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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM LINGUÍSTICA O ARTIGO DE OPINIÃO NA CONSTRUÇÃO DA COMPETÊNCIA ESCRITORA DE ALUNOS DA EJA DÉBORA MARGOT SOARES DE SOUZA Orientadora: Profa. Dra. Ana Elvira Luciano Gebara Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística. SÃO PAULO 2014

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  • UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PS-GRADUAO

    MESTRADO EM LINGUSTICA

    O ARTIGO DE OPINIO NA CONSTRUO DA COMPETNCIA ESCRITORA DE ALUNOS DA EJA

    DBORA MARGOT SOARES DE SOUZA

    Orientadora: Profa. Dra. Ana Elvira Luciano Gebara

    Dissertao apresentada ao Mestrado em Lingustica, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obteno do ttulo de Mestre em Lingustica.

    SO PAULO 2014

  • AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA

    UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

    S714a

    Souza, Dbora Margot Soares de. O artigo de opinio na construo da competncia escritora de

    alunos da EJA / Dbora Margot Soares de Souza. -- So Paulo; SP: [s.n], 2014.

    65 p. : il. ; 30 cm. Orientadora: Ana Elvira Luciano Gebara. Dissertao (mestrado) - Programa de Ps-Graduao em

    Lingustica, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Lingustica textual 2. Sequncia didtica 3. Educao de

    jovens e adultos (EJA) 4. Argumentao 5. Escola estadual (Perube, SP). I. Gebara, Ana Elvira Luciano. II. Universidade Cruzeiro do Sul. Programa de Ps-Graduao em Lingustica. III. Ttulo.

    CDU: 8142(043.3)

  • UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PS-GRADUAO

    O ARTIGO DE OPINIO NA CONSTRUO DA COMPETNCIA ESCRITORA DE ALUNOS DA EJA

    Dbora Margot Soares de Souza

    Dissertao de mestrado defendida e aprovada pela Banca Examinadora em 14/11/2014.

    BANCA EXAMINADORA:

    Prof Dra Ana Elvira Luciano Gebara Universidade Cruzeiro do Sul Presidente

    Prof Dra Ana Lcia Tinoco Cabral Universidade Cruzeiro do Sul

    Prof Dr. Luiz Antonio Ferreira Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

  • A Deus meu juiz e advogado

    Minhas mes: La Soares e Janete Angelo

    A memria de meu amado pai Vivaldo

    A Dirigente de Ensino e Supervisoras:

    Maria Lgia, Francisca Alves,

    Maria Auxiliadora, Edna Pimenta e

    Adriana Silveira

    As minhas parceiras PCNPE e amigas:

    Mayla Campana, Patricia Pontes,

    Denize Andrade, Simone Rebelo,

    Cleonice Menegatto, Dimitra Dragassakis,

    Simone Honorato e Aparecida Guimares

    Minha querida amiga e admirvel orientadora:

    Ana Elvira Luciano Gebara

  • Se, na verdade, no estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transform-lo; se no possvel mud-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenho para no apenas falar de minha utopia, mas participar de prticas com ela coerentes.

    Paulo Freire

  • SOUZA, Dbora Margot Soares. O artigo de opinio na construo da competncia escritora de alunos da EJA. 2014. 65 f. Dissertao (Mestrado em Lingustica)-Universidade Cruzeiro do Sul, So Paulo, 2014.

    RESUMO

    O propsito dessa pesquisa foi verificar a relevncia do ensino de texto opinativo

    para alunos da EJA, tendo como suporte metodolgico a estruturao e as formas

    de avaliao da proposta de Sequncia Didtica (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004) para

    o desenvolvimento da competncia escritora lingustica argumentativa desse

    pblico; as marcas lingusticas de argumentao postulada por Cabral (2010), as

    reflexes sobre a argumentao e linguagem de Koch (2011). Dessa forma,

    inserimos o projeto de lngua numa perspectiva discursiva e textual na linha de

    pesquisa: Texto, discurso e ensino: processos de leitura e de produo do texto

    escrito e falado. O objetivo geral da pesquisa foi verificao das contribuies da

    aplicabilidade da Sequncia Didtica na prtica de escrita argumentativa com alunos

    da EJA; e objetivos especficos a verificao depois da vivncia com a Sequncia

    Didtica da manuteno do tema, a anlise dos argumentos utilizados nas

    produes escritas, nos textos resultantes dessa aplicao. Participaram dessa

    pesquisa 56 alunos de uma escola pblica do municpio de Perube SP, sendo

    realizadas sete oficinas entre produes orais e escritas com o intuito de

    desenvolver a competncia escritora dos recursos relacionados argumentao. A

    metodologia utilizada foi a anlise textual de 3 produes que mostraram como a

    interveno realizada a partir da Sequncia Didtica, oportunizou aos alunos fortes

    indcios de adequao ao gnero artigo de opinio, assim como, uma reflexo sobre

    a importncia da apropriao do discurso crtico nas diversas esferas de

    comunicao.

    Palavras-chave: Argumentao, Artigo de opinio, Sequncia didtica.

  • SOUZA, Dbora Margot Soares. The opinion piece in building the writer competence of students in adult education of EJA. 2014. 65 f. Dissertao (Mestrado em Lingustica)-Universidade Cruzeiro do Sul, So Paulo, 2014.

    ABSTRACT

    The purpose of this research was to verify the relevance of teaching of opinionated

    text for EJA students having as methodological support the didactic sequence

    proposed by Schneuwly, Dolz et al. (2004) for the development of linguistic

    competence for argumentative writing; the "marks of linguistic argumentation"

    postulated by Cabral (2010), the reflections on argumentation and language by Koch

    (2011). Thus, this work was inserted in a discursive and textual perspective of the

    research group "Text, speech and education: reading and production processes of

    written and spoken text". The overall objective of this research was to examine the

    contributions of the applicability of the Didactic Sequence regarding the

    argumentative writing with students of the EJA. The specific objectives were verify,

    after the writing assignments how (and if) the students were able to maintain the

    theme and the coherence of the text. The analysis of the arguments used in written

    assignments were also part of this work. 56 students of a public school in the city of

    Perube-SP participated of this research, during seven workshops held between oral

    and written productions in order to develop the competence of argumentation related

    to writer skills. The methodology used was the textual analysis of 3 productions that

    showed how the intervention held from the Didactic Sequence, allowed a reflection

    on the importance of ownership of critical discourse in the various spheres of

    communication.

    Keywords: Argumentation, Written assignments, Didactic sequence.

  • SUMRIO

    CONSIDERAES INICIAIS ...................................................................................... 8 CAPTULO I A EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS ...................................... 11 1.1 O palco da EJA e o ensino da Lngua Portuguesa...................... 17 1.1.2 A competncia escritora no contexto da EJA ............................. 20 CAPTULO II O ARTIGO DE OPINIO NO CONTEXTO ESCOLAR .................... 25 2.1 Um mundo de opinies: tipologia argumentativa e texto de

    opinio ............................................................................................ 28 2.2 Questes de macro e micro: a organizao do texto ................. 31 2.3 Sequncia Didtica ou Sequncia de Atividade: a busca pela

    competncia escritora ................................................................... 34 CAPTULO III O DESAFIO DO DESCONHECIDO ................................................. 41 3.1 O encontro com o novo: a realidade dos sujeitos ...................... 43 3.2 A necessidade da mudana: replanejar para pesquisar ............ 47 3.3 O gnero artigo de opinio: a conquista do sujeito .................... 50 CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................... 62 REFERNCIAS ......................................................................................................... 64

  • 8

    CONSIDERAES INICIAIS

    O cenrio educativo no est mais nas mos de um nico portador do saber

    (o professor). Com a velocidade das informaes, o trabalho desse profissional tem

    sido dificultado. A prpria legislao vigente1 aponta para uma escola que seja

    capaz de desenvolver a competncia leitora e escritora nos alunos para que se apropriem de um discurso crtico nas mais variadas situaes sociais e defendam

    suas ideias para construir uma competncia discursiva nas diversas esferas sociais

    em que atuam.

    Alm disso, temos de partir do fato de que pouco se pensou na Educao de

    Jovens e Adultos (EJA) principalmente no que se refere dificuldade da produo

    de texto argumentativo desse pblico com dficit educacional diverso. Alguns dos

    fatores presentes na vida desses estudantes e os mais citados por eles so a

    dificuldade interacional por meio da escrita, a falta de equilbrio entre o horrio de

    trabalho e estudo.

    Na posio de professora da EJA, iniciei minhas indagaes, motivada para a

    pesquisa pelos constantes comentrios de meus alunos, que alegavam no gostar

    de Lngua Portuguesa por pensarem que no sabiam escrever e que no se sentiam

    capazes de produzir textos. Eram, em sua maioria, donas de casa, pedreiros, etc.

    Em sala, mostravam-se alunos sem objetivos ou sonhos.

    Entre os gneros textuais com os quais os alunos precisavam interagir como

    autores, observei que a escrita de gnero argumentativo era o ncleo da dificuldade

    dos meus alunos. Com isso, o objetivo geral da pesquisa se voltou para a verificao

    das contribuies da aplicao de Sequncias Didticas na prtica de escrita

    argumentativa com alunos da EJA. Como objetivo especfico iniciou-se a observao

    da manuteno do tema e a anlise dos argumentos utilizados nas produes

    escritas, textos resultantes da aplicao da Sequncia Didtica.

    1 cf. PCN, 1998.

  • 9

    Sendo essa a metodologia, a dissertao se desenvolveu em trs captulos

    subdivididos em outros oito subttulos. No primeiro captulo, apresentamos o

    universo da educao de jovens e adultos, pontuando principalmente a atual

    situao dessa modalidade de ensino, sua relevncia social apresentando o pblico

    da EJA e sua relao com a escola. Dentro desse quadro, o ensino de Lngua

    Portuguesa na EJA fortalece a afirmao da identidade desse aluno diante de seus

    pares, o resgate da auto-estima para oportunizar a construo de uma

    expressividade e a independncia lingustica. Isso requer uma proposta pedaggica

    concreta para conduzir a uma relao entre professor-aluno, aluno-aluno e aluno-

    comunidade. Priorizar e reconhecer suas necessidades que estabelecem significado

    no ensino e qualifica a aprendizagem. Essas premissas, nos permitiram localizar a

    competncia escritora no contexto da EJA na utilizao do gnero artigo de opinio.

    A produo desse gnero contribui e muito, na conduo desse aluno ao

    entendimento, do prprio papel social. Portanto, seu texto pode representar por meio

    de um olhar simples, mas autntica toda experincia de vida, refletir seus valores e

    ideais.

    No segundo captulo, discorremos a respeito do artigo de opinio no contexto

    escolar como uma construo e exposio textual estimulante quando trabalhado de

    forma gradativa para explorar o artigo de opinio, levando em conta a escrita e a

    reescrita do prprio texto (BOFF et al., 2009, p.10). Isso proporciona a interao e o

    desenvolvimento da capacidade comunicativa global do sujeito (BOFF et al., 2009,

    p.10). O ensino desse gnero de extrema relevncia para fazer com que o aluno

    reflita sobre a lngua e a linguagem de maneira que contribua para a aquisio ou

    ampliao da competncia escritora. Como vivemos num mundo de opinies, o

    desenvolvimento de sequncias tipolgicas no estudo dos gneros so peas

    chaves no ensino da Lngua Portuguesa para corroborar o desenvolvimento da

    competncia escritora, em especial, a sequncia tipolgica argumentativa e o

    gnero artigo de opinio.

    Considerar o significado de aprender a se expressar linguisticamente, de

    forma estruturada no texto para o aluno da EJA, vai alm dos muros da escola e o

    impulsiona para novas descobertas num mundo at ento, obscuro e distante de sua

    realidade. Para tanto, a questo da organizao do texto e sua finalidade

    comunicacional precisam estar colocados de forma que o leitor reconhea de

  • 10

    imediato o gnero ao qual pertence. Para que essa dinmica textual seja eficiente,

    traamos o plano de texto, que envolve vrias tomadas de deciso em relao

    organizao textual, desde a escolha lexical, passando pelo arranjo dos pargrafos

    at a reviso final e atribuio de ttulo. nesse momento que surge a questo dos

    conectivos que servem para acrescentar argumentos, indicar oposio ou uma

    afirmao, concluir uma ideia, ter outros.

    Esse plano de texto permite ao seu produtor, materializar suas intenes

    implcitas ou no e de forma estruturada, distribu-las no texto. Para isso, temos a

    Sequncia Didtica ou Sequncia de Atividade que se apresenta como instrumento

    para o desenvolvimento da competncia escritora em sala de aula, uma

    possibilidade de trabalho que respeita o ritmo do aluno em atividades associadas,

    que respondem s dificuldades apresentadas pelos alunos. A SD se configura como

    proposta que trabalha com a oralidade e a escrita de maneira integrada, permitindo

    uma conscientizao do processo de produo e domnio da lngua.

    (MARCUSCHI, 2008, p.216).

    Para o terceiro captulo, apresentaremos a atividade e a anlise dos textos

    dos alunos escolhidos pelo tipo de resposta dada atividade. H uma

    caracterizao das condies de trabalho em sala de aula, seguida das etapas da

    atividade, critrios de avaliao e anlise.

    As dificuldades advindas das condies materiais da escola e da turma no

    estava alheia ao processo de sala de aula e toda essa relao interpessoal e

    preocupao com a aprendizagem fez com que juntos (eu e os alunos),

    obtivssemos o encontro com o novo diante da realidade dos sujeitos e

    terminssemos o semestre com alunos mais curiosos, querendo aprender mais para

    transformar a prpria realidade. Nesse ano pela primeira vez, segundo a equipe

    gestora, a maioria dos alunos decidiu fazer inscrio no ENEM, sentiam-se seguros

    e confiantes. Aquela ideia que tinham no incio do semestre de que Faculdade

    para quem sabe ou pode, no existia mais. Esse novo entendimento trouxe junto

    necessidade da mudana o replanejar para pesquisar agora era imediato. A reflexo

    sobre os textos produzidos associados a esses eventos o objeto deste captulo

    seguido pelas consideraes finais.

  • 11

    CAPTULO I - A EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS

    J no perodo Republicano o tema educao se torna o centro de grandes

    debates, esse novo modelo poltico indica a necessidade de uma maior participao

    social. Nas primeiras dcadas do sculo XX, surgem os Pioneiros da Educao Nova (1932) e seu manifesto que postulava uma modificao da estrutura educacional da poca. Tiveram como principais representantes Fernando de

    Azevedo (o redator) e vrios intelectuais tais como: Roquette Pinto, Ansio Teixeira,

    Afrnio Peixoto, Ceclia Meireles, entre outros. Embora, representassem a elite

    intelectual e possussem diferentes posies ideolgicas, defendiam uma escola

    pblica nica, laica e gratuita.

    [...] o problema educacional das massas rurais e do elemento trabalhador da cidade e dos centros industriais j pela extenso da escola do trabalho educativo e da escola do trabalho profissional, baseada no exerccio normal do trabalho em cooperao, j pela adaptao crescente dessas escolas (primria e secundria profissional) s necessidades regionais e s profisses e indstrias dominantes [...]. (INEP, 1994).

    Esse Manifesto trazia a necessidade no s de mudanas sociais, mas da

    responsabilidade do Estado de oferecer, gratuitamente, uma educao igualitria a

    todos que desejassem estudar. A preocupao se estendeu aos adultos, tambm,

    s que o olhar era para que esse sujeito tivesse condies de colaborar com o

    crescimento industrial da poca. Essa proposta era inovadora e contrria ao modelo

    de educao do perodo que tinha suas bases nos princpios da educao religiosa.

    Por conta da publicao desse manifesto na IV Conferncia Nacional de Educao

    teve como resultado a ruptura entre os catlicos e os liberais, o que proporcionou a

    base poltica educacional2.

    Na dcada de 60, ocorreram vrios projetos preocupados com a Educao de

    Jovens e Adultos sendo eles: Movimento de Educao de Base (MEB), uma

    iniciativa da Igreja Catlica em parceria com Governo Federal, CNBB e MEC, o

    Centro Popular de Cultura (CPC) fundado pela UNE Unio Nacional dos

    Estudantes), cujo objetivo foi o de levar cultura e o ensino por meio da literatura as

    2 Cf. http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/Educacao/ManifestoPioneiros - acesso em: 24/09/14.

    http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/Educacao/ManifestoPioneiros
  • 12

    classes menos favorecidas e a Campanha de Educao Popular (CEPLAR) que teve

    incio na Paraba e postulava o mtodo de Paulo Freire, cujo objetivo era

    conscientizar para ensinar. Todos esses movimentos foram extintos com o golpe

    militar de 64, pois eram considerados subversivos e comunistas; como alternativa,

    surge, ento, o MOBRAL3.

    Nessa poca, a educao ainda era direcionada para poucos, mais

    especificamente para classe mdia e alta da sociedade. queles que no

    participavam dessas esferas sociais, restava ento somente o MOBRAL (Movimento

    Brasileiro de Alfabetizao) criado pela Lei 5.379/67, sancionada pelo ento

    Presidente da Repblica General Costa e Silva. Esta lei se refere alfabetizao

    funcional e educao continuada aos adolescentes e adultos o que possibilitava

    uma mo de obra melhor qualificada especialmente para a indstria.

    Essa modalidade de ensino comeou efetivamente na dcada de 70, com o

    objetivo de desenvolver o mnimo necessrio para que o aluno pudesse se inserir no

    mercado de trabalho ao mesmo tempo, erradicar o analfabetismo num curto espao

    de tempo. Embutidos nesse projeto existiam outros programas como: a) o Programa

    de Alfabetizao Funcional cujos objetivos estavam alicerados em seis habilidades:

    aprender a ler, escrever e contar; ampliar o vocabulrio; desenvolver o raciocnio;

    criar costumes em relao ao trabalho; incentivar a criatividade e obter um senso de

    responsabilidade; b) o Programa de Educao Integrada que objetivava a

    continuidade dos estudos, para que o aluno tivesse mais confiana e soubesse

    utilizar o conhecimento no dia-a-dia; c) o MOBRAL Cultural que tinha como proposta

    reforar a noo na rea de alfabetizao e evitar a volta do analfabetismo; d) Por

    ltimo, o Programa de Profissionalizao que foi iniciado como uma diversificao

    do MOBRAL, visando preparao de mo de obra (VITRIA, 1993, p. 4/5).

    Esta configurao, no entanto, trazia uma insuficincia que muito contribuiu

    com a desigualdade, pois no estabelecia como meta a apropriao do

    conhecimento e da competncia escritora, o que resultaria na autonomia do

    educando.

    3 Cf. http://www.pedagogiaemfoco.pro.br - acesso em 24/09/14.

    http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/
  • 13

    Na dcada de 80, o MOBRAL foi substitudo pela Fundao EDUCAR pelo

    Decreto 92.374/86. Esta tinha como principal objetivo promover programas de

    alfabetizao e educao bsica destinado aos que no tiveram acesso ou dela

    foram excludos.

    Chegamos ento dcada de 90, quando surgiu o Programa Alfabetizao

    Solidria (PAS) que tinha como proposta inicial atuar na alfabetizao de Jovens e

    Adultos do Norte e Nordeste do pas, embora sua atuao tenha abrangido todas as

    outras regies do Brasil e outros pases da frica de Lngua Portuguesa. Seu

    principal objetivo era a continuidade dos estudos no Ensino Superior.

    J o atual universo da Educao de Jovens e Adultos se caracteriza pelo

    desenvolvimento das habilidades e competncias que permitam ao sujeito, fora da

    idade escolar, competir em condio de igualdade lingustica/discursiva com sujeitos

    mais qualificados e jovens quando se inserir no mercado trabalho por meio de uma

    formao cidad. Por isso, o papel da escola justamente, o de garantir uma efetiva

    reduo da desigualdade social e respeito diversidade desse pblico, que busca

    por um conhecimento capaz de lev-lo a superar as dificuldades lingusticas as

    quais, por vezes, o impedem de galgar novos degraus, tanto no mbito profissional

    como no da realizao pessoal.

    Segundo a legislao: Instruo da Coordenadoria de Estudos e Normas

    Pedaggicas sobre os procedimentos e organizao da EJA dispe que:

    1.1.3. Observada, a matrcula inicial (primeira vez), a idade mnima de:

    * 16 anos completos no 1 termo/semestre;

    * 16 anos e meio completos no 2 termo/semestre;

    * 17 anos completos no 3 termo/semestre;

    * 17 anos e meio completos no 4 termo/semestre.

    1.2. No Ensino Mdio, atendida a exigncia de comprovao de concluso do Ensino Fundamental, mediante apresentao do respectivo certificado ou dos resultados alcanados na avaliao de competncias, a idade mnima exigida para matrcula inicial ou com aproveitamento de estudos de termo/semestre, de:

    * 1 termo/semestre: 18 anos completos;

    * 2 termo/semestre: 18 anos e meio completos;

  • 14

    * 3 termo/semestre: 19 anos completos.

    2. da Durao dos Cursos: Tempo Mnimo de Integralizao e Horas de Efetivo Trabalho Escolar

    2.1. do tempo mnimo de integralizao exigido:

    2.1.1-- no Ensino Fundamental: 24(vinte e quatro) meses de integralizao de estudos ou 04 semestres letivos e 1.600(mil e seiscentas) horas de efetivo trabalho escolar;

    2.1.2.-- no Ensino Mdio: 18 (dezoito) meses de integralizao de estudos ou 03 (trs) semestres letivos e 1.200 (mil e duzentas) horas de efetivo trabalho escolar. (Dirio Oficial - SP, 2010, p.27-28)

    Esses procedimentos e organizao acabam por dificultar ainda mais a

    aprendizagem do aluno da EJA, justamente, por se tratar em sua maioria de

    trabalhadores que acabam por no perceber que o sistema presencial que deveria

    ser de 6 meses na realidade ocorre em no mximo em 4 meses, ou seja, 2 so

    perdidos em reunies dentro do perodo de aula, falta de professor e situaes

    adversas.

    Esses so alguns fatores que contribuem para os resultados do Censo de

    2010 do IBGE apontando que cerca de 65 milhes de brasileiros com 15 anos ou

    mais no haviam concludo o Ensino Fundamental, e em 2011, somente 4 milhes

    desses estavam na escola. Ao lado desse dado significativo em termos

    quantitativos, o Censo escolar brasileiro realizado pelo Instituto Nacional de Estudos

    e Pesquisas Educacionais (INEP) sinalizou as baixas significativas no nmero de

    matrculas da EJA. Entre os anos de 2007 e 2011, segundo o INEP, 760 mil

    matrculas foram extintas e somente 46 mil matrculas foram abertas no mesmo

    perodo. Em suas ltimas trs edies, as matrculas na EJA caram de: 3.917.785

    em 2009 para 3.642.513 em 2010 e 3.434.566 em 2011. S em So Paulo, entre

    2009 e 2010 essas matrculas tiveram uma queda de 19,4%, uma reduo de

    381.866 alunos para 307.644.

    O cenrio atual mostra que, no mesmo perodo, 4,5 mil escolas deixaram de

    oferecer EJA; isso corresponde a uma diminuio de cerca de 18,9%. No Ensino

    Mdio, a reduo foi de 17,4% caindo de 294.636 para 243.409 matrculas de 2009

    para 2010. Na tabela abaixo os dados mostram a diminuio da oferta dessa

    modalidade de ensino.

  • 15

    Rede de

    Ensino

    Ensino Fundamental

    Presencial Semipresencial Total

    1 a 4 5 a 8 1 a 4 5 a 8 /////////

    Ensino Mdio

    Presencial Semipresencial Total

    Total Geral

    Estadual- SE

    395 44.327 2.620 23.892 71.234 196.377 33.749 230.126 301.360

    Municipal 73.843 106.172 - 8.556 188.571 8.757 6.169 14.926 203.497

    Federal - 52 - - 52 207 - 207 259

    Particular 749 1.530 - - 2.279 3.987 - 3.987 6.266

    Total 74.987 152.081 2.620 32.448 262.136 209.383 39.918 249.301 511.437

    Educao de Jovens e Adultos Matrcula por curso segundo rede de Ensino/2001 Dados do

    Censo Escolar SEESP -2011

    As justificativas para essas baixas vo desde a incompatibilidade de horrio

    entre o trabalho e a escola at a falta de investimento do poder pblico numa

    modalidade diferenciada que atenda s especificidades e aos anseios desse pblico.

    Diante desses dados, fica evidente a necessidade da manuteno dessa

    modalidade de ensino e de maior incentivo no s governamental, mas

    principalmente de professores que realmente queiram ministrar aulas significativas e

    prximas da realidade desses sujeitos para que os desistentes queiram voltar ao

    mbito escolar, mesmo porque a grande maioria deixou de frequentar a escola por

    motivos alheios sua vontade, tais como: a pobreza extrema, a necessidade de

    compor a renda familiar, o uso de drogas, a explorao infantil, a violncia, a

    gravidez precoce, a distncia da escola etc., fatores externos que podem ser

    decisivos para a continuidade do estudo ou no. O aluno da EJA em sua essncia

    uma totalidade, com ambies, intenes e desejos que podero sofrer

    interferncias significativas nesse retorno, cabe ento, ao professor oferecer

    condies reais para que essa vontade no aluno da EJA aflore.

    Nessa perspectiva, podemos destacar o pensamento de Carl R. Rogers (apud

    JUSTO, 1975, p.26), para quem o sujeito representa e simboliza de forma

    consciente a experincia vivida. Isso demonstra que os antigos paradigmas

    educacionais no podem ficar mais limitados simples transmisso de contedo.

  • 16

    preciso que se compreenda e se aceite as singularidades do aluno da EJA que

    busca no conhecimento escolar uma afirmao e transformao social, apesar dos

    medos e, por vezes, dvidas da prpria capacidade de aprendizagem. (GADOTTI,

    1989, p.17).

    pela mudana real e viva que o aluno da EJA volta escola, no para saber

    o que j conhece, mas pela nsia de se tornar um diferencial na sociedade, uma vez

    que, frequentou a escola por pouco tempo, o que aprendeu/conheceu foi fora dela.

    Ele procura o conhecimento escolar num espao que, anteriormente, no

    contemplava ou se preocupava com as experincias e expectativas desse pblico.

    Hoje, quando retorna, esse aluno encontra (ou pressupe-se que encontraria)

    um ensino democrtico que sugere a construo do aprender com o outro para

    superar as dificuldades encontradas na sociedade. Nessa convivncia com o

    diferente ocorre a modificao significativa do sujeito passivo para o cidado ativo.

    Essa necessidade do aluno de buscar uma transformao, tambm trouxeram

    dvidas, medos e inseguranas aos professores, quando em uma sala de EJA se

    deparam com jovens ou no estigmatizados de toda natureza. O professor se sente

    despreparado com pouco tempo para lidar com tantas mazelas sociais e se v

    diante de um pblico carente de conhecimento e cultura. Esses alunos buscam por

    meio do estudo, uma sociedade mais justa com oportunidades para atuar como

    sujeito do seu prprio destino e respeitado por cada uma de suas escolhas. A

    Educao de Jovens e Adultos conta com alunos de diferentes idades que convivem

    no mesmo espao.

    Sob essa perspectiva, devemos lembrar que os alunos da EJA so

    portadores de cultura, conhecimentos, pontos de vista, crenas e valores que,

    direta ou indiretamente iro interferir no processo educativo. Por isso, importante

    investigar o que j sabem quais as experincias de vida e trabalho, para s ento

    conceber situaes reais de aprendizagem (VVIO, s/d, p. 139).

    Com esse olhar, podemos perceber que no h necessidade de medo ou

    insegurana, mas de respeito leitura de mundo que o aluno da EJA traz, para que

    o conhecimento escolar agregue valores e posicionamentos significativos diante do

    que aprendeu. Reconhecer que esse aluno caracterizado pela heterogeneidade

  • 17

    de experincias, necessidades e motivaes fundamental para se traar um perfil

    singular que ser construdo a partir do contexto social em que se produz a

    aprendizagem desse pblico (MANSUTTI, s/d, p. 143).

    como afirma Gadotti:

    Nossa tarefa, nossa dignidade, nossa liberdade surgem quando, rompendo com o papel de expectador submisso, resignado, quando, abandonando o estatuto de objeto modelado pelos conformismos do momento, tomamos a deciso sempre inconfortvel de fazer face e de nos situar. (GADOTTI, 1989, p. 17).

    1.1 O palco da EJA e o ensino da Lngua Portuguesa

    O aluno da EJA filho de uma excluso social, econmica e poltica que,

    mesmo com toda tecnologia e avanos, ainda serve de massa de manobra

    discursiva para alguns sujeitos que se utilizam como afirma o dito popular, da lei de

    Gerson, para perpetuar o jogo de poder na sociedade. Quando esse aluno retorna

    escola depois de anos fora dela, motivado por expectativas profissionais, busca

    pessoal ou ainda para ser um bom exemplo aos filhos.

    Esse quadro fortalece a necessidade de afirmao da identidade do sujeito

    diante de seus pares e do resgate da auto-estima. Oportunizar a construo de uma

    expresso e independncia requer do professor de Lngua Portuguesa uma proposta

    pedaggica concreta que conduza a uma interao entre professor-aluno, priorize as

    necessidades do aluno e estabelea significado nesse retorno escola; o que

    qualificar a aprendizagem.

    [...], as tarefas da escola, centradas na transmisso e assimilao ativa dos conhecimentos, devem contribuir para objetivos de formao profissional, para a compreenso das realidades do mundo do trabalho; de formao poltica para que permita o exerccio ativo da cidadania; de formao cultural para adquirir uma viso de mundo compatvel com os interesses emancipatrios da classe trabalhadora (LIBNEO, 2013, p.251-252).

    O professor passa, ento, a lidar com situaes conflituosas. Por vezes,

    precisa legitimar um grupo em detrimento do outro, o que no fcil, j que, o aluno

    mais jovem percebe a aprendizagem mais atrelada aos conceitos de hoje e traz

    consigo as tecnologias como necessidade imediata, se desmotivando com as aulas,

    porque viu aquele contedo num tempo no muito distante. O aluno mais experiente,

    por sua vez, percebe a aprendizagem de forma diferente; suas concepes so de

  • 18

    um momento educacional em que o professor detinha o poder pelo discurso

    produzido diferenciando-se do aluno. O que aprendeu j no lembra mais. Nesse

    momento, cria-se o impasse o professor no sabe se atende ao mais novo ou

    retoma contedos antigos para que o mais experiente lembre o que aprendeu e, aos

    poucos, construa uma aprendizagem significativa.

    Por isso, importante conscientizar a comunidade escolar que a

    particularidade da disciplina Lngua Portuguesa cabe ao professor especialista, mas

    o ensino da lngua responsabilidade de todos. Na sala de aula comunicamos com

    nossos alunos nesse dialogo dirio criamos linguagens que, muitas vezes, so

    incompreensveis a outros sujeitos. Nessa incompreenso, criamos uma

    cumplicidade que dia-a-dia se transforma em interao entre o conhecimento

    popular e o cientfico (REZENDE, 2008, p. 71) - um aprendizado mtuo.

    O ensino da interpretao e produo textual cabe a todos independente da

    disciplina. Isso tem provocado certa alienao, muita discrdia dentro da escola j

    que a legislao determina que o ensino para todos e na Educao de Jovens e

    Adultos no pode ser diferente.

    A concepo de ensino, presente at hoje, nos levava a crer que o outro nada

    saiba a respeito do contedo a ser ministrado. Porm, hoje existe um conflito muito

    grande entre os professores no que diz respeito ao ensino da lngua escrita, pois os

    saberes so construdos conjuntamente, uma vez que, na interao professor e

    aluno ocorre a construo do conhecimento.

    Na aula de Lngua Portuguesa (como em todas as outras), o aluno passa a

    perceber que possui um conhecimento de mundo que contextualizado ser

    transformado num olhar mais crtico possibilitando uma interveno real no meio em

    que vive utilizando a linguagem. Os conflitos entre o conhecimento popular e o

    conhecimento lingustico surgem ento, como uma barreira para o aluno da EJA que

    sente dificuldade em materializar no texto o saber sobre qualquer assunto. Muitas

    vezes, no se sente capaz de romper com as prprias concepes e posicionar-se

    diante de uma problemtica.

    Com relao a isso, podemos destacar a relevncia de um trabalho que

    proporcione situaes diversificadas e reais de aprendizagem utilizando sequncias

  • 19

    didticas e troca de experincias que atendam a heterogeneidade e dinmica do

    pblico da EJA. Evidentemente que, para que haja essa troca, fundamental o

    vinculo entre professor-aluno e aluno-aluno. A base ser ento, a confiana, o

    respeito e o reconhecimento, por parte do aluno de que o professor tem um objetivo,

    um foco que envolva os sujeitos participantes do processo mais global pelo qual os

    membros da sociedade so preparados para a vida social (LIBNEO, 2013, p. 159).

    Para alcanar os objetivos, so necessrios vrios passos, de modo que a ao docente obedea a uma sequncia lgica. No se quer dizer que, na prtica, os passos no possam ser invertidos. A ocorrncia dessa possibilidade uma coisa positiva, embora indique [...] que fizemos uma previso dos passos (LIBNEO, 2013, p.248).

    Quando essas barreiras so detectadas, preciso planejar uma ao

    pedaggica que respeite os saberes dos alunos da EJA ao mesmo tempo, provocar

    uma inquietao para investigar e buscar novos conhecimentos escolares. A

    competncia escritora ser significativa quanto mais relaes o aluno estabelecer

    entre o que ele j sabe e o que aprendeu (VVIO, s/d, p. 141). O papel dentro

    dessas concepes atuais do professor de Lngua Portuguesa de mediador para

    criar oportunidades em que os alunos compartilhem suas experincias e em que

    favoream a construo de vnculos que sero enriquecedores para todos.

    Zabala (apud REZENDE 2008) demonstra preocupao com esse

    planejamento ao afirmar que precisamos nos preocupar em estabelecer metas e

    relaes que fomentem a capacidade e o esforo pessoal de cada aluno. Ensinar

    Lngua Portuguesa para alunos da EJA mais do que transmitir conhecimento,

    assumir uma postura poltica que seja capaz de transformar o meio educativo, como

    afirma Freire (2002), ou seja, pensar certo e ensinar certo no tendo a verdade

    pessoal como nica. com essa postura que o professor de Lngua Portuguesa

    ser diferente dos demais e far a diferena na aprendizagem, pois sabemos que

    pelo domnio da linguagem que o aluno da EJA deixar de ser marginalizado nas

    relaes sociais.

  • 20

    Quando vivemos a autenticidade exigida pela prtica de ensinar-aprender participamos de uma experincia total, diretiva, poltica, ideolgica, esttica e tica, em que a boniteza deve achar-se de mos dadas com a decncia e seriedade. (FREIRE, 2002, p. 26).

    Transformar as aulas em um momento de reflexo, de pensamento no

    tarefa fcil. Esses alunos esto habituados hierarquizao e a um papel de

    subservincia social, profissional, por vezes, educacional. So condicionados a

    atividades escolares em que a cpia ou atividades prontas de repetio so

    situaes corriqueiras. O aluno da EJA tem o direito de saber o que vai aprender e

    por que ser importante para se alcanar determinado objetivo. Isso nos leva a

    outro ponto que no deve ser esquecido, o da formulao dos objetivos que devem

    ser claros atendendo aos interesses dos alunos e por eles compreendidos

    (MANSUTTI, s/d, p. 145).

    na aula de Lngua Portuguesa que esse aluno aprender a dominar a lngua

    escrita, criar a identidade da sua expresso, refletir sobre seus prprios pontos de

    vista para legitimar seu discurso e descobrir que pode controlar as informaes

    contidas no texto produzido por ele. Para que o trabalho seja significativo para o

    aluno da EJA, importante considerar a escrita que j conhece e encoraj-lo a se

    expor. Salientar as vrias possibilidades lingusticas para que perceba as diferenas

    e distncias entre o que fala e o modo como escreve. Esse o primeiro objetivo do

    ensino de Lngua Portuguesa. O segundo que aprenda a dominar com eficcia os

    recursos do sistema de representao escrita e o terceiro, que se torne autor do

    prprio texto (RAMAL, 1999, p.37, 39).

    Ensinar a lngua materna para os alunos da EJA no s um momento

    gratificante para o professor de Lngua Portuguesa, mas de troca que no se

    restringe ao contedo educacional implica lidar com valores, formas de respeitar e

    reconhecer os diferentes e os iguais (PEREIRA, et al., 2011, p.240).

    1.1.2 A competncia escritora no contexto da EJA

    A principal exigncia educacional, seja do ensino regular seja da EJA, a

    abordagem da lngua materna pelo ensino de gneros. Essas orientaes tm

    surgido como propostas tanto dos estudos acadmicos quanto das secretarias e

  • 21

    ministrio da educao. Hoje nas escolas estaduais, essa abordagem tem estado

    presente nos materiais que so utilizados, diariamente, para o ensino.

    Trabalhar nas escolas estaduais com gnero textual representa uma escolha

    correspondente s necessidades estabelecidas para cada srie/ano, a saber: conto

    nos sextos anos do Ensino Fundamental das Sries Finais, narrativa de aventura no

    stimo ano, notcia no oitavo ano e artigo de opinio no Ensino Mdio Regular,

    conforme legislao vigente da Avaliao de Aprendizagem em Processo (AAP) e

    Sistema de Avaliao do Rendimento Escolar de So Paulo (SARESP).

    A modalidade EJA no faz parte desse quadro que direciona o trabalho do

    professor de Lngua Portuguesa para o desenvolvimento das habilidades e

    competncias por meio dos gneros. Por isso, no existe a preocupao com o

    ensino mais direcionado sobre o ato comunicativo, as funes sociais envolvidas,

    menos ainda uma reflexo sobre a construo de sentidos no texto.

    O problema discursivo do aluno no somente da escola, mas social. A

    preocupao com o desenvolvimento da competncia escritora aflige os

    educadores, em especial, de Lngua Portuguesa que se encontra com a

    responsabilidade de somente ele ensinar a especificidade da disciplina em sua

    amplitude e fazer com que o aluno seja numa concepo errnea 100% letrado. O

    que muitos educadores no reconhecem que o conhecimento e as informaes

    deixaram de ter unicamente como fonte a escola e passaram a ser compartilhados

    em outras esferas que muitas vezes so mais atraentes. No contexto da EJA

    adquirir essa competncia escritora primordial conforme afirma Philippi (s/d):

    [...] aprender a viver na mudana, administrar a incerteza, pensar em sistemas, experimentar, desenvolver-se com autonomia, trabalhar em bases colaborativas, usar seus prprios critrios em decises, a desenvolver e aplicar seus valores. Eles esto imersos em mundos de cdigos de intercmbio de informaes que diferem substancialmente dos da gerao anterior (PHILIPPI, s/d, p.163).

    Essas preocupaes se acentuaram dentro da escola, surgiu ento o

    Currculo do Estado de So Paulo, com um olhar mais expressivo para o

    desenvolvimento dessa competncia escritora do aluno e apropriao da linguagem

  • 22

    escrita em diferentes situaes. sugerido, no documento, que se trabalhe em sala

    de aula os gneros de forma interdisciplinar, independente da modalidade de ensino.

    [...] o saber usar a lngua em situaes subjetivas ou objetivas que exijam graus de distanciamento e de reflexo sobre contextos e estatuto de interlocutores, ou seja, a competncia comunicativa vista pelo prisma da referncia do valor social, no mbito dos inmeros discursos concorrentes. [...]. (Currculo do Estado de So Paulo, 2010, p.15).

    Para que seja realizada uma leitura do texto produzido pelo aluno da EJA

    precisamos, antes de tudo, valoriz-lo fazendo-o refletir a prpria realidade como

    sujeito histrico/social. Essa ou deveria ser outra preocupao dos professores de

    Lngua Portuguesa: a clareza, seguida de apontamentos pertinentes que promovam

    aes de autorreflexo a respeito do que escreveu.

    Isso dinamizar a expresso e favorecer a interao entre os participantes do

    processo, no porque haja algum desvio da norma culta padro, mas por ter

    proporcionado ao aluno a oportunidade de reformular suas prprias ideias e

    replanejar seu discurso. A partir dos recursos lingusticos utilizados e da estrutura

    que aparecero no texto, essas aes tornam-se significativas, tanto para o

    professor de Lngua Portuguesa, quanto para o aluno porque o conhecimento

    anterior no foi desprezado, mas assimilado e modificado.

    Nesse contexto, o aluno da EJA iniciar um processo de maturidade

    lingustico-discursiva que significar novas possibilidades na leitura de mundo que

    constantemente se transforma, conforme as nossas prprias prticas sociais, fato

    que, para a produo do artigo de opinio fundamental. Nesse caso, no

    interessante o ensino da gramtica, com fim em si mesmo, maior valor est na

    elaborao de estratgias argumentativas construdas para a manuteno do tema e

    defesa do ponto de vista.

    Trabalhar em sala de aula com o gnero artigo de opinio possibilita ao aluno

    da EJA uma autonomia no s lingustica, mas uma apropriao significativa do

    como produzir textos argumentativos. Assim, ser capaz perceber que cada situao

    de comunicao criada no meio social, de acordo com o contexto, inteno e crena

    despertaro no leitor julgamentos e valores diversos. essa relao entre leitor e

    autor que propiciar a adeso do ponto de vista defendido ou no. Essa incerteza

  • 23

    caracteriza o gnero artigo de opinio e poder causar o que Amossy (2006, p. 15)

    chama de confuses entre a inteno argumentativa que o processo

    desencadeado pelo sujeito ao produzir um texto, sendo movido por uma inteno

    especfica que convencer o leitor a adotar aquela opinio como certa. Por isso,

    comum observarmos inmeras estratgias para o convencimento: detalhamentos,

    emotividade, acusaes, stiras e ironia no contexto lingustico do artigo de opinio

    e a dimenso argumentativa que determinada pela natureza da linguagem,

    presente em cada um dos gneros, pois cada um deles com suas funes

    especficas tendem a agir sobre o outro. Essa relao entre leitor e autor pressupe

    uma responsabilidade e credibilidade discursiva que ir resultar numa modificao

    da viso do leitor e possvel convencimento. Refere-se, tambm, a escolha do tema

    e como ser apresentado ao leitor.

    Esses dois processos se no ficarem bem claros podero confundir o aluno e,

    com isso, prejudicar sua tese. Um direcionamento mais pontual quanto

    funcionalidade da inteno e da dimenso argumentativa proporcionaro ao aluno

    um melhor entendimento da existncia de papis, que precisam ser respeitados

    durante o processo para que cada qual cumpra sua funo enunciador/co-

    enunciador (MARCUSCHI, 2008, p.53).

    Portanto, saber articular as palavras uma situao que exige de quem

    escreve inmeras escolhas lexicais, gramaticais e ortogrficas que, nas aulas de

    Lngua Portuguesa, podero ser discutidas e refletidas em novas prticas

    lingusticas/discursivas. Esses recursos podem facilitar a construo do ethos4

    discursivo do aluno que conforme, a organizao e estruturao textual podero

    torn-lo fiador dele mesmo no ato comunicativo. Sob essa perspectiva, o ethos

    construir para o leitor, uma imagem positiva e colaborativa de escritor (KOCH et

    al., 2010, p.37).

    O aluno da EJA saber que no basta ter somente informaes no texto,

    preciso realizar os encadeamentos argumentativos dentro da estrutura lingustica,

    4 O discurso se distingue no somente por seus contedos, mas tambm por seu ethos: sua oposio no

    uma questo de ideias, se apoia em uma representao do corpo enunciante incorporada a sua enunciao. (AMOSSY, 2011, p. 78).

  • 24

    para produzir um bom artigo de opinio. S assim, seu texto com maior ou menor

    grau de argumentatividade, ir ou no influenciar o leitor (CABRAL, 2010, p.15-16).

    Podemos considerar que as produes escritas so representaes

    relativamente estveis de estruturao, que chamamos de gnero. No caso, o

    termo artigo de opinio foi incorporado pela educao, como sendo, essencial para

    que o aluno interaja e participe ativamente dos assuntos de maior polmica da

    sociedade (KOCH et al., 2010, p.55).

    Precisamos lembrar que os alunos no so especialistas ou autoridades ao

    produzir um artigo de opinio, mas procuram apresentar os porqus de determinado

    assunto e justific-los para defender seu ponto de vista. Assim, necessrio que

    haja um planejamento e reflexo sobre a utilizao dos operadores argumentativos

    para a manuteno da temtica, estabelecer uma relao de causa/ consequncia,

    antecipao de possveis contra-argumentos e interlocuo com o leitor. Essa

    estruturao geral ir garantir a coeso e coerncia to importante para a

    produo do gnero artigo de opinio no contexto escolar (CITELLI, 2012, p.170).

    Martins (2012, p. 38) afirma que a forma como o sujeito interage a partir de

    suas experincias como membro de um processo interlocutivo, ou seja, como os

    recursos fonolgico, morfolgico, sinttico, lexical, semntico e discursivo

    expressaro seus posicionamentos e opinies para convencer o leitor a participar e

    inferir a proposio implcita do enunciador, que deve ser pertinente e engajado

    no ato de comunicativo que realiza. (MAINGUENEAU, 2011, p.33).

    Privilegiar o ensino do gnero artigo de opinio, no contexto escolar,

    conduzir o aluno da EJA para um melhor entendimento, do prprio papel social.

    Seu texto representar um olhar simples, mas autntico de toda experincia de vida

    para refletir os valores e ideais na construo da competncia escritora com uma

    responsabilidade sobre a prpria formao escolar e cultural.

  • 25

    CAPTULO II - O ARTIGO DE OPINIO NO CONTEXTO ESCOLAR

    O gnero artigo de opinio uma matria assinada ou coluna. Trata-se de

    texto jornalstico claro, com posicionamento do autor. Possui a funo de interao

    com o leitor de jornais e revistas impressas ou online. Suas caractersticas so

    bastante precisas: estruturalmente traz ttulo; tese; comprovao da tese;

    tematicamente o ttulo tende a ser polmico ou provocador, bem como, a

    arregimentao das ideias para comprovar a tese; linguisticamente os verbos se

    apresentam no presente de forma objetiva (3 pessoa) ou subjetiva (1 pessoa).

    Portanto, para escrever um artigo de opinio na concepo da palavra, o autor

    precisa ser um especialista no assunto, autoridade na rea ou ocupante de cargo

    em instituio de prestigio social. (GOLDSTEIN, et al., 2009, p.97).

    No contexto escolar, o gnero artigo de opinio precisa ser adaptado, pois as

    condies de produo e circulao (quando acontece) mudam; assim os temas se

    referem ao cotidiano, sua estruturao mais simplificada apresenta: um problema, a

    discusso a respeito desse problema e uma proposio. Essa transposio para o

    terreno didtico comporta um grande risco, promove um deslizamento do gnero,

    que sai das esferas especializadas propriamente dito, e adentra em sala de aula, de

    forma que, possa ser articulado, compreendido e assimilado pelo aluno, em outros

    contextos (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p.144).

    importante lembrar que os gneros so compostos por determinados tipos

    textuais o que facilita o reconhecimento da estrutura, uma vez que, os alunos podem

    reconhecer esses tipos de outros gneros. Podemos ento, agrupar os gneros

    conforme postula Travaglia (2007, p.56) no quadro abaixo:

  • 26

    Tipo Exemplos de gneros necessariamente compostos por um tipo em

    termo de dominncia.

    Dissertativo Tese, dissertao de mestrado, artigo acadmico-cientfico, editorial

    de jornal, monografia, conferncia, artigo de divulgao cientfica,

    etc.

    Injuntivo Mensagem religiosa-doutrinria, instrues, manuais de uso e/ou

    montagem de aparelhos e outros, etc...

    Narrativo Atas, notcias, peas de teatro, romances, novelas (literrias, de

    rdio e TV), contos, contos de fadas, aplogos, parbolas, mitos,

    lendas, anedotas, piadas, fofoca, caso, biografia, epopia, poema

    herico, poema burlesco, etc. Podem ser includos aqui os gneros

    em que h fuso com o tipo dramtico: comdia, tragdia, drama,

    farsa, etc...

    Preditivo Boletins meteorolgicos e astronmicos, profecias, programas, etc.

    Humorstico Piada, comdia, farsa, esquete humorstico, etc.

    Lrico [...] Soneto, madrigal, elegia, poemas buclicos, [...].

    Fonte: TRAVAGLIA, L. C. 2007. p.56.

    A distino entre os gneros pautada pelos aspectos lingusticos

    (gramtica) e pragmticos que evidenciam a adequao do discurso ao contexto

    comunicativo no havendo predomnio de um aspecto em detrimento de outro, mas

    possibilidades de correlao entre ambos para que a funo, a estrutura e o

    tratamento do tema consigam atingir o leitor de forma eficaz.

    Por estar num processo de letramento dos gneros escritos formais, o aluno

    da EJA sente enorme dificuldade com a estrutura do gnero artigo de opinio, no

    entende a importncia de suas escolhas lingusticas quando produz o texto, ou como

    essas estruturas podero ajud-lo a elaborar e planejar seu discurso e selecionar os

    melhores instrumentos de ao discursiva que a lngua lhe proporciona

    (CABRAL, 2010, p. 140).

  • 27

    Com isso, poder ocorrer o que Marquesi e Cabral (2008, p. 148) chamam de

    bloqueio produo de textos, porque a articulao entre os procedimentos de

    representao lingustica do contexto com os de organizao da cadeia textual no

    percebida. Isso poder levar ao uso inadequado dos recursos lingusticos, o aluno

    no conseguir contextualizar e reconhecer a representatividade do texto, a fim de

    construir interpretaes medida que este deve fazer sentido para os sujeitos

    inscritos em estratgias de interlocuo (MAINGUENEAU, 1997, p. 11-12).

    O ensino desse gnero no mbito escolar voltado para que o aluno adquira

    capacidade na expresso discursiva e culmine com uma reflexo crtica, uma

    posio mais segura e autnoma sobre o tema proposto. Com isso, ele dar sentido

    e expressividade ao processo discursivo e criar estratgias que instiguem tambm

    o leitor a assumir um posicionamento.

    Isso o que sugere os Parmetros Curriculares Nacionais quanto ao ensino

    de Lngua Portuguesa, j que sua proposta tem como incio e fim a linguagem

    (PCN, 1999, p.18), o estudo de cada gnero textual, suas especificidades e

    dinmicas. com esse foco que precisamos oferecer aos alunos da EJA uma

    aproximao real do gnero artigo de opinio e garantir uma aprendizagem que

    possa atender as exigncias sociais, como afirma Travaglia:

    [...] o ensino se justifica pelo objetivo de desenvolver a competncia comunicativa (falante, escritor/ouvinte, leitor), isto , a capacidade de empregar adequadamente a lngua nas diversas situaes de comunicao. (TRAVAGLIA, 2009, p.17).

    por meio desse ensino e emprego da lngua que o aluno ir construir um

    discurso mais dinmico a fim de transmitir suas ideias e interagir com o leitor. Por

    isso, precisamos ser criativos para torn-los hbeis escritores. Bazerman (apud

    BOFF et al., 2009, p.14) postula que, com flexibilidade comunicativa, os

    professores podero identificar os enunciados produzidos e escolhas

    argumentativas dos alunos para introduzi-los em novos territrios discursivos.

    O conhecimento argumentativo adquirido no contexto escolar proporcionar a

    construo e exposio do sujeito que, ao produzir o gnero artigo de opinio,

    apresentar suas caractersticas, pensamentos, ideias prvias, motivaes e

    experincias anteriores com uma nica finalidade, a do xito da aprendizagem.

  • 28

    Quando se fala em contexto, no se deve entender a situao fsica, emprico e imediato, mas a contextualizao em sentido amplo envolvendo desde as condies imediatas at a contextualizao cognitiva, enquadres sociais, culturais, histricos e todos os demais que possam entrar em questo num dado momento discursivo. (MARCUSCHI, 2008, p.87).

    Essa construo e exposio textual so interessantes quando, trabalhado de

    forma gradativa para explorar o artigo de opinio, levando em conta a escrita, a

    reescrita e a leitura em voz alta do prprio texto. Isso proporcionar a interao e o

    desenvolvimento da capacidade comunicativa global do sujeito (BOFF et al., 2009,

    p.10). O ensino do gnero artigo de opinio de extrema relevncia para fazer com

    que o aluno reflita sobre a lngua e a linguagem de maneira que, contribua para a

    aquisio ou ampliao da competncia escritora de gneros que so de estrutura

    argumentativa (PEREIRA et al., 2011, p.241).

    Quando o aluno entende essa estrutura e adquire a competncia textual do

    gnero artigo de opinio consegue legitimar a cena enunciativa (MAINGUENEAU,

    2011, p. 86), utiliza os argumentos necessrios para convencer o outro, com isso,

    ser avaliado, julgado e criticado, fato comum, na relao interpessoal e

    confirmao da posio do sujeito (KOCH, 2011, p. 17).

    2.1 Um mundo de opinies: tipologia argumentativa e texto de opinio

    A sociedade movida pela opinio, formaliz-la na escrita por meio de

    argumentos plausveis o desejo de todo sujeito que tardiamente retorna escola.

    Nesse sentido, a escola representa para o aluno da EJA o universo que formalizar

    sua recolocao social e reencontro com o saber.

    Por isso, importante que o aluno reconhea no gnero textual, sua funo

    sociocomunicativa que atuar de acordo com a esfera de circulao para atender e

    interagir conforme o contexto. Com uma infinidade de combinaes textuais os

    gneros cumprem sua funo nas diferentes situaes de comunicao que deve

    ser reconhecido pela forma como se apresenta, visando uma unidade coerente, ou

    seja, a materialidade do texto (SPARANO et al., 2012, p. 47-48).

    Pressupe-se que o estudo dos gneros textuais uma frtil rea

    interdisciplinar, com ateno para o funcionamento da lngua e para as atividades

  • 29

    culturais e sociais (MARCUSCHI, 2008, p.154-155). Nos gneros, sempre

    possvel encontrar estruturas lingusticas que se organizam em frequncia e

    presena mensurvel. So os modos de organizao que formam o texto em

    sequncias tipolgicas. Sobre isso, Marcuschi afirma que no h uma dicotomia

    entre gnero e tipo, na verdade se complementam.

    A expresso tipo textual apontada por Marcuschi (2008, p. 154) como, uma

    espcie de construo definida pela natureza lingustica de sua composio

    aspectos lexicais, sintticos, tempos verbais, relaes lgicas. Quanto aos gneros

    so todos aqueles que, encontramos no dia-a-dia, com designaes diversas, sua

    funo e relevncia social esto diretamente ligada atividade comunicativa do

    sujeito.

    As sequncias textuais esto presentes dentro do texto, com inmeras

    possibilidades de combinaes para atender as especificidades de cada interao

    verbal, o gnero predominante estar repleto de outros tipos de sequncias que

    iro se adequar at que se obtenha um texto do gnero desejado para, caracterizar

    a inteno de quem escreve (SPARANO et al., 2012, p. 73-76).

    Temos como sequncias ou tipos textuais: a narrao, a argumentao, a

    exposio, a descrio e a injuno. Estudar as sequncias textuais nos gneros

    importante para mostrar ao aluno, a heterogeneidade tipolgica, ou seja, quando

    um gnero apresenta ao mesmo tempo vrios tipos que esto presentes no texto

    estruturando-o.

    A heterogeneidade tipolgica do gnero diz respeito ao fato de um gnero realizar sequncias de vrios tipos textuais (por exemplo, uma carta pessoal, pode conter uma narrativa, uma argumentao e uma descrio, entre outras). (MARCUSCHI, 2008, p. 166).

    Podemos ento, agrupar os gneros dentro da sequncia textual conforme

    apontam Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) (apud Marcuschi, 2008) no quadro

    abaixo:

  • 30

    Aspecto Tipolgico Domnio social de comunicao

    Capacidade de Linguagem dominante

    Exemplos de Gneros

    Cultura Literria ficcional NARRAR Conto maravilhoso Fbula Narrativa de aventura Narrativa de enigma Narrativa de fico cientfica Conto parodiado

    Documentao e memorizao de aes humanas

    RELATAR Relato de experincia Currculum Vitae Noticia Reportagem Crnica esportiva Ensaio bibliogrfico

    Discusso de problemas sociais controversos

    ARGUMENTAR Texto de opinio Dialogo argumentativo Carta do leitor Carta de reclamao Discurso de defesa Discurso de acusao

    Transmisso e construo de saberes

    EXPOR Seminrio Conferncia Artigo Entrevista

    Instrues e prescries DESCREVER Receita Regulamento Instrues

    Fonte: Luiz Antnio Marcuschi (2008, p.220).

    O gnero artigo de opinio tem como predominncia a tipologia

    argumentativa, isso significa que a sua construo lingustica estabelece uma

    interao entre seus elementos, podendo apresentar o relato e a exposio para

    melhor estruturar a tese defendida.

    Quando o aluno entender que outras sequncias textuais como: exposio e

    descrio podem surgir, no gnero textual artigo de opinio conseguir dentro de um

    contexto de produo comunicar sua inteno. Sparano et al. (2012, p. 77) afirmam

    que as sequncias textuais do um maior dinamismo ao texto, o que permitir a

    construo de sentido necessria para que haja a interao com o leitor, apontam

    para as diversas possibilidades de percepo e compreenso para se atingir a

    competncia comunicativa.

    Por isso, importante o aluno organizar ou reformular as ideias para,

    desenvolver a melhor estratgia e oferecer ao seu leitor os subsdios suficientes

    para compreender o que diz e qual a intencionalidade implcita em seu texto. Sua

  • 31

    inteno como locutor criar, pressupostos, no jogo de imagens recprocas que

    fazem os interlocutores um do outro, caracterizar uma diversidade lingustica,

    com representaes de si e do mundo que, se tornaro incontestveis ao

    argumento que se deseja construir (KOCH, 2011, p.30).

    As relaes discursivas ou pragmticas so, pois, aquelas de carter eminentemente subjetivo, j que dependem das intenes, dos efeitos ao produzir o discurso. No interior de cada discurso criam-se para os interlocutores obrigaes que, por meio delas se altera a situao dos participantes algo que no era, passa a ser (KOCH, 2011, p.31).

    No gnero artigo de opinio aparecer a sequncia textual expositiva j que o

    sujeito ir expor ao outro seu ponto de vista, argumentativa, pois dever encadear

    suas ideias para provar esse ponto de vista; narrativa porque pode concatenar essas

    ideias em sequncia temporal e at injuntiva quando questiona para estabelecer

    uma relao de cumplicidade com o leitor.

    Surgiro, muito provavelmente, os recursos argumentativos como as

    comparaes, exemplificaes, dados e at depoimentos. Tudo isso, numa estrutura

    contextualizada para explicar a questo, sustentar a posio, antecipar possveis

    posies contrrias e refut-las, retomar os argumentos e propor soluo para a

    questo.

    Na produo textual bem articulada, o aluno da EJA reconhecer as esferas

    de circulao do texto opinativo. preciso que haja um problema passvel de

    discusso, que sua proposta de soluo reflita sobre o assunto e permita a interao

    entre o discurso e os sujeitos envolvidos. Um dos objetivos da atividade com o artigo

    de opinio deve considerar que o significado de aprender a se expressar

    linguisticamente, de forma estruturada no texto, para o aluno da EJA, vai alm dos

    muros da escola, ir impulsion-lo para novas descobertas num mundo at ento,

    obscuro e distante de sua realidade.

    2.2 Questes de macro e micro: a organizao do texto

    Para que o texto cumpra sua finalidade comunicacional, precisa estar

    organizado de forma que o leitor reconhea de imediato o gnero ao qual pertence.

    Para que essa organizao seja eficiente, devemos ter o que chamamos de plano

  • 32

    do texto ou o plano composicional do texto. Esse permitir, ao seu produtor,

    materializar suas intenes e de forma estruturada distribu-las no texto.

    No caso do gnero artigo de opinio podemos dizer que sua funo no

    somente de transmitir uma informao, mas de tomar a linguagem com o intuito de

    fazer com que o outro creia ou faa o que o que se prope. Essa relao propicia

    uma interao entre o autor e o leitor na busca de um dilogo que direcione a

    interpretao. O autor utilizar como manobras lingusticas intencionais os

    conectores, operadores, modalizadores, as desinncias verbais e os pronomes de 1

    pessoa para compor a sua estratgia discursiva da tese.

    Para tanto, precisamos traar um plano que ir se dividir em: tese que a

    ideia defendida favorvel ou no ao problema, a estratgia que o porqu do autor

    defender aquela ideia e esse vai trazer os recursos lingusticos verbais e no verbais

    para envolver, impressionar e convencer o leitor, dando credibilidade voz do autor

    e a clareza com que esse mesmo autor ir expor seu ponto de vista, o que ser

    imprescindvel para o convencimento do leitor.

    O texto refletir o conhecimento de mundo e a percepo da realidade de

    quem o produz. Entendemos como conhecimento de mundo ou enciclopdico, tudo

    o que est armazenado na memria do sujeito e colabora na elaborao de

    hipteses a respeito do que se l. Nesse sentido, observamos a extrema importncia

    da macroestrutura e da microestrutura textual que se referem coerncia e a

    coeso objetos de preocupaes constantes no processo ensino-aprendizagem.

    A coerncia ou macroestrutura a atividade que direciona e estabelece a

    construo de sentido textual, garante progresso temtica, sua relao com os

    fatos e argumentos para orientar o interlocutor quanto compreenso e aceitao

    do texto. Quem produz um texto, constri de forma consciente ou no, uma relao

    de sentido que chame a ateno do leitor para as possibilidades comunicativas.

    Koch (2003) afirma que, a coerncia faz:

    [...] com que o texto faa sentido para os usurios, devendo ser entendida como um princpio de interpretabilidade, ligada inteligibilidade do texto numa situao de comunicao e a capacidade que o receptor tem para calcular o sentido deste texto. [...] (KOCH, 2003, p.21).

  • 33

    A macroestrutura corresponde sequncia enunciativa que nos permite ter

    uma viso global do que lemos. Permite tambm fazer uma reconstruo

    semntica do texto. J a microestrutura diz respeito, s escolhas lingusticas do

    produtor para estabelecer relao e ampliar o sentido do texto (SPARANO et al.,

    p.80).

    A coeso ou microestrutura textual diz respeito aos sinais de articulao e

    operadores discursivos, por meio dela que obtemos a coerncia para que o texto

    no se torne repetitivo permite estabelecer, entre os elementos lingusticos do texto,

    relao de sentido (KOCH, 2006, p.17).

    Podemos classificar os mecanismos coesivos como: referncia (pessoal,

    comparativa ou demonstrativa), substituio (nominal, verbal ou frasal), elipse

    (nominal, verbal ou frasal), conjuno (aditiva, adversativa etc) e lxico (repetio,

    sinonmia, colocao etc). Assim como na fala, a escrita se desenvolve por meio de

    referncias que retomamos no discurso. uma estratgia de construo textual que

    serve de base introdutria para outros referentes, tambm chamada de

    referenciao. (MARCUSCHI, 2008, p.108).

    Dentro desse universo dos referentes, temos ativaes ancoradas e no-

    ancoradas que dizem respeito respectivamente, a quando o escritor introduz no

    texto um objeto de discurso totalmente novo, dizemos que produziu uma introduo

    no-ancorada (KOCH, 2010, p.134). Temos a ativao ancorada, quando

    produzimos um novo discurso.

    Os referentes merecem ateno no ensino de Lngua Portuguesa j que

    podem direcionar o leitor para a construo de sentido desejado, quando

    orientamos os alunos a utilizar as expresses nominais como recursos na

    produo de textos argumentativos (KOCH, 2010, p.154-155).

    Temos ainda, as formas remissivas no referenciais que no possuem um

    referencial, mas estabelecem uma relao de identidade referencial. Podemos

    encontr-las nos artigos e pronomes. J as referenciais so os elementos

    lingusticos que estabelecem referncia com o elemento remetido, so os

    sinnimos ou grupos nominais definidos etc (MARCUSCHI, 2008, p. 109).

  • 34

    Para que um texto seja produzido coerentemente, preciso que os

    enunciados sejam relevantes para a manuteno do tema e uma das formas de se

    garantir isso manter o mesmo campo semntico e lexical, ou seja, que faam

    parte de um mesmo conjunto de conhecimentos de mundo que temos representados

    na memria. Isso far com que o leitor se identifique imediatamente com o texto

    (KOCH, 2010, p.176-177).

    2.3 Sequncia Didtica ou Sequncia de Atividade: a busca pela competncia escritora

    O termo sequncia didtica5, doravante chamada de SD, surgiu na Frana,

    em meados dos anos 80, com o intuito de promover um ensino

    descompartimentalizado, seus precursores Bronckart, Dolz e Schneuwly,

    pesquisadores da Universidade de Genebra (Sua) que tm como corrente terica o

    interacionismo scio-discursivo.

    No Brasil, o termo comea a tomar fora nos meios educacionais nos anos 90

    e tomada como referncia pelos PCN (Parmetros Curriculares Nacionais) em 1992,

    foi amplamente difundido, mas pouco discutido e estudado pelos professores

    brasileiros. Tem como fundamento o amplo ensino de capacidades de linguagem e

    utiliza os gneros do discurso como objeto.

    Schneuwly (2004) retoma a importncia do conceito dos gneros primrios

    que trata da comunicao verbal como sendo, a primeira troca espontnea do

    sujeito e gneros secundrios que se constroem a partir da complexidade dos

    instrumentos lingusticos e escolhas discursivas na reconstruo de sentido oral

    ou escritas. (SCHNEUWLY, 2004, p. 31).

    Aponta ainda para, o trabalho conjunto entre oralidade e escrita num jogo que

    se articula na escola e como uma sequncia de mdulos de ensino, organizados

    conjuntamente para melhorar uma determinada linguagem que se chamar

    Sequncia Didtica, um instrumento que pode ser de extrema valia para a

    apropriao da prtica de linguagem do aluno, historicamente, construda. Essa

    5cf. - http://www.institutoalgar.org.br , 2009 acesso em 01/02/2014 s 18:00

    http://.institutoalgar.org.br/.../videoconferencia
  • 35

    Esquema de

    Sequncia

    didtica

    Apresentao

    da situao

    Produo inicial Mdulo 1 Produo final Mdulo 3

    ou mais

    Mdulo 2

    estratgia de ensino so os instrumentos comunicacionais mais complexos que,

    os alunos ainda no se apropriaram (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 43-45).

    De acordo com os genebrinos, a Sequncia Didtica permite que o ensino da

    escrita seja um procedimento de constantes aes avaliativas e como proposta se

    inscreve no ambiente escolar por proporcionar ao aluno mltiplas situaes de

    escrita e comunicaes diversas, o direcionamento preciso de como fazer,

    conduzem o aluno para um planejamento das aes (DOLZ; NOVERRAZ;

    SCHNEUWLY, 2004, p.82).

    Em sala de aula, a SD pode ter como foco o entendimento sobre o gnero

    artigo de opinio, sua organizao, forma e como atingir o interlocutor, apontando ao

    aluno como funciona o lxico que se volta para o tema. Assim como, os operadores

    argumentativos como: as conjunes, as expresses modalizadoras, etc. que dizem

    respeito s questes lingusticas da macroestrutura e depois a ortografia, a

    concordncia e a regncia que so os operadores de refinamento do texto. A

    gramtica , ento, apresentada num contexto e o professor de Lngua Portuguesa

    atua como articulador nessa cenografia educacional.

    A possibilidade de aproximao da realidade do aluno gera a significao

    necessria para o aprendizado, os objetivos so claros e as aes planejadas

    antecipadamente, sucessivamente transpostas, o desafio que precisa ser vencido.

    O procedimento sugerido por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) dividido

    em 4 fases cujo objetivo maior favorecer o desenvolvimento pleno do aluno no que

    tange, a produo real do gnero e a apropriao lingustica/discursiva planejada e

    utilizada no mbito educacional/social. O esquema a seguir, proposto pelos

    genebrinos aponta para a estrutura de base da SD.

    Fonte:Dolz, Noverraz e Schneuwly. Gneros Orais e Escritos na Escola. 2004, p.83.

  • 36

    Esse esquema mostra passo a passo a Sequncia Didtica proposta, que tem

    como primeiro procedimento: a apresentao da situao o momento de

    definio da modalidade. Deve-se levar em conta o coletivo, o gnero a ser

    produzido e o contedo a ser trabalhado. Posteriormente, a primeira produo

    ou esboo do texto que poder ser coletivo ou individual de suma importncia j

    que, a primeira avaliao e reviso (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004,

    p.87).

    Teremos, ento, os mdulos que tratam justamente, da soluo dos

    problemas que surgiram no momento da primeira produo, so vrias e mltiplas

    atividades que serviro de instrumentos para o aprofundamento do gnero. Na

    produo final, o aluno ter adquirido a competncia escritora, necessria para

    produzir o gnero proposto na sequncia.

    Essas etapas especficas trabalham com a oralidade e a escrita e no

    privilegiam uma modalidade ou outra j que na articulao das duas que o aluno

    ir produzir o gnero e adquirir o domnio lingustico (DOLZ; NOVERRAZ;

    SCHNEUWLY, 2004, p.90).

    O esquema a seguir do Programa Algar Educar6 com adaptaes, foi pautado

    na proposta dos genebrinos:

    Professor/ (organizao) Professor/ planejamento e execuo

    Aluno

    Traar um mapa de relevncia dos contedos a serem trabalhados verificando a adequao para se obter um panorama dos saberes j adquiridos dos alunos.

    Selecionar antecipadamente a sequncia textual de acordo com as habilidades que devem ser desenvolvidas e o gnero pretendido.

    Compreender a relevncia social do gnero selecionado.

    Oportunizar o encadeamento das ideias fundamentais para o bom entendimento e funcionamento da linguagem por meio da produo de texto e seu suporte, caracterizando o

    Definir as condies de circulao do gnero, planejar as atividades para que se obtenha o melhor conhecimento do gnero. Observar a capacidade de linguagem e as habilidades que devem ser

    Estudar/pesquisar as diferenciaes e suportes para um mesmo gnero.

    6 cf. - http://www.institutoalgar.org.br- adaptado

    http://.institutoalgar.org.br/.../videoconferencia
  • 37

    gnero. desenvolvidas por meio do gnero.

    Elencar os objetivos de cada uma das etapas da sequncia.

    Selecionar/ ordenar as atividades de acordo com a relevncia obtendo uma sequncia que possibilite a compreenso de cada etapa da produo de texto.

    Apresentar sugestes ao grupo para que os objetivos sejam atingidos amplamente.

    Refletir as possibilidades de acordo didtico com os alunos para a realizao das etapas. Reflexo e reviso

    Levantamento do acordo didtico para a realizao da SD com os alunos.

    Levantamento do conhecimento lingustico/discursivo do aluno.

    Explicitao da aprendizagem em cada etapa.

    Respeitar o acordo e realizar as etapas de modo que sejam observadas as fragilidades da SD no decorrer de seu desenvolvimento. Com sugestes de mudana

    Observar a dinamicidade das atividades de acordo com a situao de comunicao a ser desenvolvida.

    Oferecer diferentes formas de aprendizagem com atividades diferenciadas elencando o mesmo gnero.

    Apontar os diferentes caminhos percorridos para as atividades sugeridas.

    Avaliao institucional (professor de Lngua Portuguesa) de toda sequncia desenvolvida.

    Reflexo na ao.

    Perceber que avaliao um processo contnuo e dirio de ambas as partes. Refletir a prpria prtica.

    Participar refletindo o prprio para que todos tenham conscincia do que deu certo e o que pode ser melhorado

    O quadro demonstra o quanto importante organizao e planejamento,

    para elaborao e aplicabilidade de uma sequncia didtica. A reflexo constante

    sobre o levantamento do conhecimento prvio do aluno, a seleo/ordenao de

    atividades diferenciadas para instigar o aluno a se envolver e avaliao individual e

    coletiva sobre cada uma das etapas da Sequncia Didtica.

    Utilizar a Sequncia Didtica para ensinar o gnero de inteno

    argumentativa possibilita ao professor de Lngua Portuguesa, mostrar passo a passo

    a estrutura e organizao textual, por exemplo, a macroestrutura cada vez que, o

    texto for reconstrudo, a microestrutura para estabelecer a relao de sentido no

    texto produzido. Afirmam os genebrinos que:

    [...] o trabalho centrado, por exemplo, nas marcas de organizao caractersticas de um gnero, nas unidades que permitem designar uma mesma realidade ao longo de um texto, nos elementos de responsabilidade enunciativa e de modalizao dos enunciados, no emprego de tempos verbais, na maneira como so utilizados e inseridos os discursos indiretos (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p.96).

  • 38

    A Sequncia Didtica em sala de aula sugere um trabalho com outros

    elementos e etapas conforme a dificuldade apresentada pelos alunos. A proposta

    trabalha com a oralidade e a escrita de maneira integrada permitindo uma

    conscientizao do processo de produo e domnio da lngua. (MARCUSCHI,

    2008, p.216).

    Podemos apontar o trabalho sugerido por Bronckart mencionado por

    Marcuschi (2008, p.221-223) quanto ao ensino dos gneros por meio da Sequncia

    Didtica que dividida em quatro momentos distintos:

    a) escolha, adaptao, analise e contexto de uso do gnero escolhido;

    b) atividade discursiva, estrutura comunicativa, relao dos sujeitos;

    c) sequncias textuais e sua composio ordenada, sequenciada e

    organizada;

    d) domnio dos mecanismos lingusticos, ou seja, sintaxe, morfologia, lxico e

    estilo.

    Percebemos que no trabalhamos todos os elementos de um gnero numa

    mesma Sequncia Didtica e essa proposta no estanque estabelece graus de

    dificuldades crescentes nos gneros para, assegurar uma aprendizagem eficaz

    (MARCUSCHI, 2008, p.220).

    Podemos considerar que o trabalho com Sequncia Didtica em sala de aula

    contribui e muito no desenvolvimento da competncia escritora do aluno da EJA e

    proporciona ao professor de Lngua Portuguesa uma experincia de ensino pautada

    no gnero artigo de opinio como prtica social que ir se realizar por meio da

    interao entre os sujeitos.

    A interveno pedaggica ser efetivada e consolidada especificamente por

    meio de atividades que devidamente planejadas podero desenvolvidas, visando o

    processo de aquisio da lngua, a estrutura textual, os marcadores discursivos que

    comumente aparecem nos textos opinativos.

  • 39

    Evidentemente, para que a Sequncia Didtica d resultado favorvel

    necessrio que haja uma seleo atenta do texto, considerando o objetivo e as

    caractersticas dos alunos, qual o propsito comunicativo e como esse texto ir

    contribuir para que o aluno se posicione como autor e desenvolva um pensamento

    crtico que possibilite a compreenso, interpretao, avaliao e julgamento de uma

    dada situao de vivncia social.

    Portanto, trabalhar gneros de inteno argumentativa por meio da Sequncia

    Didtica proposta pelos genebrinos, poder conduzir o aluno da EJA ampliao do

    conhecimento, permitindo uma articulao consciente entre, o que aprendeu e os

    meios lingusticos prprios da comunicao (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY,

    2004, p.148).

    Dessa forma, trabalhar com Sequncia Didtica nas aulas de Lngua

    Portuguesa proporcionar ao professor uma melhor compreenso da prpria

    prtica/metodologia e, todo o contexto histrico social e lingustico que envolve os

    alunos da EJA. Para permear inicialmente essa trajetria, o professor de Lngua

    Portuguesa precisa ativar o conhecimento prvio desse pblico a respeito, do

    assunto a ser discutido para saber quais so seus anseios e necessidades

    discursivas mais urgentes. Posteriormente, o desafio ser planejar e realizar toda a

    Sequncia Didtica de forma, a envolver os alunos respeitando suas falas e

    histrias.

    Em uma primeira experincia podemos priorizar a diferenciao entre

    tipologia como sendo, formas relativamente estveis e gnero como, aquele que

    possui ilimitadas possibilidades de transmisso e acmulo de saberes escritos,

    dando forma ao pensamento do sujeito que interage com outro. Depois, como o

    gnero aprendido na escola pode sofrer modificao/deslize como acontece no caso

    do gnero artigo de opinio e texto opinativo que sempre uma variao do gnero

    de referncia, construda numa dinmica de ensino-aprendizagem (SCHNEUWLY;

    DOLZ, 2004, p.81)

    Outro momento importante apresentar ao aluno da EJA, a estrutura do texto

    opinativo, como contedo temtico se refere ao contexto, o tema ao assunto a ser

    tratado e como isso resultar numa marca enunciativa que so os recursos

  • 40

    lingusticos utilizados pelo aluno. Para ensinar o texto opinativo para o aluno da EJA,

    utilizando a Sequncia Didtica preciso antes de tudo, reconhecer o suporte

    metodolgico que ela oferece ao processo ensino aprendizagem provocando no

    aluno que escreve uma redao, um melhor entendimento da funo sujeito como

    autor que escreve um texto.

  • 41

    CAPTULO III - O DESAFIO DO DESCONHECIDO

    Depois de quatro anos como Professora Coordenadora do Ensino Mdio de

    uma escola estadual da zona sul da cidade de So Paulo, retornei para sala de aula

    na Escola Estadual Jos Batista Campos, no bairro de Caraguava municpio de

    Perube, litoral sul do Estado de So Paulo.

    No primeiro semestre de 2012, a escola considerada pequena, com apenas

    10 salas de aula no total, contava com apenas 116 alunos matriculados no perodo

    noturno, sendo 1, 2 e 3 termos do Ensino Mdio EJA. J no segundo semestre do

    mesmo ano, esse nmero diminuiu para apenas 60 alunos sendo, 2 e 3 termos do

    Ensino Mdio EJA7.

    Sendo a primeira da escala na disciplina de Lngua Portuguesa a escolher, na

    atribuio de aulas, optei por ministrar aulas no perodo da tarde das 13h s 18h

    para duas turmas sendo: uma do sexto ano a outra do stimo das Sries Finais do

    Ensino Fundamental e os trs termos da EJA do Ensino Mdio no perodo noturno

    das 19h s 23h.

    Finalizada a atribuio partimos para os dias de planejamento anual as sries

    finais do ensino fundamental e semestral para EJA, momento em que so traados

    os objetivos gerais da escola como: metas, anseios da equipe gestora quanto ao

    corpo docente, fragilidades quanto ao ensino aprendizagem dos alunos e assim

    como, em outras unidades escolares, tambm a questo com evaso escolar. No

    conhecia a comunidade, a no ser, pelas observaes que fazia ao chegar e sair ou

    pelas impresses dos outros professores que trabalhavam l h mais tempo. Seu

    entorno me lembrava, uma cidade do interior com pessoas simples, animais de

    pasto ou silvestres, mas com muitas tenses decorrentes das grandes cidades como

    droga e violncia domstica.

    Fui alertada a respeito da dificuldade de dilogo com a comunidade que os

    pais dos alunos menores pouco compareciam para saber da aprendizagem dos

    7 Conforme Censo Escolar 2013 da SEE.

  • 42

    filhos e quando chamados poderiam ser violentos, no aceitando interferncias dos

    professores e que, mesmo nas reunies de pais, essa interveno deveria ser

    cuidadosa. J os alunos da EJA eram mais tranquilos, mas mesmo assim, era

    necessrio cuidado com alunos que aparentavam muita serenidade. Porm, na

    comunidade poderiam ser atuantes no comrcio de drogas ilcitas que ocorria no

    porto da escola.

    No sabia exatamente o que iria encontrar, mas no me intimidei diante das

    observaes que ouvi e, mesmo diante da incerteza e do receio, decidi que aquele

    seria meu grande desafio. Assim como, j havia tido uma experincia parecida na

    zona Sul de So Paulo, l no seria diferente somente mais distante

    geograficamente. No me cabia julgar ou condenar como professora, precisava

    oferecer aos alunos metodologias diferenciadas que despertasse independente da

    idade ou segmento, o interesse pelas aulas de Lngua Portuguesa.

    Nos dias do planejamento, conforme orientao dos gestores, o que

    comumente ocorre nas escolas, entreguei meu planejamento anual dos dois

    segmentos em que ministraria as aulas, ou seja, dos sexto e stimo anos das Sries

    Finais do Ensino Fundamental que, na ntegra, atendia para a srie o Currculo do

    Estado de So Paulo e de cada um dos termos da EJA. Levei em conta, com

    adaptaes, os contedos de ensino padronizados pela Secretria Estadual de

    Ensino (SEE) do Estado de So Paulo que seguem os domnios do Ensino Mdio

    Regular, uma vez que, no so encontrados materiais especficos para o EJA ou um

    Currculo especfico.

    Embora, os gestores preconizassem a importncia do trabalho em equipe,

    decidi sozinha quais deveriam ser as prioridades em Lngua Portuguesa para tentar

    sanar as possveis dificuldades dos alunos que ainda no conhecia. Meu

    planejamento teve como principal foco, a busca por uma sequncia que

    desenvolvesse a escrita que muito dificultada, j que a repetio de atividades e

    exerccios ocorre o que desfavorece a progresso textual. Optei pela leitura e

    produo de texto constante com os alunos, deixei de lado o ensino gramatical

    descontextualizado. (MARQUESI; CABRAL, 2008, p. 149).

  • 43

    Preparei-me, emocionalmente, para enfrentar uma batalha a cada dia.

    Lembrava, constantemente, das recomendaes que havia recebido e da fragilidade

    social observada durante o dia. Como se no bastasse, precisaria me preocupar

    com a questo do tempo no horrio noturno, sairia da sala de aula s 23h em

    Caraguava e dispunha de apenas 10 minutos para embarcar no coletivo no centro

    de Perube para chegar ao Balnerio Jequitib, cidade de Itanham onde residia, ou

    seja, trabalharia em uma cidade e chegaria em minha casa na madrugada do dia

    seguinte.

    3.1 O encontro com o novo: a realidade dos sujeitos

    Iniciei o ano letivo, numa segunda feira no perodo noturno. Planejei uma

    semana para apresentaes e conversas com os alunos a respeito do tempo que

    ficaram fora da escola, s razes que os levaram a abandonar os estudos e o que

    os havia motivado a retornar, ao final da ltima aula da primeira semana apresentei

    meus objetivos para os dois bimestres em que trabalharamos juntos.

    Nas turmas do 2 e 3 termos, alm das perguntas rotineiras, fui questionada

    a respeito da minha formao; o que no comum: falei que estava iniciando o

    Mestrado em Lingustica, na cidade de So Paulo. Eles queriam saber mais e

    ficaram felizes se sentiram importantes e empolgados. Pois, segundo eles, nunca

    haviam tido uma professora com esse nvel de instruo.

    Uma aluna do 3 termo, que chamarei de Flor, quis saber qual livro eu estava

    lendo naquele momento para a Faculdade, mostrei os dois que havia levado comigo

    para ler no coletivo: Problemas da Potica de Dostoivski de Mikhail Bakhtin e Intertextualidade: dilogos possveis de Ingedore G. Villaa Koch. Achei graa quando Flor pontuou que nunca havia imaginado encontrar na sala de aula de uma

    escola do Estado, uma professora lendo (palavras dela) Dostoivski. Dei um leve

    sorriso e respondi que o Mestrado era um sonho distante, mas naquele momento eu

    estava me realizando profissionalmente e pessoalmente. Flor havia parado de

    estudar por conta da famlia e filhos, agora que estavam criados era o momento de

    retornar e ser Pedagoga.

  • 44

    Meus alunos eram na maioria donas de casa, pedreiros (ou como gostavam

    de ser chamados construtores), guarda noturno como o aluno, que chamarei

    Tristo do 3 termo, um senhor idoso com dificuldades para se expressar, oralmente.

    Seus colegas no tinham pacincia e riam quando falava ou contava alguma

    histria. Todos reconheciam que era um homem carente e sozinho, tinha voltado

    escola para ter companhia, havia parado de estudar muito cedo para trabalhar.

    Entre esses alunos, um me chamou a ateno, Soneca, que tinha esse

    apelido, pois fui informada que s dormia. Quando questionei o motivo,

    responderam-me que ele estava ali h 6 anos, sendo reprovado no 3 termo da EJA

    do Ensino Mdio por trs semestres, porque era o nico lugar onde poderia se

    alimentar. O fato que Soneca no faltava aula, andava muito para chegar

    escola, pois morava distante e embora fosse um homem de 25 a 30 anos de idade,

    ainda apanhava do pai.

    Um dia, preparei uma aula com o texto: Pivete e duas imagens, uma de

    Cndido Portinari e a outra de Kevin Carter, ambas retratando a fome e a misria

    para discutirmos a respeito da intertextualidade, as relaes entre textos e suas

    aproximaes. Aps a leitura compartilhada, comecei a perguntar sobre o que os

    trs textos tinham em comum.

    Vrios alunos se colocaram dizendo que mostravam a fome e a solido, mas

    quando coloquei a mo por sobre o ombro do Soneca e questionei baixinho o que

    ele havia entendido, todos se surpreenderam, pois ele levantou a cabea e falou:

    que os textos no falavam de comida, mas da fome por melhorias na condio de

    vida e e