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ADRIANE REIS DE ARAUJO O ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL MESTRADO EM DIREITO PUC/SP São Paulo 2006

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ADRIANE REIS DE ARAUJO

O ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL

MESTRADO EM DIREITO

PUC/SPSão Paulo

2006

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ADRIANE REIS DE ARAUJO

O ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL

Mestrado em Direito

Dissertação apresentada à bancaexaminadora da Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo, como exigênciaparcial para a obtenção do título de Mestreem Direito (Direito das Relações Sociais),sob a orientação do professor doutor PauloSérgio João.

PUC/SPSão Paulo

2006

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Banca Examinadora

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Agradecimentos

Ao Professor Paulo Sérgio João, meus sinceros agradecimentos peloinestimável apoio e críticas no curso do trabalho, as quais certamente

contribuiram imensamente à reflexão e aprimoramento do tema.Agradeço ao Professor Menelick de Carvalho Netto, pelos valiosos

ensinamentos na área de hermenêutica jurídica, que foram decisivos àconclusão da dissertação no tratamento proporcionado pelo Direito.Agradeço a todos os membros do Conselho Superior do MinistérioPúblico do Trabalho, em especial à Procuradora-Geral do Trabalho,

Drª Sandra Lia Simon, e aos Subprocuradores-Gerais do Trabalho, Dr.Edson Braz e Dr. Luiz Antonio Camargo, a concessão de licença paraelaboração da dissertação. Aos servidores da biblioteca do MinistérioPúblico do Trabalho, Rosana, Vanessa, Andréia, André e Rosa, meusagradecimentos pelo resgate de obras decisivas ao desenvolvimentodo trabalho. Aos amigos, Ana Luisa, Ana Paula Mendes, André Luiz

Ardens, André Nardelli, Alexandre Bernardino Costa, BerenicePaixão, Cristiano Paixão, Cristina Zackseski, Estela, Fernanda

Paixão, Francisco Leocádio Pinto, Leila Cuéllar, Maurício Correa deMelo e Zélia Luiza Pierdoná, em nome dos quais estendo o

agradecimento a todos que de alguma forma contribuíram nestatrajetória acadêmica. E, à minha família, Roberto, Dionira, Cezar,

Luiz, Bianca, Lívia e meus filhos, Otávio e Helena, agradeço acompreensão e apoio durante esse período em que se fez necessária a

redução das horas de convívio familiar.

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RESUMO

A presente dissertação objetiva identificar práticas difusas de assédio

moral no ambiente de trabalho voltadas para a coletividade produtiva e incorporadas ao

método de gestão empresarial. A comprovação da hipótese exigiu o estudo das relações de

poder da organização de trabalho nos principais modelos de gestão empresarial:

taylorismo, fordismo e toyotismo. A base teórica para a análise das relações de poder nas

empresas foi o estudo de Michel Foucault sobre estabelecimentos disciplinares,

confrontando-o com as peculiaridades encontradas na sociedade de controle, de acordo

com o conceito de Gilles Deleuze. Em seguida, por meio do estudo de dados estatísticos,

casos jurisprudenciais e doutrinários relatados em diversas partes do mundo e da

diferenciação da figura central em relação à discriminação e assédio sexual, preconizou-se

um conceito para o assédio moral organizacional. A definição do assédio moral

organizacional ressaltou a estreita relação dessa prática com o exercício abusivo do poder

diretivo do empregador. Após o estudo da evolução e sofisticação no tratamento do

contrato de trabalho pelo ordenamento jurídico, ao longo dos paradigmas do Estado de

Direito, defendemos a proposta de aplicação do direito consoante o princípio da

integridade de Ronald Dworkin, o qual demonstra sua aptidão imediata para responder às

demandas sociais e solucionar os problemas advindos da prática abusiva, da melhor

maneira possível, independente de esforço legislativo extraordinário.

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ABSTRACT

This works aims to identify certain moral harrasment difused practices

that are taking place at labor environments against the workers as a whole disguised in the

enterprise management method. To check the hypothesis a study on the power

relationships according to the three main models of enterprise management (taylorism,

fordism and toyotism) prouved to be productive. The theorical basis for the analysis of the

power relationships in the enterprises was the study of Michel Foucault on disciplinary

establishments, facing collating them with the peculiarities found in the society of control,

in the concept of Gilles Deleuze. After that, through the observation of the statistical data,

jurisprudential and doctrinal cases related in different parts of the world and the

differentiation of the central figure in relation to the discrimination and to the sexual

harrasment, it was praised a concept for the organizational moral harassment. This

definition standed out the close relation of this attitude with the abusive practice of

administrative power of the employer. Through the evolution and sofistication on the

treatment of the labor contract by the legal system, in the paradigms of the Constitutional

State, we defend the proposal of applying the principle of integrity of Ronald Dworkin,

which demonstrates its immediate aptitude to respond to the social demands and to deal

with problems of abusive practice, taking rights seriously in our everyday life.

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SUMÁRIO

Introdução ..........................................................................................................................09

Capítulo I – O controle na empresa

1. O Panóptico e o poder ................................................................................................22

2. O poder...................................................................................................................... .28

2.1. Sobreposição de modelos sociais de exercício de poder no século XVIII..........30

2.2. O estabelecimento disciplinar..............................................................................32

2.2.1.O olhar hierárquico ......................................................................................36

2.2.2.Sanção normalizadora...................................................................................37

2.2.3. O exame ......................................................................................................39

2.3. A sociedade de controle ......................................................................................41

3. Os modelos de gestão empresarial ..............................................................................43

4. Os discursos empresariais da guerra e do mercado ....................................................65

5. A organização produtiva no Brasil .............................................................................70

Capítulo II - O assédio moral organizacional

1. Identificação do problema ..........................................................................................77

1.1. Revisão das pesquisas .........................................................................................79

1.2. Critérios para identificação do assédio moral organizacional ............................84

1.2.1. Critério biológico ..................................................................................85

1.2.2. Critério temporal ..................................................................................86

1.2.3. Critério material ....................................................................................89

1.2.4. Critério teleológico ...............................................................................94

1.2.5. Critério subjetivo ................................................................................100

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2.Conceito de assédio moral organizacional ................................................................106

3. Discriminação e assédio sexual.................................................................................119

3.1.Discriminação.....................................................................................................120

3.2 Assédio sexual ...................................................................................................123

4. Conseqüências do assédio moral organizacional ......................................................125

Capítulo III – O poder diretivo do empregador e os riscos para o trabalhador

1. O Direito do Trabalho, o contrato de trabalho e o poder diretivo: uma históriacomplexa........................................................................................................................132

1.1 A tensão inerente ao contrato de trabalho vista sob o paradigma do EstadoLiberal..................................................................................................................142

1.2 A tensão inerente ao contrato de trabalho vista sob o paradigma do Estado deBem-Estar Social ............................................................................................... 151

1.3 A tensão inerente ao contrato de trabalho vista sob o paradigma do EstadoDemocrático de Direito .......................................................................................160

2. Assédio moral e os limites do poder diretivo do empregador ...............................170

2.1 Princípio da integridade......................................................................................188

2.2 O assédio moral no direito do trabalho brasileiro: regulamentação legal,resistência e coerção.................................................................................................197

Conclusão..........................................................................................................................214

Bibliografia ........................................................................................................................220

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INTRODUÇÃO

Muitos estudiosos reconhecem no assédio moral um problema estrutural

da empresa contemporânea. O presente trabalho, a fim de possibilitar uma resposta

eficiente do Direito, toma a sério essa assertiva e pretende a identificação das

circunstâncias em que a conduta abusiva se produz de forma coletiva com vistas a

proporcionar certa utilidade para a organização produtiva. Dessa maneira, nada melhor do

que a reflexão aprofundada do cotidiano por intermédio de uma alegoria: a obra

cinematográfica (considerada um dos clássicos do cinema), dirigida por Ridley Scott e

roteiro de Hampton Fancher, intitulada Blade Runner, o caçador de andróides (1980).

O filme Blade Runner, baseado no livro “Do androids dream of electric

sheep?”de Philip Dick, descreve a vida e o trabalho dos replicantes no Mundo Periférico e

das pessoas da cidade de Los Angeles, no ano de 2019, de forma muito similar à situação

do trabalhador assalariado no mundo tecnológico globalizado de hoje. O filme se inicia

com a vista aérea da cidade de Los Angeles, cuja paisagem é dominada pelo edifício da

Tyrell Corporation. Esta empresa, com expansão interplanetária, produz replicantes. Os

replicantes são reproduções de seres humanos, mais fortes e ágeis, obtidos pela engenharia

genética e dotados de capacidade intelectual no mínimo igual a dos engenheiros que os

criaram (seus pais). Eles se distinguem dos seres humanos pela ausência de memória e de

emoções e pelo período reduzido de vida: quatro anos. Os replicantes são utilizados como

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mão-de-obra escrava em trabalhos perigosos e na colonização de outros planetas. Com o

desenrolar de suas atividades, observa-se neles a capacidade de desenvolverem emoções

por meio de suas experiências de vida processadas por uma memória própria e recente.

Agora eles querem melhores condições de vida e mais tempo ...

Após a rebelião de um grupo de replicantes NEXUS 6, em uma colônia

do Mundo Periférico, a lei estabelece a pena de morte para esses trabalhadores encontrados

no planeta Terra. Seis unidades NEXUS 6 seqüestram uma nave, chacinam a tripulação e

passageiros e voltam à Terra em busca da reversão de sua programação genética. Esse

grupo rebelde é caçado por Deckard, antigo membro do destacamento policial especial -

Unidade Blade Runner. Um a um, eles são executados, ou melhor, conforme a

terminologia empregada: “aposentados”. Ao final restam apenas dois replicantes, Roy e

Pris. Quando Roy, o líder, consegue forçar o seu acesso ao idealizador Tyrell, este lhe nega

qualquer possibilidade de alteração da data de morte e diz que a brevidade de sua vida se

compensa pela maior intensidade ao vivê-la (“Aproveite, uma chama que queima com

dupla intensidade vive a metade do tempo”). Roy, num misto de raiva e resignação, o beija

e a seguir esmaga sua cabeça e olhos.

A fábula do Blade Runner reflete as relações socio-econômicas em

formação na década de 1980, em que se destaca a globalização da economia, a redução do

papel do Estado, a invasão de modelos orientais (toyotismo e métodos de qualidade total),

precarização da mão-de-obra e a acumulação flexível, expressa na flexibilidade dos

processos de trabalho, dos mercados, produtos e padrões de consumo. David Harvey

observa que os replicantes, no filme:

Foram projetados como a forma última de força de trabalho de curtoprazo, de alta capacidade produtiva e grande flexibilidade (um exemplo

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perfeito de um trabalhador que possua todas as qualidades necessárias àadaptação a condições de acumulação flexível).1

Tal qual na obra mencionada, a empresa atual exige do trabalhador a

dedicação integral tanto no aspecto físico e intelectivo quanto emocional para o

desempenho de suas atividades. Na fábula, os replicantes de última geração, na tentativa de

se evitar os riscos verificados na geração dos NEXUS 6, possuem uma memória

implantada. As emoções são relevantes e devem ser moldadas segundo os interesses da

empresa. De maneira geral, o trabalhador é valorizado pela organização não somente

enquanto lhe é útil, produtivo, cordato e materialmente feliz, mas quando se sente parte

fundamental da gestão empresarial, acreditando-se criativo e responsável pelo sucesso ou

pelo fracasso do empreendimento como um todo. O ideal é que, na execução contínua de

atividades, o trabalhador abandone suas expectativas individualistas passadas ou futuras,

viva apenas o presente, assumindo os interesses da empresa como os seus próprios. Como

o replicante, quando o trabalhador se insurge, discorda ou exige respeito a seus direitos

individuais, deve ser eliminado (da organização). O método utilizado não é mais a

violência física (embora ainda se encontre vestígios dessa prática no trabalho escravo

contemporâneo), mas sim táticas mais apuradas que visam deixar o trabalhador marcado de

forma indelével mas sem vestígios. Lança-se mão da violência psicológica, a violência

invisível: o assédio moral.

A questão do assédio moral no trabalho vem sendo amplamente debatida,

com a proliferação de estudos, de soluções jurisprudenciais e de associações de defesa das

vítimas, bem como propostas de lei para tratar da matéria em diversos pontos do globo,

algumas já aprovadas. O interesse em torno do tema é tamanho a ponto de a obra da

1 HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. SãoPaulo: Loyola, 1992, p. 278. Como bem observa esse autor, podemos também encontrar ali o trabalhoinformal, a subcontratação da mão-de-obra e a invasão de pessoas das mais diversas origens (com

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psiquiatra francesa Marie-France Hirigoyen se tornar um best seller internacional,

computando a venda de mais de 500.000 exemplares somente na França. No Congresso

Nacional brasileiro temos atualmente nada menos do que sete2 projetos de lei em

tramitação na Câmara do Deputados, dos quais um institui o Dia Nacional de Luta contra o

Assédio Moral3, três criminalizam essa prática4, dois regulam a questão para os

trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho e um para os servidores

públicos federais5. Já foram promulgadas diversas normas estaduais e municipais6 no

âmbito do serviço público local, regulando a conduta dos servidores públicos e de

terceiros.

O problema já é sentido há algumas décadas. Os estudos do assédio

moral se iniciaram com os trabalhos do médico sueco Peter-Paul Heinemann, realizado na

década de 60, sobre o comportamento hostil de um grupo de crianças em relação à outra

isolada. Ele batizou esse comportamento de “mobbing” tomando como exemplo o

comportamento hostil de alguns animais para expulsar eventual intruso de seu grupo. O

termo “mobbing” vem do verbo inglês “to mob”, que significa maltratar, atacar, perseguir,

sitiar. O substantivo “mob” significa multidão, turba. Quando utilizado com a inicial

maiúscula (Mob), esse substantivo batiza a máfia,.

predominância de traços asiáticos), ou seja a invasão do Terceiro Mundo, e a mistura cultural expressa no“cidadês”, língua falada na cidade que mistura diversos idiomas: espanhol, alemão, japonês, inglês.2 Número de projetos apurados em 02.06.2005. São eles: PL 4591/2001, PL 2369/2003, PL 2593/2003, PL326/2004, PL 5887/2001, PL 4742/2001 e PL 4960/2001.3 Projeto de lei da deputada Maninha do PT/DF –nº 4326/2004. O dia selecionado é 2 de maio.4 PL 5887/2001, PL 4742/2001 e PL 4960/2001.5 O Ministério do Planejamento regulamentou a questão para os servidores federais, no capítulo IV da NormaRegulamentadora da Seguridade Social do Servidor.6 Entre os municípios que já regulamentaram a matéria pode-se indicar: São Paulo (Lei nº 13.288/2002),Americana(Lei n° 3.671/2002), Campinas (Lei nº 11.409/ 2002), Cascavel (Lei nº 3.243/2001), Guarulhos(Lei nº 358/02), Iracemápolis (Lei nº 1163/2000), Jaboticabal (Lei n° 2.982/2001), Natal (Lei nº 189/02),Porto Alegre , São Gabriel do Oeste (Lei nº 511/2003), Sidrolândia (Lei municipal n° 1078/2001). O Rio deJaneiro foi o primeiro Estado a legislar sobre o tema (Lei estadual 3921/03).

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Em 1976, Caroll Brodsky, psiquiatra americano, estudando acidentes de

trabalho, estresse psicológico e esgotamento físico, intitulou sua obra com a imagem do

trabalhador submetido a essas condições: “The harassed worker”, que pode ser traduzido

com o trabalhador perseguido ou assediado. Para ele, o trabalhador assediado é vítima de

ataques repetidos e voluntários de outra pessoa, cuja finalidade é atormentá-lo, miná-lo,

provocá-lo.7 Seu estudo, porém, tratou do problema de forma tangencial, pois o foco eram

as condições estressantes de trabalho.8

Com a promulgação da lei sueca sobre as condições de trabalho e criação

de um respectivo fundo nacional de investigação (1976), o psicólogo alemão Heinz

Leymann centra sua atenção na conduta dos trabalhadores adultos no espaço empresarial.

A partir de 1984, ele descreve condutas similares àquelas relatadas por Heinemann. Para

ele o mobbing9 consiste em manobras hostis, freqüentes e repetidas no local de trabalho,

visando sistematicamente a mesma pessoa. A prática abusiva deve ser reiterada no mínimo

a cada semana, pelo período mínimo de seis meses e é fruto de um conflito degenerado. O

mobbing configura uma grave forma de estresse psicossocial que resulta em danos

psicossomáticos e psicológicos. Leymann propositadamente deixa de utilizar a

terminologia dos países de língua inglesa (bullying), pois para ele esse termo remeteria a

situações de violência física.10 O trabalho desse estudioso focaliza a zona limítrofe em que

7 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2002, p. 81.8 LEYMANN, Heinz. Research and the Term Mobbing. Disponível em<http://www.leymann.se/English/11120E.HTM> . Acesso em 12.07.2005.9 Segundo Marie-France Hirigoyen, a legislação sueca define mobbing como “ações repetidas e repreensíveisou claramente negativas, dirigidas contra empregados de uma maneira ofensiva, e que podem conduzir a seuisolamento do grupo no local de trabalho (HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindoo assédio moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p.78).10 “I deliberately did not choose the English term "bullying", used by English and Australian researchers (inthe USA, the term "mobbing" is also used), as very much of this disastrous communication certainly does nothave the characteristics of "bullying", but quite often is carried out in a very sensitive manner, still havinghighly stigmatizing effects. The connotation of bullying is physical aggression and threat. In fact, bullying atschool is strongly characterized by such physically aggressive acts. In contrast, physical violence is veryseldom found in mobbing behavior at work.” Disponível em

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o estresse causa enfermidades psicossomáticas ou psicológicas. Em 1990, ele calcula que

3,5% dos assalariados suecos foram vítimas de assédio moral e estima em 15% o

percentual dos suicídios derivados dessa violência.

A denominação “assédio moral” foi utilizada em 1998 por Marie-France

Hirigoyen, a qual propôs a seguinte definição:

[...] o assédio moral no trabalho é definido como qualquer condutaabusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por suarepetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquicaou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o climade trabalho11.

Marie-France é psiquiatra, psicanalista e psicoterapeuta de família.

Formada em vitimologia, ela apresenta o debate dessa situação agora reconhecida

como algo recorrente no mundo do trabalho sob a ótica da vítima e de seu

sofrimento. Descreve o perfil do agressor e da vítima, sem descuidar contudo das

características empresariais facilitadoras do assédio moral. Ela sugere formas de

prevenção e solução do conflito partindo desse enfoque individual.

Em 29 de junho de 2000, a Comissão Nacional Consultora dos

Direitos do Homem, com base em trabalhos realizados dentro do Ministério de

Emprego e Solidariedade francês, distingue três formas de assédio moral no trabalho:

a) assédio institucional, que faz parte de uma estratégia de gestão de pessoal; b)

assédio profissional, apresentado contra um ou mais trabalhadores determinados e

destinado a refutar os procedimentos legais de afastamento; e c) assédio individual,

praticado com a finalidade gratuita de destruição do outro e de valorização do poder

<http://www.leymann.se/English/11120E.HTM>. Acesso em 12.07.2005. As citações em língua estrangeira,em notas de rodapé, serão mantidas na língua original, sem tradução.11 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2002, p. 17. A redação indicada foi proposta pela autora perante os grupos de trabalhos no

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do agressor, seguindo a classificação de Marie-France Hirigoyen como assédio

perverso.12

A comissão mencionada reconhece ao menos duas espécies de assédio

moral voltado a uma coletividade, ainda que os atos abusivos se dirijam tão-somente a um

trabalhador. Entretanto, conforme Michel Debout, inúmeros observadores declaram a sua

dificuldade na identificação dessas figuras em face de seu caráter insidioso e da ausência

de clareza da integração do assédio moral às estratégias de gestão de pessoal.13

Na realidade o assédio moral, “mobbing” e “bullying” refletem,

grosso modo, a mesma situação. O primeiro pode ser considerado mais abrangente

porque admite o problema também de forma singularizada, como um conflito restrito

a duas pessoas14. Entretanto, os casos individualizados são raros, contando em geral

com a participação de diversos níveis hierárquicos da empresa: o assédio do

supervisor é seguido da adesão, pelo menos tácita, dos demais subordinados, e o

assédio oriundo de colegas ou subordinados, se não reprimido a tempo, conta no

mínimo com a complacência da administração da empresa. Para Marie-France

Hirigoyen, bullying15 é mais amplo que mobbing, pois abrange desde chacotas e

poder legislativo francês em 2002. O primeiro conceito não incluía a necessidade de repetição esistematização da conduta abusiva.12 DEBOUT, Michel. Le harcèlement moral au travail. Paris: Conseil économique et social, 2001, p. 21.13 DEBOUT, Michel. Le harcèlement moral au travail, p. 22.14 Noa Davenport distingue mobbing de bullying porque este último “denotes the one-person acts and notwhat is more often than not a group behavior, particularly when management becomesinvolved.”(DAVENPORT, Noa. Emotional Abuse in the Workplace: A Silent Epidemic? Disponível em<http://mobbing-usa.com/resources4.html>. Acesso em 21.07.2005.15 , [...] bullying is defined as a subset of aggressive behaviors involving three criteria: it is intentional harm-doing, involves a imbalance of power between the victim and the bully, and is carried out repeatedly and overtime. Three main types are defined: direct physical bullying, verbal bullying, and indirect bullying. QUINE,Lyn. Workplace bullying, psychological distress, and job satisfaction in Junior Doctors. Disponível em<http://journals.cambridge.org/bin/bladerunner?30REQEVENT=&REQAUTH=0&500001REQSUB=&REQSTR1=S0963180103121111> . Acesso em 06.03.2005. P. 91.

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isolamento até agressões físicas e condutas sexuais.16 Heinz Leymann os distingue

também em relação ao público e local em que se praticam os atos abusivos: se

envolve crianças e adolescentes no ambiente escolar, trata-se de bullying, se envolve

adultos no local de trabalho, é mobbing17. Todas as denominações acima admitem a

possibilidade de violência física leve.

O presente estudo empregará preferencialmente a terminologia

“assédio moral” para discorrer sobre o problema. No entanto, as demais

nomenclaturas poderão ser empregadas como sinônimos e pontualmente quando

sejam da preferência do autor estudado.

Os estudos já desenvolvidos são extremamente importantes e desvendam

os efeitos perversos para a vítima de uma situação corriqueira até então descuidada pelo

direito. A ausência da violência física por si só não é suficiente para assegurar uma relação

jurídica idônea. A violência psicológica se mostrou tão ou mais nefasta do que a primeira,

com reflexos nas relações trabalhistas e previdenciárias. No ano de 2002, a Universidade

de Brasília constatou que 48,8% dos trabalhadores afastados por mais de 15 dias do

trabalho sofria alguma forma de transtorno mental, em geral, de depressão18. Em casos

extremos, verifica-se a indução da vítima ao suicídio ou então a sua “morte psicológica”

(quando a pessoa fisicamente sadia se mostra inapta ao trabalho e ao convívio social).

Contudo, ao nosso ver, o tratamento exclusivamente individual da

questão pode conduzir à opacidade de aspectos relevantes do problema, como a

16 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2002, p. 80.17 “I suggest keeping the word bullying for activities between children and teenagers at school and reservingthe word mobbing for adult behavior at workplaces. ” LEYMAN, Heinz. Psychological terrorization - theproblem of terminology. Disponível em <http://www.leymann.se/English/11120E.HTM>. Acesso em12.07.2005.18 Disponível em < http://www.unb.br/acs/bcopauta/saude5.htm>. Acesso em 06.12.2005.

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possibilidade de sua instrumentalização (e não apenas facilitação) enquanto uma forma de

gestão abusiva no quadro da complexidade de que atualmente se revestem as relações de

trabalho. As questões psicológicas, sem dúvida importantes, são isoladas e reforçadas no

próprio discurso dos diversos interlocutores, propiciando a restrição do problema ao seu

aspecto individual. Como observa Denis Boissard:

A noção está fortemente impregnada de uma concepção psicológica dasrelações de trabalho, a qual rompe com os modos de pensamentotradicional do sindicalismo. Os promotores dessa abordagem falam de“sofrimento” e de “estresse”, onde habitualmente era denunciada a“exploração” ou “os ritmos infernais”.19

Deixando de lado a noção individualizante do problema, que já vem

sendo amplamente estudada pela literatura especializada20, o presente trabalho focaliza

uma dimensão da questão reconhecida como relevante pela doutrina e, no entanto, pouco

ou nada trabalhada até então: o seu viés coletivo. Trata do assédio moral como algo no

mais das vezes vinculado a um determinado desenvolvimento dos modelos de gestão

empresarial que, em seu estágio mais sofisticado, busca controlar e empregar em favor de

uma gestão eficiente o envolvimento emocional dos empregados com o sucesso da

atividade empresarial, compartilhando responsabilidades, passando a denominá-los

19As citações em língua estrangeira serão traduzidas para o português, com o fito de permitir melhor fluênciado texto. A responsabilidade pela tradução é inteiramente da autora. Os textos originais serão transcritos nasnotas de rodapé com a indicação bibliográfica correspondente. La notion est fortment impregnée d’uneconception psychologisante de rapportes de travail, laquelle rompt avec les schémas de pensée traditionnelsdu syndicalisme. Les promoteurs de cette approche du travail parlent de “souffrance” et de “stress”, là oùétaient habituellement dénoncées “l’exploitation” ou “les cadences infernales”. BOISSARD, Denis. Lamédiatisation de conflits du trabail. De Danone... au harcèlement moral. “In”: Droit Social, nº 6, juin/2003,p. 620, tradução livre.20 Para melhor aprofundamento do assédio moral individual ver ASSE, Vilja Marques. Um Fenômenochamado psicoterrorismo. In: Revista LTr : Legislação do Trabalho, v.68, n.7, jul. 2004; COUTINHO,Maria Luiza Pinheiro. Assédio moral no trabalho. In: Justiça do Trabalho, v.21, n.248, p.71-76, ago. 2004;FERREIRA, Hádassa Dolores Bonilha. Assédio moral nas relações de trabalho. Campinas: Russell, 2004;GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo : LTr, 2ª edição, 2005; HIRIGOYEN,Marie-France. Assédio moral: a violência perversa do cotidiano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002;MAZEAUD, Antoine. Harcèlement entre salariés : apport de la loi de modernisation. In: Droit Social, n.3,p.321-324, mars 2002; MENEZES, Cláudio Armando Couce de Menezes. Assédio moral e seus efeitosjurídicos. In: Jornal Trabalhista Consulex, vol. 21, nº 1000, jan/2004; SCHMIDT, Martha Halfeld Furtadode Mendonça. Assédio moral no direito do trabalho. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 9Região, v.27, n.47, jan./jun. 2002.

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“colaboradores”. Somente em um tal cenário torna-se plausível uma gestão abusiva

destinada a afetar, a intimidar, todos os empregados de forma difusa e a alguns

determinados de modo expresso e direto, viabilizando a redução de custos e o incremento

da produção mediante a exposição de toda a coletividade de empregados à situação de

risco, com o efetivo desrespeito dos direitos básicos de alguns.

Esse estudo tem por escopo, portanto, destacar o papel que a gestão

empresarial hoje pode assumir como motor do assédio moral, bem como a sua utilização

como instrumento do exercício de poder dentro da empresa. Para tanto, será aprofundado o

estudo do assédio moral organizacional. O termo escolhido, assédio moral organizacional,

tem a vantagem de refletir na própria denominação a fonte do assédio moral em apreço. A

sua figura abrange o assédio institucional e profissional já citados, não se confundindo

especificamente com nenhuma delas.

No intuito de melhor visualizar o cenário em que se situa o problema, no

primeiro capítulo se lançará mão do auxílio da história, sociologia e da administração para

a compreensão mais ampla das transformações ocorridas nas relações de poder e nos

instrumentos de controle social da empresa. Dessa maneira, procurar-se-á evitar o autismo

do trabalho científico, denunciado por Alain Supiot, sem descuidar do destaque jurídico da

questão, pois como ele diz:

Quantas coisas sabemos sobre essas mutações, especialmente sobre seusaspectos históricos, econômicos, filosóficos e sociológicos! No entanto,essa soma de conhecimento não servirá ao final das contas para nada senão consegue em um momento ou outro guiar a evolução do regimejurídico atribuído ao trabalho no mundo. Daí a utilidade do diálogo entrejuristas e especialistas das ciências sociais, ainda que, claro esse diálogosó possa desempenhar um papel modesto nas mudanças históricas regidasfundamentalmente por relações de força. O alvorecer a que estamosassistindo de um novo mundo do trabalho não é um parto sem dor, mas

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será tanto mais penoso na medida em que não lhe dote do instrumentalnecessário para marcar seu rumo.21

Bernardo Sorj22 também enfatiza os benefícios do trabalho

interdiciplinar, o qual reúne as reflexões de cada disciplina envolvida sob a sua

dimensão específica da matéria em apreço, o que resulta em um trabalho singular,

atentando-se ao risco que se corre nessa espécie de trabalho se for desconsiderada a

linguagem específica a cada disciplina envolvida, o que poderia resultar em uma

espécie de bricolagem.

O presente estudo enfrenta o desafio, com consciência das

dificuldades e riscos inerentes, no intuito de proporcionar a visualização e a análise

mais completa do problema do assédio moral desenvolvido de forma coletiva nas

relações de trabalho, pois do contrário muitos aspectos da questão passariam

desapercebidos. No primeiro capítulo serão descritos, sem qualquer pretensão de

exaustão, o panoptismo de Jeremy Bentham, a sociedade disciplinar e seus

instrumentos de poder, com base na análise desenvolvida por Michel Foucault, e a

denominada sociedade de controle de Gilles Deleuze, cujas características não se

apresentam de forma separada, mas sim de forma sobreposta. A seguir serão

estudados os modelos de gestão de pessoal contemporâneos expressos no taylorismo,

fordismo e toyotismo (controle de qualidade total). O objetivo é explicitar os

instrumentos e a forma de manifestação do poder - disciplinar, na fábrica e de

21 “!Cuántas cosas sabemos sobre esas mutaciones, especialmente acerca de sus aspectos históricos,económicos, filosóficos y sociológicos! Sin embargo, esa suma de conocimientos no servirá a fin de cuentaspara nada si no consigue en un momento u outro guiar la evolución del régimen jurídico atribuido al trabajoen el mundo. De ahí la utilidade del diálogo entre juristas y especialistas de las ciencias sociales, aunque,claro está, esse diálogo sólo puede desempeñar un papel modesto en los cambios históricos regidosfundamentalmente por relaciones de fuerza. El alumbramiento a que estamos asistiendo de un nuevo mundodel trabajo no es un parto sin dolor, pero será tanto más penoso en la medida en que no se le dote delinstrumental intelectual necesario para marcar su rumbo.” SUPIOT, Alain. Introducción a las reflexionessobre el trabajo. In: Revista Internacional del Trabajo, vol. 115, nº 6, 1996, p. 660, tradução nossa.22 SORJ, Bernardo. A democracia inesperada: cidadania, direitos humanos e desigualdade social. Rio deJaneiro: Jorge Zahar Ed., 2004, p. 116/177.

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controle na empresa contemporânea - e a manipulação da subjetividade do

trabalhador como último recurso tecnológico do capitalismo.

No segundo capítulo será esmiuçada a literatura produzida sobre assédio

moral, revisando-se os dados estatísticos e critérios para a caracterização dessa violência,

para que se possa encontrar um conceito mais adequado ao assédio moral organizacional,

com o auxílio de casos descritos na jurisprudência e na mídia nacional e internacional.

Nessa ocasião, serão entabuladas as diferenças e semelhanças entre o assédio moral, a

discriminação e o assédio sexual, bem como serão descritas as conseqüências do assédio

moral organizacional para a vítima, a empresa e a sociedade em geral.

O terceiro capítulo se concentra na tensão entre a liberdade e igualdade

das partes signatárias de um contrato de trabalho e sua desigualdade material, explicitando-

se o gôzo das liberdades públicas individuais dentro da empresa sob o pano-de-fundo dos

paradigmas jurídicos do Estado Moderno. Estabelecidos esses parâmetros, serão

explicitados os limites do poder diretivo no ordenamento brasileiro, levando-se em conta o

abuso de direito do empregador. A análise da teoria do abuso de direito seguirá a aplicação

do princípio da integridade de Ronald Dworkin. Por fim, serão analisados criticamente os

meios de prevenção e repressão ao assédio moral apresentados pela literatura e pelo direito

do trabalho brasileiro para o combate a essa figura.

A presente dissertação é fruto da angústia decorrente da necessidade

de enfrentamento concreto de um número crescente de práticas abusivas que têm

exposto trabalhadores a situações incrivelmente vexatórias, de forma coletiva e

difusa, mesmo quando individualizadas, de sorte a requerer uma reflexão mais detida

sobre os riscos específicos a que hoje se encontram sujeitos os que dependem do

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trabalho para a sua sobrevivência. À atuação como membro do Ministério Público do

Trabalho devo as questões que nortearam a sua elaboração, tais como: “a) quais são

as características do assédio moral organizacional?”, “b) É necessária a comprovação

de enfermidade psicossomática ou psicológica pelas vítimas do assédio moral?”, “c)

É necessária a comprovação de dolo ou culpa do agressor?”, “d) O assédio moral se

confunde com a discriminação?”, “e) É possível se pensar em assédio moral

organizacional horizontal e ascendente?”, “f) Quais os limites do poder diretivo do

empregador?”, “g) Como se configura o abuso de direito na relação entre empregado

e empregador?”.

O presente trabalho tem a pretensão de responder a esses

questionamentos, ainda que não seja de forma exaustiva, reconhecendo a

complexidade do problema e a dinâmica das relações de trabalho, o que pode resultar

na negligência não-intencional de aspectos igualmente relevantes. Contudo, ele se

propõe ao enfrentamento de questões espinhosas para, na medida do possível,

apresentar a melhor resposta para a solução dos problemas concretos que se

apresentam no cotidiano.

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CAPÍTULO 1 – O CONTROLE NA EMPRESA

“Os homens, individual e colectivamente, são,antes de tudo, determinados pelas suas heranças

e pelas atitudes que adoptam para com essas heranças.”(Jacques Le Goff)23

1. O panóptico e o poder

Em 1786 Jeremy Bentham sonha um modelo de estabelecimento para a

reforma de indivíduos, por meio da educação e da disciplina, a ser apresentado como

substituto ao sistema penitenciário inglês, cujas péssimas condições foram denunciadas por

John Howard, no livro The state of prisons in England and Wales, with preliminary

observations and an account of some foreign prisons and hospitals24. John Howard

descreve os cárceres e hospícios ingleses da época, apontando a sua superpopulação,

sujeira, má ventilação e péssimo estado sanitário. Ele denuncia existência da “febre dos

cárceres”, uma variedade mortal de tifo, e a insegurança vigente, com freqüentes fugas de

presos. Além do mais, destaca a prisão como um local de privilégios e extorsões que

23 LE GOFF, Jacques. Para um novo conceito de Idade Média: tempo, trabalho e cultura no Ocidente.Lisboa: Editorial Estampa. 1993, p. 103.24 Para melhor aprofundamento do tema ver PERROT, Michelle. O inspetor Bentham. In: O Panoptico.SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Belo horizonte: Autêntica, 2000.

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resultam na corrupção do caráter do apenado. Como alternativa, o governo inglês resgata o

antigo procedimento de deportação dos condenados para as colônias, que, após a

independência americana, agora estava direcionado para Austrália. 25

Contra os partidários da deportação, Bentham opta resolutamente peloencerramento; contra os apóstolos do confinamento solitário, escolhe asvantagens do trabalho em comum; e, acima de tudo, põe sua confiança naforça de um controle em todos os instantes, controle do corpo que seinsinua nos movimentos de uma psicologia que não tem como escapar àinfluência de um ambiente completamente condicionado.26

A idéia do panóptico surge em visita a seu irmão Samuel na cidade de

Cretcheff, na Rússia meridional. Samuel era então encarregado da direção de uma

instalação fabril, situada em Zadobras, que Potemkine estimava transformar em modelo e

ponto de partida para a industrialização russa. Diante da acirrada insubordinação dos

trabalhadores, contida muitas vezes somente após a intervenção das tropas governamentais,

Samuel idealiza uma unidade industrial, tomando por base a arquitetura da Escola Militar

de Paris de 175127, em que prevalece o isolamento e a constante observação dos internos.28

O esboço de Samuel inspira Bentham à criação de um modelo de estabelecimento que,

com economia e simplicidade, propiciaria a constante vigilância sobre certo número de

indivíduos. Seus princípios são a inspeção central, a vigilância generalizada e uma rigorosa

disposição do espaço.

O modelo de Bentham é batizado de Panóptico. Trata-se de um edifício

circular, composto por uma torre central com celas individuais ao seu redor, dispostas na

forma de anel. A torre central possui grandes janelas voltadas para o interior do anel. Na

25 Em 1786, uma ordem do Conselho decide o envio de navios à Austrália Em 1787, onze navios com 575homens, 192 mulheres e 18 crianças são enviados para Botany Bay (PERROT, Michelle. O inspetorBentham. In: O Panoptico. SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Belo horizonte: Autêntica, 2000, p.119).26 PERROT, Michelle. O inspetor Bentham. In: O Panoptico. SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Belo horizonte:Autêntica, 2000, p. 136.27 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 10ª edição. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. 210.

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construção periférica, cada cela ocupa toda a largura do anel e possui duas janelas: uma

voltada para o interior e outra para o exterior, de modo que a luz a atravesse em toda

extensão, propiciando a visibilidade de seu interior pelo efeito da contraluz. No interior da

torre é colocado um vigia e no interior de cada cela o indivíduo ou pequeno grupo de

indivíduos a ser vigiado, que poderão ser loucos, alunos, trabalhadores ou prisioneiros. Na

torre há persianas e divisórias perpendiculares de maneira a obstar a observação dos

movimentos do vigia pelos ocupantes das celas. Mesmo as portas são dispensadas para

evitar o controle por intermédio do som ou da luz, sem qualquer prejuízo da visibilidade

dos indivíduos submetidos ao controle. A torre é isolada por um fosso. Para comunicação,

utiliza-se um mecanismo individualizado, composto por tubos de aço, entre o vigia e cada

cela. Como alerta Michel Foucault: “inverte-se o princípio da masmorra; a luz e o olhar de

um vigia captam melhor que o escuro que, no fundo, protegia.”29 “A visibilidade [então] é

uma armadilha”30. E não apenas os indivíduos submetidos ao sistema disciplinar serão

vigiados, os auxiliares do vigia igualmente são observados da torre. Não se pode confiar

em ninguém! O princípio reitor é de desconfiança de tudo e de todos.

Bentham pensava na utilidade da pena - a eliminação dos crimes - e em

seu custo para o Estado. Contrabalançando os dois termos, ele defendia a diminuição do

gasto e o aumento da vantagem obtida: a pena econômica. A diminuição do gasto é

atingida pelo próprio mecanismo proposto para punição: o olhar; o aumento da vantagem,

por meio do trabalho do indivíduo vigiado. É essencial nesse organismo o trabalho a ser

executado pelo encarcerado. O trabalho tem não apenas uma função produtiva, como

também corretiva e simbólica: “disciplinar pelo trabalho e para o trabalho, pela produção e

28 Nessa unidade educacional, os dormitórios dos alunos eram compostos por celas envidraçadas quepermitiam a sua visibilidade durante a noite, sem que houvesse qualquer contato tanto com os outros alunosquanto com os empregados.29 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 10ª edição. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. 210.

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para a produção: tal é o discurso obsessivo de Bentham ...”31. Em vista disso, ele discorda

de todo ataque ao corpo, como a pena de morte e mutilações irreversíveis.32

Há a graduação das penalidades, bem como o estabelecimento de marcas

nos corpos dos condenados de acordo com o crime praticado. Antes de mais nada, para ele

a punição é uma “arte da encenação, feita para suscitar o temor, procedimento essencial de

governo, e para, com isso, dissuadir”.33 Em conseqüência, a prisão deve estar em um local

central e visível a todos na cidade. As paredes de seu edifício devem conter desenhos

aterrorizantes.34

Bentham acreditava em seu modelo como uma máquina revolucionária.

Ele “pensou e disse que seu sistema ótico era a grande inovação que permitia exercer bem

e facilmente o poder.”35 A meta, durante 20 anos de sua vida, foi exercer a função de vigia,

na Inglaterra, sobre mil condenados e para isso gastou toda a sua fortuna. Ao final, ele foi

retirado da discussão do sistema penitenciário inglês, que preferiu o modelo da

Pensilvânia. Em troca, o governo lhe pagou a quantia de 23.000 libras, como indenização

correspondente ao terreno por ele adquirido para seu projeto.

30 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 29ª edição. Petrópolis: EditoraVozes. 2004, p. 166.31 PERROT, Michelle. O inspetor Bentham. In: O Panoptico. SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Belo horizonte:Autêntica, 2000, p. 142.32 Entretanto, admite a tortura para certos casos e de forma dosada.33 PERROT, Michelle. O inspetor Bentham. In: O Panoptico. SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Belo horizonte:Autêntica, 2000, p. 120.34 “Os edifício s adaptados a esse uso devem ter um caráter particular, que dê, desde o início, a idéia deenclausuramento, de coação, eliminando qualquer esperança de fuga e como que dizendo: Eis aqui a moradado crime’. O cárcere perpétuo deverá ser pintado de negro. ‘Serão acrescentados diversos emblemas docrime. Um tigre, uma serpente, uma fuinha, representando os instintos malignos, constituiriam, certamente,uma decoração conveniente ... No interior, dois esqueletos, suspensos em ambos os lados de uma porta deferro, causariam um grande impressão, fazendo acreditar que essa é a terrível mora da morte’(BENTHAM,Théorie des peines ..., t. I, p. 148)”. PERROT, Michelle. O inspetor Bentham. In: O Panoptico. SILVA,Tomaz Tadeu (org.). Belo horizonte: Autêntica, 2000, p. 122.35 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder, 10ª edição. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p.211.

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Jeremy Bentham morreu sem ver a concretização de seus sonhos, pois os

edifícios panópticos mais puros somente foram concretizados no final do século XIX e

início do século XX. A França, país com governo revolucionário de defesa da igualdade,

liberdade e fraternidade de todos os indivíduos e que já o havia outorgado o título de

Cidadão Francês, é o primeiro local a implementá-lo de forma explícita.36

Bentham sugere a utilização de seu modelo para a vigilância da mão-de-

obra “livre” ou seja, aquela compostas por pessoas marginalizadas, que não estavam

situadas quer no sistema de servidão, quer no sistema corporativo, mas que se encontravam

vinculadas a uma localidade. Essas pessoas eram forçadas a prestar trabalhos à

comunidade em “oficinas de caridade”37, sob pena de serem condenadas por vadiagem e

prestar serviços forçados em piores condições nos “depósitos de mendicância”38. O modelo

do Panóptico é revolucionário na medida em que dispensa a coerção física freqüentemente

utilizadas no tratamento desses trabalhadores (como exemplo tém-se o relato de Max

36 PERROT, Michelle. O inspetor Bentham. In: O Panoptico. SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Belo horizonte:Autêntica, 2000, p. 135.No Brasil, inicia-se o debate do sistema carcerário logo após a abdicação de D. Pedro I. Planeja-se aconstrução de uma Casa de Correção, seguindo o modelo de Bentham. Cria-se uma comissão encarregada deapresentar um plano de casa de correção e trabalho, em 1831, cuja organização foi incumbida à SociedadeDefensora da Liberdade e Independência Nacional. A construção dessa prisão somente termina em 1850. Seumodelo se estende por todas as províncias do Império, ainda que subsista o modelo de escravidão, castigosfísicos e locais sem oficinas de trabalho (MOTTA, Manoel Barros da. Apresentação. In: FOUCAULT,Michel. Estratégia, poder-saber. MOTTA, Manoel Barros da (org). Rio de Janeiro: Forense Universitária,2003, p.p. XXXI/XXXIII).37 “A oficina de caridade, como certas oportunidades de trabalho preparadas no âmbito local pelas poor lawsinglesas, vias a um espectro mais amplo de indigentes excluídos do emprego e mesmo, em princípio, aoconjunto daqueles que não teriam podido encontrar um trabalho por seus próprios meios. Oportunidades detrabalho seriam, então, em princípio oferecidas pelo poder público”. Como as oportunidades eraminsuficientes, nesses trabalhos, os preços eram reduzidos e somente eram admitidos os mais necessitados.(CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário, 4ªedição. Petrópolis:Editora Vozes, 2003, p.185)38 “A obrigação aqui se torna pura repressão, e a referência que se manteve ao trabalho para produzir é umálibi ruim, como na workhouse inglesa, para práticas punitivas como mera intimidação”( CASTEL, Robert.As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário, 4ªedição. Petrópolis: Editora Vozes, 2003,p. 185).

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Weber de que “no século XVIII, trabalhadores eram acorrentados por coleiras de ferro nas

minas de Newcastle”).39

Michel Foucault resgata o panoptismo no trabalho sobre as sociedades

disciplinares, analisado na seqüência, e o revela como molde para a composição e

exercício do poder na fábrica desde o início da revolução industrial. Embora o panoptismo

peque pela ingenuidade em acreditar na força da vigilância como suficiente para a coerção

psicológica e indução à prática do bem pelas pessoas, ele é extremamente revolucionário

ao reconhecê-la como um dos instrumentos de poder. “A fórmula abstrata do Panoptismo

não é mais, então, ‘ver sem ser visto’, mas impor uma conduta qualquer a uma

multiplicidade humana qualquer”40 pela simples possibilidade de ser visto. Nesse

contexto, a simples imagem da torre central já serve como instrumento de poder, pois

como Bentham reconhece, não importa quem esteja no lugar do vigilante (e nem mesmo se

o vigilante está ali!). Essa imagem cumpre a mesma função das câmeras, instaladas em

pontos estratégicos da empresa, as quais ainda que desligadas ou não monitoradas (até

porque quem tem tempo para ver tantas imagens?) servem, segundo as empresas, para

prevenir furtos e vigiar o comportamento dos subordinados.

A apresentação do Panóptico, destacada no início do presente capítulo

sobre o controle na empresa, tem o condão de chamar a atenção para a necessidade de se

estudar o passado como forma de compreensão do presente e modulação do futuro. Como

nos ensina Anthony Giddens:

Devemos ser cuidadosos com o modo de entender a historicidade. Elapode ser definida como o uso do passado para ajudar a moldar o presente,mas não depende de um respeito pelo passado. Pelo contrário,

39 WEBER, Max. Historique economique. Apud CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social:uma crônica do salário, 4ªedição. Petrópolis: Editora Vozes, 2003, p. 207.40 DELEUZE, Gilles. 4ªedição. Petrópolis: Editora Vozes, 2003, p. 43, grifo no original.

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historicidade significa o conhecimento sobre o passado como um meio deromper com ele – ou ao menos, manter apenas o que pode ser justificadode uma maneira proba. A historicidade, na verdade, nos orientaprimeiramente para o futuro. O futuro é visto como essencialmenteaberto, embora como contrafatualmente condicional sobre linhas de açãoassumidas com possibilidades futuras em mente. 41

O distanciamento, obtido com o estudo de formas de controle antigas,

permite a análise crítica do presente e exige para a aceitação de dado comportamento que

ele seja justificável pelos princípios de nossa sociedade.

No estudo em apreço, ver-se-á como a racionalidade do Panoptico se

projetou na sociedade moderna e principalmente nos modelos de gestão empresarial a

partir do século XIX.Seguindo a trilha dos acontecimentos, com a atualização dos modelos

de controle social, passa-se então à análise das relações de poder desenvolvidas por Michel

Foucault em relação à sociedade disciplinar e por Gilles Deleuze no que se refere à

sociedade de controle, cujo trabalho é essencial para a visibilidade das possibilidades do

assédio moral coletivo na empresa.

2. O poder

Michel Foucault dedicou a sua vida ao estudo das relações de poder em

nossa sociedade, articulando-o às, por ele denominadas, experiências fundamentais: como

a loucura, a prisão, a sexualidade. Para ele, o poder constitui um componente necessário de

41 GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade, 2ª reimpressão. São Paulo: Editora

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toda ordem social. “É verdade, parece-me, que o poder ‘já está sempre ali’; que nunca

estamos ‘fora’, que não há ‘margens’ para a cambalhota daqueles que estão em ruptura”.42

Trata-se de uma ação relacional, da situação em que a ação de um indivíduo afeta as ações

de outro. Ele funciona e se exerce em rede, sem estar centralizado em um titular

determinado.“O poder não é nem uma estrutura, não é uma potência de que alguns seriam

dotados: é o nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade

determinada.”43 Para conhecer o poder, deve-se perguntar o que ocorre quando se exerce o

poder? Para que serve? E não, quem o possui ou o que ele é?

Foucault se preocupa com a inter-relação entre poder/saber,

poder/verdade.

Produz-se verdade. Essas produções de verdades não podem serdissociadas do poder e dos mecanismos de poder, ao mesmo tempoporque esses mecanismos de poder tornam possíveis, induzem essasproduções de verdades, e porque essas produções de verdade têm elaspróprias, efeitos de poder que nos unem, nos atam.44

Essa força não se expressa apenas pela repressão; há também forças

construtivas de ação.

O que faz com que o poder se firme, que seja aceito é simplesmente quenão age apenas como uma força que diz não, mas também que de fato aatravessa e produz coisas, induz prazer, forma saber, produz discursos; épreciso considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corposocial mais do que uma instância negativa com função repressora.45

UNESP,1991, p. 56.42 FOUCAULT, Michel. Estratégia, poder-saber. MOTTA, Manoel Barros da (org). Rio de Janeiro:Forense Universitária, 2003, p. 248.43 FOUCAULT, Michel. apud MOTTA, Manoel Barros da. Apresentação. In: Estratégia, poder-saber.MOTTA, Manoel Barros da (org). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. XII.44 FOUCAULT, Michel. Estratégia, poder-saber. MOTTA, Manoel Barros da (org). Rio de Janeiro:Forense Universitária, 2003, p. 229.45 Lo que hace que el poder agarre, que se le acepte, es simplemente que no pesa solamente como una fuerzaque dice no, sino que de hecho la atraviesa, produce cosas, induce placer, forma saber, produce discursos; espreciso considerarlo como una red productiva que atraviesa todo el cuerpo social, más que como unainstancia negativa que tiene función reprimir. (FOUCAULT, Michel. Apud HERRAN, Eric. El poder deFoucault: una miniatura, p. 240, tradução livre. Disponível em

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O exercício do poder pressupõe a liberdade das pessoas envolvidas,

sejam sujeitos individuais ou coletivos. Sendo uma relação de força, ele traz em si o

enfrentamento e a resistência. Sempre haverá a possibilidade de reversibilidade da

situação. Esta a razão pela qual o poder tenta se “manter com tanto mais força, tanto mais

astúcia quanto maior for a resistência.”46 Se a liberdade entre as partes envolvidas for

assimétrica, a liberdade fica limitada, fomando-se uma relação de dominação.

Entretanto, como destaca Michel Foucault, “o poder não é onipotente,

onisciente, ao contrário!” [...] ele “sempre foi impotente”,47 o que justifica o

desenvolvimento de tantas formas de inquirição, modelos de saber, sistemas de controle e

vigilância. O exercício do poder vem se aprimorando pela inserção de diversos

instrumentos, utilizados concomitantemente, e pela conjugação de diversos modelos,

pensados para situações diferentes e até contraditórias, sobre uma mesma realidade, os

quais se perpetuam e encontram espaço na empresa contemporânea. A tecnologia do

Panoptico então é associada a outros mecanismos de controle para seu melhor êxito. No

trabalho sobre a sociedade disciplinar, Foucault explicita e observa outros modelos e

mecanismos de poder vigente nas relações humanas do século XVIII, cuja análise passar-

se-á a seguir.

<http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/doxa/12471733212570739987891/isonomia10/isonomia10_14.pdf> . Acesso em 07.03.2005. Tradução nossa.)46 FOUCAULT, Michel. Estratégia, poder-saber. MOTTA, Manoel Barros da (org).Rio de Janeiro: ForenseUniversitária, 2003, p. 232.

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2.1. A sobreposição de modelos de exercício de poder do século XVIII

A sucessão de um modelo social por outro não resulta necessariamente

no abandono das antigas fórmulas de exercício de poder, mas a sua adaptação e

incorporação de maneira a incrementar ainda mais a sua eficácia conforme a racionalidade

vigente no novo modelo. Essa situação é bastante clara na descrição de Michel Foucault a

respeito da sobreposição dos poderes exercidos na sociedade disciplinar sobre

estabelecimentos sociais pensados na antiga sociedade de soberania48 e na influência do

poder exercido nesse modelo social sobre as sociedades disciplinares. Sua conclusão é

extraída do estudo dos procedimentos de combate de duas doenças com manifestações e

conseqüências diferentes: a lepra e a peste. Antes completamente dissociados, esses

modelos são posteriormente fundidos nos espaços sociais da sociedade disciplinar,

expressando maior eficiência e aprofundamento do controle social sobre os indivíduos.

Este estudioso começa pela análise das diferenças encontradas no

tratamento das epidemias mencionadas. Em face de uma epidemia de lepra, de contágio

por contato e sobrevida prolongada do doente, a providência adotada era a exclusão social

dos infectados, com o seu confinamento em locais pré-determinados, fora dos muros da

cidade. Essa medida era suficiente para se alcançar o intuito geral de purificação social e

estancar a proliferação da doença. Já, em face da epidemia de peste, doença fatal em curto

prazo e de fácil contágio pelo contato com pessoas e objetos, lançava-se mão de

procedimentos disciplinares para organizar e controlar a vida nas cidades. As cidades eram

47 FOUCAULT, Michel. Estratégia, poder-saber. MOTTA, Manoel Barros da (org).Rio de Janeiro: ForenseUniversitária, 2003, p. 274.48 Na sociedade soberana o poder se expressa pela manifestação pública do exercício do direito de vida emorte do soberano mediante suplícios e castigos públicos.

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divididas em áreas e para cada área delimitada, havia um síndico. Cabia ao síndico a

identificação dos moradores, sem qualquer exceção (nome, sexo, idade), e a chamada

individual diária dos habitantes em cada moradia, os quais deveriam se apresentar

pessoalmente à janela para atestar sua saúde e vitalidade. Toda a sua atividade era

registrada em relatórios enviados aos intendentes e magistrados, que continham tudo:

óbitos, doenças, reclamações. Para cada área havia um médico designado. Porém nem os

médicos, tampouco os confessores, farmacêuticos, podiam atender os doentes sem

autorização dos intendentes e magistrados. Cerca de cinco dias após o início da quarentena,

a casa era esvaziada e purificada para que seus moradores pudessem retornar e ali ficar

confinados e vigiados até o final.

Essas metodologias, antes opostas, foram associadas posteriormente

e aos poucos o método disciplinar também passa a ser aplicado em espaços de exclusão,

como hospitais, asilos, penitenciárias, casas de correção, entre outros. O controle

individual é estabelecido de um modo duplo: divisão binária e marcação (louco/não-louco,

perigoso/inofensivo) e determinação coercitiva e repartição diferencial (quem é, onde deve

ficar, como vigiá-lo). Como diz Foucault:

De um lado, “pestilentam-se” os leprosos, impõem-se aos excluídos atática das disciplinas individualizantes; e de outro lado a universalidadedos controles disciplinares permite marcar quem é “leproso” e fazerfuncionar contra ele os mecanismos dualistas da exclusão. A divisãoconstante do normal e do anormal, a que todo indivíduo é submetido, levaaté nós, e aplicando-os a objetos totalmente diversos, a marcação bináriae o exílio dos leprosos; a tarefa medir, controlar e corrigir os anormais,faz funcionar os dispositivos disciplinares que o medo da peste chamava.Todos os mecanismos de poder que, ainda em nossos dias, são dispostosem torno do anormal, para marcá-lo como para modifica-lo, compõemessas duas formas de que longinquamente derivam.49

49 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 29ª edição. Petrópolis: EditoraVozes. 2004p. 165.

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2.2. O estabelecimento disciplinar

No livro Vigiar e Punir, Michel Foucault analisa particularmente o

funcionamento das relações de poder em estabelecimentos disciplinares, o qual se revela

em diversos espaços sociais, como as escolas, as forças armadas, os hospitais, as fábricas e

as prisões da sociedade do século XVIII, cenário de formação da sociedade disciplinar.

Nesses estabelecimentos, a vigilância sempre se apresenta como valioso instrumento

disciplinar. Ela se exerce sobre os corpos dos indivíduos a ela submetidos e tem como

finalidade a sua modelagem, mediante o controle e correção, para propiciar a inserção

social útil e produtiva. Nesses espaços o interesse tem seu foco central fixado na pessoa do

indivíduo submetido, deixando à sombra a motivação para a sua submissão (aprendizagem,

trabalho, expiação, saúde). Essa mudança de enfoque é sentida inclusive nos

estabelecimentos carcerários, pois a pena abandona a relação direta com o ato criminoso

praticado e se dirige para a figura do criminoso, que passa a ser constantemente estudado.

O estudo dos desvios do indivíduo, inspirado na análise dos criminosos, se estende a todo o

corpo social50 e desprende-se de qualquer finalidade específica, afinal o objetivo

primordial é sempre a moralização da pessoa.

50 “À medida que o crime vai sendo progressivamente interpretado em função da personalidade, caráter eestado mental, vamo-nos gradualmente preocupando com as potencialidades de desvio existentes entreaqueles que ainda não transgrediram a ordem legal, mas que poderão fazê-lo. Verifica-se, então, umatransferência da aplicação de sanções penais para a investigação e tratamento da personalidade, e acorrelativa transferência da execução das normas legais para o tratamento da comunidade e respectivas fontesde delinquência.” (PHILIP, Mark. Michel Foucault. In: As ciências humanas e os seus grandes pensadores.Portugal: Publicações Dom Quixote, 1992, p. 96.)

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Foucault ressalta a identidade do poder disciplinar exercido nesses

organismos:

Creio que é no fundo a estrutura de poder própria destas instituições que éexatamente a mesma. E verdadeiramente, não se pode dizer que hajaanalogia, há identidade. É o mesmo tipo de poder, exerce-se o mesmopoder. E está claro que este poder, que obedece à mesma estratégia, nãopersegue ao final o mesmo objetivo.51

As sociedades disciplinares têm como finalidade o adestramento dos

homens e a sua transformação em corpos dóceis e alienados, portanto, mudos. Elas se

utilizam de instrumentos tecnológicos, como a racionalização do espaço, das atividades e

do tempo, com o fim de obter um aparelho eficiente.

Este novo mecanismo de poder apóia-se mais nos corpos e seus atos doque na terra e seus produtos. É um mecanismo que permite extrair doscorpos tempo e trabalho mais do que bens e riqueza. É um tipo de poderque se exerce continuamente através da vigilância e nãodescontinuamente por meio de sistemas de taxas e obrigações distribuídasno tempo; que supõe mais um sistema minucioso de coerções materiaisdo que a existência física de um soberano. Finalmente, ele se apóia noprincípio, que representa uma nova economia do poder, segundo o qual sedeve propiciar simultaneamente o crescimento das forças dominadas e oaumento da força e da eficácia de quem as domina.52

O espaço, em primeiro lugar, é delimitado e os indivíduos a ele

subordinados são cercados. Em seguida, há a sua divisão segundo critérios especializados

de identificação ou de atividade. Cada indivíduo tem o seu lugar definido conforme sua

função. Em cada lugar tem um indivíduo, de modo a facilitar o controle sobre sua presença

ou ausência e sobre sua atividade. A unidade se estabelece pela posição na fila, a qual é

obtida pela classificação do indivíduo no sistema, e não pelo território (unidade de

dominação) ou o local (unidade de residência).

51 Creo que es en el fondo la estructura de poder propria de estas instituciones la que es exactamente lamisma. Y verdaderamente, no se puede decir que haya analogía, hay identidad. Es el mismo tipo de poder, seejerce el mismo poder. Y está claro que este poder, que obedece a la misma estrategia, no persigue en último

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A atividade é controlada pelo horário e pela garantia do tempo

empregado: “controle ininterrupto, pressão dos fiscais, anulação de tudo o que possa

perturbar e distrair”53. O tempo deve ser realmente útil de maneira que há a elaboração

temporal do ato em si. Para cada movimento é determinada a posição do corpo e dos

membros, sua amplitude, duração e ordem de sucessão. Deve-se buscar a melhor relação

entre um gesto e a atitude global do corpo para se obter melhor condição de eficácia e

rapidez. Há cuidadosa harmonia entre o corpo e o objeto que ele manipula. Estabelece-se

um laço coercitivo com o próprio aparelho de produção. Por fim, há a utilização exaustiva

do tempo, com a sua utilização teoricamente sempre crescente: “importa extrair do tempo

sempre mais instantes disponíveis e de cada instante sempre mais forças úteis”. 54

O efeito da força produtiva deve ser superior à soma das forças que a

compõe. O corpo singular é um elemento a ser articulado com os demais, como uma peça

de uma máquina. O tempo de uns deve se ajustar ao tempo dos outros. Para tanto, faz-se

necessário um sistema preciso de comando. Dessa maneira, teremos a perfeita composição

das forças.

Em resumo, pode-se dizer que a disciplina produz, a partir dos corpos quecontrola, quatro tipos de individualidade, ou antes uma individualidadedotada de quatro características: é celular (pelo jogo da repartiçãoespacial), é orgânica (pela codificação das atividades), é genética (pelaacumulação do tempo) é combinatória (pela composição das forças).55

A função precípua do poder disciplinar não é a apropriação de um bem

ou de um sujeito, mas o adestramento do indivíduo para retirar e apropriar ainda mais e

término el mismo objetivo. FOUCAULT, Michel. Un dialogo sobre el poder y otras conversaciones.Madrid: Alianza Editoriales. 1981, p. 65, tradução nossa.52 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 10ª edição. Rio de Janeiro: Edições Graal. 1979, p. 187/188.53 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 29ª edição. Petrópolis: EditoraVozes. 2004, p. 128.54 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 29ª edição. Petrópolis: EditoraVozes. 2004, p. 131.

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melhor. O sucesso desse empreendimento se estabelece, segundo Foucault, por meio do

uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e, a sua

combinação, o exame.

2.2.1. O olhar hierárquico

No estudo do funcionamento das relações de poder, Foucault destaca

inicialmente a modificação da arquitetura dos edifícios do século XVIII em busca de maior

funcionalidade, que se expressa na própria moradia dos operários, subdividida a partir de

então em diversos cômodos: cozinha/sala de jantar, quarto do casal e quarto das crianças.

O estudo da arquitetura dos prédios voltados à normalização ressalta a sua preocupação na

utilização do olhar, da constante vigilância, como um dos instrumentos de poder: o

panoptismo.

No panopticon, cada um, de acordo com seu lugar, é vigiado por todos oupor alguns outros; trata-se de um aparelho de desconfiança total ecirculante, pois não existe ponto absoluto. A perfeição da vigilância éuma soma de malevolências.56

Foucault, ao estudar os problemas da penalidade e reorganização das

prisões, percebe a repetição no espaço carcerário da arquitetura encontrada nos hospitais

do mesmo período. No hospital, estabelece-se a divisão das áreas para isolar os indivíduos

55 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 29ª edição. Petrópolis: EditoraVozes. 2004, p. 141.56 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 10ª edição. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. 220.

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e sua abertura de maneira a permitir a ventilação e a vigilância global e individualizada de

cada paciente. Os projetos carcerários da época ali encontram inspiração e os idealizadores

da reforma carcerária fazem referência explícita ao modelo de Bentham, cujo objetivo

principal é dissuadir o indivíduo à prática do mal. A constante vigilância resultaria não

apenas na perda da capacidade de fazer o mal como de querê-lo. Como resume Michelle

Perrot: “não poder e não querer”.57

Voltando a atenção para a fábrica, Foucault destaca a adaptação do olhar

disciplinar para um modelo piramidal porque, dessa maneira, atende-se melhor a duas

exigências: a organização é completa, formando uma rede sem lacunas, e é bastante

discreta. Com isso, o poder de vigilância fabril se torna permanente, intenso e contínuo ao

longo de todo o processo produtivo e se mantém discreto porque se expressa de forma

silenciosa. Quanto maior a complexidade da fábrica e do número de operários necessários,

maior a necessidade de especialização dessa função, com a criação de um corpo de

operários específico. Embora exista um ápice, este não é a fonte de origem de todo o

poder, pois o ápice e a base estão em íntima relação de apoio e de condicionamento

recíprocos. O poder se exerce não apenas sobre a produção, mas também sobre os homens,

suas atividades, conhecimento técnico, forma de execução do trabalho e comportamento.

“A vigilância torna-se um operador econômico decisivo, na medida em que é ao mesmo

tempo uma peça interna no aparelho de produção e uma engrenagem específica do poder

disciplinar.”58

57 PERROT, Michelle. apud FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 10ª edição. Rio de Janeiro:Edições Graal. 1979, p. 217.58 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 29ª edição. Petrópolis: EditoraVozes. 2004, p.147.

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2.2.2. Sanção normalizadora

Segundo Michel Foucault, em todas as sociedades disciplinares há

um pequeno mecanismo penal. Essas organizações possuem leis e delitos próprios, com

formas particulares de sanção e julgamento. Aquelas ações deixadas de lado pelos grandes

sistemas normativos, por sua irrelevância, são aqui qualificadas e reprimidas.

Na oficina, na escola, no exército funciona como repressora toda umamicropenalidade do tempo (atrasos, ausências, interrupções das tarefas),da atividade (desatenção, negligência, falta de zelo), do corpo (atitudes“incorretas”, gestos não conformes, sujeira), da sexualidade (imodéstia,indecência). Ao mesmo tempo é utilizada, a título de punição, toda umasérie de processos sutis, que vão do castigo físico leve a privações ligeirase a pequenas humilhações. Trata-se ao mesmo tempo de tornarpenalizáveis as frações mais tênues da conduta, e de dar uma funçãopunitiva aos elementos aparentemente indiferentes do aparelhodisciplinar: levando ao extremo, que tudo possa servir para punir amínima coisa; que cada indivíduo se encontre preso numa universalidadepunível – punidora.59

A punição tem como meta precípua a redução dos desvios

regulamentares ou naturais60, de modo a atingir a normalização do indivíduo. Como seu

objetivo é a “correção” do indivíduo, a punição muitas vezes tem a mesma natureza da

obrigação negligenciada: “ela é menos a vingança da lei ultrajada que sua repetição, sua

insistência redobrada”61, ou seja, o exercício, aprendizado multiplicado ou repetição à

exaustão da atividade desviada.

59 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 29ª edição. Petrópolis: EditoraVozes. 2004, p. 149.60 Segundo Foucault, a punição em regime disciplinar comporta uma dupla referência jurídico-natural. Éjurídica na medida em que os castigos visam ao respeito de uma lei, um programa ou regulamento. É natural,quando objetiva a adequação a uma ordem aferível por processos naturais e observáveis, tais como, a duraçãode um aprendizado, o tempo de um exercício, entre outros.61 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 29ª edição. Petrópolis: EditoraVozes. 2004, p. 150.

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A disciplina utiliza a punição como um elemento do duplo sistema

de gratificação-sanção. Por esse artifício, estabelece-se a qualificação e quantificação dos

comportamentos individuais segundo os valores do bem e do mal e obtém-se a

diferenciação não apenas dos atos valorados, mas dos próprios indivíduos, permitindo uma

hierarquização entre os bons e os maus. A diferenciação é explicitada a todos: a

recompensa se expressa por intermédio das promoções, enquanto a punição pode ser feita

pelo rebaixamento ou degradação da pessoa. A punição no poder disciplinar é bastante

distinta da punição legal, como vemos pela descrição que Foucault faz das duas situações:

[...] a arte de punir, no regime do poder disciplinar, não visa nem aexpiação, nem mesmo exatamente a repressão. Põe em funcionamentocinco operações bem distintas: relacionar os atos, os desempenhos, oscomportamentos singulares a um conjunto, que é ao mesmo tempo campode comparação, espaço de diferenciação e princípio de uma regra aseguir. Diferenciar os indivíduos em relação uns aos outros e em funçãodessa regra de conjunto – que se deve fazer funcionar como base mínima,como média a respeitar ou como o ótimo de que se deve chegar perto.Medir em termos quantitativos e hierarquizar em termos de valor ascapacidades, o nível, a “natureza” dos indivíduos. Fazer funcionar,através dessa medida “valorizadora”, a coação de uma conformidade arealizar. Enfim, traçar o limite que definirá a diferença em relação a todasas diferenças, a fronteira externa do anormal [...].

Opõe-se então termo por termo a uma penalidade judiciária que tem afunção essencial de tomar por referência, não um conjunto de fenômenosobserváveis, mas um corpo de leis e de textos que é preciso memorizar;não diferenciar indivíduos, mas especificar atos num certo número decategorias gerais; não hierarquizar mas fazer funcionar pura esimlesmente a oposição binária do permitido e do proibido; nãohomogeneizar, mas realizar a partilha, adquirida de uma vez por todas, dacondenação62.

62 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 29ª edição. Petrópolis: EditoraVozes. 2004, p. 152/ 153. A visão do direito expressa por Foucault está assentada no paradigma de Estado deDireito. O presente estudo se baseia nos ensinamentos de Ronald Dworkin que se dirigem a umposicionamento diretamente contrário à visão do direito como um conjunto abstrato de regras a ser aplicadosem qualquer consideração às circunstâncias fáticas que o envolvem. Para maior aprofundamento ver ocapítulo 3.

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Desse modo, conclui Foucault, o observador não pode se deixar iludir

pela reprodução de um pequeno tribunal nos estabelecimentos disciplinares porque as

disciplinas possuem um sistema punitivo diverso. A sanção normalizadora obriga à

homogeneidade ao mesmo tempo em que individualiza e permite medir os desvios,

diferenças e especialidades. A repercussão do sistema gratificação-sanção transcende o

indivíduo com ela agraciado ou punido e atinge a toda comunidade por meio do exemplo.

2.2.3. O exame

O exame, como instrumento de controle normalizante, combina as

técnicas da hierarquia vigilante e as da sanção normalizadora. Nele encontra-se a

superposição das relações de poder e de saber.

É por isso que, em todos os dispositivos de disciplina, o exame éaltamente ritualizado. Nele vêm-se reunir a cerimônia do poder e a formada experiência, a demonstração da força e o estabelecimento daverdade.63

Ele permite a sanção sobre o indivíduo avaliado e simultaneamente um

conhecimento ao avaliador desse mesmo indivíduo. O exame inverte a ordem de

visibilidade encontrada antes na sociedade de soberania, em que o poder monárquico se

exercia pela exposição do soberano por meio da manifestação de força dos suplícios e

63 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 29ª edição. Petrópolis: EditoraVozes. 2004, p. 154.

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trabalhos forçados externos.64 O poder disciplinar se exerce de forma invisível e em

contrapartida torna o indivíduo analisado visível.

A observação hierárquica é o elemento central do exame. Seu objetivo étornar a vigilância parte integrante da produção e do controle. O ato devigiar e ser vigiado será o principal meio pelo qual os indivíduos sãoreunidos no espaço disciplinar. O controle dos corpos depende de umaótica do poder. O primeiro modelo deste controle pela vigilância, daeficácia pelo olhar, da ordenação pela estrutura espacial, foi o campomilitar.65

Com a inversão da visibilidade na disciplina, será possível o

exercício do poder até os níveis mais baixos. O indivíduo é submetido ao poder por

intermédio de exames e do olhar do vigia, com o registro da observação. A documentação

permite a expressão da singularidade do indivíduo como um todo e igualmente a sua

classificação e identificação dentro de uma ordem coletiva. Assim, “o dossie substitui a

epopéia”66, pois esta transcrição “das existências reais não é mais um processo de

heroificação; funciona como processo de objetivação e de sujeição.”67

2.3 – A sociedade de controle

64 A primeira parte do livro Vigiar e Punir (Suplício) explana bem essa realidade, seus desgastes e os meiosde resistências.65FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. apud DREYFUS, Hubert. RABINOW, Paul. Michel Foucault, umatrajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: ForenseUniversitária, 1995, p. 173.66 DREYFUS, Hubert. RABINOW, Paul. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além doestruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 176.67 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 29ª edição. Petrópolis: EditoraVozes. 2004, p. 159.

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Nos dias atuais o desenvolvimento da tecnologia da informática e das

comunicações faz surgir um novo modelo de sociedade e de exercício de poder, o qual é

denominada sociedade de controle68. Dessa forma, o panoptismo e os instrumentos da

sociedade disciplinar modificam-se para incorporar essa nova realidade à sua prática,

propiciando a sua perpetuação sob modalidades ainda mais aperfeiçoadas, sofisticadas,

contínuas e difusas. Esse modelo social, iniciado no alvorecer do século XX, distingue-se

da sociedade disciplinar por diversos aspectos, acentuando Gilles Deleuze, porém, que a

sua expressão mais visível é a crise da delimitação dos espaços de funcionamento:

Os confinamentos são moldes, distintas moldagens, mas os controles sãouma modulação, como uma moldagem auto-deformante que mudassecontinuamente, a cada instante, ou como uma peneira cujas malhasmudassem de um ponto a outro.69

O desenvolvimento da microeletrônica e das telecomunicações dispensa

a arquitetura do Panóptico e a própria necessidade de reunião dos trabalhadores em um

edifício comum, permitindo a vigilância à distância, inclusive no próprio domicílio do

operário. O controle se faz pela rede interna ou internacional de computadores, pelo

correio eletrônico, por meio de câmeras e pelos dados obtidos na realização da própria

atividade, os quais ficam registrados no software do processo produtivo, e principalmente

pela forma de gestão e participação da mão-de-obra. O operário em face das rapidez do

desenvolvimento tecnológico é instigado à constante formação e aperfeiçoamento de sua

prática laboral, sob pena de perder a sua empregabilidade ou competência70. Quando antes

na sociedade disciplinar sempre se estava iniciando um processo dentro de cada

estabelecimento disciplinar, passando-se de um a outro (da casa à escola, da escola à

caserna, da caserna à fábrica, eventualmente ao hospital ou à prisão), agora, na sociedade

68 “ ‘Controle’ é o nome que Burroughs [William Seward Burroughs - 1914-1997] propõe para designar onovo mostro, [...]”.DELEUZE, Gilles. Conversações: 1972-1990. São Paulo: Editora 34, 2000, p. 220.69 DELEUZE, Gilles. Conversações: 1972-1990. São Paulo: Editora 34, 2000, p. 221.70 Para o conceito de empregabilidade e competência ver notas 101 e 102.

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de controle, jamais se termina qualquer coisa: “modula-se e remodula permanentemente,

tanto o conteúdo do trabalho como as metas ou as aquisições cognitivas do indivíduo.”71 O

exame é substituído pelo controle continuado e a escola pela “formação permanente”.

Enquanto a sociedade disciplinar estava marcada pelo capitalismo de

concentração, dirigido para produção de bens e baseado na propriedade, a sociedade que a

segue encontra um capitalismo disperso, voltado para a produção de serviços e mais

interessado na especulação financeira, embasado no dólar como moeda-reserva mundial

(conforme o acordo de Bretton Woods - 1944)72.

O marketing é agora o instrumento de controle social, e forma a raçaimpudente de nossos senhores. O controle é de curto prazo e de rotaçãorápida, mas também contínuo e ilimitado, ao passo que a disciplina era delonga duração, infinita e descontínua. O homem não é mais o homemconfinado, mas o homem endividado.73

A mudança mencionada se reflete nas organizações de trabalho e nas

formas de vinculação do trabalhador (sua remuneração, formação, resistência e

engajamento subjetivo do operário), como será explicitado no estudo dos modelos de

gestão empresarial contemporâneos, sem retirar, contudo, a importância da análise dos

instrumentos disciplinares mencionados que povoam as relações de trabalho sob novas

roupagens.

3. Os modelos de gestão empresarial

71 ZARIFIAN, Philippe. Engajamento subjetivo, disciplina e controle. In: Novos estudos Cebrap. Nº 64,nov. 2002, p.24.

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O desenvolvimento tecnológico em larga escala somente foi possível

mediante a ampla utilização de estabelecimentos disciplinares. Por meio deles, o homem

chegou a um nível de conforto, de velocidade de informação e deslocamento, e a uma

amplitude de ação para além de seus limites físicos, situações antes descritas apenas em

obras de ficção científica, reforçando o aspecto produtivo do poder na construção de

objetos, conhecimento e prazer, como observou Foucault. Contudo, todo esse

conhecimento nem sempre resulta em benefícios coletivos. As repercussões sociais

negativas são claramente perceptíveis: segundo relatório da ONU divulgado em 25.8.2005,

“os 20% da população mundial que vivem nos países desenvolvidos controlam 80% das

riquezas do planeta” e “os cinco bilhões que estão em países subdesenvolvidos dividem –

mal – os 20% restantes”.74 Do mesmo modo, a destruição da natureza atinge patamares

críticos e resulta na extinção de espécies animais, no aquecimento global e escassez das

águas.

Nas empresas produtivas há o mesmo paradoxo em torno do

desenvolvimento tecnológico. A automação é crescente, permitindo a racionalização da

atividade do indivíduo e facilitando o seu trabalho, bem como propiciando um melhor

controle da qualidade e do desperdício. Porém, essa mesma tecnologia informática

consome postos de trabalho, incrementa a velocidade da fábrica retirando o trabalhador do

controle do ritmo da produção, e se revela um instrumento essencial na expropriação do

trabalhador quanto ao único bem que possui: o conhecimento sobre o seu trabalho. Longe

de minimizar os instrumentos de controle, a automação aprimorou-os e dispersou-os em

72 HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural, 14ªedição. São Paulo: Loyola, 2005, p. 131.73 DELEUZE, Gilles. Conversações: 1972-1990. São Paulo: Editora 34, 2000, p.224.

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todos os lugares, gerando o emprisionamento de toda sociedade75. Exercer o controle do

indivíduo, em todas as suas formas de expressão (atividade, produção, comportamento,

conhecimento), de maneira a obter o seu pleno ajustamento aos objetivos da fábrica, com o

mínimo de perda; conseguir a sincronia perfeita nas atividades do grupo e simultaneamente

isolar cada indivíduo com o fito de afastar qualquer possibilidade de laços horizontais de

solidariedade; incrementar o ritmo da produção, otimizando o tempo; são sem dúvida

alguns dos sonhos do administrador moderno. Porém o panoptismo (corpos dóceis e

mudos) hoje é apenas a superfície do ideal da empresa, a empresa quer mais, quer a alma, o

sono do trabalhador, o seu total engajamento no processo produtivo como se fosse o

próprio dono do negócio, pois, diante de um trabalhador integrado e reconhecido

socialmente, o paternalismo empresarial é insuficiente para cooptar seu consentimento e

dedicação. O trabalhador é instigado a produzir em grupo sem contudo formar laços de

solidariedade, como veremos, dedicando-se à produção como se fosse o bem maior de sua

vida. A evolução dos modelos de gestão e organização empresarial76 vigentes no final do

século XIX e durante o século XX retratam de forma visível esse objetivo.

A primeiras manufaturas e fábricas instituiram métodos empíricos de

gestão de pessoal, dispondo como instrumentos de controle de alguns poucos supervisores,

principalmente situados nas portas ao estabelecimento, para o controle do uso do material e

da qualidade do produto produzido. Os trabalhadores com domínio de ofícios mais

74 Abismo social aumentou na maior parte do mundo, diz estudo da ONU. Folha de São Paulo.26.8.2005, f. A 18.75 Agora não é mais a fábrica, a escola ou o hospital que se parece com a prisão. Toda a sociedade se parececom ela. Só na cidade de Nova Iorque são mais de 10.000 câmeras, cujo número é ínfimo se comparado àLondres que possui 10.000 câmeras apenas em seu centro financeiro (LORT, Robert. A Scouts Guide toSurveillance Cameras in New York. Disponível em <http://www.retortmag.com/content/id_articles_nyscp.htm>. Acesso em 19.07.2005). É o controle de todoscontra todos.76 As informações pertinentes aos modelos aqui estudados foram, em regra, retirados da obra HELOANI,José Roberto. Gestão e organização no capitalismo globalizado: história da manipulação psicológica nomundo do trabalho. São Paulo: Editora Atlas, 2003. A contextualização dos vários modelos pode ser

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qualificados controlavam o ritmo da sua produção, interrompendo o trabalho quando lhe

apetece, e, em alguns casos ditavam o preço de seu serviço. Porém, a grande questão dos

empregadores se volta contra a preguiça dos operários. “Como fazê-los trabalhar?”,

indagam os empregadores da época. Claude-Lucien Bergery no terceiro volume de sua

obra Economie industrille ou science de l’industria, publicada no período de 1829 a1831,

preconiza a “limpeza, silêncio, submissão e sobretudo pontualidade: ele recomenda da

demissão dos ‘desocupados da Segunda-feira’, essa ‘praga da indústria nacional’.77 Os

empregadores buscam vencer a resistência operária com a aquisição de máquinas. A reação

dos proletários e trabalhadores foi imediata por meio da inércia dentro da fábrica, cujo

resultado foram produtos de baixa qualidade e alto custo, e, fora dela, por meio de

petições, cartazes e mesmo interdições solicitadas junto aos poderes públicos a fim de que

garantissem os postos de trabalho. Diante da inércia governamental, os trabalhadores

(mulheres e crianças) optam pela destruição das máquinas (luddismo) ou por sua apreensão

temporária (luddismo simbólico), chegando mesmo a incendiar todo o complexo fabril.

O luddismo propriamente dito, onde é a própria máquina que está emjogo, reduz-se em si a pouca coisa. [...]. O luddismo é mais importanteem 1848, quando assume feições particularmente graves, à imagem daduração da crise e da esperança despertada pela nova República. EmLyon, Saint-Etienne, Reims, Elbeuf, Romilly, Lodève ..., ardem asfábricas.78

Em 1911, após anos de pesquisas em estabelecimentos fabris, Taylor

lança o livro The principles of scientific management. Influenciado pelo positivismo de

Augusto Comte e a visão científica da época, ele estabelece leis universais para

organização das atividades dos trabalhadores braçais, como por exemplo a “lei da

aprofundada na obra de HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens damudança cultural. São Paulo: Loyola, 1992.77 PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros, 3ª edição. São Paulo:Paz e Terra, 2001, p. 65.78 PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros, 3ª edição. São Paulo:Paz e Terra, 2001, p. 37.

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fadiga”79. Todos os gestos dos trabalhadores são cronometrados, registrados, analisados. A

finalidade é conseguir a maior produção, comprometendo ao mínimo a saúde do

trabalhador. As inovações desse modelo são principalmente duas: a instituição da figura do

cronometrista e a remuneração por peça, as quais quebram a autonomia do trabalhador e

instigam a produção a atingir o ganho mínimo necessário.

Em reforço às diversas técnicas científicas de produção, Taylor

apresenta, como discurso para manipulação subjetiva, a finalidade comum do capital e

trabalho, ou seja, a prosperidade. Como os sujeitos da relação de trabalho se fortalecem

com a cooperação mútua, justifica-se então a intensificação do uso de instrumentos de

controle disciplinar.

Essa retórica da prosperidade prolonga-se então para a produção. Dessaforma, a cooperação converte-se em eficiência e aperfeiçoamentopessoal, e os mecanismos disciplinares começam a ganhar importância, jáque para aumentar a eficiência, faz-se mister o aumento do ritmo detrabalho do operário, de acordo com suas habilidades. Tal fato trazembutidas a organização de uma instância classificadora das habilidadese potencialidades de cada operário e a organização de um corpo de saberpara articular essas potencialidades individuais com o ritmo quemaximize de fato a produção. 80

Em virtude da necessidade de expropriação do conhecimento do próprio

operário para o incremento da produção, Taylor preconiza um sistema de prêmios e

recompensas financeiras para os trabalhadores mais eficientes. Todo o conhecimento é

armazenado e consolidado no departamento de planejamento de organização de tarefas ou

trabalho, o qual é responsável também pela seleção dos candidatos a emprego. Esses

procedimentos caracterizam a administração científica, em que a responsabilidade pela

forma de execução do trabalho é transferida completamente do trabalhador para a direção

79 A lei da fadiga defende uma vinculação inversa entre a carga suspensa e o período de tempo em que ésustentada.80 HELOANI, José Roberto. Gestão e organização no capitalismo globalizado: história da manipulaçãopsicológica no mundo do trabalho. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 31.

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da empresa, com a estrita separação entre o planejamento e organização do trabalho e sua

execução. Nesse modelo dispensa-se o envolvimento direto dos trabalhadores com a

produção. A vigilância e avaliação de cada operário se fazia presencial e diretamente pelos

supervisores e cronometristas.

Embora ele se revele como um aprimoramento do estabelecimento

disciplinar ao concentrar sua atenção sobre os corpos dos operários, desconsidera a fadiga

mental do trabalho e a sua desqualificação profissional (uma vez que este domina apenas

parcialmente o processo produtivo). Crescem então os movimentos coletivos, que são

duramente reprimidos por leis81 e pelo uso de força policial pública e privada. Michelle

Perrot destaca o aumento da contestação coletiva da disciplina no início do século XX na

França:

Em 1907, por exemplo, os regulamentos e multas estão no centro de 78greves, que mobilizam mais de 20.000 grevistas em 277 fábricas. Nasempresas da região lionesa, descritas por Yves Lequin, os incidentes comos agentes de fiscalização ou vigilância (porteiros, verificadores) semultiplicam; os operários se revoltam contra os chefetes, exigem aretirada das divisas morais pregadas nas paredes das oficinas, não tolerammais palavras ferinas e a arbitrariedade, exigem tratamento comdignidade.82

Não obstante o sistema taylorista tenha sido proibido nas repartições

públicas americanas entre 1912 e 1915, ele foi amplamente aplicado nas fábricas de

armamento e aviação francesas durante a I Guerra Mundial, ocasião em que as discussões

sobre a condições de trabalho sucumbiam diante da urgente necessidade de se produzir em

larga escala. A sua implementação facilitou e foi facilitada pela utilização de mão-de-obra

81 O governo federal norte-americano aplica uma lei antitruste – Sherman Antitrust Act - para impedir omovimento paredista operário realizado Chicago, em 1894, que justificou o uso de tropas federais para ocombate à greve. Chicago, aliás, já tem uma história sangrenta, reconhecida mundialmente, contra omovimento operário. O dia 1º de maio, Dia Mundial do Trabalho, foi instituído em um Congresso Socialistarealizado em Paris (1889) em homenagem aos operários mortos nos confrontos de 1886, em que sereivindicava a redução da jornada diária de 13 para 8 horas. (Disponível em <http://www.culturabrasil.pro.br/diadotrabalho.htm>. Acesso em 06.12.2005)..

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feminina. No espírito moderno da época de crença na racionalidade, na ciência e em leis

gerais e universais, o taylorismo foi igualmente incorporado pelo regime soviético

comunista a partir de 1918, sendo aplicado internamente por meio da campanha

denominada por Lênin “aprender a trabalhar”. Os trabalhadores, contudo, se viram cada

vez mais distantes de seu ideal de prosperidade, pois a sua crescente desqualificação

somada ao aumento do contingente de mão-de-obra disponível e crescente aumento da

produção, resultou em decréscimo salarial.

Após o término da I Guerra Mundial, Henry Ford acresceu aos princípios

tayloristas a mecanização e criou o que conhecemos por fordismo: “processo de trabalho

baseado na cadeia de produção semi-automática”. As leis que ampararam seu método,

inseridas na “teoria da eficiência” ou “princípios econômicos do fordismo”, eram as

seguintes: a) intensificação, b) produtividade e c) economicidade. A intensificação

consistia em reduzir o tempo da produção, com a utilização rápida dos componentes e

matérias primas e imediata disponibilização da mercadoria para compra. A produtividade

se traduzia na otimização da capacidade produtiva de cada trabalhador, ou seja,

principalmente acelerar o trabalho com a imposição do ritmo pela esteira. E a

economicidade visava reduzir o volume da matéria em curso, com a oferta e venda da

mercadoria antes do pagamento dos salários e das matérias-primas. Porém, dois aspectos

devem ser destacados nesse modelo de gestão: a prevalência do papel da máquina e o

surgimento de um novo operário que se expressa e encontra o reconhecimento patronal no

seio da massa de trabalhadores. Encontramo-nos então em pleno período de

desenvolvimento do chamado “modernismo heróico”83 em que a crença na perfeição da

racionalidade humana é substituída pelo mito da racionalidade incorporada na máquina, na

82 PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros, 3ª edição. São Paulo:Paz e Terra, 2001, p.73.

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tecnologia, e ganha corpo o discurso de construção de uma nova sociedade, inclusive

mediante a destruição da velha ordem (“destruição criativa” de Nietzsche).

A fábrica de Ford visava reduzir ao máximo o desperdício de tempo,

propiciando o incremento da mais-valia relativa.84 Os trabalhadores eram posicionados

conforme a ordem de operação e o trabalho (peças e ferramentas) lhe vinha às mãos por

intermédio da esteira. “Nenhum operário deve ter mais que um passo a dar, nenhum

operário deve ter que se abaixar”.85 A individualização da atividade e a concentração

operária resultavam na possibilidade de resistência ou sabotagem dos trabalhadores. Esse

mecanismo dificultava a identificação da origem dos defeitos, além do mais propiciava a

influência dos trabalhadores nos ritmos da produção por meio do aumento do absenteísmo,

atrasos e imobilizações técnicas da linha de montagem. No intuito de evitar mobilizações

coletivas, Ford mistura na linha de montagem trabalhadores com domínio de línguas

diferentes e institui um “Serviço Especial”, composto por 3.600 homens, com a função de

espionar e caçar líderes trabalhistas interna e externamente às unidades da Ford Motor

Company86.

Mas a marca mais expressiva do fordismo era o dia de oito horas a cinco

dólares. Ford percebe que a produção de massa significava consumo de massa e pôs em

prática o discurso da comunhão de interesses entre capital e trabalho. Com o

83 HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural, 14ªedição. São Paulo: Loyola, 2005, p. 38 e ss.84 A mais-valia absoluta é obtida com o prolongamento da jornada de trabalho ou redução da remuneração, oque a curto prazo esgota o trabalhador (deteriora sua capacidade e diminui sua utilidade). A mais-valiarelativa é uma forma mais sofisticada de exploração. Ela conjuga dois processos. Qualifica-se o trabalhador eintensifica-se sua atividade. “(...) , o trabalho torna-se mais complexo, de modo que uma hora de exercíciodeste trabalho corresponde a vária horas de um trabalho mais simples, executado por profissionais menosqualificados” (BERNARDO, João. Democracia totalitária: teoria e prática da empresa soberana. SãoPaulo: Cortez, 2004). Sem aumento da jornada, aumenta-se o tempo de trabalho efetivo.85 HELOANI, José Roberto. Gestão e organização no capitalismo globalizado: história da manipulaçãopsicológica no mundo do trabalho. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 56.86 HELOANI, José Roberto. Gestão e organização no capitalismo globalizado: história da manipulaçãopsicológica no mundo do trabalho. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 53.

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consentimento dos sindicatos, por meio de acordos coletivos, ele repassava parte da

produtividade aos operários em troca do compromisso com o ritmo da produção. A

remuneração de seu trabalhador era fixa e correspondia ao dobro do valor pago no mercado

em 1914, contudo somente podia usufrui-la o empregado do sexo masculino, com mais de

seis meses de emprego e no mínimo 21 anos de idade. Ademais, a limitação da jornada

tinha por objetivo proporcionar tempo para seus subordinados atuarem no papel de

consumidores, principalmente consumidores de seus próprios produtos, contribuindo para

a formação da nova sociedade que surgia: a sociedade de consumo de massa.

No entanto apenas essas medidas não são suficientes para assegurar o

padrão estável necessário de consumo. Ford então resolveu acompanhar de perto, vigiar, as

condições emocionais do trabalhador, imiscuindo-se em sua vida privada e para isso criou

a figura de inspetores domiciliares, que atingiu o número de 150, para acompanhar os

hábitos de seus empregados e verificar se continuavam a merecer a remuneração paga. O

concubinato era proibido e qualquer desarmonia conjugal ou indício de alcoolismo era

punido com o rebaixamento salarial. Ford assim expressava seu modo de tratar o operário:

Não se julgue que prodigalizamos mimos aos nossos operários.Limitamo-nos a um eqüitativo toma-lá, dá-cá. No tempo em queaumentamos os salários, também aumentamos a vigilância, eaveriguamos da vida particular de cada um, para saber o destino quedavam aos seus salários. Tal medida, necessária na época, ensinou-nosalguma coisa. Mas não convinha transformá-la em serviço permanente e aabandonamos.87

A indústria de Ford também implementou três categorias de escolas: a

escola Ford para os filhos de seus empregados, órfãos e interessados, em que se recebia

bolsa de 7,20 dólares semanais, a escola de serviço para trabalhadores estrangeiros das

sucursais e a escola de aprendizagem para formar ferramenteiros. Ford antecipa desse

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modo a chamada “educação corporativa”: “Assim, não só produziam-se carros confiáveis em

larga escala, mas também obtinha-se a garantia do fornecimento contínuo de trabalhadores

disciplinados e dependentes financeira e emocionalmente da organização.”88

Ironicamente, Ford não contava com aspectos externos à sua organização

para a manutenção da demanda de seus produtos e foi justamente “a suburbanização e

desconcentração da população e da indústria (e não a auto-ajuda), [...], que se tornaria o

principal elemento de estímulo da demanda efetiva pelos produtos de Ford”89 no pós-

guerra.

A Grande Depressão de1929 demonstra a impossibilidade de o mercado

isoladamente regular a economia. Os programas sociais criados pelas próprias empresas

(como no Japão) até o final da Segunda Guerra Mundial se mostram eficientes na diluição

das tensões entre o capital e trabalho e é estendida em larga escala pelo Estado. No início

da Segunda Grande Guerra, o governo americano pressiona os operários a reduzirem suas

reivindicações e Ford aproveita para sugerir a eliminação dos sindicatos da indústria

automobilística. A reação operária foi imediata com a paralisação das atividades por dez

dias em defesa dos direitos sindicais. Após o término do embate militar, a expansão do

socialismo, que abrangia 1/3 da população mundial na época, tal qual a figura dos

marginalizados do século XVIII, serve ao macrodiscurso do capital para o recrudescimento

do ritmo da produção e dos métodos disciplinares. Os países soviéticos também se

espelham no mesmo imaginário da guerra fria para o endurecimento das normas fabris. Os

republicanos sobem ao poder nos Estados Unidos e em 1952 recrudescem o controle dos

87 FORD, Henry. Apud HELOANI, José Roberto. Gestão e organização no capitalismo globalizado:história da manipulação psicológica no mundo do trabalho. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 52.88 HELOANI, José Roberto. Gestão e organização no capitalismo globalizado: história da manipulaçãopsicológica no mundo do trabalho. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p.53.89 HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural, 14ªedição. São Paulo: Loyola, 2005, p. 122.

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movimentos grevistas com a promulgação da Lei Taft-Hartley, a qual fiscaliza a formação

e funcionamento da entidades sindicais, inclusive exigindo a declaração negativa dos

associados de pertencerem ao Partido Comunista.90

Em contrapartida, o keynesianismo se revela então como complemento

necessário ao fordismo, atingindo sua maturidade após a Segunda Guerra Mundial. Esse

procedimento é estendido em larga escala com a instituição do Estado de Bem-Estar

Social. O Estado, como forma de compensar o alto investimento necessário à implantação

e manutenção da produção fordista, intervém na economia, mediante investimentos

públicos em áreas chaves – como o transporte, vital para a produção e consumo–,

complementação salarial – no oferecimento de serviços como seguridade social, assistência

médica, educação, habitação – e interferência nos acordos salariais e direitos trabalhistas.

Nesse período, os mercados norte-americanos, europeu (com auxílio do Plano Marshall) e

o japonês se expandiram para os países não-comunistas, permitindo a assimilação da

produção excedente. O dólar é alçado à moeda-reserva mundial por intermédio do acordo

de Bretton Woods. Encontrada a estabilidade necessária ao sistema, tem-se o período de

maior prosperidade da história mundial, o qual chegou a ser denominado de “Era de Ouro”

ou os “trinta gloriosos anos”. Com essas medidas, o Estado buscou garantir o ideal de

pleno emprego, mesmo que em detrimento do exercício pleno da liberdade.

A estase democrática dos anos 20 (embora vinculada a classe) tinha deser superada, muitos concordavam, por um pouco de autoritarismo eintervencionismo estatais, para os quais bem poucos precedentes (salvo aindustrialização do Japão ou as intervenções bonapartistas da França doSegundo Império) podiam ser encontrados. Desiludido com aincapacidade dos governos democráticos de assumir o que eleconsiderava tarefas essenciais de modernização, Le Corbusier se voltou

90 Esta lei para o funcionamento das organizações sindicais as obrigava a serem reconhecidas pelo NationalLabor Relations Board¸ fornecer seus estatutos, livros financeiros e relação dos sindicalizados. HELOANI,José Roberto. Gestão e organização no capitalismo globalizado: história da manipulação psicológica nomundo do trabalho. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 77.

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primeiro para o sindicalismo e, mais tarde, para regimes autoritárioscomo as únicas formas políticas capazes de enfrentar a crise91.

A estabilidade, contudo, era precária, pois este modelo eleva os padrões

de consumo simultaneamente em que deixa de lado boa parte dos trabalhadores, tais como,

mulheres, negros e cidadãos de países periféricos. Além do mais, o fordismo necessita de

uma expansão contínua dos mercados e a competição entre os países centrais é acirrada

com o ingresso dos países em desenvolvimento, que já começavam inclusive a produzir

bens antes importados para o consumo interno. Mesmo os trabalhadores incluídos no

sistema já não suportavam o trabalho rotinizado, inexpressivo e degradado. A repressão em

todas as esferas da vida do trabalhador e a exclusão de considerável porção da população

mundial era tamanha que gerou fortes movimentos de contracultura, os quais pregavam

justamente a fuga ou ruptura do sistema, voltando-se contra todos os atores: fábrica, Estado

e sindicatos. Os movimentos hippies, psicodelismo, tropicalismo, antipsiquiatria são todos

expressões da época. Na fábrica, iniciava-se um movimento operário autônomo ao

movimento sindical em busca da participação na gestão para influenciar na organização e

ritmo de trabalho e não apenas da reivindicação salarial.

A contestação da disciplina da fábrica se estendeu por todo o mundo,

independente do modelo econômico do Estado (Estados Unidos, Europa, países do bloco

soviético, China)92. Com a crise econômica de 197093, agravada pela crise do petróleo de

91 HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. SãoPaulo: Loyola, 1992, p. 124.92 BERNARDO, João. Democracia Totalitária: teoria e prática da empresa soberana. São Paulo: Cortez,2004, p. 78.93 Os economistas divergem sobre os motivos da crise econômica de 1970. Enquantoalguns defendem sua origem na desproporcionalidade entre a produção de bens deprodução (Setor I) e bens de consumo (Setor II) e o subconsumo, como ocorreu na GrandeDepressão de 1929, outros defendem sua origem na queda da produtividade e interrupçãoda diminuição do custo salarial real (aumento da composição orgânica do capital eelevação do valor da força de trabalho). Para melhor detalhamento, ver BOCCHI, JoãoHildebrando. Crises capitalista e reforma francesa de regulação. In: Pesquisa & debate,vol. 11, nº 17, 2000 e LIPIETZ, Alain O Mundo do pos-fordismo. In: Indicadores

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1973, também passou a ser questionado o modelo do Estado de Bem-Estar Social, o qual,

no afã de proporcionar uma sociedade de indivíduos materialmente iguais, criou uma

sociedade homogeneizadora e de clientes. O Estado, com dimensões excessivas, já não

suportava todas as suas ramificações, nas áreas de assistência (saúde, previdência e

educação) e também de toda sorte de produção de bens e serviços. Iniciava-se então a

marcha pela a reforma estatal e enxugamento de sua máquina, inclusive preconizando-se a

diminuição da intervenção do Estado na economia.

O processo consolida-se na década de 1980, quando o empresariadoarticula três pontos de ataque em sua política econômica: a produçãoglobalizada, a diminuição da atuação do Estado-Previdência e adesindexação dos salários, características básicas do que se convencionouchamar de pós-fordismo.94

O modelo fordista, caracterizado pela cisão entre a elaboração e execução

do trabalho, fragmentação e especialização da atividade, necessidade de largo capital fixo e

rigidez no sistema de produção (contratos celebrados a longo prazo, com rígidos limites à

dispensa, e indexação salarial aos preços e produtividade), não conseguia atender à

demanda mais diversificada e exigente. As empresas procuram então reduzir os conflitos

com os operários, valorizando e incorporando o seu potencial intelectual à própria

organização, por meio da participação na gestão da atividade produtiva, ainda que maneira

restrita. A subcontratação e os baixos salários antes confinados a alguns setores da

economia, chamados de setores de alto risco ou competitivos, agora se incorporam à

empresa, gerando a dispersão física da mão-de-obra (por meio do trabalho em domicílio,

deslocamento de setores da produção para países geralmente periféricos) ou estratégica

(por meio da restrição de seu quadro de pessoal efetivo, a transferência da produção dos

econômicos FEE, v.24, n.4, fev. 1997. A visão mais ampla do tema pode ser encontradaem HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens damudança cultural. São Paulo: Loyola, 1992.94 HELOANI, José Roberto. Gestão e organização no capitalismo globalizado: história da manipulaçãopsicológica no mundo do trabalho. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 101.

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componentes de seus produtos e serviços a fornecedores e trabalhadores autônomos, a

contratação de trabalhadores temporários, entre outras figuras). Nesse contexto, o capital

defende ainda a flexibilização do contrato de trabalho, a qual pode se referir ao posto de

trabalho, à organização da produção, reduções de encargos públicos, aos salários e ao

contrato. A duas primeiras traduzem as modulações da produção que exigem um

trabalhador polivante e multiqualificado e equipamento de automação eletrônica e

multiuso. A terceira forma se contrapõe às regulamentações públicas e carga fiscal. E as

últimas duas, atingem diretamente o trabalhador na remuneração, que oscila consoante a

produtividade e desemprego, e no contrato, que agora é variável em seu conteúdo, tempo e

local95.

O toyotismo surge como o novo modelo de gestão do mundo pós-

fordista. Ele foi criado por Taiichi Ohono e implementado nas fábricas japonesas da

Toyota. A sua maior novidade está na forma da gestão de pessoal e grupos no trabalho, ou

seja, no envolvimento do trabalhador, por meio de uma “autonomia responsável”96 e a

disseminação do controle de qualidade em todos os níveis da produção. Externamente, o

toyotismo se caracteriza pela redução do tamanho da empresa, com a descentralização da

produção das diversas peças necessárias ao produto final para outras empresas de pequeno

e médio porte. Somente o núcleo central possui o conhecimento global do produto final e

da tecnologia necessária. Prega-se a identidade de interesses entre as empresas montadoras

e as empresas fornecedoras. Na prática, as empresas centrais exercem grande poder de

barganha sobre seus fornecedores e subcontratados. Esse modelo de gestão procura a

95 Conceitos extraídos da obra de HELOANI, José Roberto. Gestão e organização no capitalismoglobalizado: história da manipulação psicológica no mundo do trabalho. São Paulo: Editora Atlas, 2003,p. 118.96 Conceito apresentado por Alain Lipietz . A “autonomia responsável” que requer o envolvimento dotrabalhador que “pode significar qualificação, cooperação horizontal, participação na definição e noscontroles das tarefas, negociação das reestruturações industriais e assim por diante.”( LIPIETZ, Alain OMundo do pos-fordismo. In: Indicadores econômicos FEE, v.24, n.4, fev. 1997, p.83 ).

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eliminação do desperdício (muda), a melhoria contínua (kaizen) e a sincronização da

produção com a demanda (just in time). Ele é freqüentemente associado aos cinco zeros:

zero estoques, zero atrasos, zeros defeitos, zero papeis e zero panes.97 Porém, como já

dito, mais do que a utilização de avanços tecnológicos, o modelo japonês se diferencia pelo

tratamento dispensado ao operário e pela valorização de sua “competência tecnológica”:

Essa competência é um conjunto de conhecimentos, de comportamentos,de práticas sociais que asseguram o desenvolvimento concreto dasciências e das técnicas no cerne dos processos industriais. E seudesenvolvimento diz respeito a todas as categorias de assalariados.98

O trunfo desse modelo não está no puro desenvolvimento tecnológico. Os

robôs são pensados para problemas e usos concretos, sendo simples e rústicos de forma a

facilitar sua manipulação, pois o centro das atenções é o ser humano. O trabalhador deixa

de ter um conhecimento restrito do processo produtivo, ele é “desespecializado” e

transformado em trabalhador multifuncional, atuando em equipe, com capacidade inclusive

de interromper a produção quando detecte alguma falha. Nesse contexto, o poder do

operário qualificado é reduzido ao mesmo tempo em que se aumenta o ritmo de trabalho

ou no mínimo as atribuições, uma vez que é exigido do operário o conhecimento da

operacionalização de vários equipamentos e também a sua limpeza e a realização de

pequenos reparos no curso da jornada. Todos os trabalhadores em geral são preparados

para substituir eventual do colega ausente. A pedra fundamental desse sistema é a

competência coletiva do grupo de base, “no cerne do qual podem ser organizadas e

modificadas as atribuições dos indivíduos aos postos em função de seus níveis de

97 Caracterização estipulada por Thomas Gounet. Zero estoques significa estoque mínimo; zero atrasos, ademanda puxa a produção; zero defeitos, cada trabalhador controla a qualidade do trabalho de seu colegaprecedente; zero papéis, o kanban, que diminui as ordens administrativas; zero panes, nunca se forçam asmáquinas e a simplicidade tecnológica é valorizada.( HELOANI, José Roberto. Gestão e organização nocapitalismo globalizado: história da manipulação psicológica no mundo do trabalho. São Paulo: EditoraAtlas, 2003, p. 120)98 HIRATA, Helena. ZARIFIAN, Philippe. Força e fragilidade do modelo japonêsIN: Estudos Avançados, v.5, n.12, p.173-185, maio/ago. 1991, p. 174.

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conhecimento e de suas necessidades variáveis da produção”99, a qual é explicitamente

reconhecida e valorizada pela organização. No coletivo, o trabalhador encontra o apoio

necessário ao desenvolvimento das tarefas, com considerável troca de conhecimento, tanto

em âmbito interno, como em rede (entre diversos grupos de base). O modelo preconiza

inclusive que a equipe proporcione o preenchimento e carências ou deficiências

profissionais que o indivíduo venha a manifestar. O processo produtivo é visto como algo

inacabado e em constante aprimoramento, obtido por meio da discussão coletiva no grupo

de base, entre grupos de base e dentro dos círculos de qualidade total.

O modelo japonês está assentado na vitaliciedade no emprego dos

trabalhadores pertencentes ao núcleo central das grandes indústrias, como forma de vencer

“a dificuldade crescente de controle sobre os trabalhadores cada vez mais refratários ao

trabalho assalariado e manual”.100 Em geral são homens jovens, recrutados após rigoroso

processo seletivo, logo ao sair do 2º grau ou da universidade. Esses jovens trabalhadores

tem a sua subjetividade controlada e modelada na empresa nos mesmos moldes

disciplinares encontrados nos bancos escolares denominado de ijime101. O trabalhador

vitalício, recrutado no início de sua carreira, identifica sua vida profissional à vida de uma

empresa e a vida da empresa à sua vida pessoal. Os interesses da empresa são colocados

acima de qualquer outra consideração e fazem parte do cotidiano do trabalhador mesmo

após o término do expediente, nas suas rodas de conversas com colegas. Há interesse da

empresa em investir no conhecimento e aprimoramento dos operários, os quais em

99 HIRATA, Helena. ZARIFIAN, Philippe. Força e fragilidade do modelo japonêsIN: Estudos Avançados, v.5, n.12, maio/ago. 1991, p. 176/177.100 COCCO, Giuseppe. MALDEOJO, Carlo Vercellone. Los paradigmas sociales del posfordismo.Disponível em <www2.cddc.vt.edu/digitalfordism/fordism_materials/cooco_vercellone.htm> . Acesso em10.7.2005, p. 12.101 O ijime é “utilizado não só para descrever as ofensas e humilhações infligidas às crianças no colégio, mastambém para descrever, nas empresas nipônicas,as pressões de um grupo com o objetivo de formas os jovensrecém-contratados ou reprimir os elementos perturbadores”. (HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar notrabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 83/84). Ver também

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contrapartida laboram jornadas exaustivas (há relatos de trabalhadores com jornada de 70 a

80 horas semanais). Alguns trabalhadores chegam a ser obrigados a dormir na empresa, de

segunda a sábado, em alojamentos com camas assemelhadas a caixões funerários. Estima-

se que o karoshi, ou seja a síndrome da morte rápida ou inexplicada, atinja cerca de 10 mil

trabalhadores por ano, sendo que dois terços dos altos executivos de grandes empresas tem

receio de morrer desse mal. Mesmo o número de suicídios de trabalhadores no Japão

também tem aumentado.102 De todo modo, os trabalhadores vitalícios não atingem a cifra

de 40% dos assalariados. À margem desse sistema, ficam os demais trabalhadores

empregados dos fornecedores, subcontratados e trabalhadores precários, cujo maior

contingente é de mulheres.

A principal arma do toyotismo, como já dito, é o envolvimento

emocional do trabalhador, o qual agora é apresentado como colaborador, rompendo com o

antagonismo de classe:

Se a maneira taylorista-fordista de organizar o trabalho, emboraincorporasse também propostas de gestão da subjetividade, especializou-se na “docilização dos corpos”, a Qualidade Total vem-se esmerando naexpropriação do pensamento, mediante a gestão participativa, mormentevoltada para obter o envolvimento do trabalhador na manutenção erepasse das informações para o desenho de novos equipamentos ou parauma reorganização do trabalho mais produtiva e lucrativa, ou para ambasas finalidades.103

Um dos principais instrumentos de envolvimento subjetivo é o Círculo de

Controle de Qualidade (CCQ). Este se apresenta como um espaço de participação

voluntária dos trabalhadores para discutir o processo produtivo, visando a sua otimização:

“identificar, selecionar, analisar e recomendar possíveis soluções para problemas

HELOANI, José Roberto. Gestão e organização no capitalismo globalizado: história da manipulaçãopsicológica no mundo do trabalho. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p.169.102 HELOANI, José Roberto. Gestão e organização no capitalismo globalizado: história da manipulaçãopsicológica no mundo do trabalho. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 160.

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mormente de produção e, logicamente, de qualidade”104. Dele participam trabalhadores do

mesmo ou de diversos setores que tem suas atividades internamente orientadas por um dos

membros do grupo, selecionado por meio de eleição. Os grupos são supervisionados pela

direção por intermédio de uma rede de supervisores/orientadores subordinados a um

coordenador geral (que pode ser um consultor externo), o qual presta contas ao comitê de

orientação, conselho geral ou diretamente a própria diretoria. As reuniões se realizam uma

vez por semana, despendendo de uma ou duas horas, as quais podem ou não estar incluídas

na jornada diária. Ele tem por objetivo a motivação e participação dos trabalhadores, sem

que lhes permita qualquer poder efetivo de decisão ou alteração na estrutura de poder na

empresa. Periodicamente se estabelecem concursos entre os diversos CCQs, com a

distribuição de recompensas aos vencedores, as quais podem vir na forma de um bônus

salarial ou jantares com a diretoria da empresa e viagens de lazer.

O modelo toyotista demonstrou eficiência em suas finalidades, conseguiu

diluir a ação sindical e, por conseqüência, os conflitos coletivos por meio da fragmentação

da mão-de-obra, da valorização intelectual do trabalhador, da modulação salarial. Inúmeros

empregadores hoje ostensivamente se opõe a qualquer atividade sindical dentro de suas

portas105 e pregam a solução dos conflitos internamente. A tão reivindicada participação

agora se torna obrigatória também dentro dos CCQs, pois aqueles que participam desses

espaços de discussão são agraciados com recompensas e ascensões na carreira e os

desertores são vistos com desconfiança. O interesse da empresa se estende para além da

apropriação do conhecimento e da motivação do operário. Esses centros, denominados

jocosamente de “Como-o-Chefe-Quer” ou “Come, Calado e Quieto”, atuam também no

103 HELOANI, José Roberto. Gestão e organização no capitalismo globalizado: história da manipulaçãopsicológica no mundo do trabalho. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 129.104 HELOANI, José Roberto. Gestão e organização no capitalismo globalizado: história da manipulaçãopsicológica no mundo do trabalho. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 146.

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controle das divergências e oposições dos colaboradores, que são mal-vistas pela

comunidade produtiva.106 Os trabalhadores com reiterado comportamento discrepante,

ainda que não sejam penalizados com a dispensa imediata do emprego, são marginalizados

na divisão de responsabilidades e acesso a promoções. Esse monitoramento se repete na

coletividade de base, a qual, concomitantemente ao apoio fornecido a cada membro, serve

desde ao controle das falhas, facilitando a identificação de sua origem e da

responsabilidade do grupo de trabalhadores, reduzindo formas conhecidas de resistência,

como a sabotagem, até o controle da subjetividade de cada integrante107. Como ressalta

Deleuze:

Sem dúvida a fábrica já conhecia o sistema de prêmios, mas a empresa seesforça mais profundamente em impor uma modulação para cada salário,num estado de perpétua metaestabilidade, que passa por desafios,concursos e colóquios extremamente cômicos. Se os jogos de televisãomais idiotas têm tanto sucesso é porque exprimem adequadamente asituação de empresa. A fábrica constituía os indivíduos em um só corpo,para a dupla vantagem do patronato que vigiava cada elemento na massa,e dos sindicatos que mobilizavam uma massa de resistência; mas aempresa introduz o tempo todo uma rivalidade inexpiável como sãemulação, excelente motivação que contrapõe os indivíduos entre si eatravessa cada um, dividindo-o em si mesmo.108

A fiscalização da qualidade do produto agora é responsabilidade de todos

e é averiguada desde o momento da sua elaboração, objetivando-se a sua perfeição desde o

primeiro momento (evitando o retrabalho), chegando até a sua utilização pelo consumidor.

Dessa maneira, o controle do trabalhador se inicia internamente com a sua preocupação em

fazer bem-feito, mantendo o ritmo da produção – autocontrole-, continua dentro da equipe

105 BERNARDO, João. Democracia Totalitária: teoria e prática da empresa soberana. São Paulo: Cortez,2004, p. 98.106 Além de se transformar em um fardo para o trabalhador, pois muitas vezes se realiza fora do horário doexpediente que já foi exaustivo, sem qualquer compensação financeira, pois no Japão a jornada excedentenão é remunerada. No Brasil, não é diferente. Embora a lei brasileira limite as horas extras em no máximoduas por dia remuneradas, salvo na hipótese do banco de horas (art. 59, § 2º, da CLT), cotidianamente severificam sérios abusos, desde a ausência de remuneração até o extrapolamento da jornada máxima diária (aqual já é reconhecida e regulamentada pelas normas coletivas autônomas e heterônomas).107 HIRATA, Helena. ZARIFIAN, Philippe. Força e fragilidade do modelo japonês. In: Estudos Avançados,v.5, n.12, maio/ago. 1991, p. 182.108 DELEUZE, Gilles. Conversações: 1972-1990. São Paulo: Editora 34, 2000, p. 221.

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de trabalho que pode inclusive pedir para que ele seja excluído do grupo e se estende para

além dos portões da empresa, uma vez que o código de barras do produto ou a

identificação do lote de produção permite a identificação do trabalhador por meio da

reclamação de um consumidor109.

O modelo já demonstra sinais de esgotamento, inclusive no Japão. O

mercado de mão-de-obra japonês, com a economia estagnada e duvidosas transações

financeiras110, sofre pressões internas geradas pela absorção da mão-de-obra feminina em

funções mais qualificadas, o ingresso de imigrantes ilegais nas carreiras não-qualificadas

ou pouco qualificadas e a mobilidade inter-empresas de trabalhadores qualificados no meio

da carreira com a finalidade de diversificação das atividades.111 Se no modelo fordista a

expansão do mercado internacional resultou no acirramento da competição entre os países

centrais acompanhado da inclusão entre o competidores também dos mercados

compradores, a expansão do modelo toyotista se volta contra a própria empresa.

As empresas já não sustentam a vitaliciedade no emprego. O grande

temor do trabalhador japonês hoje é o kata tataki, ou seja, “tapa nos ombros” que significa

a dispensa imediata de trabalhadores tanto de empresas públicas quanto privadas. As

empresas, que não querem ter sua imagem (essencial para a realização de fusões,

incorporações, cooptação financeira) desgastada pelo comportamento ocidental de

dispensa de trabalhadores, optam em transformar o trabalhador em “colaborador virtual”

109 Ver estudo de Leonardo Mello e Silva sobre a organização da produção de indústrias de confecção depeças íntimas e capas para automóveis em fábricas brasileiras (SILVA, Leonardo Mello. Trabalho emgrupo e sociabilidade privada. São Paulo: USP, Curso de Pós-graduação em Sociologia: Ed. 34, 2004).110 José Heloani descreve investimentos teconológicos financiados pela especulação fictícia dos títulos depropriedade das empresas, com a conivência da Yakuza, e empréstimos bancários sigilosos a empresas com ofim de informar dolosamente o mercado sobre sua solvência. (HELOANI, José Roberto. Gestão eorganização no capitalismo globalizado: história da manipulação psicológica no mundo do trabalho.São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 163/165).111 HIRATA, Helena. ZARIFIAN, Philippe. Força e fragilidade do modelo japonês. In: Estudos Avançados,v.5, n.12, maio/ago. 1991, p. 182/183.

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ou trabalhador invisível112, de modo que esse trabalhador não é mais avisado das reuniões,

“esquecem” de lhe servir o chá, os colegas não lhe dirigem mais a palavra e sua mesa é

isolada. O pouco trabalho a ele atribuído consiste em reescrever o mesmo relatório diversas

vezes.

O quadro acima reforça a assertiva de David Harvey de que a

acumulação flexível (e o modelo toyotista) se expressa como uma continuidade do

capitalismo, e não como uma ruptura ou bancarrota, mantendo a sua lógica de organização

e acumulação descritas por Karl Marx, em “O Capital”:

Reler o que ele diz em O Capital nos traz um certo choque defamiliaridade. Conhecemos ali as maneiras pelas quais o sistema fabrilpode formar intersecções com sistemas de manufatura domésticos, deoficina e artesanais, como um exército de reserva industrial é mobilizadocomo contrapeso ao poder dos trabalhadores com relação ao controle dotrabalho e aos salários, o modo como forças intelectuais e novastecnologias são empregadas para pôr por terra o poder organizado daclasse trabalhadora, os recursos dos capitalista na tentativa de promover oespírito de competição entre os trabalhadores, ao mesmo tempo queexigem flexibilidade de disposição, de localização e de abordagem detarefas.113

A tecnologia microeletrônica tem papel fundamental nessa ordem de

coisas. Seu desenvolvimento possibilita a dispersão da produção em localidades

fisicamente distantes que apresentem mão-de-obra mais qualificada, vantagens salariais ou

subsídios estatais para implementação daquela atividade produtiva, ou mesmo o seu

impulsionamento para o âmbito doméstico, sem prejuízo da vigilância, pois “A partir do

momento em que uma pessoa está conectada, ela fica visível”114. A Ìndia é um claro

exemplo desse cenário, concentrando boa parte dos serviços de informática de grandes

112 Marie-France Hirigoyen relata o caso de um executivo da empresa Sega, que foi colocado para trabalharem uma sala sem janela ou telefone e sem contato com o mundo exterior. (HIRIGOYEN, Marie-France.Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 85.)113 HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens damudança cultural. São Paulo: Loyola, 1992, p. 175.

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empresas estrangeiras. As novas tecnologias permitem também a vinculação permanente

do trabalhador à empresa mediante o uso de ferramentas portáteis e do desenvolvimento

das telecomunicações. Esse tipo de modulação do espaço e do tempo exigem, no entanto,

uma nova modulação do engajamento subjetivo: a liberdade do trabalhador pressuporá um

forte compromisso de sua parte com a empresa, uma vez que “ele deve por si mesmo se

obrigar a fazê-lo”115. Em conseqüência, estipula-se o controle do trabalho por objetivos e

resultados.

A rede mundial de computadores igualmente admite a perfeita sincronia

entre a atividade do produtor e dos fornecedores. Algumas empresas já franqueiam

imediatamente o pedido do consumidor aos seus fornecedores a fim de que eles iniciem a

produção dos componentes necessários. A internet tem sido utilizada também para a

fiscalização da qualidade dos produtos dos fornecedores pela empresa central. Ademais, a

informatização da atividade permite o rastreamento do trabalhador ao longo da jornada por

meio de crachás e catracas em diversos setores, o controle contínuo da produção e do

rendimento do trabalhador e a documentação imediata da rotina de trabalho, com a

apropriação do conhecimento operário. A sua utilização incrementa o sistema de controle

do trabalhador em qualquer modelo gerencial:

[...] a tecnologia informática renova os meios, e não os fins, em todos[sic] as ocupações em que o computador é ferramenta de trabalhoessencial. A esse respeito vários pontos podem ser observados: há umconsiderável aperfeiçoamento do controle de cada ato de trabalho e desua duração, graças à precisão dos relatórios de informações; o próprioassalariado é quem desencadeia a produção das informações de controlesimplesmente porque o computador ou o terminal que utiliza, sendo seumeio de trabalho obrigatório, é estruturado segundo procedimentos de talforma precisos que ele não pode fazer de outro modo senão desencadearessas operações de controle (que ele nem sempre conhecerá); [...] por fim,

114 BERNARDO, João. Democracia Totalitária: teoria e prática da empresa soberana. São Paulo: Cortez,2004, p. 112.115 ZARIFIAN, Philippe. Engajamento subjetivo, disciplina e controle. In: Novos estudos Cebrap. Nº 64,nov. 2002, p. 27.

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e sobretudo, a tecnologia informática utilizada oferece uma oportunidade,provavelmente sem equivalente histórico, de desenvolver um poderdisciplinar que recai, ao mesmo tempo, sobre cada indivíduo e sobreamplos conjuntos de pessoas116.

Não contente esses aspectos, a informatização, segundo João Bernardo,

seleciona o acesso às informações conforme o nível hierárquico do destinatário, de modo a

permitir a participação operária e ao mesmo tempo impedir os trabalhadores de assumir a

direção da empresa.

[...] a capacidade da informática para selecionar as informações e limitara esfera em que elas são difundidas e, ao mesmo tempo, para orientar ossentidos em que as decisões são transmitidas faz com que o exercício daatividade intelectual e organizativa dos trabalhadores não ultrapasse oâmbito que lhe é fixado pelos chefes de empresa e obedeça ao controledas administrações.117

O estudo dos modelos de gestão empresarial deixa transparecer a

intensificação do controle e da jornada laboral, a vulnerabilidade decorrente da

individualização do operário na forma de controle, responsabilidade e até modulação

salarial, bem como a sobrecarga a que está submetido o trabalhador. Esses modelos

exprimem a utilização dos diversos mecanismos de poder presentes nos estabelecimentos

disciplinares ou de controle, denunciados por Foucaut e por Deleuze, de modo sobreposto

e reintepretado na empresa contemporânea. De todo modo, a avaliação individual do

trabalhador em conceitos efêmeros como empregabilidade e competência resultam na falta

de parâmetro para a fiscalização e avaliação da mão-de-obra. Em conseqüência, fomenta-

se a competição sem fim entre trabalhadores, entre equipes, entre empresas e até mesmo

entre empresas do mesmo grupo situadas em locais diferentes. Uma prática comum é a

publicização de listas de produtividade de cada trabalhador, a qual é afixada em quadros de

aviso internos, tomando-se como meta índices de produção inalcancáveis. Os trabalhadores

116 ZARIFIAN, Philippe. Engajamento subjetivo, disciplina e controle. In: Novos estudos Cebrap. Nº 64,nov. 2002, p. 25/26.

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são levados à competição exaustiva com o fim de obter o valor do prêmio produtividade ao

final do mês, indispensável para a complementação salarial. Como ressalta Leonardo

Mello e Silva:

O que está na base do comportamento de competição e de sua tendênciasubjacente de fragmentação – em vez de solidariedade – do coletivooperário é a insegurança representada pelo mercado de trabalho. [...] Osadministradores, executivos e gerentes das fábricas sabem muito bemdisso e utilizam esse dado estrutural como uma forma de docilização dosconflitos entre capital e trabalho que emergem no interior da empresa. 118

Com a degradação das condições de trabalho, o alto índice de estresse

entre os trabalhadores agraciados com um posto de trabalho, o qual é por si só

transformado em uma mercadoria valiosa119, e a quebra dos laços de solidariedade,

representada pela irrelevância quando não inconveniência com que é recebida a

intervenção sindical, abre-se um solo fértil para a prática do assédio moral no trabalho.

4. Os discursos empresariais da guerra e do mercado

117 BERNARDO, João. Democracia Totalitária: teoria e prática da empresa soberana. São Paulo: Cortez,2004, p. 107.118 SILVA, Leonardo Mello. Trabalho em grupo e sociabilidade privada. São Paulo: USP, Curso de Pós-graduação em Sociologia: Ed. 34, 2004, p. 25.119 Infelizmente essa afirmação hoje é levada às últimas conseqüências, a ponto de um site alemão oferecercomo serviço o leilão de postos de trabalho: jobdumping.net. Fica com o posto o trabalhador que aceitarreceber menos pelo serviço. A atividade desse site foi contestada pelo Boeckler Stiftung, instituto deinvestigação da confederação sindical DGB, que indica em seu site o valor mínimo do salário de cada setor.(Disponível em<http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/cadernos/internet/2005/04/03/jorinf20050403006.html>. Acesso em30.04.2005.)

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Merece destaque especificamente a análise dos discursos motivacionais

dirigidos a todo o conjunto da fábrica ou empresa, em que se fomenta a competição pela

reprodução do quadro psicológico adverso encontrado, principalmente, no mercado e na

guerra.

Em relação à figura do mercado, as organizações forjam a sua

representação internamente, fazendo com que cada trabalhador e cada equipe de trabalho

se apresente e se comporte como um cliente interno em relação aos bens e instrumentos da

produção recebidos dos colegas e de outras equipes: os fornecedores. Todos avaliam o

trabalho realizado por si e pelos outros, disseminando a autoridade, antes hierárquica, em

todo o grupo. O fornecedor fica subordinado ao cliente e se estabelece um contrato de

cooperação entre as partes, visando sobretudo a qualidade: o fornecedor se compromete a

controlar sistematicamente certas operações e o cliente a informar sobre os defeitos que

constata no setor do fornecedor.

[...] o discurso e a prática gerencial contemporânea têm sido dominadospelas seguintes noções: soberania do cliente externo; funcionários comoclientes internos; relações interfirmas com clientes organizacionais. Taisnoções, aliás, são centrais nos programas de gestão mais difundidos nasorganizações contemporâneas, com qualidade total, reengenharia,sistemas de just-in-time, programas de mudança cultural e SAP, entreoutros.120

O mercado é apresentado como um agente externo “impessoal e

ameaçador, facilitando e dissimulando um cultura da eficiência, da qualidade e da

urgência.”121 Esse discurso facilita a aceitação inquestionável da certos princípios e

relações pessoais. Os laços afetivos e solidários entre os trabalhadores são substituídos por

120 COLBARI, Antônia. DAVEL, Eduardo. SANTOS, Glícia. O Mercado Como Princípio de Autoridade nasOrganizações Contemporâneas: padrões de gestão, formação profissional e identidade em duas empresascapixabas. In: Revista de Administração Pública, v.35, n.2, mar./abr. 2001, p. 12.121 COLBARI, Antônia. DAVEL, Eduardo. SANTOS, Glícia. O Mercado Como Princípio de Autoridade nasOrganizações Contemporâneas: padrões de gestão, formação profissional e identidade em duas empresascapixabas. In: Revista de Administração Pública, v.35, n.2, mar./abr. 2001, p. 10.

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relações entre clientes, as quais são fundadas exclusivamente em interesses e

contrapartidas mútuas. Ressalta-se a ética individualista de valorização da eficiência,

ambição, flexibilidade, autocontrole e autoconfiança, qualidades abrangidas pela idéia de

empregabilidade 122 e competência123, em um mercado com um ritmo acelerado de

mudanças. “Ser competitivo é ter qualidade melhor e ser mais ágil do que seus

concorrentes”.124

O professor Michael Porter, da Harvard Business School, sustenta a

competição para além dos concorrentes da empresa, ou seja, ela deve se estender também a

clientes, empregados, fornecedores e reguladores ("estrutura das cinco forças"). Michael

Jensen, proeminente professor da mesma academia, defende o ensinamento aos alunos das

escolas de administração de que o gerente não pode ser confiável para fazer o seu trabalho.

Esses posicionamentos têm levado os centros educacionais de MBA nos Estados Unidos a

serem severamente criticados pelo comportamento anti-ético de administradores pós-

graduados, envolvidos em escândalos como o da Enron. Jeffrey Pfeffer, da Stanford

University's Graduate School of Business, se reporta a um estudo realizado em 2000 que

122 A empregabilidade se caracteriza pelas condições do trabalhador de manter ou obter emprego, sendo deresponsabilidade do trabalhador e da empresa.( DRUCK, Graça. Qualificações, empregabilidade ecompetência: mitos “versus” realidade. In: O trabalho no século XX: considerações para o futuro dotrabalho. São Paulo: A . Garibaldi; Bahia: Sindicato dos Bancários da Bahia, 2001, p. 86). O conceito deempregabilidade é impreciso. Os trabalhadores buscam incessantemente a atualização do conhecimentopertinente à sua atividade produtiva, mas também fatores em princípio desconectados da formaçãoprofissional. O jornal Folha de São Paulo, na edição do dia 29.11.2005, noticia o trabalho de uma profissionalformada comunicação social e cursos de neurolingüistica, Eliane Mesquita, no treinamento de profissionaispaulistas. Basicamente seu trabalho está focado na imagem do empregado. Ela destaca que observa nosprofissionais conhecimento, habilidade e atitude. Porém, “se um profissional tem talento, mas não conseguemostrá-lo, para o mundo corporativo ele não tem nada.” (PEROZIM, Lívia. Oráculo moderno. In: Folhasinapse, nº 41, 29 de novembro de 2005).123 [...]competência é definida como “estoque de conhecimentos/habilidades”, mas sobretudo comocapacidade de agir, intervir, decidir em situações nem sempre previstas ou previsíveis. (MANFREDINI, S.M. apud DRUCK, Graça. Qualificações, empregabilidade e competência: mitos “versus” realidade. In: Otrabalho no século XX: considerações para o futuro do trabalho. São Paulo: A . Garibaldi; Bahia:Sindicato dos Bancários da Bahia, 2001, p.87). A figura da competência é mais perversa porque atribuída deforma exclusiva ao trabalhador, sendo unicamente sua a responsabilidade.124 Apostila de empresa capixaba (COLBARI, Antônia. DAVEL, Eduardo. SANTOS, Glícia. O MercadoComo Princípio de Autoridade nas Organizações Contemporâneas: padrões de gestão, formação profissionale identidade em duas empresas capixabas. In: Revista de Administração Pública, v.35, n.2, mar./abr. 2001,p.27).

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estabelece a relação direta entre um maior número de violações de normas de segurança e

medicina do trabalho nas grandes corporações e o maior número de gerentes graduados

com MBA na direção.125

O outro discurso freqüentemente encontrado na prática competitiva da

empresa é o da da guerra. A sociedade panótica desde o início tomou por base o modelo da

disciplina militar, o qual se estendeu à fábrica. O discurso belicista (business-as-war126)

leva esse paralelo às últimas conseqüências e reproduz uma agressividade ímpar, tornando

o local de trabalho “um lugar propício ao sofrimento, à violência física e psicológica, ao

estresse em todas as instâncias”.127 Os ramos mais competitivos de atividade, como por

exemplo o mercado de refrigerantes, indústria alimentícia e setor de informática adotam

essa ideologia e são conhecidos no mercado por seu comportamento agressivo. Alguns

métodos organizacionais são diretamente inspirados nas forças armadas (marines) e se

apresentam sob títulos bastante sugestivos, como: “ataques de guerrilha”, “abordagem da

força bruta” e “campanhas de retaliação”. O objetivo é destruir os inimigos, capturando

seus espaços no mercado, e conquistar os consumidores, opondo-se às suas estratégias de

defesa. Porém, mais do que isso, o discurso belicista serve ao propósito de criar a

identidade no corpo social da empresa. Serão eles (capital e trabalho da empresa) contra a

toda a sociedade: concorrentes e consumidores.

A analogia da guerra supre a carência empresarial de um aparatogerencial capaz de transcender o discurso e construir uma base depensamento que sustente a estrutura do sistema organizacional, provendodisciplina, motivação, solidariedade, resistência e otimismo às tropas deempregados, observa Desmond (1997). A metáfora bélica fornece,

125 Matéria “Bad for business?” encontrada no site da revista The Economist. (Disponível em<http://www.economist.com/business/displaystory.cfm?story_id=3672752> . Acesso em 22.02.2005).126 O presente tópico obteve os dados principalmente junto ao estudo realizado por José Luis Felício dosSantos de Carvalho e Sergio Proença Leitão, sob o título “Violência e mudança nas organizações: uma críticaà metáfora business-as-war, publicado na Revista de Administração Pública, v.35, n.2, mar./abr. 2001.127 CARVALHO, José Luis Felício dos Santos de. LEITÃO, Sergio Proença. Violência e mudança nasorganizações: uma crítica à metáfora business-as-war. In: Revista de Administração Pública, v.35, n.2,mar./abr. 2001, p. 46.

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segundo esse autor, um senso de identidade e significação que ajuda osgestores a sentirem-se seguros em um mundo incerto e constantementeameaçado.128

A identidade serve igualmente ao público interno, pois quaisquer

opositores às orientações e normas da empresa serão vistos como “traidores” ou

“inimigos”. A solidariedade no grupo é tênue, uma vez que o trabalhador é visto como uma

peça a mais na engrenagem, certamente passível de sofrer os “necessários sacrifícios”.

Esse discurso reproduz a denominada por Michel Foucault “guerra das

raças” travadas no Estado. A guerra das raças não se assenta propriamente no racismo

étnico, mas no “racismode tipo evolucionista”, no “racismo biológico”, no racismo de

classes ou político. Como ele esclarece: “Com efeito, que é o racismo? É, primeiro, o meio

de introduzir afinal, nesse domínio da vida de que o poder se incumbiu, um corte: o corte

entre o que deve viver e o que deve morrer.” 129 O racismo autoriza então o Estado a

fragmentar e estabelecer distinções internas para o exercício do biopoder, do poder voltado

à população para “fazer viver” e “deixar morrer”, de maneira que a guerra assentada no

racismo justifica não apenas a “morte” dos adversários, como expor à morte os próprios

colaboradores, já que não é possível um guerra apenas contra os adversários.

A guerra [segundo ele] vai se mostrar , no final do século XIX, comouma maneira não simplesmente de fortalecer a própria raça eliminando araça adversa (conforme os temas da seleção e da luta pela vida), masigualmente de regenerar a própria raça. Quanto mais numerosos forem osque morrerem entre nós, mais pura será a raça a que pertencemos.130

128 CARVALHO, José Luis Felício dos Santos de. LEITÃO, Sergio Proença. Violência e mudança nasorganizações: uma crítica à metáfora business-as-war. In: Revista de Administração Pública, v.35, n.2,mar./abr. 2001, p. 43.129 FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). GALVÃO,Maria Ermantina (trad). São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 304.130 FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). GALVÃO,Maria Ermantina (trad). São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 308.

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5. A organização produtiva no Brasil

O Brasil é um país intermediário entre o mundo desenvolvido (EUA,

Alemanha e Japão) e o mundo periférico (mundos andino, africano e interior da Índia e da

China)131, embora apresente o maior abismo entre ricos e pobres da América Latina.132

Com taxa média anual de variação do PIB de 4,14% no período de 1890 a 1980, o

capitalismo brasileiro foi um dos mais dinâmicos do mundo, atingindo o ápice, entre os

anos de 1950 a 1980, quando se incentivou a industrialização nacional, com taxa média da

produção anual estimada em 7%. Em 1980, a renda brasileira correspondia a 3,5% da

economia mundial, sendo a renda per capita interna correspondente a 36,1% da renda per

capita dos grandes centros capitalistas. O emprego da indústria de transformação ocupava

20% do quadro interno e equivalia a 4,1% do volume mundial dos postos de trabalho. Esse

período se caracterizou por um projeto de industrialização fundado em forte expansão

estatal e pela ampla internacionalização do mercado interno. A partir de 1980, contudo,

depara-se com a desaceleração da economia brasileira, resultando na retração dos índices

mencionados, os quais, em 1999, correspondiam àqueles da década de 40: renda nacional

equivalente a 2,8% da renda mundial, a renda média dos brasileiros a 27% da renda média

dos habitantes dos países ricos e a indústria da transformação ocupando apenas 12% do

quadro interno dos postos de trabalho, ou seja, 3,1% dos empregos industriais do mundo.

131 LIPIETZ, Alain.O Mundo do pos-fordismo. In: Indicadores econômicos FEE, v.24, n.4, fev. 1997, p. 79.Embora se saiba atualmente ser difícil se fazer uma distinção clara entre os países periféricos e centrais, hajavista o desenvolvimento de espaços de alta tecnologia em países periféricos, assim como espaços de baixodesenvolvimento em países centrais, a denominação é mantida no presente estudo, levando-se em conta oquadro preponderante sócio-econômico encontrado nos locais mencionados.

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Os dados acima refletem o desemprego estrutural do modelo capitalista

mundial e a incapacidade da economia brasileira de reagir adequadamente a esse quadro.

Segundo Márcio Pochmann, a taxa de desemprego das nações desenvolvidas saltou de

4,04% (1975) para 6,18% (1999), enquanto, nos países não-desenvolvidos, subiu de 1,79%

para 5,35% no mesmo período. No Brasil, a variação aumentou em 369,4%, alterando-se

de 1,73% para 9,85%. Nesse mesmo ano, o Brasil passou a ocupar o terceiro lugar no

ranking dos países com maior número de desempregados, cuja mão-de-obra excedente

supera o número de países com população maior, como é o caso dos Estados Unidos e da

China133.

O enfrentamento desse problema, segundo Alain Lipietz, se faz de duas

formas: pelo modelo ofensivo e pelo modelo defensivo. O modelo ofensivo se opera no

seio da empresa e se caracteriza pela “autonomia responsável” que requer o envolvimento

do trabalhador. Esse envolvimento “pode significar qualificação, cooperação horizontal,

participação na definição e nos controles das tarefas, negociação das reestruturações

industriais e assim por diante”, e pode ser negociado individualmente, por firma, por setor

ou ao nível de toda sociedade. O modelo defensivo reflete um ajuste externo à empresa,

sustentando-se na “flexibilidade do contrato salarial”. Os países transitam entre esses dois

eixos, apresentando-se os Estados Unidos e a Grã-Bretanha como modelos de

flexibilidade, a França como modelo de negociação individual, o Japão como modelo de

negociação por empresa, a Alemanha como modelo de negociação por setor e a Suécia

como o modelo mais amplo. De todo modo, para Alain Lipietz

132 Segundo relatório “The Inequality Predicament” da ONU, divulgado em 25.8.2005, no Brasil, “ a rendaper capita dos 10% mais ricos equivale a 32 vezes a dos 40% mais pobres” (Abismo social aumentou namaior parte do mundo, diz estudo da ONU. Folha de São Paulo, 26.8.2005, f. A 18.)133 Todos os dados mencionados foram extraídos de organismos internacionais e foram analisados por MárcioPochmann (POCHMANN, Márcio. O emprego na globalização: a nova divisão internacional do trabalhoe os caminhos que o Brasil escolheu, 1ª edição. São Paulo: Boitempo, 2001).

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[...] não pode haver envolvimento coletivo dos trabalhadores se nãohouver solidariedade de destino entre a firma e seu pessoal, ou seja, numcontexto de ‘flexibilidade externa’, e isso em qualquer nível (firmasindividuais de um setor ou de um território). [...] Essa combinaçãopermanece evidentemente possível, se disser respeito, em uma mesmasociedade, a vários segmentos diferentes do mercado de trabalho. O queem geral se exclui é o envolvimento negociado de um coletivo detrabalhadores flexíveis, ou seja, o modelo de Piore & Sabel. 134

O modelo toyotista recebe bem a combinação dos dois modelos de

contratação, enunciados por Alain Lipietz, na mesma empresa. A fragmentação da

empresa, internamente e para além das fronteiras nacionais, possibilita a contratação de

atividades menos qualificadas, sob um regime mais flexível de mão-de-obra -

subcontratação, terceirização, contratação direta como autônomos – e a contratação da

mão-de-obra qualificada em um regime de envolvimento negociado. Porém, como reforça

David Harvey:

“Curiosamente, o desenvolvimento de novas tecnologias gerouexcedentes de força de trabalho que tornaram o retorno de estratégiasabsolutas de extração de mais-valia mais viável mesmo nos paísescapitalistas avançados.”135

Desde 1990 a economia brasileira passou de um paradigma tecnológico

taylorista, de proteção do produto interno por barreiras alfandegárias e regulação

trabalhista corporativista136, para um modelo voltado à maior integração do Brasil no

mercado internacional e de maior flexibilização do trabalho. Entretanto, essas

modificações não foram suficientes para alavancar a criação de postos de trabalho

qualificados, como já visto acima. Nos anos 90, houve o crescimento das profissões

134LIPIETZ, Alain O Mundo do pos-fordismo. In: Indicadores econômicos FEE, v.24,n.4, fev. 1997, p. 84/85.135 HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens damudança cultural. São Paulo: Loyola, 1992, p. 175.136 A regulação trabalhista corporativista é identificada com o “compromisso do Estado e os trabalhadoresassalariados obtido por meio de um organismo único, com garantia de certos interesses da aristocraciaoperária”, mencionado por Alain Lipietz, e que se expressam na realidade brasileira nas figuras da unicidadesindical e da desindexação salarial e poder normativo da Justiça do Trabalho (LIPIETZ, Alain O Mundo dopos-fordismo. In: Indicadores econômicos FEE, v.24, n.4, fev. 1997, p.86).

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vinculadas ao setor terciário de serviços básicos (asseio e conservação, segurança pública e

privada, construção civil, professores e funcionários públicos) em detrimento das

profissões vinculadas ao setor industrial que necessitam de especialização prévia (como

por exemplo, calçadistas, mestres em manufaturas, carpinteiros, tecelões, torneiros

mecânicos, chefes administrativos)137. O modelo brasileiro procura somar a autonomia

responsável com a flexibilidade externa, nos mesmos moldes norte-americanos138, sem

contudo apresentar uma cobertura social e salários suficientes para os trabalhadores. A

legislação nacional além de permitir como regra geral a dispensa injustificada do

trabalhador, admite como salário mínimo o valor correspondente em 2005 a pouco mais de

U$ 100,00. A assistência social aos trabalhadores à margem do mercado formal é precária

e aqueles que dependem dela se vêem na situação de excluídos sociais.

Gilberto Dupas alerta, de toda sorte, para a reduzida geração de emprego

pelas empresas transnacionais nos países em desenvolvimento e países pobres com o

modelo de economia global:

Restringindo-se o foco às empresas transnacionais, dois terços dos novosemprego por elas gerados estão nos países sedes. Dois terços do restante,pouco mais de 20% do total, encontram-se em suas filiais em paísesdesenvolvidos, sobrando pouco mais de 10% do total para os países maispobres139.

O índice de desemprego em grandes centros urbanos (Porto Alegre,

Salvador, Recife, São Paulo, Distrito Federal e Belo Horizonte) figura em média no

patamar de 20,6% e de trabalhadores na informalidade, em mais de 23,6% da mão-de-obra

137 POCHMANN, Márcio. O emprego na globalização: a nova divisão internacional do trabalho e oscaminhos que o Brasil escolheu, 1ª edição. São Paulo: Boitempo, 2001, p. 68 e 70.138 Alain Lipietz descreve a “japonização de imitação” dos americanos, em que o incentivo à maior qualidadedos produtos e eficácia dos processos produtivos é feita por meio de concurso entre os trabalhadores para verquem cometerá menos erros ou deixará passar menos defeitos, contradizendo todo o ideário japonês deatuação coletiva. Os trabalhadores premiados recebem bens de consumo durável (do contrário gastariamtudo), repetindo a mesma situação de moralização presente no modelo de Henry Ford (LIPIETZ, Alain OMundo do pos-fordismo. In: Indicadores econômicos FEE, v.24, n.4, fev. 1997, p.107/108).

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ativa.140Em recente estudo, Márcio Pochmann percebeu a queda ainda mais acentuada da

mão-de-obra formal, abrangendo apenas 54% da população ativa, como resultado do baixo

crescimento econômico nacional141. A insuficiente cobertura social em serviços como

saúde, educação e previdência social e os baixos salários impulsionam igualmente grande

percentual de trabalhadores em idade escolar (idade inferior a 14 anos), bem como

trabalhadores aposentados ou pensionistas ao mercado de trabalho. Os baixos salários

geram a necessidade do trabalhador brasileiro, quando tenha oportunidade, de trabalhar em

mais de um emprego (3,4 milhões) ou em jornada extraordinária (29 milhões). 142

Os trabalhadores brasileiros sentem-se insatisfeitos, pois são

pressionados a adotar modelos de competitividade, em que se exige o comprometimento

emocional, com incremento da mais-valia absoluta e relativa, e não recebem a

contrapartida esperada, ou seja, a estabilidade no emprego e melhor remuneração. Dessa

maneira, os laços de solidariedade entre os integrantes de um mesmo grupo de base são

tênues, havendo mesmo indiferença em relação a quem deve compor a equipe de base, no

caso da gestão sob o modelo toyotista:

[...] as organizações são valorizadas como marco de progresso econômicoe como fonte do emprego, mas são, sobretudo, temidas pelo seu poder demarginalizar, de excluir aqueles que não lhe interessam mais. Este poderorganizacional dissemina o sentimento de impotência, gera o sofrimentoe o medo de que todo o investimento no trabalho e a atuação profissionalexemplar não assegurem nenhuma garantia de permanecer no emprego. A

139 DUPAS, Gilberto. Economia global e exclusão social: pobreza, emprego, estado e futuro docapitalismo, 2ª ed. revista e ampliada. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 76.140 Índices obtidos junto ao IPEA e correspondentes às variações de jan-mar/2004.141 REHDER, Marcelo. País tem menos assalariados hoje do que em 1980, diz estudo. In: O Estado de SãoPaulo. 18 de julho de 2005. Caderno de economia & negócios, p. B5.142 Em 2000, havia 2,8 milhões de crianças e cerca e 5,3 milhões de aposentados e pensionistas trabalhando(POCHMANN, Márcio. O emprego na globalização: a nova divisão internacional do trabalho e oscaminhos que o Brasil escolheu, 1ª edição. São Paulo: Boitempo, 2001, p. 120/121.)

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demissão é sempre uma possibilidade concreta, justificando o esforçoincansável para maximizar a empregabilidade. 143

As empresas brasileiras, acuadas pela competição internacional e por

uma economia interna cada vez mais dependente, buscam toda forma de redução de seus

custos de produção. Nessa perspectiva, a exigência de aumento da produtividade se reflete

no acirramento da vigilância hierárquica e do controle do trabalhador. Todo e qualquer

desvio é punido pelos mais diversos instrumentos (sanção normalizadora), adotando

inclusive formas consideradas abusivas pelo direito. Nesse contexto, o assédio moral se

incorpora à prática empresarial como medida corrente, difundida em todo quadro de

pessoal e até incentivada implícita ou explicitamente pela direção, configurando-se uma

“sanção normalizadora permanente” de todos contra todos.

143 COLBARI, Antônia. DAVEL, Eduardo. SANTOS, Glícia. O Mercado Como Princípio de Autoridade nasOrganizações Contemporâneas: padrões de gestão, formação profissional e identidade em duas empresascapixabas. In: Revista de Administração Pública, v.35, n.2, mar./abr. 2001, p. 34.

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CAPÍTULO II - O ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL

Trata-se ao mesmo tempo de tornar penalizáveis as frações mais tênues daconduta, e de dar uma função punitiva aos elementos aparentemente

indiferentes do aparelho disciplinar: levando ao extremo, que tudo possaservir para punir a mínima coisa;[...] (Michel Foucault, sobre a sanção

normalizadora).144

1. Identificação do problema

O assédio moral, tal qual a sanção normalizadora da sociedade

disciplinar, reveste-se em ampla variedade e sutileza tanto no que diz respeito às atitudes

do agressor como às reações da vítima, desencadeando a ausência de consenso sobre sua

definição; dificuldade que se repete quando ele se expressa no ambiente trabalho. Essa

prática, muitas vezes confundida com simples brincadeiras ou problemas de pequena

importância a ser resolvido entre adultos, até bem pouco tempo era ignorada pelo direito,

sendo considerada corriqueira e irrelevante. A tutela jurídica se limitava a atender

pontualmente algumas manifestações graves do quadro, como por exemplo: a inatividade

da vítima, regressão funcional e discriminação.

144 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões, p. 149.

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O aprofundamento do estudo das doenças do trabalho, principalmente de

cunho mental, permitiu o estabelecimento do nexo causal com as diversas condutas

abusivas e mesmo a conexão destas condutas entre si, possibilitando o tratamento global

pelo direito. Entretanto, o enfoque da questão precipuamente nas conseqüências físicas ou

mentais para as vítimas e no perfil psicológico dos agressores desvia a atenção do viés

coletivo do problema. Como reforça Michel Debout:

É necessário evitar o tratamento psiquiátrico excessivo das relações detrabalho, reconduzindo a sua leitura e compreensão à uma eventualpatologia dos atores sem levar em consideração o aspecto coletivoindissociável da realidade do trabalho145

No primeiro capítulo, procurou-se demonstrar a utilização de pequenas

condutas humilhantes e vexatórias como instrumento do poder disciplinar desde o século

XVIII (sanção normalizadora), as quais agravadas e sistematizadas conduzem ao assédio

moral organizacional. Buscou-se demonstrar também a influência dos modelos de gestão

na difusão do exercício de poder em todo o corpo de assalariados e a atual necessidade de

engajamento subjetivo do trabalhador de modo a permitir o exercício mais intensificado do

controle disciplinar e a responsabilidade do trabalhador, inclusive sobre a qualidade do

produto produzido, o incremento do ritmo de trabalho e a polivalência de funções,

transformando todo integrante da organização em potencial agressor e vítima. Tudo isso

inserido em um contexto de escassez permanente de postos de trabalho, precariedade de

boa parte dos vínculos laborais estabelecidos, flexibilização do trabalho e da

internacionalização dos mercados. Essa abordagem privilegia o caráter coletivo e

organizacional das relações de trabalho, voltando-se às causas da questão e não apenas aos

145 Il faut éviter ainsi la psychiatrisation excessive des relations de travail renvoyant leur lecture et leurcompréhension à une eventuelle pathologie des acteurs ce que ne tient pas compte de l’aspect collectifindissociable de la réalité du travail (DEBOUT, Michel. Le harcèlement moral au travail. Paris: Conseiléconomique et social, 2001, p. 43, tradução nossa).

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seus sintomas, exigindo, dessa forma, a revisão dos dados estatísticos já obtidos e dos

critérios para a identificação do assédio moral.

1.1. Revisão das pesquisas

A primeira pesquisa noticiada pela literatura foi elaborada por Heinz

Leymann, em 1992, que observou o assédio moral em cerca de 3,5% da população ativa

sueca no ano de 1990 e relacionou-o com 10 a 20% dos suicídios146. As vítimas se

subdividem em 55% do sexo feminino e 45% do sexo masculino. Cerca de um terço dos

assédios foi cometido por uma única pessoa e 40% de duas a quatro pessoas147. Seu estudo

despertou o mundo do trabalho para a gravidade do problema, multiplicando as pesquisas

em todo globo.

No início de 2000, a Fundação de Dublin realizou uma enquete entre os

assalariados de 15 Estados-membros europeus e verificou a ocorrência de intimidação no

local de trabalho em 9% deles (aproximadamente 13 milhões de pessoas), dos quais 2% se

declararam vítimas de assédio sexual e 2% de violência psíquica. Na França, a associação

“Mots pour maux au travail”, em conjunto com os médicos do trabalho da Alsácia,

detectou, nos meses de fevereiro e março de 2000, a presença de assédio no local de

trabalho de 9,6% dos entrevistados.

146 LEYMANN, Heinz. Mobbing – its course over time. Disponível em<http://www.leymann.se/English/frame.html>. Acesso em 13.3.2006.147 LEYMANN, Heinz. Epidemiological Findings. Disponível em<http://www.leymann.se/English/frame.html>. Acesso em 15.07.2005.

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Com intuito de detalhar especificamente no assédio moral, os psicólogos,

Jean-Luc Viaud e Jean-Luc Bernaud, da Universidade de Rouen, dirigiram um

questionário às pessoas registradas na Associação Nacional de Vítimas de Assédio

Psicológico no Trabalho (Association nationalie e victimes de harcèlement psychologique

au travail), as quais constataram a presença majoritária (mais de 70%) de mulheres com

mais de 40 anos e formação superior entre as vítimas. Outro dado expressivo é a presença

de mais de um agressor, em 80% dos casos, sendo 44% deles praticado por um grupo de

quatro pessoas. Os agressores individuais são na maioria homens (74,5%), enquanto as

mulheres se apresentam como sujeito ativo na maioria dos assédios realizado por grupos de

mais de quatro pessoas (56,8%). Quase a totalidade dos assédios foram praticados por

superiores hierárquicos das vítimas (90%). Em 87,5% dos casos há mais de uma vítima e

em 45% deles o número de vítimas supera quatro148.

A Confederação Cristã de Sindicatos de Luxemburgo (LCGB) apurou, a

partir de 1999, que a maior parte das vítimas foi assediada por pessoas do mesmo sexo:

70% dos homens e 30% das mulheres foram agredidos por homens, 40% das mulheres e

3% dos homens, por mulheres e 30% das mulheres e 21% dos homens, por agressores de

ambos os sexos. Desse total, 44% dos agressores estavam no mesmo nível hierárquico das

vítimas e 37% em nível superior.149

No Brasil, a médica do trabalho Margarida Barreto estima a ocorrência

de assédio moral em 36% da população ativa. Na pesquisa que realizou junto à indústria

química, plástica, farmacêutica, de cosméticos e similares de São Paulo, em 1997, o

percentual encontrado alcançou 42% dos trabalhadores, o qual estava dividido na

148 DEBOUT, Michel. Le harcèlement moral au travail. Paris: Conseil économique et social, 2001, p.25/27.

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proporção de 51% para mulheres e 49% para homens. A faixa etária variava em média

entre 30 e 50 anos e quase a metade dos trabalhadores sequer completaram o primeiro

grau.150

A diferença dos percentuais de incidência da questão se deve claramente

aos locais das pesquisas, ramos de atividades (quando específicos) e critérios como a

periodicidade e a conceituação da conduta abusiva. Os dados da Suécia são menores em

face do caráter restrito do conceito de Heinz Leymann (somente há o mobbing se a vítima

desenvolve doenças psíquicas e físicas, cuja agressão se repita uma vez por semana pelo

período mínimo de 6 meses). Esse autor desconsidera as atitudes mais sutis do agressor, as

quais se manifestam no momento antecedente ao início da agressão ou degeneração do

conflito. A inclusão de atitudes sutis eleva o percentual de vítimas para algo entre 9 e

10%151, como se verificou na França. A pesquisa francesa da Alsácia, por sua vez, adotou

como critério a prática, ao menos uma vez, de uma das condutas identificadas como

abusivas, elevando também o percentual para 9,6% dos trabalhadores. A pesquisa da

Confederação de Luxemburgo incluiu na definição de assédio moral o assédio sexual. No

Brasil, o critério utilizado foi a descrição pela vítima de uma situação humilhante durante

consultas médicas no sindicato.152

Interessa destacar a influência do nível de conscientização e de debate do

problema nos resultados divulgados, como apurou a Fundação de Dublin, ao verificar a

superioridade do percentual de vítimas na Finlândia, no Reino Unido e nos Países Baixos,

149 Disponível em < http://www.eiro.eurofound.eu.int/2001/05/inbrief/lu0105166n.html>. Acesso em01.03.2005.150 BARRETO, Margarida Maria Silveira. VIOLÊNCIA, SAÚDE E TRABALHOUma jornada de humilhações. São Paulo: EDUC. 2003, p. 29/32.151 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2002, p. 117.

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países em que o debate público se iniciou há diversos anos. Heinz Leymann testemunha

essa circunstância com a seguinte declaração: “Inúmeras foram as vítimas de assédio que

se manifestaram para nos dizer que nossa terminologia lhes ajudou a melhor conhecer e

analisar aquilo a que foram submetidas.”153

Ao contrário do que defendem alguns estudiosos, os dados acima, em sua

maioria, corroboram a assertiva de que o assédio moral não traduz uma modalidade de

discriminação de gênero. Há pessoas de ambos os sexos tanto nos pólos ativos quanto

passivos. A predominância de mulheres entre as vítimas em algumas pesquisas decorre da

cultura local154 e do fato de elas, majoritariamente, integrarem a força de trabalho mais

precária e, por conseguinte, mais sujeita ao estresse155. Além do mais, deve ser levada em

conta a dificuldade masculina em se reconhecer na posição de vítima, pois o assediado é

identificado como uma pessoa frágil dentro do grupo. Os países escandinavos e

germânicos apresentam números muito próximos de homens e mulheres assediados:

Estrasburgo: 56,5% de homens e 43,5% de mulheres; Noruega (1996) 55,6% de mulheres e

43,9% de homens. O primeiro levantamento brasileiro, restrito ao estado de São Paulo,

152 O percentual encontrado por Margarida Barreto é próximo ao percentual obtido por uma revista francesaque utilizou o mesmo critério subjetivo (30%). HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho:redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 117.153 “nombreuses sont les personnes victimes de mobbing qui se sont manifestées pour nous dire que notreterminologie les a aidées à mieux saisir et analyser ce qu’on leur faisait subir”.(LEYMANN, Heinz. ApudDEBOUT, Michel. Le harcèlement ..., p. 18.154 “Mas é necessário atribuir tais percentagens ao contexto sociocultural. Os países escandinavos e aAlemanha manifestam um real preocupação com a igualdade de oportunidades entre os dois sexos. Nospaíses latinos ainda reina uma atmosfera machista. Na Itália, na Espanha e na América Latina, muitoshomens consideram que cada mulher que trabalha é culpada por um desempregado entre os homens”. Emnota de rodapé a autora ainda reforça: “ Também se pode considerar que uma outra ponta do nosso estudoestaria ligada ao fato de as mulheres exprimirem sentimentos mais facilmente do que os homens, sobretudoquando o interlocutor é um psiquiatra” (HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho, p. 99).155 “ [...] B. Considerando que a frequência da violência e do assédio no trabalho, fenómenos entre os quais aFundação inclui o assédio moral, varia muito entre os Estados-Membros, devido, segundo a Fundação, aofacto de que os casos são pouco declarados em certos países, que a sensibilização é maior noutros e queexistem diferenças de sistema jurídico e diferenças culturais; que a insegurança das condições de trabalho éuma razão essencial da frequência crescente da violência e do assédio, [...]2. Chama a atenção para o facto deo crescente aumento dos contratos a termo e da precariedade do emprego, especialmente entre mulheres,proporcionar condições propícias à prática de diferentes formas de assédio; [..]” Trecho extraído do relatórioda Fundação Dublin. (Disponível em <http://www.assediomoral.org/site/legisla/I-europeu.php>. Acesso em12.07.2005).

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curiosamente também registrou percentuais muito próximos como vimos acima. A

pesquisa nacional, por outro lado, apontou a prevalência de mulheres (65%) entre as

vítimas.156

De toda sorte, o que chama atenção nas pesquisas mais detalhadas é a

menção da prática conjunta do assédio. No estudo da Confederação Cristã de Sindicatos de

Luxemburgo, o mobbing foi praticado por mais de uma pessoa contra 51% dos

entrevistados, sendo que, em 44% dos casos, os agressores tinham o mesmo nível

hierárquico da vítima. A Universidade de Rouen apurou a atuação coletiva em 80% dos

casos, sendo que as vítimas também não estavam isoladas, compondo uma coletividade em

87,5% deles. No Brasil, o estudo nacional da médica Margarida Barreto indica como

agressor isolado o chefe, em 90% dos casos; no restante das situações há mais de um

agressor envolvido, subdividos em: 6% o chefe e os colegas, 2,5%, os colegas e 1,5% os

subordinados. Embora não existam dados específicos em relação às vítimas, a literatura157

e jurisprudência também descrevem predominantemente situações coletivas, como ver-se-á

ao se discorrer sobre os critérios de identificação do assédio moral organizacional.

156“Segundo o estudo, realizado pela médica Margarida Barreto, pesquisadora da PUC-SP (PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo), as mulheres são as maiores vítimas -65% das entrevistadas têmhistórias de humilhação, contra 29% dos homens.”(apud BURATTO, Luciano Grüdtner. Assédio moralapressa a demissão. Folha de São Paulo. Disponível em<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/empregos/ce0107200101%2ehtm>. Acesso em 15.07.2005).157 Margarida Barreto estudou a humilhação dos trabalhadores da indústria química paulista com doençasprofissionais ou seqüelas decorrentes de acidente de trabalho. Todos os trabalhadores nessas condiçõessofriam o assédio. Os relatos indicam normalmente um grupo de vítimas e de agressores.

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1.2. Critérios para identificação do assédio moral organizacional

Para análise dos critérios de identificação do assédio moral fruto da

forma de gestão da organização, faz-se necessário primeiro estabelecer as diversas

modalidades por meio da qual ele pode se manifestar. O assédio moral pode ser

identificado de acordo com sua origem como assédio moral vertical descendente,

horizontal ou vertical ascendente. O assédio moral oriundo do superior hierárquico da

vítima é denominado assédio vertical descendente. A perseguição praticada pelos próprios

colegas de trabalho se identifica como assédio moral horizontal. E o assédio vertical

ascendente, mais raro, traduz aquele realizado pelos subordinados contra um superior

hierárquico. Essas modalidades em geral se manifestam de forma combinada, configurando

o assédio moral misto. A espécie mais comum de assédio moral misto é aquela em que o

grupo de colegas da vítima adere ao assédio moral vertical descendente.

Os critérios freqüentemente utilizados para a identificação do assédio

moral no trabalho são: a repercussão da conduta abusiva na saúde física e psicológica da

vítima, a periodicidade e durabilidade do ato faltoso, as espécies de condutas abusivas, a

sua finalidade, o perfil e a intencionalidade do agressor. Verificar-se-á a sua adequação

para a definição de assédio moral organizacional.

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1.2.1. Critério biológico

Para a primeira corrente, somente há o assédio quando a vítima

desenvolve algum sintoma de estresse ou doença, de natureza psicossomática ou mental,

como reação à situação hostil a que foi submetida. Heinz Leymann estabelece uma linha

divisória rígida entre mobbing e estresse. Ele identifica a primeira figura apenas quando o

conflito de trabalho se degenera e resulta em prejuízo físico ou psicológico para a vítima,

ou seja:

[...] mobbing é visto como um fenômeno social extremo, desencadeadopor estressores sociais extremos, causando vários efeitos negativos, comoreações biológicas e físicas estressantes. [...] A reação sempre é vistacomo de natureza biológica com efeitos psíquicos que podem serresponsáveis por mudanças de comportamento [...]158.

O psicólogo alemão Dieter Zapf segue um posicionamento mais flexível,

ao admitir o bullying na presença de situações de extenso e extremo estresse social, sem

necessariamente acarretar qualquer distúrbio biológico159. A exigência de que a vítima

apresente um quadro de doenças mentais ou físicas condiciona o reconhecimento do

assédio moral à sua subjetividade e ignora os casos em que ela seja mais resistente à

agressão ou quando os seus problemas físicos ou psíquicos transpareçam apenas após o

término da violência.160 Além do mais, o enfoque biológico ou mental permite o

158 [...] mobbing is seen as an extreme social phenomenon, triggered by extreme social stressors, causing arange of negative effects, such as biological and psychic stress reactions. [...] The reaction is seen as alwaysbeing of biological nature with psychic effects which may be responsible for changes in behavior [...].(LEYMAN, Heinz. The relationship of mobbing to stress. In: The mobbing encyclopaedia: Bullying;whistleblowing: the definition of mobbing at workplaces. Disponível em<http://www.leymann.se/English/11310E.HTM>. Acesso em 12.07.2005. Tradução nossa).159 “Bullying (mobbing) is an extreme form of social stressors at work. Unlike normal social stressors,workplace bullying is a long lasting (at least 6 months), escalated conflict with frequent harassing actions (atleast every week), systematically aimed at a target person and carried out by colleagues, supervisors orsubordinates.”(ZAPF, Dieter. Work and Organizational Psychology unit. Research. Disponível em<http://www.psychologie.uni-frankfurt.de/Abteil/ABO/forschung/mobbing_e.htm>. Acesso em 18.8.2005.)160 Marie-France descreve vítimas que desenvolvem o quadro psicossomático ou psicológico após o términodo assédio moral (HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho : redefinindo o assédio moral.Tradução Rejane Janowitzer. São Paulo: Bertrand Brasil, 2002). Hádassa Ferreira defende a mesma linha:

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questionamento de aspectos privados da vida do empregado como motores dos distúrbios

explicitados, afastando ou minimizando os efeitos da agressão.

O assédio moral organizacional segue caminho oposto. Pelo fato de

envolver um feixe de indivíduos, ele prescinde da comprovação de dano físico ou psíquico

das vítimas ou mesmo da situação de estresse. A relevância jurídica dessa prática se

expressa no simples desrespeito reiterado e sistemático aos direitos fundamentais dos

trabalhadores assediados, de maneira a gerar-lhes situações de vexame, humilhação e

constrangimento.

1.2.2. Critério temporal

O segundo critério mencionado se traduz na freqüência e peridiocidade

da conduta abusiva. O assédio moral foi conceituado por Marie-France Hirigoyen em sua

primeira obra da seguinte maneira:

Por ASSÉDIO MORAL em um local de trabalho temos que entendertoda e qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo, porcomportamentos, palavras, gestos, escritos, que possam trazer dano àpersonalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de umapessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente detrabalho161.

“Diante disso, independentemente da ocorrência de danos físicos ou psicológicos ao trabalhador,demonstradas as condutas caracterizadoras do assédio moral, ele deverá ser reconhecido e tido porcomprovado, seja para o empregado pedir a rescisão indireta do contrato de trabalho por falta do empregador,seja para pleitear a indenização (FERREIRA, Hádassa Dolores Bonilha. Assédio moral nas relações detrabalho. Campinas: Russell, 2004, p. 128)”161 HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio Moral: a violência perversa no cotidiano. 6ª ed. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2003, p. 65.

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Esse conceito omite a reiteração da conduta abusiva ou agressiva e a sua duração

por determinado período de tempo. A própria autora, entretanto, reconheceu em obra

posterior que o assédio moral “só adquire significado pela insistência” e reformulou o

conceito:

[...] o assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta abusiva(gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ousistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de umapessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.162

Sem dúvida um único ato humilhante é reprovado pelo direito e

reconhecido como causa suficiente à condenação de indenização por dano moral,

entretanto, não configura assédio moral. Heinz Leymann enfatiza esse aspecto e sustenta

que a diferença entre conflito e mobbing não está focalizada no que é feito ou como é feito,

mas sim na freqüência e duração de seja lá o que for feito.163 Esse estudioso, bem como

Dieter Zapf,164 somente reconhece o mobbing no caso de a conduta abusiva se repetir

semanalmente pelo prazo mínimo de seis meses.

Os estudos já realizados na Suécia, Alemanha e França indicam que a

maioria das situações de assédio moral perduram por mais de um ano: 15 a 18 meses na

Suécia, mais de três anos na Alemanha e cerca de 40 meses na França. No setor público

francês, o assédio dura anos e até décadas, em face da estabilidade no emprego, e no setor

162 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2002, p. 17.

163A diferença entre conflito e mobbing “does notfocus on what is done or how it is done, but rather onthe frequency and duration of whatever is done”.(Bullying; Whistleblowing. Information aboutpsychoterror in the workplace. In: The mobbingencyclopaedia: Bullying; whistleblowing: thedefinition of mobbing at workplaces. Disponívelem <http://www.leymann.se/English/frame.html> .Acesso em 13.06.2005, tradução livre).

164 Workplace bullying (mobbing). Disponível em <http://www.psychologie.uni-frankfurt.de/Abteil/ABO/forschung/mobbing_e.htm>. Acesso em 13.07.2005.

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privado, pouco mais de um ano.165 Em território brasileiro, o assédio moral em média se

estende entre seis e doze meses na iniciativa privada, incluídas entidades sem fins

lucrativos, e mais de 37 meses na maioria dos casos ocorridos na Administração Pública166.

De todo modo, em vista da precariedade das relações de trabalho, com a possibilidade de

ruptura injustificada e imediata pelo empregador também do contrato de trabalho a prazo

indeterminado, justifica-se a rejeição de qualquer delimitação temporal mínima, como se

verifica na decisão abaixo:

ASSÉDIO MORAL. SUJEIÇÃO DO EMPREGADO.IRRELEVÂNCIA DE QUE O CONSTRANGIMENTO NÃOTENHA PERDURADO POR LONGO LAPSO DE TEMPO.Conquanto não se trate de fenômeno recente, o assédio moral temmerecido reflexão e debate em função de aspectos que, no atual contextosocial e econômico, levam o trabalhador a se sujeitar a condições detrabalho degradantes, na medida em que afetam sua dignidade. A pressãosobre os empregados, com atitudes negativas que, deliberadamente,degradam as condições de trabalho, é conduta reprovável que merecepunição. A humilhação, no sentido de ser ofendido, menosprezado,inferiorizado, causa dor e sofrimento, independente do tempo por que seprolongou o comportamento. A reparação do dano é a forma de coibir oempregador que intimida o empregado, sem que se cogite de que ele, emindiscutível estado de sujeição, pudesse tomar providência no curso docontrato de trabalho, o que, certamente, colocaria em risco a própriamanutenção do emprego. Recurso provido para condenar a ré aopagamento de indenização por danos provocados pelo assédio moral167.

A pesquisa brasileira relativa à freqüência aponta que, dentro de um

universo de 10.000 entrevistados autodeclarados vítimas de assédio moral, 50% deles

ressaltaram que a conduta abusiva se repetiu várias vezes por semana, para 27% ocorreu

uma vez por semana, para 14%, uma vez por mês e 9%, raramente.168 A par de os estudos

se dirigirem favoravelmente à marca mínima de uma vez por semana, não se pode ignorar

a gravidade dos malefícios causados por situações de assédio mesmo com menor

165 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2002, p. 117/118.166 Pesquisa realizada por Margarida Barreto. (Pressão cotidiana ou humilhação continuada? Folha sinapse, nº37, 26 de julho de 2005, p. 14).167 Acórdão do TRT 9ª Região, autos TRT-PR-09329-2002-004-09-00-2. ACO-00549-2004. Publicado em23-01-2004.168 Assédio moral: o lado sombrio do trabalho. Revista Veja. Edição 1913, ano 38, nº 28, 13.07.2005, p. 108.

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freqüência (uma vez ao mês), dependendo da conduta abusiva adotada. Porém, é certo que,

se for muito baixa a freqüência da atitude ilegal (raramente), como por exemplo, dois atos

faltosos ao longo de anos de contrato, o assédio não se caracteriza porque não se apresenta

como uma conduta sistemática. Mesmo o assédio moral coletivo, como bem expressa o

próprio termo, deve se manifestar como uma perseguição, um cerco às vítimas,

enfraquecendo-lhes e não lhes deixando escapatória por meio da regularidade do ataque.

1.2.3. Critério material

O terceiro critério enfatiza as condutas abusivas propriamente ditas. A

classificação de Marie-France Hirigoyen divide os diversos atos hostis em quatro

categorias: 1) deterioração proposital das condições de trabalho (retirar da vítima a

autonomia; não lhe transmitir mais informações úteis para a realização das tarefas;

contestar sistematicamente todas as suas decisões; criticar seu trabalho de forma injusta ou

exagerada; privá-la do acesso aos instrumentos de trabalho: telefone, fax, computador, ...;

retirar o trabalho normal que lhe compete; dar-lhe permanentemente novas tarefas;

atribuir-lhe proposital e sistematicamente tarefas superiores ou inferiores às suas

competências; pressioná-la para que não faça valer seus direitos; agir para impedir sua

promoção; atribuir-lhe tarefas perigosas ou incompatíveis com sua saúde; dar-lhe

instruções impossíveis de executar; induzir a vítima em erro), 2) isolamento e recusa de

comunicação (a vítima é interrompida sistematicamente; superiores hierárquicos e colegas

não dialogam com ela; a comunicação é unicamente por escrito; recusa de qualquer

contato, até mesmo visual; separação física da vítima; todos ignoram sua presença; os

colegas são proibidos de falar com ela; ela não pode falar com ninguém; a direção recusa

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pedido de entrevista), 3) atentado contra a dignidade (utilizar insinuações desdenhosas

para qualificá-la; fazer gestos de desprezo diante dela como suspiros, olhares desdenhosos,

...; desacreditá-la perante os colegas, superiores e subordinados; espalhar rumores a seu

respeito; atribuir-lhe problemas psicológicos; zombar de sua deficiência ou aspecto físico;

criticar sua vida privada, origem, deficiência, ...; atribuir-lhe tarefas humilhantes; injuriá-la

com termos obscenos e degradantes) e 4) violência verbal, física ou sexual (ameaçar com

violência física, agredi-la fisicamente ainda que de leve, falar com a vítima aos gritos,

invadir sua vida privada com ligações telefônicas ou cartas, seguirem-na na rua ou em seu

domicílio; fazer estragos em seu automóvel; assediá-la ou agredi-la sexualmente, por

gestos ou propostas; não levar em conta seus problemas de saúde)169.

O advogado trabalhista francês Philippe Ravisy enumera 50 condutas,

classificando-as em três campos distintos: as condições de trabalho, o trabalho em si

mesmo e a pessoa do trabalhador170, ou seja, praticamente segue os mesmos moldes da

psiquiatra francesa.

Perante a justiça francesa, foram selecionados os seguintes termos para a

descrição da ação do assédio: “guerra de nervos”, “comportamento manifestando a

intenção de atormentar”, “assédio insidioso”, “condições intoleráveis de execução do

trabalho”, “privação dos meios materiais para o exercício das funções como forma de

ofensa à dignidade”, “dar continuidade ao contrato de trabalho com o único fim de

humilhação”, “medidas disciplinares aplicadas sem justificação que conduzem a uma

desestabilização da pessoa”. Paul Bouaziz, advogado francês, estudando a fundamentação

de decisões judiciais, estabeleceu como linhas diretrizes para a verificação do assédio: 1.a

169 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2002, p. 108/109.

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incivilidade como símbolo humilhante; 2. o desvio das regras disciplinares; 3. o desvio do

poder de direção; 4.desvio do poder de organização.171 O conceito de incivilidade foi

extraído do relatório do Conselho Econômico e Social sobre violência e corresponde a:

pequenas distorções das regras de condutas indispensáveis à vida social,dificilmente perceptíveis a não ser por sua repetição e dificilmentepuníveis de forma isolada, mas com severas conseqüências para osindivíduos no trabalho e coletividades do trabalho.172

Tratando da realidade brasileira, Margarida Barreto destaca os

procedimentos mais corriqueiramente utilizados: dar instruções confusas ou imprecisas,

bloquear o andamento do trabalho, atribuir erros imaginários e ignorar a presença dos

trabalhadores.173

A literatura distingue as diversas condutas abusivas com base em sua

intensidade e sua vinculação às várias facetas da relação de trabalho: as condições

materiais de trabalho, as condições sociais de trabalho e a pessoa do trabalhador. Para

Heinz Leymann as condutas sutis, em regra caracterizam a fase anterior ao mobbing, sendo

consideradas como meros estressores sociais, pois para ele o assédio se configura a partir

do momento em que os estresse decorrente dos atos abusivo gera doenças físicas ou

mentais174. Marie-France Hirigoyen segue em caminho oposto e reconhece o assédio moral

desde as condutas mais sutis, como gestos e suspiros. A maioria dos estudiosos se filia ao

posicionamento dessa autora e admite a manifestação do assédio desde atos sutis até atos

mais ostensivos como isolamento, avaliações rigorosas, obstrução da atividade por meio da

170 SEYRIG, Silvain. Personne n’est d’accord sur as dèfiniton. Disponível em<http://www.hmstop.com/Articles/Article55.htm>. Acesso em 12.07.2005.171 DEBOUT, Michel. Le harcèlement moral au travail. Paris: Conseil économique et social, 2001, p. 36.172 (...) incivilités: menues entorses à des règles de conduites indispensables à la vie sociale, difficilementrepérables si ce n’est par leus inlassable répétition et donc difficilement sanctionnables prises isolément, maislourdes de conséquences pour les individus au travail et les collectivités de travail. (DEBOUT, Michel. Leharcèlement moral au travail. Paris: Conseil économique et social, 2001, p. 36, tradução nossa).173 BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, saúde e trabalho: uma jornadade humilhações. São Paulo: EDUC. 2003.

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sonegação de informações e equipamentos necessários ou exigência acima ou abaixo da

função contratada e condutas de explícita agressão verbal, sexual e física, ainda que leves.

As agressões nem sempre são humilhantes ou constrangedoras se

tomadas isoladamente, fora de sua contextualização. Valérie Malabat, analisando o tipo

penal francês do assédio moral salienta:

Poderão caracterizar atos de assédio as decisões normais nas relações detrabalho, mas que em razão de seu contexto, de suas circunstâncias, deseu modo de execução ou de sua repetição tendam a degenerar ascondições de trabalho.175

De toda sorte, o que se pode concluir é que o assédio moral configura um

desvio ou abuso no exercício de poderes reconhecidos ao empregador e visa todos os

aspectos ou expressões da personalidade do trabalhador sejam ou não diretamente

vinculadas à atividade contratada. O ponto de vista acima corrobora a assertiva de Heinz

Leymann, de que não importam os atos, mas sim a freqüência e duração do que seja feito.

Um claro exemplo pode ser obtido na jurisprudência espanhola. A

diminuição do nível de produtividade dos empregados de determinada empresa de

Valência resultou em modificação das suas condições de trabalho, determinando-se-lhes: a

tarefa de recuperação (ao invés de captação) de clientes, o exercício de suas funções em

uma mesa situada no lugar mais próximo à entrada principal da sede, a restrição severa de

sua liberdade de movimento, proibição de utilização de fotocópia e serviços de informática

da empresa.176 Individualmente, algumas atitudes podem ser até mesmo consideradas

174 LEYMAN, Heinz. The relationship of mobbing to stress. In: The mobbing encyclopaedia: Bullying;whistleblowing: the definition of mobbing at workplaces. Disponível em<http://www.leymann.se/English/11310E.HTM>. Acesso em 12.07.2005. Tradução nossa.175 Pourraient donc caractériser des actes de harcèlement, des décisions normales dans le cadre des relationsde travail mais qui en raison de leur contexte, de leurs circonstances, de leur mode d’execution ou de leurrépétition tendent à dégrader les conditions de travail. (MALABAT, Valérie. À la recherche du sens du droitpénal du harcèlement, p. 496, tradução nossa).176 Sentença do TSJ da Comunidade Valenciana, Sala do Contencioso-Administrativo, de 25.09.2001.(BENGOECHEA, Juan Antonio Sagardoy. Algunas notas sobre los derechos fundamentales en la empresa.In: Revista de Direito do Trabalho, vol. 29, nº 111, jul/set. 2003, p. 209).

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irrelevantes, mas o seu conjunto associado à causa das modificações denotam a intenção de

constranger e humilhar os trabalhadores.

Os empregadores franceses criticam a legislação justamente nesse ponto

porque “ela proíbe os atos repetidos de assédio moral sem defini-los”177. A ausência de

definição clara dos atos que configuram o assédio moral, segundo eles, poderia conduzir a

abusos dos empregados. Esta crítica se apóia no fato de que para cada duas impugnações

de dispensa junto ao Conseil de Prud’hommes, uma alega ter havido assédio moral178.

Contudo, ela não pode ser levada em conta em face da variedade dos instrumentos

passíveis de servir ao assédio moral coletivo dentro de uma organização de trabalho,

principalmente em um contexto de rápida evolução da tecnologia microeletrônica e das

telecomunicações179. A correlação com uma finalidade específica da organização ou com

regras implícitas e explícitas pode auxiliar no encadeamento das diversas condutas

abusivas em cada caso. Exemplificativamente, a motivação para o alcance de determinada

meta de produtividade, a intimidação para que se mantenha o silêncio em relação à uma

conduta reprovável da chefia imediata ou dos colegas, a intimidação para a diminuição dos

custos do contrato de trabalho em desrespeito à legislação e mesmo o preconceito podem

conduzir a investigação sobre as agressões no caso concreto.

A conduta abusiva pode ainda se dirigir direta ou indiretamente ao

trabalhador. A conduta é indireta na hipótese de utilização de correspondência dirigida à

família de trabalhadores grevistas durante a paralisação, solicitando o seu auxílio para que

177 « Elle interdit les actes répétés de harcèlement moral sans les définir! », afirmação de Joël Grangé(Personne n’est d’accord sur as dèfiniton. Disponível em<http://www.hmstop.com/Articles/Article55.htm>. Acesso em 12.07.2005. Tradução nossa).178 SEYRIG, Silvain. Personne n’est d’accord sur as dèfiniton. Disponível em <http://www.hmstop.com/Articles/Article55.htm>. Acesso em 12.07.2005.179 Os meios de comunicação indicam a utilização de blogs, orkut por adolescentes para a prática do assédiomoral entre colegas, podendo se estender também a trabalhadores (Folhaonline de 20.06.2005. Disponível em<http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u18582.shtml>. Acesso em 13.07.2005).

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eles retornem ao trabalho, sob pena de posterior dispensa justificada ou ressaltando os

gravames decorrentes do desemprego. Ao contrário, da conduta direta, mais comum, tem

como alvo especificamente a vítima. De todo modo, essas condutas devem compor um

quadro sistemático e reiterado de agressão para que se comprove a perseguição entabulada.

É certo, portanto, que a lei jamais poderá ter a pretensão de esgotar a

matéria, sob pena de gerar exclusões indevidas e também conduzir a abusos de ambos os

lados envolvidos. De todo modo, a conduta reprovada é sempre aquela que conduz a um

vexame, a um constrangimento ou humilhação, pois o tratamento dispensado ao

trabalhador deve ser sempre respeitoso.

1.2.4. Critério teleológico

O quarto aspecto diz respeito à finalidade do assédio moral. Identifica-se

o assédio pelas condutas voltadas à degradação das condições humanas, sociais e materiais

do trabalho ou, especificamente, o afastamento da vítima do local de trabalho. A definição

preconizada pelo Conselho Econômico e Social francês retrata a primeira hipótese:

Constitui assédio moral no trabalho, todas as atitudes repetidas, cujafinalidade é a degradação das condições humanas, sociais, materiaisde trabalho de uma ou mais vítimas, de modo a violar seus direitos esua dignidade, podendo alterar gravemente seu estado de saúde epodendo comprometer seu futuro profissional.180

180 “Constitue un harcèlement moral au travail, tous agissements répétés visant à dégrader les conditionshumaines, relationnelles, matérielles de travail d’une ou plusieurs victimes, de nature à porter atteinte à leursdroits et leur dignité, pouvant altérer gravement leur état de santé et pouvant compromettre leur avenir

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A segunda corrente se expressa em definições como a de Maria

Aparecida Alkimin:

Portanto, o assédio moral, também conhecido como terrorismopsicológico ou ‘psicoterror’, é uma forma de violência psíquica praticadano local de trabalho, e que consiste na prática de atos, gestos, palavras ecomportamentos vexatórios, humilhantes, degradantes e constrangedores,de forma sistemática e prolongada, cuja prática assediante pode ter comosujeito ativo o empregador ou superior hierárquico (assédio vertical), umcolega de serviço (assédio horizontal), ou um subordinado (assédiodescendente), com clara intenção discriminatória e perseguidora,visando eliminar a vítima da organização do trabalho.181

Margarida Barreto indica como alvos preferenciais as pessoas com

problemas de saúde, em gozo de estabilidade decorrente de acidente de trabalho ou

licença-maternidade, com mais de 35 anos de serviço, os questionadores das políticas de

gestão e os solidários com os colegas assediados182.

Tomando-se como ponto de partida as pesquisas sobre o perfil das

vítimas de assédio moral no Brasil, verifica-se a imprecisão das finalidades apontadas. Os

perfis das vítimas indicam a predominância do assédio moral como método de

homogeneização do comportamento, ou seja, controle da subjetividade dos trabalhadores,

já que em sua maioria as pessoas assediadas são consideradas fora do padrão almejado pela

empresa. A finalidade específica extraída das práticas de assédio moral coletivo é a

promoção do envolvimento subjetivo dos trabalhadores às regras da administração,

pressionando-os à resignação aos parâmetros da empresa e excluindo aqueles com o “perfil

professionnel.”(DEBOUT, Michel. Le harcèlement moral au travail. Paris: Conseil économique et social,2001, p. 59, grifo e tradução nossa).181 ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio moral na relação de emprego. Curitiba: Juruá Editora, 2005, p.37. A definição de Márcia Novaes Guedes segue a mesma linha: “Além disso, há o mobbing estratégico queparte da direção da empresa e visa excluir um determinado empregado que por algum motivo se tornouincômodo para a organização.” (GUEDES, Márcia Novaes. Mobbing – violência psicológica no trabalho.Disponível em<http://www.fiscosoft.com.br/main_index.php?home=home_artigos&m=_&nx_=&viewid=105400 >.Acesso em 13.07.2005, grifo nosso). Eliana Nogueira reforça o assédio como a “utilização da esferapsicológica com o fim único de atingir o próprio empregado, minando o direito que o mesmo tem detrabalhar dentro da empresa para o qual fora contratado, há nítida violação do direito de trabalhar emcondições dignas.”(NOGUEIRA, Eliana dos Santos Alves. Da inviolabilidade do direito de trabalhar. In:Revista do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Quinta Região, nº 23, jul-dez 2003, p. 320.)

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inadequado”. A docilização e padronização do comportamento de todo grupo de trabalho

obtida pela sanção imputada aos “diferentes” se irradia por todos os níveis da organização

por intermédio do exemplo, saneando o espaço empresarial. Logo, o assédio moral assume

a mesma função da sanção normalizadora, somente que agora de modo permanente, e

configura um instrumento de poder que não pode ser desprezado. Como reforça César Luis

Pacheco Glöckner, ele cria um ambiente de trabalho hostil para acuar o trabalhador, que

“com medo do desemprego”, é “mais dócil e menos reivindicativo”.183 Desse modo, o

assédio moral se soma às práticas empresariais de competitividade, estabelecendo-se como

um método de controle da subjetividade do trabalhador. Esse é claramente o quadro

encontrado nas duas situações extremas de assédio moral transcritas abaixo e apresentadas

perante os tribunais do trabalho em empresas do ramo do comércio de bebidas:

[Primeiro caso:] Insurge-se a reclamada contra a r. sentença que acondenou ao pagamento de indenização por danos morais ao reclamante,alegando que as "brincadeiras eram práticas motivacionais com seusempregados, no intuito de aumentarem o seu rendimento nas vendas eque jamais poderiam causar dano moral aos envolvidos". Aduz arecorrente que a jurisprudência vem admitindo a indenização em telaapenas em situações fáticas bem definidas e sérias (assédio sexual,revistas vexatórias e humilhantes, acusação leviana de ato deimprobidade e sua divulgação, etc), o que não é a hipótese dos autos, jáque tais "brincadeiras" foram instituídas com o fito de motivar osempregados do Setor Comercial, ficando restrita aos empregados daqueleSetor. Diz que tais "brincadeiras" sempre foram aceitas pelosempregados, sendo que somente os mais "melindrosos", como é o caso doreclamante, insurgem-se contra elas. Acrescenta que não é só a recorrenteque utiliza dessas práticas motivacionais e que elas são rotineiras em todaempresa de grande porte e que para aqueles que conseguiam atingir asmetas havia, durante essas brincadeiras, farta distribuição de prêmios. Aofinal pede a reforma do r. julgado para excluir da condenação aindenização por danos morais. Inicialmente, faz-se necessário reportaraos fatos que culminaram com a condenação em comento. O autor, nainicial, pleiteou o pagamento de indenização por danos morais, alegandoque "ao estipular metas de vendas para os seus vendedores, a reclamadaestabelecia determinadas práticas motivacionais, as quais, na maioria dasvezes, consistiam em verdadeiras agressões físicas e morais". Alegou,ainda, que "no final do mês de outubro de 2001, o Sr. Leonardo, gerentede distribuição direta (GDG), lançou pó químico do extintor de incêndio(AB NITROGÊNIO), no rosto do reclamante, dizendo estar habituado a

182 Assédio moral: o lado sombrio do trabalho. Revista Veja. Edição 1913, ano 38, nº 28, 13.07.2005, p. 108.183 GLÖCKNER, César Luís Pacheco. Assédio moral no trabalho. São Paulo: IOB Thompson, 2004, p. 17.

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adotar esse procedimento e que se este não estivesse satisfeito que semanifestasse no ato". Disse, por fim, que por não ter concordado com oato foi desligado da reclamada cerca de 20 dias depois (fl.07). (...)Nocaso, apesar de a reclamada, em defesa, ter negado que o extintor tenhasido acionado no reclamante, mas sim no rosto de uma supervisora daempresa, o depoimento da segunda testemunha trazida pelo reclamante,afirmou textualmente "que o Sr. Leonardo acionou o extintor de incêndiono reclamante"(TRT 18ª Região, fl.114).184

[Segundo caso:] Depois, relata o reclamante que, na reclamada, havia ‘...um humilhante castigo para todos os seus vendedores que nãoconseguissem atingir 70% das elevadas metas diárias de vendas que lheseram exigidas. Para os homens, o castigo, logo no dia seguinte ao nãoalcance da meta, consistia em fazer, na sala de reuniões e na presença doscolegas de trabalho, dos supervisores e gerentes de vendas, inicialmentegrande quantidade de cansativas flexões. Terminadas estas, eramobrigados a vestir uma saia rodada de ‘baiana’, a passar baton, ausar capacete com grandes chifres de boi e perucas coloridas etc. e adesfilar, sob os apupos das pessoas presentes – às vezes, inclusivevisitantes – nas diversas dependências da empresa. Sofriam, ainda,xingamentos dos supervisores e gerentes. Para as mulheres, o castigoconsistia em ‘dançar na boquinha da garrafa’, sob os apupos e risosdos vendedores, supervisores, gerentes e fundcionarios dos escritórios ...’(sic) (os negritos são do original).185

Nos dois casos, a conduta abusiva tem por objetivo promover o

engajamento subjetivo dos trabalhadores nas metas da empresa e é apresentada como uma

das medidas utilizadas para motivação. Como afirma a primeira empresa, em sua defesa:

“[...] não é só a recorrente que utiliza dessas práticas motivacionais e que elas são

rotineiras em toda empresa de grande porte e que para aqueles que conseguiam atingir as

metas havia, durante essas brincadeiras, farta distribuição de prêmios.” É com pesar que se

constata a veracidade dessa afirmação, uma vez que esse método de gestão de pessoal está

disseminado no território brasileiro. Na situação específica do ramo de atividade analisado,

encontramos a mesma situação em empresas em diferentes pontos do país, como

Paraná186e Bahia187. Os empregados que não concordam com o “castigo” são ameaçado de

184 Fundamentação extraída do Acórdão prolatado nos autos TRT RO-01797-2003-002-18-00-8, em que sãopartes Companhia Brasileira de Bebidas – Filial Goiânia e Walter de Souza Lopes. Houve condenação aopagamento de danos morais no valor de R$1.039,68, o que correspondia a dez vezes o salário do empregado.185 Acórdão regional (TRT 01051-2004-022-03-00-1) extraído dos autos TST-AIRR 1051/2004-022-03-40.6, p. 109.186 RO 1486/2001, TRT-PR-RO-05262/2001, RO 5262/2001, RT 6318/99 e RT 6318/99.

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demissão ou com a piora das condições de trabalho (no caso, a transferência para uma rota

de menor movimento ou ser colocado como “vendedor reserva”).

Embora na maioria das situações, o assédio resulte na saída da vítima,

seja por meio da dispensa ou pedido demissão ou ainda a aposentadoria precoce188, a

exclusão do grupo é a última medida, voltada a sanear a organização dos trabalhadores

menos produtivos (com doença profissional) ou mais onerosos (estabilidade, mais

reivindicativos ou questionadores), como é o quadro descrito por Margarida Barreto:

As histórias contadas de forma tão emocionada eram reveladoras de umadoecer sobrecarregado de sofrimento, maior que a própria doença, noqual se demarcava uma mudança do ser e estar no mundo do trabalho.Não produzir como antes, retornar da Previdência após afastamento dotrabalho por doença superior a trinta dias, ou até mesmo ter idade acimade 35 anos, isso tudo significava perder o crédito das chefias e, às vezes,até mesmo de seus pares. Suas dificuldades menosprezadas e suaslimitações incompreendidas passavam a conviver com uma realidade atéentão desconhecida. Tornavam-se inúteis e imprestáveis ante o olharatento de seus superiores hierárquicos - e aqueles que criticavam aspolíticas de gestão ou eram solidários com o sofrimento dos colegastambém se tornavam candidatos potenciais para demissões. O crimecometido por essas pessoas fora falar ou expressar o indizível e oinexprimível no intramuros.189

A identificação desse resultado com a finalidade principal do assédio se

deve a visibilidade dessa situação que em regra indica a existência de assédio moral em um

nível extremado, em que a vítima não suporta mais as agressões.

No entanto, salta aos olhos o aspecto exemplar do isolamento e da

degradação das condições sociais e de trabalho da vítima ou das vítimas, resultando em um

187 Notícia pertinente à ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho da 5ª Região.(Disponível em <www.assediomoral.org> . Acesso em 21.06.2005). O castigo dos vendedores quesucessivamente não atingiram a cota era segurar um pênis de borracha.188 Marie-France Hirigoyen relata que 66% dos casos resultam no afastamento do empregado, sendo: 20%despedida por justa causa, 9% demissão negociada, 7% pedido de demissão, 1% pré-aposentadoria e 30% emlicença para tratamento de doenças, aposentadoria por invalidez ou desempregadas por incapacidade laboral(HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2002, p. 120).189 BARRETO, Margarida. Violência, ...2003, p. 36.

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dano coletivo e difuso para toda organização. O estudo de 1997 de Margarida Barreto está

todo embasado em depoimentos de trabalhadores que eram obrigados a manter um ritmo

desumano de produção, sem reclamar da velocidade imposta ou de qualquer distúrbio

físico advindo dessa regra. Ao se distanciarem da regra geral – porque registravam lesões

físicas como hérnia de disco ou LER -, esses trabalhadores eram expostos em um local

visível a todo o conjunto da fábrica, sem qualquer atividade. Eles ficavam em geral

sentados, inativos por toda jornada, vendo os demais trabalhando. Certamente a empresa se

beneficia duplamente desse procedimento abusivo: 1º) diretamente, pois a curto prazo,

retira imediatamente a vítima de qualquer posto de trabalho, expressando aos demais a sua

inutilidade para a produção, e, a médio prazo, a sua exclusão da empresa, já que a maioria

não suporta essa situação e acaba adoecendo ainda mais ou pedindo demissão e 2º)

indiretamente, com o engajamento de todo o grupo de trabalhadores ao ritmo de trabalho,

metas e regras da empresa. O medo nessa hipótese se manifesta como mais uma ferramenta

no controle disciplinar:

O medo faz com que excomunguemos o outro, atribuindo a elesentimentos agressivos, por estarmos em uma posição instável e nossentirmos ameaçados. É assim que se pode ser induzido a assediar umapessoa, não pelo que ela é, mas pelo que imaginamos que ela seja. [...] Omedo às vezes engendra a covardia: imita-se o comportamentodesrespeitoso dos perversos narcisistas por medo de também serassediado.190

A justificativa para o tratamento dispensado à vítima pode ser encontrado

no discurso bélico de administração: ou seja, ela é vista pelo grupo de trabalhadores como

uma traidora ou uma pessoa fraca.

190 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2002, p. 45/46.

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Todavia não se pode confundir os instrumentos com a finalidade. A

degradação das condições humanas, sociais e materiais do trabalho se expressa mais como

uma das condutas adotadas pelo assediador, um dos instrumentos do próprio ato de

assédio, do que como uma finalidade específica, razão pela qual rejeita-se o critério

apresentado pelo Conselho francês.

A finalidade do assédio moral organizacional é instrumental, pois o

engajamento do trabalhador é essencial para o funcionamento dos métodos

contemporâneos de gestão de pessoal. Este compromisso exige do operário participação e

preocupação tal qual fosse ele o proprietário do investimento e se torna ainda mais

necessário no caso de o trabalhador se inserir em uma categoria de empregados altamente

qualificada que realiza sua atividade à distância ou sem qualquer fiscalização imediata ou

presencial.

1.2.5. Critério subjetivo

Alguns conceitos fixam a pessoa do agressor e a sua intencionalidade

destrutiva como fios condutores para a caracterização do assédio. Essa definição seduz em

virtude do desequilíbrio de forças entre o trabalhador e o empregador ou seus

representantes e porque apresentaria a solução preventiva ou repressiva conforme o

delineamento do perfil psicológico do agressor. Porém, como indicam as pesquisas, o

assédio moral tem-se mostrado como uma prática difusa no ambiente de trabalho, dirigido

a empregados dos mais diversos níveis hierárquicos e praticado nos mais variados sentidos:

vertical descendente, horizontal ou vertical ascendente, e de modo geral ele é

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desencadeado pelos discursos e estratégias adotadas pela empresa em sua gestão do

pessoal.

Um caso paradigmático de assédio moral desenvolvido como método de

gestão pelos colegas de trabalho é aquele originado na equipe de trabalho (equipe de base)

de uma empresa em que um dos integrantes não apresenta o rendimento necessário à

percepção dos prêmios de produtividade pelo grupo. Nos termos da nova organização, as

decisões devem ser democráticas de sorte que o problema da queda de produtividade é

resolvida dentro do próprio grupo de base, por meio de pressões exercidas pelos demais

integrantes, as quais, caso sejam infrutíferas, podem resultar no pedido de retirada daquela

pessoa da equipe. O estudo de Leonardo Mello e Silva demonstra que apenas 1% das

trabalhadoras da indústria têxtil paulista se disporiam a ajudar a um dos componentes da

equipe com problemas de produção, pois a necessidade de seguir o ritmo imposto para

atingir as metas da produção não permite essa prática.191

Esse exemplo bem demonstra que a causa pode ser encontrada dentro das

regras, expressas ou não, da própria organização, muito mais do que no perfil do agressor

ou em sua posição hierárquica. Esta também parece ser a explicação mais plausível para a

existência do assédio moral misto192 originado no grupo de subordinados (horizontal ou

vertical ascendente) e que conta com a omissão da direção, pois esse comportamento

omissivo atenta contra a responsabilidade da empresa pela saúde física e mental de todos

191 O grau de solidariedade foi avaliado pelo questionamento sobre a possibilidade de ajudar a colega detrabalho quando esta apresenta dificuldade em realizar a tarefa e compromete a produtividade da célula. 10%responderam que diminuiriam seu próprio ritmo de trabalho para não sobrecarregar a colega, 77% nãodiminui o ritmo e continua a produção para não comprometer a meta de produção da célula, 7% aguarda quea própria colega peça para ser substituída, 1% tenta ajudar e 5% não responderam (SILVA, Leonardo Mello.Trabalho em grupo e sociabilidade privada. São Paulo: USP, Curso de Pós-graduação em Sociologia: Ed.34, 2004, p. 247).192 O assédio moral misto ocorre quando se somam os diversos tipos de assédio – horizontal, verticalascendente e descendente.

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os seus integrantes e conduz, no mínimo, à cumplicidade de toda organização com a

prática abusiva.

Essa explicação igualmente serve à compreensão do assédio moral misto

em que os colegas de trabalho aderem ao assédio moral vertical descendente (dos chefes

em relação a subordinados). A imposição da metas empresariais e a avaliação individual

dos trabalhadores impedem a formação dos laços de solidariedade mesmo entre os

componentes de uma mesma equipe de trabalho. Nessa hipótese a explicação para a

adesão se concentra no esforço dos outros subordinados em não se identificar com a vítima

para evitar se tornarem eles próprios as futuras vítimas.

Para a associação francesa “Mots pour maux au travail” é essencial a

intenção destrutiva do agressor para a definição do problema:

Nós definimos o assédio como um sofrimento infligido no local detrabalho de natureza durável, repetitiva e/ou sistemática por uma ouvárias pessoas a uma outra, por todos os meios relativos às relações, àorganização, aos conteúdos e às condições do trabalho desviando de suafinalidade, manifestando assim uma intenção consciente ou inconscientede incomodar ou mesmo destruir.193

Nas situações descritas acima, a conduta abusiva se mostrou como uma

ferramenta motivacional na empresa. Não se pode falar propriamente em intenção

destruidora dos agressores, embora se reconheça que o procedimento em si é destruidor. A

destruição se expressa no desrespeito ao próximo, na recusa em reconhecê-lo como ser

humano livre e igual; aspecto por si só suficiente ao repúdio dessa conduta.

193 Nous définissons le harcèlement comme une souffrance infligée sur le lieu de travail de façon durable,répétitive et/ou systématique par une ou plusieurs personnes à une autre, par tous moyens relatifs auxrelations, à l’organisation, aux contenus et aux conditions du travail en les détournant de leur finalité,manifestant ainsi une intention consciente ou inconsciente de nuire voire de détruire. Definição apresentadaperante o 10º Congresso Internacional de Psicopatogia e de Psicodinâmica do Trabalho sobre “Violência etrabalho”, em Paris (12.3.1999). (DEBOUT, Michel. Le harcèlement moral au travail, p. 17, traduçãonossa).

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Conseqüentemente, a intenção destrutiva ou não, consciente ou não, pouco importa para a

configuração do terror psicológico organizacional.

Por fim, é também importante debater a relevância do estudo do perfil

psicológico do agressor. O agressor muitas vezes é descrito como uma pessoa

desequilibrada e com o perfil do “perverso narcisista”. Marie-France Hirigoyen descreve o

perverso narcisista como uma pessoa insensível, sem afeto, que se coloca como referencial

(do bem e do mal, da verdade, de valores morais), tem inveja das outras pessoas que são

felizes ou satisfeitas e não admitem a responsabilidade por seus atos. A identificação do

agressor com o “perverso narcisista” gerou o reconhecimento da existência do assédio

moral como conduta isolada e individual, o qual foi denominado como assédio perverso

pela Comissão Nacional Consultora dos Direitos do Homem da França. A viabilidade do

assédio moral se originar de um distúrbio individual do agressor, entretanto, não pode

importar na generalização dessa situação. O assédio moral perverso sem dúvida constitui a

minoria dos casos, como se verifica pelos dados estatísticos apresentados no início desse

capítulo, levando alguns autores a reconhecer sempre uma relação hierárquica sob o

problema:

O assédio moral é sempre vinculado à uma relação hierárquica, observaChristian Richoux. Quase sempre com o mesmo pano de fundo: a pressãoeconômica. Desse modo, passamos de uma perversidade individual a umapatologia da empresa, onde o assédio se transforma em um método degerenciamento. Exigir bastante no início, sendo odioso, ou recrutar um“social killer” se torna mais barato do que um plano social. 194

A descrição patológica do agente configura um desvirtuamento do estudo

da psiquiatra e infelizmente tem se disseminado, por meio de cartilhas e trabalhos

194 “’Le harcèlement moral est toujours lié à une relation hiérarchique’ observe Christian Richoux. Avecpresque toujours le même arrière-plan : la pression économique. Ainsi passe-t-on d'une perversitéindividuelle a une pathologie d'entreprise où harceler devient une méthode de management. Pousser au départen étant odieux ou recruter un social killer revient moins cher qu'un plan social.” (SEYRIG, Silvain.

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doutrinários sob rótulos engraçados e de forte apelo popular. Veja-se algumas das diversas

denominações encontradas em cartilhas e livros para descrever o superior hierárquico

assediador: o Profeta, Pit-bull, Troglodita, Tigrão, Mala-babão, Grande Irmão, Garganta,

Tassea (“Tá se achando”)195 ou “instigador”, “casual”, “megalômano”, “frustrado”,

“crítico”, “sádico”, “puxa-saco”, “tirano”, “aterrorizado”, “invejoso”, carreirista”,

pusilânime”.196 A ingenuidade e humor dos títulos fazem-nos rir do problema, propiciando

um distanciamento e aparente minimização da dor da vítima, porém estão longe de retratar

a realidade encontrada na empresa. Ademais, devem ser vistos com cuidado uma vez que o

tratamento individual da questão do assédio moral retira a responsabilidade da organização

no fomento de sua prática e corrobora medidas administrativas superficiais, inócuas ou

reforçadoras do assédio moral coletivo.

As pesquisas, contrariamente, demonstram de forma ostensiva que

qualquer pessoa pode vir a ser um assediador, bastando para isso sentir-se de algum modo

ameaçada por fusões e incorporações da empresa, reestruturações e instituição de Plano de

Demissão Voluntária, entre outras figuras. Marie-France reforça essa conclusão e admite

que “toda pessoa em crise pode ser levada a utilizar mecanismos perversos para se

defender”197. Esta realidade somente poderá ser combatida de forma eficaz se levado a

sério o caráter coletivo do problema.

De toda maneira, o assédio moral realizado no trabalho jamais pode ser

considerado uma atitude isolada de um determinado trabalhador ou chefe. Mesmo quando

Personne n’est d’accord sur as dèfiniton. Disponível em <http://www.hmstop.com/Articles/Article55.htm>. Acesso em 12.07.2005.)195 Cartilha da Fenae - Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Caixa Econômica Federal).Minas Gerais, julho de 2002. Disponível em <http://www.fenae.org.br/assediomoral/assediomoral.htm >.Acesso em 21.07.2005.196 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo : LTr, 2ª edição, 2005, p. 65/68.197 HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa do cotidiano. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2002, p. 139.

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sua origem decorre de um desvio de conduta do agressor (narciso perverso), ou

preconceito, ciúme e inveja, pois, ao se inserir em uma coletividade organizada, a mera

omissão das autoridades internas com competência para resolver o problema transforma-o

em coletivo.

Como outra face da moeda, diversos autores também se esforçam em

identificar as pessoas mais vulneráveis ao assédio moral. Analise-se as qualidades

selecionadas por Brigitte Hubber: “uma pessoa sozinha”, “uma pessoa estranha”, “uma

pessoa que faz sucesso”, “uma pessoa nova”. Sendo a terminologia insuficiente, Márcia

Novaes Guedes explica cada uma delas. A primeira trata de um empregado em posição

singular na empresa, como uma única mulher em um escritório de homens ou vice-versa. A

segunda terminologia corresponde àquela pessoa com comportamento distinto das demais,

seja na forma de vestir, de falar, pertencente a uma minoria, que pode despertar o ódio e a

inveja dos outros. Na terceira figura facilmente se identifica os motivos que despertam a

inveja ou o ciúme dos colegas. E o quarto perfil descreve “aquela [pessoa] que passa a

ocupar o cargo anteriormente ocupado por outra muito popular, ou a pessoa nova que tem

qualquer coisa a mais do que os outros” ou “ porque é “mais qualificada e competente ou

simplesmente porque é mais jovem”.198 Porém, esta autora ressalta que os quatro perfis

correm particularmente maior risco de se tornarem vítimas se inseridos em determinadas

situações.

Aqui também o estudo do agredido deve ser visto com muita

desconfiança porque ele atrai para a própria vítima a responsabilidade pelo assédio sofrido.

Seu discurso reforça a crença de que o assediado é por natureza um fraco, merecedor da

violência a que é submetido, a ponto de ser identificado pela imprensa italiana com o

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Fantozzi, personagem criado por Paulo Villaggio, o qual tem mau gosto e é grotesco e

servil, ou seja, um perdedor.199 Essa classificação esquece a possibilidade de a vítima ser

selecionada sem nenhum motivo diretamente a ela vinculado, mas simplesmente porque foi

eleita como “integrador negativo200” ou o denominado de “bode expiatório” em uma

situação de crise na empresa. Heinz Leyman descarta veementemente qualquer traço da

personalidade da vítima como o propulsor ao assédio, uma vez que reconhece-o como

oriundo de um conflito que degenera:

Como mencionado anteriormente, a pesquisa até o momento não revelouparticular importância aos traços da personalidade tanto em respeito aosadultos no local de trabalho ou às crianças na escola. Um local detrabalho é sempre regulado por regras de comportamento. Uma dessasregras reclama cooperação efetiva, controlada pelo supervisor. Conflitospodem sempre surgir, mas, de acordo com estas regras comportamentais,a ordem deve ser restaurada para promover uma produtividade eficiente.[...] Uma vez que o conflito atinja esse estágio de gravidade, não temsentido culpar a personalidade de alguém por isso. Se o conflito sedesenvolver em um processo de mobbing, a responsabilidade recaiprimeiramente sobre a gerência, seja porque a administração de conflitosnão foi trazida para estacar a situação ou porque há uma falha naspolíticas organizacionais em tratar as situações de conflito.201

Certamente, como já exposto, a vítima não precisa ter nenhuma

qualidade em especial para ser eleita. De modo geral, o assédio moral atinge

198 HUBBER, Brigitte. Apud GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo : LTr,2ª edição, 2005, p. 71.199 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo : LTr, 2ª edição, 2005, p. 161.200 Integrador negativo é aquela pessoa que é eleita a vítima de dois grupos rivais que então deixam suasrivalidade de lado e se unem para agredi-la. Ela serve como um catalizador do conflito.201 “As mentioned earlier, research so far has not revealed the importance particular of personality traitseither with respect to adults in workplaces or children at school. It must not be forgotten that the workplaceshould not be confused with other situations in life. A workplace is always regulated by behavioral rules. Oneof these rules calls for effective co-operation, controlled by the supervisor. Conflicts can always arise, but,according to these behavioral rules, they must be settled in order to promote efficient productivity. [...]Once aconflict has reached this stage in its escalation, it is meaningless to blame someone's "personality" for it. If aconflict has developed into a mobbing process, the responsibility lies primarily with management, eitherbecause conflict management has not been brought to bear on the situation, or because there is a lack oforganizational policies with respect to handling conflict situations. LEYMAN, Heinz. Why Does MobbingTake Place? In: The mobbing encyclopaedia: Bullying; whistleblowing: the definition of mobbing atworkplaces. Disponível em <http://www.leymann.se/English/frame.html> . Acesso em 13.06.2005, traduçãolivre).

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indistintamente todos os empregados da empresa ou de determinado setor202. Em alguns

casos é justamente a sua dedicação à empresa e sua eficiência - qualidades que

prolongaram a sua estada na organização- que são os motivos para a seleção como vítima

do assédio porque a empresa, nessa hipótese, quer “se modernizar”, “ser mais dinâmica”

ou simplesmente se reestruturar quando o salário do assediado é o mais alto.

2. Conceito de assédio moral organizacional

Partindo-se da revisão já entabulada, pode-se dizer que configura o

assédio moral organizacional o conjunto de condutas abusivas, de qualquer natureza,

exercido de forma sistemática durante certo tempo, em decorrência de uma relação de

trabalho, e que resulte no vexame, humilhação ou constrangimento de uma ou mais vítimas

com a finalidade de se obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas

da administração, por meio da ofensa a seus direitos fundamentais, podendo resultar em

danos morais, físicos e psíquicos.

A prática do assédio moral organizacional deve estar relacionada com o

exercício da atividade laboral ou de atividade a ela correlata, como na hipótese do

exercício do direito de greve, de atividade sindical, de atividade de cipeiro, entre outros. As

atividades coletivas e de representação dos trabalhadores seguem em paralelo à atividade

profissional na empresa, influenciando a sua organização e forma de gestão do pessoal.

202 No caso descrito no Acórdão regional (TRT 01051-2004-022-03-00-1) extraído dos autos TST-AIRR1051/2004-022-03-40.6, as testemunhas confirmam que todos os vendedores eram submetidos aos castigos

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Um dos pilares do capitalismo está assentado no controle do trabalho vivo a fim de obter o

máximo crescimento em valores reais, portanto, é claro que a empresa tem interesse em

moldar o trabalhador também nesse campo de atuação, nem que para isso possa vir a

incorrer em condutas de abusivas.203 Seu exercício não se restringe ao ambiente físico da

empresa, pois muitos são os relatos de trabalhadores em que a perseguição se estendeu

para fora dos portões e do horário do trabalho. Como exemplo, há a situação emblemática

do sindicalista francês espionado pela empresa quando se ausentava do local de trabalho

para o desempenho das atividades sindicais.204Mesmo a divulgação difamante por meio de

notícias de jornal ou registro de queixa criminal forjada podem se inserir no conjunto das

agressões.

Nesse conceito, ao contrário do que se encontra na literatura, a ofensa se

dirige a todos os bens jurídicos enumerados entre os direitos fundamentais do operário, os

quais podem ser resumidos no respeito à liberdade e igualdade. O trabalhador ofendido em

sua dignidade, antes de mais nada não tem reconhecida a sua situação de homem livre e

igual. A liberdade de formular um contrato de trabalho e submeter a sua força física,

intelectual e emocional ao empregador durante certo período e para a realização de

determinada atividade não retira do trabalhador a sua posição de ser humano igual ao

empregador. Como tal ele merece respeito em todas as expressões de sua personalidade,

como sua dignidade, integridade física e psicológica, liberdade de ir e vir, liberdade de

filiação, liberdade de expressão, não-discriminação, entre outros. De todo modo, esse

humilhantes, sem distinção inclusive de gênero.203 Essa realidade já era vista desde a época do taylorismo/fordismo em que toda e qualquer ação coletiva eracombatida pela força bruta. Situação que ainda hoje encontramos em diversas localidades, como no Brasil emque há execução de medidas de interdito proibitório, deferido pela Justiça Comum, contra grevistas. Essecomportamento resultou na regulamentação da matéria pela OIT a fim de assegurar a liberdade sindical dostrabalhadores204 Caso ocorrido com o sindicalista Alain Aubry. A justificativa da empresa era o combate a desvios de bense a verificação da efetiva utilização das horas de dispensa do trabalho em prol da categoria (RICHEVAUX,Marc. Du "harcelement" antisyndical au delit d'entrave. In: Le droit ouvrier : droit du travail, prud'homie,securité sociale, n.594, fev. 1998).

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conceito reduz o enfoque dos danos físicos e psíquicos, dispensando a sua configuração,

sem contudo desprezá-los. A comprovação do comprometimento da saúde física ou

mental é relevante e deve ser ponderada no caso concreto como circunstância agravante,

eventualmente incrementando o valor da indenização devida.

O assédio moral organizacional abrange também o trabalhador que não é

diretamente submetido às condições vexatórias, afinal aquele que testemunha a conduta

abusiva por vias oblíquas sofre a mesma cobrança de engajamento e é acuado na vivência

do medo e sofrimento de seu colega. A literatura especializada define a possibilidade de

testemunhas de atos traumáticos, como despedidas em massa, acidentes de trabalho,

desenvolverem o “transtorno por estresse pos-traumático” ou “transtorno de ajustamento”

em que a pessoa pode vir a desenvolver um quadro de depressão, ansiedade, abuso de

substâncias psicoativas, pânico, agorafobia, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), fobia

social e somatização.205 O Transtorno por Estresse pós-traumático é diagnósticado quando:

O indivíduo testemunhou algo além da experiência humana normal, queseria muito traumatizante para a maioria das pessoas, como uma sériaameaça contra a vida ou integridade física ou psicológica de alguém; umaséria ameaça ou lesão às crianças, parceiros ou qualquer outro parente ouamigo próximo de alguém; a repetida e extensa destruição da casa oucidade de alguém; presenciar uma séria lesão ou morte de alguémrelacionada a um acidente ou ato violento; ou testemunhar todo oconjunto de eventos. 206

Desse modo, é plausível o pleito de alguma forma de ressarcimento pelo

desgaste sofrido em um ambiente de trabalho hostil.

205 TEIXEIRA, Luciana Negri. FARCI, Maristela da Silva. SAMPAIO, Ana Lúcia Prezia. GUIMARÃES,Liliana Andolpho Magalhães. Transtorno por estresse pós-traumático relacionado ao trabalho. In: Saúdemental e trabalho, vol. III. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004, p. 123.206 The individual has witnessed something, beyond normal human experience, that would be very trying foralmost anybody, such as a serious threat against one's life or one's physical or psychological integrity; aserious threat against or injury to one's children, partner or even other close relatives or friends; sudden andextensive destruction of one's home or home district; seeing a person who has just been seriously injured orkilled due to an accident or violent act; or witnessing the entire course of events. (LEYMAN, Heinz.Disponível em <http://www.leymann.se/English/frame.html>. Acesso em 8.12.2005.).

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A finalidade do assédio moral é obter a internalização das regras

implícitas e explícitas da organização pelo trabalhador, exercendo intenso controle e

disciplina sobre toda mão-de-obra. Como bem observa Leonardo Mello e Silva, o atual

controle dos trabalhadores exercido de baixo para cima, exige o compromisso ativo dos

operadores para a manutenção da produtividade e eficiência da empresa, em conseqüência

É cada vez maior o número de empregados – chamados, muito a propósito, de“colaboradores” – interpelados por seus superiores. Isso eleva em muito acarga de responsabilização e até mesmo de culpa. Se a meta não foiobtida ou a performance esperada não foi alcançada, não é mais ocoletivo que assume a falta, mas o trabalhador: ele é quem não foi capazde conseguir. Moralmente, isso tem um efeito tremendo, pois ninguémvai querer recuar diante de um desafio nem assumir a incapacidade deenfrentá-lo. É o que eu chamo de ‘gestão pela incitação’.

Ainda que tal estratégia seja uma forma marota encontrada pelasempresas para extrair maior produtividade de seus subordinados, asorganizações não assumem esse fato, pois o efeito é deixar cadafuncionário com uma espécie de pulga atrás da orelha, desconfiado de simesmo: ‘Será que não posso conseguir?’”207

Dessa maneira, ele serve à empresa como um instrumento de gestão de

seu pessoal, instrumento de normalização da conduta dos trabalhadores, para o

engajamento e o controle de todo o pessoal com o fim de manter ou incrementar o ritmo e

qualidade da produção, sem permitir qualquer reivindicação em relação às condições de

trabalho ou a direitos trabalhistas e silenciando sobre condutas ilícitas ou socialmente

reprovadas, de forma a manter incólume a imagem da empresa. As condutas ilícitas ou

socialmente reprovadas abrangem desde normas internas (implícitas), como por exemplo

as mais diversas modalidades de discriminação sobre a mão-de-obra, produtos fabricados

com defeitos ou danosos à saúde, até atos externos, como a prática de corrupção ou

poluição ambiental.

Nesse cenário, a purificação do grupo empresarial, com a exclusão de

todos os trabalhadores considerados improdutivos (gestantes, doentes, incapazes,

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portadores de deficiência) ou reivindicativos (cipeiros, representantes de pessoal,

sindicalistas) se apresenta como mais um instrumento de motivação na gestão, podendo

resultam também no efeito colateral desejado de burlar eventual legislação tutelar e as

indenizações respectivas. Essa conduta apenas na aparência pode ser interpretada como

fruto do rompimento entre o econômico e social relatado Pierre Rosanvallon208 no novo

modelo empresarial desenvolvido após os anos 80. O efeito do assédio moral

organizacional que resulta na exclusão da vítima é muito mais profundo: atinge todo o

corpo de funcionários e acarreta um comprometimento maior do aspecto emocional de

cada indivíduo com a produção. Segundo Margarida Barreto, “Todos ficam sabendo da

doença e, ao mesmo tempo, da impossibilidade de adoecer. Atitudes como essas intensificam o

sofrimento e revelam um ética empresarial comprometida com a produtividade”.209

Em conclusão, esse procedimento na empresa burla a tutela jurídica das

relações trabalhistas assentadas na pessoa do trabalhador, criando relações assimétricas em

que se manifesta expressamente a coerção sobre um dos seus pólos e confirma a

observação de Foucault de que “Temos antes que ver nas disciplinas [e agora na noção mais

ampla de controle] uma espécie de contradireito. Elas têm o papel preciso de introduzir assimetrias

insuperáveis e de excluir reciprocidades.”210

E são várias as razões para o empregador utilizar esses meios e não

aqueles acolhidos pelo direito para controle, motivação ou punição, do empregado.

Primeiro, a sanção normalizadora (exercida também no assédio moral organizacional só

que de modo permanente) serve para punir informalmente desde o menor descuido até

207 SILVA, Leonardo Mello e. Gestão pela incitação. In: Folha sinapse, nº 37, 26 de julho de 2005, p. 15.208 ROSANVALLON, Pierre. A nova questão social: repensando o Estado Providência. Brasília: InstitutoTeotônio Vilela, 1998, p. 98.209 BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, saúde e trabalho: Uma jornada dehumilhações. São Paulo: EDUC. 2003, p. 167.210 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 29ª edição. Petrópolis: EditoraVozes. 2004, p. 183.

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limitações ou singularidades do trabalhador (como necessidades específicas de gestantes,

deficientes, doentes) consideradas contrárias aos interesses produtivos da empresa, cujo

conhecimento é extraído da constante fiscalização e detalhada documentação da conduta

do empregado. O empregado com necessidades especiais menos produtivas acaba sofrendo

o assédio para adequar seu comportamento e suas necessidades àqueles moldes admitidos

como “normais” pela empresa. Como exemplo dessa realidade, encontram-se muitas

queixas de trabalhadores em relação à intensa fiscalização do uso dos banheiros na

empresa por meio da restrição ao período admitido na jornada diária ou então pela

vigilância de câmeras de segurança211. O empregado que ultrapassa o limite imposto pela

empresa, independente da justificativa, é punido com gritos e desqualificações de toda

sorte ou punições formais.

Segundo, esses procedimentos permitem a sanção desde situações

regulamentadas e autorizadas em lei até situações ilegais. Voltando ao quadro

supradescrito de controle do uso dos banheiros durante a jornada de trabalho, veja-se

o seguinte episódio:

De acordo com os depoimentos de funcionários e ex-funcionários daempresa, os cinco minutos têm que ser seguidos à risca sob pena de osempregados serem obrigados a preencher relatório de ocorrência. Se aausência se repetir por mais de três vezes, o trabalhador é advertido oupode até mesmo ser demitido."Segundo testemunhas, os cinco minutos só permitem a ida ao banheirouma vez, considerando o local de trabalho e aquele onde fica o banheiro.O problema da limitação torna-se ainda maior se considerada aespecificidade do trabalho do atendente de call center. Por recomendaçãomédica, dado o uso contínuo da voz, o trabalhador deve ingerir muitolíquido. As reclamações maiores vinham de mulheres, especialmente naépoca do fluxo menstrual, em razão do grande tempo que ficavamsentadas, e particularmente das grávidas, que também estavamsubmetidas ao limite de tempo. Uma das depoentes cita caso de cistite

211 A 3ª Turma do TST manteve a condenação de uma empresa transportadora mineira ao pagamento deindenização por dano moral pelo fato de ela ter instalado câmeras de vigilância no banheiro, voltadas aosmictórios, ainda que não conectadas à rede elétrica. A justificativa era a fiscalização do "desvio demercadorias e bagunça nos banheiros" (Folha Online. Disponível em<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u94210.shtml> Acesso em 10.03.2005).

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(inflamação da bexiga urinária), pelo fato de segurar a urina na bexigapor longo período, [...].212

Nessa hipótese a utilização de relatórios ou a pena de advertência

aplicada não deve impressionar, pois essas medidas formais estão apenas aparentemente

em conformidade com o direito uma vez que, no mínimo, a ordem do empregador viola o

direito a um tratamento digno dos trabalhadores, desconsiderando também recomendações

médicas para o exercício das funções, como a necessidade de grande ingestão de água,

peculiaridades da empregada gestante, cistite, entre outros. Claramente a exigência é

abusiva e fere os direitos fundamentais de todo o conjunto de empregados.

Além do mais, a punição informal obtida pelo uso do assédio moral se

aproxima de diversos comandos legítimos do empregador para o exercício da direção da

atividade produtiva, sua organização e fiscalização, chegando a se confundir com eles. A

alteração da posição do trabalhador dentro da linha de produção ou do quadro

organizacional da empresa, por exemplo, é legítima. Contudo, levando-se em consideração

que o posicionamento do trabalhador na organização espelha o reconhecimento de seu

valor dentro do ambiente de trabalho, não raro os empregados assediados são submetidos a

transferência de salas, inclusive para os corredores ou escadas da empresa, locais em que

ficam expostos aos demais trabalhadores e deslocados do organograma operacional de

forma a serem identificados como menos relevantes ou inúteis. Os trabalhadores

desajustados às normas da organização são assim remanejados para setores menos

valorizados na empresa ou simplesmente a outro setor em que são rebaixados de função,

mesmo que a designação e a remuneração sejam as mesmas. Essa prática atinge fortemente

a mão-de-obra dos egressos de afastamentos por doenças ocupacionais ou acidentes de

trabalho com um quadro de incapacidade parcial ao trabalho. Esses trabalhadores são

212 Trecho extraído de reportagem que sobre Ação Civil Pública apresentada pelo Ministério Público da 18ªRegião. Disponível em <>. Acesso em 15.072.005. Grifo original.

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lotados em setores designados de “compatível” ou “retrabalho”, os quais oficiosamente são

chamados de diversos modos pejorativos: “setor dos podres”, “setor dos sem valor”, “setor

dos inválidos”, “INPS”.213

A natureza indeterminada do objeto do contrato de trabalho, conduzindo

à sua concretização no momento da execução, propicia maior maleabilidade ao poder

diretivo do empregador. Por outro lado, o exercício do poder punitivo, no direito brasileiro,

restringe o empregador às sanções previstas em lei: advertência, suspensão e dispensa por

justa causa, as quais somente serão legitimamente aplicadas se a punição for atual e

proporcional à falta cometida e não representar duplicidade em relação ao mesmo ato

faltoso. Em sentido contrário, o assédio moral, tal qual a sanção normalizadora, pode se

repetir no tempo e punir invariavelmente o mesmo fato (como uma denúncia, por

exemplo). O empregador, dessa maneira, pretende também se esquivar da tutela judicial e

se beneficia da posição jurisprudencial predominante, a qual “é mais ‘garantista’ no que se

refere ao controle do poder disciplinar e mais ‘flexível’ na interpretação dos padrões de

conduta relativos à prestação e execução do trabalho devido”214.

O assédio moral organizacional, juntamente com diversas condutas

criminosas, como chantagem, ameaças, serve à intimidação dos trabalhadores para ocultar

um procedimento ilícito. Veja-se o relato abaixo que consta em ação civil pública

promovida pelo Ministério Público do Trabalho em Brasília, em que transparece essa

realidade:

213 BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, saúde e trabalho:Uma jornada de humilhações. São Paulo: EDUC. 2003, p. 159.214 BAYLOS, Antonio. Direito do trabalho: modelo para armar. São Paulo: LTr, 1999, p. 120/121.

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“Inquirida, a Sra. Ana215 [...], operadora de telemarkenting prestandoserviço no, [...] , prestou os seguintes esclarecimentos: [...] ; que foidemitida porque o Sr. Edson, tendo dito que a odiava, a perseguia edeterminou que fosse demitida pela Ampla; que o Sr. Edson, por diversasvezes, reteve as folhas de ponto das empregadas da Ampla em sua sala,impedindo-as de assinar a presença, que muitas vezes somente eraassinada no dia em que o fiscal da Ampla recolhe as folhas, que aconteceno dia 25 de cada mês; que na campanha política de 2000 o Sr. Edsondeterminou a oito empregadas que fossem fazer campanha para o Sr. JoséMário candidato a vereador em Valparaíso/GO; que as empregadasVanessa, Maria, Silvia, Lucia, Livia, Iolanda ficaram todo o mês deagosto de 2000 fazendo campanha para o mencionado candidato porordem do Sr. Edson; que também por ordem deste a Sra. Jane e a Sra.Regina fizeram campanha para o mesmo candidato porém por umperíodo mais curto; que foi instaurado sindicância por provocação dadepoente e das empregadas Marcia , Paula, a fim de apurar a retirada dosfuncionários para serviços externos de interesse do Sr. Edson; que asempregadas foram convocadas a depor; que as empregadas queconfirmaram que o Sr. Edson retirou empregadas da Ampla doatendimento do 1517 para trabalhar na campanha passaram a serperseguidas; que o Sr. Edson mudou essas empregadas de turno, solicitouque a Ampla aplicasse a elas a pena de advertência ou suspensão semjusto motivo para tanto; que a depoente não foi advertida formalmentenem suspensa, mas que outras empregadas o foram, tais como a Sra.Elisa, Ester, Marcia; [...]; que gozou férias do dia 10/07/2001 a09/08/2001, não tendo recebido o valor correspondente até esta data,porque a empresa queria que em 06/08/2001 a depoente assinasse orecibo de férias com a data de 28/06/2001; que não sabe o motivo deconstar anotação de férias de 1º/07/2001 a 30/07/2001 e haverdeterminação para que o início destas se dê no dia 10/07/2001; que nãotrabalhou na campanha eleitoral porque o Sr. Edson a tinha como pessoanão confiável; [...]; que o Sr. Edson utiliza empregadas da Ampla paraserviços particulares seus, como ir ao banco, buscar os filhos de sua noivana escola, comprar lanche; que a Sra. Lucimara, atendente detelemarkting, está desviada de função como digitadora na área de apoio;que o mesmo acontece com a Sra. Neli que está exercendo as funções desecretaria do Sr. Edson embora seja operadora de telemarkting; queanteriormente a Sra. Iolanda fez o mesmo serviço feito agora pela Sra.Neli; que várias empregadas foram desviadas do horário de trabalho paratrabalhar na eleição da ASEF; que esses fatos constam do processo desindicância.”.

“Inquirida a Sra. Elisa [...] prestou os seguintes esclarecimentos: que foicontratada para prestar serviços no DMTU como supervisora [...]; que foidemitida por pura perseguição e capricho do Sr. Edson; que orelacionamento com o Sr. Edson ficou ruim depois de um acontecimentono dia 15/06/2001, no qual a depoente foi acusada de prejudicar o serviçoda central 1517 porque haviam três atendentes no banheiro e uma quartaestava trocando de roupa, ao que a depoente retrucou dizendo que o queprejudicou o serviço da central foi a retirada de empregados no horário doexpediente para fazer campanha política; que o Sr. Edson comunicou adepoente que ela deveria compareceu à sede da Ampla para assinarsuspensão por dois dias, com o que não concordou a depoente; por isso a

215 Os nomes das pessoas envolvidas é fictício.

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depoente foi impedida pelo Sr. Edson de trabalhar no dia 20/06/2001, diaque consta falta em sua folha de presença; que o mesmo aconteceu com aatendente Ester; que o Sr. Edson acha que a depoente é responsável pelasindicância que foi aberta por provocação das empregadas em21/06/2001; que na última segunda-feira dia 27 o Sr. Roberto reuniu opessoal do turno da tarde e disse que tinha uma péssima notícia a dar àsempregadas, que estariam todas demitidas; ao ser indagado o motivo o Sr.Roberto falou que existe um relatório dizendo que as empregadas doturno da tarde tinham transformado a central 1517 em salão de beleza,fato que não ocorreu; que somente foram demitidas a depoente e a Sra.Ana; que algumas empregadas foram convidadas pela Ampla paraassinarem suspensão; não sabe o motivo da suspensão; que a Sra. Eva foisuspensa por uma falta não ocorrida no dia 13/08/2001, pois ela neste diatinha um atestado médico, que não foi trocado na clínica da empresaporque o Sr. Roberto disse que abonaria a falta, o que não ocorreu; quedevido a esse fato ela assinou uma suspensão de cinco dias.” 216

Aqui as trabalhadoras denunciantes pertencem ao quadro de pessoal de

uma empresa prestadora de serviços e o denunciado é o servidor responsável pela

fiscalização da execução do contrato pelo tomador, autarquia distrital. As acusações são de

utilização da máquina pública em favor de um determinado vereador, o desvio de parte dos

trabalhadores contratados para a execução de atividades privadas do servidor-supervisor e

o desvio de outros trabalhadores para execução de atividades distintas daquelas abrangidas

pelo contrato de prestação de serviços. Esses fatos resultaram em sobrecarga de trabalho

para as empregadas remanescentes no setor para o qual originalmente foram contratadas.

Em paralelo, a empresa prestadora de serviços, também realiza uma série de condutas

ilícitas, como a exigência de anotação das férias em período diferente do efetivamente

gozado e a ausência de abono de faltas justificadas.

O comportamento das trabalhadoras denunciantes (whistleblowers217)

dificilmente poderia passar incólume na organização produtiva, entretanto sua punição não

216 A ação civil pública foi proposta contra o Departamento Metropolitano de Transportes Urbanos doDistrito Federal - DMTU/DF, autarquia do Distrito Federal, e Ampla Construções e Serviços Ltda, e resultouno pagamento de indenização por danos morais coletivos de R$ 100.000,00 (cem mil reais) (TRT 10ª RO01385-2001-009-10-00-4/2003 - Acórdão da 2ª Turma).217 Whistleblowers é a designação dada para as pessoas que denunciam práticas ilícitas ou ações empresariaise instituicionais que representem um perigo importante à saúde ou segurança públicas. Os países anglo

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pode ser formal e explícita, uma vez que elas nada mais fizeram do que cumprir a

legislação. Nesse caso, todos os envolvidos, uma vez que houve a participação também da

empresa prestadora de serviços nos atos de assédio, utilizaram-se do poder diretivo

relacionado à execução do contrato de trabalho para a represália à denúncia, com o

isolamento, restrição do uso do banheiro, restrição da liberdade de ir e vir, obstrução ao

direito de trabalhar, sonegação de direitos. A suspensão disciplinar a que foram

submetidas, no presente caso, configura mais uma conduta do assédio porque não se

apresentou causa imediata e claramente estava relacionada com a denúncia efetuada. Os

contratantes buscaram repreender as trabalhadoras denunciantes e obter a motivação

necessária para a recondução dos demais ao respeito e resignação às regras implícitas

(ilícitas) da organização por meio do assédio moral organizacional.

O assédio moral organizacional permite a preservação da imagem da

empresa, tão essencial nos dias de hoje como já exposto no primeiro capítulo, prestando-se

também à reorganização natural interna em casos de fusões, incorporações e Planos de

Demissão Voluntária. Maria Ester de Freitas relata que várias organizações produtivas, em

caso de fusões e incorporações, não querem assumir a responsabilidade pela exclusão de

parte de seu grupo de trabalhadores. Desse modo, elas mantêm duas ou mais pessoas na

mesma posição hierárquica e responsáveis pelo mesmo setor, até que um processo interno

de competição e rivalidade defina o vencedor, aquele com “melhor qualificação”. Segundo

a autora, essa estratégia de gestão empresarial é encontrada em diversas empresas

nacionais:

Verificamos, hoje, um sem-número de táticas ou de técnicas que sãousadas para forçar as pessoas consideradas indesejadas ou julgadas semcontribuição tão grande a dar, a fim de vencê-las pelo cansaço e levá-las a

saxões possuem organizações de apoio e medidas protetoras a esses denunciantes (HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho : redefinindo o assédio moral. Tradução Rejane Janowitzer. São Paulo:Bertrand Brasil, 2002, p. 81/82.)

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demitirem-se. Infelizmente, esse tipo de prática dos cortadores de custotem ocorrido com bastante freqüência, especialmente nos casos de fusão eaquisição, em que determinadas tarefas e posições são duplicadas. Étambém muito comum usar-se a tática da quarentena, ou do freezer, ou amorte simbólica por meio de fatos simples, como a pessoa não ter maisuma mesa ou cadeira para sentar-se, reforçando a sua inutilidade paradesestabilizá-lo. Nesses casos, é possível determinar (ainda que nãojustificar) o objetivo preciso que está por trás dessa postura, [...]218

Tal procedimento incorpora o discurso empresarial da guerra com todo o

seu potencial devastador.

A situação se repete em relação a Planos de Demissão Voluntária, muito

populares entre as empresas públicas e sociedades de economia mista brasileiras para a

redução de pessoal, como etapa prévia aos processos de privatização dos anos 90. Todos os

trabalhadores indesejados ou seja aqueles integrantes da corrente política oponente, os

reivindicativos, os mais antigos, os doentes, entre outros, eram então retirados do quadro

de pessoal, saneando-se a máquina. Os eleitos eram perseguidos pela organização para

assinar sua opção pelo plano, instaurando-se um clima de pânico geral descrito por Álvaro

Gomes, Presidente do Sindicato dos Bancários da Bahia, em relação ao Banco do Estado

da Bahia – BANEB:

Setenta e seis por cento (76,5%) [sic] dos que saíram no PDV – Plano deDemissão Voluntária, e responderam ao questionário, informaram quehouve pressão psicológica para os bancários aderirem ao programa, alémdisso, a falta de perspectiva no banco, as condições de trabalho e o saláriodefasado foram determinantes para os trabalhadores serem demitidosatravés do PDV que de voluntário só tinha o nome.219

O Plano de Demissão Voluntária citado acima resultou no enxugamento

do quadro de pessoal em mais de 50% da mão-de-obra, registrando simultaneamente o

aumento em mais do que o dobro do número de consultas a psiquiatras, cardiologistas e

218 FREITAS, Maria Ester de. Assédio moral e assédio sexual: faces do poder perverso nas organizações. In:Revista de Administração de Empresas, vol. 41, nº 2, abr/jun 2001, p. 18.219 GOMES, Álvaro. Trabalho, desemprego e sofrimento mental: impactos do neoliberalismo. In: O trabalhono século XX: considerações para o futuro do trabalho. São Paulo: A . Garibaldi; Bahia: Sindicato dosBancários da Bahia, 2001,p. 122.

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alergologistas para trabalhadores e familiares. Foram 22 suicídios somente no meio do

processo (entre os anos de 1995 e 1996). Após todo o clima de terror em que todos os

trabalhadores operaram como sujeitos ativos e passivos do processo, mesmo os

trabalhadores remanescentes não foram poupados e receberam às vésperas da privatização,

em sua residência, um folder preto dentro de um envelope também preto. No folder se via

um espelho com o seguinte texto logo abaixo: “O que é indispensável à sua vida para que

você ainda seja capaz de olhar no espelho?”.

Esse procedimento se estendeu às empresas privadas, como se constata

na seguinte notícia:

Duas ex-funcionárias da General Motors de São Caetano prestaram nestaterça-feira depoimento à Comissão de Relações do Trabalho daAssembléia Legislativa e denunciaram a empresa por assédio moral.Dorvalina Silva do Nascimento e Andréia Maria Andrade alegaram teremsido coagidas a aderir a um programa de demissão voluntária.Dorvalina, funcionária há 14 anos, disse ter sido mantida em uma salafechada por quatro horas, enquanto era pressionada pela chefia a aderir aoPDV. A Comissão vai enviar a denúncia à Delegacia Regional doTrabalho e à Comissão de Direitos Humanos da OAB. A GM disse que adenúncia é infundada, pois os cortes ocorreram em processo normal dedispensa.220

Longe do que pode fazer crer, o assédio moral organizacional não se

restringe à modalidade do assédio moral vertical descendente, ele também se expressa nas

mais diversas direções, apresentando-se sob a roupagem do assédio moral horizontal e

vertical ascendente. Essa situação decorre da pulverização do exercício do poder em todos

os níveis da empresa. Os colaboradores, se colocados diante de um membro da equipe

improdutivo ou de baixa produtividade, podem assumir condutas abusivas com a finalidade

de pressionar o dissidente a atingir os níveis de produção e qualidade exigido pela

administração. Esse é o grande êxito dos Círculos de Qualidade Total e da divisão do

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trabalho em equipes. O grupo de trabalhadores é levado a se colocar na posição do

verdadeiro empreendedor, crendo-se realmente participante das decisões da empresa. Pelo

mesmo motivo, pode-se originar um assédio moral vertical ascendente, em que a empresa

omissa em relação ao problema nada mais faz que se aliar aos subordinados agressores e

pressionar o chefe imediato para que assuma o comprometimento por ela exigido,

demonstrando liderança (mesmo que não tenha recebido qualquer treinamento para esse

fim) e atingindo as metas da administração.

Finalmente, importa esclarecer que a vinculação das condutas abusivas à

degradação das condições de trabalho ou ao comprometimento do futuro profissional do

trabalhador são dispensáveis na configuração do assédio moral organizacional, o qual tem

como foco principal o desrespeito reiterado aos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Esses aspectos, todavia, tal qual o comprometimento mental ou físico, são relevantes e

deverão ser valorados em cada caso concreto.

3. Discriminação e assédio sexual

A literatura especializada se refere à proximidade de situações ocorridas

no assédio moral e aquelas advindas de discriminação ou assédio sexual, uma vez que o

assédio moral pode ser causado por um preconceito qualquer ou ser fruto de uma investida

220 Funcionárias denunciam GM por assédio moral. Disponível em <http://www.estadao.com.br/agestado/noticias/2002/jun/25/351.htm >. Acesso em 15.07.2005.

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sexual frustrada, quando não resulta ao final em assédio sexual. Duas assertivas

evidenciam essa aproximação:

Poderíamos praticamente dizer que todo assédio é discriminatório, poisele vem ratificar a recusa de uma diferença ou uma particularidade de

uma pessoa” (Marie-France Hirigoyen.221

Em 12% dos casos, o assédio moral tem início com abordagens de carátersexual. (Revista Veja)222

Em que pese, possa haver a superveniência ou concomitância das

imagens, o assédio moral não se confunde com elas e deve ser distinguido para melhor

visibilidade do problema.

3.1. Discriminação

A discriminação em regra se origina de uma diferença constatadaentre duas ou mais pessoas, a qual é imediatamente valorada por ambas.

Diferenças coletivas ou grupais são componentes inevitáveis dassociedades humanas, resultantes de um processo de estratificação que,segundo Ralph Dahrendorf, é sempre um processo dúplice, dediferenciação e avaliação (Dahrendorf, 1968; Bourdieu, 1979). Ao se pôra diferença, no ato mesmo de notá-la ou reconhecê-la, ei-la desde logovalorizada ou desvalorizada, apreciada ou depreciada, prezada oudesprezada. Porquanto não há diferença, nos quadros culturais dequalquer sociedade, que não esteja sendo operada pelo ‘valor’, como‘diferença de valor’.223

A valoração da diferença no seio social, sem maiores reflexões, gera

esteriótipos e preconceito. Estereótipo é o lugar-comum, a idéia preconcebida resultante da

221 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2002, p. 103.222 Assédio moral: o lado sombrio do trabalho. Revista Veja. Edição 1913, ano 38, nº 28, 13.07.2005, p. 106.223 PIERUCCI, Antonio Flávio. Ciladas da Diferença. 2ª edição. São Paulo : Editora 34, 2000, p. 105.

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falta de conhecimento efetivo sobre o tema, com que se costuma classificar socialmente

certas pessoas e se expressa principalmente por meio de anedotas, contos populares etc. Já

o preconceito é o julgamento prévio, favorável ou desfavorável, concebido sem exame

crítico, ou maior conhecimento, ponderação ou razão, que se faz sobre o indivíduo.

Normalmente quando se fala em preconceito, vislumbra-se um julgamento negativo. As

pessoas estigmatizadas por estereótipos são as mais freqüentes vítimas do preconceito e

discriminação.

A discriminação arbitrária nada mais é do que o preconceito em prática, o

mero preconceito materializado. Ela cassa oportunidades dos grupos atingidos, alimenta a

estratificação social - ou seja, a distribuição desigual de bens e serviços, direitos e

obrigações, poder e prestígio -, imobilizando-os socialmente. Com a estratificação social

consolidada, mais preconceito e discriminação sofrem as suas vítimas, formando um ciclo

vicioso interminável. A promessa do capitalismo de ascensão social, baseada no mérito,

fica completamente comprometida e, geralmente, a própria vítima se sente culpada e

merecedora de sua condição de inferior.

A Convenção n. 111 da Organização Internacional do Trabalho,

ratificada pelo Brasil, compreende discriminação como:

toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo,religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social quetenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou detratamento em matéria de emprego ou profissão.

O assédio moral se caracteriza por ser uma perseguição, cujo instrumento

é a pressão psicológica, dirigida a um ou vários empregados. Nesse procedimento o

agressor se utiliza de diversas condutas para atingir o assediado, entre as quais o

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isolamento, o rigor excessivo, o acúmulo de trabalho, anedotas e chacotas sobre

características da vítima. Todas essas condutas demonstram um tratamento diferenciado

dispensado pelo agressor à vítima. Quando a vítima está inserida em um grupo minoritário,

fica difícil a distinção entre o assédio e a discriminação. Ocorre que o assédio tem como

finalidade o engajamento subjetivo do grupo de trabalhadores (seu controle e disciplina) às

metas de produção e regras de administração, podendo igualmente se prestar a corroborar

uma norma interna implícita de discriminação: “nessa empresa a diretoria somente é

composta por homens”, “nessa empresa mulheres loiras podem apenas ser assistentes, mas

jamais coordenadoras ou ocupantes de um cargo superior”, “nessa empresa pessoas

doentes são dispensadas”. Todo discurso com esse teor claramente é um discurso

discriminatório.

Como visto no item 2 deste capítulo, o controle da gestão empresarial

tem por objetivo a padronização da subjetividade de seus empregados de acordo com um

modelo empresarial ideal conveniente. As pessoas diferentes são vistas com desconfiança.

Desse modo, não é de se admirar serem encontrados os integrantes das minorias raciais e

religiosas entre um número expressivo de vítimas. Porém, é expressivo também o número

de representantes dos trabalhadores entre os assediados. Logo, o motor do assédio não é a

discriminação negativa, mais o engajamento subjetivo dos colaboradores com a política de

gestão e produção da empresa voltado à necessidade de produtividade, competitividade e

agilidade que crê necessitar.

Marie-France Hirigoyen se refere a assédio moral discriminatório,

enumerando a raça, o gênero, a opção sexual, a deficiência física, doenças e a

representação dos trabalhadores como as causas mais freqüentes. A diferença, porém, entre

o assédio moral e a discriminação é o procedimento adotado. No primeiro há uma

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perseguição regular, sistemática por determinado período para impor determinada conduta

à vítima, a qual serve de exemplo aos demais. Ele não se limita a tolher oportunidades da

vítima de forma arbitrária, fato que pode ocorrer isoladamente. Seu objetivo, tal qual o

panóptico, é induzi-la, juntamente com todas as testemunhas, a “não poder, não querer”.

Portanto, o assédio é mais grave porque mais sistemático e duradouro do que o ato de

discriminação.

3.2. Assédio sexual

Alice Monteiro de Barros distingue duas figuras de assédio sexual: o

assédio sexual por intimidação, que é o mais genérico, e o assédio sexual por chantagem. O

assédio sexual por intimidação

Caracteriza-se por incitações sexuais inoportunas, de uma solicitaçãosexual e ou de outras manifestações da mesma índole, verbais ou físicas,com o efeito de prejudicar a atuação laboral de uma pessoa ou de criaruma situação ofensiva, hostil, de intimidação ou abuso no trabalho224.

Já o “assédio sexual por chantagem” traduz exigência formulada porsuperior hierárquico a um subordinado, para que se preste à atividadesexual, sob pena de perder o emprego ou benefícios advindos da relaçãode emprego.225

A diferença imediata entre o assédio sexual e o moral se extrai da

inexigibilidade de repetição, sistematização da conduta abusiva em relação ao primeiro.

Claro que sendo um único ato de assédio sexual, ele deve ser grave. Segundo Thereza

224 BARROS, Alice Monteiro de. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1995, p. 186.225 BARROS, Alice Monteiro de. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1995, p. 187.

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Cristina Gosdal, o “ato único grave se evidencia pela agressividade da conduta,

envolvendo em regra o contato físico com o corpo da vítima.”226

A literatura especializada defende ainda que o assediador esteja em nível

hierárquico igual ou superior ao da vítima e que a conduta do assediador seja indesejada e

repelida por ela. A vítima pode ser pessoa do sexo feminino ou masculino. Entretanto, o

assediador pode uma pessoa estranha à empresa, desde que o ato seja praticado com a

conivência ou incentivo do empregador227, como vimos ocorrer na ação civil pública

proposta pelo Ministério Público do Trabalho da Bahia em que o gerente de vendas

ofereceu uma das empregadas “como ‘prêmio’ aos vendedores que a atingissem

determinada cota mensal de vendas ou a clientes que adquirissem os produtos da

empresa.”228 Essa mesma situação ocorreu em São Paulo, envolvendo Remaza Sociedade

de Empreendimentos, empresa que vendia consórcio. A reportagem se refere a situações de

assédio moral e sexual, relatando que

Na frente de outros funcionários da empresa, o supervisor chegou aafirmar que ‘colocava para as mulheres que tinham que vender o corpoou sair com o cliente, se necessário, para trazer uma cota de consórcio’.229

A legislação brasileira já criminalizou a conduta do assédio sexual

realizado por superiores hierárquicos, no art. 216-A do Código Penal:

Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimentosexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquicoou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

226 GOSDAL, Thereza Cristina. Discriminação da mulher no emprego. Curitiba: Genesis, 2003, p. 231.227 Há incentivo do empregador quando exige que as empregadas se vistam de forma provocante, comoafirma José Pastore e Luiz Carlos Robertella (GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho.São Paulo : LTr, 2ª edição, 2005, p. 43).

228 Notícia pertinente à ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho da 5ª Região edisponível em <www.assediomoral.org> . Acesso em 21.06.2005.229 TRT-SP condena empresa que sugere que funcionária saia com cliente para vender mais. Disponívelem < http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u96731.shtml>. Acesso em 22.07.2004.

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Essa previsão legal deixa de lado situações relevantes de assédio sexual,

como aquelas realizadas por um colega da vítima, tal qual a situação descrita em julgado

trabalhista em que um empregado foi dispensado por justa causa pelo envio de e-mails às

suas colegas de trabalho com termos e insinuações impróprias, identificadas como assédio

sexual230. Pode-se também admitir a hipótese de assédio sexual promovido por um

subordinado, sob a ameaça de divulgar alguma informação que o superior hierárquico

queira omitir ou qualquer outra espécie de chantagem.

4. Conseqüências do assédio moral organizacional

A doutrina, na análise das conseqüências do assédio moral, centraliza sua

atenção principalmente nos danos à saúde do empregado. Margarida Barreto apurou que

82,5% das vítimas apresentam perda de ânimo e problemas de memória como resultado do

assédio. Os demais comprometimentos mentais correspondem a sensação de

enlouquecimento para 75%, baixa auto-estima para 67,5% e depressão 60% delas. Os

sintomas indicam o quadro de Transtorno por Estresse Pós-traumático. Devido ao grau do

distúrbio encontrado entre as vítimas ser tão alto (atingindo a pontuação máxima sob

diversos critérios), Heinz Leyman resolveu se utilizar do critério do grupo D para

estabelecer as diferenças de diagnóstico :

“PSTD – criteria group D”: sinais permanentes de hipersensibilidade (oqual não era apresentado antes do trauma), os quais são acompanhados deao menos dois dos seguintes sintomas: (1) Dificuldades para dormir ousono intranqüilo; (2) Irritabilidade e explosões de fúria (3) dificuldades

230 Flerte Virtual. Assédio sexual por e-mail é motivo de justa causa. Disponível em<http://conjur.estadao.com.br/static/text/35227,1>. Acesso em 13.07.2005.

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de concentração (4) vigilância tensa. (5) Reação exagerada a estímuloexterno inesperado. (6) reações fisiológicas na presença de eventos quesimbolizem ou sejam similares em algum aspecto ao eventotraumático.231

A vítima do assédio moral certamente é exposta a um quadro exacerbado

de estresse e em geral desenvolve um distúrbio físico ou mental, todavia o direito

reconhece prejuízos a aspectos morais e sociais da sua personalidade ainda que esse quadro

clínico não se desenvolva.

O dano moral, físico ou mental se estende para as relações sociais e

profissionais do assediado. O trabalhador submetido às sistemáticas agressões apresenta

um declínio em sua condição social depois do assédio, pois volta ao mercado de trabalho

debilitado. Em diversas situações, a debilidade inviabiliza qualquer atividade produtiva,

acarretando uma situação de permanente desemprego. A miséria social vivida no local de

trabalho é estendida ao convívio familiar e social, com a vítima apresentando um quadro

de maior agressividade em sua vida privada, quando não também a tendência ao

isolamento por força de depressão. A vítima, debilitada física e emocionalmente, aumenta

o seu absenteísmo na empresa e na grande maioria das vezes vê-se afastada do trabalho.

Marie-France Hirigoyen constatou que:

Em 36% (sic) dos casos o assédio é seguido da saída da pessoa assediada:- em 20% dos casos, a pessoa é despedida por falha;- em 9% dos casos, a demissão é negociada;- em 7% dos casos, a pessoa pede demissão;- em 1% dos casos, a pessoa é colocada em pré-aposentadoria.Se juntarmos estes números aos 30% de pessoas acometidas por doençasde longa duração, inválidas ou desempregadas por incapacidade médica,

231 PTSD criteria group D: Permanent signs of hypersensitivity (which were not present before the trauma)and are shown in at least two of the following: (1) Difficulties in falling asleep, or uneasy sleep. (2)Irritability or bursts of fury. (3) Concentration difficulties. (4) Tense vigilance. (5) Exaggerated reaction tounexpected external stimuli. (6) Physiological reactions in the presence of events that symbolize or aresimilar to some aspect of the traumatic event. LEYMANN, Heinz. Disponível em<http://www.leymann.se/English/frame.html>. Acesso em 8.12.2005.

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chegamos a um total de 66% de casos de pessoas efetivamente excluídasdo mundo do trabalho, pelo menos temporariamente.232

As empresas que aderem ao assédio moral como prática organizacional

apresentam um alto índice de rotatividade (e absenteísmo) de seu pessoal, altos custos na

seleção e formação da mão-de-obra, com baixa produtividade233, o que compromete a sua

imagem externa. Antonio Ascenzi e Gian Luigi Bergagio preconizam o uso do marketing

social para o combate ao assédio moral e uma das frases recomendadas tem o seguinte

teor: “Assédio moral: como perder 60% de produtividade na empresa. Te convém?”234

Outro estudo, realizado por Marcos Piccini da consultoria Hay Group em 185 empresas

brasileiras, constatou que “o lucro das 35 empresas que melhor tratavam seu funcionários

era 38% maior que o da média”235. Contudo, esses números aparentemente não

impressionam as empresas que insistem nessa prática.

O resultado maléfico mais expressivo pode ser extraído dos índices de

órgãos públicos. Em estudo realizado pela Universidade de Brasília constatou-se que as

doenças mentais atingiam 48,8% dos trabalhadores afastados do trabalho pela Previdência

Social por mais de 15 dias236. Essa comprovação insere o questionamento do prejuízo

financeiro de todo o grupo social com o assédio moral fomentado por uma determinada

organização produtiva. Será que os custos advindos desse comportamento devem ser

totalmente absorvidos pelo Estado (o que ocorre em caso de aposentadoria por invalidez)?

A empresa não deve também sofrer a sanção do Estado, por meio de multas ou até mesmo

232 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2002, p. 120.233 FERREIRA, Hádassa Dolores Bonilha. Assédio moral nas relações de trabalho. Campinas: Russell,2004, p. 70.234 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo : LTr, 2ª edição, 2005, p. 168.235 BEGUOCI, Leandro. Pressão cotidiana ou humilhação continuada? Folha sinapse, nº 37, 26 de julho de2005, p. 14236 O trabalho e a mente. Disponível em < http://www.unb.br/acs/bcopauta/saude5.htm>. Acesso em06.12.2005.

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a intervenção, em caso de existência ou reincidência de assédio moral organizacional em

seus quadros, de maneira a ser diretamente responsabilizada pelos danos ocorridos? Essa

espécie de crítica tem sido feita por Toohey em relação à política australiana que tende a

afastar do emprego os trabalhadores incapazes ao trabalho por estresse:

A crítica de Toohey é que a ‘indústria da saúde’, utilizando esteprocedimento, enfatiza ‘estar doente’, ‘não estar bem’ ou ‘não estar aptoa suportar da pressão da vida produtiva’, ao invés de forçar a gerência,como Toohey reclama que deve ser feito, a pesquisar os ambientes detrabalho em que se produzem as doenças. O resultado deste tipo depolítica não incentiva a gerência a reorganizar os procedimentos detrabalho ou o ambiente social de suas companhias.237

O governo sueco, preocupado com a elevação do número de casos de

aposentadorias precoces por invalidez, das quais se estima que 20 a 40% sejam decorrentes

de um meio ambiente de trabalho perverso, decidiu dividir os custos do afastamento do

trabalhador para as empresas exigindo que estas elaborassem um plano de reabilitação

vocacional profissional proporcional ao período de afastamento do empregado (Lei de

Reabilitação Vocacional de 1993). O objetivo é a transferência de custos da reabilitação

para o agente que desencadeou o problema.238

Por enquanto, no Brasil, a luta ainda tem sido no sentido do

reconhecimento do direito do empregado de se afastar do trabalho na qualidade de

acidentado, em virtude de apresentar uma doença ocupacional decorrente do assédio moral,

237 “Toohey´s criticism is that the "health industry", by using this procedure, focuses on "being ill", "notbeing well", or "not being able to take the strain of working life", instead of forcing management, as Tooheyclaims should be done, to carry out inquiries into the working environments which produced the illnesses.The result of this type of policy does not give management any incentive to reorganize the workingprocedures or the social environment of their companies” (LEYMAN, Heinz. Consequences of mobbing. In:The Mobbing Encyclopaedia. Disponível em <http://www.leymann.se/English/frame.html>. Acesso em18.8.2005, tradução nossa.). A obra a que ele se refere é Toohey, John. Occupational stress. Managing ametaphor. Sydney: Macquarie University, 1991.238 LEYMAN, Heinz. Consequences of mobbing. In: The Mobbing Encyclopaedia. Disponível em<http://www.leymann.se/English/frame.html>. Acesso em 18.8.2005 .“At the turn of the year 1993/1994, theVocational Rehabilitation Act went into effect. This law states that employers are obliged to present avocational rehabilitation plan to the Social Insurance Office as soon as an employee has been on sick leaveone month, or ten times within a 12-month period. The purpose of this enactment is to transfer costs for

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ou então a sua aposentadoria por invalidez. Em que pese haja a possibilidade de se

classificar o assédio moral como um fator de doença ocupacional, Margarida Barreto

denuncia a recusa dos órgãos previdenciários em reconhecer essa condição, gerando em

muitos casos mais humilhação para o trabalhador que procura ajuda.239

Pode-se hipoteticamente considerar também a possibilidade de o

trabalhador reivindicar a sua transferência de local de trabalho porque não tem condições

emocionais de realizar a sua atividade naquele setor da empresa ou mesmo o seu

afastamento da empresa em que sofre agressões, sem prejuízo da continuidade do serviço

realizado para outro empregador. Essas situações embora pareçam bizarras ao direito do

trabalho são perfeitamente compatíveis com o desenvolvimento do estudo pertinente ao

assédio moral e suas repercussões na saúde da vítima. Nesses casos o trabalhador deve

cabalmente comprovar o desrespeito aos seus direitos fundamentais e a sua

incompatibilidade com aquele setor da empresa ou mesmo com determinada empresa,

quando tenha mais de um emprego.

De todo modo, o prejuízo indiscutível do assédio moral decorre do

desrespeito à pessoa do trabalhador, cujas marcas, ainda que não manifestadas sob a forma

de distúrbios físicos e mentais, são profundas e permanentes, como expressam os

depoimentos de duas trabalhadoras:

O que mais humilha a gente no trabalho é o desrespeito. Desrespeito comtuas coisas, com você mesmo. As pessoas de repente não te enxergam!...Passam por você com se fosse uma mesa, uma cadeira. Eu, quando falonisso, fico totalmente alterada. Demais! Dormia e acordava pensandonisso!(M., preta, hérnia discal, ind. plást.)

rehabilitation to the origin; the workplace where poor environmental conditions triggered costlyconsequences.”239 Disponível em <http://www.assediomoral.org/site/eventos/Iseminario/index.php>. Acesso em 18.8.2005.

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Quando a gente não podia trabalhar, dar produção, eles colocavam decastigo em pé, perto da parede. A gente não podia nem colocar a mão nacintura, nada! Tinha que ficar assim: olhando a parede. Coisa dehumilhação! Coisa de... coisa de ... eu considero de escravidão!Escravidão! Todo mundo cheirando a parece, olhando a parede! Opessoal ria.240

Esse desrespeito repercute na coletividade, como afirma José Aguiar

Dias, ex-ministro do Tribunal Federal de Recursos: o "prejuízo imposto ao particular afeta

o equilíbrio social."241, chegando alguns autores a afirmar que o assédio “favorece a

delinqüência difusa e a desintegração da comunidade, propiciando uma verdadeira ‘guerra

civil molecular’”242.

Delineado o quadro histórico e sociológico de exercício de poder e da

organização do trabalho a partir do século XVIII em que se insere a prática do assédio

moral organizacional, o que autorizou a conceituação específica do problema coletiva,

tratar-se-á agora da resposta eficiente do direito do trabalho para o problema.

240 BARRETO, Margarida Maria Silveira. VIOLÊNCIA, SAÚDE E TRABALHOUma jornada de humilhações. São Paulo: EDUC. 2003, p. 167.241 Acórdão RO 20040071124/2004, DJU 12.03.2004. Disponível em <http://sint.trt02.gov.br/fpdf152/pdf/acordao.php >. Acesso em 15.08.2005.242 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo : LTr, 2ª edição, 2005, p. 116.

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CAPÍTULO III – O PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR E OS

RISCOS PARA O TRABALHADOR

A classificação contratual apreende o trabalho como um “bem”, odireito do trabalho consiste em suma a remeter este “bem” à suapele, a reinserir a dimensão corporal, logo extrapatrimonial, dotrabalho no jogo das categorias dos direitos das obrigações, e a

partir disso, nela reinserir, por círculos concêntricos, todos osoutros aspectos da pessoa do trabalhador. (Alain Supiot243)

1. O Direito do Trabalho, o contrato de trabalho e o poder diretivo: uma história

complexa

O estudo do assédio moral nos remete ao núcleo do Direito do Trabalho,

ou melhor, à tensão vivenciada tanto por quem vende a sua força de trabalho para

sobreviver quanto por quem a adquire para empregá-la segundo as suas finalidades. Nessa

espécie contratual compra-se, por um determinado tempo, a força de trabalho de alguém

(mas não a sua pessoa) e, no entanto, o vendedor segue junto com o objeto da venda e

indiscutivelmente tende estruturalmente a sofrer efeitos abusivos do vínculo contratual. A

243 L’analyse contractuelle appréhendant le travail comme un “bien”, le droit dutravail consiste en somme àremettre ce “bien” dans sa peau, à réinsérer la dimension corporelle, et donc extrapatrimoniale, du travaildans le jeu des catégories du droit des obligations, et à partir de là, à y réinsérer, par cercles concentriques,tous les autres aspects de la personne du travailleur (SUPIOT, Alain. Critique du droit du travail. P. 67).

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luta do Direito do Trabalho, que marca a sua especificidade desde o seu surgimento como

ramo próprio do Direito, se resume justamente na busca por estabelecer, mediante

princípios de ordem pública, liberdade na coerção econômica, igualdade na subordinação

jurídica e garantir àquele que vive do trabalho o respeito à sua dignidade humana.

Compreender estruturalmente o surgimento do assédio moral com a força

com que emerge atualmente no campo das relações de trabalho requer a reflexão sobre a

história dessa tensão de uma perspectiva interna a ela, ou seja, a sua reconstrução do ponto

de vista das pretensões de direito levantadas por seus partícipes e acolhidas pelo Direito

positivo, bem como as pretensões abusivas praticadas com base nessas mesmas normas,

tomando essa história como um processo concreto de aprendizado histórico de empregados

e patrões, com e contra o Direito do Trabalho.

A história dessa tensão, de uma perspectiva interna, pode ter o seu início

localizado no advento da adoção da forma social do trabalho livre assalariado, na ruptura

com as formas sociais da escravidão e da servidão, que encontra clara expressão na

centralidade filosófica atribuída pelo jovem Hegel à categoria do trabalho para a

compreensão do homem e do espaço de liberdade, de cultura, em que este vive, em

oposição à necessidade que reina no domínio da natureza sobre as coisas e os animais. A

tensão entre a força criativa, constitutiva e libertadora do trabalho, por um lado, e o risco

permanente da sua alienação, por outro, trabalhada por Hegel na dialética que se estabelece

entre o “senhor” e o “escravo” será o ponto de partida das reflexões de Karl Marx. O

trabalho (a forma social da organização do trabalho) expressa o sentido teleológico da

atuação do homem, constitui a base para a formação social tanto da sua consciência - das

estruturas de personalidade-, quanto das formas de vida coletivas - ao criar e possibilitar o

espaço e o tempo sociais da cultura-, distinguindo desse modo o homem do animal. Esta a

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razão pela qual Marx afirma a superioridade do trabalho do pior arquiteto em relação ao da

melhor abelha.244

O homem, em sua atuação sobre a natureza, idealiza a formação de

objetos com valor de uso e a modifica para atender a sua finalidade. Lukács denomina

estas atividades como posições teleológicas primárias e as distingue das posições

secundárias que se dirigem às próprias inter-relações entre os seres humanos, tomando-se

como expressão paradigmática a literatura, a filosofia, a arte, o direito, entre outros. O

trabalho oriundo das posições teleológicas secundárias, para ele, é um desdobramento da

posição primária, uma continuidade. Este estudioso apresenta o trabalho na base da gênese

ontológica da liberdade, uma vez que a subjetividade formula alternativas para atingir a

finalidade pré-estabelecida em relação ao objeto ou às relações interpessoais. O próprio

sentido da vida encontra o seu primeiro local de realização no trabalho, e não em atos

naturais como o nascimento e a morte, como esclarece Ricardo Antunes:

Na busca de uma vida cheia de sentido, a arte, a poesia, a pintura, aliteratura, a música, o momento de criação, o tempo de liberdade, têm umsignificado muito especial. Se o trabalho se torna autodeterminado,autônomo e livre, e por isso dotado de sentido, será também (edecisivamente) por meio da arte, da poesia, da pintura, da literatura e damúsica, do uso autônomo do tempo livre e da liberdade que o ser socialpoderá se humanizar e se emancipar em seu sentido mais profundo.245

Entretanto, a divisão social do trabalho pode também gerar a perda de

sentido da vida, uma vez que o trabalho para outrem configura, na divisão de Lukács, uma

das hipóteses de reificação alienante. Tertulian explica que as reificações “alienadas”:

244 “Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma aranha executa operações semelhantesàs do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o piorarquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. Nofim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação dotrabalhador”. MARX, Karl. O capital, vol. I, parte III. Disponível em<http://www.marxists.org/portugues/marx/1867/ocapital-v1/vol1cap07.htm#topp> . Acesso em 18.10.2005.245 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho, 5ªedição. São Paulo: Boitempo. 2001, p. 143.

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[...] ocorrem quando a subjetividade é transformada em um objeto, emum ‘sujeito-objeto’, que funciona para a auto-afirmação e a reproduçãode uma força estranhada. O indivíduo [...] chega a auto-alienar suaspossibilidades próprias vendendo por exemplo sua força de trabalho sobcondições que lhe são impostas, ou, em outro plano, sacrifica-se ao‘consumo de prestigio’, imposto pela lei de mercado’.246

Os últimos escritos de Lukács voltam-se para a tensão entre alienação e

desalienação e reconhecem a possibilidade da luta exercida pela subjetividade em

transcender a “particularidade” para atingir um “nível verdadeiro de humanidade”. Desse

modo, ele confirma o trabalho como um dos espaços sociais centrais na humanização do

indivíduo, contribuindo para sua emancipação ou reificação.247

A exploração da força de trabalho de alguém por outrem remonta ao

início da história da humanidade e no ocidente se revela, até a Idade Média, principalmente

sob a forma da escravidão, da servidão ou da aprendizagem de um ofício. O Direito

Romano já admitia duas espécies de locação da força de trabalho humana: a primeira,

locatio hominis, se caracterizava pela cessão de um escravo por seu dono a outrem,

mediante pagamento; a segunda, locatio operarum, ocorria quando um homem livre

oferecia seus serviços a outrem mediante pagamento. Esta última modalidade (locatio

operarum) era vista na época como uma atividade aviltante. Esses contratos de serviços

situavam-se na modalidade de locação das coisas248. Na Idade Média o trabalho livre

assalariado era igualmente menosprezado e servia como forma marginal de

complementação da renda familiar. Assim é que somente na modernidade que o trabalho

será universalmente disseminado na condição de mercadoria a ser livremente negociada

pelo proprietário da força de trabalho, reconhecido como homem livre e igual.

246 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho, 5ªedição. São Paulo: Boitempo. 2001, grifo original, p. 160.247 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho, 5ªedição. São Paulo: Boitempo. 2001, p. 135/145.248 SUPIOT, Alain. Critique du droit du travail. Paris: Quadrige, 2002, p. 14.

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Tendencialmente qualquer sujeito de direito pode fazer a sua propriedade circular sem

restrições e, assim, ofertar a sua mão-de-obra a quem bem lhe aprouver.

A mudança de tratamento da mão-de-obra se deve à revogação de todo

privilégio de classe ou origem, tal como defendido nas revoluções inglesa, norte-americana

e francesa, rompendo com o universo estático antigo e medieval. Essas profundas

mudanças estruturais e de mentalidade, amadurecidas por mais de dois séculos, fazem-se

sentir no direito: o Código de Napoleão, por exemplo, reconhece o contrato de locação de

mão-de-obra como uma espécie autônoma de locação. Como esclarece Alain Supiot:

É necessário particularmente admitir que o trabalhador se objetiva em umbem negociável – sua força de trabalho – conceitualmente distinta da suapessoa, para que seja possível a montagem contratual da relação detrabalho, i. e. a organização jurídica de uma troca em que este bemconstitui o objeto249

O trabalho subordinado configura uma mercadoria especial porque não

pode ser desvencilhado do próprio contratante, de maneira que o acesso do comprador à

força de trabalho adquirida sempre é mediado pela figura do vendedor na execução da

atividade requisitada. A definição prévia, de forma exaustiva, de todos os atos e gestos a

serem desempenhados pelo trabalhador durante a jornada, mesmo no modelo taylorista, é

inviável. Logo, a concretude do conteúdo material da atividade é delineada por ordens e

instruções gerais de serviço no curso da prestação contratada. A atividade somente é

convencionada em termos gerais, uma vez que tanto a função simples como a complexa se

modificam à medida da sua execução, já que devem se conformar à demanda do mercado,

ao funcionamento do maquinário envolvido, às novas tecnologias, à qualidade dos bens de

produção e mesmo à disposição física diária do trabalhador.

249“Il faut en particulier admettre que le travailleur s’objetive en un bien négociable – as force de travail –conceptuellement distinct de as personne, pour que soit possible le montage contractuel d’un échange dont cebien constitue l’objet” SUPIOT, Alain. Critique du droit du travail. Paris: Quadrige, 2002, p.15.

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Na empresa, os atos individuais dos trabalhadores devem ser

coordenados no tempo, no modo e na finalidade dos atos realizados pelos demais

componentes da equipe de trabalho. Como os seus atos, em uma organização coletiva mais

complexa, em regra correspondem a um determinado estágio da produção, eles devem ser

sincronizados com as atividades dos demais para viabilizar o resultado final satisfatório,

dentro de um tempo competitivo e a baixo custo, cumprindo ao empregador fiscalizar e

controlar essa coordenação. Todos esses aspectos resultam no exercício de um poder de

comando do empregador em relação ao empregado no curso do contrato de trabalho. A

subordinação do trabalhador aos comandos do empregador (seu estado de “sujeito-objeto”)

é, portanto, indispensável para o bom andamento da atividade produtiva (sua organização e

finalidades), a qual é dinâmica e envolve uma coletividade. A direção e a fiscalização da

atividade do empregado resulta também na admissão de medidas coercitivas para o

cumprimento da sua obrigação de fazer, a qual se expressa no exercício do poder

disciplinar. A esse conjunto de faculdades, o Direito do Trabalho denomina “poder

hierárquico” ou “poder diretivo” do empregador. Contudo, a dificuldade reside no

embasamento do exercício desse poder, de um homem sobre outro homem.

O direito moderno se expressa por meio de um sistema normativo de

regras gerais e abstratas, válidas universalmente para todos os membros da sociedade,

afastando-se do modelo pautado na religião, moral e costumes. Os homens se

desvencilham das amarras de um papel previamente delineado na organização social,

hierárquica, fixa e imutável das castas. A ausência do uso da força e de justificativas

morais concretas ou religiosas para pautar a afirmação do dever de obediência do

empregado gera a angústia da busca de um novo modelo. Esse modelo será então o

contrato.

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A realização de um contrato de trabalho pressupõe a igualdade e a

liberdade das partes contratantes. A sociedade moderna reconhece então a legitimidade do

ato de troca da força de trabalho do empregado pelo salário pago pelo empregador. Karl

Marx, contrapondo o Direito e a Economia, denuncia o direito moderno que, nesse

primeiro momento, desconhece a desigualdade material entre os contratantes e a coerção

econômica imposta ao empregado. Diz ele:

Só reinam aí liberdade, igualdade, propriedade e Bentham. Liberdade,pois o comprador e o vendedor (de uma mercadoria, a força de trabalho,por exemplo,) são determinados apenas pela sua livre vontade. Contratamcomo pessoas livres, juridicamente iguais. O contrato é o resultado final,a expressão jurídica comum de suas vontades. Igualdade, poisestabelecem relações mútuas apenas como possuidores de mercadorias etrocam equivalente por equivalente. Propriedade, pois cada um só dispõedo que é seu. Bentham, pois cada um dos dois só cuida de si mesmo. Aúnica força que os junta e os relaciona é a do proveito próprio, davantagem individual, dos interesses privados. [...]

Ao deixar a esfera da circulação simples ou da troca de mercadorias, àqual o livre-cambista vulgar toma de empréstimo sua concepção, idéias ecritérios para julgar a sociedade baseada no capital e no trabalhoassalariado, parece-nos que algo se transforma na fisionomia dospersonagens do nosso drama. O antigo dono do dinheiro marcha agora àfrente como capitalista; segue-o o proprietário da força de trabalho comoseu trabalhador. O primeiro com um ar importante, sorriso velhaco eávido de negócios; o segundo tímido, contrafeito, como alguém quevendeu sua própria pele e apenas espera ser esfolado.250

Como as relações de trabalho se referem a um espaço social distinto do

estatal e as condições sociais e econômicas obrigam o trabalhador a vender sua força de

trabalho para garantir o sustento diário próprio e de sua família, claramente o empregador

assume um lugar soberano na relação entabulada e dita as normas conforme seu interesse

tanto no momento da celebração contratual quanto na sua execução, gerando os abusos

típicos decorrentes da desigualdade material daquele que o direito afirma ser o proprietário

da força de trabalho em face do proprietário dos meios de produção. A abundância da

oferta de mão e a raridade dos postos de trabalho no mercado terminam por expropiar a

250 MARX, Karl. O capital. Livro Primeiro, Volume I, Parte Segunda. Rio de Janeiro: Editora CivilizaçãoBrasileira S/A, 1975, p. 196/197.

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propriedade afirmada pelo Direito, gerando a maior exploração do homem pelo homem de

que se tem notícia na história. As péssimas condições de trabalho vigentes, bem como a

liberdade do trabalhador assalariado de poder ser explorado até morrer de fome, alimentam

os movimentos coletivos operários, tendo por pano de fundo as revoluções assentadas

inclusive na proposta marxista, e promovem a necessidade premente de modificação do

tratamento dispensado a essa relação jurídica. Impõe-se, de forma cada vez mais clara, a

necessidade de leis que reconheçam a desigualdade material do trabalhador e o protejam

para que o mínimo de liberdade de sua parte possa ter curso. A intervenção do direito

positivo estatal se faz imprescindível para resguardar cada indivíduo contratante e manter a

paz social. O Direito do Trabalho surge então como um ramo autônomo do Direito,

destinado a regulamentar as novas relações de trabalho.

A relação laboral, dado, como vimos, à tensão a ela intrínseca,

necessariamente aproxima mundos e conceitos que, no entanto, no início são vistos e

tratados como dissociados, independentes e mesmo contraditórios, permitindo que o direito

civil, regulando-a com o seu viés individualizante da época, ignorasse totalmente seus

efeitos paradoxais e contraditórios privilegiando a dimensão da autonomia privada sobre a

pública, a da afirmação da liberdade e da igualdade jurídica dos contratantes sobre o

reconhecimento da desigualdade fática e da dependência econômica de um deles em

relação ao outro, bem como a da subordinação criada pelo contrato em face da liberdade e

da igualdade inicialmente afirmadas, evidenciando, da forma a mais dolorosa possível, seu

estreito relacionamento. A tônica desse conflito se manifestou desde os primórdios da

sociedade capitalista quando se admitiu a desigualdade material entre as partes

contratantes, resultando em inúmeros debates em torno da natureza pública, privada ou

mista do novo ramo do Direito que aqui surge. Seria o Direito do Trabalho: um ramo do

direito privado, por continuar a ser basicamente contratual, ou, por fixar direitos do

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trabalhador contratualmente indisponíveis, seria um ramo do direito público? Ou ainda, por

ambas as características, seria um ramo misto?

Os desdobramentos típicos do surgimento desse novo ramo do Direito,

suas características específicas, resultam do reconhecimento da desigualdade material na

base da relação de emprego, da possibilidade estrutural de abuso econômico e de

tratamento autoritário do senhor da fábrica para com os trabalhadores que lhe prestam

serviços e se dirigem contra um verdadeiro Estado de Exceção ali instaurado, como ilustra

Antonio Baylos em relação ao início da revolução industrial:

É sabido que o regime de liberdades públicas que constituía o signoemancipador da nova sociedade burguesa e de seus cidadãos se viuanulado frente à empresa, organizada como uma das principais formas dedominação geradas pela sociedade civil e na qual regia um princípioestritamente despótico. Tal princípio expressava-se, simbolicamente, ‘nofato de que o trabalhador, ao atravessar a porta da fábrica, fica submetidoa uma lei própria e específica na qual estão estabelecidos preceitosobrigatórios sobre seu comportamento na casa do seu senhor’. Assim, aempresa equivale a uma zona franca e segregada da sociedade civil, naqual sobrevivem amplos espaços para o exercício do poder disciplinar,institucionalizados de modo autoritário. Nela, o empresário governa afábrica do mesmo modo que ‘o monarca por direito divino’ manda emseus súditos.251

Toda a história do Direito do Trabalho está marcada assim, desde a sua

origem como ramo autônomo do Direito, por um processo crescente de aprendizado

concreto acerca das possibilidades de abuso decorrentes da desigualdade material daquele

que sobrevive da venda de sua força de trabalho em face da superioridade econômica

daquele que a compra, visando a garantir o reconhecimento da pessoa do trabalhador nessa

espécie contratual, enquanto titular dos direitos fundamentais à igualdade e à liberdade,

mediante a necessária proteção à sua integridade física, psíquica e, atualmente, inclusive

251 BAYLOS, Antonio. Direito do trabalho: modelo para armar. São Paulo: LTr, 1999, p. 124.

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moral no curso da relação. A autonomia do Direito do Trabalho se deve justamente a essa

tensão própria e específica presente no contrato de trabalho252.

Com a desilusão dos modelos sociais alternativos, a prevalência

unilateral do capitalismo, a globalização, a inclusão da tecnologia nas forças produtivas e a

passagem tendencial da sociedade industrial do trabalho para uma sociedade pós-industrial

de serviços, ameaçando estrutural e permanentemente o trabalhador com o fantasma

concreto do desemprego, surge agora sob o atual paradigma de Direito, no outro pólo da

relação, a empresa que, tomada como parâmetro de eficiência e eficácia produtiva, assume

também importância central para esse ramo do direito. Antonio Baylos reforça a extensão

da “relegitimação da empresa” no discurso afirmativo de sua história e principalmente na

interpretação das normas:

Tal fato pode ser constatado em termos gerais pela legitimação da culturaempresarial e da eficiência como valor cultural intrínseco à modernidadee como valor de relevância jurídica, que orienta os fenômenos deinterpretação e de aplicação das normas, através do princípio de liberdadede empresa, bem como do compromisso por parte dos poderes públicosde defender a produtividade (conforme dispõe o artigo 38 da Constituiçãoespanhola).253

Do mesmo modo, a amplitude do exercício da igualdade e da liberdade,

bem como seu perfil (material e/ou formal), foi-se modificando pelas dificuldades e

desilusões enfrentadas pelo Estado e pelo direito moderno ao longo do século XX,

reclamando o aprofundamento da compreensão do paradigma jurídico em que estavam

inseridos para evitar os efeitos colaterais decorrentes de disfunções internas. A importância

do estudo dos paradigmas constitucionais se destacou como tema explícito da doutrina

jurídica, uma vez que, como ressalta Jürgen Habermas:

Para entender os argumentos e decisões que acompanham as respostasdadas pelos atores a algo, é necessário conhecer a imagem implícita que

252 SUPIOT, Alain. Pourquoi un droit du travail? In: Droit Social, nº 6, junho 1990, p. 487.253 BAYLOS, Antonio. Direito do trabalho: modelo para armar. São Paulo: LTr, 1999, p. 117.

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eles formam da sociedade como um todo, além de saber que estruturas,realizações, potenciais e perigos eles atribuem à sociedadecontemporânea, quando tentam realizar a sua tarefa, que é a deconcretizar o sistema dos direitos.

Na medida em que funcionam como uma espécie de pano de fundo nãotemático, os paradigmas jurídicos intervêm na consciência de todos osatores, dos cidadãos e dos clientes, do legislador, da justiça e daadministração. 254

Marcelo Cattoni reforça a importância do estudo das compreensões

jurídicas paradigmáticas de uma época, que “refletidas por ordens jurídicas concretas [...]

confere às práticas de fazer e de aplicar o Direito uma perspectiva, orientando o projeto de

realização de uma comunidade jurídica”. 255

As rupturas internas encontradas nos diversos modelos de Estado e no

tratamento dos direitos fundamentais a partir do século passado autorizam o

reconhecimento de três paradigmas jurídicos: o Estado Liberal, o Estado do Bem-Estar

Social e o Estado Democrático de Direito. O processo de regulamentação e aplicação do

contrato de trabalho espelha os três modelos de estado, principalmente na interpretação dos

direitos fundamentais em seu interior. A seguir será analisado mais detidamente o

tratamento dado à tensão inerente ao contrato de trabalho em cada paradigma jurídico, bem

como os mecanismos de interpretação e aplicação dos direitos fundamentais pelo julgador.

A ênfase dada à postura dos juízes segue os ensinamentos de Ronald Dworkin que não os

identifica como os intérpretes mais importantes, mas como o mais influentes na

comunidade.

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1.1. A tensão inerente ao contrato de trabalho vista sob o paradigma do

Estado Liberal

O primeiro paradigma jurídico, o do Estado de Direito, se estabelece

como reação não somente ao Estado absolutista como igualmente ao denominado antigo

regime, ou seja, à concentração do poder político na pessoa do monarca e à toda a estrutura

de privilégios de nascimento que alicerçava a sociedade de castas. Ele promove a

dissolução da antiga ordem e de seu sistema de crenças mediante a ruptura com a estrutura

social medieval estamental e estática em que todos os trabalhadores (homens livres, servos,

artesãos e escravos)256 tinham a sua posição social definida e os deveres e privilégios dela

decorrentes reconhecidos na sociedade.

Nesse momento, o poder público é despersonalizado e passa a assegurar

indistintamente a todos os cidadãos o reconhecimento do direito à liberdade e igualdade.

Toda pessoa tem liberdade para fazer tudo aquilo que não seja proibido pela lei e tem

reconhecida a sua igualdade assentada no direito de propriedade, ainda que esse direito se

limite a si próprio, “pois mais ninguém pode ser propriedade de outrem e, assim, todos são

sujeitos de Direito”257. Dessa forma, as liberdades são estipuladas de forma negativa, tendo

a lei como limite, contra o Estado que deve se abster de intervir na seara privada dos

254 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia entre facticidade e validade, vol. II. Rio de Janeiro: Tempobrasileiro, 1997, p. 124 e 131.255OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002,p. 54.256 Os trabalhadores tem sua posição social reconhecida de acordo com a posição social hierárquica naorganização produtiva (servos, aprendizes e companheiros) ou com seu ofício desenvolvido (o trabalhadorque curte o couro, o trabalhador que faz os utensílios, o trabalhador que conserta).

257 CARVALHO NETTO, Menelick de. “A contribuição do Direito Administrativo enfocado

da ótica do administrado para uma reflexão acerca dos fundamentos do controle de

constitucionalidade das leis no Brasil: um pequeno exercício de Teoria da Constituição”. In: Fórum

administrativo. Ano I. Nº 1. Belo Horizonte: Forum, março de 2001.

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cidadãos, o qual é visto como um mal necessário para frear o egoísmo do cidadão privado.

O processo legislativo é realizado por um grupo de pessoas diferenciadas, consideradas a

“melhor sociedade”, cuja identidade era resgatada por meio da renda mínima.

Nesse paradigma jurídico há um distanciamento entre a sociedade

política e a sociedade civil. Esta é vista como positiva em contraposição à manifestação

estatal, tida como negativa. Há uma clara dicotomia entre o direito público e o direito

privado, somente sendo considerado público o direito emanado e relacionado ao Estado. O

direito privado - liberdade, igualdade e propriedade- é visto como um direito natural. O

direito público, convencional, é imprescindível para autorizar a atuação estatal. O

particular pode fazer tudo o que a lei não proíba e o Estado somente pode agir conforme a

lei, ou seja,

[...] o direito privado estruturou-se como um domínio jurídicosistematicamente fechado e autônomo, a salvo da força impregnadora deuma ordem constitucional democrática. Sob a premissa da separaçãoentre Estado e sociedade, a estrutura doutrinária partia da idéia de que odireito privado, ao passar pela organização de uma sociedade econômicadespolitizada e subtraída das intromissões do Estado, tinha que garantir ostatus negativo da liberdade de sujeitos de direito e, com isso, o princípioda liberdade jurídica; ao passo que o direito público, dada uma peculiardivisão de trabalho, estaria subordinado à esfera do Estado autoritário, afim de manter sob controle a administração que operava sob reserva deintervenção e, ao mesmo tempo, garantir o status jurídico positivo daspessoas privadas mantendo a proteção do direito individual.258

Como já dito, o direito é visto como um conjunto de normas gerais e

abstratas, cuja legitimidade é estabelecida por uma regra de reconhecimento vinculada à

origem da norma: é direito a regra elaborada por determinado soberano ou órgão

legislativo. A norma proclamada pelo órgão autorizado deve ser cegamente aplicada ao

caso concreto, como um silogismo. O juiz tem como única função encontrar a regra

jurídica reguladora do caso concreto e então determinar sua incidência por intermédio da

258 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia entre facticidade e validade, vol. II. Rio de Janeiro: Tempobrasileiro, 1997, p. 134.1

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subsunção. Ao aplicador não é dado interpretar a lei de forma alguma, mas apenas se

manifestar como a “bouche de la loi”. Essa cegueira do julgador, confundida com

imparcialidade no julgamento, desembocava na sua total irresponsabilidade pela injustiça

social verificada no caso concreto. Se a norma demonstrasse qualquer inadequação na lide

em apreço, como injustiça e abusos, o problema era do legislador, jamais do julgador. Na

modernidade, a igualdade formal legitima a realização de contratos de trabalho, com

qualquer teor, desconsiderando a influência da desigualdade material entre as partes

contratantes.

Despido do caráter de uma relação de aprendizagem, amor ou força

bruta, o trabalho subordinado passa a ser pautado pela liberdade e igualdade dos

contratantes na assinatura de um contrato de trabalho. O trabalhador obtém a sua liberdade

para agir, porém em contrapartida se encontra em uma situação de total insegurança,

arcando com todos os riscos e acidentes decorrentes do desempenho da atividade

produtiva. O trabalho é deslocado da pessoa do trabalhador e é tratado como mercadoria

distinta; conseqüentemente, o trabalhador fica privado de qualquer garantia ou proteção

jurídica. A remuneração, que deveria no mínimo corresponder apenas ao custo

indispensável à sobrevivência e reprodução do proletário, como ensina o próprio Marx259,

varia conforme a lei da oferta e da procura no mercado e o custo da produção dessa

mercadoria (o tempo exigido para sua formação), atingindo patamares insuficientes ao seu

sustento diário. Essa regulação jurídica permite o florescimento do capitalismo, o qual

pode ser definido como “um sistema de produção de mercadorias, centrado sobre a relação

entre a propriedade privada do capital e o trabalho assalariado sem posse de propriedade”,

259 MARX, Karl. Salário, preço e lucro. In: ANTUNES, Ricardo (org). A dialética do Trabalho: escritosde Marx e Engels. São Paulo: Expressão Popular, 2004, p. 90 e seguintes. MARX, Karl. Trabalhoassalariado e capital. In: MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas em três tomos, tomo I.Lisboa: Edições “Avante!”. Moscovo: Edições Progresso, 1982, p. 160/161.

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cuja relação forma “o eixo principal de um sistema de classes”.260 O capitalismo é

identificado como um sistema desumano:

No tempo em que Marx escrevia os Manuscritos Econômicos eFilosóficos, a alienação da classe operária significava imediatamente umtrabalho opressivo em um nível quase animal. Com efeito a alienação era,em certo sentido, sinônimo de desumanidade.261

Alguns filósofos, diante da espoliação e miséria dos proletários desse

período, não hesitam em expressar certa nostalgia à segurança encontrada na escravidão

ou servidão, como o faz o Barão de Gérando, no tratado De la Bienfaisance Publique:

Só há um estado na sociedade em que se poderia fechar completamente oacesso à indigência: seria aquele em que, como no sistema de escravidãodos antigos, na servidão feudal, no regime das corporações, em toda parteem que o trabalho é subordinado, a classe inferior da sociedade abdicasseda sua independência, aceitasse a segurança em troca desse preço, com aproteção obrigatória dos seus senhores, às custas da sua dignidade morale até mesmo de uma boa porção do seu bem-estar material. Não haveriaentão indigentes porque a adversidade e a prosperidade deixariam de serpossíveis. É verdade que o proletário não poderia esperar mais do que oque fosse estritamente necessário, mas teria de modo geral a esperança deconsegui-lo. Não existiria para ele o trabalho espontâneo; o trabalho nãolhe seria necessário como um recurso, mas lhe seria imposto como umjugo, e toda a extensão de que suas forças o tornassem capaz. Mas desdeo instante em que o homem se torna árbitro do seu destino, deve sofrer asconseqüências dos seus erros e das suas faltas. Desde o momento em queo homem se emancipou, o emprego da sua liberdade o expõe a milacidentes. Vem daí que a situação mais crítica para o homem é omomento de sua emancipação, a passagem do estado de servidão ouvassalagem para a completa independência. 262

260 GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade, 2ª reimpressão. São Paulo: Editora UNESP,1991, p. 62. Não bastasse a coerção econômica, em diversos países o reforço a esse sistema também é feitopor meio da previsão do crime de mendicância, assentado no discurso moral de que o mendigo desrespeita asregras da autonomia individual e se recusa a ingressar na era da responsabilidade pessoal.(ROSANVALLON, Pierre. A nova questão social: repensando o Estado Providência. Brasília: InstitutoTeotônio Vilela, 1998, p.142). As práticas de imposição de trabalho aos indivíduos marginalizados (ressalte-se aqui que não estamos falando apenas dos criminosos condenados, mas de mendigos, desempregados oudesfavorecidos), as quais eram inicialmente pensadas paradoxalmente como um dever do Estado deassistência do soberano aos desfavorecidos e se expressavam como um direito a obrigar o indivíduo atrabalhos forçados (inclusive trabalho escravo, no modelo inglês), para discipliná-lo e moralizá-lo (séculoXVI), encontravam em contrapartida a previsão da mendicância e vadiagem como crimes. Embora o trabalhoforçado seja questionado e repudiado no Estado Moderno, a mentalidade moralista se perpetua e o crime demendicância se mantém.261 LUKÀCS, Georg. In: KOFLER, Leo. ABENDROTH, Wolfgang. HOLZ, Hans Heinz. Conversando comLukács. KONDER, Giseh Vianna (trad). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969, p. 52.262 ROSANVALLON, Pierre. A nova questão social: repensando o Estado Providência. Brasília: InstitutoTeotônio Vilela, 1998, p. 140/141.

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O modelo contratual de trabalho, adotado para a inserção ainda que diária

do trabalhador na fábrica, alçou a condição de modelo dominante para a contratação do

trabalho subordinado, até mesmo quando improdutivo. Esse modelo defende ser suficiente

a previsão legal de igualdade e liberdade formais e a vontade de celebrar um contrato para

justificar a obediência do trabalhador e a pactuação de qualquer modalidade de cláusula

contratual. Todavia, o proletário assalariado, considerado apenas um corpo produtivo

destituído de inteligência (mera força bruta), ainda é visto com desconfiança e equiparado

à escória marginalizada da sociedade, como os indigentes e os criminosos. A desconfiança

se devia à sua vulnerabilidade, pois o proletário era contratado por dia e recebia apenas o

suficiente para sua subsistência, vivendo em condições desumanas de higiene, educação e

em locais superlotados, confundindo-se com aquele grupo marginalizado263. Não raro essa

condição já precária convivia com períodos de desemprego, aproximando-o então da pura

indigência.

No paradigma em apreço, o exercício dos direitos fundamentais se

contrapunha ao poder estatal, deixando a fábrica livre de qualquer ressalva ao poder de

comando do empregador.264 O empregador se portava como senhor supremo, impondo

unilateralmente suas regras e técnicas por meio de regulamentos, cujo descumprimento

autorizava a imposição de sanções (multas, advertências, suspensão e demissão) e se

imiscuia diversas vezes na vida privada do empregado, como expressa a publicação “O

263 Os valores salariais eram ínfimos na sociedade pré-industrial. Contudo, os trabalhadores complementavama sua renda com a produção de subsistência, pois em regra eram trabalhadores rurais, fixados à terra e comfamília. O problema se inicia quando o trabalhador não tem mais nenhuma forma de complementar suarenda, quando são empurrados para os centros urbanos e fixados em guetos imundos e superlotados, semqualquer condição de higiene, educação e saúde.264 Na França, até 1892, momento da criação e reorganização da inspeção do trabalho “As fábricas sãoterritórios fechados com seus regulamentos e seus guardiães.” “[...] o patrão se beneficia de uma espécie deextraterritorialidade: a fábrica é um local esquivo [...]. (PERROT, Michelle. Os excluídos da história:operários, mulheres e prisioneiros, 3ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2001, p. 66/67).

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Catecismo do Patrão” 265 de Léon Harmel, que recomenda ao patrão facilitar os casamentos

entre os jovens de boa conduta e buscar tornar legítima a filiação correspondente266. Essas

recomendações expressam a transição entre a prática medieval e as novas relações

industriais e nos remete à origem etimológica do termo “patrão”: pater/patronus.267 O

trabalhador era visto como uma pessoa sem condições de se governar, que deveria ser

tutelado e moralizado por intermédio do trabalho: “[o trabalho] É ao mesmo tempo, uma

necessidade econômica e uma obrigação moral para os que nada têm, o antídoto contra a

ociosidade, o corretivo para os vícios do povo”.268 O poder hierárquico ou diretivo

oferecido ao empregador era então ilimitado e continha o perfil de um verdadeiro direito

potestativo, sendo mesmo reconhecido como um status natural do empregador. A coerção

para a submissão ao trabalho assalariado se dá sob duas frentes: a externa, mediante a

criminalização da mendicância e a ameaça de prestar trabalhos forçados269, e a interna,

mediante rigorosa disciplina na fábrica.

265 “Il faut que le patron facilite les mariages entre jeunes gens de bonne conduite, qu’il fasse cesser lesrelations ilicites; et si par malheur, il s’en produit, s’emploie à faire légitimer les enfants qui enproviennent”.(RAY, Jean-Emmanuel. Vies professionnelles et vies personnelles. In Droit Social, nº 1,janvier 2004, p. 5.266 O regulamento de oficina da Verrerie Sant-Édouard, em 1875, no artigo 30 dispunha o seguinte: “Todooperário empregado na Verrerie cuja conduta não for a do homem honesto, sóbrio e trabalhador, que procuraem tudo e em toda parte o interesse dos patrões, será mandado embora do estabelecimento e denunciado àjustiça, se for o caso.” (CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário,4ªedição. Petrópolis: Editora Vozes, 2003, p. 333).267RAY, Jean-Emmanuel. Vies professionnelles et vies personnelles. In Droit Social, nº 1, janvier 2004, p.5. “A palavra patrão só se aplica aos chefes que garantem a seus subordinados a paz e a segurança. Quandoeste papel não é mais preenchido, o patrão cai da categoria dos senhores e não é mais do que um empregador,segundo o termo bárbaro que tende a se substituir àquele que prevalece nas áreas onde reina a insegurança.”(CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário, 4ªedição. Petrópolis:Editora Vozes, 2003, p. 334/335).268 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário, 4ªedição. Petrópolis:Editora Vozes, 2003, p.227.269 Na década de 1890, foram julgados até 20 mil processos anuais por vagabundagem pelos tribunaisfranceses, com ameaça de degredo em caso de reincidência (CASTEL, Robert. As metamorfoses da questãosocial: uma crônica do salário, 4ªedição. Petrópolis: Editora Vozes, 2003, p. 424). No Brasil a ausência dequalquer ocupação produtiva ainda está prevista como uma contravenção penal e está definida com:“Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lheassegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita” (art. 59do Decreto-lei 3.688, de 3.10.1941) e “Mendigar, por ociosidade ou cupidez” (art. 60 do mesmo texto). Acondenação gera a internação em colônia agrícola ou instituto de trabalho pelo período de um ano (art. 15) eo condenado tem a seu desfavor a presunção de periculosidade (art. 14, inciso II, do mesmo diploma). NaCâmara dos Deputados foram apresentados dois projetos de lei propondo a revogação do art. 59 e 60 antes

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O velho paradigma do trabalho forçado não é pois recusado enquanto seconstitui o embrião de uma condição de assalariado ‘moderna’. Aocontrário, ele acompanha e tenta enquadrar seus primeirosdesenvolvimentos. O que pode ser perfeitamente entendido: as condiçõesde trabalho são tais nas primeiras concentrações industriais, que é precisoestar sob a mais extrema sujeição da necessidade para aceitar semelhantes‘ofertas’ de emprego, e os infortunados assim recrutados aspiramsomente a deixar o mais rápido possível esses lugares de derrelição.Novamente, não se está muito distante da figura do vagabundo.[...]Portanto, é ‘normal’ que o exercício da coerção tenha sido, aí,particularmente impiedoso.270

A freqüência intermitente ao trabalho era corrente dada a precariedade da

situação do proletário, que o levava a peregrinar de fábrica em fábrica, mina em mina, de

obra em obra atrás do melhor salário ou das melhores condições de prestação dos serviços,

abandonando o seu empregador sem qualquer aviso. O trabalhador ainda mantinha hábitos

de vida modesto, contentando-se com parcos recursos, suficientes a assegurar a

observância de vários costumes populares, como a “Segunda-feira santa”. Diversos

empregadores concluem que, para se obter a cooperação do proletário, impunha-se mais do

que sua coerção, era necessária a obtenção de seu consenso e consentimento. Eles então

resgatam serviços sociais para fixar e fidelizar o proletário em sua fábrica, como bem

exemplifica a seguinte descrição:

Assim, sob a enérgica férula da família Schneider, Le Creusot propõe umserviço médico com farmácia e enfermaria, um posto de beneficência quesocorre os operários doentes ou feridos, mas também as viúvas e órfãosdos operários, uma caixa econômica em que a fábrica deposita 5% dosjuros das somas depositadas, uma sociedade de previdência para a qual osoperários devem cotizar em torno de 2% de seu salário. A companhiatambém desenvolve uma política de habitação: construção de moradias-padrão, venda de terrenos a preços reduzidos e empréstimos para o acessodos operários à propriedade.271

citados, de autoria do deputado Hélio Bicudo – PL 3843/97 e do deputado Navarro Vieira Filho - PL7270/1986, os quais foram arquivados.270 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário, 4ªedição. Petrópolis:Editora Vozes, 2003, p. 206/207. Max Weber relata que os trabalhadores das minas de Newcastle eramacorrentados por coleiras de ferro ( WEBER, Max. Historique économique. Apud CASTEL, Robert. Asmetamorfoses da questão social: uma crônica do salário, 4ªedição. Petrópolis: Editora Vozes, 2003, p.207).271 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário, 4ªedição. Petrópolis:Editora Vozes, 2003, p.330/331.

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Essa tutela se aproximava daquela prestada na servidão ou corporações

de ofício, em que o prestador de serviços se vê diante de uma relação de total dependência

e submissão em relação ao patrão, pois no exemplo acima quando os trabalhadores da

família Schneider resolveram comandar a caixa econômica foram advertidos: “Cuidado,

vocês fazem oposição, polida mas não menos oposição, e eu não gosto da oposição”272.

De toda sorte, não havia espaço jurídico para se cobrar qualquer

responsabilidade do empregador pela pessoa do empregado, por sua saúde ou integridade

física. Os proletários são estimulados a formar associações de socorro mútuo, as quais são

supervisionadas pelo Estado, com a estrita limitação do número de integrantes de modo a

obstar a sua transformação em entidades reivindicativas.

As péssimas condições de trabalho, a opressão operária e a

desqualificação e homogeneização decorrentes da implantação da racionalização da

organização do trabalho (que posteriormente originaram o taylorismo/fayolismo)

beneficiaram a formação de uma consciência de classe. A defesa à liberdade, igualdade e

outros direitos fundamentais contra o poder do empregador se expressava em práticas de

sabotagens, boicotes, luddismo ou manifestações públicas coletivas contra as condições de

trabalho. A denúncia de Marx quanto às desigualdades entre os pactuantes de um contrato

de trabalho e a teoria da centralidade do trabalho difundidas pelo Manifesto Comunista de

1848 tomam fôlego. As manifestações coletivas são duramente reprimidas pelo Estado

porque contrárias à lei, à ordem e à concepção de liberdade individual da época, expressas

na revogação das corporações de ofício e da coalisão de empregados e empregadores pela

272 A advertência de Schneider resulta em uma greve, em 1870. (CASTEL, Robert. As metamorfoses daquestão social: uma crônica do salário, 4ªedição. Petrópolis: Editora Vozes, 2003, p. 335).

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Lei Chapelier na França (1791)273 e do direito de coligação na Inglaterra (1799). Como

relatam Orlando Gomes e Elson Gottschalk:

O indivíduo nasceu e devia viver livremente. Para que predominasse, emtoda soberania, o reino da lei, os indivíduos teriam que viver sem ligasocial. Todo grupo organizado forma uma ‘vontade de imperialismo’(Seillère), incompatível com os princípios da liberdade individual. OEstado Liberal, guardião dessas liberdades, não poderia permitir aopressão do indivíduo pelo grupo, nem a ação combativa de gruposrivais.274

Contudo, os proletários encontram somente o caminho coletivo para

fazer ruir a legitimidade desse sistema opressivo de trabalho. Nascem as primeiras normas

esparsas regulando a relação de emprego em seu aspecto individual, tais como: a limitação

das condições de trabalho em razão da idade (Inglaterra, 1802), limitação da jornada de

trabalho (França, 1848; Inglaterra, 1847; Rússia, 1897. A intervenção estatal cresce

principalmente na regulamentação do contrato individual de trabalho, com a instituição de

normas de ordem públicas, ou seja, inderrogáveis. O reconhecimento legal do direito de

associação ou de greve sucede à regulamentação individual (Inglaterra, 1826; França,

1864; Brasil, 1903).

O Estado Liberal é colocado em xeque por movimentos ideológicos

anarquistas, marxistas e socialistas e pelo modelo capitalista de produção embasado no

fordismo, que tem como intuito a criação de uma sociedade de consumo de massa. Surge,

desse modo, no início do século XX, principalmente após a 1ª Guerra Mundial, com o

reconhecimento internacional dos direitos dos trabalhadores por meio da criação da

Organização Internacional do Trabalho pelo Tratado de Versalhes, o paradigma do Estado

Social ou do Estado do Bem-Estar Social.

273 Este vedação foi reproduzida pela Constituição brasileira de 1824.274 GOMES, Orlando. GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho, 1ª edição. Rio de Janeiro:Forense, 1990, p. 13.

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Assim, a tensão inerente ao contrato de trabalho, com a vivência do

período liberal, retomando, embora em um outro contexto, as reflexões do Barão de

Gérando, se, por um lado, revelou que a afirmação da igualdade em termos puramente

formais tende a reforçar as desigualdades materiais e a propiciar uma exploração ilimitada

com a eliminação da liberdade do trabalhador inicialmente afirmada, por outro, conduziu à

necessidade de auto-organização do proletariado e às lutas por igualdade material que

marcaram a segunda metade do século XIX e o início do século XX, inaugurando um novo

tempo social, um novo paradigma, em que os direitos fundamentais à liberdade e à

igualdade ganharão um significado inteiramente renovado e profundamente vinculado à

negação dos abusos até então concretamente sofridos e vivenciados pelo trabalhador.

1.2. A tensão inerente ao contrato de trabalho vista sob o paradigma do

Estado de Bem-Estar Social

O paradigma do Estado Social, que, como vimos, emerge da negação

histórica e da perda de força explicativa dos supostos liberais, impõe materialização dos

direitos anteriormente apenas formais. Como explica Menelick de Carvalho Netto:

Não se trata apenas do acréscimo dos chamados direitos de segundageração (os direitos coletivos e sociais), mas inclusive da redefinição dosde 1ª (os individuais).

A liberdade não mais pode ser considerada como o direito de se fazertudo o que não seja proibido por um mínimo de leis, mas agora pressupõeprecisamente toda uma plêiade de leis sociais e coletivas quepossibilitem, no mínimo, o reconhecimento das diferenças materiais e otratamento privilegiado do lado social ou economicamente mais fraco da

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relação, ou seja, a internalização na legislação de uma igualdade não maisapenas formal, mas tendencialmente material.275

O Estado assume a responsabilidade de prover necessidades básicas do

indivíduo, como a saúde, educação, previdência social, para lhe assegurar a igualdade

material, a condição de cidadão (e porque não dizer consumidor solvente). A distinção

entre o direito público e o direito privado passa a ser meramente didática, pois todo o

direito é público. Nesse paradigma se inverte a balança dos valores e toda manifestação

estatal é reconhecida como benéfica, contrapondo-se à manifestação privada maléfica.

Como vimos, as relações de trabalho deixam de ser reguladas pelo

Direito Civil e passam a ser regidas por um ramo novo do Direito: o Direito do Trabalho

que, ao reconhecer a situação de desvantagem material em que o trabalhador se encontra

em face do empregador fixa princípios inderrogáveis de ordem pública, condicionantes da

validade de qualquer contrato de trabalho, como o salário mínimo, a jornada máxima de

trabalho, o repouso semanal remunerado, etc. Simultaneamente, o direito de greve e o de

associação são reconhecidos como direitos coletivos e tendem a ser regulados e

controlados em maior ou menor grau pelo Estado, como no Brasil e na Itália.

É nesse contexto que essas mesmas relações de trabalho, no interior da

fábrica, passam a ser submetidas ao modelo fordista de gestão de pessoal. Henry Ford

procura obter a cooperação do operário por meio do pagamento de remuneração superior

ao mercado e limitação da jornada de trabalho, criando ao nível da empresa a

materialização do direito à igualdade do trabalhador. Ele aproxima dois universos: a

produção de massa do consumo de massa, e desse modo permite o acesso do operário a um

275 CARVALHO NETTO, Menelick de. “A Hermenêutica Constitucional sob o Paradigma do EstadoDemocrático de Direito”. In: Notícia do Direito Brasileiro. Nova Série, n. 6, p. 242.

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“novo registro de existência social”276. Este procedimento encontra fundamento na lição de

Antonio Gramsci:

A adaptação aos novos métodos de produção e de trabalho não se podeverificar apenas através da coação social: este ‘preconceito’ muitodifundido na Europa e especialmente no Japão, onde não pode tardar aprovocar conseqüências graves para a saúde física e psíquica dostrabalhadores, [...]. Por isso a coerção deve ser sabiamente combinadacom a persuasão e o consentimento, e isto pode ser obtido, nas formasadequadas de uma determinada sociedade, por uma maior retribuição quepermita um determinado nível de vida, capaz de manter e reintegrar asforças desgastadas pelo novo tipo de trabalho.277

A transformação do operário em consumidor foi decisiva para gerar

novas necessidades e, consequentemente, facilitar o consentimento com a fábrica.

Concomitantemente, Ford segue a mesma linha de tutela voluntária

adotada pelos patrões do paradigma liberal. Ele constrói vilas para seus trabalhadores e

escolas para seus filhos, complementando a assistência estatal. Porém, do mesmo modo

que os antigos patrões, exige do operário beneficiado com a melhor remuneração a

limitação da sua liberdade, uma vez que não lhe basta ser dedicado à fábrica e ter anos de

casa: ele deve ser legalmente casado, viver em harmonia conjugal e ser livre do consumo

de qualquer espécie de droga ou álcool. A diferença reside em que Ford confronta um

operário-cidadão, com direito a participação política (sufrágio universal), integrado

socialmente, que goza de uma relação salarial ampliada para além da mera retribuição

pontual de tarefa, a quem se asseguram direitos (direito do trabalho, seguros, acidentes e

aposentadoria) e se permite o consumo de habitação, instrução e lazer (descanso semanal e

férias remunerados). E mais do que isso, Ford enfrenta a representação coletiva do

operariado e a regulamentação autônoma coletiva das condições de trabalho – a convenção

276 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário, 4ªedição. Petrópolis:Editora Vozes, 2003, p. 432.277 GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno. Rio de Janeiro: Ed. CivilizaçãoBrasileira. 1984, p. 404-405. Apud DELGADO, Maurício Godinho. O poder empregatício. São Paulo : LTr,1996, p. 143.

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coletiva - que se sobrepõe ao contrato de trabalho. Logo, a disciplina fabril é negociada por

meio da celebração de acordos coletivos de trabalho para o repasse aos trabalhadores de

parcela da produtividade alcançada sob o compromisso de se manter o ritmo da produção,

ditado pela esteira automática.

O Estado enfatiza a negociação das condições de trabalho entre as partes

antagônicas, atuando como mediador do conflito. A intervenção estatal na seguridade

social e na economia, ao regular preços, salários, créditos e oferecer serviços, transmuda as

relações de trabalho que antes eram diretas entre empregadores e empregados, em relações

tripartites. A influência é recíproca e em alguns países, como no Reino Unido, os

sindicatos adquirem peso político e passam a integrar órgãos públicos colegiados. Na

organização da produção, todavia, persiste a ausência de participação do trabalhador,

mantendo-se um distanciamento entre o setor de controle e o de execução das atividades.

No Brasil, a primeira norma a assegurar especificamente a sindicalização

foi o Decreto nº 979 de 1903278 e a regular a organização sindical foi o Decreto nº 19.770

de 1931. Este último decreto foi elaborado sob a influência dos regimes corporativistas na

época em voga na Europa, especialmente o regime facista italiano, tendo em mira a figura

do “cidadão-trabalhador”, o novo homem brasileiro279.

Como esclarece Guilhermo Cabannelas:

no corporativismo, os sindicatos passam a ser corporações de DireitoPúblico, incrustrados dentro do Estado, pretendem, mais por meiospolíticos que profissionais, reger a vida integral do trabalho: semanifestam em forma mais ou menos acentuada, primeiro na Itália, com

278 SILVA. Floriano Corrêa Vaz da. Evolução histórica do sindicalismo brasileiro. In: Direito SindicalBrasileiro: estudos em homenagem ao Prof. Arion Sayão Romita. PRADO, Ney (org.). São Paulo: LTr,1998, p. 128.279 Angela de Castro Gomes ressalta a importância da imagem do cidadão-trabalhador para o discurso dematerialização do direito por meio de iniciativas governamentais. “A importância e o papel do cidadão-trabalhador tinham assim uma dimensão material comprovável nas numerosas e variadas iniciativasdesencadeadas pelo Estado, tendo em como finalidade precípua a criação e proteção deste novo homembrasileiro.” (GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo, 3ª edição. Rio de Janeiro: FGVeditora, 2005, p. 237.

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plena hegemonia das corporações fascistas; na Alemanha, como umamescla de fanatismo nacional e de avanço social; na Espanha, onde serechaça, em nome de um falso patriotismo, a essência autônoma parabuscar cópias no estrangeiro, pretendendo desconhecer ou suprimir pordecreto a questão social; em Portugal, onde o regime político se instaurouà semelhança da Itália, as corporações não contaram sequer com umamínima participação na vida do Estado, passando apenas uma imagemexterior sem conteúdo algum.280

Seguindo essa orientação, a norma brasileira supracitada instituiu o

sindicato único, sem autonomia e atrelado ao Estado. Entre as exigências para seu

reconhecimento estava a abstenção no seio das organizações sindicais de toda e qualquer

propaganda de ideologias sectárias, de caráter social, político ou religioso.

As tentativas constitucionais (1934281 e 1937) de garantir a pluralidade

sindical foram inviabilizadas pela regulamentação infraconstitucional que num primeiro

momento obstou o alcance de seu escopo exigir a aprovação de 1/3 da categoria para a

constituição de um sindicato (Decreto nº 24.664, em 12.07.1934) e, posteriormente

(Decretos nº 1.402/39 e nº 2.381), que reconheciam apenas um sindicato por profissão e

instituíam o quadro de atividades e profissões para se fixar o enquadramento sindical,

respectivamente. Como cabia ao sindicato o exercício de funções delegadas pelo Poder

Público, a lei regulava o seu funcionamento e autorizava a intervenção estatal, em caso de

dissídio ou circunstância que perturbe o seu funcionamento, e até mesmo a cassação da sua

carta de reconhecimento. Considerado como a entidade básica para estabelecer o equilíbrio

entre o totalitarismo e o liberalismo, o poder público a partir de 1940 tomou diversas

iniciativas para alavancar os índices de sindicalização, que se mantinham inexpressivos:

instituiu a contribuição compulsória (Decreto nº 2.377/40) e iniciou uma campanha

intensiva de sindicalização dos trabalhadores, por intermédio de propaganda, concursos

280 CABANNELAS, Guilhermo apud SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direito do Trabalho eDemocracia. Apontamentos e Pareceres. São Paulo : LTr, 1996, pág. 193.281 Art. 120.

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culturais e mesmo cursos de preparação de dirigentes sindicais (1943).282 Embora o

discurso estatal se afastasse da “democracia autoritária” da Carta de 1937, esse sistema foi

totalmente absorvido pela Consolidação das Leis do Trabalho, editada em 1943, que

também regulamentou exaustivamente o contrato de trabalho. O contrato de trabalho a

prazo indeterminado se tornou o padrão dominante para a formação do vínculo de

emprego, a figura do empregador foi despersonalizada283 e foram instituídos os

procedimentos administrativos de fiscalização e a Justiça do Trabalho.

Como já dito, o trabalhador era a figura central na elaboração das

políticas públicas. “Trabalhar não era simplesmente um meio de ‘ganhar a vida’, mas

sobretudo um meio de ‘servir a pátria’”284. Na década de 30 foram criados institutos de

seguridade285 e medicina social. A intenção era a concessão de benefícios materiais aos

trabalhadores para propiciar a desmobilização sindical e a supressão de movimentos

grevistas, vistos como agitação “antipatriótica e anticapitalista”.

O Direito do Trabalho então se afirma definitivamente como ramo

autônomo do direito e tem como um de seus fins precípuos limitar a margem de atuação do

empregador de modo a possibilitar, ainda que artificialmente, um nível de igualdade

material entre as partes na relação de emprego. Entre seus princípios reitores se destaca a

irrenunciabilidade dos direitos pelo trabalhador e o princípio in dubio pro operario,

expressamente favoráveis à parte mais fraca do contrato de trabalho. Nesse pano de fundo

282 GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo, 3ª edição. Rio de Janeiro: FGV editora, 2005,p.246/261.283 A Consolidação das Leis do Trabalho rompeu com a tradição contratualista ao acolher adespersonalização do empregador, no art. 2º, e ressaltar o papel da empresa para o empregador pactuante, oque levou muitos doutrinadores a concluir pela adoção da teoria institucionalista na lei brasileira. Contudo, osarts. 442, 444 e 468 destacam a manifestação da vontade dos contratantes para a celebração do acordo, aindaque verbal.284 GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo, 3ª edição. Rio de Janeiro: FGV editora, 2005, p.239.285 Entre 1930 e 1937 foi implementado um vasto programa de seguridade social, criando-se seguros contra ainvalidez, doença, morte, acidentes de trabalho e o seguro-maternidade. Para se impedir a perda da saúde emelhorar as condições e vida em geral, o Estado também procurou implementar medidas para atender às

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em que a materialização do direito é a tônica, o juiz a toma como meta a ser alcançada

inclusive no momento de sua aplicação no caso concreto. Ao aplicador é requerida a busca

do sentido material da norma, valendo-se de métodos de interpretação: teleológico,

sistemático e histórico. A intenção do legislador é superada pela busca do sentido objetivo

do texto no momento da aplicação. Entretanto, mesmo aqui a norma é vista como uma

regra geral e abstrata, cuja interpretação obtida em abstrato deve prevalecer a despeito das

especificidades do caso concreto.

Na maior parte dos países, a incidência de normas estatais indisponíveis

se espraia por todos os aspectos do contrato de trabalho. De toda sorte, os direitos

fundamentais somente são discutidos de forma coletiva, deixando pouca margem para a

negociação individual. A busca incessante da igualdade material entre as partes

contratantes, no Estado do Bem-Estar Social, interfere na definição da natureza do vínculo

estabelecido entre elas e dá origem a duas correntes doutrinárias: a corrente contratualista,

que segue a interpretação tradicional do vínculo estabelecido entre empregado e

empregador, e a corrente institucionalista. Para esta última corrente, a constituição da

relação de emprego se dá pela simples inserção do trabalhador dentro da organização

produtiva. Ela nega o conflito de classes, enfatizando sua finalidade comum de

prosperidade e trabalho com espírito de cooperação. O seu auge vigorou em estados

totalitários que defendiam inclusive o acoplamento do sindicato ao Estado, para atuar

como uma longa manus deste, pois a empresa aos buscar seus próprios interesses,

satisfazia os “superiores interesses da nação”.286 Nesse contexto, o poder hierárquico do

empregador é apresentado como um direito-função, sob a perspectiva de funcionalização

necessidades de alimentação, habitação e educação dos trabalhadores (GOMES, Angela de Castro. Ainvenção do trabalhismo, 3ª edição. Rio de Janeiro: FGV editora, 2005, p. 242/243).286 MAGANO, Octavio Bueno. Do poder diretivo na empresa. Ed. Saraiva, 1982, p. 152.

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dos direitos subjetivos cujo ápice chega a equiparar o proprietário a um funcionário

público287. Conforme Luiz José de Mesquita, o direito-função configura a:

[...] faculdade em virtude da qual uma pessoa, o sujeito ativo chamadosuperior hierárquico, exerce um direito-função sobre a atividade humanaprofissional de outra, o sujeito passivo, chamado inferior hierárquico,segundo o interesse social da instituição, para legislar, governar esancionar, no que respeita à ordem profissional da empresa.288

Ele se manifesta como um direito potestativo que tem como contrapartida

a sujeição do empregado, porém a diferença está em que esse direito não tem natureza

obrigacional. Como ressalta Octavio Bueno Magano: “Existe uma supremacia da vontade

do titular da ‘potestade’ e a sujeição das pessoas em benefício das quais ela está

necessariamente orientada”289.

Os operários são então parcialmente integrados na sociedade (ainda que

gozem de benefícios populares: educação pública, saúde pública, lazer popular) e são

reconhecidos como uma classe social distinta. A concepção do trabalho se transforma de

um dever moral, religioso ou econômico em um fonte de riqueza e a condição de

assalariado deixa de ser indigna. Nesse cenário, a coerção externa: “criminalização da

vagabundagem” deixa de ser expressiva, caindo em desuso.

A obsessão pela igualdade material resulta no sufocamento da igualdade

formal. O trabalhador é ceifado em seu direito a ser diferente e ficam mitigadas as suas

possibilidades de discutir e imprimir os seus interesses individuais tanto no momento da

contratação como no curso da relação de emprego. A influência da teoria institucionalista

pura se faz sentir em um curto período de tempo, porém deixa fortes marcas no Direito do

287 LOPES, Ana Frazão de Azevedo. Empresa e propriedade. Função social e abuso de podereconômico. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 117.288 MESQUITA, Luiz José. Poder disciplinar do trabalho. apud BARROS, Alice Monteiro de. Poderhierárquico do empregador. Poder diretivo. In: Curso de Direito do Trabalho: estudos em memória deCélio Goyatá, vol. I, 2º edição ver, atual e ampl. BARROS, Alice Monteiro de (coord.). São Paulo: EditoraLtr, 1993, p. 555.

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Trabalho ao partir da desigualdade material entre as partes e reconhecer os vícios na

manifestação de vontade do trabalhador dela derivados, preconizando a necessidade de

incidência de normas indisponíveis no contrato de trabalho.

O modelo do Estado Social se revela, contudo, autoritário uma vez que a

segurança é inversamente proporcional à liberdade.

Quer se trate do Estado intervencionista ativo ou do Estado supervisorirônico, parece que as capacidades de regulação social que lhes sãoatribuídas devem ser extraídas, na forma de uma autonomia privadareduzida, dos indivíduos enredados em suas dependências sistêmicas. Poreste ângulo, existe um jogo de gangorra entre os sujeitos de ação públicose privados: o aumento da competência de uns significa a perda decompetência de outros. 290

O Estado social por intermédio de suas intervenções antecipadas,

assegurando a saúde, educação, segurança, habitação, lazer, limita a autonomia privada do

indivíduo, submetendo-o às decisões burocráticas do poder administrativo estatal. Essa

atuação resulta no próprio questionamento da compatibilidade desse modelo com o direito

à liberdade.

No final da 2ª Grande Guerra, o Estado Social começa a ser questionado

em face da limitação do capitalismo para atender à crescente demanda interna, da rigidez

da relação de trabalho e da crescente competitividade entre os países centrais e periféricos

na ocupação do mercado internacional291. O rompimento do modelo sindical mencionado,

já praticado em diversos países, é referendado pela Organização Internacional do Trabalho

que, em 1948, na Convenção nº 87 preconiza preponderantemente o exercício da liberdade

sindical diante do Estado, assegurando a pluralidade sindical. A ela se seguiu a Convenção

nº 98, de 1949, que trata do direito de sindicalização e negociação coletiva, regulando a

289 MAGANO, Octavio Bueno. Do poder diretivo na empresa. Ed. Saraiva, 1982, p. 29.290 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia entre facticidade e validade, vol. II. Rio de Janeiro: Tempobrasileiro, 1997, p. 144.291 Ver a explicação mais detalhada no primeiro capítulo, nos modelos de gestão de pessoal.

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liberdade sindical perante a parte contrária, empregador ou outra organização sindical, e a

liberdade sindical individual.

Na década de 70, o questionamento do modelo atinge seu ápice com o

aprofundamento da crise econômica mundial. A sociedade pós-fordista se revela

extremamente complexa, intrincada e fluida e em conseqüência as relações entre o direito

público e privado são colocadas em xeque: o direito público não se confunde mais com o

direito estatal. Os conceitos de liberdade e igualdade, outra vez ganham uma nova

concepção, ou seja, um renovado e mais rico conteúdo semântico, conteúdo que se

expressa em uma terceira geração de direitos, agora difusos e de participação que, na

verdade, redimensionam toda a compreensão jurídico política da sociedade sobre si

própria. Do desgaste do poder explicativo das crenças em que se fundava o paradigma do

Estado Social emerge um novo paradigma, que as Constituições dessa nova época

designam como o da organização jurídico-política que instituem, o Estado Democrático de

Direito.

1.3 – A tensão inerente ao contrato de trabalho vista sob o paradigma

do Estado Democrático de Direito

O Estado Democrático de Direito se posiciona contra a visão típica do

Estado Social de materialização dos direitos por meio da práticas paternalistas, em que os

afetados não participam. Essas práticas são não somente insuficientes, como perigosas e

desviantes. Perigosas porque privatizam nas mãos da burocracia a dimensão pública que

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alega possibilitar a longo prazo; desviantes porque apenas práticas de cidadania produzem

cidadãos. Requer-se da prática jurídico-política que, pelo menos, ela se revele

participativa, pluralista e aberta, com a intervenção de diversos atores sociais na defesa do

interesse público, pois acredita-se que a liberdade e igualdade apenas são alcançadas com a

participação dos indivíduos no âmbito público e privado. A esfera privada é revalorizada,

com destaque às pretensões de autodeterminação, autonomia e liberdade individuais

independentes do poder administrativo.

Para esse último paradigma, a questão do público e do privado é questãocentral, até porque esses direitos, denominados de última geração, sãodireitos que vão apontar exatamente para essa problemática: o públiconão mais pode ser visto como estatal ou exclusivamente como estatal e oprivado não mais pode ser visto como egoísmo. A complexidade socialchegou a um ponto tal que vai ser preciso que organizações da sociedadecivil defendam interesses públicos contra o Estado privatizado, o Estadotornado empresário, o Estado inadimplente e omisso.292

A sociedade pós-fordista abandona a ingenuidade na crença de um

modelo social absoluto, baseado na sobreposição de um direito (liberdade ou igualdade) ou

de um espaço social (público ou privado), pois o ensinamento extraído principalmente da

Segunda Grande Guerra somente permite essa concepção de forma cínica, na perspicaz

análise de Bernardo Sorj:

Como ampliar os interesses comuns sem diminuir ou destruir asliberdades individuais é o dilema constitutivo da modernidade liberal,dilema para o qual filósofos, cientistas políticos e ideólogos procuramrespostas definitivas, mas cuja solução será precária e mutante. E, se essedilema não apresenta uma resposta consensual e definitiva, a históriaapresenta uma lição negativa: todo esforço para eliminar um direito emnome de outro, para construir uma sociedade igualitária sem indivíduoslivres ou afirmar a liberdade individual mas sem senso de solidariedade,transforma a sociedade – seja em prisão, seja em selva.293

292 CARVALHO NETTO, Menelick. A contribuição do Direito Administrativo enfocado da ótica doadministrado para uma reflexão acerca dos fundamentos do controle de constitucionalidade das leis no Brasil:um pequeno exercício de Teoria da Constituição. In: Fórum administrativo. Ano I. Nº 1. Belo Horizonte:Forum, março de 2001.293 SORJ, Bernardo. A democracia inesperada: cidadania, direitos humanos e desigualdade social. Riode Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p.29.

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Procura-se o equilíbrio entre as duas medidas deixando de considerá-las

como direitos ou esferas opostas, para serem vistas como complementares e

eqüiprimordiais; esferas antes inteiramente privadas sofrem a intervenção e

regulamentação legal, ao mesmo tempo em que “disciplinas antes classificadas como de

direito público passam a assumir uma feição cada vez mais aberta à possibilidade de

argumentação, à inserção de elementos ligados à iniciativa individual”.294

A individualização alcança inclusive a interpretação do direito pelo

aplicador diante da impossibilidade de se esgotar toda a realidade social em normas

abstratas e gerais, as quais deixam de ser vistas como autoreguladoras de sua

aplicabilidade. Nessa linha, a atividade do julgador ultrapassa a mera identificação da

norma jurídica por meio de uma regra de reconhecimento e se revela simultaneamente

interpretativa e construtiva do direito. Na construção do direito o magistrado deve valorizar

a tensão entre princípios contrários, mas não contraditórios, e complementares, como o

direito público e o direito privado, a liberdade e a igualdade, os quais devem incidir no

caso concreto de modo a garantir sua eficácia ao máximo, assegurando concomitantemente

a coerência e consistência da decisão.

O modelo de gestão empresarial também sofre uma severa transformação

para admitir e mesmo incentivar a participação do trabalhador, em todos os níveis da

empresa, para além da execução dos serviços. No toyotismo, o trabalhador atua tanto no

controle da qualidade do produto final, quanto na concepção da própria forma da produção.

Ele tem liberdade criativa, para opinar sobre a forma da produção e até interromper o

processo produtivo a qualquer tempo. O número de trabalhadores, em regra altamente

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qualificados e denominados de colaboradores, é reduzido e sua importância é equiparada a

dos fornecedores e subcontratados. A motivação subjetiva da mão-de-obra é a principal

arma nesse modelo de gestão e se incrementa pela comunicação entre os diversos níveis.

Nesse paradigma de direito se destaca o crescimento do setor terciário e o

assalariamento de profissões antes excluídas da relação de subordinação: os profissionais

liberais, como médicos, engenheiros, advogados, jornalistas, entre outros. Ao mesmo

tempo em que esses trabalhadores almejam acessar os benefícios legais dos assalariados,

insere-se uma clivagem entre os trabalhadores assalariados “estáveis” e aqueles com

condições instáveis e precárias dentro da organização (denominados de “trabalhadores

periféricos ou residuais”)295. Aumenta também o distanciamento salarial entre os

empregados desqualificados ou com pouca qualificação e os empregados altamente

especializados. Expande-se o espaço profissional, alcançando o trabalhador em qualquer

local e momento de sua vida fora da empresa por intermédio da microinformática e

tecnologia da comunicação. Mesmo o espaço por essência de ordem privada, residência, é

envolvido na prestação de serviços, ao se criar contingentes enormes de trabalhadores em

domicílio. As empresas, por sua vez, desdobram-se em oferecer serviços de diversos

gêneros para aumentar o conforto (e com isso visam assegurar a motivação e a atenção

integral em seu benefício) dos poucos empregados que lhe restam: assessoramento

294 ARAUJO PINTO, Cristiano Paixão. Arqueologia de uma distinção: o público e o privado na experiênciahistórica do direito. In: PEREIRA, Cláudia Fernanda de Oliveira (org). O novo direito administrativobrasileiro: o Estado, as agências e o terceiro setor. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 44/45.295 “A relativa integração da maioria dos trabalhadores, traduzida, dentre outros, pelo salário mensal, cavauma distância em relação a uma força de trabalho que, em vista desse fato, é marginalizada: trata-se deocupações instáveis, sazonais e intermitentes. Esses ‘trabalhadores periféricos’ estão entregues à conjuntura.Sofrem prioritariamente os contragolpes das variações da demanda de mão-de-obra. Constituídosmajoritariamente por imigrantes, por mulheres e jovens sem qualificação, por trabalhadores de uma certaidade e que são incapazes de acompanhar as ‘reconversões’ em curso, ocupam as posições mais penosas emais precárias na empresa, têm os salários mais baixos e são os menos cobertos pelos direitos sociais.Acampam nas fronteiras da sociedade salarial muito mais do que dela participam integralmente.” (CASTEL,Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário, 4ªedição. Petrópolis: Editora Vozes,2003,p. 475/476).

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psicológico, financeiro e jurídico, serviços de engraxate, manicure e massagens296,

pagamento de festas familiares297 são alguns exemplos noticiados no Brasil. No entanto,

nos problemas relativos ao labor, o trabalhador se vê isolado dentro e fora da empresa,

sendo responsabilizado individualmente tanto pelo seu sucesso pessoal (nas noções de

empregabilidade ou competência), como pelo sucesso da produção e da empresa.

O propalado fim da subordinação clássica, todavia, não acarreta em

diminuição do poder do empregador:

[...] o poder empresarial ficou mais forte. As novas formas de gerirtecnologias, aumentando a autonomia e o poder de decisão dosempregados, favoreceram o empregador. Hoje, dado o aumento dacompetência nos processos internos, todos na empresa estão preocupadoscom seus objetivos e resultados. Nesse sentido, o empresário conseguiudividir as responsabilidades pela sorte do empreendimento, sem umaproporcional divisão dos lucros. Vale dizer, a autonomia dos empregadosno empreendimento não implica em mudanças no centro do poder daorganização. Nesse centro, nada mudou.298

A prática empresarial se distancia do pensamento doutrinário do direito

do trabalho, pois não são poucos os doutrinadores brasileiros que continuam a vislumbrar

no poder diretivo a natureza de direito-função299 para justificar a intervenção na empresa

quando houver o exercício abusivo desse direito300. Como visto a interpretação do direito

do empregador de organizar a produção como direito-função traz em si embutida uma

visão totalitária do Estado e mascara o conflito de classes dentro da empresa. O advento do

Estado Social afastou qualquer interpretação absoluta de um direito subjetivo de

296 DIMENSTEIN, Gilberto. Banco dá assessoria psicológica, financeira e jurno dia 22.09.2005, naCentral Brasileira de Notícias Disponível em<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/cbn/capital_220905a.shtml> . Acesso em 22.10.2005.297 DIMENSTEIN, Gilberto. Apsen paga festa de 15 anos de filhas de funcionário e bodas de casamento.Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/cbn/capital_290805h.shtml> . Acesso em22.10.2005.298 PROSCURCIN, Pedro. O fim da subordinação clássica no direito do trabalho. In: Revista LTr, vol. 65, nº03, mar. São Paulo: LTr, 2001, p. 288.299BARROS, Alice Monteiro de. Poder hierárquico do empregador. Poder diretivo. In: Curso de Direito doTrabalho: estudos em memória de Célio Goyatá, vol. I, 2º edição ver, atual e ampl. BARROS, AliceMonteiro de (coord.). São Paulo: Editora Ltr, 1993; MAGANO, Octavio Bueno. Do poder diretivo naempresa. Ed. Saraiva, 1982;

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propriedade e livre iniciativa. O poder do empregador de gerir a máquina produtiva está

limitado pela função social da empresa, a qual não tem apenas um cunho negativo, mas

também positivo, ou seja, exige “um compromisso positivo do seu titular com o

atendimento dos interesses sociais, resgatando a responsabilidade e a intersubjetividade

que devem caracterizar o exercício dos direitos subjetivos.”301

Surge com força a corrente contratualista que, diante da democratização

da fábrica, vê no exercício do poder diretivo uma relação contratual complexa, com a

intervenção dos sujeitos da empresa, empregador e empregado, e terceiros, como

sindicatos e comissões internas. Para essa corrente, o poder empresarial configura:

[...] uma relação jurídica, como dito, qualificada pela plasticidade de suaconfiguração e pela intensidade variável do peso de seus sujeitoscomponentes. Relação jurídica contratual complexa: relação plástica evariável, objetiva e subjetivamente, comportando inclusive umaassimetria móvel entre seus sujeitos componentes. Mediante tal relaçãojurídica complexa de poder se prevêem, se alcançam e se sancionamcondutas no plano do estabelecimento e da empresa.302

A disseminação da condição de assalariado entre profissões altamente

qualificadas e que antes se identificavam com a classe dominante ou ao menos, mais

abastada, transmuda a natureza da subordinação do empregado. Defende-se atualmente a

subordinação objetiva, quer dizer, a subordinação decorrente da integração do trabalhador

na organização empresarial, como substituta da subordinação-controle ou subjetiva, aquela

vinculada às ordens técnicas ou à dependência econômica e social do trabalhador. Com o

fim de estender o universo do direito do trabalho, forja-se o termo parassubordinação para

abarcar a prestação de serviços infungível, pessoal, contínua e coordenada funcionalmente

com a estrutura da empresa ou o interesse do beneficiário da atividade, porém dotada de

300 MELO, Eric Sabóia Lins. Intervenção judicial na empresa por força do exercício abusivo do poderdiretivo. In: Genesis: revista de direito do trabalho, vol. 15, nº 85, jan 2000, p. 37.301 LOPES, Ana Frazão de Azevedo. Empresa e propriedade. Função social e abuso de podereconômico. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 123.

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liberdade em relação à ao modo e condições de execução. Nessas modalidades de

subordinação, afasta-se a direção técnica da atividade pelo empregador em face do seu

corrente desconhecimento sobre o serviço contratado. Não obstante, a coerção interna

ainda é exercida por meio do antigo poder disciplinar do empregador sobre todos os

trabalhadores. Robert Castel relata que, devido à mecanização do trabalho de escritório: “O

‘colarinho branco’ das grandes lojas ou dos escritórios de empresas sofre coerções

semelhantes às dos operários”.303

De toda sorte, hoje se reconhece com mais facilidade e indiscutivelmente

o exercício do direito de resistência ao empregado quando a ordem do empregador

contrariar a lei, as convenções coletivas, o contrato de trabalho e os direitos fundamentais

coletivos e individuais.304 A coerção externa, contudo, em face do desemprego estrutural

encontrado nessa fase do capitalismo, modifica-se e passa a ser o medo da exclusão, do

acesso aos bens de consumo e dos confortos obtidos no processo de integração pela

condição de assalariado, sendo desnecessária a criminalização da vagabundagem.305

A pulverização da empresa, o desemprego estrutural e a globalização da

economia fragilizam a mobilização coletiva e a organização sindical, que adere ao discurso

empresarial e referenda políticas salariais restritivas em prol da manutenção dos postos de

trabalho. Preconiza-se a modificação do papel do sindicato no sentido de se tornar

302 DELGADO, Maurício Godinho. Poder no contrato de trabalho. In: Síntese trabalhista, ano VIII, nº 95,maio de 1997, p. 138.303 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário, 4ªedição. Petrópolis:Editora Vozes, 2003,p.473.304 A questão que se coloca hoje diz respeito à extensão do gozo dos direitos fundamentais individuais ecoletivos dentro da empresa, bem como a necessidade da empresa adotar condutas positivas em relação aesses direitos. Entretanto, este e outros aspectos serão esmiuçados no item 2, sob a ótica do princípio daintegridade de Ronald Dworkin.305 Como ressalta Pierre Rosanvallon: “A mendicância terminou, paradoxalmente, considerada como umaopção: hoje, certos juristas norte-americanos vêem nela o exercício de um direito do homem! Os direitos dohomem podem assim tornar-se, dentro dessa perspectiva, o vetor da indiferença social. Se mendigar é umdireito, de certo modo a inserção social deixa de ser um dever para a sociedade. A autonomia radical torna-se, nesse caso, a contrapartida da abolição de uma parte do contrato social”. (ROSANVALLON, Pierre. Anova questão social: repensando o Estado Providência. Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 1998, p. 142).

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principalmente uma organização de serviços para atendimento individual de seus

membros. A Central Sindical Nacional do Reino Unido (TUC –Trade Union Congress) -

fundada em 1868, que em 1960 chegou a abranger 80% dos trabalhadores filiados a

sindicatos naquele país e a promover 3.000 greves por ano, entre 1969 a 1974 -, a partir de

1980 declara “que o coletivismo seria substituído pelo individualismo e o produtivismo pelo

consumismo, e que um modo de atrair novos membros seria fornecer serviços financeiros e de

aconselhamento na forma individual”.306 Os sindicatos oferecem então serviços de crédito,

seguros e descontos e adotam uma postura mais defensiva e condescendente ao capital com

vistas à manutenção dos empregos.

Os modelos contratuais surgidos após a crise dos anos 70 rompem com o

tratamento homogeinizador do contrato de trabalho e se aproximam das necessidades

individuais dos trabalhadores. As normas trabalhistas são rotuladas de arcaicas e rígidas,

cujo modelo deve ser substituído pela regulamentação autônoma das atividades, se possível

ao nível da empresa, ampliando a possibilidade de o trabalhador discutir e negociar o seu

contrato de trabalho. Proliferam os contratos de trabalho atípicos para as funções com

baixa qualificação e principalmente a mão-de-obra feminina, com a revalorização da

autonomia de vontade para a definição da espécie contratual convencionada. Os

trabalhadores mais especializados compõem a escassa força de trabalho estável e buscam a

negociação individualizada de seu contrato de trabalho. A onda de individualização

contratual segue seu curso e abrange inclusive os contratos a prazo indeterminado, por

meio da organização produtiva ao acolher a autonomia contratual na determinação das

condições de trabalho. São adotados o envolvimento, como um dos parâmetros de

avaliação do trabalhador, e a remuneração diferenciada, com a distribuição de prêmios e

306 MCILROY, John. O inverno do sindicalismo. In: Neoliberalismo, trabalho e sindicatos: reestruturaçãoprodutiva no Brasil e na Inglaterra., 2ª edição. ANTUNES, Ricardo (org). São Paulo: Boitempo Editorial,2002, p. 59.

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participação nos lucros e resultados, nas diversas modalidades de contratos de trabalho.

Tais inovações também são utilizadas contra os interesses dos empregados e se mostram

como espaços para a burla a direitos trabalhistas duramente conquistados. Antonio Baylos,

por sua vez, destaca a desigualdade material entre as partes da contratação atípica e as

consequências nefastas de sua desconsideração, as quais podem ser estendidas para os

demais aspectos da individualização do contrato de trabalho:

A individualização das relações de trabalho “atípicas” não supõe denenhuma maneira um sinal de recuperação positiva dos espaços deliberdade individual. O contrato realizado desta forma é símbolo de umaradical desigualdade. Implica a privação de todos os direitos e garantiasvinculados à estabilidade no emprego, a impossibilidade efetiva depromoção profissional, a imunização frente à ação sindical e o aumentodesmedido dos espaços de poder unilateral do empresário, além da piorposição do trabalhador “atípico” dentro do sistema de proteção daPrevidência Social. O acordo negociado “livremente” entre empresário etrabalhador não é mais que a expressão do predomínio indiscutível davontade unilateral do empregador.307

A própria autonomia do Direito do Trabalho é colocada em cheque.

Na França, Alain Supiot noticia a realização de um seminário em Montepellier, cujo

título era “Devemos queimar o Código do Trabalho?308”

No direito brasileiro, a novidade se faz sentir a partir da Lei nº

6.019/74 que institui o trabalho temporário executado por uma empresa prestadora de

serviços, para a substituição de mão-de-obra ou atendimento a extraordinário

acréscimo de serviços, desde que justificado, pelo prazo máximo de 90 dias, cuja

prática se dissemina entre as atividades sem qualificação profissional, ainda que sob

forte resistência inicial da jurisprudência nacional (Súmula nº 256 do C. Tribunal

Superior do Trabalho309). O cancelamento da Súmula nº 256, pela Súmula nº 331310,

307 BAYLOS, Antonio. Direito do trabalho: modelo para armar. São Paulo: LTr, 1999, p. 110.308 Faut-il brûler le Code du travail? (SUPIOT, Alain. Pourquoi un droit du travail? In: Droit Social, nº 6,junho 1990, p. 485).309 Contrato de prestação de serviços. Legalidade - Cancelada - Res. 121/2003, DJ 21.11.2003 Salvo os casosde trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de

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reflete a recepção jurisprudencial à flexibilização das normas trabalhistas e abre as

portas para a aprovação de uma série de normas diferenciadoras da relação de

trabalho. Nessa linha, a partir do final dos anos 90, são editadas as leis autorizadoras

da instituição do banco de horas e expansão do trabalho temporário (Lei nº

9601/1998), o trabalho a tempo parcial e a suspensão temporária dos serviços (MP

nº 2164/2001), deixando o empregado cada vez mais à margem da discricionariedade

do empregador.

O direito coletivo nacional não acompanha essa transformação. A

Constituição Federal de 1988 mantém a unicidade sindical (e o sindicato por

categoria profissional e econômica), a contribuição sindical obrigatória e o poder

normativo da Justiça do Trabalho, persistindo no modelo intervencionista e

corporativo de 1943. De modo que a organização sindical brasileira no aspecto geral

mantém seus traços de fragilidade e descompromisso com a base trabalhadora. Esses

traços são agravados no exercício da negociação coletiva com a personalização do

contrato ao constituir universos de trabalho distinto dentro da mesma empresa e

reduzir os laços de solidariedade. O conceito de envolvimento contribui,

internamente a um mesmo grupo de empregados com condições de trabalho

similares, a pulverizar mais uma vez os requisitos de avaliação, destruindo a última

base da regulamentação autônoma das relações de trabalho.

A negociação caminha no sentido de que as partes conflitantes encontremum parâmetro coletivo que sirva de referência para categorias inteiras derepresentados; o envolvimento é individualizante e fluido, por causa doarbitrário que informa o seu conteúdo: qual é a margem para que alguémdefina a si mesmo como “envolvido” ou para que o proponente sinta-sesatisfeito como “envolvimento” oferecido pela contraparte? Como possosaber que está mais “envolvido” do que outro? Quem define e com base

20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculoempregatício diretamente com o tomador dos serviços.

310 Resolução 23, publicada no DJ 21/12.1993.

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em que medida? Diremos que a negociação está dentro do camposemântico do contratualismo, enquanto o envolvimento está dentro docampo semântico da pessoalização e do arranjo ad hoc, em vez do direito.Diremos também que pelo que precede, a “negociação do envolvimento”é uma contradição nos termos.311

Nem mesmo a eleição de umpresidente orundo do movimento sindical

altera esse quadro. O Fórum Nacional do Trabalho, aberto em 29 de julho de 2003, para a

discussão de um pacto social entre capital, trabalho e Estado, é aos poucos esvaziado e a

proposta aprovada e encaminhada ao Congresso Nacional altera apenas formalmente a

organização sindical de base e centraliza a atuação das Centrais Sindicais Nacionais.312

Diante da crise política iniciada em 2005, o governo modifica a proposta e encaminha

apenas as questões menos controvertidas a serem estabelecidas por lei ordinária, o que é

denominado de “minirreforma”313.

As maiores modificações se verificam na organização do Poder

Judiciário Trabalhista e em seus ritos processuais. Em 9 de dezembro de 1999, a Justiça do

Trabalho deixa de ter composição colegiada e se extingue a representação classista pela

Emenda Constitucional nº 24. A Lei nº 9.958, de 12 de janeiro de 2000, possibilita a

formação de Comissões de Conciliação Prévia nas empresas e sindicatos, como medida

prévia de solução heterônoma de conflitos individuais, comissões estas que são objeto de

311 SILVA, Leonardo Mello. Trabalho em grupo e sociabilidade privada. São Paulo: USP, Curso de Pós-graduação em Sociologia: Ed. 34, 2004, p. 11/12.312 Tal projeto, embora aceite o pluralismo sindical, somente reconhece a representatividade de uma entidadesindical, utilizando um método que favorece as entidades já constituídas e com base nas regras deenquadramento emanadas do Conselho Nacional de Relações do Trabalho. A contribuição sindical legal éextinta e é substituída por uma contribuição negocial, a ser regulamentada em norma coletiva, com valoresequivalente e desconto obrigatório.

313 “O MTE apresentou uma nova minirreforma sindical, mais simples que a proposta de reforma anterior.Ela deixou de fora vários itens controversos (como a representatividade derivada), mas quer ampliar aabrangência da lei para incluir, além de trabalhadores e empregadores, os profissionais liberais e agentesautônomos e todos os trabalhadores vinculados à empresa, matando com isso a terceirização.As centrais sindicais (nacionais) serão criadas por lei (um item controverso) e elas irão negociar em fórunstripartites e não mais diretamente com as empresas. Os diretores de sindicatos terão que ser empregados daativa e ficarão revogados os Comitês de Conciliação Prévia. O novo modelo sindical – uma minirreforma –caso aprovado, terá cinco anos de transição.” FONSECA, João Carlos. Forte 2005: Pastore enfoca reformasindical. Disponível em < http://www.telebrasil.org.br/impressao/artigos.asp?m=382> . Acesso em04.11.2005.

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inúmeras denúncias junto aos órgãos públicos fiscalizadores (Ministério do Trabalho e

Ministério Público do Trabalho) quanto à cobrança de taxas indevidas, convalidação de

acordos fraudulentos e intimidação dos trabalhadores. A Emenda Constitucional nº

45/2004 amplia a competência da Justiça do Trabalho para abranger toda a espécie de

prestação de serviços, gerando inúmeros debates sobre seu alcance. Embora a lei mencione

ser necessária a concordância de ambas as partes para a instauração de dissídio coletivo

perante o órgão judiciário trabalhista, a jurisprudência reduz sua eficácia sob o argumento

de que:

Permanece incólume e inconteste a competência da Justiça do Trabalhopara processar e julgar as ações que envolvam o exercício do direito degreve, nos estritos termos do inciso II acrescentado ao artigo 114 daConstituição Federal pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Não sepode forjar uma antinomia entre o artigo 114 e a cláusula pétrea daindeclinabilidade da jurisdição, contemplada no inciso XXXV do artigo5º da Carta Magna, resumida no princípio segundo o qual a lei nãoexcluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito314.

Em face do desmantelamento do modelo tradicional de contrato de

trabalho, do quadro de fragilidade dos laços de solidariedade entre os trabalhadores e do

descompromisso sindical de entidades corporativas, o trabalhador brasileiro se afasta do

sindicato e o vê com desconfiança mesmo diante de um quadro adverso no seu local de

trabalho315.

O assédio moral surge nesse contexto conturbado de reconfiguração das

relações de trabalho e se insere justamente na zona limítrofe do exercício do poder diretivo

do empregador e do estado de subordinação do empregado. Para o tratamento desse

314 PROCESSO TRT/SP Nº 20086200500002009.315 Leonardo Silva, na pesquisa realizada junto à fábrica de capas automotivas, apurou que 79% dostrabalhadores vêem o sindicato como entidade muito distante (60% o consideram muito distante, só sepreocupando com acordos de dirigentes e dando pouca atenção à base; e 19% não conhecem o sindicato).Mesmo entre os que o consideram ativo (11%), não vislumbram eficácia em sua atuação, pois afirmam que osindicato tem dificuldade em atuar dentro da empresa ou não sabe o que se passa ali dentro. SILVA,Leonardo Mello. Trabalho em grupo e sociabilidade privada. São Paulo: USP, Curso de Pós-graduaçãoem Sociologia: Ed. 34, 2004, p. 275.

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problema é imprescindível o reconhecimento da legitimidade do exercício dos direitos

fundamentais individuais do trabalhador dentro da própria empresa, o que será estudado no

item seguinte.

2. Assédio moral e os limites do poder diretivo do empregador

O assédio moral organizacional, como vimos, tem sua visibilidade

estreitamente vinculada às relações de poder que se travam na empresa entre o credor dos

serviços e o trabalhador, partes consideradas livres e iguais na celebração de um contrato

de trabalho. Como visto acima, o paternalismo do empregador não mais garante a

fidelidade e dedicação do empregado que, ao obter o reconhecimento como cidadão

integrado socialmente e sujeito de direitos, quer ver assegurada sua dignidade, igualdade e

liberdade também dentro da empresa. O engajamento subjetivo do trabalhador, fomentado

pelo reconhecimento do saber operário, da participação na empresa, da individualização do

contrato de trabalho e do seu papel de “colaborador”, indiscutivelmente é o método mais

eficaz para o aumento da produção com qualidade. Em contrapartida, esse método requer

do empregado um compromisso equivalente à assunção de parte das responsabilidades pela

produção e pelo futuro da empresa. A divisão dos lucros316 e a efetiva participação do

trabalhador nos atos decisórios da empresa, todavia, não acompanham os níveis de

exigência. Ademais, a sombra do desemprego estrutural lembra constantemente ao

trabalhador a sua condição precária de inserção na empresa. Em conseqüência a sua

disposição se arrefece. Como então manter o seu entusiasmo, sua disposição de produzir e

316 Cesarino Junior em 1978 defendia que a universalização da participação nos lucros e resultados a todos osempregados, os transformariam em co-proprietários das empresas. Dessa forma, ele vislumbrava, a alteraçãodo direito tuitivo do trabalho em um direito estrutural do trabalho, em que a empresa se tornaria uma

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sua atenção na empresa? Exatamente nesse ponto entra em campo o assédio moral, como

mais um instrumento de exercício do poder empresarial, o qual age diretamente sobre a

vítima e indiretamente sobre toda comunidade em que se expressa a prática abusiva.

O tratamento individualizado pelos estudiosos e legisladores das

situações de mobbing na empresa e a ênfase ao aspecto subjetivo de seus atores são

insuficientes para a investigação da extensão da lesão e interrupção do problema em sua

origem. A atuação coletiva de sindicatos e órgãos fiscalizadores tem se concentrado em

obter compromissos das empresas para a adoção de medidas preventivas e repressivas à

sua prática, o que em regra significa a adoção de Códigos de Ética, promoção de cursos

específicos de treinamento do pessoal interno e mesmo cursos de autodefesa para

empregados por entidades sindicais e profissionais317, que podem ser conjugados ou não,

sem prejuízo da intervenção estatal para o término da prática abusiva. Algumas empresas,

diante das freqüentes condenações pela Justiça do Trabalho brasileira, procuram assegurar

seu patrimônio por intermédio de seguros contra o pagamento de indenizações a vítimas de

atos abusivos de seus dirigentes.

O problema maior reside em que o assédio moral se manifesta

principalmente pelo uso abusivo do direito de dirigir, controlar, regulamentar e sancionar o

trabalhador na prestação de serviços, reclamando a definição dos limites para a atuação do

empregador no caso concreto. Para isso é imprescindível a análise da fundamentação do

exercício do poder diretivo do empregador e da subordinação do empregado, as duas faces

da mesma moeda, uma vez que o exercício do primeiro está restrito na mesma medida da

extensão do segundo.

verdadeira cooperativa de produção (CESARINO JUNIOR, A . F. Teoria do “pequeno risco”. In: Revista

LTr, ano 42, dezembro de 1978).317 Marcia Novaes Guedes noticia que a Associação para o combate do mobbing e do estresse social –PRIMA oferece cursos de defesa pessoal, como: Autdefesa Verbal, M-Grupo, Egoísmo São e PreguiçaPositiva (GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo : LTr, 2ª edição, 2005, p.167).

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A doutrina inicialmente vinculou o conceito de subordinação do

assalariado à sua dependência econômica e social, encontrando a justificativa para o

exercício do poder diretivo exclusivamente no fato de o empregador ser proprietário dos

bens de produção e em sua superioridade econômica. Esta corrente reflete principalmente a

condição do proletariado no início da era industrial, em que o trabalhador era alijado de

quaisquer direitos públicos ao adentrar a fábrica e o proprietário tinha domínio absoluto

sobre seus bens. Sua fraqueza consiste em não conseguir fundamentar o poder do

empregador diante de empregados com superioridade financeira. Além do mais, esta teoria

nitidamente deixa de estabelecer por intermédio da própria relação entabulada qualquer

restrição para o exercício do poder de comando, o que é temerário.

A segunda corrente que ganhou corpo conecta a subordinação do

empregado às determinações técnicas para a execução do seu serviço. O poder empresarial

encontra guarida no contrato de trabalho e as suas limitações são dele mesmo extraídas.

Nos primórdios da revolução industrial, a grosso modo, os trabalhadores realmente eram

desqualificados e em sua maioria oriundos do meio rural, desconhecendo as atividades

necessárias ao desempenho da função contratada. Nesse contexto, era o empregador quem

ditava os atos praticados ao longo do processo produtivo. O sistema taylorista e fordista

baseou o seu funcionamento nessa desqualificação, agravando ainda mais o quadro de

despojamento do operário em relação ao saber produtivo, a qual nos dias de hoje ainda se

mantém principalmente nos trabalhos manuais. No entanto, esta corrente sempre foi

claudicante ao não explicar as relações de subordinação e hierarquia desempenhadas em

face de trabalhadores com qualificação técnica apurada e conhecimentos especializados.

O terceiro grupo reconhece na subordinação nada mais do que a

expressão da inserção do trabalhador na empresa, a qual é tratada como instituição

autônoma. A manifestação do poder empresarial se faz sob a roupagem do direito-função,

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em que é outorgada a prerrogativa de agir conforme os interesses da empresa, os quais não

se confundem com os interesses pessoais do empregador. Esta teoria, além de ocultar o

antagonismo das partes envolvidas, peca pela ausência de delineamento do poder diretivo

do empregador, pois o empresário é apontado como a voz exclusiva da instituição,

possuidor, portanto, de um poder interno absoluto.

A corrente mais abrangente igualmente reconhece o fundamento da

subordinação no contrato de trabalho, mas não o limita às indicações técnicas da prestação

de serviços. Maurício Godinho Delgado318 reforça a complexidade da relação contratual

havida na empresa, uma vez que além do contratante e contratado, incidem as

manifestações de vontade das entidades coletivas e às vezes de órgãos internos colegiados

(CIPAS) e representantes obreiros internos (delegados sindicais e representantes previstos

no art. 11 da Constituição Federal). No exercício do poder diretivo, o empregador atua

como credor da obrigação de obediência do trabalhador, contudo deve observar o contrato

de trabalho, expresso principalmente pelas condições da prestação de serviços (horário,

local, normas de segurança) e pela qualificação profissional da atividade pactuada com o

trabalhador, o qual contudo é maleável porque influenciado pelas leis, normas

convencionais e práticas procedimentais internas. As práticas procedimentais internas são

limitadas pelas regras legias e convencionais, pois a empresa brasileira não se inclui entre

as fontes jurídicas trabalhistas brasileiras uma vez que aqui a normativa convencional

ainda assume a forma subsidiária aos imperativos legais. Os modelos de “acordos

derrogatórios” encontrados no regime francês319 são proibidos pela Constituição Federal

(art. 7º, caput) e legislação ordinária (art. 9ª da Consolidação das Leis do Trabalho).

318 DELGADO, Maurício Godinho. O poder empregatício. São Paulo : LTr, 1996.319 Os acordos derrogatórios são firmados ao nível de empresa e se sobrepõe à legislação trabalhista, aindaque contenha cláusula prejudicial ao empregado. Para maiores explicações ver Alain Supiot (Critique dudroit du travail. Paris: Quadrige, 2002).

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As limitações ao poder diretivo podem, em geral, ser resumidas nas

seguintes vedações: é proibido ao empregador exigir a prática de uma conduta ilícita ou

que exponha as outras pessoas e ao próprio empregado a situações nocivas, de grave perigo

ou vexatórias, bem como exigir a prestação de serviços incompatíveis com a qualificação

profissional correspondente à função para a qual o trabalhador foi contratado. As

exigências empresariais desligadas da prestação de serviços são fundamentadas na

obrigação de o empregado zelar pelo patrimônio da empresa e atuar com eticidade,

lealdade, boa-fé e diligência, princípios igualmente dirigidos ao empregador. A prática

empresarial faz vistas grossas ao fato de a indeterminação desses conceitos não compactuar

com toda sorte de ordens, por exemplo: é certo que a lealdade do empregado não pode ser

postulada diante de um comportamento ilícito da empresa, ou então a diligência pressupor

a disponibilidade diuturna do empregado. Logo, ao assalariado é reconhecido, mesmo na

empresa, o exercício dos direitos fundamentais, notadamente, igualdade e liberdade, as

quais devem ser consideradas no caso concreto320.

320 COLISÃO DE DIREITOS E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS. LIBERDADE DE INICIATIVA EDIRETO À PRIVACIDADE. EXCESSOS DE PODER DO EMPREGADOR. EMPREGADOSSUBMETIDOS À SITUAÇÃO VEXATÓRIA E HUMILHANTE EM VISTORIA DENTRO DAEMPRESA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VIABILIDADE. Indiscutível a garantia de oempregador, no exercício do poder de direção e mando, fiscalizar seus empregados (CF/88, art. 170, caput,incisos II e IV), na hora de saída do trabalho, de forma rigorosa, em se tratando de atividade industrial oucomercial de produtos de fácil subtração e guarda sob vestes, bolsa de mão, etc., tornando-se difícilpercepção ou detecção para quem fiscaliza, no momento de sair do trabalho, a pessoa que possa ter contatocom tais produtos. A fiscalização deve dar-se, porém, mediante métodos razoáveis, de modo a não expor apessoa do empregado a uma situação vexatória e humilhante, não submetendo o trabalhador ao ridículo, nemà violação de sua intimidade (CF/88, art. 5º, X). Exigir que o trabalhador adentre a um recinto com paredesespelhadas, dentro do qual deva ficar completamente nu, caminhar um pequeno percurso, submetendo-se àvistoria por vigilantes da empresa, a pretexto de que em uma cueca escura possa ocultar, com eficácia, umcartão de crédito ou uma pequena quantidade de vale transporte, caracteriza violência à sua intimidade, suaexposição ao ridículo ou ao vexame. Não importa que inexista contato direto entre vistoriador e vistoriado,ou que o empregado sequer saiba quem é o vistor; nem mesmo que o método seja impessoal, para evitarincômodo causado por revista sob apalpação, porque sempre haverá a exposição da imagem nua doempregado vistoriado, sofrendo o constrangimento desde o momento em que vai se dirigir ao local davistoria. É evidente a colisão de princípios constitucionais em que de um lado encontra-se a livre iniciativa(CF/88, art. 170) e de outro a tutela aos direitos fundamentais do cidadão (CF/88, art. 5º, X) que obriga o juizdo trabalho a sopesar os valores e interesses em jogo para fazer sobressair o respeito à dignidade da pessoahumana. Recurso de revista conhecido e provido.( RR 60481/ 2000, DJ - 15/10/2004 PROC. Nº TST-RR-660481/2000.0 C: A C Ó R D Ã O 4ª Turma JCJP/SJ/JP).

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A subordinação se relaciona mais diretamente ao modo e condições da

execução dos serviços ou à forma de inserção do trabalhador na empresa. Fala-se então em

“direito residual de controle” do empresário, o qual é “traduzido por sua faculdade de

impor sanções disciplinares ao trabalhador, inclusive a dispensa, associada ao poder

empresarial de contratar e fixar-lhe um salário”321. Como ressalta Alain Supiot:

[...], o poder de direção não se exerce mais no coração da prestação, massomente em sua periferia, sobre as condições de execução destaprestação. O vínculo de subordinação se exprime então de maneiradifusa, e se torna mais difícil a sua evidência.322

A dificuldade se revela desde o momento da avaliação do trabalhador no

processo seletivo de admissão, ocasião em que são questionadas a capacidade técnica e

experiência do candidato e também o seu caráter, humor, hábitos pessoais (como o ato de

fumar323) e laços sociais324. Estes aspectos exteriores à prestação contratada passam a ser

controlados no curso da relação de trabalho, com o fundamento de ser o empregador o

responsável pela integridade física, mental e moral dos empregados, bem como pela ordem

interna, sendo-lhe imputada a responsabilidade por qualquer ato ou falta danosa ocorrida

na empresa (responsabilidade objetiva do empregador). Todos os desdobramentos da

conduta e até mesmo da personalidade do trabalhador são valorados no momento das

avaliações periódicas da mão-de-obra e integram a graduação de sua competência325. A

321 BARROS, Alice Monteiro. Trabalhadores intelectuais. In: Revista do Tribunal Regional doTrabalho da 3ª Região, nª 69, jan a jul 2004. Belo Horizonte: Editora Sigma Ltda, p. 150.322 “[...], le pouvoir de direction ne s’exerce plus dans le coeur même de la prestation, mais seulement sur sapériphérie, sur les conditions d’execution de cette prestation. Le lien de subordination s’exprime alors demanière plus diffuse, et devient plus difficile à mettre en évidence.” (SUPIOT, Alain. Critique du droit dutravail. Paris: Quadrige, 2002, p. 165).323 CARVALHO, Pedro. Fumantes perdem espaço no mercado profissional. Empresas constatam quetabagismo gera prejuízos com relação à produtividade, à qualidade e aos custos. Disponível em<http://www.correiodabahia.com.br/2001/04/05/noticia.asp?link=not000023018.xml.>. Acesso em23.11.2005.324 As perguntas nas fichas para admissão são as mais diversas, alguns apresentando casos expressos de abusode direito, como quando a questão versa sobre o ajuizamento de ação trabalhista contra o empregadoranterior, se o trabalhador é formalmente casado e se seus filhos são decorrentes da sua união civil.325 SILVA, Leonardo Mello. Trabalho em grupo e sociabilidade privada. São Paulo: USP, Curso de Pós-graduação em Sociologia: Ed. 34, 2004, p. 60.

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caracterização individual do assédio moral pelo perfil psicológico do agressor ou da vítima

reforça essa prática na medida em que identifica o primeiro como uma pessoa com desvio

de conduta (narciso perverso, por exemplo) e o segundo como alguém mais fragilizado

emocional ou socialmente.

Algumas obrigações contratuais ainda perseguem o trabalhador para

além do objeto e do local da prestação de serviços, como é o caso da vedação de

concorrência desleal em relação ao empregador. A definição de “concorrência desleal” é

bastante aberta, possibilitando o questionamento dessa obrigação de lealdade do

empregado inclusive por indícios, como no caso em que a Corte francesa admitiu como

justificativa para a rescisão contratual de uma trabalhadora o fato de ela ser casada com um

antigo empregado que instituiu nova empresa concorrente. Já no direito brasileiro,

encontramos interpretações mais restritas como a que foi adotada pelo Tribunal Regional

do Trabalho de São Paulo diante da alegação de deslealdade apresentada contra um

empregado que exercia idêntica função em duas empresas concorrentes. O argumento foi

refutado dada a compatibilidade de horário para o desempenho de ambas as funções e o

desconhecimento do operário em relação aos segredos da empresa326.

Nas empresas de tendências, o direito do trabalho admite o dever de

obediência do empregado mesmo frente às suas convicções ideológicas ou religiosas de

modo a se reconhecer a necessidade de harmonização com aquelas defendidas pela

empresa contratante, como ocorre com o trabalhador em um diretório político partidário. O

cabimento deste tipo de exigência se restringe a situações justificadas, permitindo-se

também, em contrapartida, o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho pelo

326 RO 01677.2002.261.02.00-0 – notícia de 20.09.2005 encontrada no site do TRT 2ª Região.

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empregado que se sentir lesado com a alteração de igual teor na linha de atuação da

empresa327.

Alain Supiot distingue dois tipos de liberdades individuais na empresa: as

liberdades externas ao trabalho e as liberdades internas ou no trabalho. As liberdades

externas ao trabalho “são aquelas liberdades de fora da empresa sobre as quais o

empregador não tem nenhum título para se apoderar porque elas não interessam à execução

do contrato de trabalho”328. Elas são as liberdades públicas, as liberdades civis ou os

direitos de personalidade. Contudo, a expressão dessas liberdades fica mitigada dentro da

empresa, ou seja, aceita-se o seu exercício apenas quando não afronte o contrato de

trabalho, como se verifica na literatura e jurisprudência especializadas que admitem a

restrição fundamentada à liberdade do trabalhador em situações muito excepcionais e

consoante as necessidades da função. De todo modo, a obrigação patronal se limita a um

posicionamento passivo em face das liberdades públicas, ou seja, o empregador deve

respeitar o direito fundamental, sem contudo lhe ser exigida a alteração das condições de

trabalho para sua adequação ao exercício de determinada liberdade pública. A conduta

patronal mais ativa de respeito aos direitos fundamentais tem sido requerida em códigos de

ética estipulados por ONGs para a concessão de selos (“Programa Empresa Amiga da

Criança” da Fundação Abrinq, por exemplo) e certificados (ISO 9000, etc.).329 As

liberdades internas ou no trabalho “são, ao contrário, as liberdades individuais inerentes à

327 A doutrina francesa reconhece a existência da “cláusula de consciência” aos jornalistas, que lhes autoria atomar a iniciativa de rescindir o contrato de trabalho por culpa do empregador quando há uma alteraçãonotável nas características e orientações do jornal (SUPIOT, Alain. Critique du droit du travail. Paris:Quadrige, 2002, p. 1001)328 “sont ces libertés du dehors de l’entreprise sur lesquelles l’employer n’a aucun titre pour empiéter car ellesn’interéssent pas l’exécution du contrat de travail.” (SUPIOT, Alain. Critique du droit du travail. Paris:Quadrige, 2002, p. 161).329 O princípio internacional da subsidiariedade (princípio pelo qual as entidades internacionais não devemintervir no plano interno, a menos que as comunidades nacionais não tenham condições de fazê-lo.) hoje érelativizado diante dos códigos de conduta. E a OIT tem aprovado essas medidas e reiteram a possibilidadedas empresas terem a iniciativa de implementar políticas de direitos humanos para os trabalhadores.(CARDOSO, Luciane. Códigos de conduta, responsabilidade empresarial e direitos humanos dostrabalhadores. In: LTr, ano 67, número 8. São Paulo: LTr, agosto 2003).

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qualidade do trabalhador e tem vocação a se operar dentro do contrato de trabalho”.330 A

forma de exercício das liberdades individuais no trabalho deixou de ser exclusivamente por

meio das relações coletivas, elas se expressam pela diluição progressiva da subordinação

de modo a ampliar o campo de atuação do direito do trabalho e pela faculdade de escolha

do empregado sobre as condições de trabalho.

A definição das situações excepcionais autorizadoras do afastamento das

liberdades públicas dentro da empresa é matéria espinhosa. Exemplificativamente, temos o

caso paradigmático em que a corte francesa confirmou o direito de uma entidade

educacional católica de proibir ao professor divorciado convolar novas núpcias331 (situação

que no Brasil certamente seria inadmissível diante do império do sincretismo e a tolerância

religiosos). Outro caso paradigmático, que inclusive modificou a jurisprudência do

Tribunal Constitucional Espanhol para ampliar o exercício de direitos fundamentais pelo

empregado dentro da empresa, trata da possibilidade de o empregado criticar a conduta

empresarial em uma entrevista para uma rede de televisão. Os julgadores referendaram a

liberdade do empregado sob o argumento de que:

2.A celebração de um contrato de trabalho não implica de modo algum aprivação para uma das partes, o trabalhador, dos direitos que aConstituição lhe reconhece como cidadão, entre outros o direito a seexpressar e difundir livremente os pensamentos, idéias e opiniões [art,20.1 a)], e cuja proteção fica garantida frente a eventuais lesões medianteo impulso dos oportunos meios de reparação que no âmbito das relaçõeslaborais se instrumentaliza, no momento, através do processo do trabalho.Nem as organizações empresariais formam mundos separados e distintosdo resto da sociedade nem a liberdade da empresa que estabelece o art. 38do texto constitucional legitima a que aqueles que prestam serviços nelaspor conta e sob a dependêcia de seus titulares devam suportar despojostransitórios ou limitações injustificadas de seus direitos fundamentais eliberdades públicas, que tem um valor central e nuclear no sistemajurídico constitucional. As manifestações de “feudalismo industrial”repugnam o Estado social e democrático de Direito e aos valores

330 “[...] sont au contraire des libertés individuelles inhérenes à la qualité de travailleur, et ont donc vocation às’éxercer dans le cadre du contrat de travail.” (SUPIOT, Alain. Critique du droit du travail. Paris:Quadrige, 2002, p. 164).

331 SUPIOT, Alain. Critique du droit du travail. Paris: Quadrige, 2002, p. 163

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superiores de liberdade, justiça e igualdade através dos quais este Estadotoma forma e se realiza (art. 1.1).332

Por outro lado, encontramos limitações ao exercício do poder empresarial

em normas infraconstitucionais, como o art. 483 da Consolidação das Leis do Trabalho que

nos apresenta uma longa e detalhada relação de atos vedados ao empregador:

a) exigir serviços superiores às forças do trabalhador, defesos por lei,contrários aos bons costumes ou alheios aos contratos;b) tratar o empregado com rigor excessivo;c) expor o empregado a perigo manifesto de mal considerável;d) não cumprir as obrigações contratuais;e) praticar ato lesivo da honra e boa fama do empregado e seusfamiliares;f) ofender fisicamente o empregado, salvo em legítima defesa própriaou de outrem;g) reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma aafetar sensivelmente a importância dos salários.

As hipóteses mencionadas tratam de situações diretamente vinculadas à

relação salarial ou à atividade contratada. Todos os itens, à exceção dos itens “e” e “f”

podem ser englobados na determinação de respeito às obrigações contratuais. Os dois itens

destacados extrapolam a relação de trabalho para atingir a pessoa do trabalhador (física e

moral) ou de seus familiares.

Outra restrição pode ser encontrada na proibição de alteração unilateral,

de iniciativa do empregador (art. 468, primeira parte, e art. 469 da Consolidação das Leis

332 “La celebración de un contrato de trabajo no implica en modo alguno la privación para una de las partes,el trabajador, de los derechos que la Constitución le reconoce como ciudadano, entre otros el derecho aexpresar y difundir libremente los pensamientos, ideas y opiniones [art. 20.1 a)], y cuya protección quedagarantizada frente a eventuales lesiones mediante el impulso de los oportunos medios de reparación, que enel ámbito de las relaciones laborales se instrumenta, por el momento, a través del proceso laboral. Ni lasorganizaciones empresariales forman mundos separados y estancos del resto de la sociedad ni la libertad deEmpresa que establece el art. 38 del texto constitucional legitima el que quienes prestan servicios en aquéllaspor cuenta y bajo la dependencia de sus titulares deban soportar despojos transitorios o limitacionesinjustificadas de sus derechos fundamentales y libertades públicas, que tienen un valor central y nuclear en elsistema jurídico constitucional. Las manifestaciones de «feudalismo industrial» repugnan al Estado social ydemocrático de Derecho y a los valores superiores de libertad, justicia e igualdad a través de los cuales eseEstado toma forma y se realiza (art. 1.1).” (Sentença 88/1985. Julgamento 19.7.85. Tribunal Constitucional,Sala primeira. Disponível em

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do Trabalho), ou bilateral do contrato de trabalho de forma prejudicial ao empregado (art.

468, parte final). As exceções a essas regras estão inscritas no parágrafo único do art. 468 e

§§ 1º, 2º e no 3º do art. 469 que admitem a iniciativa patronal e dispensa a anuência do

empregado (casos de reversão e transferência de empregados em cargo de confiança,

extinção da empresa e em caso de necessidade de serviço). A doutrina e a jurisprudência

estão repletas de casos de modificação contratual em que o empregado impugna a atitude

do empregador, alegando coação ou intimidação, a qual contudo é referendada

judicialmente sob a alegação de ser necessária a comprovação do prejuízo, da coação

explícita ou de que houve compensação financeira, como exemplificativamente nas

hipóteses de o empregador exigir que o trabalhador constitua empresa individual para dar

continuidade à prestação de serviços333, ou transfira o empregado mediante o pagamento

do adicional respectivo.334

O Código Civil atual agasalha o instituto da lesão no art. 157, sob a

seguinte redação:

Art, 157 Ocorre lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, oupor inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcionalao valor da prestação oposta.

§ 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valoresvigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.

§ 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplementosuficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.

<http://www.boe.es/g/es/bases_datos_tc/doc.php?coleccion=tc&id=SENTENCIA-1985-0088>. Acesso em26.04.2005).333 Não havendo qualquer prova ou indícios de prova de que a empresa tenha atuado com simulação, coaçãoou pressão e quando há nos autos evidência de que o próprio empregado, no cargo de diretor, introduziu novasistemática de relação jurídica, com rescisão contratual, baixa na carteira profissional e criação de microempresa de prestação de serviços, não pode o empregado pleitear benefícios ou direitos anos depois com basenesta alteração, pois a rescisão não foi nula, estando assim prescrito o seu direito de ação. Recurso dareclamada a que se dá provimento. (TRT 2ª Região – Ac. 02960516227, DJU 23/10/1996).334 ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA. É nítida a intenção do legislador de compensar a alteraçãocontratual relativa à transferência de local de serviço do empregado enquanto essa situação perdurar, ou seja,considerando-a provisória; no caso dos autos, a transferência havida foi confessadamente definitiva e nãologrou o Autor comprovar que haja ocorrido mudança de seu domicílio. Adicional indevido, tal comoentendido pelo r. julgado de origem (TRT 2ª Região – Ac. 20000019024, DJU 11.02.2000).

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A situação descrita na norma de “premente necessidade” e manifesta

desproporção “entre as prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi

celebrado o negócio jurídico” é implícita ao contrato de trabalho em que a regra geral

indica desigualdade material entre as partes e exige a submissão do empregado aos

comandos do empregador. Desse modo, para a licitude da alteração contratual há

necessidade de o empregador justificar sua atitude, sob pena de se presumir a lesão ao

empregado, mesmo quando obtenha o seu consentimento expresso. Logo, a ausência de

comprovação da necessidade da alteração contratual, seja ela quanto ao local, horário,

função ou obrigações contratuais, poderá gerar sua revisão no sentido de sua anulação ou

suplementação suficiente em favor do lesado ou ainda redução do proveito com a

concordância da parte favorecida. Essa interpretação segue ensinamentos adotados na

doutrina há longa data, como vemos abaixo:

Em primeiro lugar a mudança deve ser razoável, isto é, deve decorrer dasnecessidades da produção de bens e serviços (interesse coletivo daempresa), sendo excluído, portanto, o exercício não funcional (arbitrário)do jus variandi. Em segundo lugar, não se admitem alteraçõessubstanciais do contrato como as relativas ao salário, à duração dotrabalho e à qualificação profissional. Por último, requer-se que oempresário, ao levar a efeito a mudança, tenha presente os interesseslegítimos do trabalhador e assim a evite quando ela for de molde a causarprejuízo material ou moral a este último.335

Ela também já colhe frutos nas decisões dos tribunais trabalhistas:

Rescisão Indireta de Contrato de Trabalho com fundamento no art. 483,"d", da CLT. Alteração de local e de horário de trabalho. Ainda queexpressa no contrato de trabalho, exige-se do empregador a demonstraçãoda real necessidade da alteração contratual prejudicial ao empregado,pena de restar caracterizada a abusividade da transferência. Inteligênciado Enunciado 43, do C. TST. Recurso provido(TRT 2ª Região – Ac.20020348449, DJU 07.06.2002).

335 BARASSI, Lodovico.Il diritto del lavoro. apud MAGANO, Octavio Bueno. Do poderdiretivo na empresa. Ed. Saraiva, 1982, p. 125. Opinião s juristas Justo Lopez, Centeno eFernandez Madrid.

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Todavia, para além das proibições explícitas, merece destaque a nulidade

ou o pagamento de indenização por perdas e danos ou danos morais, frente à

impossibilidade de reversão dos atos lesivos causados por abusos de direito praticados pelo

empregador. O direito de comandar o estabelecimento pelo empregador deve atender à

função social da empresa, à boa-fé e aos bons costumes, pois o abuso de direito é causa de

nulidade do ato impugnado e sujeita o contrato de trabalho à rescisão contratual em

decorrência da inadimplência de um dos pólos da relação, no caso o empregador.336

Segundo Edilton Meirelles, o abuso de direito configura “[...] o exercício de um direito que

excede manifestamente os limites impostos na lei, pelo seu fim econômico ou social, pela

boa-fé e pelos bons costumes, decorrente de ato comissivo ou omissivo”337. Por exemplo,

ao empregador é facultada a transferência do empregado na hipótese de previsão contratual

expressa. Contudo, a transferência com o intuito punitivo ao empregado é rechaçada por

estudiosos brasileiros338 e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal339. Há

abusividade também quando o empregador pressiona o empregado indesejado a pedir

demissão forjando um justo motivo para a rescisão contratual, por exemplo na utilização de

sucessivas advertências e suspensões ou mesmo na imputação de crimes contra o

patrimônio. Não menos ofensiva é a exigência de que o empregado peregrine por todos os

departamentos da empresa para recolher atestados negativos (atestados de que não reteve

336 OLIVEIRA NETO, Alberto Emiliano. COELHO, Luciano Augusto de Toledo. Direito à intimidade e àprivacidade. E-mail do empregado. In: Genesis: Revista de Direito do Trabalho, vol. 11, n. 125, maio,2003, p. 657.337 MEIRELLES, Edilton. Abuso do direito na relação de emprego. São Paulo: LTr, 2005, p. 22.338 MAGANO, Octavio Bueno. Do poder diretivo na empresa. Ed. Saraiva, 1982, p. 139.339 Os RE 53849, Relator Ministro Victor Nunes, DJ 27.8.64 e RE 50834, Relator Ministro Gonçalves deOliveira, abordam a transferência abusiva e o RE 56272, Relator Ministro Evandro Lins, DJ 30.7. 64 e RE44771, Relator Ministro Antônio Villas Boas, RTJ 14/256, a despedida obstativa da estabilidade (LOPES,Ana Frazão de Azevedo. Empresa e propriedade. Função social e abuso de poder econômico. São Paulo:Quartier Latin, 2006, p. 142.)

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materiais internos ou que deva qualquer soma à empresa) a fim de que seja concretizada a

sua dispensa.340

O assédio moral em regra opera por meio de práticas abusivas dessa

natureza. O empregador muitas vezes considera legítimo o seu procedimento, em face da

ausência de vedação expressa em lei e da sutileza da conduta, como no caso das

“brincadeiras” para motivação, o isolamento social do trabalhador ou a distribuição

maliciosa do local ou das tarefas. Uma prática freqüente de abuso de direito identificada no

assédio moral se refere à inatividade do empregado, pois na faculdade de direção das

atividades pelo empresário se inclui a determinação para o empregado aguardar ordens. De

maneira que muitos empregadores entendem ser legítimo o comando para que o

empregado com doença profissional deixe de exercer qualquer atividade, como apurado

por Margarida Barreto341, embora a doutrina e jurispudência342 sempre tenham refutado o

exercício mal-intencionado desse procedimento, reconhecendo o direito à rescisão indireta

do contrato, como nos relata Octavio Bueno Magano: “ [...] se a falta de ocupação do

empregado se revela maliciosa, importando para ele numa capitis deminutio, então impõe-se a

conclusão contrária, com o conseqüente reconhecimento do direito do último a denunciar o

340 ASSÉDIO MORAL. PROCEDIMENTO VEXATÓRIO. ABUSO DE DIREITO. DEVER DE BOA-FÉ E DE SOLIDARIEDADE. DANO E INDENIZAÇÃO. A exigência de que o empregado percorradiversos setores da empresa, para verificação de pendências e devolução de material não pode ser aceita sob ajustificativa de agilização do processo de dispensa. Ao contrário, configura atitude perversa que,deliberadamente, coloca o trabalhador, já desgastado pela perda do emprego, em situação constrangedora.Trata-se do dever de boa-fé que deve permear o contrato de trabalho e não se encerra na rescisão. Há que seincentivar atitudes de solidariedade, na dispensa, que, além de reduzir os efeitos estressantes do processodemissional, impedirão que o demitido transmita informações negativas sobre a empresa. Há que se observar,ainda, que a defesa do patrimônio, pelo empregador, é lícita, desde que não transborde os limites necessáriose atinja o patrimônio moral do trabalhador. Configurado o dano moral , a indenização se impõe, tambémcomo medida preventiva da reincidência. Recurso provido, no particular, para condenar o réu ao pagamentode indenização por dano moral.(TRT-PR-06689-2001-652-09-00-4-ACO-10113-2004-publ-28-05-2004).341 BARRETO, Margarida. VIOLÊNCIA, SAÚDE E TRABALHOUma jornada de humilhações. São Paulo: EDUC. 2003.342 Os casos jurisprudenciais mais antigos identificados em estudos doutrinários são os relativos aos julgadosTRT 9ª Região, Ac. 1046/77, relator Juis Alberto Manenti, DJU 27-9-1977 e TRT 1º Região, Ac. 2ª Turma583/78, relator Juiz Celso Lama, DJU 25-4-1978, citados por Octavio Bueno Magano (MAGANO, OctavioBueno. Do poder diretivo na empresa. Ed. Saraiva, 1982).

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contrato.” 343 Claro está que a lei não lhe faculta isso. O tomador dos serviços deve indicar

atividades compatíveis com a condição de saúde do empregado, e não simplesmente deixá-

lo encostado em um canto.

A literatura especializada sobre abuso do direito diverge em relação ao

seu enquadramento: se uma conduta ilícita ou uma conduta de terceiro gênero denominada

“ilícita atípica”ou “exercício abusivo de direito” ou ainda “ato abusivo oculto sob a

aparência de um direito”, uma vez que a afronta não seria formal (diretamente ao texto da

lei), mas material (em relação a seus valores e finalidades). Edilton Meirelles destaca de

forma resumida três críticas à teoria do abuso de direito:

a) a teoria do abuso do direito confere ao juiz certo exercício doarbítrio, na medida em que a este cabe verificar, em cada caso concreto,quando a parte teria ultrapassado os limites de seu direito;b) os critérios para definição do ato abusivo são bastante amplos,vagos e imprecisos; e,c) limitar o exercício do direito, a partir da intenção do seu titular ‘éconfundir a moral e o direito, é dar à culpa moral os mesmos efeitosjurídicos atribuídos à culpa jurídica.344

As duas primeiras críticas mencionadas são refutadas pela teoria da

integridade de Ronald Dworkin, a qual dá ao juiz um papel construtivo do direito,

recusando a interpretação mecânica ou semântica das normas. Por meio desta teoria, a

única conclusão possível é de que qualquer prática jurídica, ainda que assentada em um

texto normativo, é ilícita se ela se afasta dos princípios aceitos socialmente, uma vez que o

texto legal não tem vida distinta de seu contexto de aplicação.

A interpretação legal é em sua essência holística, mesmo quanto oobjetivo aparente da interpretação é uma simples frase ou mesmo umasimples cláusula em um documento. Qualquer intérprete deve aceitarobrigações interpretativas – presunções sobre o que faz uma interpretaçãomelhor que outra – qualquer conjunto de obrigações incluem orequerimento de coerência. Uma interpretação da ConstituiçãoAmericana (Bill of Rights) que defende que um princípio moral

343 MAGANO, Octavio Bueno. Do poder diretivo na empresa. Ed. Saraiva, 1982, p. 209.344 MEIRELLES, Edilton. Abuso do direito na relação de emprego. São Paulo: LTr, 2005, p. 24.

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estabelecido em uma cláusula é realmente rejeitado por outra é umexemplo não de flexibilidade pragmática, mas de hipocrisia.345

Esse ponto de vista foi adotado pelo Código Civil que no art. 187

expressamente reconhece a ilicitude da conduta e define o abuso de direito da seguinte

maneira: “Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos

bons costumes”. O conceito adotado pela lei dispensa a comprovação da intenção do

agente, extrapolando o mero ato de cunho emulativo346, para abranger adotar uma corrente

mista, pois agasalha também o abuso de direito contrario à finalidade social do direito,

decorrente do exercício anormal do direito e do equilíbrio de interesses.347

João José Sady esclarece:

O centro da questão, portanto, gira em torno do pressuposto fundamentalde que a liberdade de contratar não pode resultar na produção deinjustiça.[...]

Ao falarmos na função social do contrato, estamos falando numaevolução da sociedade na direção à liberdade de contratar, de modo agarantir que esta não sirva para que uns homens possam oprimir a outroshomens usando como instrumento o seu poder econômico. 348

Com a aplicação subsidiária do Código Civil ao contrato de trabalho,

por força do art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho, esta análise será feita no caso

345 “Legal interpretation is inherently holistic, even when the apparent target of interpretation is a singlesentence or even a single clause rather than a document. Any interpreter must accept interpretive constraints– assumptions about what makes one interpretation better than another – and any plausible set of constraintsincludes a requirement of coherence. An interpretation of the Bill of Rights which claims that a moralprinciple embedded in one clause is actually rejected by another is an example not of pragmatist flexibility,but of hipocrisy.”(DWORKIN, Ronald. Unenumerated rights: whether and how roe should be overruled. In:University of Chicago Law Review, nº 59, winter, 1992, p. 390/391.346 O ato emulativo é aquele exercido com a finalidade exclusiva de prejudicar alguém. A proibição daprática de ato emulativo já estava assentada na jurisprudência do Estado Liberal.347 Para maior aprofundamento sobre as diversas teorias do abuso de direito ver LOPES, Ana Frazão deAzevedo. Empresa e propriedade. Função social e abuso de poder econômico. São Paulo: Quartier Latin,2006 e SÁ, Fernando Augusto Cunha de. Abuso do direito. Coimbra: Almedina, 1997.

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concreto, sob a técnica do judge made law349, ou seja, pelo método que possibilita ao juiz

estabelecer o que é eqüidade, uma vez que é impossível a previsão taxativa dos casos de

abuso pela legislação. Em conseqüência, essa técnica protetiva deve se somar àquela de

positivação das condições mínimas de um contrato condigno.

A última crítica também é rechaçada pela teoria de Ronald Dworkin,

porém merece uma observação específica. Para a configuração do abuso de direito não se

pesquisa a intenção interna do agente, o que podemos chamar de moral, mas a

manifestação externa do ato praticado que destoa da finalidade econômica ou social

embutida na norma. O direito não se confunde com a moral. A pretensão jurídica não

envolve o amor, envolve o respeito interpessoal, as limitações estabelecidas para as

relações sociais, e esses aspectos podem ser extraídos dos fatores externos da conduta

abusiva do agressor.

Para maior clareza do ponto de vista ora defendido, aprofundar-se-á o

estudo do princípio da integridade desse estudioso de forma destacada.

2.1. Princípio da integridade

O conceito de direito está associado à justificativa para a coerção oficial.

A modernidade identifica o direito, ou seja essa justificativa, em um corpo de normas

gerais e abstratas que defendem os cidadãos contra os poderes do estado, representados

pelos juízes e soberano. O positivismo difunde a crença de que o direito é definido por

348 SADY, João José. O novo Código Civil e o direito do trabalho: a função social do contrato. In: RevistaLTr, vol. 67, nº 7, julho de 2003, p. 820.349 SADY, João José. O novo Código Civil e o direito do trabalho: a função social do contrato. In: RevistaLTr, vol. 67, nº 7, julho de 2003, p. 822.

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intermédio de uma regra de reconhecimento, ou seja: faz parte do direito a norma

estabelecida conforme o procedimento convencionado, seja pela deliberação de um

soberano seja por um órgão legislativo. Esse posicionamento, entretanto, se revela

insuficiente para justificar duas situações da prática dos operadores do direito: a) as

situações de discordância diante de um caso difícil e b) as situações de ausência de

previsão normativa expressa. Na primeira hipótese, todos os aplicadores estão de acordo

quanto aos fatos e ao direito estabelecido pela norma (após a sua interpretação semântica,

histórica e teleológica), porém discordam quanto à conclusão para o caso concreto,

colocando em xeque a defesa da mera subsunção do fato à norma, de forma imediata e

mecânica350. Na segunda hipótese, a ausência de previsão normativa expressa pode

autorizar o aplicador a encontrar a norma para o caso concreto sem qualquer parâmetro

(convencionalismo estrito) ou simplesmente refutar o pedido do autor e manter o status

quo (unilateralismo). Essas soluções se afastam da fundamentação para o uso coercitivo da

força pelo estado e se revelam incômodas ao responderem necessariamente de forma

restritiva à incidência dos direitos fundamentais, afastando-se, dessa forma, da virtude

política. Em conseqüência, o positivismo se expressa como um modelo desgastado, em que

o direito é incapaz de acompanhar as modificações sociais em seu tempo, ficando sempre

um passo atrás, a depender da atividade legislativa.

O pragmatismo aparece então como alternativa ao convencionalismo e

preconiza a liberdade do aplicador do direito em relação à norma e aos precedentes do

passado. A justificativa do direito estaria na “eficiência ou em alguma outra virtude

contemporânea da própria decisão coercitiva, como e quando ela é tomada pelos juízes”. A

coerência da decisão legislativa ou judicial passada não contribui para a justiça ou virtude

350 Um caso difícil paradigmático apresentado por Dworkin no livro Império do Direito, trata do direito deum jovem, que assassinou o seu avô, ao testamento deste (caso Elmer), uma vez que os precedentes norte-americanos se restringiam a assegurar a herança aos herdeiros.

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da decisão a ser tomada. Essa corrente é interessante porque denuncia a impossibilidade

de rigidez do direito frente à dinâmica e complexidade das relações sociais, porém sua

conclusão nega que qualquer pessoa tenha direito.

Ronald Dworkin, professor de Direito e Filosofia da Universidade de

Nova Iorque e da College University, em Londres, inquieto com os questionamentos

acima, propugna a explicação para esses impasses mediante a admissão de legitimidade do

direito oriundo da atividade criativa do julgador. Para ele, o direito abrange também a

possibilidade de adaptação das convenções já sedimentadas (decisões e normas) de

maneira a produzir uma resposta consistente e coerente para os casos não regulamentados

ou os casos difíceis. Essas decisões nada mais fariam que desnudar um direito já existente

de forma mais apurada. Seu modelo, em conseqüência, reforça a concepção do “direito

como um todo, que aceita a estrutura dos princípios da moralidade política, tomados em

conjunto com a melhor interpretação do direito positivo351” e toma a comunidade como um

agente moral personificado.

O jurista deve então buscar a norma no conjunto de princípios do

ordenamento jurídico, apoiando-se nas decisões passadas com olhos para o futuro e

estabelecer pela interpretação, de forma construtiva, a norma aplicável ao caso concreto.

Dworkin se utiliza da analogia do romance em cadeia para melhor esclarecer sua teoria.

Defende ele que o julgador, diante de um caso difícil, deve analisar todas as normas

vigentes e as decisões anteriormente tomadas sobre casos semelhantes para delas extrair os

princípios aplicáveis ao caso concreto, e posteriormente, em um ato de criação, diga qual a

melhor forma de aplicação dos princípios mencionados com vistas ao futuro, como

351 “[...] the full law, which it takes to be the set of principles of political morality that taken together providethe best interpretation of positive law” (DWORKIN, Ronald. The 1984 Maccorkle Lecture. Law’s ambitionfor itself. In: Virginia Law Review, vol. 71, nº 02, march 1985, p. 176, tradução de Emílio Peluso NederMeyer e Alonso Reis Siqueira Freire, sob orientação do Professor Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, daPUC/MG)

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políticas. A atitude do julgador então se assemelha àquela presente em um jogo literário

realizado por um grupo de pessoas, em que estas se comprometem conjuntamente a

escrever o melhor romance, sendo que cada capítulo é reservado, por sorteio, a cada um

deles isoladamente. Ao receber a incumbência de escrever qualquer capítulo a partir do

segundo, o escritor necessariamente deve voltar a sua atenção para o que já foi escrito e

continuar a estória da melhor maneira possível. Desse modo, a sua liberdade é limitada

pelo texto anterior na criação da continuidade da estória da melhor maneira que lhe

aprouver, respeitando sempre o estilo, a finalidade do texto: comédia, romance, terror, etc.

A aplicação do direito segue o mesmo procedimento do romance em

cadeia (chain of law). O julgador não tem liberdade plena de criação do direito na análise

de um caso difícil, como conclui o convencionalismo restrito. Ele deve buscar nos casos

anteriores e no ordenamento jurídico, geral e abstrato, os princípios que serão aplicados ao

caso concreto. A sua decisão deve objetivar a justiça, deve buscar a correção. Os princípios

são então extraídos desse conjunto de normas e trazem em seu bojo o seu contrário, por

exemplo, o princípio de “não mentir”, contém em si o princípio opositor também de

validade universal de “não delatar”. A norma incidente no caso concreto deve ser extraída

da tensão entre os princípios contrários (que no entanto não são contraditórios), de forma a

compatibilizá-los para encontrar a melhor solução para o caso concreto. De todo modo, a

comunidade é personificada na medida em que é tomada como um agente moral distinto de

cada indivíduo e com princípios próprios. A melhor solução sempre corresponde ao

aperfeiçoamento da proteção dispensada aos direitos individuais, estendendo-os ao maior

número possível de pessoas. Dessa maneira, Dworkin responde às falhas encontradas na

corrente hermenêutica do convencionalismo ou pragmatismo e reforça a prática jurídica

que admite a validade da surpresa nas decisões sem qualquer base convencional, mantendo

a exigência de respeito às decisões tomadas anteriormente.

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Dworkin sustenta a busca da melhor interpretação possível pelo julgador,

refutando a concepção de que a interpretação é uma atividade subjetiva. Em sua defesa,

esse autor demonstra a variação da interpretação conforme a finalidade da prática a que

serve. Por exemplo, a interpretação de um mesmo fato difere de acordo com o perfil do

trabalho desenvolvido: científico, artístico, religioso e assim por diante. Para ele, a

finalidade da interpretação jurídica é “fazer o Direito tão justo quanto possamos”, vendo-o

como um governo de princípios, para assegurar-lhe um caráter mais substantivo. “Isso

significa fazer o melhor do ponto de vista da integridade do Direito, torná-lo o mais íntegro

possível”.352 Porém, o que significa exatamente tornar o direito mais íntegro possível?

A integridade, para esse estudioso, surge no cenário jurídico como um

ideal independente, de mesma estatura que a certeza do direito (“fairness”) e a justiça,

passível inclusive de se contrapor a estes, e indispensável para o tratamento das questões

de princípio353. Quando os conflitos envolvem princípios de justiça, princípios relativos a

problemas morais, a conciliação se mostra inaceitável como mecanismo de solução porque

resulta em tratamentos diferentes baseados em um fator arbitrário. Por exemplo, se existem

dois grupos de pessoas com opiniões totalmente contrárias sobre o aborto, dificilmente a

solução conciliatória baseada em um dado arbitrário, como o ano da concepção ou a

autorização equivalente ao percentual da população favorável ao aborto, seria aceitável

para o acomodamento da situação, ainda que essa conclusão na prática pudesse resultar em

um acolhimento parcial de ambos os pontos de vista: o número de abortos seria menor do

352 DWORKIN, Ronald. Direito, filosofia e interpretação. In: Cadernos da Escola do Legislativo, vol. 3, nº5, jan/jun 1997, p. 67/68.353 Para o autor, em política, a certeza do direito (“fairness”) diz respeito a encontrar os procedimentospolíticos que distribuem o poder político da maneira adequada. Exemplo: “métodos para eleger dirigentes etornar suas decisões sensíveis ao eleitorado”. Por outro lado, “a justiça[...] se preocupa com as decisões queas instituições políticas consagradas devem tomar, tenham ou não sido escolhidas com eqüidade [pelométodo da certeza do direito – “fairness”]. Por fim, ele sustenta que “o devido processo legal adjetivo dizrespeito a procedimentos corretos para julgar se algum cidadão infringiu as leis estabelecidas pelosprocedimentos políticos; se o aceitarmos como virtude, queremos que os tribunais e instituições análogasusem procedimentos de prova, de descoberta e de revisão que proporcionem um justo grau de exatidão, e

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que diante da sua ampla liberação e maior caso essa conduta fosse simplesmente rejeitada

integralmente. Entretanto, nossos instintos nessa hipótes exigem um tratamento igualitário

para todos, mesmo que o resultado seja no sentido de “o vencedor leva tudo”. Dworkin

ressalta que:

A justiça é uma questão de resultados: uma decisão política provocainjustiça, por mais eqüitativos que sejam os procedimentos que aproduziram, quando nega às pessoas algum recurso, liberdade ouoportunidade que as melhores teorias sobre a justiça lhes dão o direito deter.354

Para esse autor, somente aceitamos a restrição da incidência de um

princípio por outro princípio, como por exemplo, a aceitação de que haja liberação do

aborto quando a concepção resultar de um estupro. Nossa intuição exige o tratamento

formal igualitário de todos os membros da comunidade e um consenso baseado em dados

arbitrários certamente se contrapõe a esse comportamento, daí nossa rejeição.

Há também a ofensa à integridade ao serem reconhecidos direitos

diferentes de forma restrita a certos grupos, ainda que em si eles sejam coerentes, mas que

não possam “ser defendidos em conjunto como expressão de uma série coerente de

diferentes princípios de justiça, eqüidade ou devido processo legal.”355 Desse modo, a

Suprema Corte Americana rejeita a limitação dos direitos fundamentais pelas leis

estaduais, aceitando, porém, a sua ampliação desde que extensiva a todas as classes de

cidadãos daquele estado. Aqui se impõe a necessidade de reconhecimento da igualdade

formal que, como salienta Dworkin, desempenha um papel importante na defesa da tirania.

que, por outro lado, tratem as pessoas acusadas de violação como devem ser tratadas as pessoas em talsituação.”( DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 200).354 DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 218.355 DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 224.

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O modelo de interpretação de Dworkin, entretanto, não se confunde com

utilitarismo. O utilitarismo busca a virtude da eficiência econômica, visando satisfazer as

preferências da comunidade em geral, as preferências da maioria.

A convicção deles de que o poder político da maioria deveria ser limitadoo menos possível – de que deveria ser cerceado somente pelo textoexplícito da Constituição ou pelas intenções não ambíguas dos paisfundadores – reflete a mesma teoria política implícita como sua ambição,de que as regras de contrato, reparação civil e propriedade sejamelaboradas de forma a maximizar o bem comum. Ambos refletem umutilitarismo irrestrito que permite que preferências de muitas pessoas sesobreponham àquelas de poucos, em algum cálculo geral de preferênciasocial, e negam qualquer coerção envolvendo o tipo de preferências quedevem contar para aquele cálculo.356

O direito como integridade, ao contrário, procura defender a minoria,

reforçando a fraternidade e a diversidade do grupo social, em que se debate sobre os pontos

importantes como justiça e imparcialidade. Essa comunidade caminha junta para que os

princípios reconhecidos em dado momento se estendam a todos.

A integridade alcança inclusive as relações entre os particulares, ao exigir

sua observância pelos cidadãos nas suas relações privadas, as quais também devem seguir

esses princípios. Ela permite que cada cidadão cobre dos demais o respeito aos princípios

na mesma medida em que tem o dever de observá-los, compartilhando e ampliando a

dimensão moral das decisões políticas explícitas. “A integridade infunde às circunstâncias

públicas e privadas o espírito de uma e de outra, interpenetrando-as para o benefício de

356 “Their conviction that the majority’s political power should be limited as little as possible – that it shouldbe limited only by the explicit text of the Constitution or the unambiguous intentions of its framers – reflectsthe same unexpressed political theory as their ambition that the rules of contract , tort, and property beconstructed so as to maximize social wealth. Both reflect an unrestricted utilitarianism that allows thepreferences of many people to override those of a few, in some overall calculation of a social preference, anddenies any constraint of the kind of preferences that must be counted in tha calculation.” (DWORKIN,Ronald. The 1984 Maccorkle Lecture. Law’s ambition for itself. In: Virginia Law Review, vol. 71, nº 02,march 1985, p. 186, tradução de Emílio Peluso Neder Meyer e Alonso Reis Siqueira Freire, sob orientaçãodo Professor Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, da PUC/MG).

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ambas.”357 Dessa maneira, ela promove a “união da vida moral e política” 358 do grupo; ela

promove a fraternidade.

A comunidade fraterna359 na sua acepção deve atender a quatro

condições, seus membros devem: a) considerar as obrigações do grupo como especiais e

não como deveres gerais extensivos a pessoas estranhas ao grupo; b) admitir que essas

responsabilidades são pessoais e vão diretamente de um membro a outro do grupo; c)

vislumbrar que as responsabilidades decorrem de uma responsabilidade geral de que cada

um deve demonstrar interesse pelo bem-estar dos demais membros; e as práticas do grupo

devem mostrar igual interesse por todos os membros (d). Dworkin considera que o Estado,

a associação política, tal qual a família, os amigos, também tem obrigações em seu cerne:

obrigações políticas. A base racional da integridade compreende a igualdade no sentido da

quarta condição (d). Desse modo, o modelo de Dworkin ressalta o papel da

intersubjetividade na compreensão dos direitos:

[...] se, [...], a autoconstituição do indivíduo não pode ser imaginada semadotar a perspectiva de um outro generalizado, a tese dos direitos sópoderá ser entendida de modo intersubjetivo e não individualista. Oprincípio da coerência, ao qual inclusive a legislação está submetida,expressa de modo, implícito esta relação de solidariedade social econceito intersubjetivo do Direito.

Porque cada novo direito se aplica sempre no contexto do exame deoutros direitos, eles estão de antemão, inseridos em relações dereconhecimento recíproco.360

O modelo de comunidade pode estar assentado em um acidente de fato,

em regras ou em princípios. A pressuposição de que a comunidade se forma de modo

acidental estabelece a relação entre seus componentes como uma posição estratégica, de

sobrevivência. Os acordos são constituídos e mantidos enquanto benéficos para ambos,

357 DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 230.358 DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 230.359 A comunidade fraterna se contrapõe à comunidade e à comunidade.

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mas não há nada além disso. Na comunidade estabelecida por meio de regras seus

integrantes “obedecem às regras que aceitaram ou negociaram com o um a questão de

obrigação [...] mas admitem que o conteúdo dessas regras esgota sua obrigação”361. Essa

comunidade adota a concepção convencionalista do direito. O último modelo, a

comunidade de princípio, reconhece não apenas a existência de regras comuns, mas de

princípios comuns: como a concepção de justiça, certeza do direito (“fairness”) e devido

processo legal para esse grupo social. Cada membro admite ter direito e deveres extraídos

desses princípios, ainda que não estejam declarados formalmente. Essa modalidade de

comunidade justifica melhor o reconhecimento de que “a comunidade como um todo tem

obrigações de imparcialidade para com seus membros” e a exigência de que as autoridades

se comportem como agentes da comunidade ao exercerem essa responsabilidade,

afastando-se do comportamento aceitável para questões privadas362. Como ressalta

Dworkin, a base racional desse modelo

[...] tende para a igualdade no sentido que requer a quarta condição: suaexigência de integridade pressupõe que cada pessoa é tão digna quantoqualquer outra, que cada uma deve ser tratada com o mesmo interesse, deacordo com uma concepção coerente do que isso significa.363

O interesse, entretanto, não está assentado em uma relação de amor e sim

no respeito à liberdade do próximo e do tratamento igualitário e interessado dentro do

grupo. Aliás, a exigência de que as relações humanas fossem estabelecidas nesse nível de

interesse acabaria por destruir a liberdade e a própria concepção de amor, como explica o

próprio autor:

360 GÜNTHER, Klaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: justificação e aplicação. SãoPaulo: Landy Editora, 2004, p. 413.361 DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 253.362 “[...] o que é para um indivíduo a liberdade normal do uso das preferências individuais, para oadministrador público é chamado de corrupção. Não podemos estabelecer essa responsabilidade especial dasautoridades simplesmente aplicando nossos parâmetros habituais sobre as responsabilidades individuais às

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É certo que não poderíamos interpretar a política de qualquer comunidadepolítica como a expressão desse nível de interesse mútuo, e tampouco éatraente esse ideal. A rendição total da personalidade e da autonomia aliexplícita deixaria às pessoas muito pouco espaço para levarem suas vidasem vez de serem levadas com elas; destruiria as próprias emoções quecelebra. Nossas vidas são ricas porque são complexas conforme os níveise a natureza das comunidades em que vivemos. Se sentíssemos poramantes, amigos ou colegas nada além do mais intenso interesse quepudéssemos sentir por todos os nossos concidadãos, isso significaria aextinção, e não a universalidade do amor.364

O princípio da integridade expressa melhor a concepção de direito da

comunidade de princípios. Por óbvio que no caso concreto a interpretação sofrerá

influência dos princípios morais e políticos do intérprete, se este é mais conservador, a

decisão certamente refletirá suas convicções. Entretanto, esse posicionamento visa a

identificar e impedir decisões criativas, ou seja, aquelas que desconsideram todas as

decisões tomadas no passado pelos julgadores e legisladores, diferenciando a atividade do

julgador da atividade do legislador, uma vez que para este a liberdade de ação (embora

limitada) é mais ampla.

Essencial em sua teoria é a justificação da decisão legislativa oujudiciária adotada, a qual proporciona o acesso à imparcialidade. Ajustificação deve “ser convincente e acertada. Se a justificação que eleconstrói fizer distinções arbitrárias e desenvolver princípios nãoconvincentes, ela nem sequer poderá ser considerada justificação”. Issosignifica que será possível derrubá-la, apontando para aspectos quedeixaram de ser considerados.365

Dessa maneira, Dworkin diferencia a integridade da certeza do direito

(“fairness”), da justiça e do devido processo legal. O modelo de Dworkin está voltado a um

Estado não-utópico, pois diante da utopia a integridade como virtude politica seria

circurnstâncias específicas de seus casos”( DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: MartinsFontes, 1999, p. 211).363 DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 257.364 DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 259.365 GÜNTHER, Klaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: justificação e aplicação. SãoPaulo: Landy Editora, 2004, p. 406.

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dispensável, já que nesse Estado sempre se atenderia a justiça e imparcialidade.366 Sua

vantagem é o tratamento do direito como um sistema aberto em constante atualização e

aperfeiçoamento, permitindo dessa maneira uma resposta mais eficiente pelo direito,

principalmente dos casos difíceis.

2.2 –O assédio moral no direito do trabalho brasileiro: regulamentaçãolegal, resistência e coerção

O assédio moral em regra se manifesta pelo exercício abusivo do poder

diretivo do empregador, utilizado como mecanismo de motivação e de manutenção da

disciplina e da ordem internas na organização produtiva. Casos de atos abusivos com

contornos de tipos penais, como situações de violação de correspondência, ofensas à honra,

assédio sexual e até mesmo cárcere privado, são menos freqüentes. O comportamento

assediador ultrapassa os limites do poder diretivo e atinge os direitos fundamentais do

empregado, configurando também uma violação aos princípios reitores do contrato no

direito civil, de aplicação subsidiária, como o dever de boa-fé, de observância aos limites

da função social do contrato e aos bons costumes. Como o assédio moral é sutil, ele se

enquadra nos “casos difíceis”, estudados por Ronald Dworkin, obtendo melhor solução

com a aplicação do princípio da integridade do direito, ou seja, para o cumprimento do

contrato de trabalho as partes envolvidas devem observar os direitos fundamentais

individuais e proporcionar a sua aplicação da forma mais ampla possível no contrato de

trabalho consoante a melhor interpretação do direito. Diante dessa convicção obviamente

366 “A integridade não seria necessária como um virtude política distinta em um Estado utópico. A coerênciaestaria garantida porque as autoridades fariam sempre o que é perfeitamente justo e imparcial. Na políticacomum, porém, devemos tratar a integridade como um ideal independente se a admitirmos por inteiro, poispode entrar em conflito com esses outros ideais.”(DWORKIN, Ronald. O império do Direito. São Paulo:Martins Fontes, 1999, p. 213/214.)

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fica descartado todo e qualquer mecanismo de engajamento subjetivo de empregados que

resulte na sua submissão a situações constrangedoras, desde a situação em que se impõe a

peregrinação do empregado dispensado por todos os departamentos da empresa para obter

certidões negativas necessárias para a concretização do término contratual até casos mais

explícitos como aquele em que são obrigados a dançar a música tema da novela “Escrava

Isaura” em cima de uma mesa porque não atingiram a meta da produção367. Portanto, já há

a proteção legal contra a prática do assédio moral no direito brasileiro, a qual tem se

mostrado suficiente, como podemos verificar em numerosa jurisprudência368. Aliás, a

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre abuso de direito se formou inicialmente

analisando lides também de cunho trabalhistas, como a transferência de empregados para

locais distantes, ainda que no mesmo município369, e a despedida obstativa da aquisição de

estabilidade no emprego.

Marie-France Hirigoyen à frente de diversos estudiosos brasileiros como

Margarida Barreto370, Márcia Novaes Guedes371, entre outros372, defende a regulamentação

do assédio moral por meio de norma específica, cujo ponto de vista tem sido acolhido por

367DANOS MORAIS. VENDEDOR. DANÇA DA MÚSICA TEMA DA NOVELA ESCRAVA ISAURA.PELO NÃO CUMPRIMENTO DAS METAS DE VENDA. VIOLAÇÃO DOS BENS PROTEGIDOS PELOARTIGO 5º, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Perpetra atentado contra a honra do empregado oempregador que o faz dançar a música tema da novela Escrava Isaura, em cima de uma mesa colocada nocentro da loja, na presença dos demais funcionários, caso não atingidas as metas de venda, pois tal condutaexpõe o indivíduo ao ridículo, atingindo-lhe o amor-próprio e a boa reputação. Violação dos bens protegidospelo artigo 5º, X, da Constituição Federal. Indenização por dano moral que se mantém, pois fixada em valorpleiteado pelo próprio empregado (R$ 6.000,00). (Ac. 20050627036, 3ª Turma, TRT 2ª Região, DJU27.09.2005).368 Afirmações de que “o assédio moral não é uma figura juridicamente válida” (TRTs condenam porassédio moral. In: Valor, 27.06.2005), porque não está na lei, perdem o sentido e refletem uma concepçãoconservadora do direito. Como visto acima, o reconhecimento do assédio moral decorre da aplicaçãonormativa brasileira e não de meros “fundamentos ideológicos”.369 Os RE 53849, Relator Ministro Victor Nunes, DJ 27.8.64 e RE 50834, Relator Ministro Gonçalves deOliveira, abordam a transferência abusiva e o RE 56272, Relator Ministro Evandro Lins, DJ 30.7. 64 e RE44771, Relator Ministro Antônio Villas Boas, RTJ 14/256, a despedida obstativa da estabilidade (LOPES,Ana Frazão de Azevedo. Empresa e propriedade. Função social e abuso de poder econômico. São Paulo:Quartier Latin, 2006, p. 142.)370 Disponível em <http://www.assediomoral.org/site>. Acesso em 24.2.2006.371 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo : LTr, 2ª edição, 2005.372 GLÖCKNER, César Luís Pacheco. Assédio moral no trabalho. São Paulo: IOB Thompson, 2004;FERREIRA, Hádassa Dolores Bonilha. Assédio moral nas relações de trabalho. Campinas: Russell, 2004.

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parlamentares, gerando a propositura de diversos projetos de lei (PL 4591/2001, PL

2369/2003, PL 2593/2003, PL 326/2004, PL 5887/2001, PL 4742/2001 e PL 4960/2001).

Essa solução muitas vezes está assentada em uma crença ingênua de que a regulamentação

legal irá coibir a prática abusiva daquele imputado como agressor ou mesmo da falsa

vítima. Contudo, deve-se lembrar que o texto normativo isoladamente não resolve nem a si

mesmo. Como salienta Dworkin:

Nós podemos aceitar que as determinações constitucionais, tomadascomo lei fundamental, que nossos juizes façam sua melhor construçãocoletiva, reexaminado e revisando, geração após geração, o esqueleto dofundamento da igualdade liberal que as grandes normas, em suamajestosa abstração, requerem. Nós então abandonaremos a busca inútilde obrigações mecânicas ou semânticas, e perseguiremos obrigaçõesgenuínas no único lugar onde elas realmente poderão ser encontradas: emum bom argumento.373

Conseqüentemente, iniciativas legislativas devem ser vistas com cautela

e com a certeza de que, mais do que solucionar prontamente o problema, apenas somará

elementos no processo de interpretação. De todo modo, é imprescindível ter em mente que

a eficácia de qualquer medida legislativa pressupõe necessariamente um conceito aberto de

assédio moral, a despeito de pressões externas374. A indicação taxativa de procedimentos

abusivos no texto legal não é recomendável porque certamente resultaria na exclusão de

diversas situações legítimas de assédio moral da proteção legal. Tentativas de regulamentar

o valor da indenização, fixando-as em equivalência ao valor da remuneração ou das verbas

373 “We can accept that our Constitution commands, as a matter of fundamental law, that our judges do theirbest collectively to construct, re-inspect and revise, generation by generation, the skeleton of liberal equalconcern that the great clauses, in their majestic abstraction, demand. We will then abandon the pointlesssearch for mechanical or semantic constraints, and seek genuine constraints in the only place where they canactually be found: in good argument”(DWORKIN, Ronald. Unenumerated rights: whether and how roeshould be overruled. In: University of Chicago Law Review, nº 59, winter, 1992, p. 392).374 A pressão a que nos referimos é aquela exercitada pelos empregadores franceses que sustentaram aabusividade da alegação de assédio moral em juízo (em um a cada dois processos trabalhistas) por força daausência de descrição taxativa dos atos de assédio moral na lei francesa. “Où se trouve la ligne jaune?Pavéede bonnes intentions, la loi sur le harcèlement moral est aussi, on le dit trop peu, mal fagotée. « Elle interditles actes répétés de harcèlement moral sans les définir! », s'exclame Joël Grangé. Du coup, les salariés quicontestent aujourd'hui leur licenciement aux prud'hommes invoquent le harcèlement dans plus d'un cas sur

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rescisórias, igualmente devem ser rechaçadas, pois a indenização advinda da ofensa moral

deve ser proporcional ao dano em sua extensão, nos termos das diretrizes adotadas pelo art.

944 do Código Civil. A extensão do dano deve considerar a lesão causada à vítima e

também à toda sociedade.

Por isso, consagra-se o princípio do punitive damage, ou seja, que, alémdo valor fixado pelo dano sofrido diretamente pela vítima, há onecessário acréscimo na fixação da extensão e valor do dano, cujoobjetivo e interesse da sociedade é no sentido de que o agressor não voltea repetir o ato contra qualquer pessoa e não apenas contra a vítima. Essa éa real extensão do dano.375

Vale lembrar que a indenização por dano moral pode ser complementada

com a indenização por perdas e danos, quando demonstrado o desenvolvimento de doenças

psicossomáticas ou psíquicas, as quais podem chegar até a invalidez para o trabalho.

Com o intuito de se esquivarem de condenações freqüentes ao pagamento

de indenizações às vítimas, as empresas tem buscado soluções internas de prevenção e

repressão do problema. Para a preveção, elas lançam mão de Códigos de Ética, preparação

de “pessoas confiáveis” dentro da própria empresa (com a capacitação dos empregados do

setor de Recursos Humanos ou CIPA)376 e a instituição de verdadeiros “observatórios de

estresse e assédio”, os quais pode agravar ainda mais o problema, ao instituir uma

verdadeira polícia interna377 e fomentar um clima de desconfiança geral.

deux.” (SEYRIG, Silvain. Personne n’est d’accord sur as dèfiniton. Disponível em <http://www.hmstop.com/Articles/Article55.htm>. Acesso em 10.12.2005).375 CASTELO, Jorge Pinheiro. Teoria geral da responsabilidade “civil” e obrigações contratuais doempregador perante o novo Código Civil. In: Revista LTr, ano 67, nº 07, julho de 2003, p. 797.376 Essas sugestões são defendidas por: PRIMA - First Italian Association against Mobbing and PsychosocialStress (http://www.mobbing-prima.it/princ_en.htm)377 A sugestão de criação de uma polícia interna tem sido largamente veiculada, como se verifica na seguintetranscrição: A company policy that enforces respectful treatment of employees and rewards civility at theworkplace, along with ongoing training, can go along way in preventing mobbing from occurring(DAVENPORT, Noa. Emotional Abuse in the Workplace: A Silent Epidemic? Disponível em<http://mobbing-usa.com/resources4.html>. Acesso em 21.07.2005).

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As empresas acreditam que a regulamentação interna (Códigos de Ética)

e a explicitação do repúdio a essa prática serão suficientes para demonstrar o

posicionamento isolado do agressor, o qual posteriormente poderá ser inclusive punido e

responsabilizado pelos danos causados à empresa, ressarcindo-a de eventual condenação

ao pagamento de indenização por dano moral ou físico. O assédio moral é assim

identificado como um extrapolamento abusivo do poder de representação ou um exercício

totalmente irregular do poder de comando, ou seja, como um caso isolado. Entretanto, o

assédio moral organizacional dificilmente (e porque não dizer raramente) tem um agressor

singular. Como relata Denis Boissard:

Habilmente recuperado pelas empresas – algumas instalam observatóriosde estresse, mesmo de assédio moral; outras propõem um treinador, aintervenção de um mediador ou um apoio terapêutico – é veiculadoimplicitamente uma forma de culpabilização dos assalariados‘estressados’ ou acusados de ‘assédio’ (com freqüência abusivamente), deonde apontam à fragilidade psicológica. A mensagem que lhes éendereçada é que eles tem um problema a ser resolvido e que a empresapode lhes ajudar a superar.

[...]Dessa maneira o empregador se desembaraça de suasresponsabilidades em manter seus colaboradores sob tensão.378

Considerando que o assédio moral no trabalho na grande maioria das

vezes retrata uma situação coletiva e uma forma de gestão da empresa, verificamos a

ineficiência dos meios de solução explicitados acima. Como um empregado assediado irá

se voltar contra as políticas de controle de mão-de-obra e reorganização da empresa

buscando apoio justamente nos setores de pessoal dessa mesma empresa? Como o

empregado-agressor poderá ser responsabilizado isolada e integralmente pelo seu

comportamento perverso dentro da organização se na maioria das vezes está seguindo os

padrões internos de funcionamento? Ainda que os integrantes do Departamento de

378 “L’employer se dédouane ainsi de ses propres responsabilités dans la mise sous tension de sescollaborateurs. (BOISSARD, Denis. La médiatisation de conflits du trabail. De Danone... au harcèlementmoral. “In”: Droit Social, nº 6, juin/2003, p. 620.)

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Recursos Humanos queiram ajudar, não é fácil tratar uma chaga tão profundamente

enraizada na própria empresa, pois a mera admissão do problema como uma questão

interna já é por si só bastante difícil. Em seus estudos, Marie-France Hirigoyen apurou que

somente a minoria dos casos de assédio moral encontram solução na própria empresa: em

40% dos casos a vítima procurou os delegados sindicais, que conseguiram solucionar 10%

das questões; em 39% dos casos, procurou o médico do trabalho que auxiliou apenas em

13% das vezes; em 39% dos casos o auxílio foi requerido junto a colegas, com 20% de

solução; em 37% dos casos a vítima procurou o superior hierárquico e somente conseguiu

apoio em 5% deles; e em 19% dos casos, bateu-se às portas do Departamento de Recursos

Humanos, o qual apenas resolveu 1% das questões.379 Margarida Barreto denuncia casos

em que empregados são dispensados justamente por terem observado o Código de Ética380.

Por outro lado, a repressão aos atos de insubordinação, pensada em um

contexto de disciplinarização dos trabalhadores por meio da transformação de seus corpos

em dóceis e úteis (taylorismo e fordismo), foi acolhida por diversos ordenamentos

jurídicos sob as mais diversas formas. No direito brasileiro, o trabalhador indisciplinado

pode ser punido com advertência, suspensão ou rescisão contratual justificada381. O

pagamento de multas disciplinares é previsto tão-somente para o atleta e servidor público.

379 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2002, p. 289/290. Em pesquisa realizada nas forças armadas irlandesas, verifica-se o mesmograu de insatisfação seja com o acolhimento do problema, seja com as soluções preconizadas.380 Gostaria de acrescentar que aqui no Brasil, a maioria das empresas de médio e grande porte têm código deética e nem por isso cumprem na prática aquilo que escrevem. Contraditoriamente, temos casos detrabalhadores que foram demitidos exatamente por cumprir na prática, o código de ética da empresa.(BARRETO, Margarida. I Seminário Internacional sobre Assédio Moral no Trabalho. Disponível em<http://www.assediomoral.org/site/eventos/Iseminario/3auditorio.php>. Acesso em 22.07.2005).381 A recepção da legitimidade de previsões de pagamento de multas disciplinares em cláusulasconvencionais é bastante polêmico. Entre aqueles que admitem a instituição de mais uma figura punitivaestão: MAGANO, Octavio Bueno. Do poder diretivo na empresa. Ed. Saraiva, 1982, p. 162. Entre os que arechaça pode ser indicado: José Murilo de Morais (BARROS. Alice Monteiro de (org.)Poder hierárquico doempregador: poder disciplinar. In: Curso de Direito do trabalho: estudos em memória de Célio Goyatá,vol. I, 2ª ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: LTr, 1993, p. 567);

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Inspirada em um sistema de exclusão encontrado no exército e em

colégios (sanção normalizadora)382, a punição não objetiva o ressarcimento dos danos

causados ao empregador, mas a correção do empregado e a adequação de sua conduta aos

interesses da empresa. O exercício da sanção disciplinar no estabelecimento produtivo,

entretanto, sofre limitações pela doutrina e jurisprudência: o ato punitivo, para o

reconhecimento de sua legitimidade, requer atualidade, proporcionalidade e

irrepetibilidade no seu exercício. Antonio Baylos observa quanto ao contraste entre os

limites do poder diretivo e do poder disciplinar que:

De fato, deve-se à jurisprudência a consolidação destas tendências queobjetivam o poder exercido na empresa. Em grandes linhas, pode-seafirmar que esta jurisprudência é mais “garantista” no que se refere aocontrole do poder disciplinar e mais “flexível” na interpretação dospadrões de conduta relativos à prestação e execução do trabalho devido.Isto ocorre, na medida em que ela incorpora às obrigações básicas dotrabalhador aspectos que não foram diretamente pactuados, mas sim queresultam de princípios ligados a necessidades técnicas e produtivas, aofim social da empresa, ao seu interesse de produzir riqueza em condiçõesde competitividade crescente ou a outras circunstâncias igualmenterelevantes (por exemplo, sua imagem ou bom nome) que possamrepercutir sobre suas atividades.383

A dificuldade para o exercício legítimo da repressão (e para sua

resistência) se inicia na identificação dos atos faltosos. Como o empregador tem a

faculdade de perdoar o empregado faltoso, chama atenção o aspecto de que a falta somente

é reconhecida por intermédio da aplicação da punição pelo empregador384. As entidades

sindicais italianas defenderam a tipificação das faltas em lei ou normas convencionais,

porém seu esforço foi infrutífero. De toda sorte, é claro que o reconhecimento do ato

faltoso em relação a um empregado deve se estender a todos os envolvidos, sob pena de ser

declarada discriminatória sua conduta e anulada a punição. Mas, há alguma obrigação legal

de o empregador exercer o poder disciplinar? Mesmo no caso de a falta constituir uma

382 (PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros, 3ª edição. SãoPaulo: Paz e Terra, 2001, p. 69).383 BAYLOS, Antonio. Direito do trabalho: modelo para armar. São Paulo: LTr, 1999, p. 120/121.

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violação a direitos fundamentais de outras pessoas persiste a possibilidade de o

empregador unilateralmente decidir sobre a sua existência?

Antonie Mazeud descreve como abusiva a conduta passiva do

empregador diante do assédio moral. Ele sustenta que o princípio da boa-fé contratual

exige do empregador a adoção de todas as diligências necessárias para interromper a

prática ilegal na empresa, sob pena de lhe ser imputada a culpa pela rescisão contratual.385

A questão, no entanto, não se prende à obrigação de punir o empregado faltoso, mas a

responsabilização do empregador diante da ofensa que se inaugura com a própria conduta

abusiva. Afinal, pela teoria da responsabilidade objetiva, ele, como gestor dos negócios,

responde pelos danos causados em virtude da prática do assédio moral na empresa, tenha

ou não tomado uma atitude preventiva ou repressiva. A responsabilidade está embutida no

risco empresarial, como explica Jorge Pinheiro Castelo:

A responsabilidade civil passa a debitar, pura e simplesmente, o ônus dorisco da atividade empresarial sobre as empresas, porque elas tem maiscondições de prevê-lo (business plan), de distribuir os riscos (com asdemais envolvidas na corrente de fabricação, distribuição ecomercialização ao consumo), de diluir os riscos (abatendo despesas deimposto de renda e pagamento de impostos por outros mecanismos deplanejamento e redução fiscal a partir da perda), reduzir o risco (mediantea utilização de seguros em geral, e, inclusive, seguros de responsabilidadecivil para cobrir os riscos dos sócios e administradores gestores), além dopróprio fato de que o risco da atividade econômica deve recair sobre aempresa que o origina.386

Por óbvio que a duração e a gravidade da conduta abusiva são

considerados no caso concreto para o cálculo da indenização devida à vítima, não havendo

interesse empresarial em sua continuidade. O empregador sentirá mais o efeito de sua

384 A lei francesa declara ser somente falta o ato do trabalhador que o empregador considera unilateralmentecomo faltoso (“article” 122-40, do “Code du travail”).385 MAZEUD, Antoine. Harcèlement entre salariés : apport de la loi de modernisation. In: Droit Social, n.3,mars 2002, p. 323.386 CASTELO, Jorge Pinheiro. Teoria geral da responsabilidade “civil” e obrigações contratuais doempregador perante o novo Código Civil. In: Revista LTr, ano 67, nº 07, julho de 2003, p. 795.

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passividade diante da imputação de multas (administrativa ou processual) pelos órgãos

fiscalizadores, restrição na possibilidade de contratar com órgãos públicos e de gozar de

benefícios fiscais e mesmo da mácula em sua imagem perante a sociedade.

O empregado pode resistir à ordem ilícita387. O dever de obediência do

empregado se restringe a atos vinculados diretamente ao objeto do contrato de trabalho,

emanados por autoridade legítima da empresa, e que reconheçam os direitos fundamentais

constitucionais, entre os quais o direito à liberdade, igualdade e dignidade. O desrespeito a

esses aspectos configura uma “razão poderosa”388 a justificar a pronta negativa do

trabalhador. Reconhecer o direito de resistência significa dizer que o empregado pode

imediatamente se recusar a cumprir a ordem ilícita, prescindindo de qualquer autorização

judicial para tanto389. O controle jurisprudencial se fará posteriormente caso a recusa do

empregado não seja acolhida e qualquer punição disciplinar pelo não-atendimento à ordem

superior será inválida. Porém, dada a ampla possibilidade de o empregador brasileiro

dispensar injustificadamente o trabalhador, ressalvando-se apenas os trabalhadores

contemplados com estabilidade provisória, na prática o empregado se vê entre a opção de

se submeter à ordem abusiva ou engrossar o grupo dos desempregados. Este é o motivo

387Héctor Santos Azuela defende o dever de desobediência “quando a ordem acarrete a prática de um delito,que cause dano à integridade moral ou física do empregado ou de outrem, que esteja em desacordo com asregras de segurança e higiene do trabalho, sejam condutas nocivas ou gerem perigo grave, ou quem o ordenanão tenha competência para determinação, podendo o trabalhador incorrer em responsabilidade pelo atoilegal praticado”. (apud COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder punitivo trabalhista. São Paulo: LTr, 1999.p.104). Não podemos concordar com essa figura doutrinária porque a desobediência a esse dever pode gerarqualquer punição ao empregado. Ele somente pode ser responsabilizado pela prática do ato delituosopraticado sob o comando do empregador. Do contrário, teríamos a duplicidade da punição sobre o mesmofato, ainda que sob facetas diferentes.388 Manuel Olea e Maria Emília Casas Baamonde defendem a submissão do empregado, sem qualquerdiscussão, sempre que as ordens não sejam abusivas. [...] la orden conexionada con el trabajo, ‘aun cuando eltrabajador entienda que es inadecuada, debe cumplirla[...] y luego reclamar contra ella’ [...] com la salvedadde que en la ejacución de la orden concurran ‘circunstancias de peligrosidade u otras razones poderosas quejustifiquen la negativa. (apud COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder punitivo trabalhista. São Paulo: LTr,1999, p. 103)389 Aldacy Rachid Coutinho reconhece o direito de resistência se exercido perante o Poder Judiciário,expresso por meio de uma carta endereçada à empresa, ponderando a arbitrariedade ou solicitando arelevação amistosa da pena (Poder punitivo trabalhista. São Paulo: LTr, 1999, p. 103), com o que nãopodemos concordar. O direito de resistência implica o seu exercício imediato frente à requisição da condutailícita ou abusiva.

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pelo qual, Otavio Bueno Magano sequer reconhece a resistência como um direito do

empregado 390.

Mais do que a tipificação das faltas (cuja crítica é a mesma adotada em

relação à regulamentação do assédio moral), a melhor forma de controle do exercício do

poder disciplinar, evitando que se torne mais um instrumento de assédio moral, é a

exigência de justificativa do ato punitivo. Tal procedimento, permite o controle da

legalidade, razoabilidade, proporcionalidade e irrepetibilidade da punição por todos os

atores da relação de trabalho, individuais e coletivos, bem como pelo Estado. Importa

salientar também que a responsabilização individualizada do agressor, por meio de

Códigos de Ética e procedimentos internos empresariais, se generalizado, transfere

indevidamente o risco do ato ilícito praticado (e fomentado) no interior da empresa e afasta

a imunidade legal do empregado. De sorte que o ressarcimento do dano pelo agressor à

empresa somente poderá ser admitido em casos excepcionais e se comprovado o dolo em

sua conduta.

Em se tratando de um problema coletivo de gestão de mão-de-obra,

preconiza-se a intervenção de um terceiro externo à organização como solução eficaz. No

direito francês, a vítima poderia optar pela mediação do conflito por um terceiro, uma vez

que freqüentemente ela se contenta com um pedido de desculpas de seu agressor. Esse

procedimento explicitaria o conflito e disponibilizaria sua solução direta entre as partes

envolvidas.391 O trabalhador brasileiro assediado não dispõe desse mecanismo. Ele pode

denunciar o assédio moral no sindicato de sua categoria, na Delegacia Regional do

390 MAGANO, Octavio Bueno. Do poder diretivo na empresa. Ed. Saraiva, 1982, p. 189.391 Essa alternativa foi acolhida pela legislação francesa, a qual tem suscitado inúmeros questionamentos,como por exemplo quem deverá indicar o mediador selecionado entre aqueles que compõem uma lista daprefeitura (a vítima?) e quem deverá ser chamado no pólo passivo (o agressor ou o empregador?).(LAPÉROU-SCHENEIDER, Béatrice. Les mesures de lutte contre le harcèlement moral. In: Droit Social, nº3, mars 2002, p. 217/318.)

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Trabalho ou Ministério Público do Trabalho, os quais poderão perseguir a solução

amigável da questão ou, em alguns casos, adotar os meios judiciais competentes.

É certo que a Constituição Federal, com o intuito de estimular o

tratamento autônomo das condições de trabalho, destaca o sindicato da categoria como o

interlocutor por excelência dos temas coletivos, entre os quais se insere o assédio moral

organizacional. Entretanto, não se pode olvidar que a estrutura e funcionamento da

organização sindical foi pensada para o modelo fordista de gestão de mão-de-obra - sob a

ótica da sociedade disciplinar-, ressentindo-se em legitimidade para atuar diante das

modificações da relação de trabalho. São pertinentes as indagações de Gilles Deleuze:

“[...] conseguirão [os sindicatos] adaptar-se ou cederão o lugar a novasformas de resistência contra as sociedades de controle? Será que já sepode apreender esboços dessas formas por vir, capazes de combater asalegrias do marketing?”392

Esse cenário por si só já era agravado pelo perfil da organização sindical

brasileira – fortemente assentado na contribuição sindical e no sindicato único - que para o

funcionamento das entidades, sempre dispensou o seu compromisso com a base. A

reflexão do tema pelas entidades de classe se situa, de todo modo, principalmente na

concentração de esforços para a aprovação de legislação específica em âmbito federal e a

previsão genérica nos instrumentos normativos da instituição de meios preventivos dentro

da empresa393. Além do mais, os sindicatos se mostram como importantes interlocutores no

encaminhamento das denúncias recebidas aos órgãos oficiais competentes para as

providências cabíveis.

392 DELEUZE,Gilles. Conversações: 1972-1990. São Paulo: Editora 34, 2000, p. 225/226.393 As cláusulas perseguem o esclarecimento, por meio de palestras e debates, até a instituição de comissõespara o tratamento do tema.

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O requerimento de intervenção dos órgãos oficiais de fiscalização para a

solução de conflitos de assédio moral tem igualmente crescido. Na Delegacia do Trabalho

do Rio Grande do Sul, por exemplo, o percentual dos casos denunciados atingiu 20% de

todas as denúncias recebidas em 2004394, o que justifica o seu destaque entre as

preocupações internas da Administração Pública, ocupando informativos395 e debates de

seus membros para a definição do conceito e forma de atuação.

O Ministério Público do Trabalho tem investigado casos de assédio

moral em todo país. Ao contrário dos órgãos do Ministério do Trabalho, que atendem a

denúncias envolvendo situações individuais e coletivas, a atuação ministerial

necessariamente assume um caráter coletivo, incluindo-se também os trabalhadores

futuros, dada a sua legitimidade para tratar de questões trabalhistas difusas, coletivas e

individuais homogênas, inclusive judicialmente. Os procuradores designados para

investigação compõem as diversas Coordenadorias de Defesa de Interesses Difusos e

Coletivos situadas nas unidades regionais. Em âmbito federal, a Coordenadoria Nacional

de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho

admitiu a legitimidade de atuação de seus membros em face das denúncias de assédio

moral, “desde que fundadas em discriminação” (Aprovada na III Reunião Nacional da

Coordigualdade, dias 26 e 27/04/04). O sucesso da atuação ministerial se expressa

principalmente em Termos de Ajuste de Conduta, celebrados pelas empresas investigadas,

dentro de um procedimento investigatório interno, no sentido de abster-se da prática

abusiva, sob pena de pagamento de uma multa diária. As situações abusivas encontradas

se referem desde a obrigação de o empregado permanecer inativo durante a jornada de

394 “Dados da Delegacia Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul (DRT-RS) apontam que, das 208denúncias feitas no ano passado, 46 eram de assédio moral.”(Assédio moral poderá dar cadeia. In: RevistaAmanhã. Disponível em <http://amanha.terra.com.br/notas_quentes/notas_index.asp?cod=1987>. Acessoem 01.11.2005).395 Desigualdades no mercado de trabalho é pauta de seminário. In: DRTrabalho. Disponível em<http://www.mte.gov.br/delegacias/rs/conteudo/boletim/extra1.htm>. Acesso em 01.12.2005.

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trabalho até a de permanecer na empresa para ouvir a plataforma política de algum

candidato a cargo público, como refletem as seguintes cláusulas:

Cláusula 1ª: A Compromissária se compromete a abster-se de utilizar práticasvexatórias ou humilhantes contra seus empregados, especialmente as de,deliberadamente, não lhes dar trabalho, deixa-los “de castigo”, sentadosdurante toda a jornada, proibi-los de ter acesso à área comum aos demaistrabalhadores, ou as que, de qualquer outro modo, submeta-os aconstrangimento físico ou moral ou atente contra a honra, a moral e adignidade da pessoa humana, seja como forma de pressioná-los a pedirdemissão ou sob qualquer outro pretexto ou com qualquer finalidadediversa.396

e1. não praticar qualquer conduta discriminatória em relação a seusempregados, em razão de origem, raça, cor, sexo, idade, estado civil,orientação sexual, religião, ideologia política, filiação sindical, adesão amovimento grevista ou qualquer outro critério que se revelediscriminatório, assim considerado aquele que vulnere o direito deigualdade assegurado no “caput” do art. 51 da Constituição da Repúblicade 1988;2. não permitir qualquer conduta discriminatória no trabalho, em razão deorigem, raça, cor, sexo, idade, estado civil, orientação sexual, religião,ideologia política, filiação sindical, adesão a movimento grevista ouqualquer outro critério que se revele discriminatório, assim consideradoaquele que vulnere o direito de igualdade assegurado no “caput” do art.51 da Constituição da República de 1988, praticada por e contra qualquerempregado, no ambiente de trabalho;3. não permitir qualquer prática vexatória e/ou atentatória da dignidade eda intimidade de seus empregados no ambiente de trabalho;397

Caso a tentativa de ajustamento voluntário da parte investigada seja

infrutífera, o Ministério Público do Trabalho ajuíza Ação Civil Pública perante a

Vara do Trabalho competente.

Outro interlocutor eficiente poderá ser o Poder Judiciário, instância em

que o trabalhador individual pode pleitear o pagamento de indenização por dano moral ou

material e mesmo a rescisão de seu contrato de trabalho por culpa do empregador ou a

reversão das medidas vexatórias e humilhantes a que foi submetido, como por exemplo a

396 TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DECONDUTA nº 309/04, celebrado perante o MinistérioPúblico do Trabalho da 18ª Região (Procuradora Claudia Telho Corrêa Abreu).

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transferência abusiva, a anulação de prêmios negativos ou suspensões e advertências.

Muitas situações de assédio moral reconhecidas pela doutrina foram interrompidas diante

da condenação do Poder Judiciário, como foi o caso das brincadeiras motivacionais para os

vendedores de empresas de bebidas.

Por fim não pode ser desprezada a atuação da sociedade civil no combate

ao terror psicológico, ou seja, as associações das vítimas de assédio moral ou vítimas de

assédio psicológico. Essas entidades, além de atender à vítima, fornecendo toda orientação

necessária para sua defesa individual, inclusive pela internet, podem se utilizar de

instrumentos midiáticos para denunciar a existência de assédio moral organizacional em

alguma empresa e por essa maneira atingir a pacificação do problema coletivo. Sua atuação

pode também se voltar para a educação por intermédio do marketing social, como

preconizado por Antonio Ascenzi e Gian Luigi Bergagio, realizando campanhas de

conscientização da população ativa com a publicação de textos contendo os seguintes

dizeres: “Tratar mal as pessoas é sempre perigoso, no trabalho pode ser mortal!” ou “Se a

pessoa não se torna cúmplice da violência psicológica, o assédio moral entra em crise”.398

Os mecanismos de prevenção e repressão do assédio moral ainda estão

sendo construídos pela prática administrativa e jurídica. Indiscutivelmente o melhor

caminho para a prevenção é o estímulo ao debate em todos os espaços sociais, com o fim

de se atingir a conscientização dos limites legais adotados para as relações interpessoais do

trabalho. A imposição de Códigos de Ética pela direção das empresas, sem um amplo

debate interno, sequer cumpre uma função simbólica, estimulando ainda mais a

desconfiança e a insegurança no corpo assalariado. A solução, portanto, deve ser

397 Termo de Compromisso celebrado perante o Ministério Público do Trabalho da 4ª Região (ProcuradoraAline Maria Homrich Schneider Conzatti).398 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo : LTr, 2ª edição, 2005, p. 168.

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encontrada em procedimentos empresariais transparentes399, sujeitos à fiscalização externa,

de modo a não permitir o ingresso de pessoas conhecidas por sua conduta abusiva nos

órgãos criados para esse fim.

399 O Código do Trabalho francês prevê três espécies de procedimentos disciplinares, em conformidade coma gravidade da sanção imputada: procedimento simplificado, normal e diferente (art. 122-41). Oprocedimento simplificado se volta para aplicação de advertência e repreensão, o diferente para a suspensãopreventiva do trabalho, para todas as sanções dirigidas a trabalhadores estáveis e para o licenciamento. Osdemais casos se utilizam do procedimento normal (RESENDE, Leonardo Toledo de. O controle dos poderesdo empregador no direito do trabalho francês. In:Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região,Julho/ Dez 1999, p. 175).

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CONCLUSÃO

Deckard: Ela é uma replicante, não?Tyrell: Eu estou impressionado. Quantas questões normalmente

são necessárias para identificá-los?Deckard: Eu não entendo, Tyrell.

Tyrell: Quantas questões?Deckard: Vinte, trinta, entrecruzadas.

Tyrell: Foram mais de uma centena para a Raquel, não?Deckard: Ela não sabe?!

Tyrell: Ela está começando a suspeitar, eu acho.Deckard: Suspeitar? Como ela pode não saber o que é?400

Retomando a alegoria do Blade Runner verificamos que as condições de

trabalho atuais estão tão adversas na empresa, com o nível de conflitos internos e de

exigência em relação à produtividade e qualidade, e fora dela, com o desemprego

estrutural, que os homens que dependem unicamente de sua força de trabalho para viver se

vêem em uma situação semelhante à dos replicantes: vêem-se cercados, alijados e

submetidos a um tratamento abusivo, despido de respeito à sua liberdade e igualdade. O

tratamento abusivo nasce dentro da própria empresa, não por efeito da engenharia genética,

mas pela reengenharia da administração, em que a memória não é implantada, mas

cultivada dia-a-dia em cartilhas, Círculos de Qualidade Total ou “brincadeiras”. O

trabalhador tem os laços de solidariedade destruídos e para sua sobrevivência chega

400 Deckard: She's a replicant, isn't she? Tyrell: I'm impressed. How many questions does it usually take tospot them? Deckard: I don't get it Tyrell. Tyrell: How many questions? Deckard: Twenty, thirty, cross-referenced. Tyrell: It took more than a hundred for Rachael, didn't it? Deckard: She doesn't know?! Tyrell:She's beginning to suspect, I think. Deckard: Suspect? How can it not know what it is?

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mesmo a investir contra seus iguais, a fim de mostrar o seu comprometimento

(envolvimento) com a empresa. De modo que não surpreende a revelação na versão do

diretor de que o próprio Deckard (o caçador dos andróides) seja um replicante; tampouco

causa espanto o fato de, ao final, ele próprio passar a ser a caça.

O reconhecimento pelo ordenamento jurídico da condição de sujeito de

direitos do trabalhador e a alteração de seu status social resultaram na modificação das

formas de agressão. Agora a coação para o cumprimento das ordens e para a adequação da

conduta dos trabalhadores à linha de produção deve se subordinar aos procedimentos

juridicamente admitidos. Como reação às novas conquistas surge o assédio moral

organizacional como forma sutil, difusa e estrutural de obtenção do “consentimento” do

trabalhador com as severas condições de trabalho a que está submetido. Desse modo, a

prática de condutas abusivas, inicialmente também somadas à coação física401, que sempre

estiveram presentes na fábrica, desde sua organização na forma de sociedade disciplinar

persistem em um perfil atual, mais modular e permanente, na sociedade de controle, como

procuramos demonstrar no Capítulo 1. O empregador se utiliza dos espaços de participação

(Circulos de Qualidade Total e equipes de trabalho), listas públicas para divulgação da

produtividade e até mesmo “brincadeiras” como métodos correntes de motivação, e

constrangimento, dos empregados, os quais estão imbutidos no próprio exercício do poder

de direção da atividade produtiva. Chegam mesmo a criar premiações grotescas aos

empregados improdutivos ou com baixa produtividade, com intuito de intimidar toda a

coletividade de trabalhadores a fim de, não apenas manter, mas incrementar o ritmo da

401 Ver nota 270.

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produção, como é o caso emblemático do Troféu PIG (troféu, simbolizado por um porco,

com os seguintes dizeres: “Errar é humano. Persistir no erro é porquice”)402.

O conhecimento dos efeitos físicos e psicológicos das vítimas desse

conjunto de atitudes abusivas possibilitou o reconhecimento dessas diversas práticas como

peças de um único quebra-cabeças direcionado a uma finalidade específica. A adoção do

conceito de assédio moral, consequentemente, resultou na modificação do tratamento

dispensado pelo direito para esses casos, permitindo se chegar à repressão do conjunto de

atos como um todo indivisível.

A trajetória do presente estudo nos permitiu cumprir a proposta inicial de

identificar as práticas de assédio moral voltadas para a coletividade produtiva, atingindo

indistintamente e de forma difusa a todos os participantes da organização: do trabalhador

ao chefe403, incluídos fornecedores, trabalhadores precários e terceirizados404, entre outros.

Ademais, a atenção para o exercício das relações de poder na empresa fez saltar aos olhos

o abuso presente em condutas aparentemente neutras e autorizadas pelo direito,

notadamente no exercício do poder diretivo pelo empregador, como no caso acima relatado

e naquele em que os trabalhadores espanhóis com baixa produtividade foram realocados

para uma mesa próxima à entrada da empresa, para recuperação de clientes e com

restrições à liberdade de ir e vir na empresa e à utilização de fotocópias e serviços de

informática405. Evidencia-se, dessa maneira, a total inutilidade e impossibilidade em se

402 PGT/CS/PP/Nº 3559/2000, origem Pprep nº 1198/2000, PRT 15ª Região, Interessado: Sindicato dosEmpregados no Comércio de Jundiaí e outro.403 O jornal O Globo noticiou em 9.3.2006, a condenação do Unibanco, pela Juiza do Trabalho CláudiaGomes Freire, da 53º Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, ao pagamento de indenização por assédio moral aseu gerente Paulo César Barreiro Monteiro.404 Ver nota 214, em que as empregadas terceirizadas são assediadas.405 Ver nota 176.

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enumerar as condutas abusivas características do mobbing406, em contraposição ao

interesse dos empregadores407.

Para o combate eficaz ao assédio moral organizacional, a sua

identificação deve ser feita no caso concreto mediante a observação do conjunto das

condutas abusivas praticadas e a sua relação com determinada finalidade empresarial: em

regra, o engajamento subjetivo dos trabalhadores ou do chefe com as políticas empresariais

de produção e organização, em que o afastamento de pessoas indesejadas a baixo custo é

apenas uma das facetas. Além do mais, é dispensada tanto a comprovação do dano físico

ou psicológico da vítima para a sua configuração quanto a intenção do agente (ato

emulativo). Basta a comprovação do desrespeito aos interesses de toda sociedade e aos

direitos fundamentais de cada indivíduo. Na mesma linha, rejeita-se toda e qualquer

digressão sobre o perfil do agressor ou mesmo da vítima, pois o assédio moral se mostra

como fruto dos próprios métodos de gestão empresarial, atingindo a todos

indiscriminadamente, inclusive pelo exemplo408. Consequentemente, o tratamento da

questão se estende para além da ponta do iceberg, da análise subjetiva e individualizada do

assédio moral, para abranger o seu uso estrutural e corrente, de forma difusa, na própria

administração da empresa409, propiciando a sua denúncia e a reação coletivas.410 Razão

porque defendemos a adoção de um conceito aberto de assédio moral organizacional,

indicando sobretudo a sua característica de perseguição sistemática às vítimas e a sua

406 Como analisado no item 1.2.3 do capítulo 2.407 Ver nota 177.408 Ver p. 94.409 Essa conclusão confirma-se na observação de Tiennot Grumbach: [...]il existe de multiples formes deharcèlement qui se sont pas contestées par le système capitaliste lui même et qui sont même au coeur de sagestion collective, quotidienne, discriminatoire et/ou anti-syndicale. (GRUMBACH, Tiennot. Pour conclureet tender de distinguer entre la gestion disciplinaire affichée, la discrimination inavouée, et le harcèlementdissimilé. In: Le Droit ouvrier: droit du travail, prud'homie, securité sociale, n.633, mai. 2001, p. 226).410 A crítica se dirige contra observações como a de Michel Debout que reconhece como restrita apossibilidade de reação diante do assédio moral: “Il est la plupart du temps plus diffus; il porte à la fois surun plus petit nombre de victimes ce qui limite considérablement les possibilités de réaction collective,

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finalidade. Em conseqüência, identificamos o assédio moral organizacional como o

conjunto de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercido de forma sistemática

durante certo tempo, em decorrência de uma relação de trabalho, e que resulte no vexame,

humilhação ou constrangimento de uma ou mais vítimas com a finalidade de se obter o

engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por meio da

ofensa a seus direitos fundamentais, podendo resultar em danos morais, físicos e psíquicos.

Nesse cenário, o papel reservado ao direito cresce em importância,

voltando-se contra o discurso empresarial de exclusão de toda e qualquer forma de

intervenção estatal, evidenciando-se a inter-relação entre o direito público e o direito

privado, como áreas equiprimordiais e complementares. Mais do que nunca se faz

necessário o abandono das correntes interpretativas restritivas (convencionalismo) ou

pragmáticas do direito, para oferecê-lo como um sistema coerente e atento, com igual

interesse, a todas as pessoas a ele submetidas. Somente dessa maneira o direito pode

cumprir o seu papel essencial de assegurar a igualdade formal entre os contratantes,

sem esquecer da desigualdade material entre as partes, expressando uma

interpretação dos direitos fundamentais de modo mais ampliado e da melhor maneira

possível, como preconiza Ronald Dworkin. Esse posicionamento permite a enxergar

o abuso no exercício do direito de dirigir a atividade produtiva e, em conseqüência, a

rejeição e repressão a toda e qualquer conduta atentatória à integridade física,

psicológica ou moral dos trabalhadores decorrentes dessas práticas.

O ponto de vista abraçado possibilita também a crítica de algumas

medidas preventivas sugeridas pela literatura especializada, mais uma vez, apontando os

riscos de novos abusos dentro de procedimentos internos da empresa por meio da

d’identification des responsabilités et de dénonciation du phénomène”. DEBOUT, Michel. Le harcèlement

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influência das relações de poder em seus espaços democráticos. Além do mais, retira a

responsabilidade do risco da prática abusiva da própria vítima, desconfiando-se da eficácia

de métodos de autodefesa e slogans de solidariedade entre os trabalhadores, e se afasta da

caracterização do agressor como uma figura isolada, circunstâncias confirmadas pela

constatação em casos jurisprudenciais e administrativos da disseminação de tais condutas

em larga escala em todo país (como no caso das companhias de bebidas411) e nos mais

diversos ramos produtivos, como vimos no Capítulo 2.

O mais importante passo dessa dissertação foi a visualização e a

tematização do abuso de gestão empresarial, que configura o assédio moral organizacional,

pois, a fim de que possamos lidar com o problema, é preciso antes de mais nada que

sejamos capazes de vê-lo como um problema. Tal como a Raquel, replicante de última

geração, começamos a suspeitar da organização dessa cadeia e do papel reservado a todos

nós, trabalhadores em geral, dentro dessa mesma organização. Em última análise,

desconfiamos que mesmo o próprio agressor mais comum, o superior hierárquico, não está

à salvo do assédio moral e o pratica na esperança de não ser a próxima vítima.

A desnaturalização do abuso vem permitir ao direito, sem necessidade de

esforço legislativo extraordinário, proteger a integridade do trabalhador mediante a

repressão ao abuso de gestão, o qual em absoluto se confunde com o direito de dirigir e

organizar a atividade produtiva

moral au travail, p. 22, tradução livre.411 Ver notas 183, 184, 185 e 186.

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