noção jurídica de família

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NOÇÃO JURÍDICA DE FAMÍLIA 1. Noção jurídica de Família A família em sentido jurídico, é constituída pelas pessoas que ligadas pelo casamento, pelo parentesco, pela afinidade e pela ad 1576º CC). A família é uma comunidade particularmente propícia à realizaç de certas pessoas (os cônjuges, os parentes, os afins…), entidade diferente destes e muito menos superior ou soberana. 2. As relações Familiares A relação matrimonial A relação matrimonial é a que se estabelece entre os cônjuges é consequência do casamento. O art. 1577º CC define casamento como um contrato entre duas p de sexo diferente que pretendem constituir família. União de facto A união de facto não é casamento; mas assume algumas das suas características. É uma relação entre um homem e uma mulher. De outro modo, não pretender ser semelhante ao casamento e obter algum do estatuto d É necessário que seja uma relação prolongada e estável. E que comunhão de vida traduzida, ao menos, por uma coabitação notória. Como elementos subjectivos, a vontade dos concubinos. No senti enquanto o casamento assenta numa vontade inicial, num contrato, o concubinato só existe enquanto se mantiver o consenso dos concubi A união de facto não é, em Direito português, relação regulada de modo semelhante ao casamento, embora produza alguns e de Direito. Nem é considerada um outro vínculo jurídico familiar. Produz, contudo, alguns efeitos jurídicos. Assim, os arts. 953 limitam as liberalidades entre os concubinos; o art. 1871º/1-c, e presunção de paternidade em relação ao concubino; o art. 2020º co qualquer dos concubinos, por morte do outro, um direito a aliment herança do falecido. Por aplicação analógica do art. 1691º-b, a d por um dos concubinos para fazer face aos encargos do c responsabiliza o outro; tanto nas relações internas como nas rela terceiros, por não ser exigível a estes o conhecimento d casamento por detrás da sua aparência. Entre o casamento e a união de facto há extremas marcadas que que se fale de analogia jurídica. Enquanto o casamento é determinante, por si mesmo, de efeitos jurídicos que se impõe, ao união de facto é um estado, cujo conteúdo e duração está dependen vontade dos concubinos – de cada um deles. Os únicos efeitos jurídicos a retirar da união de facto serão colaboração económica entre os concubinos e a protecção dos filho dessa união, imputando-os a ambos os concubinos. Ou seja: retirar efeitos jurídicos “naturais”, dessa relação “natural”. 3. Parentesco.

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NOO JURDICA DE FAMLIA 1. Noo jurdica de Famlia A famlia em sentido jurdico, constituda pelas pessoas que se encontram ligadas pelo casamento, pelo parentesco, pela afinidade e pela adopo (art. 1576 CC). A famlia uma comunidade particularmente propcia realizao pessoal de certas pessoas (os cnjuges, os parentes, os afins), mas no uma entidade diferente destes e muito menos superior ou soberana. 2. As relaes Familiares A relao matrimonial A relao matrimonial a que se estabelece entre os cnjuges consequncia do casamento. O art. 1577 CC define casamento como um contrato entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir famlia. Unio de facto A unio de facto no casamento; mas assume algumas das suas caractersticas. uma relao entre um homem e uma mulher. De outro modo, no pode pretender ser semelhante ao casamento e obter algum do estatuto deste. necessrio que seja uma relao prolongada e estvel. E que haja uma comunho de vida traduzida, ao menos, por uma coabitao notria. Como elementos subjectivos, a vontade dos concubinos. No sentido de que, enquanto o casamento assenta numa vontade inicial, num contrato, o concubinato s existe enquanto se mantiver o consenso dos concubinos. A unio de facto no , em Direito portugus, relao familiar. No regulada de modo semelhante ao casamento, embora produza alguns efeitos de Direito. Nem considerada um outro vnculo jurdico familiar. Produz, contudo, alguns efeitos jurdicos. Assim, os arts. 953 e 2196 CC limitam as liberalidades entre os concubinos; o art. 1871/1-c, estabelece uma presuno de paternidade em relao ao concubino; o art. 2020 concede a qualquer dos concubinos, por morte do outro, um direito a alimentos sobre a herana do falecido. Por aplicao analgica do art. 1691-b, a dvida contrada por um dos concubinos para fazer face aos encargos do casal, tambm responsabiliza o outro; tanto nas relaes internas como nas relaes com terceiros, por no ser exigvel a estes o conhecimento da inexistncia de casamento por detrs da sua aparncia. Entre o casamento e a unio de facto h extremas marcadas que impedem que se fale de analogia jurdica. Enquanto o casamento um contrato, determinante, por si mesmo, de efeitos jurdicos que se impe, aos cnjuges; a unio de facto um estado, cujo contedo e durao est dependente da vontade dos concubinos de cada um deles. Os nicos efeitos jurdicos a retirar da unio de facto sero a tutela da colaborao econmica entre os concubinos e a proteco dos filhos nascidos dessa unio, imputando-os a ambos os concubinos. Ou seja: retirar-se-o os efeitos jurdicos naturais, dessa relao natural. 3. Parentesco.

O parentesco uma relao de sangue: so parentes as pessoas que descendem umas das outras (parentesco em linha recta ou directa), ou descendem de progenitor comum (parentesco em linha transversal ou colateral). A linha recta de parentesco pode ser ascendente (de filhos para pais, por exemplo) ou descendente (de filhos para netos, por exemplo); tanto a linha recta como a transversal podem ser materna ou paterna. Neste mbito, h que distinguir tambm os irmos germanos (parentes nas linhas paterna e materna), dos consanguneos (parentes s na linha recta) e dos uterinos (parentes s na linha materna). O clculo dos graus de parentesco feito nos termos do art. 1581 CC: a linha recta, h tantos graus quantas as pessoas que formam a linha de parentesco, excludo o progenitor; na linha colateral, os graus contam-se do mesmo modo, ascendendo por um dos ramos e descendendo por outro, sem contar o progenitor comum. Os efeitos do parentesco produzem-se, em qualquer grau, em linha recta, embora quase no ultrapassem o sexto grau na colateral (art. 1582 CC). A afinidade o vnculo que liga um dos cnjuges aos parentes (que no aos afins) do outro cnjuge (art. 1584 CC). A fonte da afinidade , assim, o casamento. No cessando, porm, com a dissoluo deste (art. 1585 CC). A afinidade conta-se em por linhas e graus, em termos idnticos aos do parentesco. Os efeitos da afinidade no passam, normalmente, na linha colateral, do segundo grau. Assim, no havendo direitos sucessrios entre os afins, a obrigao de alimentos est limitada, em certos termos, ao padrasto ou madrasta (art. 2009/1-f). Por fora dos arts. 1981/1 e 1952/1, a obrigao de exercer a tutela ou fazer parte do conselho de famlia pode recair sobre os afins. A afinidade em linha recta impedimento dirimente celebrao do casamento (art. 1602-c CC), etc. 4. A adopo A adopo (art. 1586 CC) o vnculo que, semelhana da filiao natural mas independentemente dos laos de sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas. A adopo um vnculo de parentesco legal, moldado nos termos jurdicos da filiao natural, embora com esta no se possa confundir, nem haja qualquer fico legal a faz-lo. So admitidas duas modalidades de adopo: a plena e a restrita (art. 1977/1 CC). A adopo restrita pode converter-se, a todo o tempo e a requerimento do adoptante, em adopo plena, mediante a verificao de um certo nmero de condies (n. 2). A adopo plena, tal como a restrita, constitui-se mediante sentena judicial (art. 1973/1 CC). Para que a adopo seja decretada, necessrio preencherem-se os requisitos do art. 1974 CC: apresentar reais vantagens para o adoptando; fundar-se em motivos legtimos; no envolver sacrifcio injusto para os outros filhos do adoptante; e ser razovel supor que entre o adoptante e o adoptando se estabelea um vnculo semelhante ao da filiao; e o adoptando ter estado ao cuidado do adoptante durante prazo suficiente para se poder avaliar da convenincia da constituio do vnculo. A adopo plena pode ser feita por duas pessoas casadas h mais de quatro anos e no separadas judicialmente de pessoas e bens ou de facto, se

ambas tiverem mais de 25 anos; tambm pode adoptar, a ttulo singular, plenamente quem tiver mais de 30 anos ou, se o adoptando for filho do cnjuge do adoptante, mais de 25. S pode adoptar plenamente quem no tive mais de 50 anos data em que o menor lhe tiver sido confiado, salvo se adoptando for filho do cnjuge do adoptante (art. 1979 CC). A capacidade do adoptante, para alm das regras indicadas, est submetidas aos princpios gerais do Cdigo Civil (art. 295 CC). Podem ser adoptados plenamente os menores filhos do cnjuge do adoptante e aqueles que tenham sido confiados, judicial ou administrativamente, ao adoptante. O adoptado deve ter menos de 15 anos de idade data da petio judicial de adopo; poder, no entanto, ser adoptado quem, a essa data, tenha menos de 18 anos e no se encontre emancipado, quando, desde idade no superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles ou quando for filho do cnjuge do adoptante (art. 1980 CC). Embora se constitua por sentena judicial, a adopo pressupe o consentimento do adoptando de mais de 14 anos, do cnjuge do adoptante no separado judicialmente de pessoas e bens, dos pais do adoptando, ainda que menores e mesmo que no exeram o poder paternal, desde que no tenha havido confiana judicial (art. 1981/1 CC). Existem algumas derrogaes a esta norma contidas no art. 1981/2 a 4 CC. Nos termos do art. 1986/1, pela adopo plena o adoptado adquire a situao de filho do adoptante e integra-se com os seus descendentes na famlia deste, extinguindo-se as relaes familiares entre o adoptado e os seus descendentes e colaterais naturais. A adopo plena irrevogvel, mesmo por acordo entre o adoptante e o adoptado (art. 1989 CC), embora a sentena que tenha decretado a aco possa ser revista nas hipteses previstas no art. 1990/1 CC. adopo restrita, prevista nos arts. 1992 e segs. CC, so aplicadas, em princpio, as normas constantes dos artigos que regulam a adopo plena. H contudo, algumas alteraes. Uma delas a de que qualquer pessoa pode adoptar restritamente, desde que tenha mais de 25 anos e no mais de 50 anos. A outra a de que a adopo restrita tem efeitos limitados, descritos na lei: o adoptado restritamente no adquire a situao de filho do adoptante, nem se integra com os seus descendentes na famlia deste. Mantm, em relao sua famlia natural, todos os direitos e deveres (art. 1994 CC). No perde os seus apelidos de origem, como no caso da adopo plena. Pode ser estabelecida a filiao natural do adoptado, embora estes efeitos no prejudiquem os efeitos da adopo (art. 2001 CC). H aqui, pois, uma ligao do adoptado, no s sua famlia de origem, como tambm sua nova famlia adoptiva. Quanto aos efeitos sucessrios da adopo restrita (art. 1999 CC), o adoptado no herdeiro legitimrio do adoptante, nem este daquele. Mas o adoptado , por direito de representao, os seus descendentes so chamados sucesso, como herdeiros legtimos do adoptante, na falta de cnjuge, descendentes ou ascendentes. O adoptante chamado sucesso como herdeiro legtimo do adoptado ou seus descendentes, ascendentes, irmos e sobrinhos do falecido.

O poder paternal em relao a adoptado passa para o adoptante (art. 1997 CC), embora haja aqui algumas alteraes quanto ao exerccio normal do poder paternal. O vnculo de adopo restrita gera um impedimento matrimonial (art. 1604e, 1607 CC), embora seja simplesmente impediente e dispensvel (art. 1609/1-c CC). O DIREITO DA FAMLIA E DAS SUCESSES 5. O Direito da Famlia e as suas divises. O Direito no civil da famlia O Direito da Famlia compreende duas divises fundamentais: o Direito matrimonial, referente ao casamento como acto (como contrato) e como estado, compreendendo as relaes pessoais e patrimoniais dos cnjuges; e o Direito da filiao. Tambm este incluindo uma face patrimonial e outra pessoal. Alm do Direito Civil da famlia, existe tambm um Direito no civil da famlia; o Direito constitucional, o Direito financeiro, o Direito tributrio, o Direito da segurana social, etc., contm normas, em quantidade crescente, que se referem famlia. A importncia do Direito no civil da famlia crescente, tendo vindo a acentuar-se muito nos ltimos anos. Este crescimento deriva da transferncia mais acentuada nos ltimos decnios, de numerosas funes da famlia para a sociedade e para o Estado. O Direito das Sucesses, regula o fenmeno sucessrio, um processo mais ou menos longo integrado por um conjunto de actos, atravs do qual os bens so transferidos do anterior titular para os seus sucessores. A FAMLIA E O CASAMENTO COMO INSTITUIES DE INTERESSE PBLICO: O DIREITO PBLICO DA FAMLIA 6. A famlia e a ordem A famlia considerada no tempo organiza um circuito de transmisso dos bens opostos ao carcter unifuncional da troca. Mas tambm constitui uma estrutura de deteno e fruio, consumo e assistncia, em termos de o voto de Carbonnier de no ser escala do homem, mas da famlia, que se construa a propriedade, ainda hoje real consagrao, embora seguramente inferior de pocas passadas. A famlia fundada no casamento , em Portugal um espelho no qual a sociedade e cada um se reconhecem. No de estranhar, pois, que em todos os tempos tenha havido a preocupao de regular juridicamente a famlia, pelo menos naqueles aspectos de maior relevncia social. 7. O enquadramento scio-poltico da famlia Portanto, na poca em que os clrigos impem sociedade a sua instituio matrimonial, o casamento deixa de ser um problema do foro ntimo de cada um, um problema interno da Igreja, um problema da moral colectiva: representado como o elemento central da sociedade, como uma instituio da ordem jurdica social. Esta institucionalizao (pblica) da famlia contempornea de profundas alteraes sociais.

Na doutrina da Igreja Catlica encontra-se claramente, desde o Nova Testamento, e passando pelos primeiros sculos, a definio do casamento como um vnculo indissolvel, monogmico, heterossexual e de carcter sacramental. Nos scs. XI e XII a Igreja est em condies de reivindicar para si a jurisdio sobre o casamento e a famlia. Aplicando, deste modo, as suas normas sobre a matria que se transformam em normas de Direito do Estado ou, pelo menos, aplicadas por este. Todos os problemas da famlia so considerados problemas normativos, assuntos de interesse pblico e, como tal, regulados pelo Direito. A DIMINUIO DOS PROBLEMAS NORMATIVOS DA FAMLIA: O DIREITO PRIVADO DA FAMLIA 8. A diminuio dos problemas normativos da famlia O poder pblico institudo para a proteco, segurana e benefcio de todos, da associao entre este papel e o direito felicidade, prosseguindo atravs da liberdade, resulta o predomnio do indivduo quanto menos o homem for obrigado a fazer uma coisa, se no o que a sua vontade deseja, ou o que a sua fora permite, mais a sua situao no Estado favorvel. A ideia de que o casamento deve ser uma unio baseada no amor romntico, leva logicamente concluso de que, se o marido e a esposa descobrem que no se amam, devem ser autorizados a dissolver o casamento. Esta prtica colide com o controlo do casamento por parte da Igreja e do Estado. Transitou-se, nos fins da Idade Moderna, de uma ordem poltica e social transcendente para uma ordem imanente (contratual). Por esta altura, e ao mesmo tempo que se punha em causa o fundamento tradicional da autoridade poltica, contestando os seus fundamentos divinos e naturais, contratualizandoo, dessacralizava-se correlativamente a autoridade do marido sobre a mulher. E, nesta medida, o campo do Direito Pblico restringe-se, para ser ocupado pelo Direito privado da famlia que, por sua vez, desaparece medida que os problemas normativos sentidos escasseiam. A sociedade, organizada por Deus, transforma-se na sociedade gerada e organizada por contrato (social). O casamento instituio tradicional, sustentado pela presso social e pelo Direito, substitudo pelo casamento-contrato, entregue s vontades dos cnjuges. Casamento considerado como a unio entre duas pessoas independentes que prosseguem com liberdade a sua felicidade. medida que a famlia perde o seu sentido social tradicional, centra-se sobre a funo de intimidade: sobre a colaborao e aperfeioamento mtuos dos cnjuges e educao dos filhos. O Direito Pblico da famlia constitucional ou ordinrio limita-se muitas vezes a impor o carcter civil da famlia, a igualdade e a liberdade das partes. 9. O Direito civil da famlia: a privacidade e o social O casamento e a famlia serviro antes de mais os interesses individuais, a prossecuo da felicidade de cada um, na medida em que cada um a quiser e se a quiser. O papel social da famlia ter como pressuposto a prossecuo da felicidade, s sendo assegurado, eventualmente, como produto desta prossecuo.

A estrutura e o funcionamento da famlia devem decorrer no respeito dos direitos individuais, nomeadamente o direito vida, liberdade, segurana e igualdade. O direito ao divrcio, ou seja dissoluo do vnculo conjugal quando um dos cnjuges quiser, comea a surgir nestas ordens jurdicas. O direito ao aborto, por parte de uma mulher casada, retirado do controlo do marido, dependendo s da me a vida da criana. A FAMLIA TRADICIONAL: FAMLIA ALARGADA OU FAMLIA CONJUGAL 10. A famlia tradicional: famlia alargada ou famlia conjugal? O modelo tradicional era preocupado sobretudo no campo, em contraste com os meios urbanos que eram considerados particularmente nocivos famlia. No foi a industrializao que determinou a evoluo, ou, pelo menos no a determinou imediatamente. A reduo do nmero de membros da famlia s se verifica no sc. XX, coincidindo sobretudo com a diminuio da taxa de natalidade. Por outro lado, em certas zonas, a dimenso da famlia chegou a aumentar no decurso da industrializao. A diferena no se deve estabelecer entre perodos pr e ps-industrial, mas entre o campo e a cidade, no tendo havido, nesta ltima, evoluo significativa. Certas condies demogrficas dificultaram, na poca pr-industrial, a coexistncia de trs geraes da mesma famlia. Tais condies eram: a esperana de vida; a diferena de idade entre a pessoa que transmitia e a que recebia a propriedade determinada pela idade elevada do casamento; e os grandes intervalos entre o nascimento dos filhos sobrevivos. 11. Funes da famlia Reconhece-se o significado cada vez menor da famlia como forma de realizao social: vai perdendo as suas funes tradicionais, que so transferidas para a sociedade ou para o Estado. A famlia, ao mesmo tempo que perde a sua autonomia religiosa, se sacraliza mas integrada no conjunto mais vasto da Igreja, da qual uma simples clula subordinada. O carcter sacramental do casamento transformava-o numa instituio religiosa. Ao marido assistia o dever cristmente com a mulher, conduzindo-a salvao. A ambos esposos, sobretudo ao marido at ao sc. XIX, competia a educao religiosa dos filhos. A famlia transformara-se, assim, na clula bsica da Igreja. Ela prpria Igreja em miniatura, com a sua hierarquia, com o seu local afectado ao culto, a sua hierarquia chefiada pelo pai. Veiculando, pela prpria natureza das coisas, a doutrina da Igreja; submetida, atravs da autoridade do pai, hierarquia eclesistica. A partir de fins do sc. XVIII, com a crescente desagregao da famlia como unidade de produo e consequentemente sada do pai da casa da famlia para se assalariar, as funes religiosas deslocaram-se para a me. A famlia, atravs da destruio do carcter religioso e sacramental, perde uma boa parte da funo de controlo social, na medida em que os seus membros, desaparecida a justificao religiosa da dominao, fogem autoridade do pai ou da me.

A famlia exerceu uma importante funo de defesa dos membros contra agresses vindas do exterior, e no castigo dessas agresses, na poca em que o poder poltico era fraco. A funo assistencial da famlia tem diminudo, atendendo no s ao nmero crescente de pessoas a que a famlia concede proteco, mas tambm diminuio das ocasies e da intensidade em que tal assistncia exigida. No passado pr-industrial, famlia e trabalho eram indissociveis. certo que a famlia vir a perder no decurso dos tempos uma parte importante das suas funes econmicas, medida que se foi acentuando a diviso social do trabalho. Contudo, a perda mais significativa realizou-se no decurso da revoluo industrial, em que a famlia deixou de constituir a frmula bsica da organizao produtiva, tendo perdido pouco a pouco a maioria das suas funes produtivas. EVOLUO HISTRICA DO DIREITO DA FAMLIA 12. A inveno do Direito Matrimonial (sc. XII e XIII) Por inveno do Direito matrimonial quer-se significar a transformao em normas jurdicas estaduais, em Direito aceite e aplicado pelo Estado, das normas eclesisticas sobre o casamento que viam neste um vnculo indissolvel, perptuo, monogmico, heterossexual e de carcter sacramental. Sobretudo a afirmao jurdico-estadual da sua perpetuidade. Inveno que se enraizou na competncia exclusiva da jurisdio eclesistica sobre o matrimnio verificada a partir do sc. XI. O sc. XIII o da ordem: poltica, social, profissional, religiosa. Ordem querida por Deus, e mantida pelo Papa, detentor das duas espadas, do poder espiritual e temporal. O sc. XIII, os idelogos compraziam-se em descrever a ordem: o inferior subordinado ao superior; o iunior sujeito ao senior; os ofcios agrupados em corporaes; tal como Deus-pai, a Virgem Maria e Cristo, tambm o casal cristo e os filhos, o casamento disciplinado as paixes, e organizando a procriao. 13. O trabalho complementar: a reelaborao dos fins do casamento Na poca em que os canonistas impem sociedade a sua instituio matrimonial, havia que a justificar socialmente. Pouco a pouco abandona-se a severidade dos padres da Igreja para quem o casamento, inquinado pela concupiscncia, vizinho prximo do pecado. Atravs da procriao, primeiro, do auxlio mtuo dos cnjuges e do remdio da concupiscncia, depois o casamento aparece justificado, correspondendo s necessidades permanentes da sociedade e dos prprios cnjuges. Mas foi este um processo longo e tardio, talvez s nos nossos dias completo. Desvalorizando perante a ordem do ministrio, o sacramento do matrimnio tem sempre, prximas, as suas razes de simples remdio tolerado. Santo Agostinho via em trs bens: proles, fides e sacramentum, a razo determinante da instituio do matrimnio por Cristo. Proles significa a procriao e a educao dos filhos; fides, a fidelidade que se devem os cnjuges; sacramentum, o vnculo indissolvel entre os cnjuges, que simboliza a ligao entre Cristo e a Igreja.

O uso do casamento deve estar sempre subordinado gerao, sendo a procura do prazer um pecado venial. assim que o casamento um remdio da enfermidade, permitindo o uso ordenado dos prazeres da carne. 14. O matrimnio como sacramento Os telogos e canonistas sempre qualificaram o matrimnio como sacramento. Contudo, at meados do sc. XII, fundamentalmente at obra de Pedro Lombardo, a incerteza sobre o contedo da noo sacramentum, tomado este em sentido muito lato, tornava pouco precisa a qualificao do matrimnio como um sacramento. A partir do sc. XII, com a preciso do conceito de sacramento, as incertezas acabaram. Santo Alberto Magno considera o matrimnio perfeito pela simples troca dos consentimentos. Figurando a unio de Cristo com a sua Igreja, atravs da unio dos esposos, confere a graa. pois, um sacramento. Pontos de vista que so seguidos por S. Toms de Aquino. A DESINSTITUCIONALIZAO DA FAMLIA: O DIREITO PBLICO AO DIREITO PRIVADO 15. O fraccionamento da famlia: o desaparecimento da autoridade do paichefe O cosmos presidido por Deus; o abade preside vida do mosteiro beneditino; e o marido-pai preside vida da famlia. Sem a paternidade de Deus, do abade, do marido, a natureza institucional (a natureza, o mosteiro, a famlia) ser desprovida de alma, reduzida a uma mecnica externa e falvel. A dependncia filial do homem perante Deus uma das dimenses da sua liberdade de homem novo. O beneditino s o desde o momento em que assume esta dependncia filial perante o abade. Do mesmo modo, a mulher e os filhos dependem do marido-pai, ao qual devem estar sujeitos. A associao familiar transformou-se em instituio divina. O carcter sacramental do casamento reconduziu-a, estrutural e dinamicamente, a uma instituio religiosa. A famlia e a clula bsica da Igreja, ela prpria Igreja em miniatura, com uma hierarquia chefiada pelo pai; que devia veicular, pela prpria natureza das coisas, a doutrina da Igreja. Uma vez lei escrita, uma autoridade pessoal A famlia era, no s um utenslio de aco social da Igreja, mas tambm um instrumento no controlo do Estado ou do poder real sobre as populaes. Os textos destes sculos descrevem-nos, seja qual for o pas, protestante ou catlico, famlias rigidamente organizadas, com todos os seus membros dependentes da autoridade soberana e ilimitada do pai; a famlia-instituio posta ao servio dos fins sociais. No se diga que o Direito que regulava esta famlia era Direito Civil, um Direito visando regular as relaes livres entre iguais, ou um Direito desprovido de sanes. O Direito da Famlia nesta poca era inspirado pela ordenao social, esta animada pelo despotismo, estruturado por normas imperativas, fundadas na vontade do prncipe, sancionadas pela sua vontade. Tambm na famlia, ao lado de regras ticas fundamentais, inspiradas do Direito cannico, ou consagradas directamente neste, a ordem era sustentada

e mantida pela vontade do pai fonte de Direito e garantida pelas sanes aplicadas, quantas vezes com severidade excessiva, pelo chefe. Mulher e filhos estavam na dependncia do pai que lhes podia aplicar um largussimo nmero de sanes, que iam desde a privao de recursos materiais at s mais severas punies fsica e morais. 16. A recuperao da famlia pelo Direito do Estado (Direito Civil) Foi contra a famlia-instituio religiosa, e no desde logo contra a famliainstituio social, que surgiram ataques por parte dos protestantes e regalistas, primeiro, e depois por parte dos movimentos laicos do sc. XVIII e XIX. Atacaram precisamente o sinal da sua religiosidade, o controlo jurisdicional da Igreja, e o sinal da sua sacramentalidade, a indissolubilidade do vnculo matrimonial. O perodo que vai at meados do sc. XIX, embora muito varivel de pas para pas, o da questo do casamento civil. Considerava-se que o casamento era matria laica, dizendo s respeito sociedade e ao Estado devendo, portanto, ser regulado pela normas do Direito estadual. O casamento tinha de ser o casamento civil. Como consequncia lgica, passava-se a admitir o divrcio. Contudo, nesta primeira fase no se ps em causa, pelo menos a nvel do Direito, a estrutura hierrquica da famlia dominada pelo pai. A mulher continuava sujeita ao marido na generalidade dos cdigos civis e das legislaes do sc. XIX, assim como os filhos estavam submetidos ao poder paternal; poder que se prolongava bastante no tempo; a maioridade era atingida s em idade relativamente avanada; cabia ao pai a representao da famlia e a administrao dos seus bens; e mesmo a participao na vida poltica, como nico cidado com Direito a ela, ou como representante de todo o agregado familiar. A famlia transforma-se num espao privado, de exerccio da liberdade prpria de cada um dos seus membros, na prossecuo da sua felicidade pessoal, livremente entendida e obtida. A ordem pblica passa a ser vista como o resultado da interaco dos cidados, e no das famlias. E, de qualquer maneira, a famlia deixa de ser ou, mais precisamente, deixa de poder ser utilizada, como um instrumento dessa ordem. O espao familiar um espao privado. O Direito da Famlia deixa de ser um Direito Pblico, para ser Direito Civil, Direito Privado, de cidados iguais, livres de constrangimentos, exercendo a sua autonomia pessoal e patrimonial. Isto, tanto nas relaes entre os cnjuges, como nas relaes entre estes e os filhos. Descobre-se, nesta altura, que a lei da famlia realmente impotente para restaurar a harmonia. O Direito da Famlia a lei das obrigaes imperfeitas e das sanes imperfeitas. As suas (novas) normas quadram-se mal com o Estado como fonte de Direito. Desaparecido o chefe de famlia, cuja vontade era lei, a ordem pblica e a lei do Estado dificilmente entram no mbito privado em que se transformou a famlia. O Direito da Famlia falha, sobretudo, na regulamentao das relaes pessoais. O Estado no pode obrigar uma mulher a amar o seu marido, ou um filho a respeitar os seus pais. O campo do Direito da Famlia devolvido, sobretudo, moral e aos costumes. PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DA FAMLIA

17. Direito celebrao do casamento Este princpio est expresso no art. 36/1, 2 parte da CRP ( em condies de plena igualdade). Deve ser entendido nos termos do art. 16/1 da Declarao Universal dos Direitos do Homem, que atribui aos nubentes o direito de casar e de constituir famlia sem restrio alguma de raa, nacionalidade ou religio. No impede a norma constitucional que se estabeleam impedimentos fundados em interesses pblicos fundamentais, como o faz a lei ordinria portuguesa, em matria de idade, por exemplo. 18. Direito de constituir famlia Esta norma, consagrada no art. 36/1, 1 parte (Todos tm o direito de constituir famlia), tem sido objecto de algum debate quanto sua interpretao. Considerada em si mesma, a afirmao do Direito a constituir famlia significaria to s, e j muito, que qualquer pessoa tem o Direito de procriar. este o sentido anglo-sxonico de constituir famlia; tambm corrente em diversas zonas de Portugal, na linguagem popular. O art. 12 da Conveno Europeia dos Direitos do Homem e o art. 16 da Declarao Universal dos Direitos do Homem, ao estabelecerem o direito de casar e de constituir famlia, invertem os termos do art. 36/1 CRP. 19. Competncia da lei civil para regular os requisitos e os efeitos do casamento e a sua dissoluo, independentemente da forma de celebrao A norma consagrada no art. 36/2 (a lei regula os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissoluo, por morte ou divrcio, independentemente da forma de celebrao) CRP visa, sobretudo, retirar ao Direito cannico a competncia para regular as matrias a previstas. Integra-se nesta seco Direitos de ser humano, na medida em que o seu objectivo de princpio assegurar a igualdade de todos os cidados perante a lei, implicando-lhes o mesmo estatuto, necessariamente o Direito civil. Algumas dvidas tem levantado o art. 1625 CC (o conhecimento das causas respeitantes nulidade do casamento catlico e dispensa do casamento rato e no consumado reservado aos tribunais e s reparties eclesisticas competentes) quanto sua constitucionalidade, na medida em que reserva para o Direito cannico os problemas relativos ao consentimento (divergncias entre a vontade e a declarao, vcios de vontade etc.), que passam, portanto, a ser apreciados pelos Tribunais eclesisticos. Contudo, a doutrina tem-se inclinado maioritariamente no sentido da constitucionalidade do art. 1625 CC. 20. Admissibilidade do divrcio para quaisquer casamentos O art. 36/2 CRP, ao estabelecer que a lei regula os requisitos e os efeitos da dissoluo do casamento por divrcio, independentemente da forma de celebrao, tem um duplo sentido. O primeiro o de garantir a igualdade de todos os cidados, independentemente da forma de celebrao do casamento, quanto ao divrcio. Seria inconstitucional uma norma que exclusse o divrcio para uma qualquer modalidade de casamento, inclusive o catlico, como sucedia at ao Protocolo

Adicional de 1975 Concordata de 1940. O outro sentido o da admissibilidade do divrcio para qualquer casamento. Consagra-se aqui um verdadeiro direito ao divrcio dos cnjuges. O art. 36/3 (os cnjuges tm iguais direitos e deveres quanto capacidade civil e poltica e manuteno e educao dos filhos) CRP, consagra a igualdade de direitos e deveres dos cnjuges quanto sua capacidade civil e poltica e manuteno e educao dos filhos. Vem na esteira do princpio da igualdade estabelecido no art. 13 CRP. 21. Atribuio aos pais do poder-dever de educao dos filhos e inseparabilidade dos filhos dos seus progenitores A atribuio dos pais do poder-dever de educao dos filhos vem consagrado no art. 36/5 CRP (Os pais tm o direito e o dever de educao e manuteno dos filhos). Tambm a vem prevista a inseparabilidade dos filhos dos seus progenitores. Trata-se de dois princpios que tem de ser compreendidos em ntima conexo, por se completarem um ao outro. Deles resulta que a educao dos filhos e por educao compreende-se a usa manuteno fsica, a sua educao espiritual, a transmisso dos conhecimentos e tcnicas, a coabitao com os pais pertena dos pais. Este poder-dever dos pais s lhes pode ser retirado por deciso judicial, sempre que se verifiquem as condies previstas no art. 1915/1 CC (a requerimento do Ministrio Pblico, de qualquer parente do menor ou de pessoa a cuja guarda ele esteja confiado, de facto ou de direito, pode o tribunal decretar a inibio do exerccio do poder paternal quando qualquer dos pais infrinja culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuzo destes, ou quando, por inexperincia, enfermidade, ausncia ou outras razes, no se mostre em condies de cumprir aqueles deveres). Direito das Sucesses mais antigos princpios constitucionais do Direito da Famlia que se deve considerar Direito Natural. 22. No discriminao entre filhos nascidos no casamento e fora do casamento O art. 36/4 CRP (os filhos nascidos fora do casamento no podem, por esse motivo, ser objecto de qualquer discriminao e a lei ou as reparties oficiais no podem usar designaes discriminatrias relativas filiao), probe a discriminao em relao aos filhos nascidos fora do casamento. Na sua vertente formal, o princpio probe o uso de designaes discriminatrias, como as de filho ilegtimo, natural, etc., ou quaisquer outras que no se limitem a mencionar o puro facto do nascimento fora do casamento dos progenitores. Sob o ponto de vista material, tambm se no permite qualquer discriminao: no poder criar-se para os filhos nascidos fora do casamento um estatuto de inferioridade em relao aos outros que no decorra de insuperveis motivos derivados do prprio facto do nascimento fora do casamento. A norma constitucional levou, nomeadamente, revogao das regras de direito civil que atribuam melhores direitos sucessrios aos filhos legtimos em relao aos ilegtimos, ou que limitavam o reconhecimento de certas categorias de filhos ilegtimos.

23. Direitos dos membros da famlia perante o Estado: proteco da adopo Esta norma foi introduzida pela reviso de 1982 que acrescentou ao art. 36 CRP o actual n. 7 (A adopo regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas cleres para a respectiva tramitao). Impedir alteraes da legislao ordinria que diminurem, sem invocar um interesse pblico fundamental, os Direitos dos adoptados, os deveres dos adoptantes, ou restringiria demasiadamente, tambm sem justificao bastante, os requisitos da adopo. Por maioria de razo, essa norma proibir o desaparecimento do instituto da adopo do Direito Civil portugus. 24. Proteco da famlia A norma do art. 67 CRP compreende no s a famlia conjugal, como a natural e a adoptiva. A famlia natural constituda pelos filhos e pelo progenitor biolgico. uma famlia unilinear. Esta norma est integrada, tal como os seguintes princpios, no Captulo II (Direitos e Deveres Sociais), Ttulo III (Direitos Econmicos, Sociais e Culturais) da Parte I (Direitos e Deveres Fundamentais) da Constituio. No tem pois a fora jurdica que o art. 18, confere aos preceitos respeitantes aos Direitos Liberdades e Garantias (em sentido tradicional), no sendo de aplicao imediata. Tem um carcter programtico, com tudo o que isto significa. 25. Proteco da paternidade e da maternidade O art. 68 CRP (os pais e as mes tm direito proteco da sociedade e do Estado na realizao da sua insubstituvel aco em relao aos filhos, nomeadamente quanto sua educao, com garantia de realizao profissional e de participao na vida cvica do pas), ao considerar a paternidade e a maternidade valores sociais eminentes, concede aos pais e s mes, sejam ou no unidos pelo matrimnio, um direito proteco da sociedade e do Estado na realizao da sua aco em relao aos filhos, nomeadamente quanto educao destes, garantindo-lhes a realizao profissional e a participao na vida cvica do pas. As mulheres trabalhadoras tm Direito a especial proteco durante a gravidez e aps o parto, incluindo a dispensa de trabalho por perodo adequado, sem perda da retribuio ou de quaisquer regalias. Os pais e mes desempenham, no momento da gerao e da educao dos filhos, uma tarefa do mais profundo interesse social. O art. 68 CRP, garante-lhes por parte do Estado uma particular proteco. Atribuindo, desde logo, s mulheres trabalhadoras dispensa do trabalho pelo perodo adequado durante a gravidez e aps o parto, sem perda de retribuio ou de quaisquer regalias. Na esteira destes princpios, o art. 69 CRP, atribui s crianas um Direito proteco da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral. O n. 2 (O Estado assegura especial proteco s crianas rfs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal) concede-lhes uma especial proteco da sociedade e do Estado contra todas as formas de opresso e contra o exerccio abusivo da autoridade da famlia e demais instituies.

FONTES DO DIREITO DA FAMLIA 26. A Lei: a Constituio da Repblica Portuguesa A Constituio, bem como as constituies das generalidades dos pases que podem servir de exemplo, contm abundante e, por vezes, minuciosa regulamentao pertinente ao Direito da Famlia. Este interesse do legislador constitucional resulta de diversas razes. A primeira, estar nas funes do maior interesse pblico, vitais para a colectividade, que a famlia contnua a exercer. Abandonando o Direito Pblico da famlia, a favor do Direito Civil da famlia, de carcter privado e contratualistico, certos princpios fundamentais transitaram para Direito Constitucional que passou a ser o refgio das normas imperativas em matria de criao e funcionamento das relaes familiares. Por outro lado, o legislador constitucional quis assegurar a formao de um novo Direito da Famlia. Enquanto que, tradicionalmente, a famlia era dominada por princpios de hierarquia e tradio, hoje considerada um espao diferente particularmente apto a promover a realizao de certos aspectos da personalidade humana; mas em que os direitos da pessoa, nomeadamente o direito igualdade, o direito liberdade, etc., devem ser assegurados. Diversos princpios da Constituio visam precisamente assegurar que, no seio da famlia, sejam respeitados e promovidos os direitos da pessoa de cada um dos seus membros. Note-se que na Constituio no se encontram unicamente normas referentes ao Direito Civil da famlia. Tambm esto presentes normas de maior significado no Direito no civil da famlia, nomeadamente em matria de Direito Fiscal. 27. Convenes internacionais Das convenes internacionais em matria de Direito da Famlia a mais significativa a Concordata entre o Estado Portugus e a Santa S, a 7 de Maio de 1940, confirmada e ratificada em 1 de Junho e publicada no Dirio de Governo de 10 de Junho do mesmo ano. Esta concordata tem um Protocolo Adicional de 15 de Fevereiro de 1975, que modificou a redaco do art. 24. A Concordata ainda hoje do maior significado no Direito da Famlia portugus, reconhecendo-se por fora dela efeitos jurdicos, de Direito Civil, aos casamentos celebrados sob a forma cannica, e reservando-se aos Tribunais e reparties eclesisticas competncia exclusiva para apreciar da validade destes casamentos. Diversas convenes em matria de Direitos Humanos contm normas que dizem respeito ao Direito da Famlia. Fixando, sobretudo o Direito a contrair casamento e a constituir famlia, a igualdade dos cnjuges, a proteco dos filhos nascidos fora do casamento, etc. 28. O Cdigo Civil O Cdigo Civil merece destaque por constituir a principal fonte de Direito da Famlia (Direito Civil). O Livro IV arts. 1576 a 2020 CC, ocupa-se exclusivamente do Direito da Famlia. A redaco de 1966 foi alterada em

alguns aspectos, nomeadamente na medida necessria para a pr de acordo com a Constituio de 1976, pela reforma de 1977 (DL 496/77, de 25 de Novembro, aprovado no uso da autorizao legislativa concedida a Governo pela Assembleia da Repblica Lei 53/77 de 26 de Junho). Das outras fontes do Direito da Famlia destaca-se o Cdigo de Registo civil, a Organizao Tutelar de Menores, e o Cdigo Penal que contem uma seco consagrada aos crimes contra a famlia; bem como o Cdigo de Processo Civil, onde numerosas disposies so de relevante interesse para o Direito da Famlia. 29. O Papel do juiz e do doutor Parece certo que a interveno do Juiz se deve limitar aos momentos de crise. O Direito da Famlia nos pases continentais, Direito legislado, prev as situaes de normalidade, e parte delas para as situaes de anormalidade, impossveis de prever em toda a sua rica complexidade. Portanto o Juiz intervm nas situaes de anormalidade, no para repor a normalidade, mas sim para desfazer os laos, resolver as situaes, dissolver os vnculos, amputar. Mas aqui que a sua funo pode ser, tem de ser, de extrema importncia. Perante a rpida evoluo social, que conduz a uma multiplicao de situaes imprevisveis escassos anos atrs, quando as leis foram elaboradas, ter de ser o Juiz a ir andando o Direito riqueza das situaes concretas. Os conceitos indeterminados que integram as normas de Direito da Famlia, e a dificuldade em um agente do Estado penetrar no seio da famlia, tm levado s maiores violncias, aos mais graves arbtrios, s mais gritantes desigualdades que a jurisprudncia de mltiplos Estados reflecte. Haver, aqui, nesta ordem de ideias, de subsistir o tradicional juiz togado por comisses de famlia espelhando melhor, na sua composio, a movente realidade social, e arbitrando, no impondo. O Doutor tem, em Direito da Famlia, um papel fundamental. O papel de actualizao das normas, no s as da normalidade, como tambm as de crise, realizado pelo Doutor, atravs de uma funo fundamentalmente prospectiva, prevendo a evoluo, isolando os problemas normativos e criando as normas adequadas a esses problemas, recolhendo, corrigindo e sistematizando, se possvel, as decises da jurisprudncia. CARACTERES DO DIREITO DA FAMLIA 30. Direito Civil ou Direito Pblico: o ncleo tradicional esvaziado O Direito da Famlia nasceu fora da inveno romana do Direito Civil. O nosso Direito da Famlia foi inventado nos scs. XII e XIII, enraizado nos Evangelhos, enquadrado pelo Direito Cannico que no Direito Civil. No visava propriamente assegurar a composio de interesses particulares, mas antes garantir que as relaes entre os particulares decorressem segundo uma ordem pblica pr-suposta. Da a sua integrao, tanto no domnio pessoal como no domnio patrimonial, por numerosas normas imperativas. Normas, assentes (interpretadas, integradas e aplicadas) na (pela) vontade do maridochefe. O Direito da Famlia reflectia, a ordem pblica geral, tambm ela decorrente da vontade do prncipe.

medida que as relaes familiares se vo privatizando, visando s assegurar os interesses, a felicidade das partes, como estas quiserem, o Direito da Famlia (tradicional) reduz-se e conhece o aparecimento, a seu lado, de outras normas de Direito. Os interesses patrimoniais dos cnjuges passam a estar largamente submetidos a sua auto-regulamentao, em termos idnticos as da constituio de uma sociedade entre duas pessoas independentes. O princpio da liberdade das convenes antenupciais reflecte bem este ponto de vista. Algumas normas imperativas desta matria destinam-se, sobretudo, a assegurar a igualdade entre os cnjuges, o equilbrio dos seus interesse em alguns pontos fundamentais. A violao dos deveres conjugais (do dever de respeito, do dever de fidelidade, do dever de coabitao, etc.), bem como a violao dos deveres dos pais para com os filhos, traduz-se normalmente, s na supresso do vnculo em que eles assentavam, na liberdade do credor (e, consequentemente, do devedor). A exigncia do seu cumprimento est deixada, necessariamente, s foras do credor, ao azar do equilbrio de foras dentro do casal ou na famlia, sempre varivel, e s por acaso conduzindo soluo mais justa, mais jurdica. 31. Institucionalismo corrente na doutrina a afirmao de que o Direito da Famlia um direito institucional: a famlia seria um organismo natural, dentro do qual existe um direito, uma ordenao ntima, que lhe prpria e na qual o legislador no deve intervir. Pelo contrrio, este deve limitar-se a reconhecer esse direito interno da famlia. Direito que tem vindo a fornecer o contedo das principais normas do direito estadual, como as que impem os direitos e os deveres pessoais. Com ela no se deve querer reconsagrar a ideia de que a famlia uma instituio natural, com a sua prpria e imutvel, naturalmente independente da lei do Estado. Ou que, entre famlia e sociedade, haveria necessariamente uma oposio, em termos de qualquer comunicao ser mortal para a famlia. 32. Coexistncia, na ordem jurdica portuguesa, de Direito estadual e de Direito Cannico na disciplina da relao matrimonial A maioria dos casamentos celebrados em Portugal celebrada segundo a forma cannica. No se trata, porm, de uma simples forma, na medida em que dela resultam efeitos jurdicos de Direito Cannico reconhecidos pelo Direito Civil. Assim, o conhecimento das causas referentes nulidade do casamento catlico e dispensa do casamento rato e no consumado pertence aos Tribunais e reparties eclesisticas competentes. H, assim, uma coexistncia do Direito Cannico e Direito Civil, vigorando o primeiro quanto forma de certos casamentos e quanto a algumas das suas consequncias. 33. Permeabilidade do Direito da Famlia s transformaes sociais O Direito da Famlia particularmente influenciado, por comparao ao que sucede com outros ramos do direito, pelas evolues polticas e sociais. Por um lado, as grandes alteraes polticas traduzem-se, mais ou menos rapidamente, em alteraes do Direito da Famlia, muitas vezes ao arrepio do sentimento social.

Com a instaurao da Repblica, entre as primeiras medidas tomadas situam-se as referentes instaurao do casamento civil obrigatrio e do divrcio, concedido este atravs de pressupostos muito liberais. A concordata entre Portugal e a Santa S, de 1940, tem de se entender como o resultado da evoluo poltica iniciada em 1926. A reviso desta Concordata, no sentido de alargar a competncia do Direito Civil e dos Tribunais civis em matria de direito matrimonial, sucede-se de perto s alteraes polticas de 1974. Para alm disto, nos ltimos decnios a evoluo social da famlia tem sido muito rpida. E tem sido acompanhada, mas ou menos de perto, por profundas alteraes no Direito da Famlia, tanto no direito matrimonial e no direito da filiao, como no prprio direito patrimonial. 34. Afectao de certas questes do Direito da Famlia a Tribunais de competncia especializada A especialidade da ordem familiar levou a atribuir mltiplas questes do Direito da Famlia a Tribunais especializados, os tribunais de famlia. O legislador ter considerado aqui a existncia de uma zona, radicalmente estranha ao Direito estadual, na qual s com particulares preocupaes e com profundos conhecimentos possvel penetrar. Nesta ordem de ideias, criou rgos jurisdicionais de competncia especializada, com juzes, em princpio particularmente treinados, que interviro com a necessria delicadeza no domnio do Direito da Famlia. Tribunais que, reflectindo esta ideia, compreendero um corpo de assessores, constitudo por indivduos com conhecimentos especializados em matria de cincias do homem e cincias sociais, para constiturem uma ponte entre a frieza e a abstraco do direito escrito, e a cambiante realidade social. Mas haver que ir mais longe. Aos Tribunais de famlia (por muito especializados e eficientes que sejam) haver que substituir comisses de famlia visando promover, com os interessados, a auto-regulamentao dos seus interesse. CARACTERES DOS DIREITOS FAMILIARES 35. Os direitos familiares pessoais como direitos funcionais Os direitos familiares (pessoais) no so direitos subjectivos no sentido estrito, ou seja, direitos de exigir de outrem um certo comportamento no interesse do credor. So antes, poderes-deveres, poderes funcionais. O titular do poder no o exerce no seu interesse mas, antes, (tambm) no interesse do sujeito passivo. O titular do interesse era a famlia, grupo coeso, hierarquicamente organizado que se considerava titular de interesses especficos. Era com o pretexto do interesse da famlia, sobretudo do seu interesse patrimonial e do seu estatuto social e poltico, que o seu chefe, o pai, dirigia a vida da mulher; que administrava os bens da mulher, muitas vezes sustentculo necessrio da sobrevivncia da famlia; que destinava a profisso dos filhos, a mais adequada para assegurar a sobrevivncia econmica do grupo, a administrao dos bens da famlia e o funcionamento das unidades de produo familiares; que fixava o casamento dos filhos e das filhas de modo a obter novos elementos adequados para participarem na economia familiar, para a assegurarem o seu estatuto

social e poltico; ou para obter para as filhas novas famlias que as pudessem manter no seu estatuto scio-econmico. Hoje, com o abandono de importantes funes da famlia, sobretudo da sua funo de produo econmica, e com a perda de parte do seu significado como veculo de transmisso dos bens e do estatuto social, os membros da famlia libertaram-se dos interesses desta, passando a prosseguir livremente os seus interesses pessoais. Nesta medida, os direitos familiares pessoais, so exercidos, no em nome dos interesses da famlia, mas atendendo aos interesses de cada um dos seus membros. Caracteristicamente, ao educar os filhos, ao aconselh-los nos passos mais importantes da sua vida, os pais esto a pensar nos interesses individuais daqueles. O nico objectivo ser o livre desenvolvimento da sua personalidade, de acordo com os princpios ticos que regem as colectividades e com as caractersticas especficas das pessoas em causa. A vida familiar dever prosseguir os interesses de todos, atravs de uma interaco complexa em que o sujeito, por o ser, tambm objecto. Em que se d, para receber; se ama, para ser amado; se comunica com os outros, para se humanizar o prprio. A autoridade transformou-se em servio; a imposio em conselho; a satisfao dos interesses do grupo familiar, na realizao de cada um dos seus membros. Cada membro da famlia , naturalmente, um ser para os outros e com os outros. 36. Fragilidade da garantia correcta a ideia de que a observncia dos deveres familiares pessoais est tutelada por uma garantia frgil do que a dos deveres em geral. Esta ideia parece justa pelas seguintes razes. Os deveres familiares pessoais no esto sujeitos tutela mais consistente dos deveres jurdicos que a possibilidade de o credor exigir do devedor o seu cumprimento e (ou) obter deste uma indemnizao. Este carcter de privacidade e de intimidade leva a que no se deva atribuir ao familiar lesado um direito indemnizao pelo no cumprimento dos deveres do outro. S certos casos mais graves so sindicveis do exterior, ficando os outros impunes. o direito liberdade e prossecuo da sua felicidade que assiste a cada um dos membros da famlia, e que no limitado pelo facto de se pertencer ao grupo familiar, no permite impor a nenhum deles a observncia de comportamentos no desejados, contrrios aos seus interesses. Assim, perante casos graves de incumprimento dos deveres familiares, a nica possibilidade que assiste ao lesado dissolver o vnculo, de modo a no continuar a suportar violaes dos seus interesses. Cada membro da famlia, pelo facto de estar integrado no grupo, no aliena os seus direitos de personalidade quanto muito estes estaro comprimidos enquanto o estado familiar durar podendo em qualquer momento violar os seus deveres para com o outro; o que ser seguramente anti-jurdico e antitico, mas que no desencadeia por si qualquer espcie de sano para alm da dissoluo do vnculo ofendido. 37. Carcter duradouro dos estados de famlia

Tem-se entendido que as relaes de famlia so permanentes, perptuas, ou tm vocao de perpetuidade. O casamento vigorar, em princpio, at morte de um dos cnjuges, devendo considerar-se, em princpio, excepcional a dissoluo do vnculo conjugal. O mesmo se diga, por exemplo, do estado de filho. Este carcter duradouro d origem a verdadeiros estados, a situaes na existncia, qualificadoras do seu sujeito. Uma das caractersticas do carcter duradouro do Direito da Famlia a de no se poderem pr termos ou condies a essas relaes. 38. Relatividade: o carcter relativo Os direitos familiares pessoais so relativos: vinculam pessoas certas, no projectando os seus efeitos em relao a terceiros. Assim, se um dos cnjuges mantiver relaes adulterinas com terceiro, este no ser responsvel para com o cnjuge lesado. H, contudo, situaes em que as relaes em que as relaes familiares se impem a terceiros. O exemplo caracterstico o dos arts. 495/3 e 496 CC. No caso de uma leso que proveio a morte, os familiares do lesado, que lhe podiam exigir alimentos, tm direito de pedir ao lesante indemnizao pelos danos patrimoniais sofridos. E os familiares referidos no art. 496/2 CC, podem exigir indemnizao pelos danos no patrimoniais que a morte do seu familiar lhes causou. 39. Tipicidade dos direitos familiares Os direitos e negcios familiares esto sujeitos aos numerus clausus, ao contrrio do que sucede no Direito das Obrigaes, em que vigora o princpio da liberdade contratual, no s quanto ao nmero dos negcios, como tambm quanto ao seu contedo. Em matria de Direito da Famlia, no s se podem celebrar unicamente os negcios previstos na lei, como as relaes familiares esto sujeitas, em princpio, a um contedo pr-fixado na lei. CONSTITUIO DA RELAO MATRIMONIAL (O CASAMENTO COMO ACTO) 40. O casamento catlico: o casamento catlico numa antropologia aberta O casamento catlico integra-se na tradio crist caracterizada por uma viso do ser humano que se situa no encontro entre a identidade de cada sujeito histrico e o seu limite transcendente, a diferena que o mede e transcende, na sempre redescoberta do Totalmente Outro, reconhecendo-se na infinita diferena qualifica entre Deus e o mundo. A antropologia que assim se descobre, ao mesmo tempo, uma tica fundamental, indicando como morada ltima do ser pessoal o mistrio da Trindade divina, e funda nesta o comportamento responsvel do sujeito histrico e o seu modo de agir, inseridos nas relaes com o Deus Vivo. Esta antropologia constitui o fundamento de um ethos plenamente responsvel e totalmente fruto da graa livre do Deus vivo. No Verbo, o Pai ama o mundo em que o filho encarna, e o Esprito, unindo Um ao Outro, une todos os seres humanos a Deus. Aqui se enquadra a pessoa, como sujeito das relaes que pertencem ao plano da natureza humana.

Pessoa em si e para si, mas com uma natureza racional na perspectiva da intelectualidade, que d capacidade pessoa humana de se transcender relacionando-se com os outros e visando tendencialmente a totalidade do ser. Nesta ordem de ideias, a pessoa, para alm de ser em si e para si, relacionase com outros: sendo, tambm e do mesmo modo, ser para, numa coincidncia ontolgica a exemplo da Trindade. Enquanto na Trindade, a relao uma comunho ontolgica, na pessoa humana o indivduo que se abre s relaes com os outros e com o Outro, sem perder a sua singularidade, e superando a sua solido ontolgica em relao de amor. Relaes de reciprocidade ser com. Depara-se com uma antropologia aberta na qual se situa o outro, nomeadamente do (totalmente) outro que Deus; o desiderium naturale da viso de Deus: A criatura espiritual no tem o seu fim em si prprio, mas em Deus. A virtude aparece, com a fidelidade, a maneira de ser radical do sujeito, para consigo mesmo e enquanto cnjuge e pai. Nomeadamente na comunidade e a estabilidade do processo contnuo de realizao do eu e dos outros, do matrimnio. Cria-se um hbito como propenso estvel a agir como cnjuge e pai. E o seu torna-se protagonista consciente e responsvel da histria daquela famlia e, atravs daquela, de todas as outras. S neste quadro de uma antropologia aberta se pode compreender o casamento, maxim o casamento cristo. Com as suas caractersticas essenciais de comunho de vida adequada procriao e perpetuidade: ser para e com os outros; amor; fidelidade. 41. O direito do casamento catlico: fontes O Direito matrimonial cannico substantivo tem como fonte principal o ttulo VII do IV livro do Cdigo de Direito Cannico, cnones 1055 a 1163. No ttulo I do VII livro, parte III, cnones 1671-1707 est contido o Direito processual. Para as Igrejas Orientais unidas a Roma vigoram outras normas. O Cdigo de direito Cannico uma das fontes de produo (fontes essendi). Existem tambm as fontes de conhecimento (fontes cognoscendi). As fontes de produo do Direito Cannico em geral, e do Direito matrimonial, so de quatro espcies: divinas, eclesisticas, concordatrias e civis. As fontes de carcter divino so as leis que Deus inseriu na natureza do homem (leis naturais) ou revelou. As fontes eclesisticas so leis emanadas da Igreja, atravs dos seus rgos competentes. As fontes concordatrias so leis acordadas bilateralmente entre a Igreja e o Estado. Referem-se normalmente ao reconhecimento de efeitos ao matrimnio cannico. As fontes civis so leis estaduais recebidas pela Igreja no seu ordenamento: a adopo, que est na base do impedimento por parentesco legal (can. 110 e 1049); a promessa de casamento (can. 1062, 1); etc. 42. O matrimnio

Nos fins do matrimnio, distingue-se entre fins do matrimnio em si mesmo (fines operis) e fins dos nubentes (fines operantis). Estes ltimos variam conforme as situaes: vantagens sociais, econmicas, amor, beleza, etc. Os fins objectivos do matrimnio no constituem a sua essncia nem so suas propriedades essenciais. Mas so caracterizantes do matrimnio por definirem os direitos e os deveres dos cnjuges. So eles: o bem dos cnjuges e a procriao e educao da prole. 43. Propriedades essenciais As duas propriedades ou leis fundamentais do matrimnio so a unidade e a indissolubilidade. Ambas provenientes do Novo Testamento e sempre aceites pela Igreja, foram definidas dogmaticamente na XXIV Sesso do Conclio de Trento em 11 de Novembro de 1563. A unidade, consiste na unio de um s homem com uma s mulher (monogamia). A fidelidade (bonum fidee) est intimamente associada unidade. A indissolubilidade (bonum sacramenti) torna perptuo o vnculo matrimonial que s se desfaz por morte de um dos cnjuges. A dissoluo do casamento validamente celebrado s pode ser operada em casos excepcionais: por dispensa do Pontfice Romano, relativamente ao matrimnio rato e no consumado (can. 1142); atravs do privilgio pauliano (can. 1143); pelo privilgio petrino (can. 1148-1149). A unidade e a indissolubilidade so consideradas propriedades essenciais de qualquer matrimnio validamente celebrado, mesmo entre no baptizados. Mas, nos baptizados, tem particular solidez por fora do carcter sacramental do matrimnio que faz deste a expresso da unio mstica de Cristo e da Igreja. 44. O casamento catlico O art. 1577 CC, define o casamento como o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir famlia mediante uma plena comunho de vida, nos termos das disposies deste Cdigo. A comunho de vida no um simples instrumento de constituio de famlia, mas deve entender-se como sendo o prprio ncleo do casamento. O estado de casado uma comunho de vida. A constituio da famlia produto dessa comunho de vida. Se entendermos por constituio de famlia, a procriao, como parece mais correcto, a definio de casamento no Cdigo Civil aproxima-se muito do Direito Cannico. H que notar, tambm, que o direito portugus no d relevo consumao do matrimnio, ao contrrio do que acontece no Direito Cannico, atravs da dispensa do casamento rato e no consumado. O conceito de comunho de vida preenchido por outras disposies do Cdigo Civil. Os cnjuges esto vinculados aos deveres de respeito, fidelidade, coabitao, cooperao e assistncia (art. 1672 CC). A comunho de vida exclusiva (art. 1601-c CC) e presumptivamente perptua (art. 1773 CC). O CASAMENTO CIVIL E O CASAMENTO CATLICO: OS SISTEMAS MATRIMONIAIS 45. Os sistemas matrimoniais

No sistema do casamento religioso obrigatrio, a forma religiosa do casamento, segundo os ritos da Igreja reconhecida pelo Estado (Catlica, Ortodoxa ou Protestante) era a nica permitida (para efeitos civis). Segundo o sistema do casamento civil obrigatrio, o direito matrimonial do Estado obrigatrio para todos os cidados, independentemente da crena que professem. No reconhece, pois, o Estado Igreja o direito de disciplinar o casamento dos seus membros com eficcia na ordem civil. Contudo, e atento o princpio da liberdade religiosa, todos os cidados se podero casar segundo as normas da sua confisso religiosa, embora este casamento no produza quaisquer efeitos na ordem civil. O sistema do casamento civil obrigatrio vigora na generalidade dos pases. No sistema de casamento civil facultativo, os nubentes podem escolher livremente entre o casamento civil e o casamento religioso (catlico, protestante, etc.) atribuindo o Estado efeitos civis ao casamento seja qual for a forma da sua celebrao. Dentro deste sistema matrimonial, h que distinguir duas modalidades bastante diversas. Segundo uma, o Estado permite a celebrao do casamento sob qualquer forma, atribuindo a esta forma efeitos civis, mas sempre os mesmos. Segundo a outra modalidade do casamento civil facultativo, o Estado, ao admitir a forma de celebrao religiosa do casamento e ao conceder-lhe efeitos civis, atribui os efeitos previstos pelo Direito da Igreja a que pertencem os nubentes. Finalmente, h o sistema do casamento civil subsidirio. O Estado adopta o direito matrimonial religioso, impondo a celebrao segundo a forma religiosa, com os efeitos previstos no direito matrimonial religioso, a todos os que professem essa religio. O casamento civil previsto subsidiariamente, em termos de s o poderem celebrar aqueles que no professem a religio seguida pelo Estado. Ou seja: todos os catlicos estariam obrigados face do Estado, por o estarem face da Igreja, a celebrarem o casamento catlico. 46. A Concordata entre a Santa S e a Repblica Portuguesa Com a Concordata entre a Santa S e a Repblica Portuguesa, assinada na Cidade do Vaticano em 7 de Maio de 1940, confirmada e ratificada em 1 de Junho, publicada no Dirio do Governo de 10 de Junho de 1940 e que entrou em vigor em 1 de Agosto de 1941, o sistema matrimonial da I Repblica foi profundamente alterado. Segundo o novo sistema, era admitido o casamento civil facultativo na segunda modalidade. O Estado reconhecia efeitos civis aos casamentos catlicos (art. 22 da Concordata); no permitia aos seus Tribunais aplicar o divrcio a casamentos catlicos (art. 24); reservava aos Tribunais Eclesisticos a apreciao da validade dos casamentos catlicos (art. 25). Contudo, o direito matrimonial civil prevalecia sobre o sistema de impedimentos do casamento catlico; era tambm o direito civil que regulava o processo preliminar e o registo; e os Tribunais Civis eram competentes para decretar a separao de pessoas e bens relativamente aos casamentos catlicos. 47. O protocolo adicional Concordata

Em 15 de Fevereiro de 1975 foi assinado na Cidade do Vaticano, o Protocolo adicional Concordata de 7 de Maio de 1940. Este Protocolo deu nova redaco ao art. 24. Os Tribunais Civis passam a ser competentes para aplicar o divrcio a quaisquer casamentos com efeitos civis. Aqui includos os casamentos catlicos. Contudo, sublinha-se o grave dever dos cnjuges que celebraram o casamento catlico de no pedirem o divrcio. Trata-se, de um dever de conscincia que deve ser sopesado por cada um, de acordo com as circunstncias do caso, e cuja violao no implica consequncias de Direito Civil. Na sequncia do Protocolo Adicional, o DL 261/75, de 27 de Maio, revogou o art. 1790 CC que consagrava o princpio da indissolubilidade do casamento catlico pelo divrcio. um sistema de casamento civil facultativo. Facultativo para os catlicos que podem escolher entre a forma catlica e a forma civil de celebrao do matrimnio. O casamento civil obrigatrio para os restantes cidados, seja qual for a religio que professem. A lei civil no atribui quaisquer efeitos jurdicos respectiva cerimnia religiosa. O casamento catlico em Portugal no uma simples forma de celebrao, mas um instituto diferente, regulado, no s quanto forma mas tambm quanto ao fundo, por normas distintas das do Direito Civil. Certos aspectos do casamento catlico so regulados pelo Direito Civil. O Direito Civil exige capacidade civil para a celebrao do casamento catlico, aplicando a este casamento, em princpio, todo o sistema de impedimentos do casamento civil. certo que o casamento catlico estar sujeito antes de mais, ao sistema de impedimentos do Direito Cannico. Mas o sacerdote no poder celebrar um casamento catlico sem que lhe seja presente um certificado passado pelo conservador do registo civil, a declarar que os nubentes podem contrair casamento. Por outro lado, e para se obter uma unificao do registo do casamento, o sacerdote tem obrigao de enviar Conservatria do Registo Civil competente o duplicado do assento paroquial, a fim de ser transcrito no livro de assentos de casamento. A transcrio do duplicado do assento paroquial nos livros de registo civil condio legal da eficcia civil do casamento, no podendo o casamento catlico ser invocado enquanto no for lavrado o assento respectivo. CARACTERES DO CASAMENTO COMO ACTO E COMO ESTADO 48. Caracteres do casamento como acto: O casamento como negcio jurdico. O casamento como contrato O casamento um negcio jurdico: uma ou mais declaraes de vontade dirigidas a certos efeitos e que a ordem jurdica tutela em si mesmas e na sua direco, atribuindo efeitos jurdicos em geral correspondentes com aqueles que so tidos em vista pelos declarantes. O casamento, quer catlico quer civil, obedece a estas caractersticas. Contudo, e ao contrrio dos negcios jurdicos, em que domina o princpio da autonomia privada, a autonomia deixada aos nubentes muito pequena. Os efeitos pessoais do casamento, e alguns dos efeitos patrimoniais, so fixados imperativamente pela lei, sem que as partes possam, portanto, introduzir derrogaes no regime legal respectivo. As normas que fixam os efeitos

pessoais do casamento contm conceitos de tal modo gerais e indeterminados que, de facto, o casamento poder ser o que os cnjuges quiserem. Em matria de regime de bens, vigora de algum modo o princpio da liberdade contratual. Os nubentes podem fixar o regime de bens que entenderem mais correspondente aos seus interesses. Contudo, no se trata aqui de um efeito directo do casamento, mas antes de uma regulamentao acessria a este, do seu regime de bens. Quanto lei civil, o art. 1577 define o casamento como contrato. Este enquadramento do casamento no contrato dominante desde h sculos. A presena do conservador do registo civil, a sua interveno no acto, releva da mera forma. Forma constitutiva, sem dvida. Mas mera forma, tanto mais, que vem enquadrar as declaraes de vontade dos nubentes essenciais para a constituio do contrato. a contratualidade do casamento que melhor reflecte a sua essncia: a unio livre de duas pessoas para prosseguirem objectivos comuns. 49. O casamento como contrato entre pessoas de sexo diferente Esta diversidade exigida pelo fim do matrimnio que de estabelecer entre os cnjuges uma plena comunho de vida. Comunho de vida, fundada no amor. Quer para a religio catlica, em que o casamento o sacramento do amor oficiado pelos nubentes, quer para o Direito Civil, em que promove a comunho de vida, o casamento naturalmente predisposto s para duas pessoas de sexo diferente. Na base do casamento h o acto pelo qual um homem e uma mulher se reencontram. O casamento, enquanto comunho de vida e de amor, no possvel seno entre duas pessoas de sexo diferente. No s pela razo de s estas poderem procriar, como tambm pelo facto de s entre um homem e uma mulher haver possibilidade de uma completude. Em termos de cada um encontrar no outro as caractersticas que lhe faltam, e assim constiturem uma unidade que tenda para a perfeio e para a totalidade. Portanto, se os cnjuges forem do mesmo sexo, o casamento inexistente (art. 1628-e CC). No h, porm, que confundir a identidade de sexos, com a impotncia de uma das partes. O casamento transexual torna-se inexistente (independentemente de haver ou no causa de divrcio). E inexistente em virtude de se tratar de um casamento entre pessoas do mesmo sexo. No uma inexistncia originria, como no caso do casamento ser celebrado entre duas pessoas do mesmo sexo; uma inexistncia superveniente, em virtude de, depois da celebrao do casamento, os cnjuges virem a ficar com o mesmo sexo. 50. O casamento como negcio pessoal O casamento um negcio pessoal num duplo sentido. Primeiro, porque se destina a constituir uma relao familiar, a influir no estado dos nubentes. Alm disso, o casamento um negcio pessoal, por s poder ser concludo ou celebrado pessoalmente, no admitindo a representao. 51. O casamento como negcio solene O casamento, tanto civil como catlico, um negcio solene.

Note-se que o casamento um negcio particularmente solene. Enquanto que, para os negcios solenes, a forma consiste em simples documento escrito, contendo as declaraes de vontade das partes. A forma requerida para a validade, consiste na cerimnia da celebrao do acto. E no, propriamente, no documento escrito, assento ou registo, que deve ser lavrado e assinado aps a celebrao do casamento. Nestes termos, o casamento um contrato verbal, solene. Com esta formalidade especial, particularmente solene, e com o processo mais ou menos longo que a precede, a lei ter pretendido acentuar a importncia do casamento, o seu relevo para os nubentes e para a sociedade; fazendo reflectir aqueles, demorada e profundamente, sobre a sua real vontade de o celebrarem, e sobre a sua capacidade de assumirem os deveres do estado. 52. Caracteres do casamento como estado: unidade Uma das caractersticas do casamento como estado a unidade ou exclusividade; ou seja: uma pessoa no pode estar casada ao mesmo tempo com mais do que uma. esta caracterstica do casamento catlico, bem como do casamento civil, tradicional na nossa civilizao. Quanto ao Direito Civil, a proibio da poligamia ou da poliandria ressalta no art. 1601-c que inclui o casamento anterior no dissolvido no elenco dos impedimentos dirimentes absolutos do casamento. Quanto s segundas npcias, estas so admitidas tanto pelo Direito Civil como pelo Direito Cannico, na medida em que a morte dissolve o vnculo matrimonial. 53. Vocao de perpetuidade At introduo do divrcio, a doutrina referia-se ao carcter de perpetuidade do casamento, no sentido de que este s se dissolvia com a morte de algum dos cnjuges. Contudo, mesmo o Direito Cannico admitia e admite causas de dissoluo do vnculo independentemente da morte de um dos cnjuges: a dispensa de casamento rato e no consumado, o privilgio pauliano e o privilgio petrino. Isto, evidentemente, para alm das causas de invalidade do casamento que no pem em causa a sua perpetuidade, na medida em que o casamento declarado nulo um casamento que nunca existiu. Para o casamento civil com a adopo do divrcio, e, a perpetuidade transformou-se numa simples tendncia, numa vocao, numa caracterstica absoluta. O casamento celebra-se para a perpetuidade, no sentido de que no possvel apor-lhe um termo ou condio. Mas no perptuo na medida em que pode ser dissolvido por divrcio, at mesmo pelo divrcio por mtuo consentimento. O CASAMENTO COMO CONTRATO: REQUISITOS DE FUNDO 54. O consentimento: caractersticas Em matria de casamento no admissvel um casamento sem vontade, no sentido de que no se pode permitir a continuao do casamento sem uma vontade perfeita, livre, esclarecida, dirigida, pelo menos, aos principais efeitos prticos do casamento, prossecuo da comunho de vida que constitui a sua essncia. , assim, de dar uma importncia superior que atribuda nos

outros negcios jurdicos, ao princpio da vontade. No atenuando esta por ideias de responsabilidade ou de confiana. O consentimento deve ser pessoal, puro e simples, perfeito e livre. O consentimento deve ser pessoal, no sentido de que h-de ser expresso pelos prprios nubentes, pessoalmente no acto da celebrao. A vontade de contrair casamento estritamente pessoal em relao a cada um dos nubentes (art. 1619 - a vontade de contrair casamento estritamente pessoal em relao a cada um dos nubentes - CC). A lei admite, porm, o casamento por procurao, o qual constitui uma excepo, embora de limitado mbito. S um dos nubentes pode fazer-se representar por procurador (arts. 1620/1 CC; e 44/1 CRC). Tem de tratar-se de procurao em que se confirmam poderes especiais para o acto, se individualize a pessoa do outro nubente e se indique a modalidade de casamento (arts. 1620/2 CC; e 44/2 CRC). Note-se que, nos termos do art. 1628-d CC, o casamento por procurao ser inexistente se tiver sido celebrado depois de terem cessado os efeitos da procurao, se esta no foi concedida por quem nela figure como constituinte, ou quando for nula por falta de concesso de poderes especiais para o acto ou designao expressa do outro contraente. E, por fora do art. 1621/1 CC, cessam todos os efeitos da procurao pela sua revogao, pela morte do constituinte ou do procurador ou pela interdio de qualquer deles em consequncia de anomalia psquica. A simples revogao da procurao, independentemente de esta revogao ser levada ao conhecimento do procurador, faz cessar todos os seus efeitos. O procurador para o efeitos de casamento um mero representante na declarao. No pode a vontade do constituinte ser uma vontade incompleta, a preencher pelo procurador. O consentimento deve ser puro e simples: no pode se aposta ao casamento uma condio ou um termo (art. 1618/2 CC). Qualquer clusula deste tipo deve considerar-se no escrita por fora do art. 1618/2 CC. Portanto o casamento celebrado nestes termos ser vlido como se tivesse sido puro e simples o consentimento prestado. A favor do carcter puro e simples do consentimento pode invocar-se a dignidade deste, afectando profundamente o estado dos nubentes, em termos de no poder ser um contrato temporrio. 55. Perfeio do consentimento O consentimento deve ser perfeito, em duplo sentido: devem ser concordantes uma com a outra as duas declaraes de vontade que o integram; e, tambm, em cada uma dessas declaraes de vontade deve haver concordncia entre a vontade e a declarao. Esta concordncia presumida pela lei, pois o art. 1634 CC, considera que a declarao de vontade no acto da celebrao constitu presuno de que os nubentes quiseram contrair o matrimnio. A divergncia entre a vontade e a declarao est prevista no art. 1635 CC, que enumera diversas hipteses em que o casamento pode ser anulado por falta de vontade. Deve entender-se que esta enumerao taxativa, s sendo anulvel o casamento nos casos que se integrem em qualquer uma destas factualidades tpicas (art. 1627 CC).

A anulao pode ser requerida pelo prprios cnjuges ou por quaisquer pessoas prejudicadas com o casamento (art. 1640/1 CC) dentro de trs anos subsequentes sua celebrao ou, se o casamento era ignorado do requerente, nos seis meses seguintes data que dele teve conhecimento (art. 1644 CC). A invocao do vcio do casamento pelos prprios cnjuges justifica-se, e bem, pela importncia que o consentimento, e um consentimento perfeito, tm na celebrao do casamento. A anulao do casamento simulado (art. 1635/1-d CC), tal como a nulidade dos negcios jurdicos em geral, no pode ser oposta a terceiros que tenham acreditado de boa f na validade do casamento (art. 243 CC). Se tiver havido um simples desvio na vontade negocial, em termos do declarante executar voluntariamente o comportamento declarativo, querendo realizar um negcio jurdico, mas no o casamento, o casamento anulvel. Anulvel a requerimento do nubente cuja vontade faltou (art. 1640/2 CC), podendo a aco ser continuada pelos seus parentes, afins na linha recta, herdeiros ou adoptantes se o autor falecer na pendncia da causa, dentro dos trs anos subsequentes celebrao do casamento ou, se este era ignorado do requerente, nos seis meses seguintes data que dele teve conhecimento (art. 1644 CC). 56. Liberdade do consentimento O consentimento deve ser livre, liberdade que a lei presume (art. 1634 CC). Para que o consentimento seja livre, preciso que a vontade dos nubentes tenha sido formada com exacto conhecimento dos efeitos do contrato que vo celebrar, ou seja, do contedo do estado de casado. , alm disso, necessrio que se tenha formado com liberdade exterior, sem presso de violncias ou ameaas. O primeiro aspecto integra-se na doutrina do erro; o segundo na doutrina da coaco. No assumem, assim, relevo, no casamento, nem o dolo nem o estado de necessidade. a) Erro: Segundo o art. 1636 CC (o erro que vicia a vontade s relevante para efeitos de anulao quando recaia sobre qualidades essenciais da pessoa do outro cnjuge, seja desculpvel e se mostre que sem ele, razoavelmente, o casamento no teria sido celebrado), o erro tem de recair sobre a pessoa com quem se realiza o casamento e versar sobre uma qualidade essencial desta. A relevncia do erro no casamento depende dos seguintes pressupostos: deve recair sobre qualidade essencial da pessoa do outro cnjuge; ser prprio; desculpvel; e que a circunstncia sobre a qual o erro versou tenha sido determinante da vontade de contrair casamento. O erro no h-de recair sobre qualquer requisito legal de existncia ou validade do casamento (erro prprio). O erro deve ser desculpvel (art. 1686 CC): aquele em que no teria cado uma pessoa normal, perante as circunstncias do caso, no pode ser invocado como pressuposto da invalidade do casamento. Basta que o erro tenha sido essencial para o declarante na formao da sua vontade. b) Coaco: O art. 1638 CC ( anulvel o casamento celebrado sob coaco moral, contanto que seja grave o mal com que o nubente ilicitamente ameaado, e

justificado o receio da sua consumao), permite a anulao do casamento com fundamento em coaco. Entendendo-se por coaco, vcio da vontade, o receio ou temor ocasionado no declarante pela cominao de um mal, dirigido sua prpria pessoa, honra, ou fazer da ou de um terceiro. Nos termos do art. 1638/1 CC, anulvel o casamento celebrado sob coaco moral, desde que seja grave o mal com que o nubente foi ilicitamente ameaado e justificado o receio da sua consumao. Acentue-se que a coaco relevante mesmo que a ameaa vise interesses patrimoniais e, quando tiver como objecto terceiro, seja qual for a relao entre esse terceiro e o declarante coagido. Em matria de casamento, no se distingue entre as hipteses de a coaco provir de outro contraente ou de um terceiro. c) Regime da anulabilidade por erro e coaco: Quando verificados os pressupostos tpicos do erro ou da coaco, o casamento anulvel os termos do art. 1631-b CC (celebrado, por parte de um ou de ambos os nubentes, com falta de vontade ou com a vontade viciada por erro ou coaco). A aco de anulao pode ser intentada pelo cnjuge, enganado ou coacto, podendo prosseguir nela os seus parentes, ou afins na linha recta, herdeiros ou adoptantes, se o autor falecer na pendncia da causa (art. 1641 - a aco de anulao fundada em vcios da vontade s pode ser intentada pelo cnjuge que foi vtima do erro ou da coaco; mas podem prosseguir na aco os seus parentes, afins na linha recta, herdeiros ou adoptantes, se o autor falecer na pendncia da causa CC), dentro dos seis meses subsequentes cessao do vcio (art. 1645 - a aco de anulao fundada em vcios da vontade caduca, se no for instaurada dentro dos seis meses subsequentes cessao do vcio CC). A anulabilidade sanvel mediante confirmao (art. 288 CC). Confirmao que pode ser expressa ou tcita. 57. Capacidade Atenta a importncia pessoal e social do casamento, a lei pretende que os casamentos celebrados o sejam entre pessoas com capacidade para o fazerem. E no se limita a deixar a averiguao das capacidades para um momento posterior celebrao do casamento, com a consequente declarao de invalidade deste. Estabelece um rigoroso procedimento de averiguao das incapacidades, anterior ao casamento, de modo a que s se case quem for capaz, e casamentos celebrados no sejam dissolvidos por incapacidades dos cnjuges. A lei pretende rodear de especiais precaues a celebrao dos casamentos quanto capacidade dos nubentes. Nesta ordem de ideias, estabelece um procedimento particularmente rigoroso e prvio de averiguao das incapacidades. Atentos os fins do casamento, so estabelecidas incapacidades diferentes das da generalidade dos negcios jurdicos, e, em certos casos, previsto um regime mais severo de invalidade. Contudo, como a lei pretende rodear de estabilidade o casamento e promover a sua celebrao, h certos casos de violao de normas legais que ficam incapacidades que no so sancionadas, ou no o so nos termos severos em que o seriam nos negcios jurdicos em geral.

As incapacidades matrimoniais so geralmente designadas por impedimentos matrimoniais, na medida em que impedem a celebrao do casamento. A lei distingue (arts. 1601, 1602 e 1604 CC) entre impedimentos dirimentes e simplesmente impedientes. Os primeiros implicam a anulao do casamento que tenha sido contrado apesar da sua existncia (art. 1631-a CC); os segundos aplicam outras sanes menos rigorosas do que a anulabilidade. Outra classificao a que distingue entre impedimentos absolutos, so verdadeiras incapacidades, pois se fundam numa caracterstica da pessoa, impedindo-a de casar seja com quem for. Impedimentos relativos, so ilegitimidades que se fundam numa relao da pessoa com outra ou outras e s lhe probem o casamento com essa ou essas pessoas. Os impedimentos tambm podem ser divididos entre dispensveis e no dispensveis, admitindo os primeiros, e no os segundos, dispensa. Sendo dispensa o acto pelo qual uma autoridade, atendendo s circunstncias do caso concreto, autoriza o casamento nesse caso, no obstante a existncia de determinado impedimento. O CASAMENTO COMO CONTRATO: REQUISITOS DE FORMA 58. Requisitos gerais de fora: o processo preliminar A celebrao do casamento o acto terminal de um procedimento, chamado processo de casamento ou processo preliminar de publicaes, que visa obrigar as partes a reflectir no passo importantssimo que vo dar e a assegurar a conformidade lei do contrato a celebrar. Dada a importncia do casamento para os cnjuges, os seus parentes, filhos e para a sociedade em geral, o legislador pretende prevenir leviandades e vcios, mais do que remedi-los depois, com os inerentes custos pessoais e sociais. Os nubentes devem declarar a sua inteno de contrair casamento na conservatria indicada. Tal declarao pode ser prestada, quanto ao casamento catlico, pelo proco competente para a organizao do casamento catlico (art. 135 CRC). Findo o prazo das publicaes e efectuadas as diligncias necessrias, o conservador, no prazo de trs dias a contar da ltima diligncia, deve lavrar despacho a autorizar os nubentes a celebrar casamento, ou mandar arquivar o processo, conforme for de Direito (art. 144/1 CRC). O despacho favorvel notificado aos nubentes (n. 4). No caso de despacho favorvel, o casamento deve celebrar-se no prazo de noventa dias (art. 145 CRC). 59. Celebrao do casamento Devem estar presentes no acto de celebrao do casamento os nubentes ou um deles e o procurador do outro, o conservador e podendo estar presentes duas a quatro testemunhas (art. 154 CRC). A celebrao do casamento pblica e obedece a forma prevista na lei (art. 155 CRC). 60. Registo do casamento O registo do casamento obrigatrio, no sentido de que se trata da nica prova legalmente admitida do matrimnio que, sem ela, no pode ser invocado, quer pelas pessoas a quem respeita, quer por terceiros. O registo faz prova

plena de todos os factos nele contidos, no podendo a prova resultante do registo civil quanto aos factos a ele sujeitos e ao correspondente estado civil, ser ilidida por qualquer outra, excepto nas aces de estado e nas de registo (arts. 1 a 4 CRC; 261, 262 CC). O registo do casamento pode ser lavrado por inscrio (art. 52-e CRC), ou transcrio (art. 53-b) c) d) CRC). O casamento civil tem o registo lavrado por inscrio no livro prprio da Conservatria. 61. Especialidades: casamentos urgentes Os casamentos urgentes (arts. 1622 CC, 156 CRC), so aqueles celebrados quando haja fundado receio de morte prxima de algum dos nubentes, ou iminncia de parto. O casamento celebrado independentemente de processo de publicaes e sem interveno do funcionrio do Registo Civil. As formalidades reduzem-se a uma proclamao oral ou escrita, feita porta da casa onde se encontrem os nubentes, pelo funcionrio do registo civil, ou, na falta dele, por qualquer das pessoas presentes, de que se vai celebrar o casamento (art. 156-a CRC). A celebrao do casamento reduz-se s declaraes expressas de consentimento de cada um dos nubentes perante quatro testemunhas, duas das quais no podero ser parentes sucessveis dos nubentes (alnea b). Deve redigir-se uma acta de casamento em seguida celebrao do mesmo (alnea c), assinada por todos os intervenientes que saibam e possam escrever, desde que no seja possvel lavrar imediatamente no livro prprio o assento provisrio. Na acta devem referir-se as circunstncias especiais da celebrao. Os casamentos urgentes consideram-se sempre celebrados no regime de separao de bens (art. 1720/1-a CC). 62. Casamento de portugueses no estrangeiro e de estrangeiros em Portugal O casamento contrado no estrangeiro entre dois portugueses ou entre portugus e estrangeiro, pode ser celebrado por trs formas: perante ministros do culto catlico; perante os agentes diplomticos ou consulares portugueses, na forma estabelecida pela lei civil; perante as autoridades legais competentes, na forma estabelecida pela lei civil; perante as autoridades legais competentes, na forma prevista pela lei do lugar da celebrao. De qualquer modo, dever haver sempre o processo de publicaes, salvo nos casos em que a lei permita celebrao do casamento com dispensa do processo. O casamento de estrangeiros em Portugal (arts. 165 166 CRC) pode ser celebrado segundo as formas e nos termos previstos do Cdigo de Registo Civil, ou segundo a forma e nos termos previstos na lei nacional de qualquer dos nubentes, perante os respectivos agentes diplomticos ou consulares, desde que igual competncia seja reconhecida pela mesma lei aos agentes diplomticos e consulares portugueses (art. 51/ CC, 165 CRC). INVALIDADE DO CASAMENTO 63. Inexistncia do casamento: casos de inexistncia Os casos de inexistncia so os previstos no art. 1628 CC: casamentos celebrados por quem no tenha competncia funcional para o acto; celebrados

entre pessoas do mesmo sexo; ou em que falta declarao de vontade dos nubentes ou de um deles. Note-se, todavia, que o casamento celebrado perante funcionrio de facto, no s no inexistente, como nem sequer anulvel (art. 1629 CC). Entendendo-se por funcionrio de facto aquele que, sem ter competncia funcional para o acto, exercia publicamente as correspondentes funes. O casamento inexistente no produz quaisquer efeitos, sequer putativos, podendo a inexistncia ser invocada a qualquer tempo, e por qualquer interessado, independentemente de declarao judicial (art. 1630 CC). 64. Anulabilidade do casamento O art. 1627 CC, consagra o princpio no h nulidade sem texto, ou seja, o princpio da tipicidade das causas de nulidade: no h nulidades tcitas mas s expressas, fixando a lei taxativamente o seu elenco. Todos os casamentos que a lei no diga que sejam nulos, devem considerar-se vlidos. Os casos de anulabilidade so, pois, exclusivamente, os referidos no art. 1631. Os casamentos contrados com impedimento dirimente (falta de idade nupcial, demncia notria, interdio ou inabilitao por anomalia psquica, casamento anterior no dissolvido, parentesco na linha recta, parentesco no segundo grau da linha colateral, afinidade na linha recta e condenao por homicdio). Os casamentos celebrados com falta de vontade por parte de um ou de ambos os nubentes incapacidade acidental ou outra causa que determine a falta de conscincia do acto, erro acerca da identidade fsica do outro contraente, coaco fsica e simulao. Os casamentos em que tenha havido vcio da vontade juridicamente relevante erro de vcio e coaco moral. Os casamentos celebrados sem a presena das testemunhas exigidas por lei. A anulabilidade no opera ipso iure (art. 1632 CC), s podendo ser proposta por certas pessoas (art. 1639 e 1642 CC) e dentro de certos prazos (arts. 1643 e 1646 CC); a anulabilidade pode ser sanada em determinadas condies (art. 1633 CC). Quando os casamentos so contrados com impedimentos dirimentes, tanto os cnjuges como os seus parentes em linha recta ou at ao quarto grau da linha colateral, herdeiros e adoptantes, bem como o Ministrio Pblico, podem propor a aco de anulao. Isto em virtude de se tratar do interesse pblico em que se no mantenham casamentos celebrados nestas condies. A lei admite que a anulabilidade seja sanada, fixando um certo prazo para a propositura da aco. Ou ento no permite que a anulao seja requerida depois de ter desaparecido o motivo da anulabilidade. Verifica-se este regime quando o casamento celebrado apesar dos impedimentos de falta de idade nupcial, demncia notria, interdio ou inabilitao por anomalia psquica, e casamento anterior no dissolvido. Noutras situaes, o motivo da anulabilidade permanente. Portanto, a lei no permite que seja sanada a anulabilidade podendo esta ser arguida em prazo muito mais longo. So os casos de o casamento ter sido celebrado com os impedimentos de parentesco ou afinidade em linha recta, parentesco no segundo grau da linha colateral e condenao por homicdio.

Outras situaes h, em que s o Ministrio Pblico pode propor a aco de anulao, dado que s est em causa o interesse pblico, e no tambm o dos cnjuges e das suas famlias: o casamento foi celebrado sem a presena de testemunhas. Noutras situaes a anulabilidade visa s proteger o interesse de um dos cnjuges. Portanto, s esse cnjuge pode requerer a anulao. Sobre a simulao rege art. 1640/1 CC. Aqui intervm tambm o interesse das pessoas com o casamento. 65. Casamento putativo Nos termos do art. 1647 CC, o casamento, catlico ou civil, produz efeitos apesar da declarao de nulidade, quanto ao casamento catlico ou da anulao quanto ao casamento civil. O instituto do casamento putativo visa afastar os inconvenientes para os cnjuges, para os filhos e para terceiros da declarao de nulidade ou da anulao do casamento. A lei considera justo que o casamento invlido produza apesar disso certos efeitos, variveis conforme se trate de proteger terceiros, os filhos ou os cnjuges, e dependentes da boa f em que cada um deles se encontre. Os efeitos que a lei atribui ao casamento invlido so pelo menos, parte dos que este produziria se tivesse sido vlido. A produo de efeitos pelo casamento invlido depende de trs pressupostos: a) necessria a existncia de um casamento. Se o casamento for inexistente, no produz qualquer espcie de efeito. b) O casamento deve ter sido declarado nulo, ou anulado. c) Finalmente, exige-se que um dos cnjuges, ou ambos, esteja de boa f, para que o casamento produza efeitos em relao a eles ou produza efeitos favorveis ao cnjuge de boa f e, reflexamente, os produza em relao a terceiros. Quanto aos filhos, o casamento produz efeitos, mesmo que ambos os cnjuges o tenha contrado de m f. Quanto aos efeitos do casamento putativo, a regra geral a seguinte: os efeitos j produzidos mantm-se at ao momento da declarao da nulidade, ou da anulao, mas no se produzem efeitos desde o momento da sua celebrao em termos idnticos ao regime jurdico do divrcio. Quanto aos cnjuges, se eles estavam de boa f, o casamento produz, todos os efeitos entre eles at data de declarao de nulidade ou anulao (art. 1657/1 CC). Se s um dos cnjuges estava de boa f, o casamento produz em relao a ambos os cnjuges os efeitos que forem favorveis ao cnjuge de boa f (art. 1647/2 CC). Se ambos os cnjuges estavam de m f, o casamento no produz efeitos em relao a eles. No que se refere aos filhos, e quer o casamento tenha sido contrado de boa f ou de m f pelos cnjuges, produz os efeitos favorveis aos filhos nascidos no casamento, nomeadamente no que se refere presuno pater is est (art. 1827 CC). Os terceiros que estabeleceram com os cnjuges relaes dependentes da validade do casament