nota 1 (badiou, são paulo) - ceii

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7/23/2019 Nota 1 (Badiou, São Paulo) - CEII http://slidepdf.com/reader/full/nota-1-badiou-sao-paulo-ceii 1/3 Parece-me claro que um bom fio condutor para pensar a interpretação de Paulo dada por Badiou é o entrelaçamento entre as noções de singular, particular e universal. Paulo sairá dessa interpretação como o antifilósofo que produ uma cesura !"istórica#$ baseada nas puras leis do acontecimento, mas não em uma verdade real !p. %&'$. ()ntifilósofo*, na medida em que a filosofia, em seu surgimento enquanto sub+etividade, baseia-se ou em uma !auto$fundação conceitual !no universal, portanto$, ou bem se colocando sob procedimentos de verdade reais !cientficos, amorosos, polticos, artsticos$, dos quais ela, a filosofia, organia (o acol"imento sintético*, (for+ando ou remane+ando* a categoria de erdade. om relação / primeira  parte desta dupla possibilidade da constituição de uma sub+etividade filosófica, fiquei me perguntando se ela pode ser identificada com o for+ar e remane+ar a categoria de erdade, uma ve que a (particularidade da filosofia* não é produir verdades reais, mas organiar as verdades produidas al"ures. 0as a antifilosofia de Paulo não pararia nesse sentido, digamos, (negativo*1 positivamente, ela mostraria ao filósofo que (as condições do universal não podem ser conceituais, nem no que se refere / origem, nem no que se refere ao destino* !p. %&'$. Pergunto-me como é preciso compreender (conceituais* nesse trec"o. 2 mais natural seria compreender como (universais*. 3esse sentido, se o universal tem por condição um acontecimento !como origem, ao menos$, a sua condição é algo de singular, o que me parece e4presso no fato de que (se é certo que toda verdade surge como singular, sua singularidade é imediatamente universaliável* !p. %5$ e no fato de que Paulo refere seu pensamento não a (generalidades conceituais*, mas a um (acontecimento singular* !p. %&'$ 6 essa relação com o acontecimento singular, por sinal, é outra raão positiva pela qual Paulo é antifilósofo e não filósofo. )inda que essa leitura funcione, fica ainda em aberto, me parece, a relação entre os conceitos filosóficos e as verdades universais7universaliadas que ele organia, em particular o que significa (for+ar e remane+ar* a categoria de erdade. 8ambém corrobora com tal interpretação o fato de que, ainda que o filósofo atribua seu pensamento ao universal !p. %&'$, o (fundamento 9ltimo* do pensamento e, assim, da filosofia seria algo não universal, mas singular. : o que me parece se confirmar no seguinte trec"o, se não perdemos de vista que Paulo é o teórico das leis gerais do acontecimento1 ( ;<raça; significa que o pensamento não pode dar e4plicação integral da recolocação brutal, no su+eito, da via da vida, ou se+a, da con+unção reencontrada do pensamento e do faer. 2 pensamento somente pode ser libertado de sua impot=ncia por meio de alguma coisa que e4ceda sua ordem. ;<raça; nomeia o acontecimento como condição do  pensamento ativo.* !p. >>$. ?sso suposto, claro, que a filosofia é pensamento !mas não só ela, +á que a antifilosofia também o é, bem como, suspeito, ci=ncia, amor, poltica e arte$ e mais, ainda1 pensamento ativo. 2u a filosofia é outro modo de pensamento# 0as ac"o que a coisa se complica quando consideramos o outro lado, o destino. 3esse caso, se o conceitual é o universal, o que se mostra como condição dele aqui é o particular, as m9ltiplas sub+etividades identitárias, as comunidades religiosas !o cristão, o muçulmano, o +udeu, etc.$, étnicas !o

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7/23/2019 Nota 1 (Badiou, São Paulo) - CEII

http://slidepdf.com/reader/full/nota-1-badiou-sao-paulo-ceii 1/3

Parece-me claro que um bom fio condutor para pensar a interpretação de Paulo dada por Badiou é o

entrelaçamento entre as noções de singular, particular e universal. Paulo sairá dessa interpretação como

o antifilósofo que produ uma cesura !"istórica#$ baseada nas puras leis do acontecimento, mas não em

uma verdade real !p. %&'$.

()ntifilósofo*, na medida em que a filosofia, em seu surgimento enquanto sub+etividade, baseia-seou em uma !auto$fundação conceitual !no universal, portanto$, ou bem se colocando sob procedimentos

de verdade reais !cientficos, amorosos, polticos, artsticos$, dos quais ela, a filosofia, organia (o

acol"imento sintético*, (for+ando ou remane+ando* a categoria de erdade. om relação / primeira

 parte desta dupla possibilidade da constituição de uma sub+etividade filosófica, fiquei me perguntando

se ela pode ser identificada com o for+ar e remane+ar a categoria de erdade, uma ve que a

(particularidade da filosofia* não é produir verdades reais, mas organiar as verdades produidas

al"ures.

0as a antifilosofia de Paulo não pararia nesse sentido, digamos, (negativo*1 positivamente, ela

mostraria ao filósofo que (as condições do universal não podem ser conceituais, nem no que se refere /

origem, nem no que se refere ao destino* !p. %&'$. Pergunto-me como é preciso compreender 

(conceituais* nesse trec"o. 2 mais natural seria compreender como (universais*. 3esse sentido, se o

universal tem por condição um acontecimento !como origem, ao menos$, a sua condição é algo de

singular, o que me parece e4presso no fato de que (se é certo que toda verdade surge como singular, sua

singularidade é imediatamente universaliável* !p. %5$ e no fato de que Paulo refere seu pensamento

não a (generalidades conceituais*, mas a um (acontecimento singular* !p. %&'$ 6 essa relação com oacontecimento singular, por sinal, é outra raão positiva pela qual Paulo é antifilósofo e não filósofo.

)inda que essa leitura funcione, fica ainda em aberto, me parece, a relação entre os conceitos filosóficos

e as verdades universais7universaliadas que ele organia, em particular o que significa (for+ar e

remane+ar* a categoria de erdade.

8ambém corrobora com tal interpretação o fato de que, ainda que o filósofo atribua seu pensamento

ao universal !p. %&'$, o (fundamento 9ltimo* do pensamento e, assim, da filosofia seria algo não

universal, mas singular. : o que me parece se confirmar no seguinte trec"o, se não perdemos de vista

que Paulo é o teórico das leis gerais do acontecimento1 ( ;<raça; significa que o pensamento não pode

dar e4plicação integral da recolocação brutal, no su+eito, da via da vida, ou se+a, da con+unção

reencontrada do pensamento e do faer. 2 pensamento somente pode ser libertado de sua impot=ncia por 

meio de alguma coisa que e4ceda sua ordem. ;<raça; nomeia o acontecimento como condição do

 pensamento ativo.* !p. >>$. ?sso suposto, claro, que a filosofia é pensamento !mas não só ela, +á que a

antifilosofia também o é, bem como, suspeito, ci=ncia, amor, poltica e arte$ e mais, ainda1 pensamento

ativo. 2u a filosofia é outro modo de pensamento#

0as ac"o que a coisa se complica quando consideramos o outro lado, o destino. 3esse caso, se oconceitual é o universal, o que se mostra como condição dele aqui é o particular, as m9ltiplas

sub+etividades identitárias, as comunidades religiosas !o cristão, o muçulmano, o +udeu, etc.$, étnicas !o

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7/23/2019 Nota 1 (Badiou, São Paulo) - CEII

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árabe, o brasileiro, o franc=s$, de g=nero !"etero, "omo, trans$, etc. ) condição não é, aqui, como no

caso da origem, condição de surgimento, mas condição de e4erccio do universal, o lugar em que ele

 pode se realiar enquanto força 6 o que Badiou c"amará e4plicitamente de (situação* ou (mundo* !p.

%%@$. Aico tentado a ver aqui o entre onde se dá o e4istir ! Dasein$ em eidegger1 o entre

fundamento7origem !o ser, o não ente$ e o mundo7sentido !o todo dos entes como um destino epocal deser no qual o e4istir vive$. 2 fato de que eidegger a certa altura da vida passe a considerar o ser a

 partir de e enquanto acontecimento ! Ereignis$ parece corroborar com isso. Por outro lado, seria preciso

considerar se o e4istir que decide escol"er a si mesmo em seu destino e o militante que se sub+etiva

desde o acontecimento podem ser apro4imados1 parece-me que o instaurar-se de uma ruptura, o pCr as

 particularidades do mundo como o que não propriamente é a vida, entre outras coisas, depõem a favorD a

finitude do Dasein, a crtica e4plcita de Badiou ao ser-para-a-morte !que, de min"a parte, não sei se é lá

muito +usta$ e a infinitude aberta pelo acontecimento parecem depor contra !p. >'$.

) compreensão de que é o mundo !das particularidades$, onde todos estamos, o destino do universal

do acontecimento me parece fornecer a fundamentação da crtica que Badiou fa / presença de

categorias identitárias !do particular, pois$ no processo poltico e a sua afirmação de que aquelas devem

ser ausentadas deste enquanto processo de verdade !p. %>$. 8ais categorias seriam o anverso do

universalismo abstrato do capitalismo !p. %E$ e a apar=ncia de não-equival=ncia daquelas seria

necessária para que o equivaler geral de tudo como unidade de conta próprio a este universalismo se+a

um processo, e não um estado !p. %5$ 6 se entendo bem, como (valores-de-uso* que no fundo contam

apenas como quantidade de valor, e não por suas qualidades especficas, mas que precisam manter essaapar=ncia de qualidades especficas que contam +ustamente para se tornarem diferentes valores-de-troca

que encarnam diferentes valores, e assim manterem vivo o mercado universal e abstrato !/s custas da

morte da singularidade de trabal"adores !que trabal"am mas não veem a si e se realiam no trabal"o,

que aparece assim como al"eio$ e de não-trabal"adores !que não trabal"am e veem a si e se realiam

!alienadamente$ na e4tração do trabal"o al"eio$$.

  Pois bem1 me parece que a posição de Badiou não é e4atamente contra as lutas das minorias, por 

e4., mas pela edificação do 0esmo como um que atravessa todas as identidades e se dirige a cada

singularidade enquanto tal e, assim, a todos. Fsse atravessamento seria a verdade daquelas lutas, na

medida em que estas procuram +ustamente, no fundo, que essa diferença, politicamente, não conte, isto

é, que "a+a um real igualdade entre todos os singulares. om isso, essas diferenças não desaparecem do

mundo, mas se tornam !para o pensamento$, na verdade, indiferentes –   e, cabe frisar, sem ser 

dialeticamente (suprassumidos* no universal.  2 argumento de que o naismo e seus resultados são

ancorados em uma afirmação de uma particularidade identitária e não de um 0esmo me parecem

 perfeitamente coerentes nesse sentido.

2 que me parece estran"o em tudo isso é Badiou considerar que (a abstração monetária capitalista écertamente uma singularidade* !p. %5$. Fu tenderia a dier que a perversidade do capitalismo é

 precisamente que a singularidade não conta para nada1 pois a multiplicidade infinita, ilegal, incalculável

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e imprevisvel que é a vida "umana singular não pode ser reduida a nen"uma conta e, +usto por isso, é

 posta fora, esmagada, destruda ou cooptada onde quer que apareça 6 e quando cooptada, também dei4a

de ser o que é, na medida em que passa a ser contável. 3ão entendo muito o que seria uma singularidade

que não se relaciona com outras singularidades, o que seria, para Badiou, a especificidade dessa

singularidade capitalista !p. %5$. ?sso é o que poderamos, talve, c"amar de indivduo !no sentidomoderno de isolamento prévio, (atCmico*, que está na base da fundação da sociedade civil para os

contratualistas$, mas não de singularidade. : a conting=ncia do acontecimento-capitalismo que o fa ser 

singular# Fle não seria um universal abstrato !p. &G$ +usto por recalcar o singular, talve aquele mesmo

a que deva sua origem# ) busca de uma singularidade universal não iria +ustamente contra esse

universal abstrato#

HHH

omo dito mais acima, Paulo não é filósofo !nem, nesse caso, artista, cientista, poltico$ também

 porque o acontecimento singular em que se baseia é uma fábula !a ressurreição$ e não uma verdade real

!p. %&'$. Badiou pretende separar a cone4ão singular formal !entre su+eito e lei$ do conte9do fabular do

 pensamento de Paulo. 2ra, não parece um procedimento análogo ao pretendido por 0ar4 com relação

ao egel 6 e4trair o n9cleo racional da dialética do invólucro mstico que l"e deu egel# ) despeito do

fato de que Badiou compreende Paulo como um pensamento antidialético e de que num caso trata-se de

livrar-se do conte9do !a ressurreição$ pela forma !uma lei geral do acontecimento$ e no outro,

inversamente, trata-se de livrar-se de uma forma !mstica$ em nome de conte9do !racional$, não se

 poderia dar um passo a frente e pensar esse procedimentos como "omólogos# 2 fato de que nos doiscasos estão em relação o mtico-fabular !a ficção#$ e o racional-formal !a verdade#$ não apontam nessa

direção# )final, esses procedimentos são relacionáveis# Ie sim ou se não, em que sentido#

HHH

Ie alguém tem o original franc=s, poderia conferir se "á erro de tradução nos te4tos que seguem, por 

favor# Posso não ter entendido direito, mas me parecem contradições meio crassas para serem do

 próprio Badiou. Pus em itálico o que me parece ser o problema.

(: conveniente denominar “salvação” !Paulo di1 vida +ustificada ou +ustificação$ o seguinte1 que o

 pensamento possa ser separado do fazer e da potência. Flá salvação quando a figura dividida do su+eito

sustenta o pensamento na pot=ncia do faer. : o que, da min"a parte, c"amo um procedimento de

verdade.* !p. >E$ 3ão seria +ustamente o contrário !não-separação$#

(Jier (o risto ressuscitou* é como subtrair da oposição do universal e do particular , pois é um

enunciado narrativo sobre o qual só podemos admitir que se+a "istórico.* !p. %&@$ Iubtrair o qu=# 2u

seria (subtrair o universal de um particular* !e não de um !acontecimento$ singular, como parece ser ocaso para Badiou$#

!<ermano 3ogueira Prado$