o ato moral - alexandre protásio

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Prof. Msc. Alexandre Reinaldo Protásio – O Ato Moral O ATO MORAL 1 INTRODUÇÃO A revolução tecnológica está possibilitando ao homem acelerado acúmulo de conhecimentos, máquinas e técnicas. Cada nova descoberta na medicina, genética, engenharia, nas formas de comunicação, em todos os setores, amplia a capacidade de domínio do homem sobre a natureza e o próprio corpo. Estamos num momento histórico em que parece não existir limites para o intelecto humano. As transformações nos meios de comunicação geraram grande impacto nos indivíduos, principalmente nas gerações atuais. Segundo dados da Anatel, responsável pela fiscalização e regulação do setor, existe 175,6 milhões de celulares no Brasil. Algumas pessoas possuem vários chips e aparelhos, de operadoras diferentes, fazendo uso de todos ao longo da semana ou no mesmo dia. Além disso, a integração das mídias tem possibilitado outras funções aos aparelhos, como de televisão, rádio e computador. Ao mencionar os computadores, vale lembrar que o Brasil já possui 66 milhões de internautas, o 5º lugar no ranking de acessos à rede mundial. Estamos cada dia mais integrados ao que existe de mais avançado em termos de produção e circulação de conteúdos e de criação de softwares para todas as finalidades, desde a diversão até os negócios. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV) são 60 milhões de computadores em uso no Brasil, podendo chegar a 100 milhões em 2012. O preço médio dos equipamentos caiu vertiginosamente nos últimos anos. Também na medicina percebemos o impacto da evolução tecnológica. A expectativa média de vida durante a Idade Média era de 35 – 40 anos, ou seja, as condições de higiene, de prevenção e tratamento das doenças e as constantes guerras impediam vidas mais longas. Técnicas de prolongamento não-natural da vida, como os transplantes, as quimio e radioterapias, possibilitaram aniversários de 110, 120 e 125 anos em países avançados, como o Japão (onde a expectativa de vida das mulheres é de 86 anos). E nesse campo, o homem está indo mais longe, pois o futuro será da engenharia genética. E o ser humano, nesse processo, como está? Será que o desenvolvimento técnico e as novas formas de socialização, mediadas pela tecnologia, 1 Prof. Msc. Alexandre Reinaldo Protásio, graduado em História, Especialista em Educação Brasileira e Mestre e Doutorando em Educação Ambiental. Texto baseado na obra: VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. bastam para nos sentirmos realizados como pessoas? O que nos dizem os noticiários sobre a violência, a miséria, a competição e a indiferença social? A própria internet nos dá os indícios de como estamos no quesito ético-moral. Ao pesquisar (entre aspas, para refinar) no Google, maior site de busca do planeta, os nomes de personalidades históricas ou religiosas e artistas do Mundo Pop, temos os seguintes resultados: Lady Gaga – 123 milhões de referências; Michael Jackson – 99,7 milhões; Madonna – 59,1 milhões; Beyonce – 43,4 milhões; Jesus – 197 milhões (Jesus Cristo, em português – 2,5 milhões); Nelson Mandela – 5,8 milhões; Isaac Newton – 3,9 milhões; Dalai Lama – 9,1 milhões; Mahatma Gandhi – 4,5 milhões. Que tipo de sociedade se interessa mais por Lady Gaga do que por Nelson Mandela? Ou que garante à cantora teen estadunidense a impressionante marca de igualar-se a Jesus em número de referências no Google? As citações de grandes homens como Mahatma Gandhi, Isaac Newton, Dalai Lama e Nelson Mandela, somadas, não superam as de Beyoncé, conhecida pelas coreografias provocantes e pela apologia da chamada “cultura pimp” (cafetão, em inglês). A constatação de que a juventude moderna busca referenciar seu comportamento e seus valores nas personalidades do Mundo Pop, conhecidas pelos escândalos com drogas e bebidas, termina por exigir um profundo debate sobre a moral e a ética, resgatando a importância desses conceitos para nossa formação como seres responsáveis e livres. CONCEITOS DE ÉTICA E MORAL A origem etimológica do conceito de ética vem do grego ethos, que significa “modo de vida”, “caráter” e, segundo alguns autores, pode ser traduzido como “essência”. O conceito de moral, por sua vez, tem origem nas palavras latinas mos ou mores, que significam “costume” ou “costumes”, no sentido de conjunto de normas ou regras adquiridas pelo hábito e em contato com a cultura circundante. Atualmente, os conceitos ganharam novas definições, passando a ter utilidades diferentes para as ciências humanas. Para esclarecer essas diferenças modernas nos apropriamos das propostas do espanhol Adolfo Sánchez Vázquez, autor do livro “Ética”. Segundo Vázquez, a ética é a ciência da moral, sua análise e teorização. Para o autor, “decidir e agir numa situação concreta é um problema prático- moral; mas investigar o modo pelo qual a responsabilidade moral se relaciona com a liberdade e com o determinismo ao qual nossos atos estão sujeitos é um problema teórico, cujo estudo é da 1

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Texto baseado na obra: VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

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Prof. Msc. Alexandre Reinaldo Protásio – O Ato Moral

O ATO MORAL1

INTRODUÇÃO

A revolução tecnológica está possibilitando ao homem acelerado acúmulo de conhecimentos, máquinas e técnicas. Cada nova descoberta na medicina, genética, engenharia, nas formas de comunicação, em todos os setores, amplia a capacidade de domínio do homem sobre a natureza e o próprio corpo. Estamos num momento histórico em que parece não existir limites para o intelecto humano.

As transformações nos meios de comunicação geraram grande impacto nos indivíduos, principalmente nas gerações atuais. Segundo dados da Anatel, responsável pela fiscalização e regulação do setor, existe 175,6 milhões de celulares no Brasil. Algumas pessoas possuem vários chips e aparelhos, de operadoras diferentes, fazendo uso de todos ao longo da semana ou no mesmo dia. Além disso, a integração das mídias tem possibilitado outras funções aos aparelhos, como de televisão, rádio e computador.

Ao mencionar os computadores, vale lembrar que o Brasil já possui 66 milhões de internautas, o 5º lugar no ranking de acessos à rede mundial. Estamos cada dia mais integrados ao que existe de mais avançado em termos de produção e circulação de conteúdos e de criação de softwares para todas as finalidades, desde a diversão até os negócios. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV) são 60 milhões de computadores em uso no Brasil, podendo chegar a 100 milhões em 2012. O preço médio dos equipamentos caiu vertiginosamente nos últimos anos.

Também na medicina percebemos o impacto da evolução tecnológica. A expectativa média de vida durante a Idade Média era de 35 – 40 anos, ou seja, as condições de higiene, de prevenção e tratamento das doenças e as constantes guerras impediam vidas mais longas. Técnicas de prolongamento não-natural da vida, como os transplantes, as quimio e radioterapias, possibilitaram aniversários de 110, 120 e 125 anos em países avançados, como o Japão (onde a expectativa de vida das mulheres é de 86 anos). E nesse campo, o homem está indo mais longe, pois o futuro será da engenharia genética.

E o ser humano, nesse processo, como está? Será que o desenvolvimento técnico e as novas formas de socialização, mediadas pela tecnologia,

1 Prof. Msc. Alexandre Reinaldo Protásio, graduado em História, Especialista em Educação Brasileira e Mestre e Doutorando em Educação Ambiental. Texto baseado na obra: VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

bastam para nos sentirmos realizados como pessoas? O que nos dizem os noticiários sobre a violência, a miséria, a competição e a indiferença social?

A própria internet nos dá os indícios de como estamos no quesito ético-moral. Ao pesquisar (entre aspas, para refinar) no Google, maior site de busca do planeta, os nomes de personalidades históricas ou religiosas e artistas do Mundo Pop, temos os seguintes resultados: Lady Gaga – 123 milhões de referências; Michael Jackson – 99,7 milhões; Madonna – 59,1 milhões; Beyonce – 43,4 milhões; Jesus – 197 milhões (Jesus Cristo, em português – 2,5 milhões); Nelson Mandela – 5,8 milhões; Isaac Newton – 3,9 milhões; Dalai Lama – 9,1 milhões; Mahatma Gandhi – 4,5 milhões.

Que tipo de sociedade se interessa mais por Lady Gaga do que por Nelson Mandela? Ou que garante à cantora teen estadunidense a impressionante marca de igualar-se a Jesus em número de referências no Google? As citações de grandes homens como Mahatma Gandhi, Isaac Newton, Dalai Lama e Nelson Mandela, somadas, não superam as de Beyoncé, conhecida pelas coreografias provocantes e pela apologia da chamada “cultura pimp” (cafetão, em inglês). A constatação de que a juventude moderna busca referenciar seu comportamento e seus valores nas personalidades do Mundo Pop, conhecidas pelos escândalos com drogas e bebidas, termina por exigir um profundo debate sobre a moral e a ética, resgatando a importância desses conceitos para nossa formação como seres responsáveis e livres.

CONCEITOS DE ÉTICA E MORAL

A origem etimológica do conceito de ética vem do grego ethos, que significa “modo de vida”, “caráter” e, segundo alguns autores, pode ser traduzido como “essência”. O conceito de moral, por sua vez, tem origem nas palavras latinas mos ou mores, que significam “costume” ou “costumes”, no sentido de conjunto de normas ou regras adquiridas pelo hábito e em contato com a cultura circundante. Atualmente, os conceitos ganharam novas definições, passando a ter utilidades diferentes para as ciências humanas. Para esclarecer essas diferenças modernas nos apropriamos das propostas do espanhol Adolfo Sánchez Vázquez, autor do livro “Ética”.

Segundo Vázquez, a ética é a ciência da moral, sua análise e teorização. Para o autor, “decidir e agir numa situação concreta é um problema prático-moral; mas investigar o modo pelo qual a responsabilidade moral se relaciona com a liberdade e com o determinismo ao qual nossos atos estão sujeitos é um problema teórico, cujo estudo é da

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competência da ética” (Vázquez, 2007: 18-9). A ética, portanto, nos aponta, sob a perspectiva histórica, como a moralidade de uma determina sociedade ou época se relaciona com a liberdade de escolha dos indivíduos, condição exigida para o verdadeiro comportamento moral (responsável e consciente). O fato de a ética desempenhar o papel de ciência (com métodos e formulações de hipóteses), tendo como objeto a moral, não impede que proponha questionamentos às normas vigentes (a ética não é uma ciência neutra), estimulando a sociedade a uma reflexão mais aprofundada dos ditames morais e a sua adequação às necessidades básicas de manutenção da vida humana.

Antes de avançar no conceito de moral, precisamos distingui-la do moralismo. A moral diz respeito a valores sociais, políticos, religiosos, econômicos e culturais que são internalizados (aceitos voluntariamente) pelos indivíduos, fazendo parte da sua conduta cotidiana. O moralismo, por outro lado, é uma imposição vinda de instituições ou grupos sociais que optam pela coerção (força) como forma de controlar seus adeptos, classes sociais ou a sociedade como um todo. Nesse texto estamos trabalhando com a idéia de moral, compreendida como ato voluntário individual e resultado do livre acordo com os princípios ditados pelas normas existentes.

A moral nasce da necessidade dos indivíduos conseguirem viver de forma coletiva, respeitando os ritmos e valores da formação social. A moral, enquanto conjunto de normas, apresenta a finalidade de “assegurar a concordância do comportamento de cada um com os interesses coletivos” (Idem: 40). Dessa forma, podemos afirmar que o referido conceito é social, geográfico e histórico, pois diz respeito à sociedade humana e se apresenta diferente ao longo do tempo e nas diferentes regiões do Mundo. A moral grega não era igual a moral medieval, da mesma forma a moral medieval não é igual a moral da sociedade moderna e tecnológica (apesar de alguns elementos continuarem existindo, como a imoralidade do assassinato, do roubo, do adultério, etc., mas com punições diferentes nos vários países e épocas).

A moral tem dois aspectos: o normativo (as regras, os valores sociais, as normas de convivência, etc.), que orientam ou deveriam orientar o comportamento dos indivíduos; e o fatual (os atos), que compreendem as ações individuais que se aproximam ou não das normas estabelecidas pela sociedade ou grupo social. Contudo, apesar da pressão exercida pelas determinações sociais, o indivíduo desempenha um papel importante, pois é quem define se irá incorrer ou não em um ato moral ou imoral.

O ato moral possui aspectos que são considerados no momento da sua análise: motivo, intenção, meios e resultados. Todo ato moral possui um motivo, ou seja, algo que desencadeia o processo – além disso, o motivo precisa ser de conhecimento do indivíduo, ser algo consciente. A intenção é o fim

visado, trata-se do resultado que foi programado pelo indivíduo para responder ao evento motivador da sua ação. Como nos diz Vázquez: “a consciência do fim e a decisão de alcançá-lo dão ao ato moral a qualidade de ato voluntário” (Idem: 77). Um pai que expulsa sua filha de casa por estar grávida (motivo), possui uma intenção em seu ato, mesmo que o meio seja reprovável e o resultado não seja o desejado.

Por fim, os meios e os resultados possuem uma relação especial. A famosa frase do pensador italiano, Nicolau Maquiavel (1469 – 1527), “os fins justificam os meios”, entrou para a história e a cultura popular como a ratificação do “vale tudo”, desde que os fins sejam nobres. Na verdade, parafraseando o pensador, trata-se do inverso: os meios determinam os fins. Quer dizer que a opção por certos meios, ou seja, a escolha das formas, instrumentos e estratégias de atingir nossos objetivos (fins), determinam a qualidade moral do resultado final. Alguém que decida fazer o bem para sua família, prejudicando as famílias de seus vizinhos, mesmo que o faça para o bem dos seus filhos e mulher, não estará executando um ato moral, mas o contrário. Quando resolvemos fazer o bem, essa opção precisa estar presente no início, meio e fim das nossas ações. E não podem, de forma alguma, acarretar prejuízos para outras pessoas.

PROGRESSO MORAL: LIBERDADE E CONSCIÊNCIA

Segundo Vázquez, o progresso moral pode ser medido com base em alguns indicadores importantes: a) a ampliação da esfera moral na vida social; b) pela elevação do caráter consciente e livre do comportamento dos indivíduos ou grupos sociais; c) e o grau de articulação entre os interesses individuais e coletivos. O aprimoramento de cada um desses aspectos determina o quanto uma sociedade, grupo social ou indivíduo estão se desenvolvendo (progredindo) do ponto de vista moral, estando os três itens relacionados.

Atinge-se o progresso moral quando compreendemos nossas obrigações com o planeta, com a sociedade e nossa família como inerentes às nossas atitudes cotidianas. Em outras palavras, quando agimos moralmente sem que existam leis, normas exteriores ou a fiscalização de outras pessoas. Nas palavras do pensador espanhol: “a substituição dos estímulos materiais (maior recompensa econômica) pelos estímulos morais no estudo e no trabalho é índice de ampliação da esfera moral” (Idem: 58).

O silêncio durante a explicação do professor não deve ser resultado da coação externa (a punição), mas da íntima decisão, por parte do aluno, de adquirir o conhecimento que está sendo exposto ou construído no momento. Trata-se, portanto, da decisão individual que, diante das inúmeras possibilidades de distração (brincadeiras, piadas, etc.), opta voluntariamente por

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um comportamento sereno, adequado ao processo de aprendizagem. Afinal, o agente (aluno) reconhece que existem posturas diferentes para espaços diferentes.

O ideal do progresso moral é que todos os indivíduos sejam capazes de assumir as responsabilidades sobre os seus atos. O que significa a construção de personalidades livres, conscientes das suas obrigações e capazes de fazer escolhas adequadas e moralmente justificáveis. “O progresso moral é inseparável do desenvolvimento da livre personalidade” (Idem: 59). A capacidade de escolha, por sua vez, está relacionada com a liberdade humana.

Aristóteles, pensador grego, nos apresenta duas condições para que o agente do ato possa ser avaliado moralmente: a) que o sujeito não ignore nem as circunstâncias nem as conseqüências de sua ação; ou seja, que o seu comportamento possua um caráter consciente; b) que a causa dos seus atos esteja nele próprio (ou causa interior), e não em outro agente (ou causa exterior) que o force a agir de certa maneira, contrariando a sua vontade; ou seja, que a sua conduta seja livre (Idem: 110).

Dessa forma, podemos perguntar: o que obriga um indivíduo a ter uma conduta inadequada com outras pessoas? Existe alguma força externa que o obrigue a desempenhar esse papel? E, estando em condições de “não fazer”, por que optar pelo caminho contrário e assumir o risco de ser punido? Consciente dessas opções e condicionantes, o indivíduo pode ser questionado eticamente? Claro que sim.

A relação entre liberdade e ato moral é absoluta (não existe relativismo moral). Somente admitindo que o agente seja capaz de avaliar os motivos, intenções, meios e resultados de sua ação é que podemos julgar sua responsabilidade pelos atos praticados. Somente uma pessoa que age contra sua vontade, coagida por forças externas, sem qualquer possibilidade de resistir às pressões sociais ou de grupos, está isenta de ser avaliada pelas ações cometidas. Uma mulher, impossibilitada de conseguir emprego ou formação escolar, incorre no crime do roubo de um pão para saciar a fome. Essa atitude é reprovável sob a perspectiva do direito, pois se trata de roubo e será punido pelas leis vigentes, mas do ponto de vista moral é passível de debate, pois os dois elementos aristotélicos estão em questão.

Com relação à consciência do agente é preciso acrescentar outro elemento, o da ignorância. Não compreender alguma coisa (o conteúdo de uma disciplina, a interpretação de um texto, etc.) é diferente de ignorarmos determinada coisa (desconhecer completamente a sua existência). Em outras palavras, significa dizer que não podemos pedir a um aluno que descreva um ornitorrinco (animal australiano) se ele nunca pôde conhecer tal espécie. Existe, portanto, a completa ignorância sobre a existência de tal animal, sobre suas formas, seu habitat, etc. Além disso, não se trata apenas de não conhecer a referida espécie,

mas também de nunca ter tido a obrigação de conhecê-la.

A ignorância (o oposto de consciência) tem duas condicionantes: não conhecer e não ter a obrigação de conhecer. Podemos punir um motorista que diz ignorar a existência de determinada sinalização de trânsito? Nesse caso, o motorista não pode ser eximido da responsabilidade moral, pois deveria (é sua obrigação) conhecer a sinalização de trânsito. “A ignorância não pode eximi-lo de sua responsabilidade, já que ele é responsável por não saber o que deveria saber” (Idem: 112).

Por fim, o terceiro elemento do progresso moral nos ensina que nossos atos, mesmo movidos pela liberdade de escolha individual, precisam estar relacionados com os interesses coletivos. Nossa liberdade não pode comprometer a integridade social, sua saúde e evolução, a integridade da natureza, sua conservação, ou a integridade física de outros. É evidencia de progresso moral quando nossos atos voluntários conseguem estar em harmonia com os interesses da coletividade, contribuindo para a melhora das condições de vida de todas as pessoas. Não se trata de sermos “bons samaritanos”, mas de agirmos conscientemente pela superação das verdadeiras causas dos males sociais ou pelo menos não contribuindo para seu agravamento.

Na sociedade moderna, competitiva e regida pelos interesses privados, é comum o conflito entre a vontade dos indivíduos, principalmente quando envolve o lucro e o dinheiro, e os interesses coletivos. A construção de um Shopping Center pode gerar centenas de empregos diretos e indiretos, mas será moralmente questionável se desabrigar famílias que habitam a área da construção ou se afeta a saúde do córrego local, pois não está previsto tratamento adequado dos dejetos tóxicos do futuro empreendimento. O benefício de alguns não pode ser o prejuízo de outros.

EM RESUMO...

A qualificação moral dos nossos atos em sociedade, na escola, no local de trabalho e em nossas relações familiares será resultado das nossas escolhas individuais. Para determinar a moralidade das nossas ações, devemos fazer as perguntas:

O que motivou meu ato?

Quais as minhas intenções com essa ação?

Quais meios utilizo para atingir minhas intenções?

Quais são os resultados dos meus atos?

Ao analisar os resultados das minhas ações, ignorava suas conseqüências?

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Conscientemente desejei não me informar ou refletir sobre as possíveis conseqüências dos meus atos?

Qual a relação dos meus atos com os interesses da coletividade? Estão em conflito ou em harmonia?

Meu ato foi voluntário, fruto de uma escolha livre, ou fui obrigado(a) a executá-lo por outra pessoa ou grupo?

Havia possibilidade real de resistir à coação externa, ou seja, era possível não cometer o ato, indo de encontro às pressões de indivíduos ou grupos sociais?

Ao nos questionarmos sobre a natureza das nossas ações, estamos estabelecendo uma relação direta com as melhores características da espécie humana, a saber: nossa capacidade de sermos solidários e de estabelecer relações empáticas com pessoas desconhecidas (se colocando no “lugar do outro”); nossa capacidade de servir, buscando ajudar as pessoas, promovendo justiça, igualdade e condições dignas de vida para todos; e nossa capacidade de entregar a própria vida em nome de uma causa superior, seja ela religiosa ou política (lembremos de Nelson Mandela, Zilda Arns, Che Guevara, entre outros). Somos, afinal, Homo Sapiens Somnians (Homo = homem, humanidade; Sapiens = conhecimento, sabedoria; Somnians = sonhador). Um homem que pensa o Mundo e sonha um futuro melhor.

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