o abc pós-industrial
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44 www.cartacapital.com.br CARTACAPITAL — 3 DE JUlHo DE 2013 45
Economia pág. 48The Economist. os fabricantes mundiais de aviões festejam a retomada das encomendas
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Reinvenção O metalúrgico Hercules Silva esperava o pior, mas a volta à sala de aula o manteve no setor
Alô, alô. Após duas décadas em fábricas, Marta Silva atua em um call center e sente saudades do salário da indústria
O ABC pós-industrial DESENVOLVIMENTO No berço da manufatura nacional, os empregos do setor de serviços já representam mais da metade das vagas por JoSÉ GabriEl NaVarro
Marta dias silva tem 45 anos e em agosto com-pletará uma década de trabalho em um call cen-ter da Atento, em São
Bernardo do Campo, na região metro-politana de São Paulo. A década na “no-va vida” foi acompanhada das saudades dos salários mais generosos e das folgas em fins de semana obtidos antes na in-dústria. Por quase 15 anos, Marta, en-sino médio concluído, bateu ponto em fábricas de Diadema como operária e na vistoria de linhas de montagem. Do call center ela valoriza principalmente a comodidade da jornada de meio período que lhe permite cuidar dos filhos adoles-centes e dos pais idosos.
Hercules Alexandre da Silva, 42 anos, trabalha há 23 na fábrica da Ford, tam-bém em São Bernardo. Ele ingressou na montadora com os estudos incomple-tos e viveu na década de 1990 o temor de ver a região do ABC se tornar “uma nova Detroit”, polo automobilístico dos Estados Unidos que virou cidade fantas-ma por causa da concorrência asiática. Hoje reparador de veículos, foi escolhi-do para capitanear a produção de um no-vo modelo. Concluiu a faculdade de ges-tão da produção industrial em 2008 e es-tuda inglês.
Hercules e Marta, os dois Silva, são as faces do atual mercado de trabalho no ABC paulista, o berço da indústria Fo
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brasileira moderna. Ali o setor de servi-ços, pela primeira vez, passou a responder por mais da metade (51%) dos empregos em 2012 (666 mil vagas em maio, para um total de 1,2 milhão de ocupados), e assim inflou a tese da desindustrialização na região. Pela mesma métrica, a indústria caiu de 28% do emprego, em 2011, para 22%, no fim do ano passado. As vagas na indústria de transformação, por sua vez, recuaram a 298 mil postos em maio pas-sado. Em janeiro de 2012, eram 348 mil.
A tese da desindustrialização, nos moldes do ocorrido em Detroit, pode ser a primeira explicação para um ob-servador apressado. O ABC guarda, po-rém, peculiaridades quando se trata de evolução da sua estrutura econômica, dizem os especialistas.
“O aumento da participação do setor de serviços reflete, em grande medida, a no-va cara da produção industrial local”, diz Thomaz Jensen, economista do Dieese e assessor do Sindicato dos Químicos do ABC. “A indústria é pioneira e nas últimas duas décadas passou por um processo de
mudança muito intenso. Não há saída de grandes empresas, mas uma reestrutura-ção produtiva negociada com os sindica-tos. É um diferencial daqui.”
No Sindicato dos Metalúrgicos da re-gião, o discurso é semelhante. O presiden-te do sindicato, Rafael Marques da Silva Jr., menciona a pesquisa Relação Anual de Informações Sociais (Rais), em que os seg-mentos de transporte, logística, informá-tica, administrativo, de gestão, seguran-ça, limpeza e manutenção empregavam 50 mil em 1995. Em 2011, eram 183 mil. “Metade desses está seguramente na in-dústria, embora não seja mais contabili-zada como parte do setor industrial”, diz Marques. Um dos exemplos é a Ford, on-de trabalha, com 4,2 mil contratados. “Existem ali 7 mil trabalhadores. A di-ferença é composta de gente de serviços exercendo atividades para a indústria.”
Mesmo quem ficou próximo do “chão de fábrica” teve de se adaptar. Hercules, por exemplo, apostou na qualificação de olho nas vagas mais bem remuneradas. Em 1997, terminou o ensino médio, em seguida concluiu a graduação tecnológi-ca. “O curso foi importante porque hoje não há muitos grandes técnicos. Ou vo-cê tem um engenheiro recém-saído da fa-culdade que não conhece o sistema pro-dutivo ou aquele cara que chega sem co-nhecimento específico”, opina.
O uniforme pode continuar pare-cido, mas a situação é outra, dizem os
As peculiaridades da região sugerem ser um exagero falar em desindustrialização. Melhor seria usar o neologismo servindústria s s
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Economia
especialistas. “As exigências mudaram. Mesmo para um cargo básico é preciso ter extrema familiaridade com os siste-mas produtivos. Hoje alguém sem ensino médio não pode nem operar uma máqui-na. Antes era necessário apenas o funda-mental”, completa a headhunter Edileuse Veloso, da consultoria Progresso, de Santo André. Segundo ela, quando a empresa de recrutamento e seleção começou, há 17 anos, atendia apenas o setor industrial. Atualmente, ao menos 10% dos clientes vêm da área de serviços, muitos para tra-balhar em fábricas, como terceirizados.
No mundo dos serviços no ABC, há outra característica curiosa: a experiên-cia na indústria, como a de Marta, é va-lorizada por empresas de serviços, caso da Atento, que chegou a São Bernardo em 1999 e hoje tem 8,5 mil funcioná-rios na região. “Encontramos aqui mão de obra qualificada e infraestrutura adequada”, diz a diretora-executiva de Recursos Humanos da empresa, Majo Martinez Campos. “Segundo pesqui-sas de entidades do setor, a região do Grande ABC (Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul) reúne 8,5% do total de ocupados no segmento no País.”
As novas relações de trabalho resul-tantes do avanço da terceirização inspira-ram o economista Fernando Nogueira da Costa, professor da Unicamp, a criar o ter-mo “servindústria”. O neologismo abran-geria a parcela do setor terciário ligado ao segmento industrial. “Muitos falam de de-sindustrialização como algo ruim, mas ve-jo a tendência como um processo de diver-sificação da economia”, diz Costa.
Em termos gerais, o setor industrial quase não mudou sua participação na ge-ração de riqueza, entre 2000 e 2012, diz o economista, mas a indústria de transfor-mação, responsável por cerca de metade do faturamento setorial no Brasil, enco-lheu a partir de 2004. Nesse nicho estão
as fábricas mais intensivas em tecnologia e com maior capacidade de agregar valor à produção. As mais atingidas, portanto, pela concorrência chinesa e a valorização do real. “A participação da indústria foi puxada pelo ramo extrativista mineral, basicamente petróleo e mineração, ou se-ja, a Petrobras e a Vale.”
Nos corredores do IBGE, no Rio de Janeiro, há quem diga que atualmente 70% da produção paulista se concentra em serviços. Para a pesquisadora Clician do Couto Oliveira, da Coordenação de Serviços e Comércio (Cosec) do instituto de pesquisas, o estado é um caso à parte, que puxa para cima o índice de partici-pação do segmento na economia nacio-nal. “É como na Inglaterra, para onde as empresas migraram para atuar em toda a Europa e, de lá, no mundo. As empresas
de serviços de outros estados vão para São Paulo em busca de atuação no ter-ritório brasileiro.”
Colega de Oliveira, a economista Ana Carla Magni lembra que, em 2010, os ser-viços tinham 27% mais mão de obra do que a indústria, em nível nacional. No Sudeste, o índice equivalente foi de 40% no mesmo ano. A economista acrescen-ta: “Os serviços ajudam a dar dinamismo à economia, inclusive na estagnação. De 2008 para 2009, a receita do setor cres-ceu 6%. De 2009 para 2010, 11%. Mesmo com alguns estados do Nordeste crescen-do mais em serviços, o setor orbita ao re-dor dos indicadores de São Paulo”.
Em sentido oposto, Anselmo dos Santos, diretor-ajunto do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp, enxerga uma perda de dinamismo do setor indus-trial do ABC. E o próprio estado de São Paulo andaria mais vulnerável às dificul-dades enfrentadas pelo País como um to-do. “Hoje temos políticas de redução de juros, valorização do dólar, então há um ambiente para a recuperação da indús-tria de transformação. Se a economia crescer, a perda na indústria de trans-formação do ABC será relativa.” •
Fonte: Fundação Seade
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O perfil emergenteEvolução do emprego, em milhares de vagas
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Muitas prestadoras de serviços migraram de outros estados para o ABC, que detém 8,5% das vagas do setor no País
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