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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOMOTRICIDADE PROJETO A VEZ DO MESTRE O BRINCAR SEGUNDO WINNICOTT E AUCOUTURIER Por Paulina de Almeida Martins Miceli Orientador: Celso Sanches Co- orientadora: Fátima Alves Rio de Janeiro- RJ Junho/2003

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOMOTRICIDADE

PROJETO A VEZ DO MESTRE

O BRINCAR SEGUNDO WINNICOTT E AUCOUTURIER

Por Paulina de Almeida Martins Miceli

Orientador: Celso Sanches Co- orientadora: Fátima Alves

Rio de Janeiro- RJ Junho/2003

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOMOTRICIDADE

PROJETO A VEZ DO MESTRE

O BRINCAR SEGUNDO WINNICOTT E AUCOUTURRIER

Por Paulina de Almeida Martins Miceli

Monografia apresentada à Universidade Cândido Mendes como requisito básico para a obtenção parcial do título de especialista em Psicomotricidade

Rio de Janeiro- RJ Junho/2003

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AGRADECIMENTOS

Agradeço esse trabalho a todos que acreditaram em mim, que me deram força a começar

mais essa etapa da minha vida, me mostrando desde o início que eu seria capaz.

Às minhas amigas de curso e de trabalho, Rosane Regina, Bianca e Beth, pela força que

me deram quando comecei essa monografia e pelos momentos em que sempre estiveram

próximas a mim. Eu adoro vocês!!!

Aos meus amigos, em especial ao Marcio, que sempre estiveram do meu lado, me apoiando

e me “aturando” nos momentos de mais nervosismo, seja em casa, na Igreja, no telefone...

Contem sempre comigo!!!

A creche Pintando a Infância, por ter me dado a minha primeira turminha: Ana Clara

Barbieri, Ana Clara Rodrigues, Alice, Arthur, Bruno, Carolina, João Vitor, Lucas e Silas;

que me alegram com seus sorrisos e suas brincadeiras. Foi pensando em vocês que cheguei

hoje ao final deste trabalho.

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho a minha mãe Marisa, meu pai Antônio e a minha irmã Carolina, pelos momentos de

carinho e apoio nos momentos mais difíceis, compartilhando comigo de cada alegria, me ajudando

a realizar os meus sonhos. À minha avó Lourdes que sempre confiou em mim e

que, de lá do céu, junto da vovó Linda, também compartilham a minha alegria.

A Deus que, com sua luz e força, me ajudou a chegar até aqui.

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RESUMO

Todos nós sabemos quanto é importante a relação da criança com outras crianças e

com o mundo. Sabemos também que é característico de todas a as crianças o querer

desbravar o mundo com suas próprias mãos. A criança adora correr, pular, saltar, rir, falar

alto. A criança adora crescer e se desenvolver. A criança adora brincar.

Essa trabalho vem mostrar qual a relação da criança com o brincar. De que forma

que a brincadeira ajuda na criança em seu desenvolvimento físico e psíquico. A idéia de

basear os estudos em Winnicott e Aucouturier vem para mostrar as diferentes faces e

abordagens que são dadas ao brincar que, longe de ser algo simples e sem significado, o

brincar é uma ação repleta de informações e de simbologias que ajudam Educadores e

Psicomotricistas a conhecerem sempre mais e mais os seus alunos.

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SUMÁRIO

Introdução................................................................................................................pág 01 Capítulo I- Metodologia..........................................................................................pág 04 Capítulo II- A creche Pintando a Infância ............................................................ .pág 06 Capítulo III- A evolução da Psicomotricidade........................................................pág 08 2.1- A evolução da Psicomotricidade na criança ....................................pág 08 Capítulo IV- A Psicomotricidade e o brincar ........................................................pág 12

Por que brincar? .............................................................................pág 12 4.1- O brincar de Winnicott ...........................................................pág 16

4.2- O brincar de Aucouturier ....................................................... pág 19 A prática psicomotora Aucouturier (PPA).................................. pág 25 Minhas Observações ........................................................................................... pág 29 Conclusão .............................................................................................................pág 32 Referência Bibliográfica ...................................................................................... pág 34

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“Um Professor só será um Educador completo quando souber escutar seus alunos, não só pela voz ou pelo choro, ou quando ele solicitar algo,

ou quando ele se calar.

Um Professor só será um Educador completo quando ele souber escutar seus alunos através de

seus olhos: quando vê-lo desenhar e entender seus desenhos, quando vê-lo brincar e entender

sua imaginação.

Um Professor só será um Educador completo quando ele deixar para trás suas vergonhas e acanhamento, e brincar com suas crianças, se

propondo a entrar também neste mundo fantástico do faz-de-conta.

Um Professor só será um Educador completo

quando, com suas crianças, se tornar uma delas.”

( Paulina, junho de 2003)

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INTRODUÇÃO

Quando se fala em criança a primeira coisa que nos vem a cabeça é vida, alegria,

brincadeira. Quando recordamos a nossa infância, qual a primeira imagem que nos vêm a

memória? Com certeza muitos responderão as brincadeiras e os jogos que fazíamos

individualmente ou com nossos amigos.

A um ano venho feito um trabalho com crianças na creche Pintando a Infância da

UFRJ. Neste tempo tive a oportunidade de ver diversas crianças brincando, interagindo

com outras crianças. Muitas delas entraram nessa instituição no meio de ano, num ambiente

já formado, tendo a necessidade de se adaptar a esse espaço. Percebi então que as

brincadeiras eram utilizadas pelas crianças não somente como uma forma de distração, mas

também como uma maneira de socialização.

A partir desta verificação, e munida de um grande desejo de estudar esse universo

rico que é a brincadeira, decidi voltar o meu estudo para a relação que a brincadeira tem

sobre a criança.

Para calcar minha pesquisa, busquei algumas hipóteses as quais pudessem ser a base

de meu estudo:

- Ao brincar a criança tende a se aproximar do grupo e/ou trazer esse para próximo de si.

- O brincar não é somente um momento em que a criança corre, pula, grita, inventa. O

brincar é uma forma que a criança tem de se relacionar com o outro, conhecer o outro e

estar em contato com ele.

Tendo como objetivo geral mostrar de que forma que a brincadeira pode ajudar à

criança de 1 a 3 anos a se conhecer e conhecer o próximo, a socializar com outras criança e

se adaptar no meio físico e social a que está sendo inserida; pretendo atingi-lo respondendo

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algumas questões, tais como: “Até que ponto, conforme Aucouturier, a brincadeira livre

ajuda a criança na relação com outras crianças?” , “Quanto a brincadeira dirigida, a

intervenção do psicomotricista auxilia de que forma nessa adaptação?” , “uma vez que o

brincar é tão importante para o desenvolvimento da criança, qual a visão de Winnicott para

o brincar?” , “ Quais as providências que o Psicomotricista deve ter quando está em frente a

uma criança com dificuldades de socialização? Deve trazer a criança para a brincadeira ou

adaptar a brincadeira a criança? De que forma?”.

Este trabalho é composto, em seu corpo, de seis capítulos. No primeiro capítulo é

abordado o tipo de metodologia utilizada nesta monografia, os procedimentos utilizados

para a escolha dos autores (Aucouturier e Winnicott), e da faixa etária estudada.

No segundo capítulo será feito um breve comentário da creche Pintando a Infância

da UFRJ, a rotina de suas crianças e seus projetos e filosofia de ensino, uma vez que a

partir da convivência com crianças desta instituição que nasceu em mim a proposta para

esta pesquisa.

O terceiro capítulo será todo destinado a evolução da Psicomotricidade, estágios de

desenvolvimento da Psicomotricidade, em especial em crianças 0 a 3 anos.

No quarto capítulo, intitulado A PSICOMOTRICIDADE E O BRINCAR, será

abordado a relação da psicomotricidade e da brincadeira, a importância da brincadeira para

o psicomotricista. Será feito também uma abordagem do POR QUE BRINCAR? E, na

medida do possível serão feitas citações e comparações das propostas de Aucouturrier (com

sua proposta da brincadeira livre, onde a criança constrói a sua brincadeira, criando e

recriando com os materiais os quais Aucouturrier dá mais ênfase) e Winnicott (com sua

proposta de atividades dirigidas no âmbito da psicanálise). Neste capítulo haverá também

duas sessões destinadas aos Psicomotricistas Winnicott e Aucouturier, distribuídos desta

forma:

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Na primeira sessão, intitulado de O BRINCAR DE WINNICOTT, será destinado à

análise da brincadeira num enfoque winnicottiano, até que ponto a sua proposta

psicanalítica pode estar inserida dentro de uma sala de educação infantil. Em contrapartida

surge a segunda sessão, intitulado O BRINCAR DE AUCOUTURRIER, que vem como

uma comparação á prática explicada anteriormente, por ser mais pedagógica, mas fácil de

se colocar em um ambiente educacional.

O quinto capítulo busca registrar as minhas observações feitas na creche Pintando a

Infância, não como uma análise de dados, mas sim como um registro de uma Pedagoga que

busca avaliar suas crianças tomando como base a brincadeira e a interação com o outro e

com o mundo.

E, finalmente, no sexto capítulo será destinado a conclusão, onde serão respondidas

as perguntas já mencionadas no inicio desta Introdução.

Pretendo com esse trabalho, mostrar a importância que a brincadeira tem para a

criança. Fazer com que o educador descubra que, mais que uma simples brincadeira, as

atividades que as crianças fazem com seu grupo tem um valor social implícito, onde novas

relações são formadas e vínculos são estabelecidos. Sejam essas atividades livres ou

dirigidas, a cada nova brincadeira novo e mais forte grupo será formado entre as crianças, e

essas cada vez mais unidas e felizes.

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CAPITULO I

METODOLOGIA

O presente trabalho apresenta-se como um estudo onde está envolvida a análise

teórica e a observação. Conforme denominada por alguns estoriadores trata-se de uma

monografia de estudo de caso.

Conforme diz Tachizawa e Mendes (2000, p49)

“ A monografia representativa de um estudo de caso deve ser desenvolvida a partir da análise de uma determinada organização. Esta é a situação mais comum, embora uma monografia deste tipo possa ser desenvolvida em qualquer outro contexto que retrate a situação encontrada e proponha uma solução/mudanças no contexto analisado.”

Porém não consegui desvincular esse trabalho da análise de textos, desta maneira

busquei também fundamentação num estudo de cunho teórico, este trabalho desenvolveu-se

também em cima de dados previamente retirados de livros e de idéias de autores. E

conforme diz Tachizawa e Mendes (2000, p.33)

“A monografia de análise teórica evidencia uma simples organização coerente de idéias originadas de bibliografia de autores consagrados que escreveram sobre o tema escolhido (...)”

Desta forma verifica-se que deve haver um contexto a ser analisado e a partir deste

contexto buscar textos que levem a análise deste trabalho, bem como as verificações a

análises tiradas na pesquisa de campo.

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O contexto escolhido por mim foram os diversos momentos de jogos e brincadeiras

que crianças de 1 a 3 anos vivenciam dentro de uma creche, em especial a minha turma

dentro da creche o maternal Ib da creche universitária Pintando a Infância da UFRJ. A

creche fica cituada dentro da ilha do fundão e atende aos filhos dos funcionários desta

universidade. Porém sobre a creche falarei mais detalhadamente no próximo capítulo.

Como o período é longo dentro da creche- num total de 10 horas- as crianças

participam de muitas atividades e oficinas, todas ministradas por alunos da universidade. E

é observando a oficina de psicomotricidade que irei desenvolver esse trabalho.

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CAPITULO II

A CRECHE “PINTANDO A INFÂNCIA”

Para desenvolver este trabalho busquei inspiração em algumas turmas de educação

infantil da creche universitária “Pintando a Infância” da Universidade Federal do Rio de

Janeiro, onde faço parte do quadro de educadoras. Acredito ser necessário que se faça um

breve relato de como é e como funciona esta creche. Com isso os próximos parágrafos

serão um breve comentário deste objeto de estudo.

Cituada na Av. Brigadeiro Trompovsky, sn, Ilha do Fundão, a creche universitária

“Pintando a Infância” vem atender aos filhos dos funcionários desta mesma universidade. A

instituição tem 100 alunos com faixa etária de 4 meses à 6 anos, distribuídos em 7 turmas

da seguinte forma:

• Berçário: 10 bebes

• Maternal Ia: 10 crianças

• Maternal Ib: 10 crianças

• Maternal II: 10 crianças

• Jardim I: 20 crianças

• Jardim II: 20 crianças

• Jardim III: 20 crianças

Cada turma de Berçário e Maternal tem quatro educadoras distribuídas em dois

turnos, ficando duas educadoras pela manhã em sala, e duas educadoras pela tarde.

As crianças chegam a creche as 7:30, e nela ficam até as 17:30. São servidas 4

refeições: a 1ª as 9:00 (que é chamada de colação, geralmente é servido leite, biscoito ou

pão. Para os menores geralmente é servido suco e fruta) ; a 2ª as 12:00 (almoço); a 3ª as

15:00 e a última as 17:00. Após o almoço as crianças do berçário, maternais e jardim I

dormem até as 15:00, esse momento é chamado de “hora do soninho”, acordando para o

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lanche das 15h. Dentro deste período as crianças participam de atividades propostas pelas

educadoras- seguindo sempre o eixo pedagógico da creche- e pelos estagiários de música,

artes ou educação física.

Quanto ao espaço físico, a creche disponibiliza de um amplo pátio com vários

balanços, escorregas, carrinhos, casinhas, entre outros brinquedos. Há também muita areia

para as crianças brincarem. No pátio tem também uma pequena piscina, com chuveiro que,

nos dias de calor, as crianças se divertem tomando banho. A creche conta também com uma

recepção, sala de movimento (onde geralmente são feitas atividades de psicomotricidade),

sala de leitura e vídeo, uma enfermaria, a sala do apoio pedagógico e psicologia e sete

salas de aula, cada uma com um banheiro para as sete turmas existentes na creche. Cada

sala tem um banheiro com vaso sanitário e pia do tamanho ideal, ou seja, adaptado as

crianças e um chuveiro ou banheira (utilizado para o horário do banho).

A filosofia desta instituição é toda voltada para o construtivismo. A maior

preocupação é a formação de autonomia nas crianças, fazendo com que essas cresçam

independentes e que se tornem adultos críticos e conscientes de seus direitos e deveres.

Embora eu tenha falado de toda a creche, faz-se necessário explicitar que eu me

baseei somente na turma do maternal Ib, que atende a crianças de 1 a 3 anos de idade.

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CAPÍTULO III

A EVOLUÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE

Todos nós sabemos como é gostoso brincar. O correr, pular, as trocas

com o “eu” e com o “outro”- tudo isso faz parte da infância. Brincando a

criança se desenvolve inter e intrapessoalmente (conhecendo primeiramente o

seu “eu”, para posteriormente conhecer o “outro”, que pode aparecer na figura

de uma outra criança, em meio as brincadeiras). Mas é através da sua

evolução que a criança poderá começar a brincar, então fica difícil falar em

desenvolvimento sem antes tocar na psicomotricidade.

Desta maneira, seque agora um rápido estudo sobre a evolução da psicomotricidade

em criança de 0 a 4 anos.

A EVOLUÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE NA CRIANÇA

Fonseca e Mendes (1987, pg23) em sua análise a cerca da evolução da

psicomotricidade afirmam que, segundo Wallon,

“a evolução da criança processa-se numa dialética de desenvolvimento onde entram

inúmeros fatores metabólicos, morfológicos, psicomotores, psicotônicos, psicoemocionais e

psicossociais.”

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Desta maneira, quanto aos aspectos psicomotores temos:

• Estádio Impulsivo (recém-nascido)

Neste estádio os movimentos apresentam-se como simples descargas de energia muscular onde as reações tônicas e clônicas se apresentam sob a forma de espasmos descoordenados e sem nenhum significado e/ou objetivo- ou seja, o bebê representa o movimento involuntariamente, sem nenhum objetivo por trás de tal ação. Esses movimentos, a principio tão desajeitados, são caracterizados como a primeira comunicação da criança com o meio ambiente, e são esses primeiros movimentos que irão preparar o bebê para as demais etapas do desenvolvimento. De acordo com Fonseca e Mendes (1987, pg24) “a motricidade é o suporte comum e original de onde vão nascer as realizações da vida psíquica”. Ou seja a criança não precisa da nada externo para pautar seu desenvolvimento, pois o suporte virá da sua própria motricidade.

• Estádio Tônico- Emocional (dos 6 aos 12 meses)

É a partir da descoordenação inicial do estádio impulsivo que a

consciência começa a rascunhar suas primeiras aquisições, que ainda confusas e sincréticas, começam a anunciar a chegada da significação (o movimento por alguma coisa, ou para alguma coisa). A criança ainda demonstra muita excitação em seus movimentos e por isso há um exagero nas funções de seu tônus. Começam a ser ensaiadas as primeiras relações com o mundo exterior. De qualquer forma a emoção é ainda o verdadeiro detonador da ação.

Neste estádio fica ainda mais explícito o papel da emoção na evolução global da criança, uma vez que a emoção é uma modalidade arcaica da sensibilidade e do movimento, pois conforme Fonseca e Medes (1987, pg24)

“as emoções e os movimentos são condutas edificadas pela tonicidade que, como plasma de maturação neuromuscular, vai permitindo a edificação das posturas e atitudes. Atitudes que são aqui consideradas como estruturas intermediárias entre o real e a representação, que influenciam dialéticamente o desenvolvimento da inteligência e da afetividade.”

• Estádio Sensório-Motor (dos 12 aos 24 meses)

É neste estádio que a expressão “Psicomotricidade” começa a ter mais sentido e se dá a passagem do biológico ao psicológico.

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As relações da criança com o seu envolvimento se multiplicam e, desta forma, aumenta a maturidade na organização das emoções.

A criança começa a fazer uso do “gesto inteligente”, de acordo com

Wallon (in Fonseca e Mendes)

“a percepção torna-se mais precisa e o movimento conseguido tende a ser repetido, o que vai permitir a eficiência do gesto e a eliminação dos gestos inúteis ou o inútil de cada gesto (GESTO INTELIGENTE). (...)Wallon analisa os movimentos e gestos como expressões variadas e dirigidas para os outros, isto é, como uma linguagem emocional e não verbal.”

A criança vai desenvolvendo os seus movimentos repetitivos, sabendo à que esta ação se destina, qual o objetivo e o que deve ser alcançado.

É através da curiosidade que a criança vai chegando ao real neste

momento. segundo Wallon , que em sua obra, preocupa-se em verificar como é que os movimentos e os gritos e choros sendo estas como descargas motoras) se tornam entidades psíquicas.

• Estádio Projetivo (dos 2 aos 3 anos) Neste momento a percepção dos objetos e a descoberta deles pela respectiva manipulação torna possível a organização das primeiras representações. Há uma intenção no gesto da criança, como diz Wallon (in Fonseca e Mendes, 1987, pg25):

“a ação não é uma estrutura de execução mas o estímulo da atividade mental”

Na frase acima Wallon dá uma grande importância à imitação, pois considera imprescindível para uma nova aprendizagem (a identificação), imitação como ligação perceptivomotora e não como um gesto imposto ou mandado por uma outra pessoa. • Estádio Personalístico (dos 3 aos 4 anos)

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O modelo do “outro” é tido como um estímulo e experiência. As atividades motoras atingem uma importância psicológica. Neste momento o espaço não é mais desconhecido, transforma-se num real independente e ao alcance da própria fantasia da mente da criança. Nesta fase do desenvolvimento da psicomotricidade a criança busca no outro os estímulos para desenvolver sua motricidade, e, agora não é a criança que interage com o espaço, mas sim o espaço- real- que interage com a criança, uma vez que esta traz para a realidade o seu imaginário.

CAPITULO IV

A PSICOMOTRICIDADE E O BRINCAR “A brincadeira é uma linguagem infantil que mantém um vínculo essencial com aquilo que é o “não- brincar.”

Referencial Curricular

Já foi falado sobre o objetivo desta pesquisa, já abordei acerca da evolução da psicomotricidade das crianças, atingindo uma ampla visão de como se dá esta “motricidade” desde o nascimento até os 4 anos de vida de uma criança. Porém ainda não falei do principal motivo que origina este estudo: o brincar.

O objetivo deste capítulo é abordar a importância do brincar na psicomotricidade e mostrar de que forma que a brincadeira e o jogo auxiliam na socialização de criança de 1 a 3 anos; bem como citar o brincar segundo ponto de vista de Winnicott e Aucouturier

POR QUE BRINCAR?

O brincar é a principal e a melhor forma de comunicação das criança. Uma simples brincadeira com

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uma caixa de papelão pode ser uma tentativa lúdica e inconsciente da criança externar, mostrar e tentar entender seus próprios conflitos. Em um artigo do jornal O Globo a psicanalista Ivone Lins (20/10/2002) diz que:

“(...)brincar pode ser uma forma de dominar determinadas angústias e uma maneira de dar vazão a sentimentos agressivos.”

Lins ainda diz que brincando a criança pode expressar sua raiva sem que o mundo se volte contra ela, ou seja, durante a brincadeira ela tende a trazer a tona questões existentes dentro dela, podendo se referir a angústias, ansiedade, raiva, tristeza, e até mesmo felicidade, euforia e alegrias, ou seja, os mais diversos sentimentos que ela as vezes nem sabe externalizar, mas que ao brincar ela consegue colocar “para fora”, sem que receba nenhuma critica ou repreensão. Mas, ainda como diz Lins:

“mas é a relação entre brincar e ser criativo que confere à brincadeira sua importância decisiva. A criança precisa brincar porque a criatividade é uma necessidade universal.”

Desta forma é importante darmos as criança tempo e espaço para que estas brinquem e de se desenvolvam, permitindo que elas possam trabalhar a própria criatividade uma vez que desde o momento que a criança brinca ela esta tendo o domínio da linguagem simbólica, sendo a brincadeira uma ação que ocorre no plano da imaginação. Quando a criança brinca ela utiliza-se de objetos reais para dar-lhes outros significados originados na sua imaginação. Para Vygotsky os jogos e as brincadeiras são condutas que imitam ações reais, não é que a criança quando utiliza-se de um objeto não esteja interagindo com o real, mas pelo contrário, o objeto serve somente como um facilitador da transformação do imaginário em real. Além disso os jogos têm também papel decisivo na aquisição da linguagem, no aprender a lidar com o outro, e nas habilidades sociais.

Ao brincar a criança movimenta-se em busca de parceria e na exploração de objetos; comunica-se com seus pares; expressa-se através de múltiplas linguagens; descobre regras e toma decisões. E é nessa constante interação que vai se formando uma criança cada vez mais criativa. Assim como disse anteriormente a criança quando brinca ela traz a tona desejos, irritações, desejos, frustrações, entre outros sentimentos que possam, inconscientemente, existir dentro dela. Ao brincar a criança tem a possibilidade de conhecer um pouco de si mesma. Conhecendo a si mesma ela terá facilidade de conhecer o outro.

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Conforme esta escrito no Referencial Curricular ( vol. 1, pág. 27) “ Essa peculiaridade da brincadeira ocorre por meio da articulação entre a imaginação e a imitação da realidade. Toda brincadeira é uma imitação transformada, no plano das emoções e das idéias, de uma realidade anteriormente vivificada.”

Quando a criança brinca os gestos e objetos que ela utiliza e como utiliza mudam o significado para esta criança, pois como ainda diz o Referencial (pág. 27)

“No ato de brincar, os sinais, os gestos, os objetos e os espaços valem e significam outra coisa daquilo que aparentam ser. Ao brincar as crianças recriam e repensam os acontecimentos que lhes deram origem, sabendo que estão brincando.”

A criança quando chega a faixa etária de 1 a 3 anos faz várias descobertas e muitas aprendizagens. A maior delas é o andar. Logo que aprende a andar a criança fica tão encantada com essa nova capacidade que o ato de locomover-se de um lado para o outro, mesmo que sem nenhum propósito, passa a ser motivo de diversão. Quanto mais a criança anda, ao passo que ela também vai se desenvolvendo e o amadurecimento do sistema nervoso, vai aperfeiçoando o andar, tornando este mais seguro para a criança, até que a capacidade de andar desdobra-se na capacidade de correr; pular; saltar; entre outros. A independência do andar cria nas crianças uma vontade muito forte de explorar os espaços, mexer em tudo, enfim: conhecer o mundo.

Conforme o Referencial Curricular Nacional ( vol3, pág 23)

“No plano da consciência corporal, nessa idade a criança começa a reconhecer a imagem de seu corpo, o que ocorre principalmente por meio das interações sociais que estabelece e das brincadeiras que faz diante do espelho. Nessas situações, ela aprende a reconhecer as características físicas que integram a sua pessoa, o que é fundamental para a construção de sua identidade.”

Segundo o RCN a prática educativa deve se organizar de forma a que as crianças desenvolvam as seguintes capacidades:

• Familiariza-se com a imagem do próprio corpo; • Explorar as possibilidades de gestos e ritmos corporais para expressar-se nas

brincadeiras e nas demais situações de interação; • Deslocar- se com destreza progressiva no espaço ao andar, correr, pular, etc.,

desenvolvendo atitude de confiança nas próprias capacidades motoras;

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• Explorar e utilizar os movimentos de preensão, encaixe, lançamento, etc., para o uso de objetos diversos.

Quanto a expressividade , segundo os RCNs

“ a dimensão do movimento deve ser contemplada e acolhida em todas as situações do dia- a- dia na instituição de educação infantil, possibilitando que as crianças utilizem gestos, posturas e ritmos para se expressar e se comunicar. Além disso, é possível criar, intencionalmente, oportunidades para que as crianças se apropriem dos significados expressivos do movimento.”

Os objetivos para essa faixa etária, com a utilização do brincar na creche, é: Ü Reconhecimento progressivo de segmentos e elementos do próprio corpo por

meio da exploração, das brincadeiras, do uso do espelho e da interação com os outros.

Ü Expressão de sensações e ritmos corporais por meio de gestos, posturas e da linguagem oral.

Muito já falei do brincar, do “porque brincar”, e dos objetivos do Referencial Curricular para a educação infantil, com atenção especial para os objetivos referentes ao brincar. Nos próximos capítulos será abordado visão de alguns psicomotricistas, em especial Winnicott e Aucouturrier. O objetivo é mostrar o papel do brincar na Psicomotricidade dentro do consultório clínico e na Psicomotricidade dentro da escola. É importante dizer que um educador, para exercer bem sua profissão deve ser também Psicomotricista.

4.1- O BRINCAR DE WINNICOTT

Este capítulo falará um pouco da ótica de Winnicott para o brincar. É importante ressaltar que esse psicomotricista faz observações psicanalistas das reações tanto de crianças quanto de adultos quando brincam, mas puxando mais para a psicanálise infantil. Aos poucos tentarei puxar a prática desse autor para o brincar na creche. Em seu livro “O brincar e a Realidade” Winnicott cita Milner, que diz que o brincar das crianças está relacionado a concentração dos adultos. Winnicott faz constantes ligações entre o brincar e a importância da fantasia. Conforme diz Winnicott (1975, pg62)

“(...) o brincar tem um lugar e um tempo. Não é dentro, em nenhum emprego da palavra (e infelizmente é verdade que a palavra “dentro” possui muitos e variados usos no estudo psicanalítico)

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tampouco é fora, o que equivale a dizer que não constitui parte do mundo repudiado, do não- eu, aquilo que o indivíduo decidiu identificar (com dificuldade e até mesmo sofrimento) como verdadeiramente externo, fora do controle mágico. Para controlar o que está fora, há que fazer coisas, não simplesmente pensar ou desejar, e fazer coisas toma tempo. Brincar é fazer.”

Para Winnicott a brincadeira é universal e faz parte da saúde da criança, ainda em Winnicott (1975, pg63)

“(...) o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação na terapia: finalmente, a psicanálise foi desenvolvida como forma altamente especializada do brincar, a serviço da comunicação consigo mesmo e com os outros.”

Ou seja, quando a criança brinca ela esta dando sinais claros de sua vivacidade, e ela esta se socializando com outras crianças ao mesmo tempo, pois como Winnicott disse, há uma comunicação consigo (eu) e com os outros, gerando assim uma relação. Ao mesmo tempo que a criança brinca ela cria relações e, ao passo que ela interage com os objetos de sua brincadeira ela revela relatos íntimos que, aos olhos do psicanalista são falas reveladoras para o trabalho terapêutico. A faixa etária estudada (1 a 3 anos) ainda vê o seu “eu” (chamado pelo Winnicott de self) ligado a mãe, e tendo esta que ser suficientemente boa a fim de suprir todas as necessidades de seu bebê. Porém chega um momento em que a “separação” mãe/ bebê é inevitável, aí a brincadeira vem suprir algumas necessidades e até mesmo auxiliar a criança a se desenvolver sozinha, conforme explica oliveira (2000, pág 7)

“é brincando que a criança elabora progressivamente o luto pela perda relativa dos cuidados maternos, assim como encontra forças e descobre estratégias para enfrentar o desafio de andar com as próprias pernas e pensar aos poucos com a própria cabeça, assumindo a responsabilidade pelos seus atos.”

Segundo oliveira a brincadeira e a imitação andam juntas, auxiliando nesse processo. Para oliveira o brincar é indispensável para aquisição da autonomia e independência da criança, porém esta formação só se dará se junto a possibilidade de brincar for dado também limites à criança. Como diz oliveira (2000, pg 8)

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“A busca da própria independência, obtida sem excesso de culpas ou de medos, desenvolvida através de conquistas do dia- a- dia, tornar-se muito mais fácil quando às crianças são dados de forma clara e complementar liberdade e limite. Ora, esta combinação em doses e proporções adequadas e aceitáveis, faz parte inerente do espírito lúdico, onde quem brinca espera de si mesmo e do outro o vibrar, o se envolver e ciar situações divertidas, assim como o respeitar o combinado, assumindo um contrato social.”

Como falado, cabe ao educador ou quem for lidar com a criança, o dever de “dar” a liberdade sem deixar de lado os limites. É preciso mostrar as criança que existem regras e que estas devem ser cumpridas.

E o brincar é uma forma de dar a criança “regras” e ensiná-las a ter limites, pois qual o jogo que não tem regras a serem cumpridas? Ao mesmo tempo que a criança brinca é formado nela conceitos e ao passo que ela brinca vai comunicando a sua visão de mundo, assim como afirma Oliveira (2000, pg8)

“Pais e educadores que respeitam a necessidade da criança de brincar estarão construindo, portanto, os alicerces de uma adolescência mais tranqüila ao criar condições de expressão e comunicação dos próprios sentimentos e visão de mundo.”

Por volta dos dois anos a criança começa articular realidade e fantasia, a inteligência da criança está mais voltada para o “aqui e agora”, e a criança começa a utilizar-se da linguagem e da imagem mental. Nessa idade a criança começa a fazer representações simbólicas que auxiliam a criança a mostrar a forma como ela entende a sua realidade, assim como afirma Oliveira (2000, pg 106)

“(...)essas representações ajudam a criança a aprender a expressar a forma como vê sua realidade, e também como imagina que ela é ou poderia ser.”

Winnicott (79) diz que “é no brincar, e talvez apenas no brincar, que a criança ou o adulto tem sua liberdade de criação.” O brincar é essencial porque nele é manifestado a criatividade, e somente na criatividade que o indivíduo, seja ele criança ou adulto, encontra o seu “eu”. Ainda em Winnicott (80)

“É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self).”

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Não que o indivíduo não se conheça, ou não saiba quem ele é, mas ele descobre o seu eu inconsciente, o eu que ele só ver quando está brincando. Desta forma verifica-se que o brincar de Winnicott não é aquele brincar de creche, com um olhar de educador, mas sim um brincar de terapia com uma ótica de terapeuta. É claro que a criança também busca o seu “self” na escola, pois aonde há brincadeira também há o verdadeiro “sela” da criança. O olhar do educador deve estar atento a tudo o que a criança diz ao brincar, as coisas que ela faz. Cada ação traz algo significativo. A forma como a criança brinca revela muitas coisas. As vezes ela quer brincar sozinha, as vezes em grupo. O educador psicomotricista deve estar de “olho” nestas escolhas das crianças.

4.2- O BRINCAR DE AUCOUTURIER Nesta seção falarei um pouco do trabalho deste psicomotricista que tanto se destacou

no trabalho com criança de 0 a 6 anos de idade. Conforme diz Bernard Aucouturier

(in Pinto)

“educação psicomotora é um processo de maturação psicológica que a criança percorre do seu nascimento até os sete anos”

Aucouturier ainda diz que é nesta idade que o “eixo” de trabalho deve estar

voltado, na espontaneidade da criança. Como ele próprio diz (in Pinto) “(...) Neste período constata-se que a sensação, o tônus e o movimento estão intimamente interligados constituindo-se na origem da representação mental. O eixo norteador desta intervenção é ação espontânea da criança onde lhe é oportunizado agir com liberdade, fazer sua escolha, ela é o sujeito do processo, num itinerário de favorecimento à sua maturação psicológica através de jogos e das brincadeiras levando a criança gradualmente a transpor os limites do prazer do agir ao prazer de pensar.”

No período de 0 à 6 anos a criança passa por várias situações e

importantes. São essas situações que auxiliam na compreensão dos processos

psíquicos e as formas de expressão. O foco de interesse nesse momento é o

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dinamismo do desenvolvimento Psicológico Infantil, assim como dito no site

do espaço Néctar.

A Filosofia de Aucouturier baseia-se em uma pedagogia centrada na criança, onde o

processo de aprendizagem se dá inicialmente Aucouturier partir das interações e das

experiências vividas.

O trabalho de Psicomotricidade de Aucouturier é realizado em cima de três

dispositivos: espaço-temporais; a expressividade motora; o momento da história e a

representação plástica. Aucouturier tomou como base de seus estudos a gênese das

representações mentais. O trabalho psicomotor de Aucouturier é baseado na espontaneidade

da criança. Nesta prática a criança é livre para utilizar o espaço físico aonde ela está (sala) e

os objetos materiais que nele existem da forma como quiser. Porém ela deverá seguir

algumas regras de funcionamento desta prática, respeitando cada criança e os momentos

oportunos para serem postas em prática. Mas que regras são essas? Como é feita a

abordagem do Psicomotricista? Mais a frente voltarei a abordar esse assunto.

Voltando ao desenvolvimento infantil, para Aucouturier a criança deve Ter um

desenvolvimento harmonioso, que interaja com o meio sem Ter medo, que se comunique,

assim como ele próprio diz (in Pinto)

“Para mim uma criança que apresenta um desenvolvimento harmonioso é aquela criança de acolhida e de abertura em busca de demandas junto às pessoas de seu meio. É uma criança que sente prazer em dar e receber, em descobrir e conhecer: é uma criança feliz de viver que afirma seus desejos sem medo, dúvidas e nem culpa.”

Mas para a criança ter um desenvolvimento harmonioso é necessário que ela esteja

inserida num ambiente que proporcione todas as possibilidades de descobertas, de

conhecimento, de comunicação.

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Na prática pedagógica é necessário que o Psicomotricista favoreça a criança no seu agir e

no seu pensar, provocando um desenvolvimento completo, conforme ilustra Aucouturier

(in Pinto)

“Favorecer um desenvolvimento harmonioso da criança é, antes de tudo, dar-lhe a possibilidade de existir, de tornar-se uma pessoa única, é oferecer-lhe, então, condições as mais favoráveis para comunicar-se, expressar-se, criar e pensar.” Para completar, a prática psicomotora educativa deve ter como principal objetivo

favorecer o acesso ao pensamento operatório. Isto se dá através do desenvolvimento da

comunicação, expressão, criação e descentração. E Pinto completa

“A exploração da motricidade de forma espontânea vai permitir à criança desenvolver de maneira harmoniosa a integração entre biológico e o psíquico. E encorajá-la a ultrapassar as angustias fundamentais para que essas crianças cheguem a aprender o conhecimento com prazer pelo prazer. É um percurso que vai do prazer do agir ao prazer de pensar (..)”

Para explicar melhor a forma com a criança atinge o pensamento operatório acredito

fazer-se necessário uma explicação particular dos fatores que levam a esse pensamento,

com isso- assim como no artigo de Pinto- falarei agora de cada um:

• A comunicação- Se dá através das trocas da criança com o meio a que está

inserida. Desta interação irão ocorrer trocas que levarão a internalização do

objeto, e isto é inprencíndivel para a comunicação, conforme Aucouturier (In

Mattos)

“Comunicar é uma necessidade vital para existir como sujeito. O comunicar-se supõe o desenvolvimento da função simbólica e, sobretudo, da dinâmica de prazer que abre a criança ao mundo exterior.”

O brincar também é uma forma de comunicação; porém uma combinação não

Verbal. Assim como afirma Pinto;

“Quando observamos um grupo de criança brincando: correndo, pulando, construindo, destruindo, lançando-se,

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equilibrando-se, envolvidos num prazer de ação compartilhada, percebe-se que quase não existe a comunicação verbal, entretanto é um espaço rico de trocas não verbais. Comunicam-se com o olhar, com o tônus, observam, esperam sua vez, estão envolvidos nas mesmas realizações, nos mesmos projetos, nos mesmos desejos.”

A comunicação é uma capacidade do homem de receber informações ligadas a todas

as funções orgânicas (visão, olfato, tato, cinestésicas) que levam a percepção desde si e do

outro.

A primeira etapa da comunicação é a não verbal. Essa fase é muito importante para

a criança, mas é necessário que a criança passe progressivamente à comunicação verbal. A

totalidade da função simbólica só poderá desenvolver-se através do registro da linguagem,

assim como diz Pinto

“O não verbal está na origem de uma comunicação verbal, é uma etapa imprescindível mas que haverá ser superada. A etapa seguinte, a linguagem, oportunizará à criança viver a totalidade da função simbólica”

Para fundamenta esse pensamento de Pinto1 temos em Aucouturier a informação

que “formar a criança ao prazer de comunicar é, antes de tudo, socializa-la, como

também ajudá-la a sair de si mesmo.”

• A expressão- ocorre na forma que a criança tem de passar para o mundo aquilo que

existe dentro dela. Através da expressividade de a criança demonstrara toda sua alegria;

agressividade; impulsividade, como afirma Pinto:

“As formas de expressão podem ser as mais variadas possíveis. Aqui no objeto de estudo enfocado, a prática psicomotora educativa, a expressividade motora é o fio norteador que irá favorecer as demais formas de expressão, pois é neste espaço que a criança poderá

1 Todas as citações de Kelly Pinto foram retiradas do site; www.espaconectar.com.br, não sendo possível desta forma colocar o número da página da onde originou a citação.

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expressar sua impulsividade motora sem sentimento de culpa.”

Através da motricidade que a criança descobre a si própria e faz com que o mundo

conheça a ela. Também através da motricidade que a criança realiza descobertas.

As vezes a criança pode apresentar alguma impulsividade, e esta pode aparecer tão

forte a ponto de assustar terapeutas e educadores, porém esta impulsividade faz parte da

criança, é uma forma de descarga e que deve ser entendida como manifestação de prazer,

assim como afirma Aucouturier:

“Essa impulsividade motora é uma fonte de vida, uma ação movida pelo prazer e, sobretudo, como único meio de descarga emocional indispensável à maturação da criança.”

• A criação- a criança adora desenhar, formar, criar algo. O ato criativo abrange toda

capacidade de compreender algo, e acaba “afetando” a relação, a ordenação,

configurações e os significados.

Segundo Kelly Pinto:

“A criação como a expressão favorecem a descentração por permitir à criança afastar-se da sua produção do lado de fora, como espectador, numa forma de consciência que lhe permite evoluir ao pensamento operatório.”

• A descentração- é uma característica da criança em distanciar seus afetos e suas

emoções. De acordo com Pinto;

“Para Aucouturier descentração é o distanciamento que a criança estabelece em relação ao que está em seu interior, do que ela vive no exterior.”

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É através da socialização com as pessoas e na convivência com objetos que a

criança vai criando suas simbolizações, ou, como diz Aucouturier “projeções

fantasmáticas.”

Segundo Aucouturier (in Pinto)“A descentração supõe o afastamento desses fantasmas e

das emoções de prazer e do desprazer que aí estão ligados.”

Para completar, diz Pinto;

“As operações cognitivas demandam um distanciamento desta projeção interna sobre o exterior. A criança ascende à competência lógica quando consegue separar o que é ela e o que é o outro e o que é do espaço.”

Ou seja, a decentração só se dá quando a criança consegue distinguir ela do mundo

a que faz parte. O adulto nesse momento deve oferecer atividades que levem a criança a

perceber a si e o meio, permitindo que ela viva sua expressividade motora num ambiente

amplo, livre e seguro .

A PRÁTICA PSICOMOTORA AUCOUTURIER (PPA)

Não me contive e já falei um pouco do trabalho de Aucouturier, porém no decorrer

de meus estudos julguei conveniente abrir este espaço para falar um pouco mais

detalhadamente sobre esta prática, também conhecida abreviadamente como PPA.

Para haver a PPA é necessário é necessário que se haja uma sala com um dispositivo

espacial e temporal. Mas o que seria esse dispositivo? O primeiro consiste na exist6encia de

dois lugares: um lugar em que possa haver uma expressividade motora para o prazer de agir

e o prazer de brincar. O segundo lugar é destinado para a plasticidade aonde a criança possa

atingir o prazer da representação plástica pela construção da linguagem, pela massinha de

modelar e pelo desenho.

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A sala terapêutica de Aucouturier tem estes espaços bem delimitados dentro de seu espaço

físico.

Porém, como já citei neste trabalho, existem algumas regras a serem seguidas e

algumas delas são destinadas a forma de utilização do espaço. Há leis para se passar de um

lugar ao outro, e esta passagem se dá em três momentos, chamados de tempo, que

abrangem o dispositivo temporal. Por sua vez esse dispositivo temporal compreende três

tempos: o primeiro e o segundo no mesmo lugar; e o terceiro no segundo lugar.

Parece complicado entender, mas Kelly Pinto relata a discriminação deste tempo:

“o primeiro tempo é o da expressividade motora onde a criança brinca, age, transforma, realiza ações e jogos de reasseguramento (aproximadamente 30/35 minutos)(...) No segundo tempo as crianças são agrupadas para ouvir uma história, é a reasseguramento pela linguagem (aproximadamente 5/8 minutos). No terceiro tempo as crianças são convidadas a ocupar o segundo lugar, onde encontram espaço para a expressividade plástica, construções em madeira, desenhos ou outras atividades: recorte, colagem, porém de preferência desenhos e construções (aproximadamente 15/20 minutos)”

Entende-se por jogos de reasseguramento os jogos e brincadeiras onde as crianças

reasseguram pelo prazer das ações e do brincar, tendo como base a si próprio e o outro.

Nesse momento a criança reaviva ações vividas em algum momento anterior.

Voltando aos tempos da PPA convém uma breve explicação do que ocorre em cada

tempo da prática.

No primeiro tempo se dá a expressividade motora. A representação são feitas

através de movimentos carregados de emoção.

“É o prazer sensório- motor onde as crianças vêm o prazer de agir e de brincar, possibilitando esgotar sua

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expressividade motora com segurança, em saltar, pular, se agarrar, socar, construir, destruir...”(Kelly Pinto)

No segundo tempo a estória tem por finalidade levar a criança a elaborar

ações pensadas, tentando favorecer a capacidade de representação mental.

“Através do movimento do professor as crianças representam no seu imaginário a ação do discurso sem agir, representam as ações dos personagens com os quais elas se identificam. A história ajuda a criança a passar de uma representação agida da primeira sessão (tempo), a uma representação não agida. Por isso a história deve estar fortemente carregada de emoção para haver interesse da criança, é necessário que as emoções acompanhem a linguagem.” (Kelly Pinto)

Por fim no terceiro tempo- compreendendo a expressividade plástica- é oferecida a

criança o desenho.

“As atividades realizadas nestes espaços e tempos específicos permitem à criança buscar por suas ações e jogos, o prazer da transformação de si e do exterior, de se reassegurar em relação ao outro através de material que permitam ser transformados como grandes quadrados de espuma, colchões, planos inclinados, grandes pedaços de pano, caixas e todo material que possibilite aparecer e desaparecer, entrar e sair, encher e esvaziar, construir, destruir, reconstruir, subir, cair, lançar, lançar-se, enfim viver o prazer da ação compartilhada” (Kelly Pinto)

Assim apresentam-se as seções (ou tempos) da prática de Aucouturier, e parece ser

bastante livre para a criança as atividades que essas seções oferecem, porém, como já disse

anteriormente, existem normas dentro da Prática De Aucouturier, também chamadas de

“leis do espaço”.

Assim que começa a terapia acontece um ritual de entrada. Nesse ritual são

explicadas todas as regras, ou “leis do espaço”, a serem seguidas. Essas são regras que

visam o bom andamento das atividades, e o bom relacionamento entre as pessoas que

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participam das atividades. Mattos nos fornece uma explicação de como seriam essas

regras:

“O que elas podem fazer em cada lugar, o tempo que têm em cada um e que devem respeitar a arrumação de cada espaço, isto é, não devem levar um almofadão, que é do local da motricidade...”

Aucouturier deixa claro que a seqüência de tempo devem ser seguidas, mas cada tempo é

variável para cada faixa etária, assim como afirma Kelly Pinto:

“Até os 3 anos a criança tem necessidade de maior tempo na ação e a estória não deve passar de 5 minutos. Até esta idade também lhe é permitido alternar as ações, como por exemplo, começar pelo desenho, porém no seu local específico.”

Ou seja, a criança até os 3 anos pode escolher o que deseja fazer, a que momento,

porém deve obedecer o espaço, se quiser desenhar terá que se dirigir ao local específico.

Essa é uma forma de colocar limites e criar hábitos nas criança, uma maneira lúdica de

criar hábitos e atitudes.

Com isso termino aqui esse capítulo sobre a Prática Psicomotora Aucouturier,

acreditando que pude passar um pouco do trabalho desse Psicomotricista que tanto voltou

seus olhos para as questões da educação das criança, principalmente das criança de 0 a 6

anos.

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MINHAS OBSERVAÇÕES

Quando comecei a idealizar essa Monografia eu não tinha como objetivo principal

analisar dados, colher amostras, nem nada que dizia respeito a uma pesquisa de campo. Na

verdade eu montei esse trabalho em cima de observações que eu fazia antes mesmo de

entrar no curso de pós –graduação. Porém acredito que as observações que fiz são, pelo

menos para mim, muito interessantes e gostaria de citar neste trabalho.

Como já disse nos primeiros capítulos a turma observada foi o maternal, turma a

qual eu sou uma das responsáveis dentro da creche. Eu estou a dois anos com a turma e,

uma vez que sou Educadora da turma e os acompanho desde o berçário, eu tenho o

privilégio de participar de todas as atividades de Psicomotricidade, desde o ano passado até

os dias de hoje.

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No início do ano passado as criança, por serem ainda muito pequenas, não tinham

nenhuma atividade de psicomotricidade estando a cargo das educadoras de turma qualquer

estimulação. Porém, do meio do ano em diante, as criança foram beneficiadas com

atividades de psicomotricidade ministrada por um estudante de educação física que seguia

os ensinamentos de Aucouturier. A partir daí começaram as minhas observações, e pude

comparar as crianças no antes e no depois que começaram as atividades na oficina de

Psicomotricidade.

A princípio as crianças ficavam meio assustadas, pois era algo novo que viam,

brinquedos grandes feitos em emborrachados...elas podiam subir e descer, correr e saltar...

aos poucos foram se familiarizando e começaram a demonstrar prazer por aqueles

momentos em que ora brincavam sozinhos, ora com os amigos de sala- bastava a elas

escolherem o que iriam fazer.

Com o passar do tempo as crianças criavam brincadeiras, gostavam de passar por

baixo do túnel ( um túnel feito de tecido, com aramados, aonde as crianças passavam por

baixo), e se escondiam dentro deste túnel.

Porém por serem pequenas ainda, não costumavam passar para os tempos da estória

e do desenho- pois a concentração era muito pouca e os lápis poderiam ser perigosos.

A partir deste ano as crianças voltaram a participar da mesma oficina, com o mesmo

estagiário de psicomotricidade. Elas continuam animadas, e cada vez mais interagindo com

o meio. Falam algumas palavras, pedem para brincar de esconder. Nesse momento atual

elas já participam do tempo da estória, só que com 3 a 5 minutos de duração, seguidos dos

desenhos.

Observei que antes as crianças brincavam, mas não externalizavam tanto o “mundo”

interior que existe em cada uma delas como fazem agora.

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Quanto a socialização, as crianças costumam chamar- as vezes puxando, segurando

pela mão- os amiguinhos para brincarem juntos, porém esses momentos são as vezes

poucos, uma vez que as crianças ainda estão na fase egocêntrica. Ora e meia surge briga por

causa de um brinquedo, e como eles ainda não sabem resolver esse tipo de conflito surge a

intervenção do psicomotricista. Porém o principal objetivo é a autonomia e a brincadeira

livre.

Para mostrar um exemplo de como se dá a autonomia e o direito das crianças de

escolher a sua atividade e se vai ou não participar das atividades falarei um pouco das

observações de duas crianças: A de 1 ano e 10 meses e C de 1 ano e 9 meses.

A é uma criança muito risonha, mas que não tem a fala muito desenvolvida ainda,

falando somente algumas palavras isoladas, ou balbucios. Ela gosta muito de ficar sentada

ao lado da educadora e observar o resto da turma. Vire mexe ela ri e aponta para o grupo,

aos poucos ela se integra ao mesmo e começa a brincar. Gosta mais de brincar sozinha, de

andar de triciclo e subir em uma escadinha de espuma e pular para o chão. Não é seu

costume disputar brinquedo dentro de sala. Não pede ajuda do Psicomotricista e atende

sempre que é solicitada.

C também é uma criança igualmente alegre. Tem a fala mais desenvolvida, costuma

chamar os amiguinhos para as atividades. Gosta de realizar brincadeiras mais “brutas”:

pula, corre, salta, se joga no chão e sobre os amiguinhos como uma forma de demonstrar

carinho. Quase nunca fica sentada, sempre recepciona um amiguinho quando chega a sala

de movimento, e costuma reclamar quando a atividade acaba.

Das duas crianças, dentro de turma, a segunda é mais socializada que a primeira.

Talvez por ter a fala mais desenvolvida. Porém, com relação a desenvolvimento motor, A é

mais evoluída, dificilmente cai, corre e sobe com muita facilidade.

Utilizei esses exemplos para comparar as duas crianças, nem para falar do

desenvolvimento delas, uma vez que as características de cada uma estão de acordo com a

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faixa etária, mas utilizei esses exemplos para mostrar como que é feita as atividades. A

criança pode escolher se quer participar, pode ficar sentada num canto da sala e interagir

com a turma quando quiser, ou caso não queira ela não é forçada a participar da atividade,

ou pode só ouvir a história ou fazer o desenho. É a criança que faz a sua brincadeira.

Fantástico é ver as evoluções que são feitas a cada mês. No ínicio deste ano as

criança estavam maio acanhadas, brincavam mas logo paravam. Atualmente elas brincam,

correm, criam e recriam situações e fazem coisas que só a “fantasia” permite. E o brincar

surge como a porta de entrada da “fantasia” no mundo real da criança.

É foi através destas observações que escolhi este tema e verifiquei que é a criança

que constrói o brincar, e que brincar é algo muito sério. Que brincando ela conhece o outro

e se conhece, entende o mundo e modifica-o, da maneira que mais agrada a ela, como em

um faz-de-conta.

CONCLUSÃO

Segundo Fátima Alves(2003, pág 15)

“A Psicomotricidade envolve toda a ação realizada pelo indivíduo, que represente suas necessidades e permitem sua relação com os demais. É a integração psiquismo- motricidade.”

De acordo com a citação acima cabe ao professor favorecer ao aluno um ambiente amplo e

tranqüilo que possibilite ao aluno ser um indivíduo ativo, explorando a si e ao meio. Em

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seu livro Fátima Alves afirma esta necessidade da exploração de si e do mundo como fase

de desenvolvimento, assim como ela diz

“é a exploração que desenvolve na criança a consciência de si mesma e do mundo exterior. A criança se desenvolve desde os primeiros dias de vida, de maneira contínua.” Alves ( 2003, pág 17)

O educador deve estar atento também ao fato de que cada criança é única. Não é

porque uma criança já atingiu um certo nível de linguagem que outra criança da mesma

idade tenha que acompanha-la no mesmo ritmo, conforme ilustra Alves (2003, pág 17)

“Cada criança é única. O esquema do desenvolvimento é comum a todas as criança, mas as diferenças de caráter, as possibilidades físicas, o meio e o ambiente familiar explicam que com a mesma idade as crianças ‘normais’ possam comportar-se de maneiras diferentes.”

Devemos ainda saber que quando somos pequenos quem toma conta e educa são os

nossos pais. Na ausência deles toma responsabilidade que toma conta e substitui o pai.

Assim acontece com o educador de classes de educação infantil, em especial de creches.

Quando a criança é deixada na creche, a responsabilidade de educar e de estimular é

transferida do pai para o educador que vai estar com esta criança o tempo em que ela

permanecer na creche. E será o brincar e a brincadeira uma das coisas que esse educador

mais contemplará dentro desta creche.

Como já falei, brincar é a coisa que as crianças mais gostam de fazer e nada melhor

que a escola utilizar desta característica das crianças para entendê-las melhor; ajudá-las a

interagirem, e educa-las de uma outra forma.

Segundo Irene Caspari- em seus estudos sobre as contribuições de Winnicott – diz

que

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“a aprendizagem poderia ser vista como um estágio posterior do brincar compartilhado, mas com uma exigência muito maior da criança em levar em conta a realidade externa.” (Caspari in Rosa, 2002, pág 60)

Ou seja, é observando o brincar da criança que o educador poderá trabalhar e planejar suas

atividades, de uma forma que interligue o “fazer didático” com o faz-de-conta infantil.

Segundo Rosa (2002, pág 61) existe uma diferença fundamental entre o brincar

típico e ao aprender:

“O de que este último implica um maior compromisso com a realidade objetiva e a conseguinte necessidade de ampliação de adiar a satisfação dos seus desejos”

com essas palavras de Rosa respondo uma de minhas questões, no passo que para

Winnicott a brincadeira é vista como uma forma de análise dentro da psicanálise.

Observando o indivíduo a brincar estamos tendo uma idéia de como ele é realmente. E que

a brincadeira é tão importante que antecede à aprendizagem. Por que não dizer que o

brincar “prepara” mente para o aprender?

Com relação a Aucouturier, e respondendo as duas primeiras perguntas, a

brincadeira ajuda a criança na socialização por que no brincar de Aucouturier a criança

que é o processo e ela própria percebe que para criar uma brincadeira ela precisa de uma

outra criança, descobre que a relação com o outro ajuda a ela nas suas realizações pessoais,

e que necessita das outras criança para viver em sociedade. Por sua vez o psicomotricista

ajuda a criança nessa descoberta mostrando ela as outras criança, trazendo a criança para o

contexto das atividades, e, quando percebe que ela já se integrou ao grupo deixa que ela se

“vire” sozinha, intervindo somente em casos especiais, como quando surge algum conflito

que fuja a ordem dentro de sala.

O que gostaria de enfatizar é que não busquei em Winnicott e em Aucouturier um

modelo de como brincar, ou um estudo do que é o brincar, até porque existem muitos

teóricos, educadores e psicomotricistas maravilhosos que abordam o tema “brincar” com

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muita dedicação e com toda a atenção que esse tema merece. Autores como Vigostsky,

Lapierre, por exemplo, que sempre abordam o brincar em seus estudos. Mas escolhi

Winnicott e Aucouturier pelos dois abordarem o mesmo tempo mas em situações

diferentes: o primeiro em uma sala de psicanálise e o segundo em atividades de educação

física e recreação. O que gostaria de mostrar com isso é que o brincar tem diversas faces.

Não é só o faz-de-conta que está inserido no brincar, mas por trás da brincadeira há muitas

mensagens que devemos decodificar.

Enfim, o brincar ajuda a criança a se socializar, a se desenvolver, a crescer. O

brincar ajuda a nós, educadores, a conhecer os nossos alunos e a entende-los, e, sabendo

como eles são, e do que eles gostam, poder preparar suas aulas e atividades em cima das

informações fornecidas pelos seus próprios alunos. Enfim, o brincar é uma forma de

comunicação.

REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA ALVES, Fátima. Psicomotricidade: Corpo, Ação e Emoção. Rio de Janeiro: Wak, 2003 FONSECA, Vitor da & MENDES, Nelson. Escola, escola, quem és tu? Pespectivas Psicomotoras do Desenvolvimento Humano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987 OLIVEIRA, Vera Barros de (org), O Brincar e a Criança do nascimento aos seis anos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000 REFERENCIAL CURRICULAR PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL/ Ministério da Educação e desporto, secretária de Educação Fundamental- Brasília: MEC?SEF, 1998 ROSA, Sanny S. da, Brincar, Conhecer, Ensinar. (3ª ed). São Paulo: Cortez, 2002 TACHIZAWA, Takeshy & MENDES, Gildásio. Como fazer monografia

na prática. Rio De Janeiro: Editora FGV, 2000

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WINNICOTT, D.W., O Brincar & a Realidade. Rio de Janeiro: Editora IMAGO, 1975 Sites da Internet Consultados http://www.espaconectar.com.br http://espacowinnicott.com.br http://psicopedagogiaonline.com.br

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