão longe foi parar que já nem o alto castelo de rochedos se avistava.

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Caía uma chuva triste, tão gelada que o caranguejo, de penas

encharcadas, resolveu refugiar-se nuns arbustos que salpicavam a areia.

Não fora ele o primeiro a ter essa ideia. Já pardais e borboletas,

zumbidoras abelhas aí se tinham acolhido e, espantados, receberam o

estranho animal.

— Também vens para a grande festa da bicharada?

— Qual festa?

Então um dos pardais contou:

— Há muito tempo que os bichos do mar e da terra andam em

grandes discussões. Todos pretendem ser os mais belos, os mais capazes,

os mais fortes, mais poderosos e amanhã, perante a bicharada aqui

reunida, cada um mostrará aquilo que vale.

Foi uma algazarra, aquela noite. Os bichos da terra surgiam. de

todos os cantos e o litoral ena crespava-se de vida marinha.

Ao romper da manhã, já passado o temporal, saiu o caranguejo do

seu arbusto e aproximou-se da beira-mar.

Andorinhas, com flores no bico, vinham enfeitar o areal e os

peixes do largo tinham trazido as mais lindas algas, que formavam jardins

fantásticos sob a transparência das águas.

Nuno Boavida ����Mafalda Batalha ����Maria João Filipe | Mar 2010

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GRUPO B

Quando a orquestra das ondas começou a tocar, acompanhando o

canto dos rouxinóis, o sol avançou por trás do reposteiro das nuvens,

falando assim:

— Animais aqui reunidos, chegou o tempo de decidir se são

melhores os bichos da terra ou do mar. É favor apresentarem-se os

concorrentes.

Ergueu-se pesadamente o elefante que, depois de dar os bons

dias, estendendo a grande tromba, abanando as orelhas, disse:

— Devo ser eu o rei da criação, pois sou o mais forte animal da

terra.

Mas logo a baleia, erguendo um repuxo de água a muitos metros

de altura em sinal de protesto, reclamou:

— Cabe-me a mim esse lugar, pois animal maior ou mais forte que

eu não existe.

Então o sol ordenou:

— Aproximem-se e meçam as vossas forças.

Mas nem a baleia podia avançar até à praia, sob perigo de

encalhar, nem o elefante se arriscava a perder o pé entre as ondas.

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— Como não podem mostrar o que valem, dou por encerrada a

primeira parte do concurso. Veremos agora qual o mais ágil e Iadino.

Saltou o veado de trás duma moita, escavando a terra com as suas

finas patas nervosas e propôs:

— Bata-me algum peixe nas minhas correrias, se for capaz.

— Experimente o veado ultrapassar-me a nadar — disse o salmão.

Mas nem o veado se atreveu a molhar os cascos, nem o salmão a

pôr as barbatanas em terra.

— Passemos a novas propostas — ordenou o sol.

— Não há quem voe mais alto que eu — ex clamou a águia real

— Quem muito sobe, muito desce. Serás tu capaz de pousar nas

profundezas do oceano? — perguntou o linguado.

Calou-se a águia e, mais uma vez, teve o sol de suspender o

concurso.

Avançou então o pavão, com a cauda aberta em leque, pintado

das mais lindas cores e, vaidoso, indagou:

— Não serei o mais belo animal do mundo? Haverá no mar um

bicho assim?

Logo avançou um peixe tropical, riscado como um arco-íris

fluorescente.

Gritavam os peixes:

— É este o mais belo!

E os bichos da terra:

— É o pavão!

— Aproximem-se um do outro — mandou o sol.

Como, porém?

Estava o caranguejo verde de boca aberta com o que via, quando

o macaco pulou, chiando:

— Onde se encontrará animal que trepe melhor que eu?

— Trepa o polvo, ora essa — respondeu o carapau. — Tu tens

quatro patas, ele tem oito, todas cheias de ventosas, que se prendem às

rochas com tanta força que ninguém o consegue arrancar. Serás tu capaz

de subir pelos rochedos quando as ondas batem de todos os lados e os

remoinhos puxam os bichos para o fundo do mar?

Calou-se o macaco e o próprio polvo se encolheu, pensando que o

sol o iria fazer subir às palmeiras.

— Parece-me que também estes concorrentes não podem medir

forças, pois o macaco da água tem medo e o polvo nem pode ouvir falar

em florestas. Os bichos do mar e da terra não se podem comparar, pois

os que num lado são bons, no outro não valem nada.

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Então o pequeno caranguejo verde, envergonhado, levantou-se do

seu lugar, murmurando:

— Mas eu consigo fazer o que mais ninguém consegue. Tanto

ando em terra como ando no mar.

— Tu?! — exclamaram todos. — Um pássaro...

— Não sou pássaro, mas caranguejo — e, dizendo isto, deitou fora

o branco vestido de penas, avançou pela areia, meteu-se pelo mar. Ao

voltar à praia trazia a casca luzidia, tão verde, brilhante que, ao sol,

faiscava como uma esmeralda.

— Não serei o mais lindo, mas a minha beleza pode comparar-se

com a de qualquer bicho. Não serei o mais ligeiro, mas corro em qualquer

par- te. Não serei o melhor trepador, mas trepo pelo que encontrar à

minha frente, ou nas minhas costas, pois a andar para trás é que ninguém

me vence. O mais forte também não serei, mas se me vierem atacar em

terra, fujo para o mar, e se no mar alguém me quiser mal, em terreno

firme não me apanhará. Em qualquer buraco ao ar me enfio, e por baixo

da própria areia tão tapadinho me escondo que ninguém será capaz de

me encontrar. Serei eu, afinal, o melhor bicho do mundo?

O sol ria à gargalhada ao ver o espanto da bicharada.

— Mas és feio... — dizia o pavão.

— E fraco. — lembrava a baleia.

— Andas para trás em vez de correres para a frente — continuava

o veado.

— Que desajeitado a trepar! — troçava o macaco.

— Mas, bem ou mal, faço tudo em qualquer parte. Sempre valho

mais que vocês.

— Assim é — concordou o sol. — E à falta de quem tudo faça

melhor do que tu, pequeno bicho do mar e da terra, te considero o rei

dos animais.

Recuando, recuando sempre, com a feia boca verde a espumar de

contentamento, o caranguejo agradecia, confuso, ainda mal acreditando

no que acabava de acontecer. Redondo, duro, lustroso como um seixo da

praia, raspando com as tortas patas peludas os grãos de areia, ele olhava

o seu disfarce de pássaro caído no chão, tão branco, tão leve, tão fino

como um nenúfar, uma noiva, uma gaivota.

Nuno Boavida ����Mafalda Batalha ����Maria João Filipe | Mar 2010

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