normas e leis
DESCRIPTION
Normas e leisTRANSCRIPT
-
NORMA NO LEI, MAS POR FORA DE LEI OBRIGATRIA
1. Introduo
Com frequncia sou consultada a respeito do carter legal das Normas
Tcnicas Brasileiras e tenho percebido que esse tema recorrente em eventos
da Construo Civil.
O assunto amplo e controverso e tem, de forma crescente, chamado tambm
a ateno de profissionais do Direito, valendo ser explorado, para melhor
entendimento.
Para embasar a discusso do tema, alguns conceitos devem ser explicitados e
inicio transcrevendo algumas definies extradas do ABNT ISO/IEC Guia 21:
Norma Tcnica: documento, estabelecido por consenso e aprovado por um
organismo reconhecido, que fornece, para um uso comum e repetitivo, regras,
diretrizes ou caractersticas para atividades ou seus resultados, visando
obteno de um grau timo de ordenao em um dado contexto.
Nota: Convm que as normas sejam baseadas em resultados
consolidados pela cincia, pela tecnologia e pela experincia
acumulada, visando obteno de benefcios para a comunidade.
Regulamento: documento que contm regras de carter obrigatrio e que
adotado por uma autoridade.
Regulamento Tcnico: Regulamento que estabelece requisitos tcnicos, seja
diretamente, seja pela referncia ou incorporao do contedo de uma norma,
de uma especificao tcnica ou de um cdigo de prtica.
Normalizao: atividade que estabelece, em relao a problemas existentes
ou potenciais, prescries destinadas utilizao comum e repetitiva com
vistas obteno do grau timo de ordem, em um dado contexto.
A anlise dessas definies deve ser feita sob a tica de entendimentos
internacionais, que embasam processos comuns aos diversos pases
envolvidos, e dela podemos depreender:
os principais objetivos que se pretende atingir a partir das Normas
Tcnicas;
diferenas (e semelhanas) entre as Normas e os Regulamentos de
atendimento compulsrio;
1 ABNT ISO/IEC Guia 2:2006 Normalizao e atividades relacionadas - Vocabulrio geral, que
consiste na verso brasileira, adotada pela ABNT, do ISO/IEC Guide 2:2004 Standardization and related activities - General vocabulary.
-
o conceito, internacionalmente aceito, quanto homologao das
Normas por um organismo reconhecido.
2. A ABNT e seu papel na Normalizao Brasileira
A partir das consideraes anteriores e para contextualizar o caso brasileiro,
vale conhecer um pouco da estrutura, da histria2 e do trabalho da ABNT, que
podem ser consultados no site da entidade. Por ora, cumpre salientar que a
ABNT:
uma entidade privada, sem fins lucrativos, fundada em 1940;
foi reconhecida como de utilidade pblica pelo governo brasileiro em
1962;
o foro nacional nico de normalizao, tendo sido reconhecida pelo
CONMETRO em 1992 pela Resoluo de no.7;
representa o Brasil nos foros regionais e internacionais de
normalizao;
responde pela gesto do processo de elaborao das normas
brasileiras.
Algumas dvidas frequentes so aqui esclarecidas, como, por exemplo, o fato
de a ABNT no ser um rgo do governo, mas uma associao privada,
reconhecida pelo governo brasileiro.
Assim como seus congneres, a ABNT no elabora Normas Tcnicas, mas
estabelece as diretrizes, reconhecidas nacional e internacionalmente para seu
desenvolvimento e aprovao, gerencia esse processo e homologa os
documentos normativos.
3. A essncia e o contedo das Normas Tcnicas
As Normas Tcnicas so elaboradas pela sociedade, para essa mesma
sociedade!
Essa mxima nos remete a diversas reflexes, pois:
as boas prticas (fruto de pesquisas, desenvolvimento tecnolgico,
experimentao tcnica etc) so a essncia da normalizao tcnica,
que serve ao seu registro, reconhecimento e popularizao;
o consenso social, estabelecido no processo de normalizao, fortalece
a aplicao dos conceitos e promove o crescimento (tcnico, social,
econmico etc);
a sociedade (e no um colegiado previamente escolhido)
voluntariamente participa, debate e aprova o que deseja ter como base
tcnica, dentro de suas reais possibilidades.
2 A Histria da ABNT em detalhes pode ser conhecida no site www.abnt.org.br.
-
Pelo exposto, costumo afirmar que as Normas Tcnicas refletem o consenso
tcnico de um Pas (ou regio), sobre um determinado tema, em um dado
momento da histria.
As Normas so evolutivas e o gatilho de uma reviso (ou de um novo trabalho)
deve ser a necessidade da prpria sociedade. A Figura 1 mostra o fluxograma
de desenvolvimento das Normas Brasileiras, ilustrando essa condio.
Figura 1 Processo de elaborao das Normas Brasileiras
Tudo isso pode parecer utpico num primeiro momento, mas muito se tem
avanado nessas bases; tanto que as naes desenvolvidas tm na
normalizao tcnica uma legtima aliada no combate ao uso indiscriminado de
produtos perigosos, s prticas comerciais abusivas e busca pela
sustentabilidade, entre outros importantes objetivos.
O Estatuto da ABNT prev que as Normas Tcnicas Brasileiras sejam
desenvolvidas de forma descentralizada no mbito dos Comits Brasileiros,
dos Organismos de Normalizao Setorial e das Comisses de Estudo
Especiais, alm de estabelecer a participao de todos os setores da
sociedade nas Comisses de Estudo (pois estas so as verdadeiras clulas de
construo das Normas Tcnicas).
O processo de normalizao brasileiro dos mais democrticos do mundo e
visa possibilitar que a sociedade participe em dois momentos:
durante o trabalho das Comisses de Estudo;
na Consulta Nacional, pelo site da ABNT.
Esse pano de fundo, explicitando como ocorre e em que se baseia a
Normalizao Tcnica (em especial a Brasileira) possibilita inferir que as
Normas Tcnicas so voluntrias em sua essncia.
-
4. Do reconhecimento certificao e ao cumprimento obrigatrio
crescente a busca por processos de certificao que possibilitem comprovar
que produtos e servios seguem rigorosamente as Normas Tcnicas.
Alm de uma garantia para o consumidor, os processos de certificao tm
servido como instrumento de marketing e acabam gerando o que se
convencionou denominar de crculo virtuoso.
O intercmbio de produtos e a contratao de servios ficam facilitados e essa
melhoria nas relaes de consumo, incluindo importaes, serve de base
elaborao de Regulamentos Tcnicos e seus respectivos processos de
fiscalizao.
importante lembrar que a partir do Cdigo de Defesa do Consumidor (Lei
8078, de 11.09.1990, Regulamentada pelo Decreto 861, de 09.07.1993), as
relaes de consumo tornaram-se mais claras, apesar de complexas, e
passou-se a falar de responsabilidade compartilhada, termo que imputa
responsabilidades, independentemente de culpa, a todos que de alguma forma
fazem parte de um determinado sistema (ver Art.12 do CDC).
Por exemplo, se um produto (nacional ou importado) trouxer dano de alguma
espcie ao comprador, de acordo com o Cdigo de Defesa do Consumidor
respondem solidariamente pelo dano causado todos os envolvidos (produtor,
importador, vendedor, instalador e outros, se houver).
5. Ser ou no ser: eis a questo
Ainda sobre o Cdigo de Defesa do Consumidor, bastante conhecida a
Seo IV, que trata das Prticas Abusivas, e seu Artigo 39, que no inciso VIII
estabelece:
vedado ao fornecedor de produtos e servios colocar, no mercado de
consumo, qualquer produto ou servio em desacordo com as normas
expedidas pelos rgos oficiais competentes ou, se normas especficas
no existirem, pela Associao Brasileira de Normas Tcnicas ABNT,
ou outra Entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia,
Normalizao e Qualidade Industrial CONMETRO.
Ora, se no h Regulamentao Tcnica especfica sobre um produto ou
servio e se a ABNT a nica entidade reconhecida pelo CONMETRO, as
Normas ABNT passam a ser a referncia para a qualidade destes itens,
quando comercializados no Pas.
-
No entanto, note-se que a citao genrica a toda e qualquer Norma ABNT,
assim como tambm se verifica na Lei 8.666, das Licitaes Pblicas3, que traz
o seguinte texto:
O conjunto dos elementos necessrios e suficientes execuo
completa da obra deve estar de acordo com as normas pertinentes da
Associao Brasileira de Normas Tcnicas ABNT.
Diferem, portanto, essas formas de citao, daquela verificada na Resoluo
n157 CONATRAN, onde no Artigo 6 tem-se o seguinte:
Os extintores de incndio devero ser fabricados em conformidade
NBR 10.721 da Associao Brasileira de Normas Tcnicas ABNT.
Ou o que consta da Instruo Tcnica de no. 8 do Corpo de Bombeiros do
Estado de So Paulo (item 2.1, de sua aplicao), em atendimento Lei n
684, de 30.09.1975, Regulamentada pelo Decreto 47.076, de 31.08.2001:
Adota-se a NBR 14432:2000 Exigncia de resistncia ao fogo de
elementos de construo de edificaes - Procedimento, com as
incluses e adequaes de exigncias constantes nesta instruo.
Ou ainda o que se verifica com relao s questes de acessibilidade, que so
estabelecidas em Leis Federais, que referenciam de forma geral as Normas
ABNT, mas so complementadas por Leis Estaduais e Municipais, muitas das
quais referenciam de forma especfica a ABNT NBR 9050.
Embora no resolva o impasse, bom saber que no cenrio internacional
ocorre tambm essa interface, entre documentos que em sua essncia so
voluntrios e dispositivos legais obrigatrios.
O entendimento internacional, transmitido pelo Secretrio Geral da ISO em sua
visita ao Brasil em maio/2011, a seguir transcrito, com comentrios de minha
interpretao entre parntesis:
Quando o contedo de uma Norma Tcnica transcrito em uma Lei,
ento essa Norma (especificamente essa) passa a ter carter legal.
Quando uma ou mais normas so citadas em uma Lei (como ocorre nos
casos das Leis 8078 e 8666, por exemplo), a Norma no considerada
lei, mas apenas um instrumento utilizado pelo poder pblico como uma
prtica adequada, que deve ser seguida na ausncia de outra
comprovadamente melhor ou igual.
6. Concluses
3 Seo II, Artigo 6, Inciso X, da Lei 8.666, de 21.06.1993, Regulamentada pelo Decreto 3.931, de
19.09.2001.
-
Como se depreende do exposto, nos dias atuais h um limite tnue no campo
da Normalizao Tcnica entre o que se considera de atendimento obrigatrio
e o que pode ser tido como uma simples recomendao.
Essa difcil separao tende a ser mais complexa com a crescente referncia
s Normas ABNT pelos diversos dispositivos legais, especialmente em funo
de processos de acreditao e certificao que embasam os Programas
Governamentais (diversos na construo civil, como os previstos pelo
Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat e respectivos
Programas Setoriais da Qualidade).
A preocupao passa a residir na necessidade de maior ateno ao contedo
das Normas Tcnicas e sua frequente atualizao.
Nos ltimos anos, a ABNT lanou um difcil desafio a seus Comits Tcnicos,
impondo metas ousadas para a atualizao das Normas sob sua
responsabilidade.
Muitos documentos foram considerados obsoletos, sendo cancelados, e outros
sofreram processos de reviso. O desenvolvimento de novos textos foi
prejudicado no perodo, mas o objetivo principal est preste a ser atingido.
Hoje, a ABNT tem mais de 80% de seu acervo (cerca de 8 000 Normas
Tcnicas) com menos de cinco anos de idade (levando em conta as
confirmaes de Normas consideradas atualizadas).
No entanto, estamos muito aqum do que seria desejvel para um Pas que
est entre as dez maiores economias do mundo, considerando que a ISO4 tem
um acervo de mais de 18.000 documentos e alguns pases da Europa j
superam o total de 28.000 normas em seu acervo.
Enga. Ins Laranjeira da Silva Battagin
Superintendente do ABNT/CB-18
Membro dos Conselhos Tcnico
e Deliberativo da ABNT
Diretora Tcnica do IBRACON
4 ISO International Organization for Standardization, entidade internacional de normalizao, que
rene mais de 200 pases, que respondem por cerca de 97% da economia e da populao mundiais.