o aprendizado da beleza: um estudo sobre a socialização do ... · ciclo de vida. finalmente, ......

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO FLÁVIA PIMENTA FRACALANZZA O APRENDIZADO DA BELEZA: um estudo sobre a socialização do jovem consumidor habilidoso de maquiagem Rio de Janeiro 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO

FLÁVIA PIMENTA FRACALANZZA

O APRENDIZADO DA BELEZA: um estudo sobre a socialização do jovem consumidor

habilidoso de maquiagem

Rio de Janeiro

2016

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FLÁVIA PIMENTA FRACALANZZA

O APRENDIZADO DA BELEZA: um estudo sobre a socialização do jovem consumidor

habilidoso de maquiagem

Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto

COPPEAD de Administração, da Universidade

Federal do Rio de Janeiro, como parte dos

requisitos necessários à obtenção do título de

Mestre em Administração.

ORIENTADOR: Roberta Dias Campos, D. Sc.

Rio de Janeiro

2016

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FLÁVIA PIMENTA FRACALANZZA

O APRENDIZADO DA BELEZA: um estudo sobre a socialização do jovem consumidor habilidoso de maquiagem

Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto COPPEAD de Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração.

Aprovada por:

_________________________________________________ Profª Roberta Dias Campos, D.Sc. (Orientadora)

COPPEAD/ UFRJ

_________________________________________________ Profª Leticia Moreira Casotti, D.Sc.

COPPEAD/UFRJ

_________________________________________________ Prof. Ronan Torres Quintão, D.Sc.

CEFET/MG

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Aos meus pais Sergio e Suely e ao meu marido Victor, meus grandes amores. Ao meu padrinho Tio Armando (in memoriam), que adoraria comemorar conosco esse momento.

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"No fim tudo dá certo, se não deu certo é porque ainda não chegou ao fim.”

(Fernando Sabino)

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço humildemente a Deus por ter guiado meus passos e me permitido cumprir mais essa etapa no meu crescimento profissional.

Aos meus pais, Sergio e Suely, agradeço por todo o amor, carinho, apoio incondicional e pelo exemplo de retidão e comprometimento com a pesquisa acadêmica. Pais maravilhosos, pessoas extraordinárias e excelentes profissionais e pesquisadores. Vocês são o meu maior exemplo.

Ao meu marido, Victor, maior incentivador dessa desafiadora jornada, agradeço pelo seu apoio, companheirismo e compreensão das ausências e estresses. O primeiro ano coincidiu com os preparativos do nosso casamento, mas com você a meu lado o caminho foi certamente mais leve. Você é parte dessa vitória junto comigo.

Aos meus irmãos Daniel e Juliana e sobrinhos Guilherme e Ana Luiza, assim como a toda minha família e amigos, agradeço pela torcida e pelo apoio. Aos meus queridos padrinhos Tio Armando (in memoriam) e Tia Selma, obrigada por serem tão maravilhosos e fazerem parte da minha vida, seja aqui ou olhando por mim lá em cima. À minha orientadora Roberta Campos, obrigada pelo carinho, apoio e exemplo. Costumo dizer que você foi um grande presente nessa jornada, pois não poderia pedir ninguém melhor para me orientar com tanto conhecimento, esmero e dedicação. A todos os professores do Instituto Coppead de Administração, agradeço pelos valiosos ensinamentos que certamente me transformaram e capacitaram para ser uma pessoa e uma profissional cada vez melhor. Aos funcionários da Coppead, agradeço pelo carinho e apoio. Ao CNPp e à Cátedra L‟orèal de Comportamento do Consumidor, agradeço pelo apoio e incentivo à pesquisa.

A todos que contribuíram de alguma forma para a completude desse trabalho, meu mais sincero agradecimento.

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RESUMO

FRACALANZZA, Flávia Pimenta. O aprendizado da beleza: um estudo sobre a

socialização do jovem consumidor habilidoso de maquiagem. 2016. 192f.

Dissertação (Mestrado em Administração) - Instituto COPPEAD de Administração,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

O presente estudo teve por objetivo compreender quais são os agentes de

socialização que influenciam na formação do consumidor habilidoso de maquiagem,

levando-se em consideração a função que é desempenhada por eles e o que eles

ensinam ou modificam no comportamento de consumo. O conceito de consumidor

habilidoso é inspirado no conceito de prossumidor de TOFFLER (2014), que mostra

consumidores cada vez mais ativos e engajados (consumidores-produtores).

Enquadrando-se na linha de pesquisa do CCT (“Consumer Culture Theory”), foi

realizada uma pesquisa qualitativa com jovens homens e mulheres utilizando-se

como métodos a entrevista em profundidade (incluindo técnicas de história de vida,

método dos itinerários e técnicas projetivas) e a videografia, com vídeos feitos pelos

entrevistados. A seleção de entrevistados foi realizada de forma conceitual para uma

melhor compreensão das possibilidades trazidas através do acúmulo de

conhecimento e desenvolvimento de habilidades: consumidores expert (com

conhecimentos avançados de maquiagem), maquiadores e blogueiros. Dentre os

achados principais, apresenta-se uma mudança na esfera de influência dos agentes

de socialização tradicionais com o surgimento da internet e das redes sociais, que

passam a ser os principais socializadores dos jovens para o consumo de

maquiagem. Uma nova proposta de definição de pares é sugerida ao perceber-se

que outros agentes (como namorados e colegas de trabalho) podem exercer

diferentes tipos de influência e não foram contemplados nos estudos anteriores. Foi

possível perceber também que os agentes de socialização podem exercer diferentes

papéis ao influenciar, ensinar o “como fazer” ou ainda contextualizar socialmente os

comportamentos que são esperados, e muitas vezes alguns desses agentes são os

principais responsáveis por mudanças na relação do jovem com a maquiagem.

Foram relacionadas as principais habilidades que são adquiridas e desenvolvidas e

é sugerido um modelo que mostra as trajetórias percorridas por esses jovens no seu

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ciclo de vida. Finalmente, são descritas as diferentes práticas de cocriação em que

esses consumidores se engajam e sua relação com os agentes que influenciam e

são influenciados por eles na atualidade.

Palavras-chave: Comportamento do Consumidor. Socialização. Beleza. Maquiagem.

Consumidor Habilidoso. Cocriação.

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ABSTRACT

FRACALANZZA, Flávia Pimenta. The beauty apprenticeship: a study about the

skillful young makeup consumer. 2016. 192f. Dissertação (Mestrado em

Administração) - Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio

de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

The present study aims to understand the socialization agents that influence the

development of the skillful makeup consumer, considering their role and what they

teach or modify in the consumer behavior. The concept of skillful consumer is

inspired by the concept of prossumer described by TOFFLER (2014), which shows

more active and engaged consumers (consumers-producers). Framed in the CCT

(Consumer Culture Theory), a qualitative research was carried on with young man

and women using methods like in depth interview (including life story, itinerary

method and projective techniques) and videography, with videos shot by the own

interviewees. A conceptual selection of skillful makeup consumers was made to

better understand the possibilities brought by this amount of skills and information

they gather: expert consumers (with advanced makeup knowledge), makeup artists

and bloggers. As for the main findings, it was discovered a change on the traditional

socialization agents‟ influence with the rise of the internet and the social media, that

nowadays seem to be the main socialization agent for makeup consumption. A new

definition of peers is proposed once it was realized that other agents (like boyfriends

and work colleagues) may influence behaviors in different ways and had not been

included in previous studies. It was also possible to realize that socialization agents

may have different roles like influencing, teaching the “how to do” or even socially

contextualizing the expected behaviors. The main skills acquired and developed are

shown and a framework is suggested to show the trajectories the young adults go

through in their life cycle. Finally, diverse co-creation practices engaged by these

consumers are described, as well as their relation with agents that currently influence

and are influenced by them.

Keywords: Consumer Behavior. Socialization. Beauty. Makeup. Skillful Consumer.

Co-Creation.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Modelo conceitual de socialização do consumidor .......................... 23 Figura 2 Tipologia dos Padrões de Comunicação Familiares......................... 25 Figura 3 Esquema de interações de identidade em práticas de consumo...... 29 Figura 4 Socialização do Consumidor versus IGI (“Intergenerational

Influence”)......................................................................................... 33 Figura 5 Formas gerenciais do Consumer Made............................................ 50 Figura 6 Modelo Conceitual das motivações e resultados das ações DIY..... 54 Figura 7 Diferentes tipos de netnografia......................................................... 82 Figura 8 Nécessaire e produtos de Camila..................................................... 92 Figura 9 Nécessaire e produtos de Luisa....................................................... 93 Figura 10 Paleta MAC de Luisa quase nunca utilizada.................................... 96 Figura 11 Batom do “poder”.............................................................................. 97 Figura 12 Conjunto de sombras que “acendia a luz” de Luisa.......................... 97 Figura 13 Maleta de trabalho de Erica com maquiagens e produtos para fazer

penteados......................................................................................... 102 Figura 14 Conjunto de pincéis de Erica............................................................ 103 Figura 15 Produtos para a pele em uma bolsa específica............................... 103 Figura 16 Uma das três maletas de maquiagem de Daniel.............................. 105 Figura 17 Salão de Daniel montado na sala da própria casa........................... 106 Figura 18 O espelho de Erica para fazer maquiagens...................................... 106 Figura 19 Postagem do “primo baratinho” no blog Boca Rosa em

28/05/16............................................................................................ 111 Figura 20 Continuum de tipos de habilidades desenvolvidas........................... 148 Figura 21 Esquema de trajetórias percorridas pelo consumidor na formação

de sua habilidade.............................................................................. 149 Figura 22 Círculo de influência do consumidor habilidoso............................. 153 Figura 23 Modelo de dinâmicas de influência dos consumidores

habilidosos........................................................................................ 159 Figura 24 Linha de esmaltes Boca Rosa da blogueira Bianca Andrade em

parceria com a Studio 35.................................................................. 163 Figura 25 Coleção Nightlife by Camila Coelho em parceria com a

Sigma............................................................................................... 163

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Migração para as experiências de cocriação................................... 47

Quadro 2 Características típicas do líder e do consumidor criativo................. 49

Quadro 3 Perfil dos Entrevistados................................................................... 88

Quadro 4 Funções e atuações da família no processo de socialização..................................................................................... 123

Quadro 5 Categorias de pares e sua esfera de atuação................................. 132

Quadro 6 Características, funções e influência das redes sociais.................. 139

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LISTA DE ABREVIATURAS

ABIHPEC Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................. 14

1.1 Delimitações e Questões de Pesquisa........................................ 16

1.2 Relevância teórica....................................................................... 17

1.3 Relevância Gerencial................................................................... 18

1.4 Organização do estudo................................................................ 19

2 REFERENCIAL TEÓRICO.......................................................... 20

2.1 Socialização do Consumidor....................................................... 21

2.1.1 Os Agentes de Socialização........................................................ 24

Família........................................................................................ 24

Pares........................................................................................... 35

Meios de comunicação de massa............................................ 37

Internet........................................................................................ 38

2.2 Do consumidor receptor ao consumidor-produtor....................... 41

2.2.1 Novos movimentos na relação consumidor-empresa: a lógica dominante de serviço...................................................................

42

2.2.2 Cocriação..................................................................................... 44

2.2.3 A produção do consumidor: o Do-It-Yourself e o consumo artesanal......................................................................................

51

2.2.4 Consumidor poderoso ou governado? Críticas ao modelo de cocriação.....................................................................................

58

2.2.5 Conceituações e perspectivas diversas sobre o “novo consumidor”.................................................................................

63

2.3 Beleza.......................................................................................... 65

3 METODOLOGIA.......................................................................... 69

3.1 Paradigma interpretativo e Consumer Culture Theory (CCT)..... 70

3.2 Questões de Pesquisa................................................................. 71

3.3 Desenho de Pesquisa.................................................................. 71

3.3.1 Entrevista em Profundidade........................................................ 74

História de Vida......................................................................... 75

Método dos Itinerários.............................................................. 76

Método projetivo........................................................................ 77

3.3.2 Videografia................................................................................... 78

3.3.3 Netnografia.................................................................................. 81

Netnografia em blogs................................................................ 82

3.4 Seleção dos entrevistados........................................................... 84

3.5 Perfil dos Entrevistados............................................................... 86

3.6 Procedimentos de análise........................................................... 88

4 RESULTADOS............................................................................ 90

4.1 Contextualização dos Consumidores Habilidosos...................... 90

Consumidor(a) Expert............................................................... 90

Maquiadores.............................................................................. 98

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Blogueiras................................................................................. 106

4.2 A participação dos agentes de socialização na formação do consumidor habilidoso de maquiagem.......................................

112

4.2.1 Família........................................................................................ 113

4.2.2 Pares........................................................................................... 124

Pares Incentivadores................................................................ 125

Pares Instrumentalizadores..................................................... 127

Pares Contextualizadores........................................................ 129

4.2.3 Meios de comunicação de massa e o novo papel da Internet.... 133

4.2.4 Profissionais................................................................................ 142

4.3 Habilidades.................................................................................. 144

4.4 Trajetórias do consumidor habilidoso........................................ 147

4.5 Dinâmicas de Influência............................................................... 153

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................ 164

5.1 Revendo a trajetória de pesquisa................................................ 165

5.2 Contribuições à literatura............................................................. 167

5.3 Implicações Gerenciais................................................................ 172

5.4 Sugestões de estudos futuros..................................................... 173

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................... 176

Apêndices.................................................................................... 184

Apêndice A - Roteiro das Entrevistas.......................................... 185 Apêndice B – Instruções para a etapa de produção de vídeos e

fotos entregue aos entrevistados................................................ 190

Apêndice C – Técnicas projetivas utilizadas ao final da

segunda entrevista.....................................................................

191

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1 INTRODUÇÃO

De brincadeiras na infância ao uso escondido de produtos da mãe, como a

menina aprende a se maquiar? Com quem ela aprende a aplicar diferentes tipos de

produtos e a entender sobre a combinação de cores e estilos? Quem influencia esse

processo, comum na vida de tantas jovens?

A passagem da infância para a adolescência e da adolescência para a fase

adulta marcam importantes momentos de transição na vida da jovem consumidora.

Ao deixar para trás bonecas e brincadeiras, as transformações no corpo são

associadas a novos contextos onde os cuidados pessoais começam a aparecer com

maior importância. E para além dos produtos de higiene pessoal e cosméticos,

muitas jovens começam a se interessar em aprender mais sobre maquiagem. E se

antes esses ensinamentos vinham das mães e amigas próximas, como esse

processo se configura hoje, com a ascensão das redes sociais e a possibilidade de

acesso instantâneo a informações através da Internet?

Entender esse novo contexto é fundamental para perceber as modificações

que ele carrega. O surgimento da web 2.0 altera as relações não só entre os

próprios consumidores mas entre empresas e consumidores (GRINNELL, 2009;

RITZER e JURGENSON, 2010). Surgem novos canais de contato direto com o

consumidor e as empresas buscam cada vez mais conhecer as preferências dos

seus clientes e oferecer uma melhor experiência de consumo. Além do objetivo

financeiro, as empresas se preocupam com fortalecimento da marca e com a

lealdade dos consumidores (GATAUTIS e KAZAKEVICIUTE, 2012), questões

fundamentais para a sua permanência no mercado.

Já para o consumidor, as mudanças são ainda mais profundas. Se antes seu

papel era passivo dentro do processo de consumo e cabia apenas escolher entre as

possibilidades existentes, hoje seu papel é cada vez mais protagonista. As novas

tecnologias e a web 2.0 permitem o acesso instantâneo à informação e a produção

de conteúdo de forma colaborativa pelos usuários. Nesse sentido, portanto, vê-se o

surgimento de um consumidor cada vez mais poderoso (LABRECQUE et al., 2013)

já que através de blogs, redes sociais e comunidades de marca, pessoas com

interesses semelhantes podem se encontrar e colaborar de diferentes formas. O

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consumidor pode produzir e compartilhar o seu próprio conteúdo, além de poder

participar do desenvolvimento de produtos através de plataformas colaborativas ou

diretamente com as empresas, o que modifica a separação tradicional entre os

papéis do produtor e do consumidor (GRINNELL, 2009; PRAHALAD e

RAMASWAMI, 2004a). O consumidor pode atuar como produtor modificando os

usos e significados dos produtos que adquire no mercado de consumo (COVA,

2008) ou ainda construindo seus próprios produtos através de atividades de “faça

você mesmo” (WOLF e McQUITTY, 2011).

Percebe-se, portanto, que as relações de poder e influência na sociedade

atual estão se modificando de forma decisiva, e que os agentes tradicionais de

informação estão tendo seus papéis modificados no processo de socialização de

jovens consumidores. Diante disso, é possível questionar se a maneira pela qual os

jovens adquirem conhecimentos e habilidades sobre consumo permanece a mesma

como foi apresentada nos estudos seminais sobre socialização do consumidor

(WARD, 1974; MOSCHIS e CHURCHILL, 1978; MOSCHIS e MOORE, 1983) e em

que medida as mudanças trazidas por esse novo contexto têm impacto na ação dos

tradicionais agentes de socialização.

Embora a socialização seja um processo que ocorre durante toda a vida do

indivíduo (WARD, 1974), grande parte dos estudos sobre o assunto enfoca a

socialização na infância, o que mostra uma oportunidade para a pesquisa da

socialização do jovem e de adultos (EKSTRÖM, 2006), onde novos contextos

podem influenciar o aprendizado e o comportamento de consumo. Isso é

particularmente relevante se considerarmos a geração Y, que em sua maioria já

cresceu com acesso ao computador e à Internet, em um contexto de acesso a

informação bem diferente de seus pais (LUEG et al., 2006).

Para essa geração, particularmente, a imagem possui enorme importância e

há uma busca cada vez maior por adequação a um determinado padrão estético,

ditado pela moda e pelos meios de comunicação e cultuado através das redes

sociais. Esse movimento pode ser demonstrado pelo crescimento da procura por

academias de ginástica, pela banalização da cirurgia estética e principalmente pelo

aumento no uso de cosméticos e maquiagem para esconder traços indesejados e

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realçar traços considerados mais belos e atraentes. (CASOTTI, SUAREZ e

CAMPOSY, 2008).

Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal,

Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC, 2015), o Brasil ocupa atualmente a terceira

posição mundial no mercado de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos e o setor

vem registrando um crescimento anual bem maior do que outros setores da

economia. Com o aumento do acesso da população a itens de beleza (mesmo entre

as classes mais baixas) e da participação da mulher no mercado de trabalho, entre

outros fatores, a beleza deixou de ser simples resultado de herança genética

afortunada para ser uma conquista, cujos ativos fundamentais estão cada vez mais

acessíveis a qualquer um (CASOTTI, SUAREZ e CAMPOSY, 2008).

1.1 Delimitações e Questões de Pesquisa

Diante desse contexto, a proposta desse trabalho será investigar qual o papel

dos agentes de socialização na construção dos aprendizados de consumo de

maquiagem em jovens. Seguindo o conceito de prossumidor de Toffler (2014) - que

entende que o consumidor contemporâneo possui habilidades produtoras que

permitem que ele execute tarefas que poderiam ser contratadas de outras fontes -

serão investigados nesse trabalho os consumidores habilidosos de maquiagem. Por

essa nomenclatura, chamamos de consumidores habilidosos aqueles com grande

conhecimento sobre maquiagem e que possuem habilidades para realizar técnicas

de maquiagem consideradas mais complexas, deixando de contratar maquiadores

profissionais.

Assim, a questão principal deste estudo pode ser colocada da seguinte

forma: Qual é o papel dos agentes de socialização na construção de aprendizados e

experiências de consumo de maquiagem do jovem consumidor habilidoso de

maquiagem na contemporaneidade?

Para auxiliar na resposta à pergunta principal, serão também investigadas as

seguintes questões secundárias:

● Qual o papel da família na formação de hábitos de compra e preferência de

marcas?

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18

● De que forma as redes sociais contribuem para a formação dos novos

consumidores?

● Como o grupo de amigos influencia nas experiências de consumo e

construção de aprendizados?

● Como se dá a trajetória de consumo e de aprendizado desse jovem

consumidor, no que se refere a habilidades e práticas de maquiagem,

construindo a posição de consumidor habilidoso?

● Que significados são associados ao uso de maquiagem pelo jovem?

● De que natureza são as habilidades adquiridas pelo jovem?

Com as questões secundárias, além de uma investigação profunda sobre a

ação dos diferentes agentes de socialização, busca-se descobrir quais são os

significados que esses jovens passam a associar ao uso de maquiagem e

compreender como se constroem as bases dessa habilidade, entendendo como a

evolução dessa habilidade tem impacto em sua relação com a maquiagem e com o

seu meio social.

1.2 Relevância teórica

Segundo Ward (1974), o estudo da socialização do consumidor é relevante no

intuito de compreender o processo de desenvolvimento de comportamentos de

compra e formas de pensar sobre o consumo. Um dos grandes motivos para o

estudo da socialização está na necessidade de compreensão do comportamento de

consumo na família, a coexistência de diferentes gerações, a influência dos jovens

no comportamento da família e o impacto social nos padrões de consumo como um

todo. Através dessa análise, pode-se buscar a compreensão de quais

comportamentos são transmitidos pela família através das gerações e quais são

alterados pela influência social e por conta do surgimento de novas tecnologias,

dentro de processos de socialização e aquisição de conhecimentos, habilidades e

atitudes do consumidor (WARD, 1974).

Assim, as mudanças culturais e tecnológicas na sociedade nos dias de hoje

demonstram a necessidade de revisitar as pesquisas e os conceitos sobre

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19

socialização do consumidor para discuti-los à luz deste novo cenário. A pesquisa

desenvolvida nesse trabalho busca então contribuir com a literatura de socialização

ao mostrar a ação dos agentes de socialização na contemporaneidade,

demonstrando como agem na transmissão de conhecimentos, habilidades e atitudes

no que se refere ao consumo de maquiagem e como a Internet e as redes sociais

estão impactando esses processos de influência e transmissão de conhecimento. O

estudo da socialização de jovens também busca preencher uma lacuna existente na

literatura, já que a maior parte das pesquisas de socialização está restrita aos

processos de socialização na infância (JOHN, 1999, EKSTRÖM, 2006).

Esse trabalho pretende ainda contribuir com as discussões acadêmicas sobre o

consumidor-produtor (COVA, 2008), discutindo em que medida o jovem passa a ter

um papel cada mais vez mais engajado e ativo nas atividades de consumo e passa

a ser produtor de novos significados, conhecimentos e até mesmo de produtos para

uso próprio ou para o mercado de consumo em parceria com as empresas

(CAMPBELL, 2004; PRAHALAD e RAMASWAMY, 2004a; COVA, 2008; WOLF e

MCQUITTY, 2013).

Será possível colaborar também para a literatura sobre beleza, complementando

a discussão de Casotti, Suarez e Campos (2008) sobre as rotinas e significados

associados ao uso de maquiagem da jovem consumidora bem como oferecendo

uma análise sobre os itinerários de consumo de beleza percorridos segundo o

método de DESJEUX (2000).

1.3 Relevância Gerencial

A compreensão das formas de aprendizado dos jovens sobre consumo e dos

agentes que influenciam e direcionam esses processos de aprendizado são fatores

de grande importância para que as empresas repensem o direcionamento das suas

estratégias de marketing, bem como a sua alocação de recursos para investimento

em propaganda tradicional e nas novas mídias, como as redes sociais. Entender o

papel da Internet e das redes sociais como socializadores e influenciadores de

comportamento - em comparação aos demais agentes - é fundamental para um

melhor aproveitamento desses canais não só para a divulgação e venda de serviços

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20

e produtos, mas principalmente para que as empresas possam estreitar

relacionamentos com os clientes, proporcionando novas experiências de consumo.

Além disso, a discussão sobre a nova lógica de mercado baseada em

serviços e que tem como centro a figura do consumidor é fundamental para as

empresas que quiserem acompanhar essa tendência e manter-se no mercado

(VARGO e LUSH, 2004). É importante perceber a mudança do consumidor para

uma postura cada vez mais ativa e engajada em processos de cocriação de valor,

experiências e produtos (PRAHALAD e RAMASWAMY, 2004a). Além disso, as

novas tecnologias e plataformas colaborativas permitiram uma aproximação cada

vez maior entre a figura do consumidor e do produtor (COVA, 2008), o que significa

que as empresas precisam conhecer e se adaptar a esse movimento, pois as formas

tradicionais de desenvolvimento de produtos, propaganda e vendas sem a

participação do consumidor já não atendem mais, e é necessário cada vez mais um

envolvimento do consumidor com o negócio da empresa.

Dado que a presente pesquisa se concentra nos aprendizados de

conhecimentos, habilidades e atitudes sobre o consumo de beleza, esse estudo é

especialmente relevante para empresas desse segmento, para que possam

perceber as diferentes trajetórias de aprendizado destes consumidores, quem são

os principais influenciadores e como ocorrem esses aprendizados. As diferentes

rotinas de consumo e itinerários podem ser também de grande relevância para as

empresas por mostrarem como ocorrem as aquisições, que fatores são levados em

consideração para a decisão de compra, onde os produtos são armazenados e até

mesmo como é feito o descarte.

1.4 Organização do estudo

A revisão de literatura para essa pesquisa será apresentada no capítulo

seguinte, dividida em três eixos teóricos principais que permitiram uma série de

reflexões sobre o tema de pesquisa e que posteriormente foram utilizados para a

análise dos dados coletados. O primeiro eixo trata da socialização do consumidor,

onde serão apresentados e discutidos os agentes de socialização tradicionais e mais

recentes bem como as formas de transmissão de conhecimentos, normas sociais e

culturais relacionadas ao consumo. Em seguida, serão discutidas as mudanças no

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21

papel do consumidor e suas relações com o mercado de consumo, com suas

diferentes conceituações e perspectivas críticas. Por fim, os diferentes significados

associados ao consumo de beleza serão discutidos, bem como suas influências nos

comportamentos de consumidores.

O terceiro capítulo será dedicado à metodologia utilizada nessa pesquisa. A

filiação paradigmática interpretativista será discutida bem como a inserção desse

estudo dentro da linha de pesquisa da Consumer Culture Theory (ARNOULD e

THOMPSON, 2005). Serão apresentados com mais profundidade os métodos

qualitativos escolhidos, notadamente a entrevista em profundidade (McCRAKEN,

1988) e a videografia (BELK e KOZINETS, 2005), bem como o desenho da pesquisa

e os critérios de seleção dos entrevistados. Ao final, são apresentadas as limitações

de pesquisa.

O quarto capítulo será dedicado à análise das informações que foram

coletadas no decorrer desse trabalho, bem como sua relação com a literatura

analisada. Serão discutidos os principais resultados encontrados e serão

apresentadas definições e esquemas de trajetórias que podem contribuir e trazer

novas perspectivas à literatura existente.

No capítulo final, então, serão retomados os principais resultados encontrados

e suas relações com a literatura, apresentando as contribuições acadêmicas e

gerenciais. Por fim, serão demonstradas possibilidades de estudos futuros a partir

das discussões e contribuições dessa pesquisa.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Dada a questão de pesquisa proposta para este estudo (Qual é o papel dos

agentes de socialização na construção dos aprendizados e experiências de

consumo de maquiagem do jovem consumidor habilidoso na contemporaneidade?),

a presente revisão de literatura buscará apresentar os conceitos e pesquisas em

torno de três eixos teóricos: (1) a socialização do consumidor, com particular ênfase

nos agentes de socialização, (2) o consumidor habilidoso ou produtor e (3) o

consumo de beleza.

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22

2.1 Socialização do Consumidor

A socialização do consumidor tem sido foco de várias pesquisas com o passar

dos anos, particularmente na área de marketing. O estudo do fenômeno da

socialização do consumidor é importante para uma melhor compreensão do contexto

no qual os consumidores vivem, como eles se relacionam com as normas culturais e

se adaptam às transformações que acontecem na sociedade onde vivem

(EKSTRÖM, 2006).

De acordo com Ward (1974), pode-se definir socialização do consumidor

como os “processos pelos quais os jovens adquirem habilidades, conhecimentos e

atitudes relevantes para o desempenho das suas funções de consumidores no

mercado. ”(p.2). Segundo o autor, para uma melhor compreensão desse processo é

importante distinguir entre os comportamentos, habilidades e atitudes que são

diretamente relevantes para o desempenho da função de consumidor, como aqueles

relacionados à decisão sobre orçamentos, precificação, processo de compra,

relacionamento com vendedores e conhecimento sobre marcas e produtos; e

aqueles que estão indiretamente relacionados ao consumo, sendo mais

relacionados aos processos de influência e decisão de compra do que ao processo

de concretização da compra em si, o que pode ser forma ainda mais relevante para

a compreensão do comportamento do consumidor.

A base para a socialização, seja na perspectiva de consumo, econômica ou

da psicologia social, está em viver em sociedade de acordo com suas normas

sociais. No entanto, o indivíduo não nasce como um membro pronto da sociedade,

ele nasce com uma predisposição a se socializar, mas para Moschis (1983), o

indivíduo só pode ser visto como socializado quando ele aprende a sentir e pensar

de acordo com as expectativas da sociedade. Ou seja, “viver em sociedade envolve

ser um membro da sociedade” (EKSTRÖM, 2006, p. 73). Fatores como a busca pelo

pertencimento a um grupo ou adequação a uma determinada situação social, por

exemplo, podem influenciar o comportamento do consumidor como consequência de

situações onde há uma expectativa social de determinado tipo de consumo ou

comportamento de compra (WARD, 1974).

Embora o processo de socialização do consumidor aconteça não só na

infância mas durante toda a vida do indivíduo (WARD, 1974), é importante pontuar

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23

que boa parte das pesquisas nessa área destinaram-se ao estudo da socialização

na infância, analisando o desenvolvimento das crianças enquanto consumidores e

seus conhecimentos sobre marcas, produtos, propaganda, atitudes em relação a

preços, tomada de decisão de compra, influência dos pais e negociação (JOHN,

1999), sendo poucos os estudos que buscaram analisar o processo de socialização

na adolescência e na fase adulta (EKSTRÖM, 2006; SANTOS e FERNANDES,

2011; LUEG et al., 2006). No entanto, segundo Ward (1974), é justamente nessa

fase que o jovem passa por algumas experiências que são de grande importância

para a aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes que atuam na construção

dos seus padrões de comportamento, por vezes se perpetuando na fase adulta.

Para a análise da aquisição de conhecimento e de padrões de

comportamento do consumidor geralmente são utilizados dois modelos teóricos: o

modelo de desenvolvimento cognitivo e o modelo de aprendizado social. O modelo

cognitivo, baseado na teoria de Piaget, está relacionado principalmente ao

desenvolvimento psicológico-cognitivo do indivíduo em sua interação com o

ambiente e com as pessoas ao redor. Esse processo de desenvolvimento passa por

diversos estágios que vão desde a primeira infância até a idade adulta (JOHN,

1999). Já o modelo de aprendizado social considera os chamados “agentes de

socialização”, através dos quais são transmitidos valores, comportamentos e

atitudes através de variadas situações de interação social com o indivíduo

(MOSCHIS e MOORE, 1983; MOSCHIS e CHURCHILL, 1978).

Segundo Moschis e Churchill (1978), o indivíduo que passa por esse

processo de aprendizado pode adquirir comportamentos e habilidades cognitivas

através de processos de modelagem, reforço e interação social. A modelagem está

relacionada a um processo de imitação em relação ao comportamento do agente de

socialização, enquanto o reforço envolve mecanismos de recompensa (no caso de

um reforço positivo) ou punição (reforço negativo). Já a interação social é um

processo menos específico de aprendizado, podendo inclusive combinar modelagem

e reforço.

Como podemos ver na Figura 1, o modelo conceitual proposto por Moschis e

Churchill (1978) que incorpora essas correntes teóricas passou a ser utilizado em

vários estudos, propondo cinco variáveis (propriedades relacionadas ao

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aprendizado, idade ou posição no ciclo de vida, variáveis sociais, agentes de

socialização e processos de aprendizado) que são agrupadas em três categorias:

variáveis antecedentes, processo de socialização e resultados da socialização

(MOSCHIS e MOORE, 1983). Os antecedentes referem-se às variáveis que

determinam o ambiente social, como classe social, sexo e nível educacional, bem

como àquelas relacionadas ao desenvolvimento do indivíduo, como idade e

momento no ciclo de vida. O processo de socialização está relacionado à relação

existente entre o agente e o indivíduo que participa do aprendizado. Para Moschis e

Moore (1983), os principais agentes de socialização são os pais, pares, escola e

meios de comunicação em massa. Cada um dos agentes de socialização, sua

esfera de influência e os novos agentes que surgem serão analisados em

profundidade no tópico seguinte. Finalmente, como produtos da socialização estão

os conhecimentos adquiridos, habilidades e atitudes que passam a influenciar

comportamentos de consumo (MOSCHIS e MOORE, 1983; HOTA e SIDNEY, 2006).

Figura 1 - Modelo conceitual de socialização do consumidor.Fonte: Moschis e Churchill, 1978, p.

600, tradução nossa.

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A cultura aparece em alguns estudos como um fator de relevância ao

determinar o papel dos diferentes agentes de socialização e dos seus processos de

influência (HOTA e SIDNEY, 2006; YANG et al., 2014). Uma vez que a cultura é um

dos fatores que modificam o ambiente em que a criança se desenvolve e é

socializada para o consumo, compreender diferenças culturais pode fornecer

importantes explicações sobre diferentes estruturas familiares, padrões de

comunicação e relações com pares (JOHN, 1999).

2.1.1 Os Agentes de Socialização

Nessa seção serão discutidos os principais agentes de socialização e seus

diferentes papéis na construção dos aprendizados de consumo. Para isso, além dos

agentes inicialmente propostos por Moschis e Moore (1983) que são família, pares e

meios de comunicação de massa, será analisado também o papel da Internet

enquanto importante fonte de influência atual, notadamente sobre os jovens, foco

principal desse estudo.

Família

A família é um dos principais e mais importantes agentes de socialização

(MOSCHIS, 1985; MOORE, WILKIE e LUTZ, 2002). Os pais, especificamente, são a

primeira fonte de influência das crianças e através deles são transmitidos hábitos e

preferências de compra desde a mais tenra idade. Reside neles, também, a decisão

de compra e um controle sobre as preferências e hábitos de consumo da família que

passa a decrescer com a idade dos filhos (notadamente na adolescência),

enfraquecendo ainda mais com a diminuição da dependência econômica (HOTA e

SYDNEY, 2006).

De acordo com Moschis (1985), dentro do contexto familiar a comunicação

interpessoal é considerada um aspecto fundamental na socialização do consumidor.

Segundo McLeod e Chaffee (1972 apud MOSCHIS, 1985) os estudos dos processos

de comunicação entre pais e filhos trabalham com duas dimensões de estrutura de

comunicação. Na primeira, orientada para o social (“socio-oriented”), vê-se uma

busca por relacionamentos sociais harmoniosos. Nesses tipos de lares, as crianças

são orientadas a evitar a controvérsia e a reprimir seus sentimentos e opiniões, não

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discordando e discutindo com seus pais. Já no segundo tipo de estrutura, orientada

para conceitos (“concept-oriented”), o foco está em ajudar a criança na construção

de seus próprios pontos de vista sobre o mundo. Alguns exemplos dessa dimensão

são incentivar que as crianças avaliem as alternativas possíveis antes de uma

tomada de decisão e a discussão aberta de ideias, ainda que contrastantes.

A partir dessas duas dimensões, então, geram-se quatro tipologias de

padrões de comunicação familiar: laissez-faire, protetora, pluralista e consensual.

Essas tipologias estão demonstradas na Figura 2.

Figura 2: Tipologia dos Padrões de Comunicação Familiares. Fonte: Moschis, 1985, p. 899,

tradução nossa

Nas famílias laissez-faire nenhuma das dimensões anteriormente apontadas

aparece e há pouca comunicação entre pais e filhos. As famílias protetoras, por

outro lado, buscam harmonia social e obediência dos filhos em relação aos pais no

processo de comunicação. Nas famílias pluralistas a discussão de ideias e a

comunicação aberta são encorajadas, e as crianças são estimuladas a terem novas

ideias e a emitirem suas opiniões sem medo de retaliações. As famílias

consensuais, por sua vez, apresentam características das duas abordagens e as

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crianças são encorajadas a terem suas próprias ideias desde que isso não cause

problemas a hierarquia de opiniões da família e sua harmonia (MOSCHIS, 1985;

JOHN, 1999).

Dentro desse contexto, a análise das formas de comunicação relacionadas ao

consumo que ocorrem em uma família é um aspecto fundamental para a

compreensão do processo de socialização do consumidor, já que esse é um dos

principais canais de transmissão de habilidades e conhecimentos de pais para filhos

(CARLSON, GROSSBART e STUENKEL, 1992). De acordo com Moschis (1985), a

comunicação entre os membros de uma família pode ocorrer através de variados

mecanismos. Ao se portar de determinada forma, por exemplo, os membros de uma

família transmitem normas ou expectativas de comportamento, seja de forma

intencional ou não. Segundo o autor, essa transmissão de informações ocorre no

nível cognitivo e o aprendizado sobre consumo vem da observação ou imitação de

determinados comportamentos.

Uma outra forma de influência entre membros da família é através de

mecanismos de reforço (positivos ou negativos). Os mecanismos de reforço podem

envolver uma comunicação aberta através de elogios e reclamações ou envolver

comunicação cognitiva, onde uma pessoa pode demonstrar sua opinião através de

comportamentos afetivos (reforço positivo) ou punições psicológicas (reforço

negativo) (MOSCHIS, 1985).

O terceiro mecanismo reconhecido por Moschis (1985) é a interação social,

onde a comunicação é feita de forma aberta e pode conter elementos dos outros

mecanismos (modelagem e reforço). O processo de interação social pode ter

conteúdo, o que inclui as expectativas do comunicador sobre os comportamentos

que são esperados e informações sobre consumo; e estrutura, que se relaciona com

as formas de poder e comunicação dentro da família.

Para Moschis (1985), seja de forma aberta ou cognitiva percebe-se a

importância do papel da comunicação no aprendizado sobre consumo. Os efeitos

podem ser diretos, onde a transmissão de informações sobre consumo traduz-se na

aquisição de comportamentos, crenças e normas em outros membros; ou indiretos,

onde se adquirem padrões de interação com outras fontes de influência que podem

modificar o aprendizado sobre consumo. A comunicação familiar pode ainda atuar

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como mediadora dos efeitos de outras fontes de informação e influência como os

meios de comunicação de massa ou os pares.

Um outro fator de grande influência da família no processo de socialização

são os estilos de autoridade dos pais (“parental styles”). Segundo Carlson e

Grossbart (1988), pais autoritários (“authoritarian parents”) possuem altos níveis de

controle sobre os filhos e esperam deles obediência sem questionamento,

restringindo sua autonomia e desencorajando debates através de regras e punições

por discordâncias. Os pais julgam o comportamento dos filhos através de padrões e

de acordo com autoridades superiores (como autoridades religiosas, por exemplo).

Os pais que exercem um controle rígido são semelhantes aos autoritários mas há

um afastamento que limita o seu envolvimento emocional na socialização dos filhos.

Os pais negligentes, por outro lado, mantêm um afastamento em relação aos

filhos mas não procuram controlá-los, seja por estarem muito envolvidos em si

mesmos ou por evitarem o papel de guias na criação dos filhos. Eles vêem os filhos

como tendo poucas responsabilidades que precisem de sua atenção e como

capazes de tomar conta de si mesmos na maioria dos casos, com poucas

preocupações sobre o seu processo de desenvolvimento (CARLSON e

GROSSBART, 1988). Já os pais dominantes (“authoritative parents”) procuram um

equilíbrio entre os direitos de pais e de filhos que muda com o seu desenvolvimento.

Eles incentivam a auto-expressão e a autonomia, mas exigem disciplina e exercem

controle quando acham necessário. Os pais dominantes são afetuosos, oferecem

suporte e incentivam as oportunidades de desenvolvimento cultural e educacional

dos filhos, mas esperam um comportamento maduro por parte deles. Eles

restringem mais o consumo, controlam a exposição dos filhos aos meios de

comunicação e se preocupam mais com os efeitos da propaganda (CARLSON e

GROSSBART, 1988; CARLSON, GROSSBART e STUENKEL, 1992).

Os pais permissivos, por fim, são aqueles que fornecem um grau de liberdade

substancial aos filhos. Eles vêem os filhos com poucas responsabilidades e direitos

adultos, sendo complacentes nas suas interações e removendo barreiras ao seu

bem-estar. Como pais, eles se vêem como recursos e não como modeladores dos

filhos, e exercem mais influência através de discussões racionais do que através de

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controles (CARLSON e GROSSBART, 1988; CARLSON, GROSSBART e

STUENKEL, 1992).

De acordo com John (1999), a influência da família enquanto agente de

socialização não pode ser explicada apenas através das formas intencionais de

transmissão de conhecimento, mas também por meio da sua compreensão

enquanto um processo bem mais sutil que ocorre através das interações sociais

entre os membros de uma família.

É nesse contexto que Epp e Price (2008) investigam como os processos de

socialização acontecem através de formas de comunicação e construção da

identidade familiar. Segundo as autoras, dentro de cada família existem diversos

grupos de identidades, incluindo a identidade familiar coletiva, a de pequenos grupos

(irmãos, o casal, pai-filho) ou identidades relacionais (que formam um subgrupo e o

diferencia dos demais) e as identidades individuais de cada membro da família.

Cada um desses grupos ou indivíduos em particular pode ter os seus próprios

rituais, histórias, interações e processos de transferência intergerações que podem

ser confrontados ou mesmo modificados no processo de interação com os demais.

Além disso, a interação com recursos simbólicos de mercado (como marcas,

produtos e serviços) também pode influenciar na construção dessas identidades,

como mostra a Figura 3. A família enquanto entidade coletiva é central em questões

relacionadas a consumo e enfrenta diversos desafios e mudanças na sociedade

atual (EPP; PRICE, 2008).

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Figura 3 - Esquema de interações de identidade em práticas de consumo. Fonte: EPP;

PRICE, 2008, p. 52, tradução nossa

O conceito de identidade familiar apresentado por Epp e Price (2008) trata

sobre um conjunto de qualidades e atributos que identificam uma determinada

família e diferenciam-na das demais. Para as autoras, a família é continuamente

construída, seja internamente pelos seus próprios membros ou externamente em

relação aos outros pelos seus comportamentos observáveis. Dessa forma, a

identidade familiar é dinamicamente coconstruída de acordo com as interações entre

os diversos grupos existentes dentro da família e que participam de práticas de

consumo não só complementares mas também competitivas.

Dentre as principais formas de comunicação que modificam e limitam as

identidades familiares coletivas através do consumo encontram-se os rituais

familiares, as narrativas, os dramas sociais, as interações diárias e as transferências

intergerações. É importante salientar que essas formas de comunicação não atuam

somente como construção ou perpetuação de identidade dentro da família mas

também como indicadores de identidade para a sociedade (EPP e PRICE, 2008),

sendo o consumo um símbolo da identidade familiar (ARNOULD e EPP, 2006).

No estudo de Epp e Price (2008), os rituais aparecem como atividades

centrais para a criação, reforço e transmissão de identidade familiar. Segundo Rook

(2007), “o termo ritual refere-se a um tipo de atividade expressiva e simbólica

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construída de múltiplos comportamentos que se dão numa sequência fixa e

episódica e tendem a se repetir com o passar do tempo.” (p. 83). No caso das

narrativas, trata-se de histórias de consumo que são construídas, contestadas e

continuamente revisadas pelos seus membros de forma conjunta. As histórias de

família nunca estão completas e para Epp e Price (2008) uma investigação desses

significados deve levar em conta não somente as histórias contadas pelos membros

da família mas também as imagens que ajudam a contar a história, como fotos e

websites.

Os dramas sociais ocorrem nos mais variados estratos sociais e aparecem

como uma resposta à violação de normas de um indivíduo ou grupo em relação a

um sistema de relações sociais mais amplo, trazendo à tona a questão da identidade

e as mudanças que podem ocorrer como resposta a um processo disruptivo. Num

contexto de consumo, os dramas são comuns e relacionados aos diferentes grupos

(e suas identidades) que se formam em uma família. Novas tecnologias ou produtos,

por exemplo, podem alterar as relações entre os membros de uma família (EPP e

PRICE, 2008).

A influência intergerações, por outro lado, significa que os objetos, produtos e

práticas já existentes no âmbito familiar podem representar simbolicamente a

identidade daquele grupo e sua transmissão às novas gerações está relacionada ao

desejo de transmissão e perpetuação da identidade compartilhada naquela família.

Essa transmissão intergerações geralmente vem acompanhada de histórias de

família, cujo objetivo é educar e socializar os mais jovens mostrando o significado

que aqueles bens possuem para aquela família (ARNOULD e EPP, 2006). Nesse

contexto, as interações diárias são fundamentais para a construção e transmissão

de identidade através de rotinas, atividades comuns e formas de comunicação que

são próprias de cada família (EPP; PRICE, 2008).

Para Epp e Price (2008), portanto, esses processos são de mão dupla, uma

vez que a identidade familiar influencia o conteúdo e o processo de socialização e a

socialização é fundamental para o desenvolvimento e a manutenção da identidade

familiar. Dessa forma, narrativas, rituais, dramas sociais (“social dramas”),

interações diárias e transferências intergerações tornam-se espaços onde ocorrem

os processos de socialização.

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Uma outra questão relevante ao se analisar a influência da família no

processo refere-se à análise dos microambientes existentes dentro de uma mesma

família. Segundo Kerrane e Hogg (2013), os microambientes representam a posição

única de cada filho dentro de uma família e a maneira como esses microambientes

se relacionam com o consumo geram formas de influência diferentes para cada um

de seus membros no processo de socialização. Os autores verificam na sua

pesquisa que, apesar da maioria dos estudos analisarem a influência dos pais sobre

seus filhos como se ela ocorresse de forma igualitária para todos, dentro de cada

família existem ambientes não compartilhados que são diferentes para cada filho e

que explicam o fato de que dentro de uma mesma família os filhos possam ser bem

diferentes uns dos outros (KERRANE e HOGG, 2013).

Pesquisas no ramo de psicologia e ciência comportamental já demonstram

que o temperamento dos filhos pode ter grande influência nas relações com os pais

(crianças consideradas “difíceis” não são tratadas da mesma forma daquelas

consideradas “tranquilas”), ou ainda que filhos caçulas podem ter um tratamento

mais carinhoso que os outros filhos, mostrando que pode haver formas de

tratamento desiguais devido às diferenças entre os irmãos. Dessa forma, ainda, os

padrões de comunicação podem ser múltiplos, ocorrendo de formas diferentes

dentro de cada microambiente (KERRANE e HOGG, 2013).

O que a pesquisa de Kerrane e Hogg (2013) mostra é que entre os irmãos

também há a formação de microambientes que variam entre relações contenciosas

e relações colaborativas. Dessa forma, os irmãos aparecem como um primeiro

estágio de um processo dual de busca por opiniões e aprovações de práticas de

consumo, onde o jovem busca primeiro a opinião dos seus irmãos e depois a

aprovação dos pares com risco percebido reduzido de reprovação do grupo. Os

irmãos podem representar inclusive papéis de líderes de opinião dentro daquele

ambiente familiar. Dessa forma, portanto, as relações diferenciadas com os pais e os

irmãos criam microambientes não compartilhados que levam a oportunidades

diferenciadas de aprendizado sobre consumo e esferas de influência desiguais dos

agentes de socialização (KERRANE e HOGG, 2013).

Finalmente, é importante pontuar que embora a visão tradicional seja da

influência unidirecional de pais sobre filhos (que seriam moldados segundo as

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preferências dos pais), o que se percebe cada vez mais é que essa relação pode ser

bidirecional, como um sistema social onde a ação de cada participante pode servir

de estímulo e influência para o outro (EKSTRÖM, 2006). Em seu artigo seminal de

1974, Scott Ward já apontava para a necessidade de estudos sobre o que o autor

denominou de “socialização reversa”, que ele define como “os processos através

dos quais os filhos podem influenciar os conhecimentos, habilidades e atitudes de

seus pais em relação a consumo” (p.12). Diversos estudos mencionam essa questão

(EKSTRÖM, 2006; SHIM, SERIDO e BARBER, 2011; MINAHAN e HUDDLESTON,

2013) e apontam para o fato de que o processo de socialização ocorre em um

relacionamento, o que envolve portanto relações de transmissão e apreensão de

conhecimento e pode inclusive não ocorrer de forma direta, uma vez que a criança

ou o jovem pode acabar influenciando o consumo dos pais tendo sofrido influência

de outros agentes de socialização como os pares ou os meios de comunicação

(EKSTRÖM, 2006).

A importância da dinâmica reversa ou mútua do processo de socialização foi

explorada por Shah e Mittal (1997) que propõem o termo Intergenerational Influence

ou IGI para circunscrever um espaço particular do processo de aprendizado entre

gerações. Ao se analisar os processos de influência e as formas de construção de

aprendizado do jovem, objetivo principal desse trabalho, mostra-se de grande

relevância a discussão sobre IGI (“Intergenerational Influence”). Segundo Shah e

Mittal (1997), “IGI (...) pode ser definido como a influência de uma geração familiar

em outra através da aquisição de habilidades, atitudes, preferências, valores e

comportamentos relacionados ao mercado.” (p. 55).

A similaridade entre o conceito de IGI e de socialização do consumidor

(WARD, 1974) aponta para a necessidade de comparação e diferenciação entre

ambos, para fins de orientação dos espaços de pesquisa. Baseado nisso, Shah e

Mittal (1997) destacam algumas diferenças. Primeiramente, a socialização do

consumidor pode ocorrer através de vários agentes de influência como a família, os

pares e os meios de comunicação de massa, entre outros, enquanto o IGI está

relacionado à influência dentro da esfera familiar. Além disso, o processo de

socialização começa desde cedo na primeira infância (SHAH e MITTAL, 1997;

JOHN, 1999) enquanto o IGI começa mais tarde, na idade adulta, quando já foram

apreendidos uma série de comportamentos e habilidades e há uma maior liberdade

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no processo de tomada de decisão. A Figura 4 oferece uma visão mais clara da

interseção que há entre essas duas linhas de pesquisa.

Figura 4 - Socialização do Consumidor versus IGI (“Intergenerational Influence”). Fonte: Shah

e Mittal, 1997, p. 56, tradução nossa.

A família aparece então como um importante agente de influência ao longo da

vida, começando na infância e se perpetuando na fase adulta. Além disso, percebe-

se que muitos dos resultados do processo de socialização na infância perpetuam-se

e influenciam as atitudes relacionadas ao consumo do adulto. É importante destacar

nessa figura que o processo de socialização recíproca também é estudado na linha

de pesquisa de IGI, uma vez que também se percebe a influência dos filhos sobre os

pais em escolhas relacionadas a consumo (SHAH e MITTAL, 1997; MOORE e

WILKIE; LUTZ, 2002; GENTINA, DECOOPMAN e RUVIO, 2013).

Para Shah e Mittal (1997), a distinção entre os dois períodos de vida (infância

e fase adulta) reside na liberdade física e psicológica do jovem na idade adulta,

quando ele já tem liberdade para tomar suas próprias decisões, possui recursos

próprios para o consumo e principalmente ao sair de casa (para morar sozinho ou

casar, por exemplo). O momento de sair da casa dos pais é crítico no que se refere

ao comportamento de consumo, já que os jovens passam a se deparar com novas

situações de consumo e por falta de experiência passam a buscar informações

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externas, tendo a família como grande influenciador devido a sua proximidade e

confiabilidade (BRAVO, FRAJ e MARTÍNEZ, 2006).

A influência intergerações (IGI) já é estudada por diferentes autores desde a

década de 70, que encontraram em várias pesquisas grandes similaridades de

comportamentos de compra e preferências entre pais e filhos não só em termos de

marca mas também em relação a crenças e atitudes, como busca por promoções,

compras compulsivas, relações entre preço e marca e abertura para testar novas

marcas entre outras. (MITTAL e ROYNE, 2010).

Ao analisar grupos de referência, Park e Lessig (1977 apud MITTAL e

ROYNE, 2010) apontam a existência de dois tipos de influência: informacional e

normativa. A influência informacional vem do poder de expertise, do conhecimento

necessário à tomada de decisão sobre consumo. A influência normativa divide-se

em utilitária e por expressão de valor (“value-expressive”), sendo que a influência

utilitária ocorre através de punições e recompensas e a por expressão de valor

ocorre por identificação, onde a atratividade da personalidade do agente funciona de

tal forma que o receptor se identifica e repete os comportamentos e escolhas do

agente.

É importante destacar que os membros da família podem exercer esses três

tipos, já que eles possuem informações e expertise sobre as marcas que já

experimentaram, poder financeiro que pode fazer com que sejam adquiridos

determinados produtos, hábitos que depois podem acabar permanecendo nos filhos

já adultos e o uso de recursos como elogios e críticas que podem utilizar em relação

a determinados comportamentos de compra (MITTAL e ROYNE, 2010). Para os

autores, além dessas formas de influência (educação, doutrinação, submissão e role

model) pode-se acrescentar a observação como uma forma potencial e poderosa de

influência tanto para a análise do processo de socialização do consumidor quanto

para o estudo de IGI.

Outro fator de extrema importância na análise da influência intergerações é a

comunicação familiar. Apesar de variar de acordo com o tipo de família e a cultura

em que está inserida, a comunicação pode influenciar em preferência de marca,

busca de informações, grau de impacto da mídia e sensibilidade a preços, entre

outros fatores (CHILDERS e RAO, 1992). Além disso, o conhecimento dos hábitos e

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preferências da família (chamado de “family awareness”) pode influenciar também o

comportamento de consumo do jovem (BRAVO, FRAJ e MARTÍNEZ, 2006).

A categoria de produto analisada também pode diferenciar o impacto do IGI

no jovem. Segundo a pesquisa de Childers e Rao (1992), por exemplo, o impacto do

IGI é mais forte nos bens consumidos em privado do que aqueles consumidos em

público. No que se refere à marca, especificamente, as influências do IGI podem

gerar tanto um ressentimento em relação a marcas que trazem lembranças

negativas (o que culmina na não aquisição das mesmas) quanto uma atitude

positiva, quando a marca pode tornar-se a favorita do indivíduo ao remeter às

lembranças positivas da família (MOORE, WILKIE e LUTZ, 2002).

Pares

Os pares são agentes de socialização de grande importância particularmente

para o jovem (JOHN, 1999). Na literatura de socialização analisada, não há uma

definição única do que constituem exatamente os “pares”, o que traz algumas

nuances diferenciadas na sua investigação. Para Ward (1974), o conceito de “peers”

está relacionado ao grupo de amigos da escola, enquanto para Moschis e Churchill

(1978) é simplesmente o grupo da mesma faixa etária do adolescente, não fazendo

referência ao fato de frequentarem a mesma escola ou não. A visão de Gentina e

Bonsu (2013) é semelhante e une as duas visões, considerando os pares como o

grupo de amigos do adolescente, jovens que fazem parte da sua rede social em

geral, ainda que o local primário dessa interação do jovem com seus pares seja na

escola (GENTINA, 2014).

Com o passar dos anos, na passagem da infância para a adolescência e nos

anos que se seguem, o que se vê é que a influência dos pais começa a diminuir e a

dos pares torna-se cada vez mais importante (WARD, 1974; MOSCHIS e

CHURCHILL, 1978). Essa influência pode ser ainda maior em situações onde há

pouca comunicação dentro da família, padrões de comunicação orientados para o

social (“socio-oriented”) e em ambientes familiares instáveis (JOHN, 1999).

Além disso, os pares contribuem para o aprendizado de elementos

relacionados a consumo como motivações sociais e valores materialistas (MOSCHIS

e CHURCHILL, 1978). A comunicação dos adolescentes com o grupo de amigos

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sobre consumo traz na sua essência uma discussão sobre os valores sociais

embutidos nos bens e serviços e sua importância para construção e manutenção de

uma identidade social que começa a ser desenvolvida nessa fase (MOSCHIS;

CHURCHILL, 1978; GENTINA e BONSU, 2013). Além disso, a comunicação com os

amigos pode fazer com que o jovem conheça e tenha acesso a uma série de

produtos e oportunidades de compra que são diferentes do que acontece no seu

contexto familiar (MOSCHIS e CHURCHILL, 1978; LUEG et al., 2006). Nesse

período, os jovens podem inclusive buscar posições de destaque dentro de um

grupo, adaptar-se às suas normas e buscar informações sobre marcas, critérios de

avaliação de produtos e tomadas de decisão de compra dentro do grupo de amigos

(GENTINA e BONSU, 2013; GENTINA, 2014).

Os adolescentes confiam nas opiniões do seu grupo de amigos e o ato de

irem juntos às compras auxilia no estabelecimento e reforço de posições

hierárquicas dentro desse grupo (GENTINA e BONSU, 2013). Essa questão é

relevante pois as adolescentes que ocupam posições centrais no grupo têm uma

grande percepção de poder e geralmente tornam-se líderes de opinião,

influenciando as práticas daquele grupo (GENTINA, 2014). Ao reconhecer que boa

parte das pesquisas se preocupa mais em analisar a suscetibilidade dos

adolescentes às influências do grupo do que o impacto que podem ter as diferentes

posições sociais que os adolescentes ocupam dentro do grupo, Gentina (2014)

propõe, então, uma escala contínua de pertencimento social que vai dos mais

integrados para os menos integrados: “cliques”, “liaisons” e “isolates”.

Através dessa escala, Gentina (2014) mostra que ao explorar sua rede de

relacionamentos os adolescentes buscam posições que sejam mais adequadas ao

seu perfil de sociabilidade. Os “cliques” são definidos como um grupo de pelo menos

três pessoas cuja maior parte das suas conexões forma-se com os membros que

estão no mesmo grupo; os “liaisons” são aqueles que não pertencem a um único

grupo (como os cliques) mas funcionam como conexões, transitando por diferentes

grupos e interagindo extensivamente com outros pares. Essa movimentação por

diferentes grupos aumenta a expertise dos “liaisons” ao proporcionar acesso mais

rápido a uma grande quantidade de informações, que são então compartilhadas com

os outros. Os “isolates”, finalmente, são aqueles que têm pouca ou nenhuma

interação com os demais pares e inclui também aqueles pares ou grupos de

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adolescentes que só possuem laços de amizade entre si. Geralmente os “isolates”

aspiram tornar-se parte de um grupo de referência, podendo inclusive imitar seus

comportamentos e hábitos de consumo para aproximar-se deles (GENTINA, 2014).

A compreensão do papel que ocupam no grupo e o nível de influência ao qual os

adolescentes estão sujeitos são importantes aspectos ao se analisar as formas de

aprendizado dos jovens consumidores, objetivo desse trabalho.

Meios de comunicação de massa

Os meios de comunicação de massa podem ser importantes agentes de

socialização e dois de seus principais influenciadores são a televisão e a

propaganda (MOSCHIS e CHURCHILL, 1978). A televisão possui uma série de

características que podem contribuir para sua influência enquanto agente de

socialização. Entre o final da Segunda Guerra Mundial e os anos 60, a televisão

passou de novidade a um produto cada vez mais comuns nos lares. Em termos de

horas de exposição, a televisão ganha de outros tradicionais agentes de

socialização como escola e muitas vezes dos próprios pais. Em segundo lugar,

seus efeitos são por muitas vezes invisíveis, já que se tornou uma atividade tão

rotineira que a percepção de sua importância pode passar despercebida.

Além disso, a televisão provê imagens e histórias de vida que podem ser bem

diferentes do meio social e das atividades diárias dos seus telespectadores

(O‟GUINN e SHRUM, 1997). Os programas de televisão podem ter uma influência

direta ou indireta, criando desejos de consumo e aspirações nos telespectadores em

relação aos seus personagens e histórias (MOSCHIS e CHURCHILL, 1978), assim

como sobre a forma como os produtos são utilizados e o contexto social de consumo

(JOHN, 1999; O‟GUINN; SHRUM, 1997).

Em relação à propaganda, são vários os estudos que analisam e reforçam o

seu papel enquanto influenciador de desejos e aspirações de consumo, geralmente

relacionados à influência nas crianças de preferências de produto e decisões de

compra (WARD, 1974; JOHN, 1999). Neste contexto, a propaganda aparece como

uma forma de comunicação que traz, na aquisição de determinados produtos, a

sugestão de cumprimento de objetivos essenciais na vida de um indivíduo,

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associado a posições de status, sucesso e felicidade (CHIA, 2010) e ao

desenvolvimento de valores materialistas (MOSCHIS e CHURCHILL, 1978; CHIA,

2010).

Apesar disso, estudos como o de Moschis e Churchill (1979) e John (1999)

sugerem que, com o passar dos anos, o desenvolvimento cognitivo do jovem, as

experiências de compra e a compreensão dos objetivos das ações de marketing

podem gerar uma transformação da visão da propaganda como informação e

entretenimento para uma visão cética e analítica, podendo gerar resistência dos

consumidores e uma diminuição da sua esfera de influência.

Internet

Uma vez que os estudos seminais sobre a socialização do consumidor são da

década de 70 e 80, a maior parte das pesquisas sobre esse assunto somente

analisa os tradicionais agentes de socialização (família, pares e meios de

comunicação de massa). Há, portanto, poucos estudos que tratem do papel da

Internet como agente de socialização, embora sua importância seja crescente como

fonte de informações sobre consumo e entretenimento, particularmente para o jovem

(SHIM, SERIDO e BARBER, 2011).

A chamada Geração Y, que compreende cerca de 60 milhões de pessoas

nascidas entre os anos de 1979 e 1994, foi a primeira a se familiarizar desde muito

cedo com as possibilidades de transmissão de informações por meio de um

computador, seja na busca por notícias diárias, pesquisas escolares, entretenimento

ou socialização através das novas formas de interação e comunicação,

possibilitadas pelo desenvolvimento das redes sociais (LUEG et al., 2006).

O conceito de redes sociais está relacionado a indivíduos que constroem

laços baseados em interações e trocas de informação (WASSSERMAN e FAUST,

1994 apud GENTINA, 2014). Com a Internet, a proximidade não precisa mais ser

física e a troca de informações pode ser mais rápida e proveniente de qualquer lugar

do mundo. As redes sociais passaram a então denominar outras ferramentas de

comunicação como blogs, chats e redes de relacionamento e compartilhamento

como Twitter, Facebook e Youtube, entre tantas outras que surgem a cada dia.

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Embora uma definição precisa varie entre os autores, os sites de redes

sociais estariam dentro de um conceito mais amplo de mídias sociais, que seriam

“um conjunto de ferramentas online que apoiam a interação social, incluindo serviços

como e-mail, blogs, microblogs, chats, sites de redes sociais, wikis, sites de

compartilhamento de fotos e jogos multiplayer online” (HANSEN et al., 2011 apud

BARCELOS e ROSSI, 2014). Essa definição permite um contraste com as mídias

tradicionais (TV, Rádio, Jornal, Revista), cuja informação é transmitida de forma

massificada e com pouca ou nenhuma possibilidade de feedback direto do usuário.

Através das mídias sociais, qualquer usuário com acesso à rede pode alcançar uma

quantidade infinita de informações e compartilhar seus próprios conteúdos e

opiniões com usuários do mundo todo instantaneamente (BARCELOS; ROSSI,

2014).

Denominações como “Net Generation” (LUCZAK e YOUNKIN, 2012), ou

nativos digitais (EZAN, MALLET e ROUEN-MALLET, 2014) são comuns para

descrever esses jovens que se encontram numa fase em que há grande

necessidade de pertencimento a um grupo, e que hoje interagem fortemente neste

ambiente (EZAN, MALLET e ROUEN-MALLET, 2014). Através da rápida

disponibilidade de acesso por meio de dispositivos como laptops, tablets e celulares,

as mídias sociais possibilitam que esses jovens vivenciem importantes experiências

online e em comunidades virtuais, que refletem a necessidade dos jovens de

interação com seus amigos. As mídias sociais também são importantes para a troca

de informações e a busca de grupos com os quais os jovens se identificam, o que se

relaciona com o processo de experimentação e construção de identidade típico

dessa fase da vida (BARCELOS e ROSSI, 2014; GENTINA, 2014).

Os blogs, por exemplo, são um tipo de comunidade virtual extremamente

relevante ao se analisar o jovem nas redes sociais pois através do blog o jovem

pode produzir e disponibilizar seu próprio conteúdo com rapidez e eficiência. O

mundo virtual parece facilitar a interação do jovem com outros e, nesse contexto, a

blogosfera permite ao jovem experimentar, testar e definir os contornos da sua

identidade, podendo facilitar inclusive a aceitação de certos traços através do

anonimato ou de pseudônimos (EZAN, MALLET e ROUEN-MALLET, 2014). Os

blogs podem servir também como um “diário virtual” onde há trocas de informações

sobre os dilemas típicos de determinada fase, como um importante meio para troca

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de informações sobre determinados interesses comuns aos seus membros e ainda

por uma vontade do blogueiro de aconselhar e partilhar conhecimento sobre um

tema específico pelo qual ele tenha grande interesse, como maquiagem, por

exemplo (EZAN, MALLET e ROUEN-MALLET, 2014).

Kozinets (2006) contribui para essa discussão quando descreve o blog como

uma nova força que oferece um contraponto às formas tradicionais de comunicação,

patrocinadas por empresas. Como as informações do blog são criadas por

consumidores, oferecem uma narrativa alternativa que atinge milhares de pessoas

através de comentários sobre produtos e marcas, bem como tutoriais que ensinam

tradicionais e novos usos para os produtos.

Nesse contexto, Mcquarrie, Miller e Phillips (2013) descrevem o “efeito

megafone” ao falar sobre a potencialidade da internet em disponibilizar a uma

audiência de massa o acesso a conteúdos criados por usuários comuns, sem

experiência profissional no campo de interesse ou posições sociais privilegiadas. Ao

estudar blogs de moda, os autores identificaram uma série de etapas percorridas

pelos blogs até que alcancem grande notoriedade na rede. Entre os diferenciais

daqueles que são bem sucedidos, Mcquarrie, Miller e Phillips (2013) apontam para a

ideia de gosto como capital cultural, uma noção trazida a partir dos estudos de

Bourdieu nos anos 60. O gosto pode ser desenvolvido a partir de determinados

domínios culturais, mas também pode ser adquirido em determinadas situações de

consumo. Assim, ser reconhecido como uma liderança pelo seu bom gosto (“taste

leader”) em determinada categoria eleva a posição dos blogueiros de consumidores

comuns para referências e traz um empoderamento no qual suas opiniões e gostos

são fortemente valorizados pelos seus seguidores na rede (MCQUARRIE, MILLER e

PHILLIPS, 2013).

Outras mídias sociais também foram analisadas para uma melhor

compreensão dos seus papéis enquanto ferramentas de comunicação entre

empresas e consumidores e entre os próprios consumidores. Dellinghausen, Mondo

e Costa (2012), por exemplo, analisaram as interações de quatro empresas

brasileiras de cosméticos (2012) com seus clientes através do Twitter, onde

verificaram que ainda não há uma postura padrão de comportamento das empresas

em relação às mídias sociais e que as empresas estabelecem diferentes

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relacionamentos com seus clientes, que vão desde interações diárias a

participações pontuais e inexistentes. Ainda assim, o estudo mostrou que marcas

com imagens fortes no mercado tiveram um grande número de citações pelos

usuários mesmo entre aquelas sem participação ativa no microblogging. Isso mostra

a importância e potencialidade desse canal ao servir como uma plataforma de

interação e troca de experiências entre consumidores.

Analisar o impacto das mídias sociais na construção de conhecimentos e

hábitos de consumo, bem como sua relação com os demais agentes de influência é

portanto fundamental para uma compreensão das dinâmicas de influência no

processo de socialização de jovens no contexto atual.

2.2 Do consumidor receptor ao consumidor-produtor

Na contemporaneidade, o consumidor vem assumindo novos papéis que

cada vez mais o aproximam do papel de produtores (ou coprodutores) de produtos e

serviços e o distanciam da visão pós-Segunda Guerra Mundial de “compradores

passivos” (COVA e COVA, 2012, p.10) diante das estratégias das mídias de massa

e de uma oferta crescente de bens de consumo (COVA e COVA, 2012; CAMPBELL,

2004). Segundo Campbell (2004), é possível ainda distingui-lo da imagem de

“manipulador de significados simbólicos vinculados aos produtos” (p. 46) onde a

aquisição dos bens pelos consumidores estaria relacionada aos seus interesses de

criar ou manter uma determinada identidade ou estilo de vida. Na visão do autor, os

indivíduos já possuem um senso de identidade claro e suas atividades de consumo

estariam relacionadas a “um desejo de tomar parte em atos criativos de expressão

de sua individualidade.” (CAMPBELL, 2004, p. 46).

Assim, nessa seção, discutiremos o impacto desta reformulação na condição

do consumidor em diferentes territórios. Primeiramente, discutiremos como o

entendimento de um consumidor ativo determina novas lógicas de relação com o

mercado, exemplificados pelo advento da lógica dominante de serviços e dos novos

processos de cocriação consumidor-empresa. Além disso, serão discutidos novos

papéis e práticas de prossumo como o “Do-It-Yourself” (DIY). Será apresentada a

vertente crítica a este movimento, baseada na noção de governamentalidade de

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Foucault (2008b). Finalmente, serão discutidas as diversas definições e perspectivas

sobre esse “novo consumidor”.

2.2.1 Novos movimentos na relação consumidor-empresa: a lógica dominante de

serviço

Segundo Vargo e Lush (2004), a chegada do século XXI trouxe importantes

mudanças na lógica dominante de mercado. Até então, a visão de mercado

predominante vinha da economia e era baseada no que os autores chamam de

visão de marketing centrada em bens (“goods-centered view”), geralmente bens

manufaturados. Para os autores, nesta visão há uma separação entre produção e

consumo e um objetivo de padronização na produção, que ocorre sem o

envolvimento do consumidor e que passa a requerer ainda uma distribuição física,

além da existência de estoques.

Para Vargo e Lush (2004) os consumidores não compram produtos ou

serviços e sim ofertas que prestam serviços e criam valor. Assim, passa a ocorrer

um foco cada vez maior em serviços, o que significa uma mudança na perspectiva

do produtor e dos meios para uma perspectiva centrada no consumidor e em sua

utilização daquilo que é oferecido no mercado. A visão de marketing centrada em

serviços implica, portanto, em uma série contínua de aprendizados e

desenvolvimento de processos sociais e econômicos que visam à criação de

proposições de valor superiores aos concorrentes. A visão centrada em serviços não

é somente orientada para o consumidor, ela está relacionada ao aprendizado e à

colaboração com os consumidores, a fim de conhecer e adaptar-se às suas

necessidades. Dessa forma, nesta linha entende-se que o valor deva ser

coconstruído com o consumidor e não somente embutido no produto final para

consumo (VARGO e LUSH, 2004).

Ao analisar as premissas para a mudança na lógica dominante de mercado,

Vargo e Lush (2004) apontam que, enquanto na perspectiva baseada em bens o

produtor e o consumidor eram vistos como atores separados, na visão baseada em

serviços “o consumidor está sempre envolvido na produção de valor” (p. 11). Mesmo

no caso da produção de bens tangíveis, a produção é vista como um processo

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intermediário e não como um fim. Afinal, os bens prestam serviços ao consumidor e

isso só acontece na medida em que o consumidor aprende a utilizá-lo, mantê-lo e

repará-lo, ou seja, durante o processo de utilização o consumidor está dando

continuidade ao processo de consumo, de marketing e de criação de valor. Para

Vargo e Lush (2004), o que a empresa pode oferecer então é uma proposição de

valor, pois o consumidor é que vai determinar e conferir valor através de um

processo de coprodução. Nesse sentido, portanto, “a interatividade, integração,

personalização, e coprodução são as marcas de uma visão centrada no serviço e

seu foco inerente no cliente e no relacionamento” (VARGO e LUSH, 2004, p.11).

Essa mudança na lógica de mercado também pode ser vista na análise de

Cova e Cova (2012), que aponta para três perspectivas que se sucedem na lógica

de marketing e na figura do consumidor: marketing de relacionamento, marketing de

experiências e marketing colaborativo. No marketing de relacionamento, o objetivo

era o estreitamento de relações, seja entre fornecedores e empresas mas

principalmente no desenvolvimento de relacionamentos de longo prazo entre

empresas e consumidores. A ideia era de fragmentação e personalização,

caracterizando um consumidor mais individualista, pós-moderno, livre de rigores

familiares, educacionais e sexuais (COVA e COVA, 2012).

O marketing de experiências ultrapassa a visão utilitária e funcional do

consumo, concentrando-se na experiência do consumidor, em linha com o trabalho

de Holbrook e Hirschman (1982) que trata sobre a importância das experiências de

consumo, da visão subjetiva e dos valores hedonistas, perspectivas que para esses

autores deveriam ser consideradas com grande relevância no estudo do

comportamento do consumidor. O consumidor passa a ser considerado com seus

traços emocionais e não somente racionais, e uma boa gestão da experiência passa

a considerar a forma e as circunstâncias da interação entre consumidor e empresa

(COVA e COVA, 2012). Nessa visão, portanto, os consumidores são “atores e

jogadores” (COVA e COVA, 2012, p. 6), interagindo com as marcas e produtos que

a empresa oferece e nos locais que são disponibilizados pelas empresas.

Por fim, o marketing colaborativo surge a partir de estudos sobre inovação e

design que passam a ver os usuários como potenciais colaboradores na criação de

novos produtos e serviços. Essa perspectiva trazida por Cova e Cova (2012) está

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em linha com a lógica dominante de serviço de Vargo e Lush (2004) onde o objetivo

passa do “marketing para os consumidores” para o “marketing com os

consumidores” (COVA e COVA, 2012, p.6). Essa eliminação das fronteiras entre

consumidor e produtor juntamente com a cocriação entre consumidores e empresas

são questões-chave do marketing colaborativo.

Assim, as ações não são pensadas para o consumidor e sim em

conformidade com ele, pois seu papel passa a ser central no processo. Para Vargo e

Lush (2004), nessa lógica de mercado, o grande competidor das organizações

passa a ser o consumidor potencial, uma vez que hoje ele tem duas possibilidades:

engajar-se no “faça você mesmo” (“Do-It-Yourself”) ou procurar no mercado de

consumo. No entanto, ainda que ele opte pelo “faça você mesmo”, ele precisa

adquirir uma série de suprimentos e ferramentas no mercado de consumo para

poder engajar-se nessa atividade. Dessa forma, o consumidor tende a especializar-

se cada vez mais e, ao mesmo tempo, tornar-se cada vez mais dependente do

mercado, seja para serviços ou para aquisição de suprimentos.

Vargo e Lush (2004) sugerem, portanto, que as empresas que quiserem ser

bem sucedidas nesse novo contexto devem engajar-se no relacionamento com o

consumidor tornando-se consultores, buscando informar-se sobre suas

necessidades e oferecendo soluções customizadas, envolvendo-se no processo de

criação de valor. Nos tópicos a seguir os processos de cocriação e “Do-It-Yourself”

serão discutidos com mais profundidade.

2.2.2 Cocriação

Um dos aspectos mais importantes da lógica dominante de serviço é o papel

dos consumidores enquanto cocriadores de valor (VARGO e LUSH, 2004, 2008;

XIE, BAGOZZI e TROYE, 2008). Segundo Cova, Dalli e Zwick (2011) pode-se definir

cocriação da seguinte forma: “... produção de valor que ocorre cada vez mais

através da interação entre empresa e consumidores como resultado de um processo

colaborativo no desenvolvimento de produtos e serviços.” (p.232)

Para os autores, a cocriação enquanto área de pesquisa desenvolve-se a

partir dos artigos de Prahalad e Ramaswamy (2000, 2004a, 2004b) sobre o tema,

trazendo estudos que apontam para o deslocamento do locus de criação de valor de

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dentro para fora da empresa, através da aproximação da empresa com os

consumidores e as consequentes trocas de informação que passam a ocorrer com

uma frequência cada vez maior.

Para Prahalad e Ramaswamy (2004a, 2004b) é necessário perceber a

mudança no papel do consumidor, que passa de um papel passivo, desinformado e

isolado para um papel mais ativo, conectado e informado. Muitas dessas mudanças

estão relacionadas às novas tecnologias, particularmente com o avanço da Internet

e o advento da chamada Web 2.0 (COVA, DALLI e ZWICK, 2011; RITZER e

JURGENSON, 2010). Na Web 2.0, o grande desenvolvimento é o de um estilo

específico de interação com os consumidores e com a informação que difere da fase

anterior, a chamada Web 1.0 (GRINNELL, 2009). Na fase inicial, havia uma nítida

separação dos papéis, onde as empresas utilizavam a web para oferecer

informações e os usuários apenas acessavam-nas. Para Grinnell (2009), enquanto

nessa fase a palavra-chave era portal, hoje a palavra seria plataforma, com

aplicações que permitem novas funcionalidades e que transformam o paradigma dos

usuários de passivos para ativos, uma vez que a Web 2.0 é definida pela produção

de conteúdos de forma colaborativa (RITZER e JURGENSON, 2010) e a interação

dos usuários é necessária (GRINNELL, 2009). “A posse dos processos, conteúdos,

problemas e soluções não estão com os indivíduos e sim com o grupo; as relações

de poder, portanto, estão fundamentalmente diferentes. ”(GRINNELL, 2009, p.593).

A possibilidade de acesso a uma vasta quantidade de informações permite

que os consumidores possam não só buscar informações sobre as empresas,

produtos, preços e tecnologias mas também trocar informações com outros usuários

sobre performance e qualidade, entre outras possibilidades (PRAHALAD e

RAMASWAMY, 2004a). A tecnologia passa de suporte a uma plataforma de

integração entre indivíduos, onde redes sociais, blogs, wikis e comunidades de

marca passam a permitir que pessoas com interesses comuns possam se encontrar,

compartilhar ideias e colaborar das mais variadas formas (GRINNELL, 2009).

A web 2.0 permite que os consumidores sejam também produtores, seja

através da manutenção de um blog, participação em uma rede social, em

plataformas colaborativas ou ainda no desenvolvimento de produtos (GRINNELL,

2009; PRAHALAD e RAMASWAMY, 2004a). Para Ritzer e Jurgenson (2010), a

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“Web 2.0 deve ser vista como crucial do desenvolvimento dos “meios de prossumo”

(p.19), que para os autores é uma junção entre produção e consumo, diferente da

visão tradicional que os tomava como atividades separadas.

Como resultado desse novo ambiente de interação, portanto, não seria mais

possível para as empresas desenvolver produtos e serviços de forma independente,

instalar processos, pensar em canais de venda e planejar a comunicação e

promoção dos seus produtos e serviços sem a interferência dos consumidores

(PRAHALAD e RAMASWAMY, 2004a). Isso porque os consumidores agora

possuem ferramentas e fácil acesso a uma grande quantidade de informações, e

querem interagir com não só com as empresas mas com outros profissionais,

provedores de serviços e outros consumidores, participando do processo de

definição e criação de valor. Assim, para Prahalad e Ramaswamy (2004a) “a

experiência de cocriação de valor do consumidor torna-se a própria base do valor”

(p.5).

Como resultado, a criação de valor pelas empresas passa a estar

subordinada ao engajamento e participação dos indivíduos no processo

(PRAHALAD e RAMASWAMY, 2004a), que trazem seus conhecimentos,

habilidades, disposição para a experimentação e abertura para um diálogo aberto

com as empresas (PRAHALAD e RAMASWAMY, 2000). A interação, que pode

ocorrer em qualquer ponto do sistema e não somente nos canais de venda, torna-se

então o locus de criação de valor e torna-se fundamental para a descoberta de

novas formas de vantagem competitiva (PRAHALAD e RAMASWAMY, 2004b).

Para Prahalad e Ramaswamy (2004a), nesse processo as empresas devem

desenvolver ambientes de experiência (“experience environments”) flexíveis que

permitam que os consumidores possam coconstruir e personalizar suas próprias

experiências, de forma que, eventualmente, os papéis da empresa e do consumidor

possam convergir para uma experiência única de cocriação de valor (“experience of

one”).

Os autores consideram relevante também a diferenciação entre o que é

cocriação daquilo que não pode ser considerado como tal. Para Prahalad e

Ramaswamy (2004a, b) cocriação não significa ter o foco no consumidor, não é a

transferência ou outsourcing de algumas atividades para consumidores e nem a

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customização em massa de produtos e serviços. A cocriação é uma criação de valor

conjunta entre empresa e consumidor. A ideia é oferecer um ambiente de

experiências inovador no qual os consumidores possam dialogar de forma aberta

com as empresas e coconstruir experiências personalizadas, ainda que o produto

seja o mesmo, ou seja, diferentes consumidores podem ter diferentes experiências

com o mesmo produto. Essa característica de não-padronização da cocriação é o

que para Cova, Dalli e Zwick (2011) garante que as experiências sejam diferentes e

que um valor diferenciado possa ser criado. Assim, as empresas que inserem as

práticas de cocriação garantem uma estratégia de defesa contra a comoditização e

ao mesmo tempo podem criar e aperfeiçoar produtos e serviços cocriados cobrando

um preço premium por essa diferenciação (PRAHALAD e RAMASWAMY, 2004a) .

O Quadro 1 mostra de forma mais clara as diferenças entre a forma

tradicional de ação das empresas e o novo formato através da cocriação.

Quadro 1 – Migração para as experiências de cocriação. Fonte: Prahalad e Ramaswamy,

2004 a, tradução nossa.

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Dado que as interações tornam-se o locus da criação de valor, Prahalad e

Ramaswamy (2004a, b) sugerem que uma melhor análise desse processo passa

pela compreensão dos seus blocos-chave: diálogo, acesso, percepção de risco e

transparência, o que os autores chamam de modelo DART de cocriação. Além da

importância do diálogo entre empresa e consumidores e do acesso através de

ferramentas e informações (tópicos que já foram discutidos anteriormente), os

autores também apontam para a importância de uma análise dos riscos que podem

existir para os consumidores durante o processo de cocriação e as

responsabilidades subjacentes. Além disso, há uma necessidade contínua de

transparência na relação empresa-consumidor, seja em relação aos produtos,

tecnologias, preços, custos ou margem de lucro. A ideia é que, com a combinação

desses blocos, os consumidores possam cada vez mais engajar-se como

colaboradores, levando à construção de novos modelos de negócio e

funcionalidades que se constroem através das experiências de cocriação

(PRAHALAD e RAMASWAMY, 2004a,b).

Outra perspectiva é trazida por Bernard Cova (2008) ao tratar sobre o

“consumer made”. Segundo o autor, “Consumer Made é o resultado da junção de

competências de um ou mais consumidores a fim de modificar ou melhorar a oferta

das empresas e chegar assim a uma criação original” (p.19). As evoluções

tecnológicas e a própria evolução da sociedade pós-moderna criaram uma

conjuntura em que os consumidores possuem um papel mais ativo, modificando os

significados e usos dos objetos e códigos da sua própria maneira e criando suas

próprias experiências personalizadas. Nesse sentido, sua participação pode estar na

concepção e produção ou através a reinterpretação da oferta da empresa em um

momento posterior.

Segundo Cova (2008) a grande mudança trazida principalmente pela Internet

é que agora novas ideias e criações podem ser trocadas e aperfeiçoadas não só

entre os consumidores mas entre os consumidores e as empresas. A criatividade do

consumidor, então, pode ser expressa tanto de forma individual quanto coletiva.

Embora haja algumas similaridades, o autor aponta uma série de distinções entre os

chamados consumidores criativos e os usuários líderes (“lead users”). De forma

geral, os consumidores criativos gostam de modificar, adaptar e transformar os

produtos e seus usos. Para eles não importa se os produtos são novos ou antigos, o

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que os move é uma paixão pela atividade criativa. Os líderes, por outro lado,

interessam-se mais pelos novos produtos e geralmente são os precursores de sua

entrada no mercado de massa. Nessa análise, portanto, são os consumidores

criativos que apresentam os maiores desafios para as empresas, pois elas precisam

aprender a interagir e se desenvolver junto com eles (COVA, 2008). O Quadro 2

mostra uma comparação entre os dois tipos de consumidores.

Quadro 2: Características típicas do líder e do consumidor criativo. Fonte: COVA, 2008, p. 21,

tradução nossa.

Cova (2008) discute ainda uma perspectiva gerencial do Consumer Made,

que aparece como uma forma de “outsourcing de ideias” (p.22) da empresa para os

consumidores, onde então aconteceria a cocriação de valor. Nessa perspectiva,

pode haver diferentes possibilidades gerenciais em função do objeto e do sujeito da

criação, conforme mostrado na Figura 5.

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Figura 5: Formas gerenciais do Consumer Made. Fonte: Cova, 2008, p.23, tradução nossa.

O eixo vertical mostra os diferentes territórios das práticas de cocriação,

desde espaços mais próximos da empresa e sua oferta a espaços mais próximos da

esfera de consumo, onde se incluem os usos e experiências dos consumidores. Já o

eixo horizontal mostra as diferenças entre a participação dos consumidores criativos

e dos consumidores comuns através de um eixo que deve ser considerado de forma

contínua em relação ao nível de expertise dos consumidores, desde o mais simples

como a criação de um vídeo pelo consumidor comum até uma criação de um

produto original pelo consumidor criativo (COVA, 2008). Cada um desses

quadrantes será analisado em detalhes a seguir.

Na copromoção, a empresa convoca os consumidores (mais frequentemente

através de concursos) para que eles produzam peças publicitárias (como anúncios,

filmes, etc.) para as próximas campanhas. Além disso, a empresa pode incentivar os

consumidores a publicar o conteúdo em redes sociais, blogs, wikis e assim atingir

mais pessoas do seu público-alvo. Na Amazon, por exemplo, além do sistema de

recomendação os clientes são incentivados a deixar sua opinião sobre os livros, o

que transformou a empresa de uma livraria on-line para um lugar de troca de

conhecimentos entre leitores, editores e escritores, transformando a cadeia de valor

e gerando novas competências para a empresa (COVA, 2008).

Na coprodução, o consumidor participa da criação da sua experiência de

consumo. Para isso, a empresa desenvolve os meios que possam permitir a

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customização da sua experiência e consumo através das plataformas de

autosserviço. A empresa pode, por exemplo, permitir a escolha do canal de

distribuição ou de comunicação com a empresa, o que faz com que o consumidor

possa escolher como, onde e quando quer interagir com a empresa. Além disso, a

experiência personalizada pode ser complementada através de uma coprodução dos

aspectos hedônicos e simbólicos da experiência (COVA, 2008).

Já na codeterminação, a empresa mostra qual é a sua estratégia e as suas

necessidades de desenvolvimento e os consumidores revelam o que desejam ou o

que querem ver desenvolvido. Para isso, segundo Cova (2008) é necessário que

haja um diálogo aberto e de longa duração com alguns consumidores, para que seja

desenvolvido um projeto flexível, exploratório e que possa ser adaptado às

mudanças e necessidades dos consumidores.

Por fim, na coinovação, a empresa envolve os consumidores criativos no

processo de concepção de novos produtos e serviços. Segundo Cova (2008), isso

pode acontecer tanto através do voto e/ou discussão sobre ideias inovadoras que

partiram da empresa ou dos consumidores quanto através do desenvolvimento de

uma plataforma interativa que permita um design participativo. Para isso duas

abordagens seriam possíveis: processos de inovação baseados em comunidades

existentes de consumidores, onde a empresa se integra de forma virtual em uma

comunidade alinhada aos seus processos de desenvolvimento de novos produtos; e

através de uma comunidade de inovação, onde a empresa busca engajar

consumidores entusiastas e inovadores ao longo do tempo em um processo

cooperativo. Para Cova (2008), portanto, é na coinovação que surgem novos

modelos de negócio que se amparam não só no nível individual mas também no

nível de uma comunidade de consumidores.

2.2.3 A produção do consumidor: o Do-It-Yourself e o consumo artesanal

Dentro das possibilidades de prossumo, compreendido por Xie et al. (2008)

como “atividades de criação de valor feitas pelos consumidores que resultam em

produtos para a sua própria utilização, tornando-se parte das suas experiências de

consumo” (p.110), o “Do-It-Yourself” (DIY) aparece como uma das mais claras

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formas de criação de valor pelos consumidores e será melhor analisado nessa

sessão.

Segundo Wolf e McQuitty (2011), pode-se definir DIY como “atividades nas

quais os indivíduos utilizam materiais brutos e semi-brutos bem como outros

componentes para produzir, transformar ou reconstruir posses materiais, incluindo

aquelas que vêm do ambiente natural (como atividades de paisagismo, por

exemplo)” (p.154).

Os autores apontam para uma necessidade de distinção das práticas do “Do-

It-Yourself” em relação às atividades de autosserviço e de Arts & Crafts. Nas

práticas de DIY, os consumidores vão além da construção de significado para um

determinado produto ou serviço (que já está pronto) e eles mesmos participam do

seu design, especificação de funcionalidades e confecção. Os consumidores

precisam ir até determinadas lojas e escolher os materiais e ferramentas que serão

utilizados, trabalhar pessoalmente no projeto e avaliar o seu andamento e resultado

final (WOLF e McQUITTY, 2011).

Esse grau maior de envolvimento do DIY é uma das grandes diferenças entre

essas práticas e o autosserviço, que para Wolf e McQuitty (2013) são atividades que

reduzem tempos de espera e podem customizar um determinado serviço para o

consumidor. O autosserviço pode ser considerado como uma atividade onde o

benefício principal é a economia de tempo e a conveniência na entrega de serviços

(WOLF e McQUITTY, 2011), além de trazer benefícios para empresas e

consumidores na medida em que repassam para os consumidores atividades que

antes eram de responsabilidade da empresa (trazendo-lhes economia de custo) e

engajam consumidores a obter os serviços de forma mais rápida e barata ao

fazerem eles mesmos as atividades. Alguns exemplos de autosserviço são caixas

eletrônicos de bancos (onde é possível fazer movimentações na conta bancária,

pagamentos, saques, etc.) e redes de fast-food (onde o usuário fica na fila para fazer

ser pedido, leva a sua bandeja até a mesa e até mesmo serve-se de refrigerante,

como no caso do Burguer King). Ao envolverem a concepção, aquisição de materiais

e envolvimento direto na produção, as atividades de DIY requerem dos

consumidores, portanto, uma quantidade bem maior de esforço, habilidades e

conhecimento do que o autosserviço (WOLF e McQUITTY, 2011).

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Sobre as diferenças entre DIY e Arts & Crafts, elas estão basicamente

relacionadas aos tipos de projetos, materiais e ferramentas utilizadas, além da

quantidade de trabalho e custos envolvidos, uma vez que em geral as atividades de

Arts & Crafts gastam menos recursos e em geral possuem um sortimento diferente

de ferramentas e materiais a serem utilizados, pois são mais voltadas para

atividades de decoração. As atividades de DIY podem incluir melhorias domésticas

(como reformas, construções e pinturas) (WOLF e McQUITTY; 2011; 2013),

conserto e reforma de veículos e eletrodomésticos e atividades de beleza, como

cortar ou pintar o próprio cabelo, por exemplo (DEAN, 2010).

No Brasil, segundo Oliveira (2012), um levantamento do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE) estimou que mais de 8,5 milhões de brasileiros fazem

algum tipo de trabalho manual, seja como forma de lazer ou complementação de

renda, movimentando em torno de 50 bilhões de reais por ano, segundo informações

do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior1. Além disso, de

acordo com o estudo da consultoria Euromonitor2 o mercado do “faça-você-mesmo”

está em grande expansão global. De acordo com a consultoria, está havendo uma

revalorização do consumo voltado para o ambiente familiar e comunitário, que traz

na sua base questões como autenticidade, comunidade, pertencimento e

consciência ambiental (AS DEZ..., 2014).

Existem relativamente poucos estudos que tratam sobre a questão do “faça-

você-mesmo”, e um número ainda menor daqueles que buscam compreender sobre

as motivações que levam um consumidor a fazer ele mesmo o que poderia

encontrar pronto (ou de forma semelhante) no mercado de consumo (WOLF e

McQUITTY; 2011; 2013; DEAN, 2010; WILLIAMS, 2004).

Diante disso, alguns autores como Dean (2010) e Wolf e McQuitty (2011,

2013) começaram a pesquisar e propor modelos conceituais que pudessem explicar

melhor as motivações que levam ao DIY. No caso do modelo de Wolf e McQuitty, os

autores buscaram avaliar uma proposta de modelo conceitual circular que incluísse

1Os empreendedores do "faça você mesmo". Exame.com. Disponível em:

<http://exame.abril.com.br/revista-exame-pme/edicoes/47/noticias/faca-voce-mesmo>. Acesso em 30 de Abril de 2015. 2As dez tendências globais de consumo em 2014. BBC Brasil. Disponível em:

<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/01/140115_relatorio_euromonitor_dez_tendencias_globais_de_consumo_lgb>. Acesso em 30 de Abril de 2015.

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não somente as motivações, mas também os resultados e a forma como isso estaria

relacionado ao engajamento em novas práticas de DIY. O modelo está demonstrado

na Figura 6:

Figura 6: Modelo Conceitual das motivações e resultados das ações DIY. Fonte: Wolf e

McQuitty, 2011, tradução nossa

Segundo o modelo proposto por Wolf e McQuitty (2011), existem dois fatores

que podem ser considerados antecedentes às práticas do “faça-você-mesmo”: o

tempo disponível para a realização do projeto, uma vez que se a pessoa percebe

que não vai ter muito tempo e o projeto pode ser demorado ou atrasar, ela pode

desistir de fazê-lo; e uma experiência anterior com os projetos DIY, onde a pessoa

pode já ter as habilidades, conhecimentos e materiais e optar por fazer um novo

projeto. É importante destacar ainda que essa experiência possa ser adquirida

através da socialização (JOHN, 1999) onde a pessoa adquire os conhecimentos

através dos ensinamentos dos agentes de socialização (como membros da família,

por exemplo).

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Em relação às motivações para o DIY, o estudo qualitativo realizado pelos

autores sugere quatro motivações principais: (1) os benefícios econômicos

percebidos das práticas DIY, onde os consumidores optam por economizar o

dinheiro que seria utilizado na contratação de profissionais ao realizarem eles

mesmos a tarefa; (2) a falta de qualidade percebida nos produtos e serviços

existentes no mercado, ou seja, quando os consumidores consideram que a oferta

existente não atende aos padrões de qualidade desejados por eles; (3) a

indisponibilidade do produto, seja pela inexistência de fato ou pelo não atendimento

de necessidades específicas e (4) a necessidade de customização, onde os

consumidores percebem a variedade de materiais e combinações possíveis através

dos quais podem criar projetos únicos.

No entanto, Wolf e McQuitty (2011) apontam que a avaliação do mercado

através dos fatores analisados acima não pode ser considerada como a causa única

da opção pelo DIY, pois as motivações internas do indivíduo também cumprem um

importante papel. Entre elas estão a sensação de empoderamento (“empowerment”)

ao conseguir realizar uma atividade com certo grau de dificuldade, ou que

geralmente é feita por profissionais, sendo essa questão do empoderamento

geralmente descrita pelas mulheres; a construção de uma identidade de artesão

(“crafstman”), geralmente descrita por homens ao trazer de volta uma época anterior

onde os homens eram os provedores da família e realizavam grandes projetos do

início ao fim com suas próprias mãos; participação numa comunidade de entusiastas

de DIY, uma vez que algumas pessoas realizam esse projeto com amigos, parceiros

ou membros da família e isso se torna importante para a conexão e estreitamento de

laços entre eles; e a necessidade de ser único ou diferente dos outros, realizando

projetos customizados que diminuem o receio de serem iguais aos outros.

Ao decidirem por um projeto, os indivíduos geralmente precisam adquirir

materiais ou mesmo ferramentas, o que pode ser uma tarefa complicada

dependendo da dificuldade do projeto. Por essa razão, normalmente os indivíduos

buscam informações na Internet, revistas, livros e programas de TV, além de várias

visitas feitas às lojas de materiais, onde eles podem interagir com os vendedores e

com outros consumidores. Nesse processo de troca de informações são avaliados

estilos, cores, materiais e ferramentas e novas ideias podem surgir para os projetos

DIY (WOLF e McQUITTY, 2011). Essa interação entre lojas e consumidores em que

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ocorrem as trocas de informações pode ser vista como um processo fundamental na

cocriação e um elemento chave na lógica de serviço dominante (VARGO e LUSH,

2004).

Seguindo a visão de Vargo e Lush (2004) de que a criação de experiências de

valor pelos consumidores é possível também através do aprendizado sobre a

manutenção, reparo e utilização dos produtos, a pesquisa de Wolf e McQuitty (2011)

mostra que ao final do projeto, ao invés de mencionarem o produto final, a maior

parte dos consumidores engajados em DIY mencionam o seu contentamento em

completar o projeto, a sensação de controle que a sua posição de “mestres do

projeto” lhes fornece ao enfrentarem novos projetos e suas dificuldades sem ajuda

de profissionais, bem como a sua satisfação com o processo como um todo, onde as

pressões são bem menores que a sua rotina diária.

Para Wolf e McQuitty (2013) isso significa dizer, portanto, que para além da

ideia de criação de valor relacionada ao uso e manutenção dos produtos (VARGO e

LUSH, 2004), o processo de produção também faz parte da criação de valores e

essas experiências através das práticas de “faça-você-mesmo” podem ser vistas

como “mecanismos de transferências e aplicação de competências” (WOLF e

McQUITTY, 2011, p. 165) que podem impactar a vida e o desenvolvimento pessoal

desses consumidores.

A figura desse consumidor empoderado que participa do processo de criação

das suas próprias experiências de consumo também é tratado por Campbell (2004),

através da noção de “consumidor artesão”. O autor enxerga o consumidor atual a

partir de uma nova perspectiva, para além da visão tradicional que via o consumidor

como uma figura ingênua e facilmente manipulada pelas corporações e

diferentemente ainda da imagem do consumidor que surge nas últimas décadas e

que o via como um indivíduo que seleciona bens a partir dos seus significados

simbólicos para a construção ou manutenção de identidades e estilos de vida. Na

visão de Campbell (2004), os indivíduos já possuem um senso de identidade claro e

suas atividades de consumo estariam relacionadas a “um desejo de tomar parte em

atos criativos de expressão de sua individualidade.” (p. 46), através do que o autor

denomina de “consumo artesanal”.

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É importante destacar que falar de consumo artesanal remete mais do que

simplesmente a uma customização ou personalização de produtos, pois enquanto a

customização é um processo que busca demarcar a propriedade de um indivíduo,

como colocar as iniciais de um indivíduo no relógio ou pasta, a personalização está

relacionada a um ajuste feito pelo consumidor no produto para atender as suas

necessidades, como fazer a bainha de uma calça ou ajustar um vestido. A diferença

em relação ao consumo artesanal é que nesse caso o consumidor está diretamente

envolvido na concepção e produção daquilo que será consumido por ele mesmo.

Ao descrever as particularidades do consumo artesanal, Campbel (2004)

pontua que esse processo pode não envolver a criação física de um produto e sim

uma reunião de produtos (que podem ser individualmente padronizados) que são

utilizados como matérias-primas para a construção de um novo “produto” de maneira

que os produtos originais passam a ter uma função estética e relacionada à

personalidade do chamado consumidor-colecionador. Essa perspectiva mostra

então uma diferença entre o DIY e o consumo artesanal de Campbell, uma vez que

o DIY envolve uma ação direta do consumidor na produção (conforme discutido no

tópico anterior), enquanto no consumo artesanal o que pode ser investido é a

personalidade e individualidade do indivíduo na produção. Alguns exemplos de

consumo artesanal incluem a escolha de roupas que formam um “conjunto” ou de

móveis em uma decoração de forma que se relacionem então ao “estilo” que aquele

consumidor deseja construir para si.

Um exemplo do resultado dessa atividade de consumo artesanal aliado às

possibilidades trazidas pelas novas tecnologias pode ser visto ao analisarmos as

mídias sociais, em que pessoas comuns passam a ter grande influência na rede

trazendo suas opiniões sobre os mais diversos assuntos e produtos, num fenômeno

que têm recebido bastante atenção de pesquisadores da área de comportamento de

consumidor que buscam entender o processo e a sua esfera de influência

(McQUARRIE, MILLER e PHILLIPS, 2004; MAZUR e COZARIAN, 2010).

Em blogs de decoração ou de moda e beleza, por exemplo, são discutidas as

tendências da estação e são mostradas maquiagens e looks (combinações de

roupas e acessórios) que combinam com essas tendências. Nesse caso, em linha

com o consumidor-artesão de Campbell (2004), verifica-se que essas blogueiras

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utilizam peças de diferentes origens, marcas e estilos e criam um conjunto novo que

revela o seu estilo para a sua audiência, oferecendo “inspirações” para que as

jovens montem seus próprios looks. Além disso, ao falarem sobre maquiagem,

mostram novos produtos e muitas vezes ensinam passo-a-passo como fazer as

maquiagens que elas estão usando. E ter o bom gosto reconhecido no mundo online

e off-line passa a ser almejado, já que se vê cada vez mais a profissionalização de

blogs que começaram de forma amadora através de fotos posadas e com

tratamentos profissionais, além contratos publicitários com grandes marcas, que

passam a se aproximar dos líderes de opinião nas mídias sociais (McQUARRIE,

MILLER e PHILLIPS, 2004). Esse movimento já está sendo chamado de “fenômeno

das instabloggers” 3 (HIRAOKA, 2015), uma vez que para além dos blogs as jovens

atuam também nas principais redes sociais com postagens no Instagram, Youtube e

Facebook, atingindo assim milhares de outros jovens nos mais diversos canais.

2.2.4 Consumidor poderoso ou governado? Críticas ao modelo de cocriação

Uma discussão que vem aparecendo na literatura em relação ao paradigma

da cocriação e da aproximação entre a figura do consumidor e do produtor refere-se

à possibilidade de exploração ou condução do consumidor nesse novo formato

(COVA, DALLI e ZWICK, 2011; RITZER e JURGENSON, 2010; ZWICK, BONSU e

DARMODY, 2008; COVA e COVA, 2012; HUMPHREYS e GRAYSON, 2008;

RITZER, DEAN e JURGENSON, 2012; COMOR, 2011).

Afinal, novos produtos, serviços e marcas vêm sendo criados pelos

consumidores para as empresas, que aumentam a sua acumulação de capital e

margens de lucro sem que esses consumidores recebam qualquer remuneração por

esse serviço. E os consumidores acabam ainda adquirindo posteriormente esses

mesmos produtos e serviços de cuja criação participaram de forma ativa por um

preço premium (COVA, DALLI e ZWICK, 2011). Para os consumidores, as

atividades de cocriação podem ser percebidas como uma forma de empoderamento

(“empowerment”) e diversão, especialmente se forem consideradas as

3O fenômeno das instabloggers. Vida & Estilo. Estadão. Disponível em: <http://vida-estilo.estadao.com.br/noticias/moda,o-fenomeno-das-instabloggers,1647148>. Acesso em 20 de Maio de 2015.

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possibilidades trazidas pela Web 2.0, enquanto para as empresas trata-se de uma

força de trabalho gratuita e qualificada, em uma nova forma de economia

colaborativa que traz grandes oportunidades de inovação e acumulação de capital

(COVA, DALLI e ZWICK, 2011).

Diante desse quadro, autores como Bernard e Véronique Cova (2012) e

Zwick, Bonsu e Darmody (2008) começaram a questionar a alegada “liberdade” que

os consumidores possuiriam na contemporaneidade recuperando o conceito de

governamentalidade de Foucault (2008), que será apresentado em linhas gerais a

seguir para permitir uma análise crítica mais aprofundada dessas questões.

Um dos grandes tópicos no trabalho de Foucault, a ideia de

governamentalidade foi trazida pela primeira vez na Aula de 1° de Fevereiro de 1978

e começa com uma discussão histórica mais específica até chegar a um significado

mais geral e abstrato sobre as formas de controle e poder (FOUCAULT, 2008a).

Segundo o autor, sua pretensão ao usar o termo “governamentalidade” é discutir

sobre:

“...o conjunto constituído pelas instituições,

procedimentos, análises e reflexões, cálculos e

táticas que permitem exercer esta forma bastante

específica e complexa de poder, que tem por alvo a

população, por forma principal de saber a economia

política e por instrumentos técnicos essenciais os

dispositivos de segurança.” (FOUCAULT, 2008b,

p.171)

Ao discutir sobre as formas de poder e conduta, o autor pontua a

importância de uma espiral ascendente onde para se governar um Estado deve-se

governar a si mesmo, depois sua família, seu bem, seu domínio e, finalmente, o

Estado. Da mesma forma, para Foucault (2008b), há também uma espiral

descendente, pois quando um Estado é bem governado, os indivíduos são capazes

de fazer uma boa gestão de seus bens e de si mesmos. Essa forma de bem gerir os

bens e a família está relacionado à economia, logo a essência do governo passa a

ser relacionada a uma boa gestão. O indivíduo deve, portanto, ser incentivado a ser

capaz de se autogovernar, cabendo às instâncias superiores de poder a gestão

desse processo e a criação de processos que garantam a sua perpetuação.

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No momento em que os conceitos de governo e governamentalidade passam

a se aproximar, Foucault (2008a) parte para uma diferenciação ao trazer

governamentalidade como algo mais estratégico e que se relaciona com a parte que

é “mutável e reversível das relações de poder” e o governo como o responsável pelo

estabelecimento das formas de conduta, ou seja, a “conduta das condutas”. Dessa

forma, então, a governamentalidade passa a ser relacionada com outras esferas de

micropoderes (pais/filhos, indivíduos/poder público, etc.).

Para Foucault, em “o Nascimento da Biopolítica” (2008c), o governo, em

primeira instância, deve deixar o caminho livre para uma disposição natural de

acontecimentos tanto em relação aos comportamentos quanto à produção. No

entanto, ao exercer a função de vigilância, e perceber que algo ocorre de maneira

diferente da mecânica natural dos acontecimentos seja na vida econômica ou no

comportamento da população, o governo deve intervir.

Nessa nova arte de governar que surge em meados do século XX o que se

percebe é uma ampliação dos mecanismos que aumentam a liberdade ao mesmo

tempo em que se aumentam o controle e a intervenção. Para Foucault, nesse

momento, “o controle não é mais, como no caso do panoptismo, o contrapeso

necessário à liberdade. Ele é o seu princípio motor.” (FOUCAULT; 2008c, p. 92).

Dessa forma, o autor traz a ideia de disciplina ao falar sobre uma política de

coerções e controle das operações do corpo através principalmente da vigilância e

que deve ocorrer de forma constante para garantir sua máxima eficácia

(FOUCAULT; 2008c). No poder disciplinar, vigia-se e se é vigiado o tempo todo, em

todos os lugares, ainda que isso ocorra de maneira invisível e silenciosa – “olhares

que devem ver sem serem vistos” (FOUCAULT, 2002, p. 144 apud CHEVITARESE

e PEDRO, 2005, p.9). É dessa forma que para Foucault mantém-se o indivíduo

disciplinar.

Ao trazer a noção de governo e os dispositivos de segurança que passam a

surgir e colocar o governo num papel de protetor da segurança e da liberdade do

indivíduo, o poder passa a permitir, então, a ação sobre indivíduos livres permitindo

que eles sejam guiados e dirigidos, conforme mostram os trechos destacados a

seguir:

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“O traço distintivo do poder é que alguns homens podem mais ou menos determinar inteiramente a conduta de outros homens – mas nunca de maneira exaustiva ou coercitiva. Um homem acorrentado e espancado é submetido à força que se exerce sobre ele. Não ao poder. (...) Se um indivíduo pode permanecer livre, por mais limitada que seja sua liberdade, o poder pode sujeitá-lo ao governo. (FOUCAULT, 2003, p. 384 apud CHEVITARESE e PEDRO, 2005, p.13).

“O controle não é uma disciplina. Com em uma estrada não se enclausuram pessoas, mas, ao fazer estradas, multiplicam-se os meios de controle. Não digo que esse seja o único objetivo das estradas, mas as pessoas podem trafegar até o infinito e “livremente”, sem a mínima clausura, e serem perfeitamente controladas. Esse é o nosso futuro” (DELEUZE, 1999, p.5 apud CHEVITARESE e PEDRO, 2005, p.15).

É importante destacar que mesmo a dita crise das instituições tradicionais

(escola, Igreja, fábrica, etc.) não significa o fim das mesmas e muito mesmo um

“enfraquecimento” do poder; ao contrário, o que se vê é o aparecimento de outras

estratégias de atuação para fins de controle. Na visão de Deleuze, a informação,

característica da sociedade contemporânea, acaba substituindo a disciplina

enquanto modo de poder, e na medida em que circula livremente, transmite as

palavras de ordem, modificando o consumidor. Além disso, passa a relacionar

liberdade e consumo, transmitindo a idéia de que a condição para a liberdade

consiste em ser consumidor e poder escolher aquilo que se deseja. Excluir-se desse

contexto, no entanto, é uma exclusão da própria sociedade e algo que não deve ser

feito (CHEVITARESE e PEDRO, 2005). É possível então considerar o consumo

como libertador?

Para Bernard Cova (2012), ao contrário dos discursos que postulam sobre a

liberdade do consumidor na era contemporânea, é possível identificar os discursos

de marketing participando da governamentalidade de consumidores através de

formas que eles mesmos produzem e promovem. Dessa forma, incentivam a criação

de uma nova geração de consumidores que assumem um papel mais ativo e não se

engajam somente no consumo passivo de bens e sim no processo de criação de

valor juntamente com a empresa. Assim, os consumidores participam

voluntariamente (e geralmente de forma gratuita) na cocriação de produtos e

serviços e, mais ainda, na cocriação das experiências de valor que eles desejam

possuir.

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Para Zwick, Bonsu e Darmody (2008), portanto, esse novo contexto não traz

liberdade para os consumidores, e sim estabelece uma nova forma de

governamentalidade, onde os consumidores são de certa forma “moldados” e

incentivados a participar na cocriação de valor. Assim como para Beckett e Nayak,

“o que surge a partir do marketing colaborativo não é um consumidor super confiante

e empoderado, e sim um consumidor suscetível às sugestões e estímulos dos

produtores” (BECKETT e NAYAK, 2008apud COVA e COVA, 2012, p. 12).

Para Cova e Cova (2012), portanto, o “prossumidor” ou “consum’actor” seria o

estágio mais recente de um processo de governamentalização onde os

consumidores são incentivados a serem consumidores competentes capazes de

fazer suas próprias escolhas, assumir riscos e engajar-se em diálogos e papéis que

os tornam cada vez mais consumidores empoderados nas suas práticas de

consumo. Na perspectiva de Zwick, Bonsu e Darmody (2008), a idéia de um

consumidor livre não ameaça e nunca ameaçou o poder e controle exercido pelas

corporações, já que o indivíduo “livre” é justamente a nova forma de influência sobre

o consumidor que ocorre de dentro para fora e é o que garante a competitividade

continuada das grandes corporações. Novas formas de controle vão surgindo e

sendo aperfeiçoadas, de forma que nunca ameaçam a permanência daqueles que

estão no poder. O trecho abaixo de Cova, Dalli e Zwick (2011) demonstra com

clareza a visão desses autores:

“A governamentalidade no marketing, então, busca desenvolver consumidores que atuem como parceiros em processos de inovação e produção mutuamente benéficos. No entanto, ao fazer isso, as empresas estão não somente explorando o trabalho dos consumidores mas também reduzindo o risco do comportamento do consumidor evoluir para outros caminhos diferentes daqueles desejados pela empresa.” (COVA, DALLI e ZWICK, 2011, p. 232, tradução nossa)

Finalmente, a grande questão levantada por Cova e Cova (2012) é se os

consumidores percebem esse processo de governamentalidade e aquilo que está

sendo perdido em outras esferas da vida social ao se incentivar permanentemente o

desenvolvimento de habilidades direcionadas ao consumo. Os autores trazem,

ainda, uma indagação sobre a necessidade de as empresas refletirem a fim de

decidir como lidar com as várias questões sociais e também éticas envolvidas nesse

novo contexto.

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2.2.5 Conceituações e perspectivas diversas sobre o “novo consumidor”

No decorrer do processo de reflexão sobre os papéis do consumidor na

contemporaneidade foi possível perceber que não existe na literatura uma

nomenclatura ou definição única sobre esse consumidor, de forma que os autores

geralmente fazem sua própria escolha conceitual ao tratar sobre o tema. A fim de

contribuir para uma melhor compreensão desses conceitos, nesse tópico serão

discutidas as diferentes definições desse consumidor, começando por Alvin Toffler,

que foi um dos primeiros a trazer a nomenclatura “prossumidor”, ainda na década de

80.

Segundo Toffler (2014), três grandes ondas marcam as profundas mudanças

que vem ocorrendo na nossa sociedade nas últimas décadas, impactando

diretamente o papel do consumidor. Na primeira onda, não havia uma separação

entre consumidores e produtores, já que em geral as pessoas produziam aquilo que

elas mesmas consumiam, podendo ser chamados simplesmente de

“prossumidores”. Na segunda onda, no entanto, marcada pelas mudanças trazidas

pela Revolução Industrial, começa a haver uma separação dos papéis do

consumidor e do produtor. Isso ocorre pois para além da “produção para uso”

(TOFFLER, 2014), característica da sociedade agrícola na qual produção e consumo

estão relacionados à mesma pessoa (KOTLER, 1986) passa a haver a “produção

para a troca” (TOFFLER, 2014) na sociedade industrial, trazendo uma separação

entre aqueles que produzem com o objetivo de venda e aqueles que buscam apenas

a aquisição de produtos e serviços (KOTLER, 1986).

Para Toffler (2014), a continuidade dessa perspectiva que só valoriza o que é

produzido para fins de venda e não leva em consideração as atividades que são

feitas em casa, ou seja, aquelas atividades que as pessoas fazem para elas

mesmas, impediria o correto gerenciamento dos negócios econômicos que estariam

em uma grande crise sem precedentes. Isso porque, para o autor, as fronteiras entre

produtor e consumidor estariam mais tênues e o figura do prossumidor estaria

surgindo. Para exemplificar, o autor aponta o aumento dos grupos de autoajuda, que

são organizados pelas próprias pessoas com necessidades específicas e das

atividades de faça-você-mesmo (DIY), além do aumento da participação dos

consumidores no processo de desenvolvimento de produtos junto às empresas,

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esses dois últimos pontos discutidos nas sessões anteriores desse trabalho. Assim,

Toffler (2014) aponta para o surgimento da Terceira Onda na era pós-industrial, que

teria características das suas ondas anteriores e com figura proeminente do

prossumidor, que consome no mercado mas também é capaz de produzir para si

mesmo. Em 1986 Kotler já foi capaz de pontuar algumas das razões que levariam a

um aumento crescente do prossumo, incluindo uma carga de trabalho decrescente e

consequente aumento das horas de lazer, maior acesso à educação, aumento do

custo de mão-de-obra qualificada (como carpinteiros e encanadores), busca de

produtos diferenciados, inexistentes ou com qualidade superior ao que se encontra

no mercado de consumo e por fim busca de atividades que ofereçam distração nas

horas livres (como hobbies).

Grande parte dos autores que passam a discutir sobre a cocriação e as

atividades de DIY recupera o conceito de prossumidor de Toffler (2014) e adicionam

outras perspectivas e nomenclaturas ao tratar sobre esse novo consumidor ou sobre

o consumo no estágio atual da sociedade. Ritzer e Jurgenson (2010), por exemplo,

apontam que a cocriação não é uma atividade específica do século XXI, já que o

prossumo, que na definição dos autores envolve produção e consumo (sem o foco

em uma das atividades) sempre existiu, mesmo em sociedades não capitalistas. A

questão nesse caso é que no início do capitalismo houve um foco maior na

produção, que posteriormente passou a ser no consumo e que na atualidade com a

Internet e o desenvolvimento da Web 2.0 passou a ser na cocriação como centro da

criação de valor das empresas (RITZER e JURGENSON, 2010). Para esses

autores, vale ressaltar, todos são prossumidores (“prosumers”).

Xie, Bagozzi e Troye (2008) já trazem uma outra perspectiva onde o

prossumo estaria relacionado às “atividades de criação de valor feitas pelo

consumidor que resultam na produção dos produtos que eles mesmos

eventualmente consomem e que se tornam suas experiências de consumo” (p.110).

Esse conceito está mais relacionado a um processo do que a um simples ato, que

envolve tanto atividades físicas quanto esforço mental e experiências sócio-

psicológicas. Nesse processo, as pessoas envolvem-se com os seus recursos

financeiros, seu tempo disponível, seu esforço e aplicam as suas habilidades. Ou

seja, os consumidores estão ativamente envolvidos na criação de valor e benefícios

para o seu próprio consumo (XIE, BAGOZZI e TROYE, 2008). Esse conceito é

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consistente com a visão de Lush e Vargo (2006) de cocriação de valor, que para os

autores possui dois componentes principais: o valor de uso, que significa dizer que o

valor só é determinado pelo usuário durante o processo de consumo; e a

coprodução, que está relacionada com a participação na criação da oferta em si,

seja através de ideias, codesign ou no processo produtivo em si.

Wolf e McQuitty (2011, 2013) também seguem com a definição de Xie,

Bagozzi e Troye (2008) de prossumo, mas para Wolf e McQuitty (2013) os

prossumidores (incluindo aqueles que se engajam em atividades DIY) são aquelas

pessoas que são capazes de desempenhar os dois papéis (de produtores e

consumidores), reagindo a condições de mercado desfavoráveis como alta de

preços e indisponibilidade de produtos, mas nem todos os consumidores fariam

parte desse grupo. Outros termos como consum’actors, prosumers, produtores-

consumidores (COVA, 2008) ou ainda post-consumers e new consumers (COVA e

COVA, 2012;) são utilizados para designar um “consumidor ator da sua experiência

de consumo mas também protagonista da constituição da oferta e do mix da

empresa” (COVA, 2008, p. 26).

De forma geral, o que se percebe é que, embora não haja uma definição

única, as nomenclaturas e definições apontam para um consumidor cada vez mais

atuante na cocriação de valor e na construção das suas próprias experiências de

consumo juntamente com as empresas, o que representa uma grande mudança em

relação à visão passiva que se tinha dos consumidores nas décadas anteriores

(COVA e COVA, 2012).

2.3 Beleza

A questão da beleza tem uma importância cada vez maior na nossa

sociedade. Percebe-se pelas prateleiras lotadas de produtos de beleza em

supermercados e farmácias, pela enorme quantidade de salões de beleza voltados

para todos os públicos, mesmo entre a população de baixa renda (CORDEIRO,

2014) e pela explosão das academias de ginástica que o chamado culto a beleza

está cada vez mais presente na nossa sociedade (CASOTTI, SUAREZ e

CAMPOSY, 2008). Segundo o relatório da Associação Brasileira da Indústria de

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Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC, 2015), o setor apresentou um

crescimento médio de 10% ao ano nos últimos 19 anos, chegando a um faturamento

líquido estimado em R$ 43,2 bilhões em 2014, bem maior do que o crescimento

apresentado em outros setores da economia e do que o PIB total do país, que vem

apresentando baixos índices de crescimento (média de 2,8% ao ano). Esse cenário

é ainda mais relevante se levarmos em consideração os índices globais, dado que o

Brasil ocupa a terceira posição no mercado mundial de Higiene Pessoal, Perfumaria

e Cosméticos, representando 9,4% do consumo mundial, sendo o primeiro em

consumo de produtos como desodorantes, fragrâncias e proteção solar, o segundo

em produtos infantis, masculinos, produtos para cabelos, banho e depilatórios e o

terceiro em consumo de maquiagem, foco principal desse trabalho.

Alguns dos principais fatores apontados para esse crescimento do setor são a

maior participação da mulher no mercado de trabalho, muitas vezes como a chefe

de família, o que permite que ela tenha renda própria para o consumo de cosméticos

e maquiagem; maior acesso das classes D e E aos produtos do setor devido ao

aumento de renda; aumento do consumo de produtos com maior valor agregado

pela classe C e aumento da expectativa de vida, que segundo o relatório da

ABIHPEC (2015) estaria trazendo uma “necessidade de conservar uma impressão

de juventude” (p. 2) e portanto seria uma das justificativas para o aumento no

consumo de cosméticos. Essa explicação vem de encontro à visão de Casotti,

Suarez e Campos (2008), que discutem a mudança na percepção de beleza, que

passa a ser mais relacionada com as escolhas feitas pelo indivíduo e de seu esforço

para corrigir a natureza. Os corpos podem ser modelados através de exercícios

físicos, cirurgias plásticas e tratamentos cosméticos. No caso das mulheres, por

exemplo, o uso de maquiagem estaria fortemente associado a questões de

feminilidade e atratividade (BLOCH e RICHINS, 1992) por poder ressaltar

características consideradas positivas bem como disfarçar traços indesejáveis.

Segundo Bloch e Richins (1992) o que pesquisas anteriores já puderam

demonstrar é que a associação existente entre a atratividade de um indivíduo e a

sua autoestima, o poder social e as respostas positivas que são recebidas dos

outros, o que explicaria, portanto, o uso de adornos (cosméticos, roupas e

acessórios) na busca da beleza e seus consequentes benefícios sociais. Essa

valorização da beleza não é fenômeno novo; ao contrário, pode ser visto através dos

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séculos e em diferentes culturas que vão desde a filosofia grega e o Antigo Egito

passando pela França pré-revolucionária e chegando aos dias de hoje em suas

diferentes formas.

Dessa maneira, os adornos poderiam afetar a atratividade dos indivíduos

através de três formas principais: modificando ou removendo um atributo mutável

que o indivíduo ou os outros acham insatisfatório (“remedies”), como por exemplo os

cremes depilatórios ou tinturas de cabelo; camuflando características físicas inatas

que não são passíveis de mudança (“camouflages”), como roupas que afinam a

silhueta ou maquiagens que escondem imperfeições no rosto e reforçando ou

chamando atenção para características que são vistas de forma positiva

(“enhancers”), como roupas mais justas que reforçam a silhueta ou maquiagens que

ressaltam a cor dos olhos. A ideia gira em torno de buscar artifícios para que a

pessoa se sinta mais atraente e com a autoestima elevada, papel esse que o uso de

maquiagem tende a representar (BLOCH e RICHINS, 1992).

O uso de maquiagem também pode marcar importantes rituais de transição

de fase de vida. Na transição da infância para a adolescência, por exemplo, o início

do uso de maquiagem é um importante rito de passagem em diversas culturas.

Associada a construção de autoimagem positiva para si mesmo e na visão dos

outros, a questão do uso de maquiagem também pode ser associada à própria

construção de identidade dos jovens (GENTINA et al., 2012). Outras pesquisas

também apontam a associação do uso de adornos (entre eles a maquiagem) com a

vontade dos indivíduos de serem bem sucedidos em determinados papéis

situacionais ou recorrentes (SOLOMON, 1983; BLOCH e RICHINS, 1992), como no

desempenho de algumas atividades profissionais, por exemplo, em que o uso de

maquiagens pelas mulheres é bem visto e pode ser até obrigatório.

Uma importante contribuição do estudo de Casotti, Suarez e Campos (2008) é

a divisão das consumidoras em quatro momentos de vida em que se percebem

diferentes relações com a beleza, produtos e cuidados envolvidos, sugerindo que há

um processo de aprendizado ao longo do tempo sobre os cuidados com a beleza.

Esse processo seria fruto do aprendizado com outras pessoas como a mãe, irmãs e

amigas, o que Moschis (1985) vai chamar de agentes de socialização, e do próprio

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relacionamento da consumidora com os produtos e marcas existentes no mercado.

Os quatro momentos apontados por Casotti, Suarez e Campos (2008) então seriam:

● O momento é agora - esse grupo é composto por estudantes jovens

financeiramente dependentes dos pais cujo foco está no momento presente,

não havendo muita preocupação em relação aos cuidados que devem ser

tomados de acordo com a ação que a passagem do tempo terá sobre o

corpo. Geralmente os cosméticos são adquiridos e geridos pela mãe, grande

influenciadora nesse processo, no que as autoras chamam de “consumo

tutelado”. No caso da maquiagem especificamente, nessa fase geralmente as

jovens ganham as maquiagens de presente (e muitas acabam ficando numa

espécie de cemitério de maquiagens sem uso), mas ao procurarem produtos

diferentes para usar buscam as maquiagens da mãe.

● O tempo existe - nesse grupo já estão mulheres com novas

responsabilidades nos âmbitos profissionais e pessoais mas que ainda não

possuem filhos. Essa fase é marcada pela experimentação de diferentes

produtos, pois essas mulheres começam a perceber os efeitos do tempo e

estão em busca dos produtos que funcionam melhor para elas, tentando

inserir os cuidados de beleza nas suas rotinas. Já começa a haver um

rompimento com a tutela familiar, e novos agentes de influência como a mídia

e as colegas de trabalho passam a aparecer. A inserção no mercado de

trabalho pode inclusive apresentar uma grande mudança, pois no ambiente

profissional as mulheres são muitas vezes incentivadas (pela função

desempenhada ou pela comparação com as colegas de trabalho) a aumentar

os cuidados com a aparência e o uso de maquiagem. Os produtos de

maquiagem passam a ser escolhidos e adquiridos por elas mesmas, o que já

traz uma importante mudança em relação à fase anterior.

● O tempo não para - as mulheres nessa fase já percebem os efeitos do tempo

sobre o corpo com bastante intensidade e tentam retardar ou atenuar esse

processo. Elas já exercem diversos papéis em casa como esposas, mães,

profissionais e donas de casa, e têm uma rotina bastante atribulada, onde

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arranjam ainda tempo para seus cuidados pessoais. Por conta disso, são

consumidoras bastante conscientes, exigentes e objetivas. Os especialistas

(como os médicos ou mulheres mais experientes) são grandes

influenciadores, pois elas já não estão muito dispostas a testar diferentes

produtos para ver quais se adaptam melhor. Há uma divisão dos produtos de

maquiagem entre aqueles que são para o dia e os que são para a noite.

Nessa fase as mulheres já são as responsáveis pela escolha dos produtos de

consumo familiar e pela organização dos espaços.

● Cada coisa em seu tempo - nesse grupo estão mulheres cuja rotina já

apresenta mais tranquilidade, seja por conta do ritmo de trabalho menos

exigente e/ou por conta dos filhos já estarem criados. Nessa fase já há uma

diversificação dos cuidados com a beleza e que já passam a tomar um

espaço maior no dia-a-dia.

Como o foco dessa pesquisa está em analisar os processos de aprendizado

sobre maquiagem das jovens consumidoras, o foco maior será nas duas primeiras

fases (“O momento é agora” e “O tempo existe”) mas sem excluir as que estão no

início do período de transição para a terceira fase (“O tempo não pára”), com filhos

pequenos e novas rotinas sendo incorporadas.

3 METODOLOGIA

Esse capítulo tem por objetivo situar e descrever as escolhas metodológicas

que foram feitas para a realização desse trabalho. Inicialmente será justificada a

escolha pelo paradigma interpretativo para em seguida justificar o enquadramento

desse estudo dentro das linhas de pesquisa da Consumer Culture Theory (CCT).

Após a recuperação das questões que se pretende responder com a realização

desse trabalho será apresentado o desenho da pesquisa, contendo os critérios

utilizados para a seleção dos entrevistados e os principais métodos qualitativos que

serão aplicados para a coleta de informações. Nessa seção serão discutidas ainda a

proposta de análise das informações coletadas e as limitações de pesquisa que

foram percebidas.

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3.1 Paradigma interpretativo e Consumer Culture Theory (CCT)

O paradigma adotado nesse estudo é o interpretativo, que busca a

compreensão dos fenômenos através dos significados que são fornecidos a eles

pelos indivíduos (MARCONI e LAKATOS, 2010). O paradigma interpretativo

considera que os significados dos fenômenos sociais estão relacionados ao

contexto, dentro de uma determinada cultura e sendo socialmente construídos pelas

pessoas que estão inseridas naquele contexto. E se o contexto muda, as linguagens

e os significados também estão sujeitos a grandes alterações (MARCONI e

LAKATOS, 2010).

No paradigma interpretativo é importante, portanto, a compreensão das relações

entre os indivíduos e os significados que são atribuídos por eles. Os dados não são

objetivos e quantificáveis, e dependem de uma interpretação do pesquisador a partir

dos métodos de pesquisa escolhidos e suas interações com os pesquisados

(MARCONI e LAKATOS, 2010). Assim, para os fins de realização desse estudo

optou-se por uma pesquisa de cunho qualitativo, indicada para a pesquisa de

questões e fenômenos de forma mais aprofundada, detalhada e exploratória

(PARTINGTON, 2002). Uma vez que a pesquisa exploratória busca aproximar-se do

fenômeno estudado e compreendê-lo em detalhes a partir do ponto de vista do

informante, Partington (2002) inclusive situa a fundação da pesquisa qualitativa na

etnografia.

Nessa linha, McCracken (1988) aponta que o objetivo da pesquisa qualitativa

está em conseguir perceber as categorias culturais existentes e compartilhadas por

um grupo de indivíduos, bem com a maneira pela qual esses traços culturais

interferem nas suas ações. Dado que a pesquisa qualitativa permite que uma grande

quantidade de informações sejam coletadas e múltiplas interpretações sejam

possíveis, segundo Partington (2002) a forma de análise dos dados coletados na

pesquisa qualitativa estaria relacionada à pergunta de pesquisa e às diferentes

formas de coleta de informações.

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O presente trabalho também procura seguir as perspectivas desenvolvidas na

“Consumer Culture Theory”, (CCT), nomenclatura proposta e defendida por Arnould

e Thompson (2005; 2007) para definir uma família de perspectivas teóricas que

busca compreender as relações entre as ações dos consumidores, o mercado e os

significados culturais.

3.2 Questões de Pesquisa

A partir de reflexões trazidas pela revisão de literatura apresentada nesse

trabalho a questão principal de pesquisa foi elaborada: Qual é o papel dos agentes

de socialização na construção de aprendizados e experiências de consumo de

maquiagem do jovem consumidor habilidoso de maquiagem na contemporaneidade?

Para auxiliar na resposta à pergunta principal, é possível destacar as

seguintes perguntas secundárias:

● Qual o papel da família na formação de hábitos de compra e preferência de

marcas?

● De que forma as redes sociais contribuem para a formação dos novos

consumidores?

● Como o grupo de amigos influencia nas experiências de consumo e

construção de aprendizados?

● Como se dá a trajetória de consumo e de aprendizado desse jovem

consumidor no que se refere a habilidades e práticas de maquiagem,

construindo a posição de consumidor habilidoso?

● Que significados são associados ao uso da maquiagem pelo jovem?

● De que natureza são as habilidades adquiridas pelo jovem?

As escolhas metodológicas que foram feitas para possibilitar a resposta para

essas questões, bem como as formas de seleção de respondentes do grupo

pesquisado serão apresentadas a seguir.

3.3 Desenho de Pesquisa

Para responder às questões de pesquisa formuladas a partir da revisão de

literatura e de lacunas existentes nas pesquisas acadêmicas, como a pequena

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quantidade de estudos sobre a socialização do jovem (EKSTRÖM, 2006; SANTOS e

FERNANDES, 2011; LUEG et al., 2006), foram selecionados alguns métodos

qualitativos que buscam trazer uma maior compreensão sobre os agentes de

influência e sua forma de atuação na construção de conhecimentos e hábitos de

consumo da jovem habilidosa. Uma vez que hoje a realidade do jovem está

altamente relacionada com a Internet, seja para a busca e troca de informações,

seja para o compartilhamento de conteúdos (particularmente fotos e vídeos)

produzidos por eles mesmos principalmente através das redes sociais (GRINNELL,

2009), para os fins dessa pesquisa foram utilizadas como técnicas principais para a

coleta de informações a entrevista em profundidade semi-estruturada e a

videografia, que permitirão uma aproximação com a realidade do jovem e

aproveitarão as novas formas de conectividade que já fazem parte da sua realidade

para coletar informações sobre as práticas cotidianas de acordo com o seu próprio

ponto de vista. Foi realizada uma análise de inspiração netnográfica de um famoso

blog de maquiagem para uma melhor compreensão das construções de identidade,

práticas e significados que são construídos e reconstruídos nessas comunidades

(KOZINETS, 2014).

Essa abordagem multimétodos é defendida por Kozinets (2014), que aponta

que a mescla da etnografia com a netnografia, que incluiria interações face a face

bem como interações online, pode ser extremamente rica e permitir um quadro de

análise mais amplo e completo das interações, práticas e significados dos

consumidores que permeiam tanto o ambiente online quanto o off-line. Dessa forma,

a presente pesquisa foi dividida em três etapas:

Etapa 1: Entrevista em profundidade semi-estruturada - entrevista realizada

preferencialmente na casa dos informantes aliada a uma observação simultânea dos

espaços e objetos envolvidos nas atividades de consumo ou em outro lugar de maior

conveniência para os entrevistados;

Etapa 2: Videografia – os jovens entrevistados na primeira etapa foram

convidados a produzir alguns vídeos de curta duração através dos seus celulares ou

webcams e enviá-los à pesquisadora num prazo de 15 dias. Além da explicação

sobre essa etapa ao final da primeira entrevista, foram deixadas algumas instruções

com os entrevistados sobre a produção e envio do material (Apêndice B). Os vídeos

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foram enviados através de meios digitais, principalmente por meio do celular via

Whatsapp (aplicativo de mensagens instantâneas amplamente utilizado pelo grupo

pesquisado) e através de links para visualização no Youtube. Outras conversas

ocorreram através desses meios, particularmente via Whatsapp, onde a distância

entre os interlocutores e a familiaridade no uso do aplicativo fez com que alguns

entrevistados se sentissem mais à vontade para compartilhar outras histórias e

percepções. Nesse caso, esse material também foi utilizado para efeitos de análise,

com permissão do entrevistado.

O conteúdo esperado originalmente dos vídeos seria uma demonstração dos

jovens sobre as práticas de maquiagem no seu dia-dia, seja mostrando a sua

maquiagem para ir ao trabalho ou para sair à noite, seja mostrando produtos ou

apenas falando sobre o assunto. A ideia transmitida aos entrevistados seria a de um

diário pessoal, onde o esperado era que os jovens pudessem demonstrar com as

suas palavras aquilo que fosse mais importante em suas práticas de consumo de

maquiagem. Apesar de um prazo de 15 dias ter sido inicialmente sugerido para a

etapa de produção de vídeos, essa etapa acabou sendo a mais demorada e os

entrevistados encontraram dificuldade em cumpri-la. Vale pontuar que a dificuldade

percebida não foi de ordem técnica mas sim da escolha do que filmar. A liberdade

fornecida para que o entrevistado filmasse qualquer coisa que ele achasse relevante

ao seu consumo ou relação com a maquiagem acabou se tornando um

problematizador, sendo comuns comentários como “não sei o que filmar”, “estou

sem ideias”. A partir do primeiro vídeo, no entanto, alguns entrevistados pareciam

ficar mais à vontade com a atividade. Enquanto a maioria dos entrevistados enviou

vídeos curtos (com duração de alguns segundos ou poucos minutos), duas jovens

gravaram vídeos de mais de 10 minutos mostrando suas maquiagens em casa,

sendo materiais muito ricos para análise.

No geral, no entanto, os vídeos enviados e as mensagens de texto trocadas

através do celular forneceram importantes insumos do ponto de vista dos

consumidores e trouxeram outras discussões que não haviam aparecido na primeira

entrevista através das questões inicialmente formuladas, seja em relação aos

agentes de socialização, aos significados da maquiagem e práticas de consumo e

ao desenvolvimento das habilidades de maquiagem.

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Etapa 3: Devolutiva: na terceira e última etapa houve uma nova entrevista

com os informantes onde os vídeos produzidos foram vistos e discutidos,

questionando-os sobre os aspectos considerados mais relevantes no material. Além

disso, duas técnicas projetivas foram utilizadas no final da entrevista para buscar

outras percepções sobre os agentes de influência (Apêndice C). Na primeira,

dividida em duas partes, a entrevistadora apresentava a história de uma jovem que

gostaria de começar a se maquiar mas não sabia com quem buscar essas

informações, sendo solicitado então que o entrevistado aconselhasse a essa jovem

o que fazer nessa situação e suas motivações para a escolha das fontes de

informação indicadas. Na segunda parte, apresentava-se a história de uma jovem

adulta ingressando no mercado de trabalho e que precisava se maquiar para o

ambiente profissional, sendo novamente solicitada a sugestão do entrevistado para

a solução do problema dessa jovem e suas motivações, dado um diferente contexto.

Na segunda projetiva era solicitado que o entrevistado imaginasse que as pessoas e

coisas (como a Internet) que influenciaram o seu aprendizado sobre maquiagem

fossem planetas. Era solicitado então que o entrevistado descrevesse a aparência e

importância desses planetas.

É importante destacar que no caso específico da blogueira Bianca Andrade,

que possui um blog de grande sucesso, após várias tentativas de contato não foi

possível entrevistá-la e por isso foi realizada uma análise das postagens do blog e

dos vídeos do seu canal do Youtube (chamado “Boca Rosa”) que se referiam ao

processo de aprendizado sobre maquiagem e trajetória pessoal.

Uma vez que os principais métodos utilizados nesse trabalho foram a

entrevista em profundidade, a videografia e a netnografia (para a análise dos blogs),

estes serão discutidos em detalhes nos subtópicos a seguir.

3.3.1 Entrevista em Profundidade

A entrevista em profundidade é tida como um dos métodos qualitativos mais

importantes por McCraken (1988), pois através desse método pode-se vislumbrar a

visão de mundo dos indivíduos pesquisados através do ponto de vista que eles

mesmos trazem. É possível entender com mais proximidade suas práticas diárias,

as questões que são mais importantes e como a cultura na qual eles estão inseridos

pode impactar nas suas ações. Considerando-se que no momento atual da

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sociedade questões como a escassez de tempo e a preservação da privacidade do

indivíduo estão cada vez mais em discussão, esse método aparece com grande

adequação para a coleta de informações, permitindo uma análise do mundo

experienciado pelo indivíduo sem violações de privacidade ou importunações

(McCRAKEN, 1988).

O uso do questionário nas entrevistas em profundidade é tido como

fundamental uma vez que permite que o pesquisador faça os mesmos

questionamentos para todos os entrevistados, permitindo que haja uma direção na

entrevista ainda que se tenha uma grande abertura para o aprofundamento das

questões trazidas pelos informantes.

Dentro da entrevista em profundidade, três técnicas foram utilizadas nessa

pesquisa para buscar informações mais aprofundadas sobre a construção dos

aprendizados e hábitos relacionados à maquiagem e à forma de atuação das fontes

de influência. Para isso, existem duas sessões dentro do questionário de pesquisa

para questões relativas à História de Vida do entrevistado e ao Método dos

Itinerários (DESJEUX, 2000) e foram utilizadas duas técnicas projetivas. Uma breve

discussão sobre cada um desses métodos será feita a seguir.

História de Vida

O objetivo da história de vida é permitir que o entrevistado conte aspectos da

sua vida da forma mais completa e honesta possível, aquilo de que se lembra ou

deseja contar, geralmente como resultado de uma entrevista guiada (ATKINSON,

2002). A narrativa da história de vida é importante para mostrar “as influências,

experiências, circunstâncias, temas e aprendizados mais importantes da vida do

indivíduo” (ATKINSON, 2002, p.125) contados por eles mesmos, de forma que pode

ser um importante recurso de coleta de informações em uma pesquisa. Além de

possibilitar uma maior compreensão sobre as experiências do indivíduo, a história de

vida permite uma análise dos diversos papéis sociais desempenhados pelo indivíduo

dentro de contextos sociais, morais e éticos (ATKINSON, 2002), possibilitando

também uma “compreensão do social, do coletivo, a partir de histórias individuais”

(MIRANDA, CAPELLE e MAFRA, 2014, p. 61).

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77

Método dos Itinerários

O método dos itinerários, proposto pelo antropólogo Dominique Desjeux,

propõe uma “abordagem qualitativa que busca a compreensão das dimensões

materiais, sociais e culturais do consumo” (DESJEUX, 2000, p. 184). A ideia do

método dos itinerários é analisar uma sequência encadeada de ações no processo

de consumo ao entender que o consumo não é apenas a aquisição de um produto

de forma arbitrária por um determinado indivíduo e sim um processo que se inicia

com a tomada de decisão de compra e termina no momento do descarte final

(DESJEUX, 2000; CASOTTI, SUAREZ e CAMPOSY, 2008). A aplicação do Método

dos Itinerários ocorre a partir de uma escala microsocial onde são analisadas as

interações e práticas nos grupos em uma investigação qualitativa. Dessa forma, a

pesquisa deve ser realizada no local onde ocorrem as práticas de consumo e onde

os objetos são manipulados e guardados (CAMPOS, CASOTTI e SUAREZ, 2006)

através de entrevistas em profundidade aliadas a um processo de observação

simultânea a fim de compreender o universo social em que o mesmo se encontra

(CASOTTI, SUAREZ e CAMPOSY, 2008).

O método de Desjeux “parte da relevância da cultura material nas relações

sociais, mas utiliza em seu caminho de investigação o mapeamento de objetos e

espaços que compõem o meio do grupo pesquisado” (CASOTTI, SUAREZ e

CAMPOSY, 2008, p. 113), de forma que práticas cotidianas são tidas como mais

importantes para a análise do que o discurso em si do entrevistado, suas

explicações e justificativas.

A compreensão sistêmica do consumo, que parte da tomada de decisão de

compra e termina no descarte incorpora novos elementos no processo de

compreensão do ato do consumo e pode trazer novas perspectivas ao estudo do

comportamento do consumidor. O método dos itinerários então tenta reproduzir

metodologicamente a dinâmica de consumo através de sete etapas que comporiam

o processo de consumo, admitindo, no entanto, que de acordo com o estudo

realizado etapas adicionais podem ser consideradas. Para cada etapa devem ser

considerados os atores envolvidos, as negociações, os objetos e espaços utilizados

e as normas e tensões existentes (DESJEUX, SUAREZ e CAMPOS, 2014). As

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etapas do método dos itinerários propostas por Desjeux (2000) e explicitadas por

Campos, Casotti e Suarez (2006) portanto são:

Etapa 1 - Decisão de Compra no contexto das relações sociais

Etapa 2 - Transporte até o local da compra

Etapa 3 - Compra

Etapa 4 - Estocagem

Etapa 5 - Preparo para o consumo

Etapa 6 - Consumo

Etapa 7 - Descarte

Além da observação da trajetória de consumo, ocupação do espaço e

movimentação dos objetos, segundo Beji-Bécheur e Campos (2008) é importante

também identificar as regras e normas que organizam e definem a dinâmica dos

comportamentos do consumidor, que podem ser divididas em: (1) regras de

exposição de objetos, que buscam perceber se os produtos estão escondidos,

disponíveis ou expostos intencionalmente (2) regras de presença de objetos, que

buscam entender quais produtos são proibidos, permitidos ou obrigatórios em

determinadas ocasiões e (3) regras de divisão do espaço, para compreender que

espaços são públicos, privados ou íntimos (para uma ou algumas pessoas que

moram na casa).

Assim, o método dos itinerários foi um dos métodos utilizados nesse estudo

para uma melhor compreensão das práticas de consumo e relação dos jovens

consumidores com a maquiagem, sendo que um foco maior foi dado nas primeiras

etapas a fim de se compreender quem são os principais influenciadores de compra e

como ocorrem esses processos de influência de consumo, questões principais

dessa pesquisa.

Método projetivo

A ideia por trás do método projetivo é ajudar os informantes a revelar

percepções, emoções, fantasias ou mesmo opiniões que seriam mais difíceis de

obter através de perguntas diretas, ainda que o pesquisador reforce que não existem

respostas certas ou erradas durante uma entrevista em profundidade (BELK,

FISHER e KOZINETS, 2013). De forma muitas vezes lúdica, o uso de técnicas

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projetivas em uma pesquisa permite ao pesquisador fazer uma triangulação em

torno do assunto pesquisado, obtendo informações de forma direta (através das

respostas às perguntas do roteiro, por exemplo) e de forma indireta através de

diferentes métodos como associação de palavras, storytelling, compleção de frases,

montagem de painéis, etc., o que pode permitir uma aproximação maior à forma pela

qual o indivíduo imagina, pensa e age (ROOK, 2006). As técnicas projetivas

costumam então complementar outros métodos qualitativos e sua utilização possui

longa tradição nas pesquisas etnográficas (HEISLEY e LEVY, 1991 apud ROOK,

2006).

Diferentemente de outras técnicas de pesquisa, portanto, o método projetivo

opera através do questionamento indireto, formulando discussões através de

situações imaginárias, muitas vezes envolvendo outras pessoas. Com isso, objetiva-

se obter motivações provenientes de diversos níveis de consciência, principalmente

os níveis mais primários, onde não há restrições sobre o que seria “socialmente

aceito” e que permitiria encontrar as motivações, desejos e opiniões genuínos do

indivíduo (ROOK, 2006).

Ainda segundo Rook (2006), os métodos projetivos podem ser agrupados de

acordo com a quantidade de informação que pode ser coletada através deles

(variando entre baixa, média e alta) e a escolha do método a ser utilizado vai

depender dos objetivos da pesquisa e da profundidade da discussão sobre

determinado assunto que se pretende obter. Na presente pesquisa foram realizadas

duas projetivas, utilizando o psicodrama (BELK, FISHER e KOZINETS, 2013), onde

os informantes serão convidados a se colocar num determinado papel e aconselhar

personagens fictícios sobre que fazer, e uma técnica de projeção onde os agentes

de influência seriam considerados planetas e serem descritos em sua aparência e

características.

3.3.2 Videografia

O uso da videografia na pesquisa de comportamento do consumidor é de

certa forma recente. No passado, os aspectos visuais do comportamento do

consumidor eram amplamente ignorados pela maioria dos pesquisadores, o que

prejudicava suas representações sobre o mundo experienciado pelos consumidores

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dentro de determinada cultura de consumo (KOZINETS e BELK, 2006). Ao perceber

essa grande lacuna em termos de metodologia de pesquisa ao analisarem-se

comportamentos de consumo dentro de uma sociedade cada vez mais mediada

pelos meios de comunicação, Russel Belk (um dos grandes pioneiros na utilização

de vídeos na pesquisa de campo durante a Consumer Odyssey) e Robert Kozinets

começaram a desenvolver uma série de pesquisas envolvendo o uso de videografia

nas pesquisas de comportamento de comportamento do consumidor, bem como a

incentivar outros pesquisadores a fazerem o mesmo. Além disso, os dois autores

foram os anfitriões de vários Association of Consumer Research Film Festivals, que

contam com mostras dos projetos de videografia de pesquisadores de vários lugares

do mundo (KOZINETS e BELK, 2006).

As dificuldades impostas pelo transporte das câmeras, utilização dos

equipamentos e edição hoje estão bem mais facilitadas pelas novas tecnologias de

captura e edição de vídeos, bem como pela internet, que com sua ampla gama de

informações disponíveis facilita o aprendizado de técnicas de captura e de utilização

de softwares de edição. Assim, o método hoje é mais acessível e oferece algumas

vantagens em relação aos métodos tradicionais. A filmagem de entrevistas, por

exemplo, uma das formas mais comuns de uso, traz grandes vantagens em relação

à gravação em áudio ou anotações de campo, pois permite a captura de formas de

expressão corporal e linguagem não-verbal que não são capturadas de outra forma

(BELK e KOZINETS, 2005). Apesar da presença da câmera poder interferir na

entrevista ou na observação, Belk e Kozinets (2005) apontam uma série de técnicas

e usos da câmera que podem minimizar esses efeitos. O uso de tripés, por exemplo,

colocando a câmera a certa distância bem como a explicação plena do processo de

pesquisa para o entrevistado podem minimizar o sentimento de invasão e tornar a

entrevista mais confortável para o entrevistado.

Kozinets e Belk (2006) apontam também para uma variedade de

metodologias para o uso da videografia na pesquisa de comportamento de

consumidor. Entre elas estão: (1) entrevistas filmadas, que como já mencionado

trazem o benefício de captura da linguagem não-verbal e do contexto (que pode

trazer grandes informações); (2) videografia de observação, que ocorre quando os

consumidores são observados diretamente no campo, uma vez que o interesse

nesse caso é maior no que os consumidores fazem do que no que eles dizem fazer

(BELK e KOZINETS, 2005); (3) autovideografia, que ocorre quando os próprios

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81

consumidores capturam suas experiências em vídeo, muitas vezes com sua própria

narração em primeira pessoa; (4) videografia colaborativa, quando consumidores e

informantes trabalham juntos na filmagem e nas decisões editoriais sobre o produto

final da pesquisa; (5) retrospectiva, quando são utilizadas imagens de arquivo

juntamente com narrativas explicativas dos informantes e (6) videografias

impressionistas, quando são utilizadas diversas técnicas como animações,

entrevistas, observação de consumidores, comerciais, entre outros para mostrar

questões específicas sobre os consumidores e as formas de consumo.

Para os fins desse trabalho, portanto, essa metodologia será utilizada

principalmente para coletar os pontos de vista dos próprios consumidores dentro do

seu contexto de consumo. O objetivo é utilizar a autovideografia, chamada também

de vídeo-diário por Sunderland e Denny (2007) e que geralmente é vista como uma

técnica pouco intrusiva e que envolve uma participação mais ativa do consumidor

(KOZINETS e BELK, 2006). Nesse tipo de autoetnografia, que ocorre sem a

presença direta do pesquisador, os informantes tendem a ser mais espontâneos e a

demonstrar aquilo que é mais importante para eles, além de conseguirem mostrar de

forma mais clara certos rituais que eles não se lembrariam de comentar em uma

entrevista ou que seriam difíceis de explicar com detalhes (BELK e KOZINETS,

2005).

Além disso, conforme aponta Dion (2008) o uso do vídeo, bem como das

fotografias como instrumentos de metodologia de pesquisa é de grande importância

para uma melhor compreensão dos usos de produtos e serviços, permitindo verificar

os produtos utilizados, as diferentes formas de utilização, os rituais, os locais de uso

e as interações sociais associadas, entre outros aspectos. Esse método também é

vantajoso ao possibilitar a coleta de informações de usuários que podem ser difíceis

de entrevistar, como os jovens, grupo analisado nesse estudo.

Kozinets e Belk (2006) apontam também sobre a importância de se perceber

que material gravado pelos informantes do grupo pesquisado não se constitui em

uma verdade pura, apesar de ser mais próximo do mundo real do que de teorias que

vêm da pura observação. Segundo os autores, as videografias são narrativas,

representações que podem ser emocionais e que devem ser analisadas dentro do

seu contexto cultural. Sunderland e Denny (2007) realizaram diversas pesquisas

através de vídeo-diários como metodologia etnográfica (incluindo trabalhos com

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jovens, foco desse trabalho) e apontam o sucesso no uso desse método, permitindo

um grande engajamento dos entrevistados que transmitiram suas reflexões,

pensamentos e ações que foram fundamentais para o resultado da pesquisa. Para

Sunderland e Denny (2007), é fundamental a consideração de que tanto a

performance do entrevistado no vídeo, ainda que não seja a mais natural possível

(por estar diante de uma câmera) e a análise do cenário de gravação, objetos que

aparecem em cena (e.g. mobiliário, decoração, vestuário escolhido e etc.) são

fatores de análise fundamentais que devem ser utilizados para uma análise cultural

e compreensão do contexto no qual aquela pessoa está inserida.

Para Dion (2008), essas descrições visuais do comportamento do consumidor

fornecem um rico material de análise das atividades de consumo e dos momentos

culturalmente significantes, possibilitando uma percepção de como os consumidores

percebem o ambiente físico e social do consumo. Uma vez que o objetivo desse

trabalho está em analisar a construção de aprendizados, fontes de influência e a

importância da maquiagem para o jovem consumidor, essa técnica aparece como

promissora para fornecer uma série de informações a partir do ponto de vista das

próprias consumidoras, possibilitando também uma maior compreensão do seu

contexto cultural.

3.3.3 Netnografia

Desenvolvida pelo antropólogo Robert Kozinets (1999, 2006, 2014), a

netnografia é uma metodologia de pesquisa que adapta as técnicas de pesquisa da

etnografia para um “estudo culturalmente orientado daquela interação social

mediada pela tecnologia que ocorre por meio da Internet e das tecnologias de

informação e comunicação (ou TIC) relacionadas.” (2014, p. 11). Cada vez mais,

segundo Kozinets (2014), os pesquisadores percebem que não se pode chegar a

uma compreensão adequada das interações sociais e culturais dos indivíduos no

momento atual sem que haja uma análise das interações possibilitadas pelas novas

tecnologias.

A netnografia utiliza informações disponíveis publicamente em fóruns, blogs,

redes sociais ou outras formas de interação possibilitadas pela internet que

possibilitem uma análise de culturas e comunidades desenvolvidas nesse contexto e

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que podem ter um importante papel na construção e definição das práticas de

consumo (KOZINETS, 2006). A ideia defendida pelo autor não é que a tecnologia

passa a determinar a cultura, mas sim que elas “são forças codeterminantes e

coconstrutivas” (KOZINETS, 2014, p. 28) que atuam na modelagem e remodelagem

constante de identidades, lugares e corpos.

De acordo com Kozinets (2006), o método pode incluir tanto uma postura de

observação do pesquisador, que analisa as interações sem que o pesquisador

envolva-se com a comunidade analisada quanto uma postura de observação

participante, onde o pesquisador participa das discussões, podendo até mesmo

tornar-se um membro ativo da comunidade virtual. No ponto mais extremo de

participação na netnografia há ainda a chamada autonetnografia, onde o

pesquisador utiliza sua própria experiência online como fonte de dados e

observações para discutir práticas e significados de consumidores online. A Figura 7

demonstra os diferentes tipos de netnografia em um continuum de que parte da

baixa participação do pesquisador na comunidade online para um grau mais alto de

envolvimento e participação:

Figura 7: Diferentes tipos de netnografia. Fonte: Kozinets, 2006, p. 133, tradução nossa

Netnografia em blogs

Uma das possibilidades de aplicação do método netnográfico está na análise

de blogs, onde, diferentemente de fóruns públicos ou páginas comunitárias, o

“blogueiro” (aquele que criou e mantém o blog) torna-se a estrela de sua própria

página (KOZINETS, 2006). É ele quem define os assuntos das postagens, a

periodicidade e a forma que serão feitas. Apesar dessa característica pessoal do

blog poder ser vista como uma limitação para sua escolha como fonte de dados para

netnografia é importante ressaltar que o grau de influência atual dos blogueiros

principalmente nos consumidores mais jovens vem chamando muita atenção da

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mídia convencional e dos anunciantes, que passam a ver os blogs como um novo

canal de comunicação alternativo aos tradicionais conglomerados das mídias

tradicionais.

Os blogs passam então a serem vistos como grandes influenciadores de

consumo e capazes de permitir um aprendizado sobre o estilo de vida dos

consumidores e os papéis que diferentes produtos e serviços desempenham em

suas vidas (KOZINETS, 2006). Uma análise aprofundada de blogs pode, portanto,

permitir a coleta de uma série de informações detalhadas sobre os consumidores e

suas práticas de consumo, opiniões, valores e significados que podem ter grande

utilidade para as empresas, conforme demonstra o trecho abaixo:

“Nas histórias de consumidores, as marcas são relacionadas à história, lugares, distinções sociais, habilidades, envolvimento pessoal, emoções, memórias de infância, autenticidade e devoção religiosa, e as compreensões advindas da netnografia são úteis na articulação de uma série de estratégias de branding e posicionamento com apelo mais amplo.” (KOZINETS, 2006, p. 139)

Para a presente pesquisa, diversos blogs e redes sociais relacionados à moda

e maquiagem foram acompanhados pela pesquisadora por um período de um ano e

meio para uma imersão no contexto pesquisado e uma maior compreensão da

linguagem e práticas de consumo compartilhadas. Além disso, foi feita uma análise

do blog Boca Rosa, um blog de grande reconhecimento (e alto número de

seguidores) com foco nas postagens em que ela compartilha informações sobre o

início do seu interesse sobre maquiagem e os motivos que a levaram à construção

do blog sobre o assunto. A escolha desse blog em específico está relacionada à

história pessoal da blogueira, nascida e criada em uma favela do Rio de Janeiro e

que teve através do blog teve uma ascensão social, o que trouxe mudanças em seu

comportamento de consumo. Embora o objetivo inicial fosse entrevistar a blogueira

Bianca Andrade, após inúmeras tentativas isso não foi possível. Por essa razão,

utilizou-se o rigor da metodologia netnográfica para observar o blog de forma

direcionada para entender sua trajetória enquanto consumidora.

Nesse trabalho, portanto, foi realizada uma observação não participante de

algumas postagens do blog Boca Rosa, mas não foi realizada propriamente uma

netnografia com todas as etapas propostas por Kozinets (2006).

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3.4 Seleção dos entrevistados

Uma vez que o objetivo da pesquisa está em analisar as fontes de influência e

os processos de construção de aprendizado do jovem consumidor habilidoso de

maquiagem, buscou-se principalmente na seleção dos entrevistados jovens

pertencentes à chamada Geração Y, ou seja, nascidos entre 1979 e 1994 (LUEG et

al., 2006). Essa geração foi a primeira a se desenvolver junto com as novas

tecnologias de transmissão de informações por intermédio de um computador e da

Internet. Além disso, os indivíduos dessa geração nos dias de hoje têm uma parte

considerável de sua interação social através de redes sociais, blogs, wikis e

comunidades de marca, que permitem que pessoas de diferentes partes do mundo

com interesses em comum possam compartilhar ideias e colaborar de diversas

maneiras (GRINNELL, 2009; EZAN, MALLET e ROUEN-MALLET, 2014).

Para além da questão de geração, um importante critério para a seleção dos

entrevistados foi a expertise em relação à maquiagem, buscando-se então os

consumidores habilidosos, aqueles que possuem grande conhecimento sobre

produtos e práticas de maquiagem e que modificam os significados e usos dos

produtos, criando suas próprias experiências de consumo personalizadas (COVA,

2008). Seguimos também como inspiração o conceito de prossumidor de Toffler

(2014), quando este entende que o consumidor contemporâneo desenvolve

habilidades que permitem que ele produza coisas que poderiam ser contratadas de

outros prestadores de serviços. As atividades do-it-yourself são um importante

exemplo dentre as possibilidades de prossumo que geram valor através da criação

de produtos e da realização de serviços pelos consumidores para o seu próprio

benefício (XIE et al., 2008).

Para a análise das questões do presente estudo, é importante destacar que o

foco está no consumidor que sabe fazer sua própria maquiagem com muita

desenvoltura (inclusive para ocasiões especiais) e que geralmente não contrata

prestadores de serviço para esse fim, além de ter grande conhecimento sobre

marcas, produtos e técnicas que requerem habilidades específicas.

Esses consumidores são capazes de selecionar diferentes produtos e

combiná-los de forma a refletir sua personalidade e individualidade, em linha com o

consumo artesanal de Campbell (2004). No entanto, sabemos hoje que um

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consumidor mais habilidoso pode ter naturezas diversas, podendo ser desde um

consumidor doméstico, que aplica sua habilidade em seu círculo pessoal (CAMPOS,

2010), até uma blogueira ou blogueiro que compartilha seu conhecimento com

outros consumidores (SOARES, 2012), ou ainda um profissional de maquiagem que

se torna um prestador de serviço, obtendo uma remuneração a partir de sua

habilidade como maquiador (a) (CORDEIRO, 2014). Possivelmente, esses três tipos

de consumidores habilidosos terão trajetórias diferentes, e podem apresentar acesso

a fontes de influência diversas.

Dessa forma, a seleção de entrevistados para esse trabalho é conceitual, de

forma a buscar diferentes perfis de consumidores habilidosos para que a diversidade

de trajetórias, motivações e significados associados à maquiagem permita uma

análise mais ampla das tipologias e agentes de influência, foco principal desse

trabalho. Foram buscados, portanto, os três perfis abaixo:

● Expert - jovem com grande habilidade para se maquiar, que busca

informações e referências nas redes sociais ou em outras fontes mas não

possui blog e não é profissional da área. Esse jovem não contrata serviços de

maquiadores profissionais nem mesmo para eventos mais formais. Nesses

casos o próprio jovem se maquia e ainda é solicitado por amigas e familiares

próximas para ajudá-las com a maquiagem.

● Profissional - jovem que desenvolveu o gosto e a habilidade em relação à

maquiagem de forma que isso se transformou em profissão, como

maquiadores e professores de maquiagem.

● Blogueira - jovem que possui um blog sobre maquiagem onde compartilha

fotos, vídeos e tutoriais sobre o assunto, podendo ser ou não ser um (a)

maquiador (a) profissional.

Com esses três perfis buscou-se mapear pontos de semelhança e diferenças

entre esses consumidores nos quais o desenvolvimento de habilidades e a relação

com a maquiagem pode transformar jovens que constroem conhecimentos para si

mesmos em jovens que compartilham isso com os outros através das redes sociais

(transmissão online de conhecimento, muitas vezes de forma gratuita) ou como

profissão (de forma remunerada). Nas entrevistas em profundidade, buscou-se uma

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compreensão de como esses conhecimentos e habilidades sobre maquiagem foram

construídos (WARD, 1974), quais agentes de socialização tiveram influência nesse

processo e como atuaram (MOSCHIS e MOORE, 1983; SHAH e MITTAL, 1997).

Para garantir a discussão de pontos comuns a todos os perfis e ainda buscar

um aprofundamento em questões específicas (para blogueiras e profissionais),

foram desenvolvidos três roteiros, incluindo questões padronizadas e algumas

questões diferenciadas para cada um dos perfis. Os roteiros encontram-se no

Apêndice A. Além das questões trazidas previamente, é importante ressaltar que

outros questionamentos surgiram a partir das discussões com os entrevistados e

foram aprofundados ao perceber-se a relevância do tópico para os fins dessa

pesquisa.

3.6 Perfil dos Entrevistados

Na seleção de entrevistados para os fins dessa pesquisa, o objetivo inicial era

entrevistar somente jovens mulheres, sendo que cada participante seria entrevistada

duas vezes com uma etapa intermediária de produção de vídeos pelas próprias

entrevistadas sobre a sua relação com a maquiagem (sem a presença do

pesquisador). No entanto, no decorrer da pesquisa optou-se por entrevistar um

homem para que também um outro tipo de consumidor de maquiagem geralmente

não considerado pelas pesquisas tradicionais sobre o assunto pudesse ser incluído

e analisado, trazendo novas perspectivas para o campo. Outra questão enfrentada

foi a dificuldade de participação dos entrevistados na etapa intermediária de

produção de vídeos e disponibilidade para uma segunda entrevista. Por essa razão,

foi entrevistado um segundo homem (maquiador) para substituir a entrevista de uma

maquiadora que desistiu de participar do restante do processo após a primeira

entrevista por problemas pessoais mas permitiu que sua primeira entrevista fosse

utilizada nesse trabalho. O tema e as perguntas iniciais de pesquisa foram portanto

ajustados para “consumidores habilidosos” para que essa nomenclatura fosse mais

abrangente à realidade encontrada e pesquisada.

Também foram realizadas entrevistas por Skype com vídeo (para mitigar

problemas de agenda dos entrevistados) e foram gravados alguns vídeos no

decorrer da própria entrevista. No caso de dois entrevistados os assuntos foram

percorridos na primeira entrevista com baixa participação na etapa de vídeos e

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portanto não foram identificados insumos suficientes para uma segunda conversa (já

que essa última etapa estava mais relacionada a uma discussão sobre os vídeos

enviados).

Assim, para uma maior compreensão da ação dos agentes de influência no

aprendizado, formação dos hábitos e preferências da consumidora habilidosa de

maquiagem foram realizadas entrevistas em profundidade com 5 mulheres e 2

homens de Julho de 2015 a Fevereiro de 2016, além de uma análise com

inspirações netnográficas do blog Boca Rosa, onde a jovem compartilha

informações sobre sua trajetória de sua relação com a maquiagem, enquadrando-se,

portanto, nos objetivos desse estudo.

Dessa forma, foram realizadas 12 entrevistas que variaram de quarenta

minutos a uma hora e trinta minutos e 21 vídeos enviados pelo telefone através do

aplicativo de mensagens Whatsapp e através de links do Youtube que variaram de

30 segundos a 10 minutos. As entrevistas foram transcritas para posterior análise,

totalizando 301 páginas, além de anotações que foram feitas no momento da

realização da entrevista ou logo em seguida e foram posteriormente transcritas em

um diário de campo mantido pela pesquisadora, com 12 páginas.

A seleção dos entrevistados buscou investigar diferentes realidades a fim de

compreender de uma forma mais ampla e diversificada a ação das diferentes fontes

de influência, significados associados e o desenvolvimento de habilidades

relacionadas à maquiagem. Por essa razão, foram selecionados entrevistados com

diferentes graus de instrução, moradores de diferentes bairros e com diferenças de

poder aquisitivo e de trajetórias no processo de aprendizado do consumo de

maquiagem. Assim, o perfil de cada um dos entrevistados para os fins desse

trabalho pode ser observado no Quadro 3.

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Quadro 3: Perfil dos Entrevistados

Tipo de

consumidor Nome Idade Escolaridade Profissão

Local de

Moradia

Expert Camila 33 Ensino Médio

Completo Secretária Executiva

Teresópolis /

RJ

Expert Luisa 25

Ensino

Superior

Completo

Relações

Internacionais

Flamengo /

RJ

Maquiadora Fabiana 35 Ensino Médio

Completo

Técnica em

Laboratório e

Maquiadora

Portuguesa

(Ilha do

Governador) /

RJ

Maquiadora Erica 34

Pós

Graduação

Completa

Administradora e

Maquiadora Icaraí / Niterói

Blogueira Jana 27

Ensino

Superior

Completo

Designer de

Interiores

Barra da

Tijuca / RJ

Expert Axel 21 Ensino Médio

Completo Gerente de Loja Olaria/ RJ

Maquiador Daniel 29 Ensino Médio

Completo

Cabeleireiro e

Maquiador

Laranjeiras/

RJ

3.6 Procedimentos de análise

A partir das informações coletadas através das entrevistas e do diário de

campo (anotações mantidas pela pesquisadora no decorrer e após as entrevistas)

iniciou-se então a etapa de análise dos dados com uma primeira leitura detalhada de

todo o material transcrito. Neste momento, a leitura intencionava um mergulho

profundo e individual no universo de cada entrevistado. A partir daí, foram

identificadas temáticas transversais e emergentes, que permitiram a divisão do

material em blocos de discussões. Além dos temas inicialmente buscados, outras

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discussões relevantes surgiram e foram posteriormente relacionadas a grandes

temas de análise ou tratadas em separado de forma complementar.

Para cada entrevistado foi feito um relatório com os pontos principais de sua

história de vida, contexto de consumo (com hábitos e comportamento de compra) e

a ação dos agentes de influência que foram citados e discutidos. Esse mesmo

processo de leitura e divisão temática foi realizado então com a segunda entrevista,

sendo que os temas coincidentes foram acrescentados ao relatório de cada

entrevistado na categoria correspondente, buscando-se conexões e complementos.

A partir desses relatórios com cerca de 15 páginas para cada entrevistado iniciou-se

então uma tarefa de comparações e contrastes para cada categoria identificada e

suas relações com a discussão teórica anteriormente apresentada.

Os vídeos enviados na etapa intermediária contribuíram com insumos para a

segunda entrevista. Embora o objetivo inicial dos vídeos fosse compreender melhor

a visão dos entrevistados sobre maquiagem e a ação de agentes de influência, o

seu conteúdo acabou sendo mais rico para uma compreensão das práticas e

significados associados ao uso de maquiagem.

A análise do blog Boca Rosa ocorreu através do acompanhamento das

postagens feitas no canal do Youtube e em outras redes sociais durante cerca de 1

ano, além da leitura de reportagens sobre a blogueira em outros sites e revistas.

Nesse período, buscou-se coletar informações sobre a trajetória de aprendizado de

consumo de maquiagem percorrida pela jovem, identificando agentes de influência e

motivações que a levaram a criar um blog dedicado ao assunto.

A análise final deu lugar a um detalhamento de territórios temáticos, como

agentes de influência ou trajetórias de formação do consumidor habilidoso. Por fim,

procedeu-se a um cruzamento entre esses territórios, propondo leituras conceituais

mais abstratas e abrangentes dos resultados (ex: relação entre os agentes de

influência e as etapas da trajetória de formação).

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4.0 RESULTADOS

Nessa seção serão apresentados os principais resultados encontrados a partir

da análise das entrevistas e do cruzamento com a literatura discutida anteriormente.

Após contextualização dos significados atribuídos à maquiagem e práticas de

consumo dos entrevistados em cada categoria (consumidores expert, maquiadores e

blogueiras), será discutido o papel de cada agente de socialização nos diferentes

caminhos percorridos por esses jovens em seu crescente contato e evolução das

habilidades em maquiagem. Por fim, serão discutidas as dinâmicas de influência

desses consumidores e sua atuação enquanto prossumidores.

4.1 Contextualização dos Consumidores Habilidosos

Uma vez que escolha dos entrevistados para esse trabalho ocorreu de forma

conceitual, iniciaremos com uma caracterização empírica dos três grupos

pesquisados. Serão apresentados os significados atribuídos à maquiagem bem

como as diferentes práticas de consumo. De acordo com as informações levantadas

a partir das entrevistas, vídeos enviados pelos próprios entrevistados e conversas

através de aplicativos de mensagens instantâneas (Whatsapp), foi possível

identificar semelhanças e diferenças para além das categorias em que foram

conceitualmente divididos, que veremos a seguir.

Consumidor (a) Expert

O consumidor expert é aquele que possui conhecimentos avançados sobre

maquiagem, diferenciando-o dos consumidores comuns. Para esse grupo, foi

possível perceber uma forte relação entre o uso de maquiagem e a questão da

beleza e da autoestima, o que vai de encontro à questão da valorização da beleza

apontada por Bloch e Richins (1992) como resultado da relação encontrada entre a

atratividade do indivíduo, a autoestima e as respostas positivas recebidas dos

outros. Ou seja, em busca de uma sensação pessoal de bem-estar com a própria

imagem e de um reconhecimento social positivo dos outros, os entrevistados

utilizam a maquiagem como um grande artifício na busca da beleza, seja no intuito

de disfarçar imperfeições ou problemas na pele como espinhas ou olheiras ou para

amenizar mudanças que começam a ocorrer no rosto com a passagem do tempo:

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“Hoje a importância da maquiagem é 100% porque eu não tenho mais 20 anos, e além de eu não ter mais 20 anos, está evidente o que caiu e onde vai cair. Também tem a questão de aparência mesmo (...) normalmente eu estou pelo menos com um rímel e um corretivo. Como eu tenho olheira, não dá para sair de casa sem corretivo.”. (Camila, 32 anos, secretária executiva, consumidora expert)

O rosto sem maquiagem pode se tornar um motivo de incômodo, e a

maquiagem atua como um agente de mudança na forma como o jovem se enxerga.

Luisa (25 anos) explica: “Com maquiagem eu me sinto mais bonita, mais confiante.

Você está normal e eu falo “nossa, estou horrível” daí passo maquiagem “agora deu

uma melhorada”.”.

Apesar disso, a relação das entrevistadas com a maquiagem parece ser

muito pessoal e ainda que possa existir um julgamento daquelas que não usam

maquiagem, esse aparece de forma muito sutil, geralmente associado a um

desconhecimento dos benefícios da maquiagem ou ainda estar relacionado a

questões de autoestima, numa visão compartilhada por jovens dos três grupos:

“Às vezes eu fico olhando a pessoa e tenho a impressão “será que a pessoa está meio borococho e por isso não se maquia?” porque não existe mulher que faça uma maquiagem, se olhe no espelho e não dê um gás. Às vezes eu olho para aquela pessoa e fico imaginando que é a correria e tal, fico imaginando a pessoa como ela estaria se estivesse maquiada, mas eu também fico pensando que talvez ela esteja daquele jeito porque ela não está bem, que ela está mal.” (Camila, 32 anos, secretária executiva e consumidora expert)

“(As mulheres que não se maquiam) é porque elas não descobriram a maquiagem ainda. Porque qualquer pessoa fica tão mais bonita e tem gente que não quer ficar tão mais bonita para o dia-dia, preferem sobressair mais num dia de festa.” (Erica, 34 anos, administradora e maquiadora)

É possível perceber que de acordo com as entrevistadas (mesmo entre

aquelas que não estão sempre maquiadas) o uso da maquiagem sempre traz

benefícios e toda mulher que sabe usar os produtos corretamente consegue

perceber como fica “mais bonita” com eles. Se a mulher não usa, as principais

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razões apontadas seriam: (1) a pessoa não sabe usar, (2) está triste ou com algum

problema pessoal (3) ainda não percebeu os benefícios da maquiagem.

De todos os entrevistados, apenas Camila (32 anos) declara sentir um grande

incômodo com pessoas que não se maquiam, o que a faz às vezes tomar uma

postura mais ativa de incentivo aos cuidados pessoais. Apesar de pontuar que não

se vê como diferente ou especial por se maquiar, principalmente no trabalho (onde é

uma das únicas que se maquia), Camila diz se incomodar quando vê uma mulher

que é bonita e nunca usa maquiagem ou protetor solar, que para ela é de uso

essencial.

“...se a pessoa não usa protetor solar é um alienígena, porque eu me incomodo com isso, essa falta completa de vaidade numa mulher, não numa menina, porque na menina é justificável. Mas numa mulher às vezes isso me incomoda, porque a pessoa não usa uma maquiagem, está com a olheira gritando e não faz nada. Às vezes incomoda. Quando eu tenho uma certa intimidade eu falo “vamos começar a usar uns negócios?”, e normalmente eu descubro que a pessoa morre de medo porque nunca acerta tom de pele.” (Camila, 32 anos, secretária executiva e consumidora expert)

Sobre a sua rotina de maquiagem, Camila e Luisa carregam todos os dias

uma nécessaire com alguns produtos que servem para fazer e retocar tanto uma

maquiagem de dia a dia quanto para sair à noite. Esses produtos incluem base, pó,

corretivo, blush, rímel, batons, sombras e pincéis. No caso de Luisa, ela leva ainda

um delineador com pincel e perfume.

Figura 8 – Nécessaire e produtos de Camila

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Figura 9 – Nécessaire e produtos de Luisa

O caso de Axel é um pouco diferente das outras jovens, uma vez que no dia-

a-dia ele utiliza poucos produtos (pó translúcido, máscara incolor para cílios e

protetor labial) mas nos fins de semana ou em alguns eventos especiais ele “se

transforma” para personificar uma personagem “drag queen” de sua criação,

chamada de Miss Nyx. Nesse momento então são utilizados base, paleta de

corretivos, pó translúcido, máscara para cílios a prova d'água e batom. A

sobrancelha e os traços do rosto são modificados para parecerem mais femininos e

ele usa roupas e maquiagem que adquire especialmente para essa finalidade.

Em relação aos itinerários de consumo, dois comportamentos de compra

distintos foram percebidos entre os entrevistados nas três categorias (consumidores

expert, maquiadores e blogueiros). É interessante notar que essa diferença

demonstra os efeitos da diferença de poder aquisitivo no comportamento de compra,

já que no grupo pesquisado encontramos jovens com diferentes níveis de

escolaridade e poder aquisitivo.

Para os três entrevistados (consumidores expert), a compra de maquiagem é

encarada como um processo a ser percorrido de forma individual e sem pressa.

Camila e Axel escolhem um determinado dia para “sair para comprar maquiagem” e

geralmente vão de ônibus. Embora saibam alguns dos produtos que querem testar

nas lojas, eles vão mais abertos a conhecer novos produtos. Ambos ressaltam a

importância de testar produtos na própria pele (como bases e corretivos) e aguardar

um certo tempo para perceber o efeito do produto.

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“Qualquer coisa que você vá fazer que seja base e pele, você tem que experimentar, foi uma das coisas que eu aprendi. Eu errei muito, gastei muito dinheiro com porcaria e errava o tom. (...) Quando eu vou comprar maquiagem, eu saio de casa sem maquiar, só com o meu BB Cream, porque se eu uso esse BB cream, eu tenho que ver como a maquiagem vai se comportar com a pele com ele, tem que testar na pele porque eu não saio de casa sem protetor solar. (...) Tenho que saber como a base, a pó e a maquiagem vão ficar com aquele produto.” (Camila, 32 anos, secretária executiva e consumidora expert)

“Você tem que pegar uma quantidade razoável de base, passar em uma parte do rosto, comparar com a sua pele e ficar com ela para ver. Eu fico andando no shopping que nem um maluco, eu vou no O Boticário, eu pinto a cara toda com mil coisas e vou para a praça de alimentação lanchar, com a cara de 300 cores diferentes, aí todo mundo fica olhando para minha cara pensando que eu sou maluco. Aí depois eu volto lá, olho de novo, tiro tudo e vejo qual vou levar.” (Axel, 21 anos, gerente de loja e consumidor expert)

Já no caso de Luisa, a jovem diz somente usar maquiagens importadas que

adquire quando viaja para o exterior ou quando amigos e familiares trazem para ela.

Sobre os poucos produtos nacionais encontrados entre a sua maquiagem, ela conta

terem sido presentes que nunca usa. A jovem afirma que quando chega à loja não

gosta de experimentar e compra diretamente: “Não consigo “gostei disso, vou ver e

depois...” não, eu gostei e pego. Nem experimento.”. Luisa conta ainda que aceita

sugestões do vendedor. “Eu aceito, porque eles vendem todo dia e tem mais

convivência do que eu, então tecnicamente eles devem saber mais.”. Ela conta

ainda que os vendedores são capazes de influenciá-la a comprar mais do que ela se

propôs inicialmente; ao perceber isso, ela às vezes tem que “fugir” deles. “Eu aceito

as coisas, caio no golpe. Quando eu estava em Londres eu falei “quero esse” e ele

“mas tem esse vermelho maravilhoso” “moço, muito caro, só vou levar esse, não me

oferece nada, não quero ver mais nada” é tipo isso, porque eu fico tentada.”.

Sobre as sugestões dos vendedores, Axel diz que não confia na opinião, já

que acha que o objetivo deles é puramente ganhar comissão, enquanto Camila diz

aceitar sugestões desde que o vendedor fale “a língua da maquiagem”:

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“O bom vendedor me ganha. E aí eu acho que é uma coisa que acho extremamente importante numa loja de maquiagem. Pra você ser vendedor de maquiagem você não precisa estar só maquiada, você tem que entender de maquiagem e saber dizer a diferença de um produto pro outro. Porque se você pega uma vendedora como eu, eu vou chegar lá e vou falar: "eu quero um rímel com textura mousse, que seja a prova d'água e com bico de ouriço. Se você não souber o que é, e eu sei na hora que a pessoa não sabe. Então qualquer coisa que ela vier sugerir eu não vou confiar, porque eu entendo mais do que ela. (...) Tem que falar a língua da maquiagem.” (Camila, 32 anos, secretária executiva e consumidora expert)

Sobre a frequência de compra, Axel (21 anos) conta que costuma comprar

maquiagem toda semana no dia da sua folga. Já Camila costuma ganhar produtos

da mãe e das amigas, então ela compra maquiagem apenas eventualmente, quando

os produtos que ela gosta acabam totalmente (já que ela corta as embalagens para

usar até o final). Para ela, comprar maquiagem “é um acontecimento” e precisa de

um dia reservado apenas para essa atividade. Axel (21 anos) também diz comprar

muita maquiagem pela internet através de sites “da China”, que entregam

maquiagens muito baratas. Ele diz que todo mês gasta pelo menos 50 dólares

nesses sites comprando roupas, maquiagem e perucas para a sua personagem drag

queen.

Embora afirme que a qualidade desse tipo de produto é muito inferior, Camila

diz ter alguns produtos “China”, expressão que ela utiliza para denominar “toda

maquiagem vagabunda que você compra no camelô”. O lápis que ela usa para

corrigir a sobrancelha por exemplo “é China”, mas ela diz que produtos para a pele

têm que ser de marcas boas, com qualidade.

Outra questão trazida por Luisa foi a compra por impulso. Ela se define como

“muito influenciável”, e além das dicas de blogueiras Luisa costuma aceitar

sugestões de pessoas próximas sobre produtos para experimentar: “Se alguém me

fala que é bom eu já falo que vou comprar, sou super influenciável. Se alguém fala

que é maravilhoso, e eu estou precisando, vou testar.”. Como ela acaba comprando

muita coisa, muitos produtos importados acabam sendo pouco utilizados, mas ela os

mostra com orgulho por sua beleza (ainda que pela embalagem). “Eu tenho uma

sombra maravilhosa da Chanel que foi mega cara, e eu usei uma vez. Daqui a

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pouco o negócio estraga e eu usei uma vez, é super linda.”. “Essa daqui é uma

paleta que você mesma constrói, da MAC, daí quando eu era mais nova eu comprei

e adorei essa roxa, mas nunca usei” (Figura 10).

Figura 10 – Paleta MAC de Luisa quase nunca utilizada

Luisa mostra ainda um batom (Figura 11) que comprou por impulso em

Londres (“a embalagem vende muito para mim”) e uma paleta da Urban Decay que

ela comprou por acender a luz quando aberta (Figura 12).

“Eu comprei um batom, que eu não sei onde eu vi, mas eu achei maravilhoso e precisei comprar. Eu estava Londres e gastei 60 libras num batom, assalto, mas ele é maravilhoso. Você está numa night e pega isso, o poder.”. (Luisa, 25 anos, relações internacionais e consumidora expert, grifo nosso)

“Esse aqui é muito bonito, abre e acendia a luz, lindo. Eu não uso cor, mas eu comprei e olha que lindo. Eu não uso isso, no máximo preto, mais básico. Eu sou muito básica para maquiagem no sentido de cor, prefiro tom neutro, até roxo para esfumaçar às vezes vai, mas isso aqui eu não vou usar nunca.”. (Luisa, 25 anos, relações internacionais e consumidora expert)

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Figura 11 –Batom do “poder”

Figura 12 – Conjunto de sombras que “acendia a luz” de Luisa

As maquiagens costumam ficar guardadas no armário do próprio quarto. O

local de maquiagem costuma ser no banheiro ou no próprio quarto (com a ajuda de

um espelho), mas algumas entrevistadas afirmam que hoje conseguem se maquiar

em qualquer lugar. Camila conta inclusive que assistiu a um tutorial na internet que

ensina técnicas para se maquiar no carro ou no ônibus em movimento. Já em

relação ao descarte de produtos, as entrevistadas tendem a doar produtos que não

vão usar (seja por que não gostaram ou porque o tom é diferente).

Axel resume as principais formas de descarte de produtos ao ser questionado

sobre o que já fez com produtos que tinha e não usava: “Dei para alguma amiga,

troquei por algum batom, vendi para alguém.”. No entanto, algumas entrevistadas

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comentam que já tiveram produtos que ficaram um longo tempo abandonados no

armário ou na nécessaire sem uso. Camila chega a comentar que já teve um

“cemitério de produtos”, mas que hoje joga fora (se já estão impróprios para uso) ou

doa para outras pessoas. “Já cheguei numa época que eu não fico guardando as

coisas que eu não vou usar, faço doação.”.

Esse termo “cemitério de produtos” é utilizado também por Casotti, Suarez e

Campos (2008) para discutir o estoque de produtos pouco ou nunca utilizados que

as mulheres guardam em estojos ou gavetas e que muitas vezes não são

descartados. Para as entrevistadas nesse trabalho, porém, hoje em dia guardar

produtos que não são utilizados é algo que deve ser evitado, por isso sempre que

têm uma chance elas doam os produtos para amigas ou familiares que se

interessam.

Com exceção de Axel, que diz sempre emprestar maquiagem, as demais

entrevistadas declaram nunca emprestar seus produtos. Luisa e Camila se definem

como egoístas mas dizem não se importar com isso. Luisa chega a dizer que essa

postura existe mesmo dentro da sua família. “Lá em casa a gente é meio egoísta

com as coisas, cada um tem sua maquiagem.”. O empréstimo quando ocorre com a

família ou amigos é para uso imediato, então a pessoa usa em certo momento e

logo depois devolve. Já Camila diz “Eu pego dos outros, mas ninguém pode pegar o

meu. Sou extremamente egoísta.”.

Maquiadores

“Mil por cento da minha vida é maquiagem.” (Erica, 34 anos)

Os maquiadores são consumidores com conhecimentos avançados em

maquiagem que decidiram investir na sua habilidade para transformá-la em

profissão. Apesar de enxergarem a maquiagem para fins pessoais e profissionais, é

possível identificar algumas semelhanças com os outros grupos pesquisados no que

se refere aos significados e práticas de consumo.

Assim como Camila (32 anos), Erica (34 anos) afirma que se maquia todos os

dias e só não utiliza maquiagem quando vai dormir ou quando está tomando banho.

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“Vou para academia maquiada, vou para a padaria maquiada. Se tiver que ir à

portaria buscar uma encomenda, vou passar uma base no rosto.”. Já no caso de

Fabiana (35 anos), sua relação com a maquiagem hoje é um pouco diferente, e

embora costumasse se maquiar com grande freqüência, ela conta que tinha uma

“dependência” com a maquiagem para sentir-se bem consigo mesma e que

posteriormente passou a lidar de com isso forma diferente.

“Eu me sinto bem maquiada, mas eu não sou escrava, não sou refém da maquiagem. Já fui. Eu não ia na padaria se eu não usasse maquiagem.(...) Eu precisava me maquiar todos os dias sempre. Eu me maquiava para ficar em casa, para você ter uma ideia. Mas aos poucos, não sei se por trabalhar ou então até mesmo a rotina do dia a dia que você vai ficando mais cansada, hoje eu já me permito sair sem maquiagem.” (Fabiana, 35 anos, maquiadora, grifo nosso)

No caso de Daniel, embora costumasse usar lápis de olho, base e corretivo

quando adolescente, hoje o maquiador afirma utilizar pouca maquiagem, seja no dia

a dia ou para sair no fim de semana e em ocasiões especiais. “Muito difícil porque a

gente depois que começa a tratar dos outros fica um pouco sem paciência para

fazer para a gente.”, ele conta. Para o dia a dia ele usa protetor solar e um pó com

tom mais escuro que sua pele para fazer a marcação do rosto e por último um BB

Cream “levinho”.

Fabiana traz ainda um novo fator para o uso de maquiagem ao apontar que

as redes sociais acabam trazendo uma “obrigação” de usar maquiagem para que a

pessoa saia bem nas fotos. “Rede social te obrigou a se maquiar praticamente. É

muita selfie, muita foto, e quando você não posta as pessoas te marcam. Você corre

o risco de não estar bem.”. Assim, ainda que não use maquiagem durante a semana

para trabalhar, Fabiana geralmente se maquia quando vai sair “para estar

preparada” para essa exposição na internet.

Dos três maquiadores entrevistados, apenas Erica utiliza maquiagem

diariamente. Como utiliza fixador após a maquiagem, Erica conta que só leva uma

bolsinha com maquiagem quando sabe que vai precisar modificar a maquiagem para

alguma ocasião. “Vou para o trabalho, se depois eu vou sair para jantar ou algum

outro lugar, aí eu tiro a maquiagem toda, faço uma maquiagem mais elaborada, mais

bonita, pele mais bem feita, enfim. Para o dia a dia não carrego não.”.

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Em caso de viagem, há uma grande preocupação com a possibilidade de

furto ou dano à maquiagem, e a bolsinha com as maquiagens (que são adequadas

ao clima e ao tipo de passeio que será feito) costuma ser levada na bagagem de

mão por todos os entrevistados nessa pesquisa. Erica conta inclusive sobre uma

ocasião em que teve as maquiagens furtadas:

“Quando morei na Nova Zelândia, morei lá durante 1 ano, fui acampar uma vez e deixei as coisas dentro do carro, minha mala inteira dentro do carro, minha bolsa a tiracolo também, tudo dentro do carro e fui dormir na barraquinha do lado do carro. Arrombaram meu carro e roubaram minha mala. Dentro da minha mala além de estarem todos os meus documentos, passaporte e tudo, estava minha bolsinha de maquiagem. Quando eu acordei "o que? Cadê minha maquiagem?", as pessoas "roubaram seu dinheiro, seu passaporte e você está preocupada com a sua maquiagem?", "fico sem comer, mas sem maquiagem eu não fico", peguei dinheiro emprestado, a primeira coisa que eu fiz foi entrar numa farmácia e comprar minha maquiagem toda.” (Erica, 34 anos, administradora e maquiadora)

Nessa ocasião, Erica conta ainda que pediu para uma amiga que trabalhava

para uma grande marca de maquiagem e cosméticos que enviasse para a Nova

Zelândia as maquiagens que ela costumava usar, e em uma semana ela repôs todos

os seus produtos.

Em relação aos itinerários de consumo, os comportamentos mostram

algumas semelhanças e diferenças com os outros grupos. O pertencimento a

classes mais afluentes ou a classes populares determinaram mais os padrões de

consumo de maquiagem do que o perfil de consumidor habilidoso (expert,

maquiadora ou blogueira). Erica (maquiadora), Luisa (consumidora expert) e Janaina

(blogueira) acreditam que as maquiagens importadas são muito superiores às

nacionais e por isso preferem esperar para comprar quando viajam (normalmente

uma vez ao ano) para conseguir preços melhores, já que em sua opinião como os

produtos importados chegam ao país com uma alta carga de impostos “acaba não

compensando” a sua aquisição aqui.

É interessante notar, entretanto, que através dos vídeos enviados ou durante

a entrevista na residência foi possível perceber que as três entrevistadas possuem

guardados alguns produtos nacionais, principalmente das marcas Contém 1g e

Quem Disse Berenice. Ao serem confrontadas com essa questão, todas justificam

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que são produtos que ganharam de presente (sombras encontradas na casa de

Luisa), gratuitamente em promoções (batons de Janaina) ou exceções em relação à

qualidade dos demais (limpador de pincéis e corretivo de sobrancelhas que Erica diz

serem bons, “ao contrário dos demais produtos”).

Como costumam comprar maquiagens em viagens ao exterior, normalmente

antes elas fazem uma lista dos produtos que desejam testar e adquirir baseada na

reposição de produtos que acabaram e em novos produtos que foram sugeridos por

amigas, blogueiras ou que vieram de pesquisas na internet. Por estarem em outro

local, a ida até a loja acaba sendo através de um carro alugado, táxi ou ainda

utilizando transporte público. Já o momento da compra costuma ser uma ocasião

particular e os companheiros geralmente esperam do lado de fora ou aproveitam

para ir a outros lugares. “Meu marido já sabe que é o meu momento da viagem, ele

vai me deixar ali e vai viver a vida, vai passear.”, conta Erica. Ao chegarem lá, ela

costuma testar vários produtos, principalmente para a pele:

“Chego na Sephora, tiro a maquiagem toda e começo a experimentar, tiro e boto, tiro e boto. (...) Gosto de testar muitos produtos. Gosto de botar a base de um lado do rosto, outra base que já gosto muito do outro lado do rosto e fico andando na loja para ver quanto tempo ela vai ficar, qual é a diferença dela, enfim, como ela fica na pele, como sua pele vai responder depois que ela secar. Uma coisa é você passar a base e ver se ela é do seu tom, mas você não sabe como ela vai funcionar daqui a pouco quando ela secar.” (Erica, 34 anos, administradora e maquiadora)

No caso dos maquiadores Fabiana e Daniel, consumidores de classes

populares, geralmente eles vão de carro ou de ônibus para um shopping da cidade

onde encontram várias lojas de maquiagem importadas e nacionais. Assim como

outras entrevistadas, Fabiana diz que gosta de esperar para ver o efeito horas

depois, mas muitas vezes faz esse processo em dois dias, testando vários produtos

no primeiro dia e voltando no dia seguinte para comprar. “Sombra e essas coisas na

hora você já vê se é bonito e se dá para você comprar. Agora, base, corretivo e até

batom, delineador, lápis de olho, eu gosto de testar e voltar depois.”. Já Daniel testa

a maquiagem no pulso e muitas vezes na própria vendedora, para ver o efeito na

pele feminina. Sobre as sugestões dos vendedores, Fabiana e Daniel gostam e

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aceitam sugestões daqueles que estão no dia a dia em contato direto com várias

marcas, enquanto Erica é mais relutante em aceitar as opiniões do vendedor, pois

diz geralmente já saber exatamente o que quer testar e comprar.

Em relação ao local que os produtos ficam alocados, os produtos pessoais e

os produtos que são utilizados profissionalmente são distintos e guardados em

locais separados. A maquiagem pessoal pode ficar no banheiro, nas gavetas ou no

armário, onde os produtos ficam misturados. Ao levarmos em consideração as

regras e normas que regem a dinâmica de comportamento do consumidor conforme

sugerem Béji-Bécheur e Campos (2008) é interessante notar que as maquiagens

não costumam ficar à vista, sendo guardadas em gavetas e armários.

Já o material de trabalho dos maquiadores fica em maletas onde os produtos

estão organizados em compartimentos ou nécessaires e separados por tipo de

produto (batons, rímeis, sombras, produtos para a pele, etc.).

Figura 13 – Maleta de trabalho de Erica com maquiagens e produtos para fazer penteados

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Figura 14 – Conjunto de pincéis de Erica

Figura 15 – Produtos para a pele em uma bolsa específica

Pode haver inclusive uma diferenciação nas marcas que são utilizadas, como

relata Fabiana ao comentar que usa produtos mais simples e baratos e mantém os

produtos importados para usar em suas clientes:

“A minha nécessaire de maquiagem é a minha nécessaire de maquiagem. Eu tenho tudo ali. Minha base, meu pó, meu rímel, tudo, não uso nada que eu uso nas clientes. Os meus são todos vagabundos, de xing

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ling, a não ser que eu vou para um casamento e quero aquele glitter lindo, quero aquele rímel 24h, não vou dizer que não uso, então vou lá e dou uma usada. Eu pego emprestada de mim mesma. O que acontece? Se eu ficar usando vai acabar, e outra, tem o lance pessoal, então eu prefiro não usar.” (Fabiana, 35 anos, maquiadora)

Fabiana (35 anos) também levanta a questão da importância das marcas

utilizadas por uma maquiadora para a sua credibilidade enquanto profissional.

Apesar de achar algumas marcas nacionais muito boas (em termo de qualidade), ela

acaba tendo que ter muitos produtos importados. “Eu preciso ter marcas na minha

bolsa, e se uma cliente olha um blush da Avon na minha bolsa eu não vou ter tanta

credibilidade assim, mas isso não quer dizer que a maquiagem da Avon é ruim.”.

“Então você come arroz e feijão a semana inteira, mas vai comprar seu pó da Shiseido, vai comprar sua base da Lancôme, vai gastar o seu dinheiro com Dior, mas não vai assumir para ninguém que você usa Avon, Mary Kay.” (Fabiana, 35 anos, maquiadora)

Já Daniel (29 anos) conta que sua primeira maleta de maquiagem completa

para trabalhar como maquiador foi composta de produtos da Avon comprados com o

auxílio financeiro de uma tia, e essa foi sua maleta de trabalho durante três anos. Ao

se mudar para o Rio de Janeiro, ele conta que jogou a maleta fora e começou a

pedir para que amigos trouxessem produtos de fora, montando aos poucos uma

nova maleta. Hoje ele ainda pede que os amigos tragam produtos importados, mas

também compra por aqui em lojas como a Sephora e usa alguns produtos

considerados “mais populares” como Mary Kay, apesar de afirmar que há uma

diferença entre como essa marca é vista no Rio de Janeiro e em São Paulo. Assim

como Fabiana, ele afirma que em geral as marcas nacionais são mal vistas pelas

mulheres que contratam maquiadores.

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Figura 16 – Uma das três maletas de maquiagem de Daniel

O local de maquiagem costuma ser no quarto, no banheiro ou mesmo na sala.

No caso de Daniel, por exemplo, ele transformou a sala de seu apartamento em um

salão de beleza, que ele chama de “ateliê” (Figura 17). Para Erica, o local de

maquiagem é de grande importância, e por isso ela conta que ao se mudar para o

apartamento atual mandou fazer um espelho com uma iluminação ideal para fazer

maquiagem. Erica relata que pesquisou em vários lugares na internet e juntou as

informações para projetar o espelho com as luzes (Figura 18).

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Figura 17– Salão de Daniel montado na sala da própria casa

Figura 18 – O espelho de Erica para fazer maquiagens

Blogueiras

As blogueiras são jovens que decidiram compartilhar seu conhecimento e

opiniões pessoais sobre determinado assunto com outras pessoas através das

redes sociais, o que as permite alcançar uma audiência de nível global. Para os fins

desse trabalho, buscou-se analisar a trajetória de duas blogueiras, sendo uma já

considerada famosa e outra ainda não conhecida. Assim, ao procurarmos trajetórias

e significados de consumo, deparamo-nos também com motivações e discussões

sobre a criação de um blog.

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Apesar de ressaltar que gosta muito de maquiagem, Janaina também conta

que hoje se relaciona de outra forma com maquiagem. A jovem afirma que

costumava associar o rosto sem maquiagem a “cara de doente” e não se reconhecia

sem estar maquiada.

“Minha relação com maquiagem mudou muito da época da faculdade para depois que me mudei aqui para o Rio. Meio que me escondia, eu tinha muita vergonha de minhas olheiras, de espinhas, eu usava aquilo... Eu não me reconhecia sem delineador. Todo mundo na faculdade só me via de delineador. Lembro que teve um dia que cheguei lá sem maquiagem, aí um cara do departamento falou "está tudo bem? Você está doente?", "viu, por isso tenho que usar maquiagem!”, porque eu ficava com cara de doente quando estava sem maquiagem. Para quem só me via de maquiagem, eu sem era eu com algum problema. Eu usava demais.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)

Janaina conta que sua relação com a maquiagem começou a mudar quando

ela teve que ficar sem usar maquiagem nenhuma por um tempo por conta de uma

reação a um produto, e esse período fez com que ela reavaliasse como se sentia em

relação à maquiagem e sobre a necessidade de se maquiar todos os dias.

“...eu parei de usar todas as maquiagens pra ver se sarava, para ver o que era. Parei e usei ele de novo, deu espinha de novo, não igual antes, mas deu, eu falei "ah, é isso". Mas eu já tinha ficado um tempão sem usar maquiagem, indo para vários lugares sem maquiagem e não morri, nem me senti feia, falei: ah, não precisa. Daí comecei a fazer essa coisa de usar como se fosse um acessório.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)

É interessante notar que enquanto no caso de Erica um problema de pele

desencadeou o início do uso de maquiagem, o problema de Janaina fez com que ela

reavaliasse sua relação com a maquiagem e a autoestima ao sentir-se bem mesmo

sem estar maquiada. Apesar de ainda gostar muito de maquiagem, para Janaina

hoje maquiagem é um acessório que ela escolhe quando usar.

“Tem roupa que você usa quando está mais relaxada e tem roupa que você usa mais quando você vai numa festa, maquiagem funciona mais ou menos assim, pra mim é um acessório. Uso quando estou a fim também. (...) É a minha relação com maquiagem. (...) Quando é uma festa não vou de forma alguma sem maquiagem, mas no dia a dia, eu posso

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escolher um dia ir ao mercado de maquiagem e posso escolher ir ao shopping sem maquiagem.(...) Depende muito do meu humor.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)

Sobre os itinerários de consumo, o comportamento de Janaina é semelhante

ao de Erica e Luisa. A jovem só compra maquiagem quando viaja para o exterior,

mas como já sabe os produtos que gosta costuma apenas repor seus produtos

favoritos. Através do vídeo enviado pela jovem após uma viagem aos Estados

Unidos, Janaina mostra que comprou duas ou mais unidades dos seus produtos

favoritos para que tenha “estoque” suficiente até a próxima viagem. Ela também

aproveita para comprar “produtos de farmácia” para testar, pois são mais baratos e

em sua opinião são ainda melhores que os de marcas brasileiras. Antes da viagem,

Janaina costuma pesquisar o preço dos produtos que deseja comprar e muitas

vezes até compra pela internet para ser enviado para o hotel onde está hospedada.

Porém, quando se trata de um produto novo geralmente indicado por alguma

blogueira, ela prefere testar na loja antes de comprar.

Já no caso de Bianca Andrade, a jovem conta que quando mais nova não

tinha condições de comprar produtos “de marca” e acabava comprando vários

produtos “no Saara”, região popular de compras no Rio de Janeiro. O seu grande

diferencial das outras blogueiras deveu-se justamente em apontar produtos

populares que se assemelhavam a produtos importados mais caros, que ela chama

de “primo baratinho”. Atualmente, enquanto blogueira em ascensão, Bianca recebe

frequentemente maquiagens de várias marcas e conta que só compra de vez em

quando algum produto para repor um favorito que acabou, mas que isso está

acontecendo cada vez menos, já que ganha muitas coisas.

Mas o que leva afinal uma jovem a resolver criar um blog? Através da

entrevista de Janaina e da análise das publicações do blog de Bianca Andrade é

possível apontar algumas motivações para a criação dessas comunidades virtuais. A

primeira é a de nível mais individual, sendo que o blog vem do desejo do jovem de

compartilhar suas opiniões a respeito de um ou mais assuntos. Nesse caso, o blog

está mais próximo de um “diário virtual” (EZAN, MALLET e ROUEN-MALLET, 2014)

do que de um canal com objetivos comerciais, como é o caso do blog de Janaina:

“Toda vez que alguém me pergunta "seu blog é de que?", é sobre mim, sobre a minha vida. Eu falo de

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maquiagem que eu gosto, às vezes falo de música, às vezes falo só de alguma coisa que aconteceu na minha vida, de looks, não sei o que, mas é tudo referente a mim, aquele é o meu lugarzinho, onde eu público minhas coisas, nunca foi uma coisa muito comercial.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)

Para Janaina o blog inicialmente era mais uma de suas redes sociais, já que a

designer de interiores conta que sempre gostou de criar e participar de comunidades

online. Essa necessidade de experimentação e busca de pertencimento vai de

encontro aos estudos de Ezan, Mallet e Rouen-Mallet (2014) sobre os nativos

digitais, jovens que estão vivenciando novas experiências através da interação

proporcionada pelas mídias sociais e facilitada pelos novos dispositivos portáteis

(como tablets e celulares). Janaina não pensava no blog como profissão, então as

postagens não eram regulares e ela falava sobre qualquer assunto do seu interesse.

“Tive todas as redes sociais que você pode imaginar. Tive Life Journal, My Space, tive tudo, desde adolescente eu era a nerd da minha turma com relação a redes sociais. (...) sempre tive coisas de colocar conteúdo na internet e quando comecei a ver esses youtubes, quando comecei a me maquiar e tal, eu tive vontade na época porque era mais uma comunidade que você fazia parte, só que você colocava os seus vídeos.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)

Além disso, é importante destacar que Janaina considera que há uma

diferença entre “ser uma blogueira” e “ter um blog”. “Blogueira para mim é aquela

pessoa que tem o blog, ganha dinheiro, eu me sinto até meio intrusa quando alguém

fala que sou blogueira. Não gente, não sou blogueira, eu tenho um blog. Tem uma

diferença sabe?”. Como o blog dela ainda tem poucos seguidores, Janaina ainda

não consegue ganhar quase nada com ele e tem dificuldade em se considerar

blogueira.

A segunda motivação para a criação do blog seria a sugestão de amigos ou

parceiros (como namorados e maridos), nesse caso geralmente para que o jovem

compartilhe a sua expertise sobre determinado assunto, já reconhecido pelos outros.

No caso de Bianca, a blogueira conta em um dos seus vídeos4 que costumava tirar

4Vídeo Minha História com o blog | Como comecei? | #Último VEDA. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=yNORMYoSK94>. Acesso em 05 de Janeiro de 2016.

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fotos das maquiagens que fazia e então postava no Orkut (a primeira rede social de

grande sucesso), e com isso ela recebia vários comentários e recados nessa rede

social, o que, segundo ela, “começou um barulhinho” em torno dela e de sua

habilidade para maquiagem.

Como ela costumava dar várias dicas de maquiagem para as suas amigas de

escola e adorava o blog de Andreza Goulart, as amigas começaram a sugerir que

Bianca criasse seu próprio blog. Com a ajuda de seu namorado, que fez o layout e a

ajudou com as questões técnicas, ela então lançou o seu primeiro blog chamado

“Bianca Andrade makeup”. Apesar de admirar as blogueiras que já eram conhecidas

na época, Bianca diz que no início não tinha grandes pretensões com o blog. Como

morava em uma comunidade onde “todo mundo se conhece” e “todo mundo sabe da

vida de todo mundo” e ainda estava na escola, muitas pessoas próximas sabiam da

existência do blog. Ela postava as fotos das suas maquiagens no blog e divulgava

no Orkut, e as pessoas próximas acabavam contribuindo para a sua divulgação

inicial, indicando para outras pessoas: “Uma menina fala para a outra: você viu o

Orkut daquela menina que posta maquiagem?”.

Ao perceber então que as demais blogueiras não falavam de marcas mais

baratas e populares e só usavam marcas mais caras (como MAC) ela começou dar

enfoque nas “dicas baratinhas” no seu próprio blog, o que criou um diferencial em

relação aos blogs existentes (Figura 19). Com o passar do tempo, tanto as amigas

de Bianca quanto outras meninas seguidoras do blog começaram a sugerir que ela

fizesse vídeos com o passo a passo das maquiagens ao invés de apenas postar

fotos. Bianca então criou um canal no Youtube e comprou uma câmera para

começar a filmar seus tutoriais de maquiagem.

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Figura 19 – Postagem do “primo baratinho” no blog Boca Rosa em 28/05/16

Bianca conta que as pessoas que a seguiam no blog foram para o canal do

Youtube, o blog foi crescendo aos poucos e na primeira Beauty Fair (Feira

Internacional de Beleza Profissional) que Bianca compareceu ela conheceu outras

blogueiras e a própria Andreza Goulart, que a ajudou a montar o seu primeiro media

kit e a ensinou como e quanto cobrar por vídeos, inserções e parcerias com lojas e

marcas que começavam a procurá-la. Nesse caso, portanto, percebe-se que a

blogueira Andreza Goulart serviu como um importante agente de socialização para

Bianca no seu desenvolvimento enquanto blogueira, uma vez que ela serviu de

influência primeiro para o próprio aprendizado de Bianca sobre maquiagem, depois

para a criação de um blog e posteriormente contribuiu para o aprendizado direto

sobre profissionalização do blog (divulgação, tabela de preços, etc.).

A partir de uma divulgação em um jornal local da comunidade, reportagens

sobre o blog apareceram no Jornal O Dia e no Jornal Meia Hora, até que Bianca foi

convidada para participar de uma matéria no programa Mais Você com outra

youtubber, Bruna Vieira. A partir do dia de exibição do programa em diante, Bianca

começou a receber uma série ligações de empresas propondo parcerias e o número

de seguidores teve um grande aumento, transformando o blog em um negócio de

sucesso que hoje é a atividade de tempo integral da jovem.

A terceira motivação, portanto, e que pode tanto ser uma motivação inicial

como um desdobramento das duas anteriores é o desejo de “ficar famoso”. Embora

isso tenha acontecido progressivamente com algumas blogueiras de sucesso como

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Bianca, hoje muitos jovens começam seus blogs com esse objetivo, já que hoje são

muito divulgados os casos de sucesso de algumas blogueiras que se transformaram

em celebridades, seja participando de programas de TV ou como garotas-

propaganda de marcas de sucesso e ganhando muito dinheiro e benefícios (como

produtos e viagens grátis) através dos blogs.

Janaina (27 anos) inclusive critica esse tipo de postura comercial porque vê

que algumas blogueiras nacionais fazem muita “propaganda escondida”, já que

recebem os produtos de graça de algumas marcas e indicam nos seus posts

(postagens no blog) sem buscar conhecer outros que existem no mercado para

comparar. Na opinião dela, as blogueiras internacionais demonstram mais

claramente quando é um post comercial e muitas vezes mostram que elas mesmas

adquirem produtos de várias marcas para testar e opinar sobre eles. Para Janaina

isso confere mais credibilidade em relação à opinião delas sobre os produtos.

Apesar disso, a entrevistada não descarta o blog como uma “possibilidade de

negócio” e diz que recentemente decidiu investir mais no blog e no seu canal do

Youtube com novos vídeos, “só que dessa vez numa questão mais profissional,

então uso uma câmara muito melhor, tenho uma iluminação muito melhor, uma

captação de áudio melhor, uma edição trabalhada e tal”. No entanto ela afirma que a

seleção de conteúdos continua sendo dos assuntos escolhidos por ela e não com

enfoque num assunto específico. “Não faço porque as pessoas querem ver tutorial

de maquiagem e daí vou postar tutorial de maquiagem. Tem tutorial de maquiagem

em meu canal, mas continua sendo o meu canal e eu posto as coisas que eu quero

falar para as outras pessoas.”, ela conclui.

4.2 A participação dos agentes de socialização na formação do consumidor

habilidoso de maquiagem

Segundo Moschis e Churchill (1978) “o agente de socialização pode ser

qualquer pessoa ou organização envolvida diretamente na socialização em razão da

frequência de contato com aquele que está aprendendo” (p.600). Esses agentes,

que segundo os autores seriam principalmente família, pares e meios de

comunicação de massa seriam responsáveis pela transmissão de “normas, atitudes,

motivações e comportamentos” (p.600) durante suas interações com os indivíduos

em várias situações sociais. Como discutido anteriormente, essa aquisição de

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comportamentos e processos cognitivos pode ocorrer através de vários mecanismos

como a imitação do comportamento do agente, reforço através de recompensa

(reforço positivo) ou punição (reforço negativo) e o processo de interação social, o

qual seria menos específico, podendo envolver mais de um dos mecanismos

anteriormente mencionados (MOSCHIS e CHURCHILL, 1978).

Os agentes trazidos por Moschis e Churchill (1978) foram mencionados pelos

entrevistados e ainda atuam na formação desses consumidores, mesmo que em

diferentes graus de intensidade. Já a Internet, que não estava contemplada nesses

primeiros estudos sobre socialização e só passa a aparecer recentemente em

artigos sobre o assunto (SHIM, SERIDO e BARBER, 2011) possui um papel de

grande importância como agente de socialização na contemporaneidade e pode

sugerir importantes alterações na intensidade e na forma de ação dos agentes de

socialização como tradicionalmente se conhecia. A seguir, cada um desses agentes

será analisado segundo as entrevistas realizadas.

4.2.1 Família

A influência da família como agente de socialização dos jovens sobre o

consumo de maquiagem apareceu de formas diferentes do que o esperado

inicialmente com base na literatura analisada sobre socialização, que geralmente

aponta a família como um dos principais agentes de socialização (MOSCHIS, 1985;

CARLSON e GROSSBART, 1988; MOORE, WILKIE e LUTZ, 2002), principalmente

no que se refere ao papel dos pais. Nos casos analisados para esse estudo, a

influência familiar acaba resumindo-se basicamente à figura da mãe, o que pode ser

compreendido principalmente em razão do objeto de estudo ser maquiagem, um

tópico geralmente associado ao universo feminino. Além disso, segundo Minahan e

Huddleston (2013), mães geralmente desempenham um papel mais ativo na

educação para o consumo do que os pais, já que costumam ser responsáveis pela

maior parte (quando não a totalidade) das compras domésticas e costumam levar as

filhas para participar desses momentos de compra com muito mais frequência do

que ocorre com os filhos. Segundo os autores, nesses momentos é que seriam

compartilhados muitos ensinamentos, valores e atitudes relacionados a consumo.

A pesquisa sobre consumo de maquiagem, no entanto, apresenta algumas

particularidades em relação a outras categorias de consumo familiar. A diferença

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está no fato de que para ser ensinado e compartilhado, geralmente pressupõe-se

que o comportamento deva existir no agente de socialização, mas, com exceção de

Luisa (25 anos), que conta que a mãe sempre soube se maquiar bem, os demais

entrevistados apontam que a mãe não sabia ou sabia muito pouco a respeito de

maquiagem, e por isso não tinham como ensinar tecnicamente muita coisa. Erica (34

anos) exemplifica: “Minha mãe não tem muita técnica, ela não conhece muito de

maquiagem. Ela simplesmente falava para passar base no rosto, eu ia e passava

base no rosto de qualquer jeito, não tinha técnica, não tinha nada.”. E mesmo no

caso de Luisa, o conhecimento técnico que a mãe possuía não foi ensinado para

ela, já que sua mãe nunca a maquiou e quando Luisa começou a usar maquiagem

para sair ela nunca se arrumava na casa da mãe, e sim na casa das amigas.

Dessa forma, a família pode exercer diferentes funções enquanto agente de

socialização, ainda que não seja através do ensinamento sobre o uso propriamente

dito dos produtos. Uma das primeiras funções pode ocorrer ainda na infância,

quando os produtos pessoais da mãe ou de outras pessoas da família são

encontrados e passam a fazer parte de brincadeiras, sendo os primeiros contatos da

criança com maquiagem. Nesse momento a função da mãe é a de primeiro exemplo

de modelo feminino, e seus produtos representam todo o acervo disponível no

universo do jovem. Erica (34 anos) chega a dizer “acho que já nasci maquiada”, pois

desde pequena já gostava de brincar com as maquiagens da sua mãe e da sua tia, e

essa era uma de suas brincadeiras favoritas:

“Lembro que quando era muito pequena (2/3 anos), tem foto minha toda maquiada igual uma palhaça, claro, mas com batom, sombra. Então sempre foi uma coisa que me interessou. Lembro das gavetas de maquiagem da minha mãe, da minha tia, que era pra mim igual parque de diversão, sempre foi. Não sei se é para toda menina ou de fato eu tenho uma relação.” (Erica, 34 anos, administradora e maquiadora)

Também no caso de Camila (33 anos, secretária executiva), as primeiras

lembranças em relação à maquiagem vêm das brincadeiras de maquiagem com a

prima, onde elas maquiavam bonecas e elas mesmas, utilizando maquiagem própria

para crianças e também maquiagens da mãe. “Minha prima teve uma boneca que

era só a cabeça da Xuxa, que tinha um estojinho e a gente ficava maquiando, e ela

ficava que nem uma bruxa e a gente achava aquilo lindo.”, conta Camila. “Eu

literalmente entrava no guarda roupa da minha mãe, amarrava lençol como se fosse

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vestido, sapato e eu catava as maquiagens da minha mãe e ela quase me matava

quando eu fazia isso.”.

Já no caso de Fabiana (34 anos, maquiadora), ela era muitas vezes criticada

por sua mãe por não gostar desse tipo de brincadeira geralmente associada com

meninas. Fabiana conta que quando era criança sua mãe dizia que ela “parecia um

homenzinho”, pois tinha o cabelo curto, não gostava de bonecas e adorava jogar

bola. “Minha mãe falava “meu Deus, essa menina não é vaidosa, não gosta de um

brinco” e quando eu fui crescendo que eu fui mudando.”.

Na passagem para a adolescência, a relação mãe-filhos vai se

desenvolvendo e a mãe enquanto agente de socialização passa a atuar de duas

formas principais que podem acontecer de forma conjunta ou individual: através da

transmissão da importância da questão da vaidade e da autoestima e por meio do

acervo disponível de maquiagem para uso individual ou compartilhado. No primeiro

caso, a influência materna está relacionada à transmissão da importância do

cuidado pessoal e do sentir-se bem consigo mesmo.

Nos primeiros contatos com a maquiagem (para além de batom e gloss),

geralmente os jovens são maquiados por outras pessoas porque eles não possuem

seus próprios produtos e não sabem como fazer. No caso de Janaina, a maquiagem

começou a ser usada para ir para as “festinhas de 15 anos” onde “todo mundo

estava mais ou menos arrumado” e as meninas estavam usando maquiagem. Nessa

época a maquiagem era feita por sua mãe com os seus produtos. “Acho que a

primeira vez que fui numa festinha ela deve ter comprado alguma coisa a mais, uma

base que botou na minha pele, alguma coisa assim, mas aí ela fazia.”. Assim, ela

usava maquiagem somente nessas ocasiões, maquiada por sua mãe, e nos outros

dias não usava nada pois os colegas da escola achavam estranho que se usasse

maquiagem na escola.

Bianca (20 anos) conta que desde pequena aprendeu a ser vaidosa com o

exemplo e incentivo de sua mãe, enquanto Erica (34 anos) explica que quem a

incentivou a começar a se maquiar foi sua mãe ao se preocupar em como ela sentia

mal e com a autoestima baixa por ter a pele com muitas espinhas na adolescência.

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“Quando usei maquiagem para ir para o colégio, lembro que estava ficando muito mal por conta da quantidade de espinha que estava tendo. Aí minha mãe ficou com medo, eu adolescente, de ficar com vergonha. Ela passou uma base, e a primeira vez que ela passou adorei, era tudo vermelho cheio de espinha, passou uma base ficou lindo, porque ficou com a pele linda (...) Me senti ótima, fui para a escola me achando linda, maravilhosa.” (Erica, 34 anos, administradora e maquiadora)

Erica não se importava em ser a única maquiada para a escola porque para

ela era melhor estar maquiada do que mostrar o rosto cheio de espinhas. Nesse

caso, a função da mãe enquanto agente de socialização está na sua atuação como

“instrutora” que transmite informações gerais sobre os benefícios da maquiagem e

os usos dos produtos mas sem trazer conhecimentos técnicos específicos.

Uma situação semelhante aconteceu com Axel (21 anos, gerente de loja), que

conta que sua pele estava cheia de marcas e espinhas no início da adolescência e

que ele passou a pesquisar cosméticos que pudessem ajudar a resolver o problema,

mas eventualmente percebeu que teria que usar maquiagem para ajudar a disfarçar

o problema. Sendo menino, ele começou a usar os produtos de sua mãe e irmã,

“basicamente base e pó para deixar o rosto bom”, mas como elas possuem tons de

pele diferentes do dele (Axel é negro mas sua mãe é branca e sua irmã morena

mais clara), Axel conta que o resultado não ficava bom.

A questão de autoestima também levou Daniel a começar a usar maquiagem

e se relaciona também com a questão da sua homossexualidade. “A gente quando é

adolescente a gente sempre quer estar bem. Na minha situação, por ser gay é mais

complicado ainda porque a gente sempre quer estar muito bem apresentado”. Além

de questões de pele, Daniel também não se sentia bem pois se considerava

“obeso”. Ele foi aprendendo então a usar maquiagem para disfarçar algumas

características indesejadas do rosto. “Então eu usava muito corretivo para tapar

olheira, e por ser um pouco mais cheinho tinha uma cara muito grande, então

tentava mudar um pouco (o formato do rosto) para disfarçar.”. Daniel começou

usando as maquiagens da irmã e das amigas e com o tempo foi adquirindo alguns

produtos mais baratos para uso próprio.

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“Na verdade comecei acho que roubando algumas coisas da minha irmã. Como eu tinha muita amiga eu acabava usando algumas coisas delas também. Teve um período em que eu usava lápis de olho no olho, comprei lápis de olho. Eu sempre tinha uma base, um corretivo, um lápis de olho e um rímel incolor. Com isso eu conseguia sobreviver.”. (Daniel, 29 anos, cabeleireiro e maquiador)

Essa relação entre o uso da maquiagem e a autoestima é discutida por

diversos autores como Bloch e Richins (1992), que debatem a associação entre a

atratividade de um indivíduo e as respostas positivas recebidas dos outros, o que

motivaria uma busca pelo uso de adornos (como roupas e maquiagem, por exemplo)

na busca da beleza e da possibilidade de seus benefícios sociais. Os autores

pontuam que os adornos podem atuar de diferentes maneiras, sendo que a

maquiagem atuaria como uma camuflagem, “escondendo” imperfeições ou

características indesejadas no rosto, como é o caso de Erica (34 anos) e Axel (21

anos) com as espinhas.

Em todos os entrevistados, é possível perceber a satisfação que o uso da

maquiagem traz e seu papel na autoestima através de expressões como “eu me

sinto mais bonita maquiada” e “me sinto mais confiante”. Luisa chega inclusive a

dizer “meu namorado diz “você está linda sem maquiagem” mas eu sei que não,

ninguém merece”, o que mostra que para esse grupo analisado a maquiagem

parece estar intimamente relacionada à questão da beleza e da autoestima.

O início do uso da maquiagem também marca uma transição da infância para

a adolescência e pode trazer à tona atos de rebeldia e enfrentamento do jovem com

seus pais, o que é comum nessa fase (GENTINA, PALAN e FOSSE-GOMEZ, 2012).

Além disso, percebe-se uma diminuição da influência dos pais e um aumento da

importância dos pares, como trazem Gentina, Decoopman e Ruvio (2013) ao

pontuarem que na adolescência há um estabelecimento de uma identidade própria

do jovem com uma redução da dependência emocional da família. No discurso de

Fabiana, vemos o esgotamento do modelo familiar como fonte única de aprendizado

e a busca por novos referentes presentes em novos ambientes frequentados pelas

jovens, como a escola:

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“Às vezes eu comprava um batom escondido, vermelho, porque ela (a mãe) não gostava e eu passava quando eu chegava na escola, porque criança de batom vermelho não rola, mas era assim, andava que nem perua.” (Fabiana, 34 anos, maquiadora)

Aos poucos, a influência familiar para questões de vaidade e cuidados

pessoais vai transformando esse adolescente em consumidor, onde ele passa a

aprender sobre as funções de cada produto, ocasiões de uso e passa a participar

dos momentos de aquisição de novos produtos. Assim, a mãe passa a atuar como

provedora e depósito, onde os filhos recorrem para experimentar e dividir os o uso

dos produtos. Como os produtos foram escolhidos e comprados pela mãe, ela tem o

poder de determinar as ocasiões de uso e a seleção de produtos, bem como opinar

sobre o resultado final (no caso a maquiagem) através de críticas ou elogios e que

podem determinar os futuros contatos dos jovens com a maquiagem, o que é

discutido por Mittal e Royne (2010) na questão da influência intergeracional ou por

Shah e Mittal (1997) com o conceito de influência por controle de recursos.

Se no início da sua trajetória de aprendizado sobre consumo a escolha de

produtos estava relacionada a um „consumo tutelado‟ por parte da mãe (CASOTTI,

SUAREZ e CAMPOS, 2008), já que mãe participava do processo de compra e da

aquisição direta dos produtos, podendo restringir a compra de algum produto caso

desejasse, a partir do momento em que o uso de maquiagem passa a ser mais

frequente as jovens passam a ter um papel mais ativo na escolha e aquisição de

produtos, influenciando nos itinerários de consumo (DESJEUX, 2000). Em linha com

Mittal e Royne (2011), ainda que inicialmente levando em consideração a opinião da

mãe, começa a ocorrer um aumento contínuo da independência do jovem nas

decisões de consumo, mesmo que ainda haja dependência financeira da família.

Alguns entrevistados relatam ainda terem começado a compartilhar a nécessaire de

maquiagem com as mães:

“...pedia para minha mãe comprar, especialmente Lancôme (usava muito quando era nova). Viajávamos e comprávamos nos freeshops as maquiagens. Daí as maquiagens passaram não ser mais dela, eram nossas. Até eu começar a trabalhar de fato com isso, eram nossas maquiagens. (Erica, 34 anos, administradora e maquiadora)

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“A gente comprava muita coisa para usar em conjunto. Sabe aquela revistinha da Avon? A gente comprava muita coisa na Avon e daí falava "mãe, gostei disso". Nosso tom de pele é parecido e dava para compartilhar. (...) A única coisa que lembro que era totalmente para mim eram aqueles gloss da Avon, esse eu usava até quando era adolescente, esse podia ir na escola. Essa era a única coisa que era só minha, mas o resto de maquiagem, minha mãe sempre comprava para mim e para ela, nunca foi assim "esses são meus produtos e eu te empresto de vez em quando", não, era nossa maquiagem, a gente comprava na revistinha e era nosso.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)

No momento em que o jovem começa a se interessar pelo consumo de

maquiagem, ele começa a buscar mais informações sobre os produtos e a querer

adquirir produtos que sejam mais específicos aos seus gostos e à sua pele, seja

para continuar compartilhando com a mãe ou para montar o seu próprio conjunto de

maquiagem. Nesse sentido, nem a questão financeira acaba sendo uma restrição, já

que os jovens acabam encontrando formas diferentes de adquirir novos produtos.

No caso de Bianca (20 anos), a blogueira conta que ia com as amigas para o Saara

(região popular de compras no centro da cidade do Rio de Janeiro) com dez ou

quinze reais que ganhava da mãe e saía com uma série de produtos (“um batom,

uma base, um blush, um rímel”). Já Camila (33 anos) diz que “se tivesse que

comprar guardava dinheiro da merenda” e escolhia geralmente produtos da

“revistinha da Avon”, trazidas pela mãe ou por alguma vizinha. O desenvolvimento

da habilidade técnica mais adiante será motivado inclusive por esta escassez de

produtos de qualidade associada a um interesse acentuado em participar deste

universo de consumo.

Os produtos que a mãe possui e não usa também passam a fazer parte dos

processos de aprendizado e negociação entre mãe e filha, seja para que eles sejam

doados ou jogados fora. No caso de Camila, a mãe proporcionou o contato com

produtos importados considerados caros que ela não conseguiria adquirir facilmente,

já que sua mãe costuma ganhar muitos produtos importados no trabalho e “não usa

praticamente nada”, apenas “rímel, lápis preto e eventualmente batom”. Assim,

como muitas vezes ela não sabe usar o que ganha e não possui interesse em

aprender novas práticas de maquiagem, já que acha que “dá muito trabalho”, os

produtos ficam estocados sem uso no armário e Camila costuma pedir alguns para a

mãe. O contato com esses produtos trouxe uma grande mudança, pois Camila pôde

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perceber a diferença de qualidade e durabilidade em relação aos produtos que ela

chama de “China” (produtos provenientes da China que são mais baratos e de

menor qualidade e durabilidade) e que costumava usar, mudando assim seus

parâmetros para escolha de maquiagem.

“Eu comecei com maquiagem “China” porque eu não tenho dinheiro. Então eu comprava maquiagem daquilo que meu bolso podia pagar, e aí você está passando na rua, vê aquele estojo maravilhoso todo colorido “quanto é?”, “4 reais”. Um estojo de um kit de sombras é no máximo 9,90, e você compra. E porque no inicio a gente não tem muita noção da diferença de um produto com conceito, com instituto de marca, de boa qualidade e uma coisa da China. (...) O “China” é para quebrar seu galho e lá na frente você começa a fazer um investimento a mais. Você começa a considerar que vale a pena pagar mais caro.” (Camila, 33 anos, secretária executiva e consumidora expert)

Por outro lado, o aumento do conhecimento sobre maquiagem pode fazer

com que o jovem comece a questionar as escolhas de produtos e o comportamento

das pessoas próximas sobre o armazenamento e a utilização de produtos:

“Minha mãe é aquela pessoa que comprava as coisas e guardava lá, eu lembro que tinha um blush dela, desde que eu era criança aquele blush estava lá presente, quando cresci falei "mãe, joga isso fora, já venceu". Comecei a tomar conta disso quando tive as minhas maquiagens, eu via a data de validade, arrumava e tal e minha mãe até hoje continua armazenando as maquiagens sem prestar atenção.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)

“...é muito engraçado porque ela (a irmã) não sabe se maquiar, só que ela compra os produtos, fica tudo na gaveta, ela não usa nada, e eu me revolto com isso porque ela compra uns negócios legais. (...) eu roubo todas as maquiagens, "se você não vai usar eu vou usar", eu faço a maquiagem, faço a foto e mando para ela por Whatsapp, "gostou é teu" para ver se anima entendeu? (Camila, 33 anos, secretária executiva e consumidora expert)

A questão da distância física da mãe e/ou a ausência de produtos faz com

que o jovem acabe dependendo de outros agentes de socialização para o

aprendizado sobre o consumo de maquiagem, como é o caso de Fabiana (35 anos)

que conta que sua mãe teve um problema sério nos olhos e não usava nenhum

produto nessa região. “Minha mãe detesta maquiagem”, ela complementa. Fabiana

começou a usar maquiagem por influência das amigas mas não tinha quem a

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ensinasse, não havia internet acessível na época e a mãe não tinha produtos que

ela pudesse usar em casa. “Eu comecei a fazer lápis, rímel, base, tudo sozinha.”, ela

conta, acrescentando que boa parte do seu aprendizado veio por ficar treinando em

casa na frente do espelho até conseguir fazer aquilo que queria com produtos que

comprava com um “dinheirinho” que ganhava de sua avó.

Em relação aos irmãos, o desenvolvimento de habilidades e a construção de

conhecimentos sobre maquiagem parecem acontecer de maneira diferente mesmo

no seio de uma mesma família, o que vai de encontro à discussão de Kerrane e

Hogg (2013) sobre a de construção de microambientes diferenciados dentro de uma

mesma família, onde irmãos podem ter acesso a diferentes oportunidades de

aprendizado sobre consumo com diferentes agentes de socialização apesar de

fazerem parte da mesma família e terem acesso aos mesmos recursos. Dos

entrevistados que possuem irmãs adultas, todas se importam menos com

maquiagem e muitas vezes não sabem utilizar os produtos que possuem. Esse fato

é ressaltado com frequência pelos entrevistados através de comparações entre a

evolução de sua própria habilidade e gosto estético e a de seus pares na família que

compartilham os mesmos traços familiares, culturais e financeiros. Apesar de

permanecerem por um determinado tempo no mesmo nível de conhecimento e

habilidade, em certo momento há uma mudança de trajetória com um aumento de

conhecimento e evolução de habilidade de um dos irmãos em relação a outro,

associado a uma determinada situação ou influência de um agente de socialização,

um “gatilho” capaz de modificar o comportamento de um indivíduo em relação a um

tipo de consumo.

O que acaba ocorrendo então é uma comparação do jovem habilidoso com o

seu par na família, um lembrete de seu conhecimento mais avançado e daquele

ficou “para trás”. Dessa forma, o jovem habilidoso passa a atuar como agente de

socialização ao ensinar técnicas e indicar produtos, o que os coloca em posição de

autoridade técnica sobre os irmãos, que se tornam aprendizes de consumo de

maquiagem. “Minha irmã é uma negação, é péssima. (...) Eu dou dicas para a

minha irmã, ela pede, ela fala “você passa base e eu fico toda manchada, o que

você faz?””, diz Luisa (25 anos). “A minha irmã, a única coisa que ela usa até hoje é

lápis de olho, pó compacto e rímel, batom sempre foi um gloss.”, conta Daniel (29

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anos), o que para ele significa um padrão de consumo simples, que ele busca

estimular e instrumentalizar:

“Envio muito produto pela internet, pelo correio para ela e estou sempre ensinando ela. Hoje em dia com a tecnologia, eu maquio minha irmã pelo Face time. A gente faz a maquiagem dela pelo Face time, ela lá na casa dela e eu vou instruindo "coloca do lado direito a sombra preta, etc".” (Daniel, 29 anos, cabeleireiro e maquiador)

Ao possuírem uma série de produtos guardados sem uso, os “depósitos de

maquiagem” podem gerar conflitos entre os irmãos. No caso de Camila, a jovem

conta que se incomoda muito com o fato de sua irmã não usar maquiagem apesar

de comprar e muitas vezes até ganhar maquiagem de presente. Assim como Axel

fazia na adolescência com os produtos de sua irmã, Camila muitas vezes busca na

nécessaire da irmã produtos diferentes dos seus para usar, enxergando nas coisas

da irmã um depósito de produtos.

“No aniversario dela, ela ganhou um kit da L´Oréal Professional chamado “Black eyes”, é só para você fazer aquele olho Black, dark, punk, que eu acho lindo. E ela que é solteira e vai para balada, ia ficar um espetáculo e ela não usa, eu que estreei aquilo e só usei uma vez porque ela brigou comigo, mas até hoje ela não usou. (...) É uma parada show e eu não sei por que deram aquilo para ela, porque quem conhece a minha irmã sabe que ela não usa nada disso. Ela acha o máximo ganhar essas coisas, mas não usa e nem sabe usar.” (Camila, 33 anos, secretária executiva e consumidora expert)

Ao ser questionada sobre a diferença entre ela e sua irmã na relação com a

maquiagem, Camila primeiramente aponta diferenças de personalidade (ela é mais

extrovertida enquanto sua irmã sempre foi tímida) mas depois acaba relacionando

essa questão com as amizades. As amigas da sua irmã também não costumam usar

maquiagem e até no trabalho ela é incentivada a se maquiar mais, “mas ela se acha

com cara de palhaça”, o que mostra que realmente em algum momento do processo

de socialização há a ação de algum agente que pode transformar a relação do

jovem com determinada categoria de consumo:

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“Eu acho que tem mais a ver com influência da amizade, porque eu também não sabia me maquiar, não tinha esse interesse todo por maquiagem. Até uma certa idade nós fomos muito parecidas com relação a maquiagem (..). Eu tento dar uma animada nela, porque fizeram a mesma coisa comigo. Essa minha amiga ficava se maquiando na minha frente e falava “Isso vai ficar bonito, isso vai ficar legal”.” (Camila, 33 anos, secretária executiva e consumidora expert)

Assim, podemos resumir as formas de atuação familiar na socialização do

consumidor como descrito no Quadro 4.

Quadro 4 – Funções e atuações da família no processo de socialização

Figura familiar Função enquanto agente

de socialização Forma de Atuação

Mãe Iniciadora:

Inicia o contato com a maquiagem.

Através da permissão de brincadeiras dos filhos com os seus produtos, onde ela atua como exemplo a ser

seguido e como único acervo disponível para contato

direto.

Mãe

Lembrete de auto-estima: Estimula a vaidade e

transmite a importância dos cuidados pessoais e da

autoestima elevada.

Através do seu próprio exemplo de comportamento. Atua como instrutora teórica

do uso básico de alguns produtos pois seu próprio

conhecimento geralmente é limitado.

Mãe

Transformadora: Atua no processo de

mudança do jovem para tornar-se consumidor ao

ensinar sobre os processos de escolha e aquisição de cosméticos e maquiagem.

Transmite informações e exemplifica o comportamento a ser seguido (ou modificado)

no processo de escolha e aquisição de maquiagem e

cosméticos.

Irmã

Referente reflexivo: Serve de comparação da evolução da habilidade do

outro.

Ao pedirem conselhos os irmãos se transformam em aprendizes de consumo e o

consumidor habilidoso passa a atuar como agente de socialização, ensinando

sobre os usos dos produtos. Os produtos guardados sem

uso podem gerar conflitos entre os irmãos.

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4.2.2 Pares

Embora o conceito inicial de pares (“peers”) trazido por Ward (1974) refira-se

ao grupo de amigos de escola, ao analisar diferentes estudos sobre socialização é

possível perceber que não há uma conceituação única sobre a definição dos que

constituem esse grupo. Há autores que falam sobre amigos que fazem parte do

círculo social do jovem, sejam provenientes da escola ou não (GENTINA e BONSU,

2013) e há ainda aqueles que o definem como o grupo da mesma faixa etária do

jovem (MOSCHIS, 1978). De qualquer forma, o que essas definições trazem é

comum é apontar que esse agente de socialização atua com mais força por estar

bem próximo do jovem (seja em termos de faixa etária ou local frequentado)

passando a exercer grande influência justamente numa fase em que há um

processo de descobertas e de construção da própria identidade social (MOSCHIS e

CHURCHILL, 1978).

De acordo com a análise das entrevistas, no entanto, é possível perceber que

a influência daqueles que estão próximos pode ocorrer de diferentes formas e

através de pessoas com diferentes níveis de proximidade, não somente dos amigos

próximos e que estão dentro dos portões da escola. Nesse sentido, foram

identificados quatro grupos principais atuando de diferentes formas como

influenciadores: amigos, colegas de faculdade / trabalho e parceiros amorosos e

blogueiros. Dentro desse grupo temos pares que convivem de maneira próxima com

o jovem (amigos, colegas e parceiros) e cuja influência ocorre de maneira direta e

presencial bem como pares que são da mesma geração (ou de gerações próximas)

onde não há uma convivência real mas cuja influência ocorre de maneira mediada,

principalmente através das redes sociais.

Sobre a função desempenhada pelos pares na socialização do jovem,

encontramos aqueles que incentivam determinado comportamento, os que ensinam

e fornecem insumos para o uso dos produtos e há ainda aqueles que funcionam

como parâmetros para identificação de comportamentos sociais esperados em

certos contextos. Dividimos portanto os pares em três categorias principais de

acordo com o seu papel de influência na socialização do jovem: pares

incentivadores, instrumentalizadores e contextualizadores.

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Pares incentivadores

A influência dos amigos pode ocorrer de diferentes formas. Uma delas seria a

sua atuação enquanto influenciadores de comportamento, o que no caso significa

estimular o uso de maquiagem como forma de pertencimento a um grupo. “Todo

mundo na escola fazia”, conta Fabiana sobre o seu início com maquiagem. Já

Camila conta ter sofrido uma pressão das amigas próximas para começar a se

maquiar:

“Eu tinha 2 amigas na época. Uma delas era a mais vaidosa, então ela usava muito olho pretão. Foi uma época que na música tinha muito artista que estava fazendo olho pretão, então estava na moda, e ela fazia em mim. “ah não Camila, você não vai sair com essa cara lavada e ficar só com esse batom” (...) Elas enchiam meu saco e acabavam fazendo.” (Camila, 33 anos, secretária executiva e consumidora expert)

O depoimento de Camila sobre esse período na escola permite inclusive

sugerir que na escala de pertencimento social de Gentina (2014) ela estaria em um

“clique”, um grupo de três pessoas no qual grande parte das conexões acontece

entre si. Nesse caso, Camila não parece ser a líder de opinião do grupo, já que suas

amigas a influenciavam a usar um tipo de maquiagem que na época não a

agradava.

Outra forma de incentivo vem dos parceiros amorosos, como namorados e

maridos. Embora esse agente de influência não seja citado nos estudos sobre

socialização, vários entrevistados mencionam determinada opinião ou atitude dos

parceiros que foi determinante em relação ao seu consumo ou comportamento em

relação a maquiagem. Assim, apesar de não transmitirem nenhum conhecimento ou

habilidade, os parceiros podem ter grande influência nas atitudes em relação ao uso

(ou não uso) de maquiagem.

O grande incentivador para que Janaina começasse a usar maquiagem com

freqüência foi o seu primeiro namorado sério, com cerca de 17/18 anos. Ela conta

que eles tinham uma grande abertura para apontar e elogiar outras pessoas que

considerassem bonitas, e o namorado sempre apontava meninas que usavam

maquiagem. “Quando comecei a namorar com ele, ele começou a falar alguma coisa

que era bonito menina com maquiagem, eu já tinha esse conhecimento meio que

armazenado. Aí fui e apliquei.”. Para agradá-lo, Janaina buscou aprender mais sobre

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maquiagem e mesmo depois de terminar o namoro continuou buscando mais

informações e evoluindo nas técnicas de maquiagem.

Já Luisa conta que depois que começou a namorar sua freqüência de uso de

maquiagem mudou. “Hoje em dia eu me maquio muito menos, já namoro, sou

casada quase, vou perder meu tempo?”. Ao ser questionada sobre essa mudança,

ela diz que estar solteira ou em um relacionamento faz uma grande diferença, já que

na sua opinião a mulher solteira geralmente “tem a necessidade de chamar atenção”

e quando se está namorando o homem diz “está linda sem maquiagem” e muitas

vezes a mulher acaba usando menos. No caso de Fabiana, o marido foi justamente

o grande incentivador para que ela seguisse a carreira de maquiadora. “Um dia meu

marido falou “porque você não tenta trabalhar com isso? Porque você gosta muito, é

apaixonada, fica horas, vai dormir de madrugada vendo técnicas e dicas. Porque

você não trabalha com isso?”.

Além de sugerirem novos comportamentos, os pares em determinados

contextos podem ter uma função disruptiva5 (CHRISTENSEN, 2003), alterando a

trajetória dos jovens em sua relação com a maquiagem. No caso de Camila, um

acontecimento foi responsável por uma grande virada na sua relação com a

maquiagem. Ao fazer um procedimento estético que deixou uma marca na região

dos lábios e com uma festa para ir, Camila decidiu abrir sua nécessaire, que “tinha

corretivo e base, velho e destruído que alguém me deu, de um tom que não tinha

nada a ver com o meu, que estava jogado lá sem tampa.”, fez uma mistura de

produtos e colocou lápis preto, sombra e rímel e foi para a festa “na esperança de

que aquilo disfarçasse o roxo” que tinha no rosto. Camila conta então que foi

surpreendida por um elogio de um amigo de seu namorado, que fez com que ela

mudasse sua percepção à respeito de maquiagem:

“...o melhor amigo do meu namorado falou “Camila, você está parecendo estrela de cinema” (...) Depois disso, eu vi que a maquiagem realmente serve para você esconder um monte de coisa errada. (...) a minha preocupação era esconder aquela marca roxa, então consegui resolver o problema e estava ótimo, mas depois que você recebe um elogio você pensa “acho que dá para eu continuar por aí” e eu fiquei

5 O uso desse termo foi inspirado no conceito de inovação disruptiva de Clayton Christensen (2003)

ao entender sobre momentos em que um agente causa uma mudança de trajetória e gera novos comportamentos.

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trocando figurinhas com essa minha amiga.”. (Camila, 33 anos, secretária executiva e consumidora expert)

Pares Instrumentalizadores

Além do incentivo para o uso de maquiagem, alguns pares atuam como

“professores”, no sentido de socialização do consumidor para a aquisição de

“habilidades, conhecimentos e atitudes” (WARD, 1974, p.2) sobre o consumo e a

utilização de maquiagem. Assim, eles contribuem de forma mais direta para o

aprendizado da jovem sobre maquiagem ao fornecer produtos, tirar dúvidas e ao

ensinar efetivamente técnicas e formas adequadas de aplicação da maquiagem,

seja de forma presencial ou mediada (através de redes sociais ou outras tecnologias

de informação).

No caso de Camila, quando a jovem começou a realmente se interessar por

maquiagem, sua melhor amiga tornou-se comissária de bordo, fez um curso

intensivo de maquiagem e Camila passou a ter acesso a maquiagens importadas. A

amiga comissária foi fundamental para o seu processo de aprendizagem sobre o

consumo de maquiagem e o desenvolvimento de habilidades técnicas. Além de

maquiá-la algumas vezes, a amiga ensinava a diferença entre os produtos e o “como

fazer”.

“Eu olhava e “como você fez esse olho? “Porque eu tento fazer e não consigo” “para você misturar, você tem que esfumar. Esse esfumado é difícil de fazer, então você tem que ter um pincel assim” e ela mostrava para mim. Muitas vezes eu estava na casa dela e ela estava se preparando para trabalhar (...). E eu vi que tem que ter técnica para você espalhar aquilo e isso e eu vi a mudança. “Ela me maquiou umas duas vezes, então a gente se empolga mais ainda.” (Camila, 33 anos, secretária executiva e consumidora expert)

Camila também conta que em determinada ocasião pediu que a amiga (que

iria fazer uma viagem internacional) trouxesse um rímel, e ao ser confrontada com o

questionamento sobre a finalidade do rímel que ela queria (volume, acabamento ou

alongamento de cílios), para o qual não sabia a resposta, a amiga enviou uma série

de fotos através de Whatsapp (aplicativo de mensagens pelo celular) explicando

qual era o objetivo de cada tipo de cerda. No caso de Janaina, uma amiga foi

responsável por ensiná-la a usar sombra, mas com seus próprios produtos. “Eu não

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sabia usar sombra, daí uma amiga nossa em comum, eu ficava comentando isso

com ela, ela disse "eu te ensino". Daí fui para a casa dela um dia, ela pegou os

meus produtos e me ensinou a fazer a sombra, depois disso fui embora.”.

Já Luisa (25 anos) conta que quando quis começar a se maquiar sozinha não

pediu para ninguém ensiná-la (nem mesmo sua melhor amiga, que sabia se

maquiar) e procurou vídeos no Youtube com tutoriais de maquiagem. Axel (21 anos)

e Daniel também relatam terem aprendido uma série de técnicas e procedimentos

através de blogs e outras redes sociais, já que não tinham pessoas próximas com

conhecimento que pudessem ensiná-los. Nesse caso, os ensinamentos vieram de

forma mediada e distante, já que o agente de socialização (blogueiros) e o jovem

socializado nem mesmo se conhecem, mas há uma esfera de influência e

transferência de conhecimentos que podem modificar os comportamentos de

consumo.

Na visão de algumas entrevistadas enquanto adultas já com conhecimento

avançado em maquiagem, a busca pelo aprendizado das adolescentes com as

blogueiras na internet (pares digitais) parece ser inclusive mais indicada do que

aprender com uma amiga quando ambas estão quase no mesmo nível de

conhecimento, pois a jovem pode aprender de forma inadequada e isso pode

prejudicar a sua relação com maquiagem no futuro.

“Vai dar tudo ruim aí, porque as amigas dela vão vir com aquelas ideias de jerico, porque tudo da mesma faixa etária não vai dar muito certo, a mentalidade é praticamente igual. (...) Todo mundo diz para passar rímel, você taca aquele rímel preto, se suja inteira, vai borrar tudo, não vai saber como tirar o borrado, vai ficar parecendo um panda, fica com raiva e não usa mais.” (Camila, 32 anos, secretária executiva e consumidora expert)

Esse ponto também é reforçado pelo maquiador Daniel, que diz não adiantar

quando uma pessoa ganha ou compra maquiagens mas não sabe usar, pois se ela

não for “instruída” sobre “como fazer”, ela não vai conseguir usar e vai acabar

desistindo. Camila então sugere que conforme a pessoa fica mais velha e passa a

ter algum conhecimento sobre maquiagem, pode-se aprender de diferentes formas

com quem está próximo. “A colega de trabalho pode dar uma dica para ela, a

internet mostrar produtos legais e a amiga ensina.”.

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Pares Contextualizadores

Além de incentivarem o uso de maquiagem e ensinarem a usar e combinar os

diferentes produtos, alguns pares desempenham papéis de regulação ao mostrarem

quais comportamentos são esperados em determinadas situações sociais, sejam

relacionados ao uso de maquiagem ou não. Assim, há um processo de adaptação a

um determinado contexto que pode modificar ou trazer novos comportamentos, que

podem inclusive ser encarados negativamente certo tempo depois, como conta

Janaina:

“Amiga vai fazer você usar a tatuagem no pescoço, short da Carla Peres, essas coisas que criança inventa e a outra usa igual, aí você vai olhar aquelas fotos depois "por que estávamos todas com essa sombra rosa?".” (Janaina, 27 anos, designer de interiores, blogueira)

O início dessa acomodação de comportamentos tende a ser em situações

relacionadas ao grupo de amigos na escola, onde muitas vezes um mesmo tipo de

comportamento é incentivado, como mostra o trecho acima. Posteriormente, a

entrada na faculdade ou o início de um novo emprego costumam ser situações onde

há uma adaptação de comportamento dos jovens para o uso ou não uso de

maquiagem. Nesse caso, a influência tende ser mais indireta na forma de trocas de

informações gerais ou através de uma pressão social (implícita ou explícita) para

adequação a uma determinada situação social (ou padrão de aparência) onde um

tipo de comportamento é esperado de seus membros. Essa postura vai de encontro

às discussões de Ward (1974) e de Moschis e Moore (1983) sobre motivações para

mudanças no comportamento do consumidor enquanto forma de adaptação a

determinados papéis sociais. No caso de Erica, sua primeira graduação foi em

moda, onde diz que as pessoas eram muito diferentes (“super estilosas”) e que foi

nesse momento que ela “se soltou”. “Eu era a „maquiadona‟, ia com sombra, aí

comecei usar total maquiagem, usava cílio postiço.”. Depois Erica fez faculdade de

administração, onde ela era a única maquiada mas não ia com uma maquiagem “tão

chamativa”. “Mas aí já me maquiava bem, não era aquela coisa de manhã estar

igual uma palhaça, como estava na faculdade de moda (era muita maquiagem). Ia

com base e tal, mas nada muito chamativo.”.

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O que geralmente ocorre com a jovem, no entanto, é uma pressão do grupo

para uma adequação a um tipo de comportamento específico, o que vai em linha

com Ward (1974) ao discutir que a expectativa social em relação a determinado

comportamento pode influenciar o indivíduo na socialização. Luisa, por exemplo,

acabou sofrendo pressões opostas em diferentes momentos da vida. Ao entrar para

a faculdade, Luisa conta que se sentiu pressionada a começar a se maquiar todos

os dias pois as outras meninas iam bem arrumadas e maquiadas. “Você é meio que

obrigada.”, conta ela. Atualmente, Luisa atribui grande importância à maquiagem e

conta que para sair “precisa” estar maquiada, mas explica que no trabalho não usa

já que lá sofre um tipo de pressão contrária ao uso de maquiagem, uma vez que as

mulheres não se maquiam e quando ela vai maquiada acaba se “sentindo mal” pelo

jeito que as outras mulheres olham para ela.

“...as pessoas olham tipo “não era para você estar passando maquiagem porque ninguém usa maquiagem aqui” aí eu fico “é, acho melhor amanhã eu vir sem nada” e na maioria das vezes eu não vou de maquiagem para o trabalho, e quando eu vou as pessoas ficam me olhando assim e eu falo “esqueci, não deveria ter passado maquiagem”.” (Luisa, 25 anos, relações internacionais e consumidora expert)

Luisa conta que, apesar dessa repressão ao uso da maquiagem por parte das

suas colegas de trabalho, não acha essa situação ruim porque “é bom deixar a pele

respirando um pouco.” Ela conta que leu na Internet que usar maquiagem todos os

dias por um longo período de tempo não faz bem para a pele, além de deixá-la

oleosa e com espinhas, então ela até prefere “deixar a pele respirando” durante a

semana. No caso de Fabiana, a pressão social para que ela não usasse maquiagem

veio do próprio grupo de amigas e conhecidas, o que trouxe uma sensação de

desconforto:

“Olhar de mulher é tenebroso, então a gente chegava no lugar e as mulheres falavam “Para que isso tudo? Nada a ver” daí eu já me sentia mal “será que eu estou exagerada?”, mas não estava, a maquiagem era super tranquila para aquele local, para aquele ambiente, mas eu acabava me sentindo mal “eu não devia ter me maquiado”, eu chegava a incomodar. (...) Já chegou a ter caso de conhecidas minhas não irem no evento por vergonha porque eu ia estar lá maquiada e ela não ia saber se maquiar. Já aconteceu. “ah nem fui porque você ia chegar toda maquiada, de cílios postiços” assim.” (Fabiana, 35 anos, maquiadora)

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Fabiana conta que se sentia muito mal com essas questões, pois ficava

parecendo que ela era “esnobe” quando diz na verdade ela estava usando a

maquiagem para sentir-se bem, bonita, “para sair bem na foto”. Hoje, dependendo

das pessoas que vão ao mesmo evento que ela, Fabiana já usa menos maquiagem.

“Se eu sei que a pessoa vai, eu passo só um lápis de olho e um rímel para a pessoa

não se sentir mal com a minha presença.”.

Já Erica (34 anos) comenta que por trabalhar com casamentos o contato com

outros profissionais faz com que haja uma grande troca de informações: “Acabo

encontrando com muito maquiador, cabeleireiro por trabalhar com isso. Estou

maquiando a noiva e tem um outro maquiando a mãe da noiva, tem outra

maquiando a madrinha, então trocamos muita informação”. Erica conta que muitas

vezes não ocorre somente uma troca de informações sobre técnicas e produtos,

mas sim um aprendizado relacionado a questões comportamentais da profissão (“o

que fazer e o que não se deve fazer”) ao acompanhar o trabalho e a postura de

outros profissionais.

Outro comportamento comum entre alguns dos entrevistados consiste na

troca de mensagens e opiniões sobre diversos assuntos através de mensagens de

celular para obter aprovação e saber a opinião dos pares, como contam Luisa e

Janaina. Luisa explica que hoje em dia costuma enviar fotos dos seus “makes e

looks” para as amigas através do aplicativo Whatsapp “para saber se está bom”.

“Sempre mando foto e tiro para as amigas, mas ninguém fala que está ruim.”, diz

Luisa. Já Janaina diz que ela e as amigas trocam informações sobre assuntos

variados no mesmo aplicativo, incluindo alimentação, moda e beleza:

“É muito pelo Whatsapp essas coisas e às vezes tenho um grupo de amigas que a gente troca muitas dicas de alimentação, de tudo, "está angustiada com isso", “a gente tenta isso”, "eu faço assim". Ou então perguntar assim "que produto vocês usam para hidratar o cabelo?", aí cada uma manda a foto do que usa. (...) não é um grupo só para isso, mas a gente compartilha esse tipo de coisa também.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)

Nos casos acima é possível perceber os processos de socialização descritos

por Moschis e Churchill (1978), que seriam o aprendizado através da imitação do

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que é feito pelo outro (modelling), reforço (elogio e crítica) e interação social, onde

os jovens trocam informações e através desse contato passam a ter contato com o

comportamento social esperado deles (MOSCHIS, 1985), além de informações

práticas sobre produtos, técnicas e conhecimentos que podem ser diferentes do seu

contexto familiar (MOSCHIS e CHURCHIL, 1978; LUEG et al., 2006). A diferença é

que hoje boa parte dessas trocas e interações ocorre através do celular, seja através

de aplicativos de troca de mensagens instantânea ou através das redes sociais.

Seus pares de contato muito frequente podem estar, em certos períodos, até

distantes física ou geograficamente.

Dessa forma, é possível resumir as características e a forma de atuação dos

diferentes tipos de pares no Quadro 5:

Quadro 5: Categorias de pares e sua esfera de atuação.

Categoria Tipo de Par Forma de influência

Incentivador Amigos; Parceiros

Amorosos

Incentivam o uso de maquiagem ao

afirmarem que as pessoas ficam mais

bonitas maquiadas.

Instrumentalizador Amigos; Blogueiros Atuam como "professores", ensinando o

uso de cada tipo de produto, técnicas e

procedimentos. Podem atuar de forma

presencial (geralmente em ambientes

privados, na própria casa ou na casa dos

amigos) ou mediada (através das redes

sociais).

Contextualizador Amigos; Colegas de

trabalho

Servem para compreensão do contexto,

identificação de padrões de

comportamento e normas sociais que

devem ser seguidas; são fontes de

comparação para adequação de

comportamento.

Por fim, levando-se em consideração que a socialização é um processo que

ocorre não só na infância e juventude mas durante a vida a vida do indivíduo

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(WARD, 1974) e tendo em vista os diferentes tipos de influência que podem ser

desempenhados por aqueles que estão mais próximos (MOSCHIS, 1985), bem

como a necessidade de considerarmos o papel dos parceiros amorosos como

agentes que podem influenciar atitudes a respeito do consumo de maquiagem, é

possível portanto propor uma definição mais ampla de pares dentro do contexto da

socialização do consumidor.

A redefinição proposta nesse trabalho é então de que:

Pares são aqueles indivíduos da mesma geração ou de geração próxima que

fazem parte do círculo social próximo do indivíduo por uma escolha pessoal (amigos

e parceiros) ou situacional (como colegas de escola ou de trabalho).

Ao não definir especificamente o tipo de relação ou a faixa etária desse grupo

é possível incluir os amigos, colegas de escola, faculdade ou trabalho (que não são

amigos próximos mas podem exercer pressão social para um tipo de

comportamento) e eventualmente parceiros amorosos que podem influenciar

diferentes comportamentos a respeito do uso de maquiagem. Atuando de forma

direta e presencial ou mediada, esses pares podem atuar como incentivadores de

comportamento, como instrumentalizadores ensinando efetivamente sobre o uso de

maquiagem ou ainda servirem como comparativo de comportamentos sociais

esperados em certos contextos.

4.2.3 Meios de comunicação de massa e o novo papel da Internet

Nos primeiros estudos sobre socialização desenvolvidos nas décadas de 70 e

80 era marcante o discurso sobre a importância dos meios de comunicação de

massa como agentes de socialização do jovem, particularmente no caso da

televisão e da publicidade ao mostrarem realidades sociais e contextos de consumo

que podem ser bem diferentes daqueles que seus telespectadores possuem

(MOSCHIS e CHURCHILL, 1978; O‟GUINN e SHRUM, 1997).

No caso de Axel (21 anos), foi um programa de TV que desempenhou uma

influência disruptiva em sua prática de consumo, desencadeando um “momento de

virada” na sua relação com a maquiagem. Axel conta que quando tinha por volta de

14/15 anos encontrou na TV fechada um reality show sobre drag queens chamado

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RuPaul’s Drag Race. Axel conta que ficou “deslumbrado” e que decidiu assistir mais

episódios para entender melhor sobre aquele mundo, o que foi aumentando o seu

desejo de conhecer e consumir maquiagem.

“Daí eu fui vendo, o programa foi amadurecendo, o nível foi subindo e aquilo ali me fez gostar mais ainda de maquiagem, porque eu tinha o conceito de maquiagem de que era aquela coisa social, uma pele legal, olho esfumado, batom vermelho e pronto. Quando vi aquilo, o nível (do jogo) subiu, eu vi que dava para fazer muito mais coisas com aquilo, e consequentemente a minha vontade de consumir maquiagem também cresceu muito.” (Axel, 21 anos, gerente de loja e consumidor expert)

Além de mostrar realidades que podem ser muito diferentes daquela em que

o indivíduo vive, o caso de Axel demonstra também que os programas de TV

também podem criar desejos ou aspirações em relação aos seus personagens e

realidades (MOSCHIS e CHURCHILL, 1978). Através do programa, Axel conta que

passou a conhecer várias marcas e maquiadores e que passou a pesquisar técnicas

diferentes de maquiagem. Daí surgiu o seu interesse em criar a sua própria

“persona” de drag queen, que ela chama de Miss Nyx.

“A minha personagem nada mais é que uma maneira de combinar tudo o que eu gosto e ainda ganhar dinheiro com isso, porque eu sempre gastava muito do meu dinheiro e tempo e não tinha retorno, era só para o meu prazer.” (Axel, 21 anos, gerente de loja e consumidor expert)

Axel costumava maquiar a mãe e as amigas mas passou a investir em

aprender técnicas e a adquirir produtos para o seu próprio uso, para utilizar quando

estivesse fazendo apresentações. Ele descobriu que existem algumas atuações

para drags não só em circuitos LGBT mas também como DJs em festas de todos os

tipos e como arte performática em shows e inaugurações. E é justamente esse

senso estético e a ideia da performance que o interessa e que faz com que ele

deseje no futuro trabalhar só com isso.

“O que mais instigou a minha personagem nascer foi essa capacidade de encantar o público porque eu sempre quis trabalhar com teatro, dança, achava que isso tinha muito a ver, mas eu não sabia como juntar isso tudo, me faltava o viés e conhecer o RuPaul‟s Drag Race foi o que deu esse peteleco na minha cabeça. Eu ia juntar tudo o que eu gosto de fazer, ia

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ter esse contato com o público de levar uma mensagem, fazer a diferença na vida de alguém com as coisas que eu gosto.” (Axel, 21 anos, gerente de loja e consumidor expert)

No caso da blogueira Bianca, o seu “momento de virada” com a maquiagem

ocorreu através da influência de uma blogueira chamada Andreza Goulart. Ela conta

que durante uma busca na internet de coreografias do grupo Pussycat Dolls (do qual

era fã), ela encontrou um vídeo que mostrava como era feita a maquiagem de uma

das integrantes, Nicole Scherzinguer. Bianca ficou interessada por achar que era um

vídeo da própria cantora ensinando a fazer sua maquiagem e resolveu assisti-lo,

mas para sua surpresa era o vídeo de uma blogueira:

“Foi aí, foi nesse vídeo que eu comecei a descobrir esse mundo de Youtube. Eu não fazia ideia que existia alguma outra youtubber além da Andreza Goulart...eu fiquei viciada!...Eu assistia um milhão de vídeos (...) E foi aí que eu descobri esse mundo de maquiagem e fiquei completamente apaixonada”.

(Bianca Andrade, 20 anos, blogueira6, grifo nosso)

Nesse caso, a Internet e as redes sociais foram responsáveis por mostrar

para Bianca os benefícios e as possibilidades que a maquiagem pode trazer. Não

houve pressão social direta de um grupo ou de uma pessoa, mas pode-se dizer que

houve um “incentivo online” para que ela iniciasse um comportamento (querer

aprender a se maquiar), já que a jovem pôde ver a existência desse e de vários

outros vídeos sobre o assunto que muitas pessoas já tinham assistido e

compartilhado.

Através da comparação dos casos de Axel e Bianca, é possível perceber que

para além do papel da mídia tradicional (televisão, revista e jornal), as novas

tecnologias de informação e principalmente o surgimento da Internet trouxeram

grandes mudanças para a sociedade e a Internet precisa ser incluída nos estudos de

comportamento do consumidor enquanto agente de socialização. Apesar dos

entrevistados para os fins desse trabalho serem todos considerados jovens, os

poucos anos de diferença entre eles mostram de forma clara as mudanças na forma

pela qual o jovem hoje busca de informações, particularmente sobre maquiagem.

6Trecho retirado do vídeo Minha História com o blog | Como comecei? | #Último VEDA do canal

Boca Rosa de Bianca Andrade. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=yNORMYoSK94>. Acesso em 30 de Abril de 2015.

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Erica (34 anos) e Fabiana (35 anos), por exemplo, falam sobre a dificuldade

que tinham para encontrar mais informações sobre maquiagem quando eram

adolescentes. Erica conta que quando começou a se interessar mais por

maquiagem foi buscar em livros e revistas especializadas sobre o assunto, pois “não

tinha internet na época e nem computador em casa”. Quando ela saía para comprar

maquiagem com a mãe, portanto, ela conta que perguntava para a vendedora “o que

era bom”, já que não tinha como saber de muitas outras formas. Já Fabiana, ao ser

questionada sobre como procurava informações quando era mais nova diz “não

procurava, porque eu não tinha ferramenta.”. As “revistinhas de adolescente” tinham

no máximo algumas dicas, e por isso Fabiana conta que aprendeu a usar lápis, rímel

e base sozinha, pois “não existia Youtube” e ela não tinha outras pessoas e recursos

para aprender.

Apenas três entrevistados mencionaram algum tipo de aprendizado e

influência que veio através de meios de comunicação tradicionais. Janaina (27 anos)

conta que aprendeu a usar corretivo ao assistir ao maquiador Duda Molinos fazendo

uma maquiagem no programa da Ana Maria Braga, na TV Globo. “Antigamente era

assim, quando aparecia maquiagem você saia correndo para ver porque não tinha

como você procurar. Eu adorava quando alguma coisa falava de maquiagem.”.

Outra lembrança de Janaina refere-se ao tipo de delineado que ela fazia semelhante

ao de Jade, uma personagem muçulmana vivida pela atriz Giovanna Antonelli na

novela “O Clone”, exibida pela Rede Globo entre 2001 e 2002 e que foi um grande

sucesso na época. Janaina explica: “...muito tempo depois da novela eu usava

aquele delineado, então pode ter sido uma coisa que ficou no meu subconsciente.”.

Daniel relata: “eu não tinha acesso à internet, minhas pesquisas eram essas

revistas de Cabelo & Cia, Boa Forma…mas existe muita informação desnecessária

e prejudicial”. Com o tempo ele passou a acessar também tutoriais de maquiagem e

passou a conhecer novas técnicas e produtos. Axel também conta que assinava as

revistas Elle e Capricho e depois buscava outros conteúdos complementares na

internet. “Porque tinha muito tutorial de maquiagem, e eu lia muita coisa, conhecia

muito produto, então assim, era isso, e a internet complementava, porque aí eu

pesquisava marca, via os lançamentos e etc.”.

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As entrevistas sugerem portanto dois movimentos em relação ao consumo de

mídia. Primeiro temos uma preferência do jovem pela TV fechada em detrimento da

TV aberta por conta da maior oferta de conteúdo segmentado. O segundo

movimento é ilustrado pela trajetória de Axel em que a busca por mais informações

(sobre tendências despertadas pela TV, pares ou família) tende a ocorrer através da

internet, particularmente nos dias atuais, onde o acesso à internet pode acontecer

através de diferentes plataformas portáteis (como laptops e celulares) e em qualquer

lugar.

“Eu nunca teria conhecido esse monte de coisas, por

mais que tenha revista e etc sem o computador,

porque eu ia ter o link na revista, teria a pessoa que

faz, mas não teria como procurar, não tinha um canal

ali, porque a revista está ali, é a revista daquele mês

eu li e acabou, tem outra no mês que vem com outra

coisa, eu tinha que dar uma continuidade àquilo que

eu estava vendo, e o computador servia muito para

isso.” (Axel, 21 anos, gerente de loja e consumidor

expert)

Uma das principais razões que explica essa mudança na esfera de influência

vem da própria natureza dos meios, já que nas mídias tradicionais a comunicação é

massificada, unidirecional e com pouca possibilidade de feedback direto, enquanto

nos novos meios de comunicação há uma interação contínua do usuário com a fonte

de informação, o que permite que ele pesquise e escolha o que quer assistir, ler ou

escutar. Além disso, o feedback é constante e qualquer usuário comum pode

compartilhar uma opinião, seus conteúdos e informações de forma rápida e

instantânea (BARCELOS e ROSSI, 2014). Esse processo de empoderamento

(“empowerment”) do consumidor com as possibilidades trazidas por essas novas

ferramentas de comunicação passa a mudar então as formas pelas quais os jovens

buscam informações sobre os seus assuntos de interesse. Janaina (27 anos), por

exemplo, conta que hoje usa os vídeos de canais de Youtube como entretenimento:

“às vezes vou lavar a louça e boto lá o vídeo para tocar, ao invés de ficar vendo

TV.”. Ou seja, ao invés de buscar um conteúdo que o interesse em canais de TV, o

jovem já prefere selecionar diretamente na internet os conteúdos que deseja assistir.

Assim, todos os entrevistados para os fins desse trabalho relatam a

importância da internet tanto para o seu aprendizado sobre maquiagem quanto para

sua atualização de conhecimento, seja através dos blogs de maquiagem ou de

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pesquisas próprias através de ferramentas de busca. Janaina (27 anos) comenta

que no início desses canais de Youtube sobre maquiagem “era tipo uma

comunidade, tipo um Orkut. Você ia, a pessoa fazia vídeo, você comentava, ela

respondia, era uma coisa muito próxima assim.”. Dessa forma, Janaina conta que

através de um canal ela conhecia outros “porque alguém comentou no da Mariana,

aí vi e entrei, vi que tinha vídeo, aí começava a seguir (...) Você ia dentro da

comunidade se inserir ali.”. Esse comentário de Janaina vai de encontro à discussão

de Barcelos e Rossi (2014) e Gentina (2014) sobre a importância das mídias sociais

como meios de busca de informação e inserção em grupos com os quais os jovens

se identificam, o que é particularmente importante nesse período da vida dos jovens

de construção de identidade e onde há uma grande necessidade de pertencimento a

um grupo.

No mais, tudo que esses jovens não sabem e desejam saber hoje em dia é

resolvido através das ferramentas de busca na internet. Além de informações, os

jovens pesquisam sobre novos produtos e tendências de maquiagem:

“Por exemplo, se vou usar uma roupa de uma cor especifica para um casamento, gosto de ver, procuro na internet quais são essas festas, Oscar e tal, as pessoas com essa cor de roupa, o que elas costumam colocar, o que está usando, qual tipo de maquiagem atual. Estou sempre antenada no que está acontecendo em termos de maquiagem.” (Erica, 33 anos, administradora e maquiadora)

Além da pesquisa através dos mecanismos de busca, as redes sociais

aparecem com grande importância para o aprendizado sobre maquiagem, sendo

diariamente consultadas pelos entrevistados. Foram citadas nas entrevistas várias

redes sociais como Facebook, Pinterest, Instagram, Tumblr e Snapchat. O Quadro

6, abaixo, mostra como essas redes sociais funcionam para o aprendizado sobre

maquiagem.

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Quadro 6: Características, funções e influência das redes sociais

Rede Social Contribuição para o aprendizado

Youtube (O “how to”)

No Youtube estão disponíveis diversos vídeos com tutoriais de maquiagens e são demonstradas técnicas e produtos. É a principal forma de aprendizado de maquiagem através da internet. “O Youtube te dá um passo a passo mesmo. (...) Foi por isso que aprendi pelo Youtube, porque tinha todas as etapas e tal. Lógico que tem gente que não faz direito e você não consegue ver, mas quem faz direito consigo discernir todas as etapas do processo para fazer o que eu quero, seja customizar uma roupa, maquiagem, qualquer coisa.” (Janaina, 27 anos)

Pinterest (A “inspiração” / Referência de

Gosto)

Nessa plataforma o jovem encontra inspirações de makes e looks além do passo a passo demonstrativo através de fotos. O Pinterest atua como referência de gostos, mostrando as tendências em diversos assuntos como decoração, moda e maquiagem. O usuário pode categorizar e criar suas próprias pastas para armazenar suas imagens favoritas. “Pinterest total fonte de inspiração. (Erica, 33 anos)

Instagram (A “inspiração” / Referência de

Gosto)

O Instagram serve como inspiração de produtos, looks e makes através de fotos enviadas tanto pelos próprios usuários como por grandes marcas. É uma plataforma com atualização mais rápida. “É mais rápido que o blog, mais dinâmico, é a foto que está ali, eu não preciso nem ler o texto se eu não quiser, eu vi, achei bonito, vou lá, dou like, tiro print e pronto, próximo.” (Axel, 20 anos)

Facebook

(A Fonte de Novidades)

Como o acesso é constante a essa rede social, o Facebook funciona como um lembrete dos novos posts e vídeos postados. Os entrevistados também seguem várias marcas para ver novos lançamentos.

Tumblr

(Banco de Imagens)

Através do Tumbrl ao pesquisar um determinado tema o usuário acessa conteúdos multimídia como fotos, textos, gifs, etc.

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“Tumblr é referência para tudo” (Axel, 20 anos).

Snapchat

(Os bastidores)

No Snapchat são postados vídeos curtos que são deletados após 24 horas pela própria plataforma. Serve para mostrar a rotina ou os bastidores de algum evento ou acontecimento. Geralmente o jovem acompanha amigos, blogueiros ou celebridades que postam geralmente para “conversar” com seus seguidores ou mostrar sua participação em um evento. A qualidade dos vídeos pode não ser boa por serem filmados geralmente com a câmera da frente do celular. São vídeos curtos e que somem em até 24 horas.

A grande vantagem do Youtube em relação às outras redes sociais parece

estar justamente nas características de seus vídeos, que permitem uma

demonstração passo a passo da atividade realizada, como a maquiagem, por

exemplo. Janaina aponta que ao separar diferentes momentos da maquiagem numa

sequência de fotos, muitas vezes não é possível mostrar o “truque”, o jeito como se

segura o pincel e como fazer determinado movimento, o que dificultaria muito

aprendizado através de redes sociais como Pinterest e Instagram, por exemplo. Seu

papel estaria mais relacionado à inspiração do que ao aprendizado sobre

maquiagem.

“Acho que essas plataformas tipo Pinterest, Instagram e tal... são mais para você se inspirar. Eu olho pra me inspirar. Eu vejo que tem uma cor de batom diferente ou um delineado diferente, acho bonito, daí tento fazer e tudo mais, mas ele não me ensina. Não consigo aprender com aquelas fotos em sequência "eu acho que é mais ou menos assim", não foi aquilo que me ensinou, aquilo foi mais para me dar "isso existe".” (Janaina, 27 anos, designer de interiores)

Já as blogueiras, particularmente, têm uma importância fundamental nesse

estudo, já que além dos vídeos com tutoriais que ensinam sobre técnicas de

maquiagem elas atuam como influenciadoras de comportamento de consumo.

Fabiana, por exemplo, nomeia a blogueira Alice Salazar como sua “musa

inspiradora” e diz que assiste tutoriais todos os dias. “Eu me atualizo, vejo produtos

que estão lançando, cores novas, tendências. Todos os dias eu me atualizo.”, ela

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completa. Janaina (27 anos) já conta sobre uma blogueira que acabou influenciando

o próprio jeito através do qual ela se maquia:

“Teve uma menina no Youtube que aprendi muitas coisas técnicas com ela e acho que foi um exemplo pra mim, me definiu muito como eu me maquio hoje, essa preocupação em fazer pele, quando uso sombra gosto de esfumar muito, não gosto de linhas marcadas, é uma característica muito dela e eu acabei pegando. O nome dela é Mariana Santarém (...) A aparência dela não é uma coisa que quero copiar, mas a forma como ela ensinou as coisas, senti confiança e aí desenvolvi um estilo estético meu, mas com relação à maquiagem, ela me inspirou muito nessas questões técnicas.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)

É possível perceber, portanto, que as blogueiras de sucesso são elevadas de

consumidoras comuns para referências no assunto e o seu bom gosto e alto

conhecimento técnico trazem um empoderamento que faz com que suas opiniões e

sugestões sejam altamente valorizadas, muito acima daquilo que é dito pela

publicidade tradicional. Essa discussão se alinha com a visão de McQuarrie, Miller e

Phillips (2013) sobre a potencialidade da internet e dos blogs e a noção de gosto

como capital cultural. Além disso, diferentemente da publicidade tradicional, os

produtos não são simplesmente anunciados, já que as blogueiras ensinam

justamente como utilizá-los e como combinar produtos de diferentes marcas para um

determinado make. Luisa, por exemplo, conta sobre a principal blogueira que segue

e diz que costuma comprar alguns dos produtos utilizados por ela nos vídeos:

“Eu sigo uma blogueira inglesa, ela é maravilhosa, Tânia Burr, e ela tem cada maquiagem maravilhosa e ela usa muito uma base da Chanel, diz que é muito boa, e eu ainda não testei porque comprar aqui é muito caro, então quando eu viajar eu compro e testo.” (Luisa, 25 anos, relações internacionais e consumidora expert)

Luisa conta que nem sempre a compra motivada pela sugestão das

blogueiras dá certo, mas ela continua contando com as opiniões daquelas que ela

segue. Ela cita o exemplo do blog “Dia de Beauté” da editora da revista Vogue Vic

Ceridono, que ela acompanha e já teve uma experiência com uma sugestão de

batom que não ficou boa. “A Vic é muito branca, mais branca que a gente e ela

adora batom que deixa a boca apagada, "se ficou bom nela, vai ficar bom em mim",

daí eu passei e ficou ridículo.”. Luisa acabou dando o batom para uma prima que

gostou.

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De acordo com dos jovens entrevistados, é possível notar ainda que no início

do seu interesse sobre maquiagem ocorria um alto consumo dos blogs, já que eles

utilizavam esse canal para aprendizado e como fonte para indicação de produtos e

combinações. Com o passar do tempo e o aumento do seu próprio conhecimento e

habilidade para maquiagem, o uso desse canal passa a diminuir e elas passam a

buscas direcionadas por “novidades” ou dúvidas específicas. As ferramentas de

busca da internet passam a ser mais utilizadas para objetivos específicos e os

conteúdos já são mais selecionados e avaliados criticamente.

Assim, enquanto as revistas atualmente são apontadas pelos entrevistados

como veículos com pouca contribuição para o efetivo aprendizado, já que funcionam

mais como inspiração e ainda assim mostram “looks mais comerciais”, como pontua

Axel, a Internet é encarada pelos jovens como a melhor fonte a ser consultada para

o aprendizado de maquiagem. É importante considerar, no entanto, que para a

busca na internet é apontado que se deve filtrar as informações, pois podem ser de

fontes que não acrescentam, chegando até a “atrapalhar” caso a jovem não consiga

interpretar a informação recebida. “A internet pode ser uma grande amiga e também

uma destruição na sua vida, porque se você não conseguir interpretar não vai

conseguir melhorar a situação.”, diz Camila.

“Às vezes é melhor olhar alguém mais velho porque já vai ter um discernimento um pouco melhor. Até as pessoas mais velhas às vezes fazem maquiagens para um certo público: maquiagem volta as aulas, maquiagem para adolescentes. Então dá para encontrar isso no Youtube também. Acho melhor do que de revista. Acho revista a maior enganação. Depois que aprendi a me maquiar, eu via aqueles tutoriais de revista e achava... Não está ensinando nada.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)

4.2.4 Profissionais

Além dos tradicionais agentes de socialização e do importante papel da

Internet para o aprendizado do jovem sobre maquiagem, profissionais de beleza

foram citados por alguns dos entrevistados como influenciadores a respeito do seu

aprendizado sobre maquiagem. No caso de Erica e Fabiana, por exemplo, os cursos

profissionalizantes de maquiagem trouxeram um grande aprendizado sobre técnicas

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e produtos, bem como ensinamentos sobre a forma de maquiar os outros e lidar com

clientes.

“Não tive um curso especifico pra ensinar a maquiar, fiz muitos cursos. (...) Não posso dizer que tive um professor que me ensinou tudo o que eu sei de como maquiar. Pode ter me ensinado muitas coisas a respeito, truques e coisas assim, a maquiagem em si não. É mais comportamental mesmo. Aprendi todos os truques que você usa... Errou uma maquiagem, como faz para consertar. O rímel ficou duro, o que eu faço para deixar ele molinho de novo. A gente aprende em curso.” (Erica, 34 anos, administradora e maquiadora)

Já Camila teve duas experiências bem diferentes ao ser influenciada por dois

profissionais ligados a estética e beleza. Após uma experiência ruim com um

profissional que sugeriu que ela usasse um lápis 2B para corrigir falhas e que ela

não conseguiu fazer, Camila resolveu pedir para que um outro profissional (designer

de sobrancelhas) a ensinasse a maquiar a sobrancelha. Nos relatos de Camila, é

possível perceber também a diferença de resultados entre um profissional que disse

o que ela deveria usar e outro que efetivamente a ensinou a usar o produto indicado.

“Ele fez uma (sobrancelha) e me mostrou, ficou lindo e eu perguntei o que ele usou, ele disse que usou esse lápis 2B, ele falou para eu fazer em casa que ia dar certo. Comprei o lápis, fiz em casa, saí duas vezes até que eu vi uma foto minha e eu descobri que estava ridículo, eu era praticamente a Frida com aquele negócio horroroso e foi um designer de sobrancelha que me deu essa dica, que ele realmente fez a minha sobrancelha e tinha ficado muito bonito, só que provavelmente eu não consegui utilizar a técnica correta para pintar aquilo.” (Camila, 33 anos, secretária executiva e consumidora expert)

“Eu descobri um outro designer de sobrancelha lá em Teresópolis e eu o vi fazendo a sobrancelha da mulherada, ele fez a da minha sogra e eu fui lá para fazer, voltei, fiz, e eu pedi para ele me ensinar maquiar. Aí ele me disse onde comprar o lápis, qual o tom de lápis para o efeito que eu queria e como eu deveria maquiar, então ele fez uma comigo olhando para cá e depois ele me mandou fazer a outra para eu conseguir acertar. Foi uma das poucas coisas da minha vida que eu tive um profissional me ensinando a fazer.” (Camila, 33 anos, secretária executiva e consumidora expert)

Outro agente citado como influência para a descoberta de novos produtos foi

o dermatologista, citado por Erica e Axel como um profissional procurado para tratar

os problemas de pele e que influenciou ao prescrever rituais de cuidados,

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cosméticos e maquiagens próprios para o seu tipo de pele, como sabonetes

específicos e filtro solar com cor (que atua como base) além de oferecer amostras

de produtos que permitem a avaliação de novos produtos. Erica, por exemplo, já

conhecia através da internet o papel que a base para vitiligo poderia desempenhar

na pele para cobrir manchas mas só testou ao receber uma amostra do seu

dermatologista, e hoje utiliza com grande regularidade. Ao atuar como um

profissional com reconhecido conhecimento técnico, as recomendações do

dermatologista costumam ser bastante apreciadas e consideradas pelos

entrevistados.

4.3 Habilidades

Como pontua EKSTRÖM (2006) “socialização envolve aquisição de

competências” (p. 78), o que significa dizer que a partir da ação dos agentes de

socialização o jovem geralmente adquire e desenvolve habilidades de diversos tipos,

sendo que alguns acabam desenvolvendo mais essas habilidades do que outros. No

caso da maquiagem, uma habilidade fundamental a ser desenvolvida é a habilidade

manual, que possibilita a execução de diversas técnicas precisas como fazer o

delineado, por exemplo. Nesse sentido, algumas entrevistadas relacionam a

existência de uma habilidade manual para artes como pintura e artesanato (muitas

vezes desenvolvida na infância) com a habilidade atual para maquiagem.

Janaina, por exemplo, conta que desde criança sempre teve facilidade com

artesanato, o que era bastante incentivado pela sua mãe. “Eu via na Ana Maria

Braga e fazia as coisas, minha mãe chegava em casa e eu tinha feito alguma arte lá,

ela adorava. Ela incentivava muito essa coisa do artesanato, isso faço desde criança

mesmo.”. Janaina diz ainda que tem grande facilidade em lidar com pincéis, já que

fez faculdade na Escola de Belas Artes e teve aulas de pintura, o que a ensinou

também a desenvolver algumas técnicas, para fazer o delineado, por exemplo:

“...marco com um lápis primeiro e depois passo delineador. "Não posso errar hoje",

então faço todo o traço primeiro com lápis que daí é fácil de borrar e esconder,

depois eu passo delineador por cima.” Já Fabiana conta que sua mãe sempre impôs

que ela soubesse costurar e fazer artesanato (atividade com a qual a mãe trabalha

hoje), então ela diz que sempre teve muita facilidade com trabalhos manuais. “Eu

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sou extremamente manual, operacional. Não sou muito de pensar, papel, sou muito

mais manual, eu gosto de fazer.”

No entanto, diante do desejo de aprender sobre maquiagem e da eventual

ausência de fontes de aprendizado, todos os entrevistados utilizaram o método da

“tentativa e erro”, ou seja, treinaram seus corpos através de um processo solitário,

repetindo e tentando diversas vezes até conseguirem o resultado desejado. “Eu era

a referência das minhas amigas, mas eu não tinha uma referência. Não tive uma

pessoa para perguntar, minha mãe não entendia de nada, ela gostava de

maquiagem mas ela não sabia sobre isso.”, conta Erica. “Me lembro que fui fazendo

sozinha e fui tentando aprender.”, conta Janaina sobre o aprendizado de como fazer

o delineado. Ela conta que fazia aula de dança espanhola e todo final de ano tinha

uma apresentação para a qual uma das meninas passava delineador nas outras, já

que ninguém sabia. “Aí teve um ano, não sei se ela não estava, eu peguei o

delineador e passei e foi indo, fui melhorando com o tempo, fui pegando prática.”.

Um traço comum em todos os entrevistados é, portanto, o autodidatismo, pois

ainda que tenham tido acesso a vídeos que ensinassem sobre maquiagem ou ainda

que tenham presenciado talentosos amigos se maquiando, o efetivo aprendizado do

“como se maquiar” veio através do treino solitário e repetido inúmeras vezes até que

o resultado fosse satisfatório. E cada técnica nova que chega ao mercado é tratada

dessa mesma forma, o que faz com que para o grupo entrevistado essa forma de

aprendizado se torne mais uma habilidade.

Além das habilidades técnicas, também são adquiridas habilidades

informacionais como a “língua da maquiagem”, um dialeto de termos e expressões

sobre tipos de produtos e técnicas que só aqueles que realmente têm conhecimento

e interesse sobre o assunto conhecem. Falar a “língua da maquiagem” é sempre

esperado dos vendedores das lojas de maquiagem, por exemplo, para garantir sua

credibilidade:

“A partir do momento que o vendedor falou a língua da maquiagem, eu sei que ele entende. Aí eu vou confiar no que ele está falando. (...) Eu vou chegar lá e vou falar: "eu quero um rímel com textura mousse, que seja a prova d'água e com bico de ouriço. Se ela não souber o que é, e eu sei na hora que a pessoa não sabe, então qualquer coisa que ela vier sugerir eu não vou confiar, porque eu entendo mais do que

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ela.” (Camila, 32 anos, secretária executiva e consumidora expert)

Esse acúmulo de conhecimento é contínuo, e por isso todos os entrevistados

mencionam que continuam pesquisando e se atualizando sobre maquiagem, seja na

pesquisa de tendências ou sobre técnicas, produtos e marcas. Além disso, a

maquiagem e a moda acabam aparecendo de forma combinada em muitas

situações, então mesmo quando os entrevistados pesquisam sobre moda eles

também encontram informações sobre maquiagem e os dois assuntos geralmente

são de grande interesse dos entrevistados. Luisa (25 anos), por exemplo, segue o

Steal the Look, um site que contém dicas de moda e maquiagem para que a jovem

“siga o estilo” de blogueiras e celebridades que estão usando as tendências daquela

estação, e que também está disponível no Instagram, Facebook, Pinterest e

Youtube.

Com a evolução da sua habilidade e o aumento nos seus conhecimentos

sobre o assunto, o jovem passa a ser mais criterioso com as informações a que se

depara, sendo mais seletivo nas fontes de informação e tópicos que o interessam.

“Hoje quase já não salvo mais tutorial de maquiagem porque normalmente eu já sei

fazer, só quando surge coisa nova e são muito difíceis.”, conta Camila (33 anos).

“Hoje em dia não é mais necessário, você olha uma maquiagem e gosta, você vai e

faz a maquiagem porque as técnicas eu tenho.”, complementa Erica (34 anos).

A ausência de determinado tipo de produto no mercado, sua inacessibilidade

ou mesmo o desejo de se engajar em uma produção original podem fazer ainda com

que esse consumidor adquira habilidades para se engajar em atividades DIY (“do-it-

yourself”), como o projeto do espelho de maquiagem feito por Erica (que ela não

conseguiu encontrar do que jeito que queria) e o batom que foi feito por Janaina na

tonalidade que ela gostaria para usar em uma determinada ocasião.

“Fiquei em casa um dia "meu Deus, essa maquiagem combina com esse batom, eu preciso desse batom". Aí eu falei "vou dar um jeito", comecei a misturar aqui um batom que eu tinha, que era um pouco cor de boca, eu achei uma sombra roxa meio acinzentada e falei "acho que vai dar certo", eu fiz e ficou bem similar.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)

Outro grupo de habilidades que podem ser adquiridas são mais operacionais

e aparecem mais nas rotinas das blogueiras, um dos perfis de entrevistados para

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esse trabalho. Isso porque, além da habilidade com a maquiagem, a jovem precisa

aprender sobre iluminação, gravação e edição de vídeos, além de questões técnicas

relacionadas ao blog e ao upload dos vídeos no seu canal. Eventualmente, a

blogueira precisa desenvolver ainda a sua própria “personagem blogueira”, ou seja,

como ela vai falar com a sua audiência, que tipo de expressões vai usar, que

assuntos vai tratar nos posts, onde ela vai gravar e como vai estar vestida nos

vídeos (o que faz diferença em termos de imagem que ela vai passar), entre outras

informações. Isso tudo vai diferenciar a blogueira e acaba definindo o público que

ela atingir. No caso das maquiadoras Erica e Fabiana, com os cursos

profissionalizantes de maquiagem e o contato com outros profissionais do meio

novas habilidades vão sendo adquiridas sobre a relação com clientes, o

comportamento esperado no ambiente de trabalho, etc.

Na Figura 20 abaixo, buscou-se resumir as principais habilidades que vão

sendo adquiridas e desenvolvidas no que chamamos de consumidor habilidoso de

maquiagem. É possível perceber que essas capacitações ocorrem de forma

crescente, iniciando-se com as habilidades manuais, evoluindo para um

conhecimento de produtos e nomenclaturas específicas do assunto que formarão

um senso estético sobre maquiagem. A partir daí, o conhecimento avançado permite

que haja uma criteriosa seleção de novas informações, que pode servir apenas para

uso próprio ou transformar-se em profissão. Ao prosseguir para uma

profissionalização novas habilidades são construídas, relacionadas a conhecimentos

técnicos e comportamentais (como lidar com clientes, quanto cobrar, como filmar e

editar vídeos para o blog, etc).

4.4 Trajetórias do consumidor habilidoso

Levando-se em consideração as discussões que foram oferecidas até esse

momento, é possível perceber então que há uma mudança na ação dos agentes de

influência na formação do jovem consumidor na contemporaneidade. Uma vez que a

socialização é vista como um processo contínuo (WARD, 1974), pode-se perceber

ainda que os agentes de socialização vão exercer diferentes funções durante o ciclo

de vida do indivíduo. Faz-se necessário também nesse momento perceber quais

habilidades tendem a ser desenvolvidas em cada etapa do ciclo de vida do indivíduo

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e quais são os gatilhos que podem transformar a relação dos indivíduos com a

maquiagem.

Figura 20 – Continuum de tipos de habilidades desenvolvidas.

O modelo conceitual de socialização do consumidor proposto por Moschis e

Churchill (1978) já considerava a idade e a posição no ciclo de vida como variáveis

antecedentes que poderiam influenciar na atuação dos agentes de influência e

consequentemente nos resultados do processo de socialização. Além disso, a maior

parte dos estudos de socialização está voltada para a infância e considera a

passagem para a adolescência como a fase em que a diminui influência da família

(que seria maior na infância) e cresce a importância dos pares como agentes de

socialização (JOHN, 1999; GENTINA e BONSU, 2013), o que já demonstra a

mudança de influência dos agentes de socialização. A diferença entre a socialização

de adolescentes e de jovens adultos foi também analisada por Singh, Kwon e

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Pereira (2003), que corrobora essa perspectiva mesmo ao analisar jovens de

diferentes culturas. Como na presente pesquisa foram analisadas as diferentes

trajetórias de aprendizado de consumo da jovem habilidoso, é possível contribuir

também a essa discussão com um esquema que recupera o que foi discutido até

esse momento e mostra os principais agentes de socialização e a função que

desempenham em momentos chave da vida do indivíduo da infância até a vida

adulta, bem como as habilidades que são adquiridas em cada fase.

A ideia do esquema descrito na Figura 21 é demonstrar dentro do contexto de

cada fase da vida (excluindo-se a etapa da senioridade) quais funções são

desempenhadas pelos agentes de socialização no processo de desenvolvimento de

habilidades da criança/jovem/adulto para o consumo de maquiagem. Também são

demonstrados os “gatilhos” que desencadeiam mudanças de comportamento e

quais são essas mudanças e renovações que ocorrem a partir desses “momentos de

virada”.

Figura 21: Esquema de trajetórias percorridas pelo consumidor na formação de sua habilidade

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Assim, a partir das diferentes trajetórias dos entrevistados analisadas até aqui

e de suas histórias de vida é possível perceber que na infância a família exerce uma

função normativa, já que ensina sobre as normas de comportamento e limites

esperados nas relações familiares e com as demais pessoas. Os primeiros contatos

com a maquiagem podem ocorrer na infância e vêm através da família, seja na

utilização de produtos da mãe e da tia como é o caso de Erica ou em brincadeiras

com outros membros da família como Camila, que brincava de maquiagem com a

sua prima.

A mãe particularmente exerce um importante papel de modelo a ser seguido

pela filha (“modelling”) e seus mecanismos de reforço (elogio ou punição) podem ser

de grande importância para o estímulo de alguns comportamentos na criança.

Embora não tenha aparecido de forma clara a questão da influência dos meios de

comunicação de massa (já que o foco desse estudo não é a socialização na

infância), eles também foram considerados nesse modelo em razão dos diversos

estudos nessa área que aparecem em John (1999) e demonstram a influência que a

mídia pode exercer no público infantil.

Nessa fase começam a ser desenvolvidas habilidades manuais através de

brincadeiras e/ou atividades de pintura e artesanato. Além disso, a criança começa a

perceber que é capaz de aprender algumas coisas sozinha (autodidatismo) e inicia o

desenvolvimento de um senso estético, sendo capaz de dizer aquilo que gosta ou

não gosta (como Fabiana e o batom vermelho que gostava de usar quando criança).

Assim, a criança começa a ser inserida nas atividades de consumo comuns e inicia

a construção de sua identidade.

A fase da adolescência é a que apresenta novos agentes de socialização,

pois os pares aparecem com grande influência e atuam para o aprendizado de

novos comportamentos de consumo e pela própria busca do jovem de inserção em

grupos do seu interesse (MOSCHIS e CHURCHILL, 1978; LUEG et al., 2006). A

função normativa passa então a ser desempenhada não só pela família mas

também pelos pares contextualizadores, que servem para mostrar ao jovem os

comportamentos sociais que são esperados dentro de determinadas conjunturas

(como as “festinhas” de adolescentes). Começa a haver também uma função

disruptiva, já que em contato com os pares incentivadores novos comportamentos

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podem ser estimulados (a influência das amigas para que Camila começasse a usar

maquiagem, por exemplo) e mesmo a mãe pode sugerir um comportamento

diferente que pode alterar relação do jovem com o consumo de maquiagem e com

sua própria autoestima (como a sugestão da mãe de Erica para que ela começasse

a usar maquiagem). Os meios de comunicação tradicionais e a Internet também

podem atuar como “gatilhos” de mudança, como é o caso de Axel com o programa

Ru Paul’s Drag Race e Bianca com a descoberta blog de maquiagem de Andreza

Goulart, funcionando de forma aspiracional.

Além da família (através do acervo de produtos disponíveis) e dos meios

tradicionais de comunicação de massa, os pares instrumentalizadores e

principalmente a Internet surgem para auxiliar no aprendizado do jovem sobre

maquiagem. Com a popularização do acesso, a Internet passa a ser a principal

forma pela qual o jovem vai buscar informações sobre maquiagem, seja para

aprender a se maquiar, verificar tendências, descobrir os melhores produtos para

depois comprá-los e ainda para se inserir em grupos que discutem e trocam dicas

sobre o assunto. Ainda que o interesse surja de outra forma (através dos amigos,

para agradar ao namorado ou para imitar uma estrela de TV), grande parte do

aprendizado costuma ocorrer através desse agente de socialização. Nas redes

sociais o jovem encontra não somente uma esfera de influência mas diversos

recursos para o aprendizado, justamente o “como fazer” que antes vinha somente

através dos ensinamentos das mães, irmãs, amigas ou de alguma revista ou

programa de TV (quando havia).

Além disso, como nessa fase da adolescência o jovem muitas vezes não tem

uma independência financeira, a família ainda exerce certa influência já que em

última instância determina a aquisição desses recursos, particularmente a figura da

mãe. Ainda assim, alguns dos entrevistados já começam a adquirir alguns produtos

para uso próprio ou começam a compartilhar maquiagens com a mãe.

As habilidades manuais evoluem e novas técnicas de maquiagem passam a

ser desenvolvidas através da “tentativa e erro”. O senso estético fica mais apurado e

o jovem começa a desenvolver o seu próprio estilo, entendendo que ele pode ser o

que quiser ao vislumbrar novas identidades possíveis através de amigos, Internet e

meios de comunicação de massa. O jovem começa a dominar a linguagem

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específica relacionada àquele universo e a conhecer diferentes técnicas, produtos e

acessórios, o que aliado à sua habilidade crescente passa a diferenciá-lo aos

poucos do consumidor comum e a aproximá-lo dos consumidores habilidosos de

maquiagem.

Por fim, na fase adulta o consumidor habilidoso geralmente já estagia ou

trabalha e está em busca de sua independência financeira, o que o possibilita

adquirir os produtos do seu interesse e administrar suas práticas de consumo de

maneira independente dos pais. A partir de um processo de experimentação, os

jovens começam a descobrir quais são os produtos que funcionam para o seu tipo

de pele e para aquilo que desejam transmitir aos outros (CASOTTI, SUAREZ e

CAMPOSY, 2008). As funções normativas e contextualizadoras então passam a vir

dos pares, notadamente colegas de faculdade/trabalho e grupos de amigos. Novas

situações pessoais e profissionais podem estimular comportamentos distintos sobre

o uso de maquiagem (como o caso de Luisa na faculdade e no ambiente de

trabalho), e os pares instrumentalizadores e a Internet passam a ser fundamentais

para a descoberta de novos produtos e técnicas que ampliem os conhecimentos já

adquiridos.

Uma vez que nessa fase o adulto já tende a possuir a sua própria identidade

consolidada, ele passa então a se comparar com aqueles que estão próximos

(amigos e parentes) em relação à sua evolução enquanto consumidor habilidoso,

assumindo uma postura reflexiva. O consumidor habilidoso passa então de

socializado a agente de socialização e começa a tentar influenciar aqueles que

ficaram “para trás” em relação ao uso de maquiagem, notadamente amigos e

parentes (mãe, irmãs, etc.).

O acúmulo de conhecimento faz com que o consumidor habilidoso seja capaz

de selecionar criticamente as fontes e o tipo de informação buscada, geralmente

procurando sobre novos produtos ou técnicas que estão “na moda”, como Luisa e a

técnica do contorno. “Hoje está na moda aquele tal de contorno, não sei fazer, quero

aprender e eu sei que tem um produto maravilhoso para fazer um contorno que eu vi

no Instagram, no Steal The Look, e lá tem umas meninas que fazem um contorno

perfeito.”. Além disso, novas habilidades são desenvolvidas para atividades de DIY

quando os produtos desejados não existem no mercado ou não estão acessíveis no

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momento desejado (como o espelho de Erica e o batom que foi feito por Janaina).

Para os jovens que se tornam maquiadores ou blogueiros, nessa fase são

desenvolvidas ainda novas habilidades técnicas e comportamentais relacionadas às

suas atividades profissionais (edição de vídeos, iluminação, postura profissional,

entre outras).

4.5 Dinâmicas de Influência

A fim de que pudessem ser analisados os agentes de socialização e as

trajetórias de aprendizado de consumidoras habilidosas de maquiagem, três

diferentes perfis foram selecionados conceitualmente: blogueiras, maquiadores

profissionais e jovens com alto conhecimento mas que não pertencem às categorias

anteriores (denominadas nesse estudo de experts). No entanto, conforme pôde ser

percebido nas seções anteriores, a ação dos agentes de socialização não parece

ocorrer de forma diferenciada para cada perfil; por vezes, um mesmo agente teve

grande influência em jovens de dois ou dos três perfis, então a ação de um

determinado agente não pode ser apontada como uma causa relevante para a sua

mudança de trajetória.

Isso quer dizer que devem existir outros motivos que expliquem o que leva um

jovem consumidor com elevado conhecimento e habilidade a tornar-se maquiador(a)

ou blogueiro(a) de maquiagem. De acordo com as entrevistas e a literatura

analisada, é possível propor que os fatores fundamentais por trás dessas trajetórias

são o reconhecimento social e a funcionalidade desejada para a habilidade (ou seja,

como o jovem deseja utilizar o seu conhecimento e habilidade). Assim, a esfera de

influência seria maior de acordo com cada papel representado por esses jovens,

como mostra a escala abaixo:

Figura 22: Círculo de influência do consumidor habilidoso

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No caso do consumidor comum, o desenvolvimento da habilidade faz com

que pessoas próximas como familiares e amigos passem a reconhecer o seu

conhecimento mais destacado no assunto e a pedir dicas de maquiagem, ou ainda

solicitam que eles a maquiem em ocasiões especiais. Assim, de socializados essas

jovens passam a se tornar também agentes de socialização, como mostram os

depoimentos a seguir. “Já fiz sessão de maquiagem no trabalho uma vez para

ensinar todo mundo a se maquiar, todo mundo levou as coisas, eu disse “viu gente,

é fácil””, conta Janaina, além de mencionar que a mãe também costumava pedir que

ela a maquiasse. “Eu gostava de ver ela mais bonita, minha mãe sempre foi muito

assim desligada de questões de estética (...) Eu gostava quando eu tinha que

maquiar ela, ela me pedia e eu gostava.”. No caso relatado por Janaina, ocorre

ainda a “socialização reversa” definida por Ward (1974), já que Janaina passa a

ensinar e a influenciar as práticas de consumo de maquiagem da mãe, tendo

aprendido não só com ela mas a partir de outros agentes de socialização, como os

pares e a Internet (EKSTRÖM, 2006; SHIM, SERIDO e BARBER, 2011). Já Camila

é solicitada para dicas e ensinamentos inclusive pela sogra e pela cunhada:

“Eu vou lá, faço olho, elas não sabem fazer, traço de delineador. Uma é uma menina com 17 anos que ama maquiagem, como toda mulher em Teresópolis, mas tem dificuldade para poder executar as coisas. E minha sogra, grande dificuldade da mulher que usa óculos conseguir se maquiar, então eu ajudo ela também.(...) Elas me pedem para maquiar e me pedem dicas de maquiagem.” (Camila, 32 anos, secretária executiva e consumidora expert)

Nessa etapa, o jovem já possui um conhecimento avançado, troca

informações com pares e busca novas informações na Internet e redes sociais. O

desenvolvimento da habilidade faz ainda com que esses jovens prefiram fazer a sua

própria maquiagem mesmo em situações sociais em que geralmente são

contratados profissionais, como para casamentos.

“Acho que um maquiador bom para mim, que fosse melhor do que eu, seria alguém que cobrasse muito caro. Hoje em dia tem maquiador de R$ 500 que maquia pior do que eu. Não vou pagar. Não faz sentido.Para que eu vou gastar numa coisa se eu posso economizar? Prefiro fazer meu cabelo que não tenho como fazer este cabelo sozinha.”

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(Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)

No caso de Camila, a falta de confiança na maquiagem feita pelos outros e o

desejo de economizar com algo que ela sabia fazer bem fez com que Camila fizesse

a própria maquiagem mesmo no dia do seu casamento.

“A minha maquiagem eu fiz, porque eu não ia contratar uma pessoa pra fazer maquiagem em mim, que ia desmoronar, porque eu casei 15 de novembro num calor do cão no Rio de Janeiro, de manhã. Então eu sabia que ia me irritar. Então eu falei assim: "não, a maquiagem sou eu quem vai fazer, porque eu sei o que eu vou poder fazer sem me preocupar, ficar com aquela cara de panda, e depois curtir sem me estressar". (Camila, 32 anos, secretária executiva e consumidora expert)

Com a habilidade evoluindo, sendo reconhecida e requisitada por aqueles que

se encontram no círculo social próximo, alguns jovens optam pela profissionalização

como maquiadores ou por um compartilhamento da habilidade através da criação de

um blog. Em ambos os casos, geralmente há um motivador externo que incentiva

esse passo, como amigos ou familiares. No caso de Erica, quando ela foi se casar

teve muita dificuldade em achar um maquiador e percebeu nisso uma oportunidade:

“Vi que fazia uma maquiagem melhor do que

os profissionais. Tinha alguns casamentos

antes do meu em que era madrinha, daí ia no

salão para fazer o teste para quando fosse

casar. Chegava no salão e fazia o teste,

chegava em casa, lavava meu rosto e

maquiava. Tirava uma foto da maquiagem

que fiz no salão e da maquiagem que fiz, não

tinha comparação, minha maquiagem era

muito mais bonita. Então iria ganhar dinheiro

com isso.” (Erica, 34 anos, administradora e

maquiadora)

Mesmo procurando muito, no dia do casamento ela retocou a própria

maquiagem. “Eu me maquiei no salão do meu casamento, mas eu cheguei em casa

e fiz minha maquiagem por cima.”. Depois disso, várias pessoas começaram a

incentivá-la a se profissionalizar. “Acho que todo mundo que estava em volta de mim

na época falou, minha mãe falou, meu ex-marido falou, meus amigos falaram, todo

mundo "nossa Érica, você tem que fazer isso, você tem que trabalhar com isso".”.

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Sua primeira cliente foi uma amiga noiva que abriu mão de outro maquiador mais

experiente para que Erica a maquiasse em seu casamento e começou a indicá-la

para outras noivas. Hoje Erica é tão solicitada para dicas de melhores produtos que

fez uma lista pronta de maquiagens que ela indica e já envia direto para quem pede.

A diferença principal entre as trajetórias está justamente na esfera de

influência atingida. No consumidor expert, tanto a aquisição de conhecimento como

a evolução da habilidade estão voltadas para o seu próprio usufruto e de acordo

com as suas necessidades, e sua esfera de influência está restrita aos amigos e

familiares próximos, onde há contato frequente. Já no caso dos entrevistados

maquiadores, desde cedo eles se tornam referência das amigas e influenciadores de

comportamento em relação à maquiagem. Fabiana conta que quando começou a

aprender a usar os produtos levava maquiagem para a escola e ensinava para as

amigas, enquanto Erica conta que na adolescência “quando tinha festa era todo

mundo na minha casa e eu maquiava todo mundo.”. “Eu era a referência das minhas

amigas”, ela completa.

O jovem que decide pela profissionalização, portanto, gosta de utilizar o seu

conhecimento e habilidade não só para si mesmo mas também para os outros,

ampliando sua esfera de influência. Isso ocorre uma vez que a profissão funciona

com base na divulgação e no boca a boca, onde uma cliente satisfeita indica para

outras do seu círculo. “Se uma cliente gosta de você, todo mundo gosta de você,

mas se uma cliente não gosta de você, acabou.”, conta Fabiana. Assim, o

maquiador ensina e influencia pessoas próximas, gosta de ser elogiado e

reconhecido pelo seu trabalho e essa possibilidade de utilizar as suas melhores

habilidades para deixar outras pessoas se sentindo mais bonitas parece ser

fundamental para esse grupo. Daniel chega a se emocionar ao falar sobre isso:

“Quando a gente realiza um trabalho que a gente vê a satisfação da cliente pelo trabalho que você realizou, é muito mais válido do que o dinheiro que a gente ganha. Só em você saber que você está fazendo bem, com isso você está podendo fazer o bem, você está levantando a autoestima, não tem valor que pague. (...) Depois que a gente aprende a trabalhar com essas coisas a gente acaba sendo visto mais ou menos como Deus. As suas amigas olham para você e te vêem diferente porque elas sabem que você vai fazer aquilo ali e vai ficar bem feito. É maravilhoso. Não tem uma palavra que possa definir a emoção. Você fazer uma cliente e ela

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olhar no espelho e ela falar "estou linda", poxa foi você quem fez!” (Daniel, 29 anos, cabeleireiro e maquiador)

Ainda assim, a relação de influência do maquiador com os outros é direta,

one-to-one, e os ensinamentos podem ser modificados de acordo com a interação

do socializador com o socializado. Erica, que oferece cursos de automaquiagem,

conta que adapta o curso às necessidades das alunas, ao que elas desejam

aprender e se desenvolver ao invés de oferecer módulos fechados, assim como

Daniel, que reforça utilizar os produtos que a cliente já tem em casa para seus

cursos.

“Não adianta eu dar um curso com o meu material, porque o material é completo, é de profissional. Uma cliente minha não tem em casa 3 maletas de maquiagem para se maquiar. Ela vai ter no máximo uma nécessaire. Se ela for muito perua ela vai ter uma mini maletinha. Então eu ensino ela a sobreviver com o que ela tem, com o material que ela tem, com a base dela, com o pó dela e daí quando acontece de ela estar em um evento que eu não tenho como comparecer para a maquiagem a gente faz pelo face time.” (Daniel, 29 anos, maquiador)

Daniel conta que quando a cliente está em outro local ou cidade que ele não

pode comparecer para maquiar ele ensina e acompanha a maquiagem através de

uma conexão por vídeo à distância ou algum aplicativo que permita uma conversa

em vídeo. Essa relação mais próxima diferencia o trabalho desses maquiadores em

relação a outros cursos de automaquiagem oferecidos por grandes marcas, que

costumam ser de módulos pré-definidos como maquiagem para noite, maquiagem

de dia a dia, entre outros. O maquiador passa então a influenciar não só familiares e

amigos mas também seus clientes e outros profissionais com os quais ocorre uma

grande troca de informações. Como se interessa em conhecer novos produtos e

acompanhar as tendências da moda, a Internet e as redes sociais ainda são grandes

fontes de influência e aprendizado.

Finalmente, no caso da blogueira, a vontade de compartilhar os seus

conhecimentos e o desejo pelo reconhecimento social de sua habilidade chega ao

grau mais alto, já que através da internet e do seu “efeito megafone”

(MACQUARRIE, MILLER e PHILLIPS, 2013) é possível alcançar milhares (ou até

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milhões) de seguidores de qualquer lugar de mundo e atuar de fato como alguém

que influencia pessoas.

Além disso, diferentemente do consumidor expert e até do maquiador, o

blogueiro pode desenvolver um contato direto com grandes marcas que o

influenciam e que são influenciadas pelo seu comportamento no ambiente das

mídias sociais, já que os blogueiros indicam seus produtos favoritos, comparam

diferentes marcas e ensinam o “como fazer”, o que muitas vezes é a barreira que

impede o consumo de alguns produtos (não saber como utilizá-los). Os meios de

comunicação exercem uma influência de ordem aspiracional ao serem uma forma da

mostrar ao mundo a sua importância e popularização. Bianca Andrade, por exemplo,

já participou algumas vezes de programas da Rede Globo como o “Mais Você” e o

“É de casa” e recentemente foi capa da Revista Todateen, declarando nessas

ocasiões tratar-se de uma “grande realização7”. Por outro lado, o fato de os meios

de comunicação convidarem blogueiras para os seus programas mostra que eles

percebem e assumem a importância que essas blogueiras têm para o seu público,

mostrando a influência exercida por essas jovens.

As blogueiras e blogueiros ensinam para adolescentes e adultos de qualquer

lugar do mundo o passo a passo de diferentes tipos de maquiagem (das mais

simples às mais complexas) e indicam quais são os melhores produtos a serem

utilizados para cada finalidade. Tudo isso de forma mediada pela tecnologia, à

distância. Diferentemente então da ação do maquiador, que adapta a sua

transmissão de conhecimento em função das características pessoais da cliente e

suas necessidades específicas de conhecimento, no material postado pelo blog

acaba havendo uma padronização da informação para certos assuntos escolhidos

pelo próprio blogueiro, que não conhece de fato todos os seus seguidores. Além

disso, os blogueiros também influenciam e são influenciados pelos outros blogueiros

do mesmo segmento, já que levam em que consideração o que os outros estão

fazendo, que assuntos estão fazendo sucesso nos canais de vídeos e algumas

vezes ainda atuam em parceria para atrair novos seguidores.

7Trecho retirado do vídeo Mãe virei capa de revista.Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=yvjAXNcaZf4>. Acesso em 05 de Junho de 2016.

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Com base no que foi discutido até esse momento, a Figura 23 mostra um

esquema que busca explicar a trajetória de consumidores expert que podem buscar

a profissionalização e/ou o compartilhamento de opiniões e conhecimentos em

escala global. Além disso, o esquema demonstra as ações de influência recebida e

de socialização, bem como os agentes envolvidos nas trajetórias do consumidor,

maquiador e blogueiro (a). Por fim, o esquema demarca as diferenças encontradas

nas ações de prossumo e cocriação, tópico que será discutido em seguida.

Figura 23: Modelo de dinâmicas de influência dos consumidores habilidosos

Uma importante discussão que a análise dos diferentes caminhos que podem

ser percorridos traz refere-se à questão da habilidade desses jovens enquanto

prossumidores. Em todas as trajetórias, é possível perceber que os consumidores

habilidosos atuam como consumidores-produtores através da modificação nos usos

e significados associados aos produtos, a exemplo do conceito de consumidor

criativo de Cova (2008). Alguns dos entrevistados mencionam, por exemplo,

produtos que tem uma utilidade determinada mas que passam a ser utilizados de

outra forma, como Erica, que diz usar uma base indicada para pessoas que tem

vitiligo como uma base de maior cobertura, que ela geralmente utiliza para sair à

noite. Ela conta que descobriu esse produto ao assistir um vídeo promocional na

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161

internet que mostra um modelo com várias tatuagens que utiliza essa base para

escondê-las. Erica conta que testou o produto ao ganhar uma amostra de seu

dermatologista e que hoje usa no rosto todo.

Já Camila diz saber aproveitar os produtos que tem para conseguir diferentes

efeitos. Ela conta saber fazer um “olho gatinho” mesmo sem ter um delineador,

através de um lápis preto, e ainda que utiliza um pó que ganhou e é mais escuro que

a sua pele para outra finalidade, no caso para fazer o efeito do contorno, capaz de

afinar o rosto. Já Fabiana, ao contar sobre seu trabalho com maquiagem artística,

diz que vários materiais como papel higiênico e unha postiça são utilizados como

matérias primas para criar os efeitos visuais na maquiagem como ferimentos e

deformações.

No caso de Bianca, seu vídeo com maior número de visualizações no canal

Boca Rosa do Youtube até agora é justamente um vídeo em que a jovem ensina

como fazer o efeito de cílios postiços sem curvex, com o auxílio de uma colher e

utilizando um pó facial para engrossar os cílios8. Além disso, como ela precisava

gravar os vídeos para o seu blog mas não tinha muita infraestrutura em casa

algumas improvisações eram feitas. Para melhorar a iluminação dos vídeos, por

exemplo, como Bianca não tinha uma iluminação profissional ela utilizava duas

luminárias que apoiava em algum móvel, além de utilizar a tábua de passar roupa da

sua mãe (com uma toalha em cima) para apoiar as suas maquiagens durante a

gravação dos tutoriais, já que ela não tinha uma penteadeira9. Na seção “sobre mim”

do blog ela inclusive se define como “rainha da gambiarra”.

Além dos novos usos dos produtos e de improvisações técnicas, os

consumidores habilidosos podem ainda improvisar seus próprios produtos para

preencher uma lacuna de mercado, como Daniel, que diz poder utilizar uma mesma

base para pessoas brancas e negras. “... faço misturas, pego um pouco da base

clara, misturo com um pouco de pó compacto mais escuro, com uma base de um

tom abaixo da que é para a sua pele, para eu conseguir ao mesmo tempo te

maquiar e fazer uma marcação.”, conta ele. 8Vídeo Quer cílios gigantes? Vem comigo! do canal Boca Rosa de Bianca Andrade. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=Nccj-qXpAMs>. Acesso em 05 de Janeiro de 2016. 9Vídeo Por trás das câmeras S2 Um dia de gravação comigo! do canal Boca Rosa de Bianca

Andrade. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=BGRUHndkx08>. Acesso em 05 de Janeiro de 2016.

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O consumidor habilidoso pode ainda improvisar mesmo que os produtos

existam no mercado e que seja possível adquiri-los. Nesse sentido, Janaina (27

anos) conta sobre um batom da MAC utilizado pela socialite Kylie Jenner e que ela

decidiu ter mas não queria comprar, e sim fazer a troca através do “back to MAC”,

um programa de trocas onde o consumidor troca seis embalagens vazias de

produtos MAC por um batom ou uma sombra da linha regular. Como esse batom

que ela queria foi lançado na linha especial, Janaina resolveu aguardar a entrada

dele na linha regular e decidiu tentar fazer seu próprio batom em tom semelhante.

“... eu falei "vou dar um jeito", comecei a misturar aqui um batom que eu tinha, que

era um pouco cor de boca, eu achei uma sombra roxa meio acinzentada e falei

"acho que vai dar certo", eu fiz e ficou bem similar.”.

Para fazer o batom, Janaina então utilizou um pote vazio de um creme da

Clinique, pegou um lápis que funcionava como batom e ficou “destruindo” o batom

para depois juntar com uma sombra. Ela conta que sabe da existência de vídeos

que ensinam a fazer batom, mas que ela utilizou a sua própria experiência para

pensar numa forma de fazer.

“Eu tenho por experiência de trabalhar com pintura, você pega o pigmento e coloca lá numa coisa para dissolver ele e transformar e você conseguir passar ele com um pincel. Qualquer tinta que você compra pra pintar na verdade ela é esse pigmento que normalmente é um pó que eles misturam lá com um troço e você consegue pintar, mas alguma vez na vida ele já foi pó. Acho que fiz essa conexão "vai dar o mesmo efeito".” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)

Por conta desse conhecimento, Janaina ainda guarda alguns produtos que

estão esfarelados (como blush e sombra) para que um dia possa recuperá-los ao

assistir tutoriais que ensinam como fazer isso. “Eu quero assistir um negócio

daqueles e fazer. Bota álcool, aperta, parece que o negócio fica de volta como era

antes. Eu fico guardando pra chegar nesse momento que vou ter essa paciência de

fazer isso.” Além disso, ela mostra nos vídeos enviados que guarda alguns potes

vazios para essas “misturinhas” de produtos. O que ela costumava fazer com mais

frequência eram as misturas de corretivos diferentes em busca do tom ideal para a

sua pele, sendo que certa vez a própria vendedora sugeriu um outro produto para

essas “misturas”, o que sugere que esse tipo de comportamento da consumidora

habilidosa não seria um fato isolado.

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“Uma vez eu fui na MAC e quis comprar, só tinha o mais claro, não tinha o mais escuro, a vendedora me recomendou um outro corretivo deles que como era só para fazer a misturinha, era mais barato e eu podia misturar e ele ia ter as mesmas propriedades do outro porque ia misturar com o outro e só ia alterar um pouco a cor dele. Aí ela me recomendou um menorzinho, eu comprei esse e o mais claro eu comprei do tipo que eu já comprava normalmente. Aí eu misturava isso, um corretivo com o outro.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)

É possível ainda a idealização de projetos com base na identificação de

lacunas no mercado, ainda que o processo de DIY descrito por Wolf e McQuitty

(2013) não seja feito por completo pela própria pessoa. Erica, por exemplo, ao

reformar o apartamento e identificar a necessidade de ter uma iluminação adequada

para se maquiar fez um projeto de espelho para a sua bancada. “Pesquisei em

muitos lugares "qual é o espelho ideal para maquiagem", foram vindo várias

imagens, várias coisas, várias informações, fui pegando uma coisa de um e de outro

e fui fazendo. Quando me mudei para cá mandei fazer esse espelhinho.”.

Em linha com o conceito de consumidor artesão trazido por Campbel (2004),

a maquiagem traz na sua própria essência uma correlação ao se tratar de uma

reunião de produtos diferentes que são utilizados pelas pessoas como “atos criativos

de expressão de sua individualidade” (p.46). Os produtos são combinados, utilizados

uns sobre os outros e o resultado é uma miscelânea que é totalmente nova, como

uma tela de pintura que é resultado da combinação de várias tintas diferentes.

Nos casos relatados acima, podemos ver ações de prossumo e DIY que são

feitas em uma escala individual, para o próprio uso do individuo. Além disso, há uma

visão crítica dos produtos existentes no mercado e essas ações muitas vezes são de

reação dos indivíduos a lacunas existentes ou ofertas que não atendem às suas

necessidades específicas. Já no caso das blogueiras, a atuação como

consumidoras-produtoras torna-se um pouco diferente, já que elas produzem

conhecimento que é disseminado nos blogs e ainda podem lançar os seus próprios

produtos no mercado de consumo, como Bianca do blog Boca Rosa (que foi

analisado nesse trabalho) que lançou uma linha de esmaltes em parceria com a

marca Studio 35 (Figura 24). A blogueira definiu a paleta de cores e participou da

definição da estratégia de comunicação da coleção. Esse movimento vem se

tornando comum entre as blogueiras mais famosas, como a coleção de paletas de

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sombras e pincéis da blogueira Camila Coelho em parceria com a Sigma (Figura 25)

e a linha de batons da Pausa para Feminices (da blogueira Bruna Tavares) com a

Tracta. Ou seja, de consumidoras e influenciadoras as blogueiras tornam-se

produtoras não somente de informações mas também de novos produtos em

parcerias com as empresas. Assim, essas blogueiras passam do prossumo

individual para ações de cocriação institucionais, aliadas às grandes empresas de

consumo.

Figura 24 - Linha de esmaltes Boca Rosa da blogueira Bianca Andrade em parceria com a Studio 35

Figura 25 – Coleção Nightlife by Camila Coelho em parceria com a Sigma

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Essa relação das grandes marcas com as blogueiras relaciona-se com o

conceito de Consumer Made de Cova (2008) ao mostrar essa conjuntura

possibilitada pelas evoluções tecnológicas que permitem uma aproximação entre as

empresas e os consumidores, que assumem cada vez mais um papel ativo nas suas

experiências de consumo. A ação das marcas de enviar produtos gratuitamente para

as blogueiras, por exemplo, é uma forma incentivar a divulgação dos mesmos de

forma “descompromissada” diretamente para o público-alvo, o que se relaciona com

a copromoção, um dos territórios possíveis das práticas de cocriação segundo Cova

(2008).

No entanto, o fato dessas empresas estarem procurando blogueiras para

lançar produtos em parceria já demonstra práticas de coinovação onde as blogueiras

atuam como consumidoras criativas, participando dos processos de

desenvolvimento de novos produtos. A blogueira Camila Coelho, por exemplo, conta

que participou de todo o processo criativo da sua linha de maquiagem com a Sigma,

já que participou das escolhas do tom, acabamento (matte, cremoso) e tipo de

produto (em pó, líquido, bastão, etc.). No seu blog, Camila comenta ainda o

lançamento do batom dessa coleção que foi o primeiro batom a ser lançado pela

Sigma10, demonstrando que a empresa aproveitou a parceria com essa blogueira de

sucesso para lançar e divulgar uma nova linha de produtos. É possível perceber,

portanto, que a aproximação das empresas com os consumidores está cada vez

maior, principalmente se considerarmos os consumidores influentes como as

blogueiras. Vale notar, entretanto, que ao invés de buscar o engajamento de vários

consumidores algumas empresas parecem buscar consumidores-chave com grande

conhecimento e alto nível de influência para engajar nessas práticas de cocriação.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nessa seção serão apresentados os principais achados no decorrer dessa

pesquisa, as contribuições que podem ser feitas ao corpo teórico dos estudos de

socialização do consumidor, beleza e aos recentes estudos que analisam os novos

papéis do consumidor (como consumidor-produtor), bem como demais

10

Review: my nightlife collection with Sigma. Blog Camila Coelho. Acesso em 12 de Janeiro de

2016. Disponível em:http://camilacoelho.com/en/2015/09/24/review-minha-colecao-nightlife-com-a-sigma/

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166

contribuições. Em seguida, serão apresentadas as implicações gerenciais desse

estudo para o mercado e as sugestões de pesquisas futuras a partir dos pontos aqui

analisados e discutidos.

5.1 Revendo a trajetória da pesquisa

O principal objetivo da presente foi investigar o papel desempenhado pelos

agentes de socialização na formação do jovem consumidor habilidoso de

maquiagem na atualidade. Buscou-se investigar em que medida cada um dos

agentes apontados por Moschis e Churchill (1978), ou seja, família, pares e meios

de comunicação atuaram no jovem para a transmissão de conhecimentos,

habilidades e atitudes relativos ao desempenho do seu papel enquanto

consumidores (WARD, 1974) no contexto atual, além dos significados associados ao

uso da maquiagem para esses jovens.

Esse trabalho trouxe uma conexão entre duas perspectivas teóricas que

discutem sobre a formação e atuação do consumidor no mercado. Por um lado

temos as teorias de socialização do consumidor (WARD, 1974; MOSCHIS e

CHURCHILL, 1978; MOSCHIS, 1985) onde são discutidas as formas pelas quais os

consumidores adquirem “conhecimentos, habilidades e atitudes relevantes para o

desempenho das suas funções de consumidores no mercado” (WARD, 1974, p.2). A

importância desses estudos está em compreender de que forma o contexto

sociocultural em que as pessoas estão inseridas, bem como suas relações sociais e

familiares são capazes de influenciar a aquisição de competências para o consumo

que podem se perpetuar por toda a vida do indivíduo (EKSTRÖM, 2006).

Por outro lado, temos as perspectivas que investigam o consumidor cada vez

mais ativo e engajado no consumo, com diferentes denominações na literatura como

prossumidor (TOFFLER, 2014; COVA e COVA, 2012), consumidor-produtor (COVA,

2008) ou consumidor artesão (CAMPBELL, 2004). Embora não haja uma definição

única, discute-se um consumidor capaz de realizar não somente atividades passivas

de consumo mas também de engajar-se em práticas de cocriação de produtos e

serviços com as empresas ou para si mesmos por meio de atividades de DIY (faça-

você-mesmo) ou práticas colaborativas através das redes sociais (GRINNEL, 2009).

Assim, através das novas possibilidades de busca e troca de informações

possibilitadas pelas recentes tecnologias e pela web 2.0 (GRINNEL, 2009) o

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consumidor passa a estar cada vez “empoderado” (COVA, DALLI e ZWICK 2011) e

com ferramentas que lhe possibilitam contestar o que lhe é oferecido pelo mercado,

buscando novas opções para o seu próprio consumo ou ainda compartilhando

opiniões e ideias com outros consumidores instantaneamente. Com base ainda no

conceito de consumidor artesão de Campbell (2005), buscou-se nesse trabalho

discutir o consumidor habilidoso, ou seja, aquele que possui habilidades manuais,

técnicas ou informacionais que o diferenciam do consumidor tradicional nas suas

atividades de consumo.

Dessa forma, uma vez que os primeiros estudos de socialização do

consumidor remontam às décadas de 70 e 80, quando Internet não estava presente

de forma massiva, o presente estudo buscou compreender como ocorre o processo

de socialização do jovem consumidor habilidoso de maquiagem na

contemporaneidade. A escolha de analisar a socialização do jovem deve-se a uma

lacuna percebida na literatura de estudos relacionados a esse grupo, já que a maior

parte dos estudos discute a socialização na infância (EKSTRÖM, 2006). Dado que a

socialização é um processo que ocorre durante toda a vida do indivíduo (WARD,

1974), nas diversas fases da vida do indivíduo encontramos agentes que passam a

atuar de forma diferenciada, seja ensinando e influenciando determinados

comportamentos, seja restringindo atitudes a respeito do consumo do indivíduo.

Além disso, os estudos sobre socialização consideram o grupo analisado

(crianças ou adolescentes) de maneira generalista, e não foram encontrados

estudos que correlacionam socialização do consumidor com as novas perspectivas

do prossumidor (TOFFLER, 2014; COVA e COVA, 2002) e principalmente que

estudam possíveis diferenças na trajetória de aprendizados e esferas de influência

do consumidor habilidoso. Esse estudo busca portanto abrir novas possibilidades de

pesquisa ao perceber que os consumidores podem desenvolver habilidades

diferenciadas com base na sua relação com determinados agentes de socialização e

tornarem-se socializadores com grande poder de influência.

Para atingir os objetivos propostos para o presente estudo optou-se por uma

abordagem qualitativa multimétodos, incluindo entrevistas em profundidade com

técnicas de história de vida, método dos itinerários de Desjeux (2000) e técnicas

projetivas, além da análise de um famoso blog de maquiagem inspirando-se no

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método netnográfico (KOZINETS, 1999). Foram também analisados diversos blogs

de moda e maquiagem e conteúdos relacionados ao assunto em diversas redes

sociais (Facebook, Instagram, Youtube) por cerca de um ano e meio. A pesquisa foi

dividida em três etapas, sendo a primeira e a última de entrevistas em profundidade

com uma etapa intermediária de produção de vídeos pelos próprios entrevistados,

denominada de autovideografia (KOZINETS e BELK, 2006) e que forneceu

importantes insumos para a segunda entrevista.

A seleção de entrevistados foi feita de forma conceitual ao perceber-se com a

análise da literatura existente que ao investigar diferentes perfis de consumidores

habilidosos de maquiagem poderiam surgir semelhanças e diferenças capazes de

delinear as diferentes trajetórias de aprendizado de consumo e construção das

esferas de influência que essas pessoas teriam sobre outros consumidores, o que

não seria possível através de uma seleção tradicional com base apenas no critério

sócio-econômico, já que a habilidade superior para a maquiagem precisava ser

claramente reconhecida.

5.2 Contribuições à literatura

Como resultado desse estudo, foi possível perceber uma mudança na esfera

de influência dos tradicionais agentes de socialização em relação aos primeiros

estudos das décadas de 70 e 80. Essa mudança deveu-se principalmente ao

surgimento de novas tecnologias de informação, notadamente da internet e das

redes sociais. Com a web 2.0, as possibilidades de compartilhamento de

informações entre empresas e consumidores e principalmente entre os próprios

consumidores trouxe um “empoderamento” do consumidor, com novas

possibilidades de busca de informações, criação e disseminação de produtos, idéias

e opiniões. Assim, a Internet surge como um agente de socialização e passa a ser a

mais importante fonte de transmissão de conhecimento a respeito de maquiagem,

ainda que as demais fontes ainda desempenhem papéis no aprendizado sobre

consumo.

A família, originalmente apontada na literatura como o principal agente

responsável pela transmissão de conhecimentos e comportamentos de compra

(MOSCHIS, 1985; MOORE, WILKIE e LUTZ, 2002), aparece nesse estudo de forma

mais secundária no que se refere ao aprendizado do consumo de maquiagem. A

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mãe, figura principal nesse contexto, tem o seu papel mais relacionado à

transmissão da importância dos cuidados pessoais e da autoestima e como

fornecedora dos primeiros produtos, seja compartilhando a sua própria maquiagem

ou adquirindo novos produtos para as filhas. No grupo pesquisado, portanto, a mãe

não aparece como um agente que ensina efetivamente o “como se maquiar”, já que

praticamente todas as mães foram descritas pelos entrevistados como mulheres que

sabem pouco sobre produtos e técnicas relacionadas à maquiagem. Com o tempo, a

influência da mãe sobre maquiagem diminui cada vez mais até que, na fase adulta,

geralmente a filha passa a influenciar os hábitos de consumo da mãe, ocorrendo,

portanto, a chamada socialização reversa (WARD, 1974).

Em relação aos pares, na fase da adolescência e passagem para a fase

adulta esse é um agente que passa a ter grande influência sobre o jovem, o que vai

de encontro a outros estudos de socialização (MOSCHIS e CHURCHILL, 1978;

JOHN, 1999; GENTINA e BONSU, 2013; GENTINA, 2014). Na busca por um

pertencimento social, o jovem considera a opinião daqueles que estão próximos e

pode adequar o seu comportamento a uma determinada postura, ainda que diferente

daquela que ele aprendeu e deseja. Ao falarmos de pares, a presente pesquisa

demonstrou que são influenciadores os amigos próximos, os colegas de

escola/faculdade/trabalho e os parceiros amorosos. Nas situações relatadas pelas

entrevistadas, em muitos casos os pares influenciaram tanto para que elas

começassem a se maquiar (para agradar o parceiro ou “arrumar-se melhor” para ir à

faculdade) quanto para que elas deixassem de usar maquiagem em situações onde

as demais pessoas não usam maquiagem (a fim de evitar desconfortos sociais com

amigos e colegas de trabalho). Além disso, amigos próximos também atuam como

“professores”, ensinando sobre técnicas e usos de produtos, e sua opinião é de

grande importância e credibilidade, acima mesmo da Internet e sua grande

quantidade de informações, já que sua visão costuma ser vista como a mais

confiável devido à relação de amizade estabelecida. Assim, a presente pesquisa

contribui para a literatura de socialização ao propor uma definição mais ampla de

pares, que inclui tipos e funções particulares: aqueles que fazem parte do círculo

social próximo do indivíduo por uma escolha pessoal (amigos e parceiros) ou

situacional (como colegas de escola ou de trabalho).

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Por outro lado, as mídias tradicionais (TV, jornal e revista) apresentam uma

influência cada vez menor, uma grande mudança em relação às pesquisas que

apontavam a TV e as propagandas como importantes agentes de socialização e

influenciadores de consumo (MOSCHIS e CHURCHILL, 1978). Os entrevistados na

faixa dos 30 anos apontam que poucas informações sobre maquiagem apareciam

em jornais e revistas e sua pouca influência sobre o aprendizado de maquiagem

acontecia principalmente na época em que ainda não havia internet. Além disso, a

TV fechada começa a aparecer como uma alternativa de conteúdos mais

segmentados, mas seu papel fica mais relacionado a uma influência aspiracional do

que a uma transmissão de conhecimento sobre maquiagem.

A ascensão da Internet muda completamente esse cenário com a grande

quantidade de informações rapidamente disponíveis, o que faz com que esse agente

se torne, portanto, o grande agente socializador do jovem na atualidade. Através das

plataformas colaborativas, redes sociais e blogs, os jovens conseguem acompanhar

vídeos com o passo-a-passo de maquiagens, resenhas sobre produtos e dicas de

moda e beleza em geral com outros consumidores, já que agora todos com acesso

às ferramentas são capazes de produzir seus próprios conteúdos e atuar como

influenciadores de opinião em larga escala (McQUARRIE, MILLER e PHILLIPS,

2013). Assim, vê-se como fundamental que os futuros estudos sobre socialização

passem a considerar o papel da Internet enquanto agente de socialização, uma

inclusão portanto aos agentes tradicionais de socialização.

Outros agentes de socialização como médicos dermatologistas e profissionais

de beleza também foram citados pelos entrevistados como agentes que indicam e

ensinam sobre o uso de novos produtos, o que não aparece em estudos anteriores

sobre socialização. Além disso, de forma geral, foi possível perceber que os agentes

de socialização tiveram níveis de influência diferenciados de acordo com as

diferentes etapas da vida do indivíduo. Enquanto nos primeiros contatos da infância

a família possui um papel importante, a passagem para a adolescência já mostra o

surgimento dos amigos como importantes agentes socializadores, influenciando

hábitos de consumo e de fato ensinando o uso de diferentes produtos. A diferença

em relação à boa parte dos estudos de socialização está no papel da Internet, que

passa a ser a principal fonte onde os jovens buscam informações sobre técnicas,

produtos e tendências. Através da Internet os jovens aprendem o “como fazer” com

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blogs e tutoriais geralmente feitos por outros jovens, pesquisam as opiniões de

outros consumidores e blogueiros sobre produtos novos e já consolidados (já que

esses blogueiros de maquiagem tornam-se referências no assunto) e trocam

informações com amigos através das redes sociais e aplicativos de mensagens

instantâneas.

Uma importante contribuição à literatura advinda desse trabalho refere-se às

trajetórias percorridas pelos jovens no processo de evolução e reconhecimento da

sua habilidade para maquiagem. Embora não tenha sido possível destacar uma

ação ou agente de socialização responsável pelo desenvolvimento da habilidade, foi

possível perceber a satisfação dos entrevistados em terem suas habilidades para

maquiagem reconhecidas pelos outros, desde cedo, quando algumas jovens como

Erica e Fabiana começaram a influenciar as amigas e a serem as “maquiadoras

oficiais da turma” quando ainda eram adolescentes. Esse reconhecimento social da

habilidade passa então a ser um grande catalisador de novos aprendizados sobre o

assunto. A partir das entrevistas, portanto, foi possível construir um esquema de

trajetórias e influências que demonstra os caminhos que podem ser percorridos

pelos jovens. Ao alcançar determinado nível de conhecimento e habilidade para

maquiagem, o jovem muda de papel, passando de socializado a agente de

socialização e começa a influenciar familiares e amigos, sendo inclusive requisitado

para fazer a maquiagem dos outros e para fornecer dicas e produtos. Com essa

evolução, esses jovens deixam inclusive de contratar maquiadores profissionais

mesmo em situações onde esse profissional é geralmente envolvido, como para

casamentos.

O desejo do aumento do reconhecimento social da habilidade e o apoio de

familiares e amigos podem levar o jovem a decidir profissionalizar-se como

maquiador, seja através de cursos profissionalizantes ou do autodidatismo (com o

apoio dos ensinamentos transmitidos pelas redes sociais). Como maquiador, o

jovem ainda aprende com as redes sociais, amigos e outros profissionais com os

quais tem contato, mas passa a influenciar não só os amigos próximos e familiares

mas também conhecidos e pessoas indicadas, que passam a formar uma rede de

clientes através principalmente do boca-a-boca. Trabalhar para melhorar a

autoestima do outro passa então a ser uma grande motivação para o trabalho desse

jovem.

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Uma outra trajetória possível do consumidor habilidoso, decorrente do

trabalho enquanto maquiador profissional ou não é criar um blog sobre maquiagem e

compartilhar dicas e ensinamentos para qualquer pessoa interessada no assunto de

qualquer lugar do mundo, ampliando significativamente as possibilidades de

influência e reconhecimento social. O blogueiro passa a ser muito influenciado por

outros blogueiros do mesmo segmento e ainda por grandes marcas, que passam a

se aproximar para incentivar a divulgação dos seus produtos.

Em relação à literatura de consumidor-produtor, o presente trabalho busca

contribuir em relação à discussão sobre as habilidades que esse “consumidor

artesão” (CAMPBELL, 2004) possui, bem como mostrar as habilidades que são

adquiridas para o melhor desempenho das suas funções para si ou para os outros.

Foi possível perceber então que a maioria dos entrevistados afirma possuir grande

habilidade manual para práticas como pintura e artesanato, o que também pode

ajudar a explicar sua grande habilidade no manuseio de pincéis e combinação de

cores e produtos. Além disso, o consumidor pode ainda aprender e formular técnicas

para desenvolver seus próprios produtos de maquiagem (como batons e bases) e

acessórios relacionados (como o projeto do espelho de maquiagem de Erica). No

caso dos blogueiros, além do desenvolvimento de habilidades mais operacionais

como iluminação, filmagem e edição dos conteúdos, a crescente aproximação com

as marcas facilita práticas de cocriação de novos produtos (COVA, DALLI e ZWICK,

2011; VARGO e LUSH, 2004), sendo cada vez mais comum que blogueiras famosas

lancem os seus produtos e coleções (como batons, sombras e esmaltes) em

parceria com grandes marcas, participando de grande parte das etapas de

desenvolvimento desses produtos.

Em relação à literatura sobre beleza, esse estudo contribui com a literatura

existente ao mostrar que uso da maquiagem está intimamente ligado a uma questão

da autoestima. Enquanto algumas jovens utilizam diariamente a maquiagem para

disfarçar imperfeições percebidas e valorizar traços considerados mais atrativos,

bem como amenizar mudanças no rosto que começam a aparecer com a passagem

do tempo, outras já apresentaram esse comportamento mas hoje não se consideram

mais “escravas da maquiagem” e consideram seu uso como uma questão de

escolha, relacionada principalmente a ocasiões (como sair com os amigos,

namorado/marido, festas, etc.). O uso desenfreado das redes sociais e o

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compartilhamento de fotos e “selfies” traz também uma nova razão para o uso de

maquiagem: estar bem na foto e transmitir uma boa imagem para os outros através

das redes sociais. Apesar dessas diferenças no uso da maquiagem, as

entrevistadas vêem mulheres que nunca usam maquiagem como pessoas com

problemas pessoais e questões de autoestima baixa ou que “ainda não descobriram

o poder transformador da maquiagem”. O “não uso”, portanto, não é visto tanto

como uma escolha pessoal e sim como o resultado de um problema pessoal ou

desconhecimento sobre o assunto.

5.3 Implicações Gerenciais

O presente estudo contribui para o mercado ao demonstrar que hoje a grande

fonte de influência no comportamento e aprendizado do jovem sobre maquiagem é a

Internet, principalmente através das redes sociais. Trata-se um movimento de

horizontalização do aprendizado, entre pares (e não mais entre mãe e filha) e

potencializado pelas redes sociais. O movimento que começa a ocorrer de

aproximação das empresas com os blogueiros é relevante e deve fazer parte das

estratégias de comunicação e marketing das empresas, já que é lá que esse jovem

busca informações sobre os produtos e forma de usá-los. Ao ver determinado

produto utilizado em um vídeo, por exemplo, o jovem já pode encontrar o link e fazer

a aquisição direta do produto. Além disso, estreitar relações com blogueiras de

sucesso também pode ser interessante para ações como o lançamento de coleções

em parceria e para as quais as blogueiras passam a fazer muita propaganda para os

seus seguidores e a utilizar em vários de seus vídeos com milhares e até milhões de

acessos.

Como os jovens assistem cada vez menos TV aberta e lêem cada vez menos

revistas e jornais nas formas tradicionais, tudo indica que o uso dessas mídias para

propaganda de maquiagem faz cada vez menos sentido, e esse estudo aponta que

sites e blogs de moda e maquiagem são os melhores lugares para investimento em

anúncios direcionados ao público jovem. Além disso, esse jovem tem voz ativa e

quer ser ouvido, o que mostra que as empresas precisam abrir novos canais de

comunicação direta com esses consumidores, criar comunidades de marca que

possam engajá-los e ouvir suas opiniões e ideias que podem ser fundamentais para

o lançamento de novos produtos e para sua a própria sobrevivência no mercado, já

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que um cliente com um experiência ruim pode ter um alcance massivo e prejudicar

(às vezes de forma irreversível) a reputação da marca.

Foi possível perceber também uma forte relação feita pelos entrevistados

entre moda e maquiagem, o que demonstra novas possibilidades de parceria entre

marcas de maquiagem e vestuário para divulgação cruzada de seus produtos,

oferecendo soluções completas de “looks” e “makes” para esse público.

5.4 Sugestões de estudos futuros

Com base no estudo realizado, é possível apontar algumas questões que

podem ser aprofundadas em pesquisas futuras no campo do comportamento do

consumidor e que não foram exploradas a fundo nesse trabalho por questões de

escolhas metodológicas e delimitação de pesquisa.

Em primeiro lugar, vale notar que o grupo pesquisado nesse trabalho mora

e/ou trabalha na cidade do Rio de Janeiro. Ainda que o grau de influência dos

agentes de socialização tenha grande relação com as etapas de vida do indivíduo e

as inovações tecnológicas daquele momento, as trajetórias de aprendizado sobre o

consumo, itinerários e significados associados ao uso de maquiagem podem ser

diferentes se considerarmos outros estados brasileiros, que apresentam aspectos

culturais diversos. Duas entrevistadas chegam inclusive a mencionar a relação

diferenciada das mulheres com a maquiagem em diferentes regiões do Brasil.

Enquanto Janaína conta que em Salvador (sua cidade natal) as mulheres não

costumam usar muita maquiagem e que sua mudança para o Rio de Janeiro

modificou sua relação com a maquiagem, Camila comenta que em Teresópolis

(cidade onde mora), o clima é mais ameno e as mulheres costumam usar muita

maquiagem mesmo para situações cotidianas como ir ao mercado, o que seria

diferente dos hábitos das mulheres que moram na cidade do Rio de Janeiro, onde o

calor extremo pode dificultar o uso constante da maquiagem. Isso mostra, portanto,

que uma seleção de entrevistados de outras regiões do país pode trazer diferentes

resultados nessas categorias de pesquisa.

Outra possibilidade de pesquisa futura refere-se ao consumo de produtos de

beleza por homens. Uma vez que há uma tendência de aumento nos cuidados

pessoais por homens e uma oferta cada vez maior de produtos destinados a esse

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público, é interessante pesquisar quais são as diferenças em relação ao processo de

socialização para o consumo e itinerários de compra de cosméticos e outros

produtos de beleza que muitas vezes são somente associados ao público feminino.

Além disso, na presente pesquisa optou-se por entrevistar dois homens, sendo um

deles um jovem consumidor de maquiagem principalmente enquanto forma de

construção de sua personagem drag queen. O consumidor homossexual,

particularmente se considerarmos aqueles que se atuam como drag queens,

costuma ser negligenciado pela literatura de consumo embora sejam grandes

consumidores de maquiagem e produtos de beleza, além de sua forte relação com a

moda. Trata-se, portanto, de outro nicho de pesquisa que pode ser explorado para

além das discussões sobre gênero e sexualidade.

Em relação à literatura sobre socialização, foi possível perceber a diferença

no grau de influência dos agentes de socialização de acordo com a etapa no ciclo de

vida do indivíduo. Ao discutirmos os agentes de socialização na infância,

adolescência e na fase adulta, a etapa da senioridade acaba não aparecendo por

uma questão de delimitação da presente pesquisa. Mais uma vez partindo do

princípio de que a socialização ocorre durante toda a vida do indivíduo (WARD,

1974), algumas questões podem ser levantadas para pesquisas futuras: quais são

os agentes de socialização que mais influenciam o consumo dos idosos? Há

mudanças no comportamento de consumo com a chegada da senioridade? A família

aparece como agente socializador na figura dos filhos através da socialização

reversa (WARD, 1974)? Como os idosos se adaptam aos novos produtos e às

mudanças tecnológicas? Quem ensina e como isso influencia os comportamentos

de consumo desse grupo? Essa discussão sobre a socialização de idosos pode abrir

novas oportunidades de pesquisa no campo.

Finalmente, é possível apontar algumas possibilidades de pesquisas futuras

com base na pesquisa e na literatura de consumidor-produtor. Foi possível perceber,

por exemplo, a diferença nas novas formas de produção realizadas pelos próprios

consumidores seja na concepção ou construção de produtos indisponíveis no

mercado (como o espelho de Erica e o batom no tom desejado de Janaina), na

utilização de produtos de maneiras diferentes das originais para um determinado

resultado e na produção de conhecimento. Cada uma das essas formas de atuação

do consumidor como produtor pode servir como delimitação para um estudo na área.

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Além disso, a percepção do consumidor nesse contexto (ou seja, se ele se vê como

poderoso ou explorado), a visão das empresas desse “empoderamento” e o novo

tipo de relacionamento consumidor-empresa podem ser discutidos mais a fundo em

novas pesquisas.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS - PRIMEIRO DIA DE ENTREVISTA - Bom dia / tarde / noite. Eu sou estudante de mestrado do COPPEAD / UFRJ e estou realizando uma pesquisa sobre consumo de maquiagem. O que vamos fazer é um bate papo informal sobre a sua experiência de consumo com esses produtos. Meu principal interesse aqui é a sua experiência pessoal. Não existem respostas certas nem erradas, o que importa é o que você pensa. Estou visitando várias casas, conhecendo muitas mulheres, e mergulhando em suas vidas. Vamos falar hoje e depois vamos marcar um outro dia. Nos dois encontros falaremos de assuntos diferentes também. O mais importante é você contar o que você sente, lembra, pensa. Não existem respostas certas nem erradas. O que importa é o seu ponto de vista. Gostaria também, quando fosse necessário, fotografar alguns dos produtos que você mencionar. Em nenhum momento você aparecerá nas fotos ou será identificada. São apenas os produtos, ok? Pode ser? A seguir vou ler com você um documento que é um procedimento padrão que realizamos para todas as pesquisas que fazemos no meu núcleo de pesquisa da UFRJ. (Ler a autorização de entrevista e imagem, pegar assinatura e deixar uma cópia com a entrevistada). Normalmente gravamos as entrevistas com esse gravador para facilitar nosso trabalho. Dessa forma, posso me concentrar na nossa conversa, ao invés de ficar tomando notas. Essa gravação será escutada por mim e por pessoas no centro de pesquisa com quem trabalho neste projeto, ok?

ROTEIRO PADRÃO (CONSUMIDORA EXPERT)

Nome: Idade: Ocupação: Bairro de Moradia: Escolaridade:

PERGUNTAS INICIAIS/ QUEBRA-GELO:

● Quem mora aqui? Qual o grau de parentesco, idades e ocupações?

● Você tem irmãos que não moram com você?

● Sobre os seus pais, qual é a ocupação deles? Ambos trabalham? Em quê?

Escolaridade?

● Como é a sua rotina no dia-a-dia?

● O que você faz no seu tempo livre?

● O que geralmente você faz no fim de semana?

● (Se trabalha) Trabalha de segunda a sexta? Viaja muito a trabalho?

● Se não trabalha, ganha mesada? De quem?

Beleza / Maquiagem (perguntas gerais)

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● Que importância a maquiagem tem para você? Por que você gosta de se

maquiar?

● Em que ocasiões você se maquia? Por que (para cada uma delas)?

● (Se a entrevistada se maquia para trabalhar) As outras mulheres no seu

trabalho também estão sempre maquiadas? Por que você acha que isso

acontece?

● Que diferença a maquiagem do dia-a-dia (ou para ir trabalhar) tem para a

maquiagem que você faz para ir a um casamento, por exemplo?

● Quais são os seus produtos favoritos? Quais são as suas marcas de

maquiagem favoritas? Por quê?

● Rotina de maquiagem: Onde você se maquia? Como é a sua rotina de

maquiagem (passo a passo)?

● Como você escolhe a make que você vai fazer para sair? O que você leva em

consideração na escolha dos produtos que você vai usar em cada tipo de

maquiagem (para trabalhar, para sair, em um casamento)?

● Com quanto tempo de antecedência você começa a se maquiar? Alguém

participa/ influencia esse processo?

História de Vida

● Você se lembra dos seus primeiros contatos com maquiagem? Como foi? Em

que época?

● Você lembra da primeira vez em que você se maquiou? Foi para ir aonde?

● Alguém te maquiou? Quem? De quem era a maquiagem? Como foi?

● Desde quando você se maquia?

● Nessa época em que você começou a usar maquiagem, como você se

sentia?

● Você lembra de algum fato marcante dessa época?

● Com quem você aprendeu a se maquiar? Mais alguém? O que essa pessoa

te ensinou? Em que situações? Onde vocês faziam? Com os produtos de

quem?

● Que papel a sua mãe teve nessa fase de começar a se maquiar? Como era a

sua relação com ela?

● As suas amigas se maquiavam também? Vocês trocavam informações?

Como era isso?

● (Se tinha irmãs mais velhas) Sua(s) irmã(s) se maquiava(m)? Como era a sua

relação com ela(s)? Vocês trocavam informações?

● E as outras meninas da escola/curso/faculdade? Tinham meninas que se

maquiavam mais do que você? O que você achava delas?

● Tinham meninas que não se maquiavam nunca? O que você achava delas?

● Você emprestava ou pegava emprestado maquiagem? De quem? Por quê?

● Quem era um exemplo para você?

● Quem era sua professora de maquiagem?

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● Como você aprendeu a se maquiar sozinha? Alguém te ensinou a se

maquiar? Como foi esse processo? Em que fase da sua vida isso começou a

acontecer?

● Onde você procurava informações sobre maquiagem? O que esses lugares

traziam de informação (marcas, passo a passo de maquiagem)? Qual era a

sua fonte favorita de informações?

● Quem você acha que mais te influenciou nesse início (sobre a escolha de

produtos, o processo de se maquiar, etc.). Por quê?

● No início de quem era a maquiagem que você usava? Você comprava,

ganhava, herdava ou pegava emprestado?

● (Se ganhava ou pegava emprestado) De quem? Em que ocasiões?

● (Se comprava) Onde comprava? Quem ia com você? Como você ia?

● Que produtos você usava?

● Em termos de maquiagem, tinha algum produto proibido de usar? Por quem?

● Tinha algum produto que era proibido de pegar emprestado (da mãe ou das

amigas)?

● Onde você guardava maquiagem?

● Você compartilhava a maquiagem com alguém?

● Quando você passou a se maquiar com mais freqüência? Aconteceu alguma

coisa que incentivou isso?

PRÁTICAS ATUAIS DE MAQUIAGEM

● E hoje, onde você busca informações sobre maquiagem (novos produtos,

práticas, etc.)?

● Você acessa blogs de maquiagem? Quais? O que você mais gosta deles? O

que você não gosta? Em que ocasiões do dia você consulta blogs? É

frequente ou é pontual?

● Você acessa algum site especial sobre o assunto? Procura tutoriais no

Youtube? Quais? Segue alguém no facebook ou instagram? Em alguma outra

rede social? Em que ocasiões do dia consulta as mídias sociais? É frequente

ou é pontual?

● Você se inspira em maquiagens de novelas, filmes ou grandes eventos, como

o Oscar? Como você faz quando você gosta de algum make?

● Pensando no blog, no youtube, instagram, e outros que você mencionou até

agora. Qual é a diferença entre eles? Para que serve cada um?

● Pensando em pessoas com quem você troca, aprende, conversa sobre

maquiagem. Quem são as pessoas hoje com quem você interage sobre

maquiagem? O que você aprende ou troca especificamente com cada uma?

● A sua mãe/irmã(s) gosta de se maquiar? Vocês trocam informações sobre

maquiagem? Em que ocasiões vocês trocam sobre maquiagem?

● Você troca informações com as suas amigas sobre maquiagem? Em que

ocasiões vocês trocam sobre maquiagem?

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● Você hoje empresta ou pega emprestado maquiagem? Em que ocasiões?

Com quem? Por quê?

● O que tem que ter na sua bolsinha de maquiagem (em casa)? O que é

obrigatório? O que é não é imprescindível? Que tipo de produto você não

gosta?

● O que tem de maquiagem na sua bolsa? O que é obrigatório? O que é não é

imprescindível?

● O que você leva em termos de maquiagem quando você vai viajar? O que é

obrigatório?

● Com que freqüência você compra maquiagem?

● Como você decide comprar maquiagem? Você busca informações em algum

lugar (sites, revistas) ou com alguém? Quem?

● Onde você geralmente compra maquiagem? Como você vai até lá? Você vai

com alguém?

● Você experimenta antes de comprar? Busca informações com a vendedora?

● O que você leva em consideração para decidir pela compra?

● Você pergunta a opinião de alguém sobre a maquiagem (se ficou boa,

adequada, etc.)? Quem? Por que a opinião dessa pessoa é importante?

● O que você faz se ganha uma maquiagem que você não usa? Ou de uma

marca que você não gosta?

● Você maquia sua mãe/irmã(s) / amigas? Elas te pedem opinião sobre

maquiagem? O que você acha disso?

● Por que você prefere fazer você mesma a sua maquiagem, mesmo em

ocasiões especiais, ao invés de contratar profissionais?

● Tem algum outro comentário que você queira fazer sobre esse assunto que

não tratamos aqui?

PERGUNTAS ESPECÍFICAS PARA BLOGUEIRAS

PRÁTICAS ATUAIS DE MAQUIAGEM

● Você mantém um blog? Há quanto tempo?

● Como você teve a idéia de começar um blog que fala sobre maquiagem?

● Sobre que assuntos você posta? Com que freqüência?

● De onde você tira as idéias para as postagens?

● Como você vê o blog daqui a cinco anos?

● Você acessa outros blogs de maquiagem? Quais? Qual o diferencial que você

vê do seu blog em relação aos outros? O que você mais gosta? O que você

não gosta? Em que ocasiões do dia consulta dos blogs? É frequente ou é

pontual?

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PERGUNTAS ESPECÍFICAS PARA MAQUIADORES

● Como o gosto por maquiagem transformou-se em profissão? Como foi esse

processo? Alguém te influenciou nesse processo? Alguém foi contra?

● Há quanto tempo você trabalha com isso?

● As pessoas próximas e você (mãe/irmãs/amigas) te pedem opinião sobre

maquiagem? O que você acha disso?

● Como você busca informações para manter-se atualizado (a)?

INSTRUÇÃO PARA O DIÁRIO EM VÍDEO

(Agora eu vou deixar com você um roteiro com algumas instruções para a

gravação dos vídeos. A idéia é que você registre a sua preparação em diferentes

situações: quando você estiver saindo para trabalhar, quando estiver se arrumando

para sair ou para ir a uma festa, coisas sim, mostrando a sua escolha de produtos, o

local em que você está se arrumando e o seu processo de maquiagem.)

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APÊNDICE B – INSTRUÇÕES PARA A ETAPA DE PRODUÇÃO DE VÍDEOS E

FOTOS ENTREGUE AOS ENTREVISTADOS

Prezado (a) entrevistado (a), Mais uma vez muito obrigada por sua disponibilidade em participar de nossa pesquisa. Sua entrevista é muito importante para esse projeto da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Já realizamos a primeira etapa das entrevistas. Em breve, teremos nosso segundo encontro. Para isso, gostaria que você preparasse algumas coisas para nossa conversa ser ainda mais rica:

1. Vídeos: Com o auxílio da câmera do celular, filmadora ou webcam (o que

ficar mais confortável para você) gostaria que você gravasse de 3 a 5 vídeos

(de até 5 minutos cada) registrando com essa máquina coisas, momentos ou

espaços que tenham a ver com o momento de consumo de maquiagem para

você. Se possível, mostre o momento em que você se prepara para maquiar,

a escolha os produtos que vai utilizar e o processo de maquiagem.

2. Fotos: Fique à vontade para tirar fotos desses e de outros momentos que

tenham a ver com o seu consumo de maquiagem ou com a importância da

maquiagem na sua vida. Fotos das suas makes ou dos seus looks completos

seriam ótimas contribuições, lembrando que você não será identificada e que

esse material não será divulgado externamente.

Gostaria que você enviasse esse material para o meu whatsapp ou para o e-mail. Não precisa enviar tudo de uma vez, você pode enviar assim que você fizer o registro.

Qualquer dúvida, meu telefone é XXXX-XXXX. Muito obrigada desde já, Atenciosamente, Flávia Fracalanzza - Pesquisadora do COPPEAD / UFRJ

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APÊNDICE C – TÉCNICAS PROJETIVAS UTILIZADAS AO FINAL DA SEGUNDA ENTREVISTA Pesquisadora: Agora eu vou te propor duas situações e gostaria de saber a sua opinião sobre o que essa personagem deveria fazer. Não existe certo ou errado, é a sua opinião sobre o assunto. 1ª Projetiva Situação 1: Julia tem 15 anos e quer começar a usar maquiagem. Quem ela deve procurar para aprender, pegar dicas de produtos e como aplicá-los? Pode escolher mais de um.

Mãe

Irmã mais velha

Colegas de escola

Internet (blogs,tutoriais no Youtube, etc.)

Programas de TV e Revistas de adolescente

Por que você escolheu essa(s) pessoa(s)? O que você acha que cada uma delas vai ensinar? Situação 2: Renata tem 20 anos e começou a trabalhar em uma empresa onde percebe que todas as outras mulheres estão maquiadas. Ela então decide que quer aprender a se maquiar de forma adequada para esse ambiente. Onde ela vai buscar informações sobre produtos e formas de se maquiar? (Por que você escolheu essa(s) pessoa(s)? O que você acha que cada uma delas vai ensinar?)

Mãe

Irmã mais velha

Colegas de trabalho

Amigas (de fora do trabalho)

Internet (blogs,tutoriais no youtube)

Revistas (Marie Claire, Nova, etc.)

Por que você escolheu essa(s) pessoa(s)? O que você acha que cada uma delas vai ensinar? Que diferença você vê entre a situação anterior e essa? 2ª Projetiva Agora falando sobre você, eu queria propor uma brincadeira. Eu queria que você imaginasse que todas as pessoas ou fontes (considerando Internet) que te ensinaram ou influenciaram de alguma maneira são planetas, e eu quisesse saber

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como são esses planetas, que características e que importância eles têm para você. Eles se relacionam? A importância deles foi maior em algum período do que hoje? Existem outras pessoas que você não conhece ou não tem relacionamento e te influenciaram também? (prima, tia, colegas de trabalho, vizinha, personalidades, etc.)